O Trecheiro - março de 2015 #229

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IMPRESSO Notícias do Povo da Rua Rede Rua de Comunicação - Rua Sampaio Moreira, 110 – Casa 9 – Brás – 03008–010 São Paulo SP – Fone - 3227-8683 - 3311-6642 - [email protected] Ano XXII Março de 2015 - Nº 229 Em fevereiro de 2004, o jornal O Trecheiro publicou matéria assinada por Kênia Rezende sobre a dificuldade das pessoas em situação de rua de encontrar água na cidade de São Paulo. Naquele período, a cidade também vivia escassez de chuvas e ameaça de racio- namento. “Segundo os espe- cialistas logo pode faltar água potável no planeta. Para quem mora nas ruas esta realidade já é antiga”, dizia o texto de capa do jornal. A matéria cita- va um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) que indicava que cada habitante do planeta precisaria de 40 litros de água por dia para viver. Hoje, convive-se com o agravamento da falta d’água classificada como crise hídrica, mas que já vinha sendo cogita- da por especialistas há muitos anos. No entanto, a crise para a população de rua sempre foi permanente. É sempre difícil tomar banho, lavar roupa ou mesmo ter água limpa para ma- tar a sede nas ruas da cidade. O morador de rua utiliza-se de vazamentos, nascentes e chafa- rizes, além da boa vontade de donas de casa e comerciantes. Só que a crise recente mudou o acesso da população de rua a essas fontes alternativas. Co- mércio e residências têm ficado sem abastecimento, além da seca em outras fontes. A escassez de água tem cau- sado transtornos e revolta nas ruas. Os serviços assistenciais públicos, com frequência, têm falta de água, como denun- ciou recentemente padre Júlio Lancellotti à imprensa. A sede provoca nervosismo entre os moradores e dificulta o atendi- mento assistencial. Helder Brás, de 47 anos, há cinco anos no trecho, nunca ha- via passado por uma situação como a que está vivendo na ci- dade de São Paulo. Natural de Recife, acredita que o consumo da água em São Paulo é maior que em sua cidade e avalia que também o transtorno aumenta pela escassez de água em fun- ção da estrutura da cidade com- pletamente coberta de asfalto e concreto canalizando toda a água da chuva para o esgoto ao invés de irrigar o solo. “O homem está asfaltan- do a terra, o planeta, e a água vai ficando cada vez mais es- cassa”, conclui. Helder busca água no metrô da Praça da Sé, mas reclama que a água é quente e não dá para beber. Outro local que Helder utili- za para conseguir água é no CAPS, mas mostra embaixo do braço uma sacola cheia de roupas para lavar. “Antes eu ia no albergue da Achiro- pita, mas retiraram as tornei- ras e não dá mais para lavar a roupa. Também não dá mais para tomar banho lá, então tá muito difícil”, reclama. Hel- der acha que as coisas devem piorar, pois não deve chover essa semana. Acredita que a solução para o morador de rua é a Prefeitura armazenar água da chuva nos serviços assis- tenciais públicos, não para consumo, mas para higiene e outros usos. “A população foi crescendo e não pensaram em fazer mais re- servatório de água. Lá na minha cidade, em Fortaleza, tinha dois açudes, a população aumentou e começou a faltar água então construíram mais três açudes, agora tem água sobrando”, co- menta Luiz Brasil, 54 anos, mo- rador das imediações do Largo São Francisco que está nas ruas há seis meses. Ex-morador de Diadema, precisou sair do em- prego para fazer um tratamento contra labirintite e artrite, indo viver na rua. Também usava o albergue da Achiropita para to- mar banho, mas já não consegue tomar lá após a restrição do uso, Fotos: Luciney Martins Falta água... mas sempre faltou! e ficou vários dias sem banho. Para beber, Luiz compra água em garrafas. “As garrafas de dois li- tros tá custando dois reais”, lem- bra ele. Luiz também acha que a situação pode piorar e não acre- dita que as autoridades farão algo para melhorar a situação. O Trecheiro buscou conta- to com a Prefeitura de São Paulo para saber quais ações e acom- panhamentos vinham sendo re- alizados quanto ao impacto da crise hídrica na população em Davi Amorim Também usava o albergue da Achiropita para tomar banho, mas já não consegue tomar lá após a restrição do uso, e ficou vários dias sem banho. Para beber, Luiz compra água em garrafas Bica da Avenida Sumaré Na edição de O Trecheiro de fevereiro de 2004, o jor- nal apontou a Bica da Sumaré, uma nascente de água natural que fica em uma calçada da Avenida Sumaré, em Perdizes, que é famosa entre os moradores de rua da região, pois é uma fonte de água permanente. Hoje, mesmo com a escassez de água, verificamos que a Bica ainda existe e atrai um grupo de pessoas em situação de rua que mora no entorno. Enquanto isso... o bixo pega! Charge: Rafael Corrêa - Blog: www.rafaelcartum.blogspot.com.br O homem está asfaltando a terra, o planeta, e a água vai ficando cada vez mais escassa”, conclui. Helder busca água no metrô da Praça da Sé O prefeito Fernando Haddad deu ordem para economizar 20% de água nos serviços públicos da cidade situação de rua. As assessorias de imprensa da Smads e da prefeitura não responderam es- pecificamente sobre ações para a população de rua, apenas es- clareceram que o prefeito Fer- nando Haddad deu ordem para economizar 20% de água nos serviços públicos da cidade, que inclui as casas de acolhi- mento, assim como ações de cobrança e esclarecimento jun- to à Sabesp e governo estadu- al quanto ao abastecimento de água na cidade.

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Jornal da Associação Rede Rua de Comunicação

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Notícias do Povo da Rua Rede Rua de Comunicação - Rua Sampaio Moreira, 110 – Casa 9 – Brás – 03008–010 São Paulo SP – Fone - 3227-8683 - 3311-6642 - [email protected]

Ano XXII Março de 2015 - Nº 229

Em fevereiro de 2004, o jornal O Trecheiro publicou matéria assinada por Kênia Rezende sobre a difi culdade das pessoas em situação de rua de encontrar água na cidade de São Paulo. Naquele período, a cidade também vivia escassez de chuvas e ameaça de racio-namento. “Segundo os espe-cialistas logo pode faltar água potável no planeta. Para quem mora nas ruas esta realidade já é antiga”, dizia o texto de capa do jornal. A matéria cita-va um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) que indicava que cada habitante do planeta precisaria de 40 litros de água por dia para viver.

Hoje, convive-se com o agravamento da falta d’água classifi cada como crise hídrica, mas que já vinha sendo cogita-da por especialistas há muitos anos. No entanto, a crise para a população de rua sempre foi permanente. É sempre difícil tomar banho, lavar roupa ou mesmo ter água limpa para ma-tar a sede nas ruas da cidade. O morador de rua utiliza-se de

vazamentos, nascentes e chafa-rizes, além da boa vontade de donas de casa e comerciantes. Só que a crise recente mudou o acesso da população de rua a essas fontes alternativas. Co-mércio e residências têm fi cado sem abastecimento, além da seca em outras fontes.

A escassez de água tem cau-sado transtornos e revolta nas ruas. Os serviços assistenciais públicos, com frequência, têm falta de água, como denun-ciou recentemente padre Júlio Lancellotti à imprensa. A sede provoca nervosismo entre os moradores e difi culta o atendi-mento assistencial.

Helder Brás, de 47 anos, há cinco anos no trecho, nunca ha-via passado por uma situação como a que está vivendo na ci-dade de São Paulo. Natural de Recife, acredita que o consumo da água em São Paulo é maior que em sua cidade e avalia que também o transtorno aumenta pela escassez de água em fun-ção da estrutura da cidade com-pletamente coberta de asfalto e concreto canalizando toda a água da chuva para o esgoto ao

invés de irrigar o solo. “O homem está asfaltan-

do a terra, o planeta, e a água vai fi cando cada vez mais es-cassa”, conclui. Helder busca água no metrô da Praça da Sé, mas reclama que a água é quente e não dá para beber. Outro local que Helder utili-za para conseguir água é no CAPS, mas mostra embaixo do braço uma sacola cheia de roupas para lavar. “Antes eu ia no albergue da Achiro-pita, mas retiraram as tornei-ras e não dá mais para lavar a roupa. Também não dá mais para tomar banho lá, então tá muito difícil”, reclama. Hel-der acha que as coisas devem piorar, pois não deve chover essa semana. Acredita que a solução para o morador de rua é a Prefeitura armazenar água da chuva nos serviços assis-tenciais públicos, não para consumo, mas para higiene e outros usos.

“A população foi crescendo e não pensaram em fazer mais re-servatório de água. Lá na minha cidade, em Fortaleza, tinha dois açudes, a população aumentou e começou a faltar água então construíram mais três açudes, agora tem água sobrando”, co-menta Luiz Brasil, 54 anos, mo-rador das imediações do Largo São Francisco que está nas ruas há seis meses. Ex-morador de Diadema, precisou sair do em-prego para fazer um tratamento contra labirintite e artrite, indo viver na rua. Também usava o albergue da Achiropita para to-mar banho, mas já não consegue tomar lá após a restrição do uso,

Fotos: Luciney Martins

Falta água... mas sempre faltou!

e fi cou vários dias sem banho. Para beber, Luiz compra água em garrafas. “As garrafas de dois li-tros tá custando dois reais”, lem-bra ele. Luiz também acha que a situação pode piorar e não acre-dita que as autoridades farão algo para melhorar a situação.

O Trecheiro buscou conta-to com a Prefeitura de São Paulo para saber quais ações e acom-panhamentos vinham sendo re-alizados quanto ao impacto da crise hídrica na população em

Davi Amorim

Também usava o albergue da Achiropita para tomar banho, mas já não consegue tomar lá após a restrição do uso, e fi cou vários dias sem banho. Para beber, Luiz

compra água em garrafas

Bica da Avenida Sumaré Na edição de O Trecheiro de fevereiro de 2004, o jor-nal apontou a Bica da Sumaré, uma nascente de água natural que fi ca em uma calçada da Avenida Sumaré, em Perdizes, que é famosa entre os moradores de rua da região, pois é uma fonte de água permanente. Hoje, mesmo com a escassez de água, verifi camos que a Bica ainda existe e atrai um grupo de pessoas em situação de rua que mora no entorno.

Enquanto isso... o bixo pega!

Charge: Rafael Corrêa - Blog: www.rafaelcartum.blogspot.com.br

O homem está asfaltando a terra, o planeta, e a água vai fi cando cada vez mais escassa”, conclui. Helder busca água no metrô da Praça da Sé

O prefeito Fernando Haddad deu ordem para economizar

20% de água nos serviços públicos da cidade

situação de rua. As assessorias de imprensa da Smads e da prefeitura não responderam es-pecifi camente sobre ações para a população de rua, apenas es-clareceram que o prefeito Fer-nando Haddad deu ordem para economizar 20% de água nos serviços públicos da cidade, que inclui as casas de acolhi-mento, assim como ações de cobrança e esclarecimento jun-to à Sabesp e governo estadu-al quanto ao abastecimento de água na cidade.

O Trecheiro página 2 Março de 2015

Rua Sampaio Moreira,110 - Casa 9 - Brás - 03008-010 - São Paulo - SP - Fone: (11) 3227-8683 3311-6642 - Fax: 3313-5735 - www.rederua.org.br - E-mail: [email protected]

CONSELHO EDITORIALArlindo DiasEDITORIAL Produção Coletiva

Jornalista ResponsávelDavi AmorimMTB: 48.215/SP

EQUIPE DE REDAÇÃO Andreza do CarmoArlindo DiasCleisa RosaDavi AmorimHigor CarvalhoMarcia HirataSebastião Nicomedes

REVISÃO Cleisa Rosa

FOTOGRAFIA Fridas Photos e VídeosPaulo LopesRede Rua

EDITOR DE ARTE Fabiano Viana

APOIOBrayan Farias Felipe MoraesJoão M. de OliveiraIMPRESSÃO Editora Paulus

No dia 23 de março, a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) deu início ao Censo da População em Situação de Rua em São Paulo, com a previsão de nove noites de trabalho de campo (de 2ª a 5ª feira) e de término no dia 9 de março, data que pode ser alterada em razão das chuvas, segundo informação da FIPE. A primeira etapa responde ape-nas a duas perguntas: quantas pessoas e onde estão, incluindo ruas e albergues. A segunda diz respeito ao levantamento do perfi l socioeconômico da população em situação de rua, realizado por amostragem, pre-vista para o 1º semestre de 2015.

Apesar da importância desse estudo e da serie-dade dos profi ssionais envolvidos queremos enfatizar alguns aspectos que se repetem ao longo dos anos em torno desse tipo de iniciativa do poder municipal res-

paldado pela lei nº 12.316/97. Levantamentos do perfi l, da situação econômica e das

possibilidades de saídas da situação de rua já foram temas de inúmeros estudos, pesquisas e censos realizados, mas sem con-sequências signifi cativas na elaboração e execução das políti-cas públicas na cidade de São Paulo.

Nâo há duvidas que aumentou o número de serviços, de equipamentos, e de orçamentos, bem como, cresceu o número de pessoas morando em situação de rua. Aqui não cabe julga-mento pessoal para aquele ou aquela gestora, mas, o fato é que falta uma política de impacto na qualidade, na quantidade e na forma de administrar os recursos que não são poucos. Aumen-tar o número de serviços e sua capacidade é pouco para essa realidade que por si só é desafi adora, porque se trabalha com gente, com o ser humano na sua integralidade. Se existisse uma só pessoa em situação de rua, com a política que temos atual-mente ela continuaria na rua, porque não há saídas concretas para ela.

O que sempre defendemos neste espaço é que as pesqui-sas são importantes e necessárias. Além dos bons profi ssionais que já estão presentes nesse censo, defendemos a transparên-cia dos dados, a publicação completa do censo e pesquisa e a participação efetiva das pessoas em situação de rua e dos profi ssionais que lidam com essa realidade em todas as etapas. Destacamos, principalmente, a necessidade urgente da reali-zação de seminários e debates, a partir dos resultados, e que sejam elaboradas propostas de superação dessa realidade. Nesse sentido, não podemos deixar de continuar cobrando do governo federal a pesquisa nacional, isto é, a inclusão das pes-soas em situação de rua no censo do IBGE, previsto para 2020.

Nesta edição, destacamos a Vida no Trecho do Carlinhos, um dos fundadores da reciclagem organizada em cooperativa no Brasil, a Coopamare, No silêncio, como sua história, fez o Glicério sua morada e da carroça o seu sustento. No fi nal da vida, dedicou-se ao artesanato e ao acolhimento de quem chegava ao número 477 da Rua dos Estudantes. “O fi lho mais velho deixou o trabalho e os estudos para se dedicar exclusi-vamente aos cuidados com o pai em um gesto fi nal de agrade-cimento e de carinho”. Dedicamos também esta edição a esse lutador, como outros: Benedito, Amado, Nenuca, Cenira, Or-lando... e foram tantos! Com todos eles e elas o céu está mais feliz do que por aqui!

Leitores, leitoras, amigos, amigas e todas as pessoas que agora estão lendo este editorial, o nosso pedido de desculpas pela demora desta edição. Já faz um tempo que não consegui-mos publicar o jornal por motivos vários, entre eles a falta de tempo da equipe, a inexistência de pessoa liberada para coor-denar a preparação dos textos e buscar os recursos para os en-caminhamentos das outras etapas. A equipe vem se esforçando e, graças a isso, estamos de volta para dar continuidade a esse trabalho. Acreditamos que a comunicação alternativa trata es-pecifi camente de dar visibilidade a realidades sociais muitas vezes não contempladas pelas políticas públicas. E, fi nalmente, acreditamos contribuir na direção da conquista e avanço da dignidade das pessoas que estão em situação de rua.

VIDA NO TRECHOE

dito

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APOIO:

O Trecheiro Notícias do Povo da Rua

Outro censo, outra pesquisa, o que pode mudar?

Carlinhos, presente!

Davi Amorim

Faleceu no dia 10 de dezembro, aos 62 anos, o Carlinhos, Carlos Roberto Fabrício, um dos fundado-res da primeira cooperati-va de catadores do Brasil, da Cooperativa de Catado-res Autônomos de Papel, Papelão, Aparas e Mate-riais Reaproveitáveis (Co-opamare), de São Paulo em decorrência de um cân-cer. Ele deixará saudades aos seus companheiros e companheiras de luta, pois teve papel importante na organização dos catadores da cidade de São Paulo e sua história é uma inspira-ção para a categoria. Era um homem de poucas pa-lavras, mas que fazia a di-ferença por suas ações.

“Ele foi um companhei-ro que tinha o sonho de ver os catadores de materiais recicláveis organizados. Foi um guerreiro dessa luta e serviu de exemplo ao lu-tar pela construção da Co-opamare e do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR). Ele era um mi-litante e formou vários outros militantes como eu. Aprendi tudo com ele. A luta dele acabou aqui na terra, mas com certeza ele tá em luta lá no céu”, declarou Eduardo Ferrei-ra de Paulo, representante da Comissão Nacional do MNCR.

Foi no começo dos anos de 1980, com a chegada do desemprego, que Carli-nhos começou a trajetória mais difícil de sua vida. Perdeu tudo que tinha e foi morar nas ruas da Baixada do Glicério em São Paulo. Lá conheceu o trabalho de catador de materiais reci-cláveis depois que come-çou a morar na carroceria de um caminhão junto a outros que catavam pape-lão para o dono do cami-nhão que os ajudava com comida e pagamento do material.

“Nós o conhecemos quando ele morava em um depósito no Glicério, tinha uma carroça que ele mesmo fabricou. Ele foi

se integrando ao nosso tra-balho, nós servíamos uma sopa comunitária embaixo do viaduto e lá reuníamos um grupo para discussões sobre a vida. Ele sempre nos trazia o problema da violência aos catadores que, na época, catavam papelão na cabeça. Ele foi na época uma das molas desse traba-lho”, afirmou Regina Ma-ria Manuel, coordenadora da Organização de Auxi-lio Fraterno (OAF), que na época integrava a Missão dos Oblatas de São Bento inspirada pela Teologia de Libertação, das Comuni-dades Eclesiais de Base e pelo trabalho da Irmã Ne-nuca falecida em 1984. Ao longo do tempo, esse traba-lho foi se consolidando em torno de práticas solidárias como a missão da Comuni-dade dos Sofredores da Rua, organizada pela OAF. Uma celebração de rua servia comida e bebida, tinha seu momento de devoção e um protesto de rua contra a dis-criminação dos catadores e Carlinhos sempre presente.

O grupo começou a arre-cadar uma pequena parte do que conseguia ganhar com a venda do material para aju-dar na festa de final de ano, e os participantes logo per-ceberam que o grupo conse-guia juntar um bom dinheiro trabalhando conjuntamente e decidiram construir uma car-roça que era compartilhada entre os catadores que cole-tavam papelão na cabeça.

Logo depois o grupo fun-dou uma Associação, que ti-nha o objetivo de lutar pelos direitos dos catadores que na época eram perseguidos pela administração do prefeito Jâ-nio Quadros, tendo Carlinhos como primeiro presidente.

No ano de 1989, com apoio de Paulo de Tarso, da Secreta-ria Nacional de Cooperativis-mo, foi fundada a Coopamare, primeira cooperativa de cata-dores do Brasil, e Carlinhos foi também seu primeiro pre-sidente e se preocupava com a organização da cooperativa.

“Era o que podemos chamar de um homem bom, era inca-paz de negar ajuda a ninguém e tinha um carinho especial com as crianças”, lembrou Regina. Ele teve dois fi lhos com Solan-

ge, catadora da Coopamare, e os criou sempre priorizando a educação em primeiro lugar. “Eu tinha uma admiração pro-funda por ele, então não era mais um amigo, era como um irmão”, lembra com carinho.

Carlinhos era um homem muito trabalhador, como um operário que trabalhava sem parar, no entanto, sua vida foi marcada por um proble-ma de alcoolismo que bus-cou superar. Com algumas recaídas durante sua vida, em meados de 2004 umas delas o deixou muito fragi-lizado obrigando-o a se afas-tar da Coopamare. Buscou tratamento com a ajuda de membros da OAF. Foi nesse período que Carlinhos co-meçou a desenvolver traba-lhos na Ofi cina Casa Cor da Rua, na OAF. Lá, Carlinhos reconciliou-se com a vida, desenvolveu uma técnica de reaproveitamento de papel e assim o ofício de artesão garantiu sua sobrevivência até o fi nal da vida. Carlinhos também se tornou religioso membro da Igreja Evangé-lica e desenvolvia trabalhos missionários.

Ele sofria de problemas cardíacos, se tratava e che-gou a operar e colocar um marca-passo, no entanto, ao retornar da internação desco-briu um câncer já em estado avançado. Sem condições de tratamento clínico, retornou à família com a qual passou seus últimos dias.

Fotos: Arquivo MNCR

Em recuperação de cirurgia, não pude me despedir de Carlinhos. Hoje ao terminar a revisão deste texto fui toma-da de enorme emoção ao me lembrar dele e me dar conta da perda de um amigo pelo qual tinha um carinho muito grande. Gostava de seu arte-sanato, em especial, dos co-lares, motivo que sempre me levava à OAF quando deseja-va presentear minhas amigas. Nessas oportunidades, relem-brávamos de fatos e lutas que empreendemos juntos, como se nós dois tivéssemos cum-plicidade de que nosso tempo de lutas pertencia ao passa-do e, portanto, precisávamos reinventar o presente. E ele fez isso muito bem!

(Cleisa Rosa)

O Trecheiro página 3 Março de 2015

Defensoria na ruaFoi no Pátio do Colégio que aconteceu o pri-meiro atendimento da Defensoria de São Pau-lo diretamente na rua. No dia 26 de fevereiro, os defensores do Núcleo de Cidadania e Di-reitos Humanos, apoiados pela Ouvidoria da Defensoria e Fórum da Cidade, realizaram atendimento às pessoas em situação de rua que ficam pela área central. Teve gente pre-cisando solicitar o registro de nascimento, fazer divórcio, verificar situação criminal e denunciar a violência da GCM. Os casos sem solução no momento foram encaminhados para a triagem na Rua Boa Vista, 150, onde acontece o atendimento da Defensoria, de se-gunda à quinta-feira, das 8 às 12 horas. As senhas de atendimento são distribuídas das 8 às 9h30.

Prefeitura fecha república de mora-dores de rua

A Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Assistência Social fechou, nesta sexta-feira, dia 27/2 a República Guainazes. Segundo técnicos da Smads e da entidade, a moradia estava com problemas estruturais e a pro-prietária solicitou o imóvel para realizar re-forma. Os moradores chegaram a contestar e reivindicaram locação social ou transferência para outra república. Após várias reuniões e com a in-tervenção do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos e da Ouvidoria da Defensoria chegou-se a uma negocia-ção com alguns moradores que foram transferidos para outras repúblicas ou serviços similares.

Uma sepultura digna No dia 27 de fevereiro, o Estado de São Paulo noti-ciou que o Papa Francisco que já havia criado duchas para pessoas em situação de rua e barbearia para cuidar das que costumavam circular pela Praça São Pedro, autorizou enterrar Willy Herteleer, que vivia em situação de rua, no Cemitério Teutônico ao lado de príncipes, nobres e cavalheiros de origem germânica e de benfeitores da Igreja. Holandês de origem, Willy, com aproximadamente 80 anos, vivia há 30 em Roma desde que perdera o emprego. Religioso, assistia missa das 7 da manhã todos os dias na Capela de Sant`Anna e dormia com colegas no túnel do estacio-namento e tentava convertê-los. Com o frio de dezem-bro, ele adoeceu. Pedestres chamaram ambulância e Willy foi atendido no Hospital Santo Spirito onde faleceu no começo de janeiro. Com seu desaparecimento, um amigo foi atrás e encontrou o corpo no necrotério do hospital. Como ninguém sabia onde enterrá-lo, o Papa Francisco ao ser indagado respondeu: “Vamos dar-lhe uma sepultura digna no Vaticano”, segundo noticiou o jornal Il Messagero.

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Redação

DIRETO DA RUA Sebastião Nicomedes

Desigualdade globalizada: a situação da pop rua no Japão

Márcia Hirata e Higor Carvalho

O mundo das ruas nas ruas do mundo

As cidades estão em cons-tante disputa por investimen-tos privados internacionais e, para tanto, é preciso que elas se adaptem e se renovem, criando oportunidades de negócios que sejam atrativas ao capital in-ternacional – esse é o discurso oficial da prefeitura de Osaka, em palestra pública concedida, em agosto de 2014, durante vi-sita à Prefeitura de São Paulo. Para atingir tal objetivo, pro-jetos de renovação urbana que criem “encantos urbanos” – nas palavras do secretário de plane-jamento urbano de Osaka – são trabalhados como estratégia de planejamento da cidade, iscas para atração do capital interna-cional, reforçando a imagem de cidade global.

Se “renovar” é preciso, as áreas urbanas ideologicamente ditas “degradadas” tornam-se alvo do governo central e mu-nicipal, que executam a política urbana, para entregá-las às em-presas que promovem renova-ção urbana com mudanças de uso do solo e valorização dos imóveis existentes. Os proces-sos não são nada participativos, ao contrário do que temos vis-to, por aqui, como o Estatuto da Cidade. Moradores em situa-ção de rua são também os gru-pos mais vulneráveis e direta-mente sujeitos a remoções. Os yosebas (áreas de concentração de pessoas pobres que moram nas ruas), localizados em áreas bem dotadas de infraestrutura aparecem então como entraves à comercialização da imagem da cidade na disputa por inves-timentos e, ao mesmo tempo, à oportunidade de expansão dos negócios imobiliários financia-dos por grandes empresas japo-nesas e estrangeiras.

Caso emblemático foi a ten-tativa de privatização de um espaço público, com a apropria-ção pela gigante Nike de um parque em Tóquio, o Miyashita, onde viviam 34 moradores de rua, espaço público localizado no bairro de Shibuya, conheci-do por ser um dos principais po-los de comércio e de negócios da cidade. Em 2010, a subpre-feitura e a Nike chegaram a planejar, sem qualquer tipo de consulta popular, a concessão da gestão do espaço à Nike, que continuaria a cobrança pelo uso dos equipamentos instalados, bem como a reno-meação do lugar para “Nike Miyashita Skatepark”.

A resistência de moradores de rua do parque, de artistas e de trabalhadores voluntários que prestam serviços de apoio a moradores de rua conseguiu conter parte dos planos de pri-vatização. A empresa instalou pista profissional de skate, pa-rede de escalada e reformou as quadras existentes, mas não al-terou o nome do parque como também não cobra pelo acesso ao espaço, exceto pelo uso das novas instalações. Contudo, os moradores de rua foram expul-sos e ocupam um canteiro entre os muros do parque e um esta-cionamento próximo. Os gru-pos voluntários também foram impedidos pela polícia local de prestar apoio aos moradores du-rante o inverno de 2013.

Esse processo de privatiza-ção do espaço público, por meio da renovação urbana de área dita “degradada”, tem alto po-tencial de valorização imobiliá-ria. Outros bairros também com forte concentração de morado-res de rua, próximos das redes de infraestrutura e de áreas fre-quentadas por turistas correm o mesmo risco, como pode vir a acontecer no bairro de Kamaga-saki, em Osaka, ou Sanya, em Tóquio. As substituições de edi-ficações por padrões mais ele-vados atraem famílias de classe média que, de certa forma, im-põem nova dinâmica ao uso do espaço público e à permanência de moradores de rua.

A confluência de interes-ses internacionais e locais com eventos globais, como os Jogos Olímpicos de 2020, em Tokyo, deve acentuar essa contradição. A renovação de antigas estrutu-ras olímpicas construídas para os Jogos de 1964 e de seus en-tornos ameaçam remover deze-nas de pessoas que habitam o parque Yoyogi e canteiros cen-trais da avenida a qual dá aces-so ao parque, como informaram alguns desses moradores. Ali também, como em diversos acampamentos pelo país, há ocorrência de crimes graves, como incendiar moradias im-provisadas durante a noite, além de toda a sorte de preconceitos.

As remoções também po-dem ocorrer de maneira mais discreta. No interior de uma movimentada estação de trem, Shinjuku, em Tóquio, morado-res de rua tinham conseguido resistir e negociar com a com-panhia, proprietária e adminis-tradora da linha, que os autori-zou a permanecer no interior da estação durante a noite. No en-tanto, projetos de reforma para novas instalações e lojas limi-taram esse espaço, forçando-os indiretamente a se retirar.

Além disso, algumas muni-cipalidades passaram a elimi-nar os abrigos e equipamentos de prestação de serviços pú-blicos destinados aos morado-res de rua, causando grandes dificuldades para a população que dependia desses espaços e serviços, como foi o caso de Yokohama, que eliminou seus abrigos, em 2012, como infor-mou Yamamoto, pesquisadora da Universidade Metropolita-na de Tokyo.

Moradores em situação de rua são também os grupos mais vulneráveis e diretamente sujeitos a remoções.

Os moradores de rua foram expulsos e ocu-

pam um canteiro entre os muros do parque

e um estacionamento próximo. Os grupos vo-

luntários também foram impedidos pela polícia local de prestar apoio

2015 tá aí a todo vapor, a contagem agora é progressiva As luzinhas coloridinhas apagaram

Os enfeites, os papais-noéis, as renas, os bonecos de neve Perderam o reinado, a moda agora é o Rei Momo. A onda é o Carnaval!

Mas quem vive na rua continua a Dança do MizerêQuem dorme na calçada, nas praças, no papelão ou em barracas

Continua ferrado, sem fantasiar coisa alguma.Vai vai o Rei Momo, chega o coelho da Páscoa

Mas, porém, todavia, entretanto... Agito de novo nas malocasÉ que nesse ano acontecem as eleições e composição

do Comitê Pop Rua-SP, gestão 2015-2016A sociedade civil elege três segmentos: entidade, trabalhador, usuário

O governo por meio de indicação diretaAí que tá, a pegada essa, a pop rua é do segmento de usuários.

Beneficiários, conviventes, como queiram as terminologiasÉ de suma importância a representatividade nessa instância

Afinal o Comitê Pop Rua discute e formulaAs propostas de políticas públicas para a pessoa em situação de rua

No popular "Morador de rua", sendo mais direto e sem floreiosDaí meu amigo, minha amiga, que tá na rua, no albergue, no hotel social

Que frequenta as casas de convivência, de acolhidaHora de mobilizar, hora de votar

Agita aí no seu local de convívio, a plenária, a reunião da casaFaçam eleição interna, votem em seus representantes

Os candidatos e/ou o candidato eleito aí na sua regiãoVai para a eleição geral municipal

De onde sairão os titulares e seus respectivos suplentesObserva se aí no serviço tem cartazes, fichas de inscrição

Requeiram o estatuto das eleições através dos órgãos competentes

A Secretaria dos Direitos Humanos e Cidadania (Smdhc)A Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (Smads)

Se informa com os movimentos sociais da pop ruaJá adianto que não estou candidato, estamos aí pra ajudar, fortalecer

Que a pop rua já perdeu o Conselho de MonitoramentoNão podemos perder mais essa instância de consultas e de deliberações.

Comissão organizadora das eleições do Comitê Pop Rua-SP, gestão 2015-2016.

Rap da RuaSorrir? Quero!Posso? Não!

Porque estar na calçada lençol, papelão.O poder não liga pra nós

Bem alto gritamos

Mas eles não querem ouvir a nossa voz. Nômades nós somos, é preciso!

pá, pá, pá! (sons de tiro)Corremos perigo!

Oh! Deus do céu,cuida da gente!

é dono do passado, futuro e presente.Dormir nas ruas, incertezas...

um aberto, outro fechadoolhando as redondezas.

Lutar não é esperar!Mudanças virão

temos que continuar a lutar!

Lutar não é esperar!Mudanças virão

temos que continuar a lutarlutar, lutar, lutar...

Vanilson Torres - MNPR/RN

Foto: Arquivo/Rede Rua

O Trecheiro página 4 Março de 2015

Andreza do Carmo

Governo federal articula ações de saúde com o MNPR

FBpress

Fotos: Fridas Photos e Vídeos

Nos dias 21, 22 e 23 de ja-neiro de 2015, aconteceu em Vi-tória (ES), o Seminário “Abrin-do Uma Porta: Consolidando a Cidadania no SUS”, organizado pelo Movimento Nacional da População de Rua (MNPR), em parceria com o governo federal (Ministério da Saúde) e con-tou com o apoio da Associação Rede Rua. O seminário teve como objetivo capacitar lide-ranças para atuar junto às Uni-dades Básicas de Saúde (UBS) e Conselhos de Saúde, agir como multiplicadores dos temas relacionados à saúde da Região Sudeste e implementar ações de saúde com foco na população em situação de rua.

Samuel Rodrigues, coor-denador nacional do MNPR (MG), conduziu a abertura e acolhida dos participantes es-timulando a participação de todos. Rui Leandro da Silva, do Ministério da Saúde, ques-tionou o signifi cado de lideran-ça: “O que é ser um líder?” e “O que é ser uma liderança em saúde?” e enfatizou que a lide-rança precisa ser construída e formada para ter condições de

atuar com qualidade. Segun-do Rui Leandro, o MNPR é o movimento que mais cresceu e se estruturou nos últimos dois anos. Samuel acrescentou que o MNPR não está centralizado, pois vê-se muitas pessoas se destacando em diversos estados com muita competência. Nessa refl exão, foi destacada a neces-sidade do líder ter humildade e respeito e compartilhar respon-sabilidades e saberes adquiridos no processo da luta.

Segundo Rosângela Roseno, representante do MNPR (ES), “o processo de construção do evento não é tarefa fácil porque para quem está nos movimentos sociais e principalmente para quem é da rua, nada vem fácil e nunca será fácil. É fundamental que o encontro favoreça a articu-lação dos quatro estados – Minas Gerais, São Paulo, Espírito San-to e Rio de Janeiro – e que ela fomente a discussão com a base, fortalecendo a participação de todos e o aumento das lideranças femininas dentro do MNPR”.

Para Anderson Lopes Mi-randa (MNPR-SP), “não deve existir professores e alunos,

mas sim disposição para ensi-nar e aprender uns com os ou-tros, falarmos a mesma língua e estarmos alinhados ideologi-camente, vestindo a camisa e representando a luta”.

Após a abertura, alguns pa-lestrantes tomaram a palavra. Ana Paula Costa, coordena-dora do Programa Estadual de Controle da Tuberculose da Secretaria do Estado da Saúde (SESA) do Espírito Santo fa-lou sobre a “Epidemiologia da tuberculose”, destacou a alta in-cidência da tuberculose na Re-gião Sudeste, principalmente no Rio de Janeiro, pela existência de bolsões de miséria e pouco acesso à saúde. A população em situação de rua, assim como os indígenas, população carcerária e pessoas que vivem com HIV são públicos em que a doença incide de forma mais drásti-ca e espaços como albergues também favorecem muito à propagação e incidência da tu-berculose, conforme dados do Ministério da Saúde.

Gladston Figueiredo, da Pastoral Nacional da Popula-ção em Situação de Rua, falou

sobre a falta de programas de saúde destinados à população em situação de rua. Além dis-so, a superlotação dos abrigos é um agravante que potencializa o ambiente insalubre e destacou ainda três pontos: a incidência na população em situação de rua e seus agravantes; a questão da intersetorialidade e a questão da moradia apropriada. Segundo Gladston, nem sempre o paciente abandona o tratamento – como se costuma afi rmar –, na realidade é o serviço que por vezes o aban-dona ou mesmo nem o atende.

Julia Pacheco, analista técnica de políticas sociais da coordena-ção geral da força nacional do SUS e SAMU, contou um pouco da história do SAMU e funciona-mento, falou sobre o equipamento básico necessário para a implan-tação em uma localidade e tam-bém sobre possíveis inovações nos serviços.

Leonildo Monteiro criticou a falta de atendimento direciona-do do SAMU à população em situação de rua e informou sobre a possibilidade de a população

de rua denunciar abusos por meio dos telefones 100 da Se-cretaria de Direitos Humanos e o 136 da Ouvidoria Geral do Ministério da Saúde.

Fátima Marques, do Minis-tério da Saúde, apresentou o trabalho realizado ao longo dos últimos cinco anos, destacando os avanços e os desafi os que o Ministério vem enfrentando no que diz respeito ao acesso à saúde por parte da população em situação de rua. Entretan-to, sente grande satisfação de ver o movimento caminhando com as próprias pernas, sem tu-tela. Considera que o seminário foi uma grande oportunidade de produzir avanços visto que muitos desafi os foram venci-dos, mas as difi culdades estão longe de ser superadas.

Ao fi nal do seminário, fo-ram apontados pontos a serem incluídos na cartilha “Saúde na Rua – abrindo uma porta: con-solidando a Cidadania no SUS” a ser distribuída na Região Su-deste oportunamente.

Dilma recebe reivindicações de catadores e de pessoas em situação de ruaNo 3 de dezembro, último

dia da Expocatadores 2014, aconteceu a tradicional sole-nidade de Natal dos catadores e da população em situação de rua, com presença de Dil-ma Rousseff. Após participar de reunião com o Movimento Nacional dos Catadores de Ma-teriais Recicláveis (MNCR). e o Movimento Nacional da Po-pulação de Rua (MNPR), na qual recebeu as pautas de rei-vindicações para a sua próxima gestão, a presidenta ocupou o palco da plenária principal ao lado de diversas autoridades e enfatizou o padrão de organi-zação conquistado pelo movi-mento dos catadores ao longo dos últimos anos.

Roberto Laureano, repre-sentante do MNCR, reiterou que o movimento acredita e defende o atual projeto políti-co federal. “É a presidência olhando para nós, mostrando que existimos. Queremos que os catadores continuem sendo protagonistas desse proces-so e que os municípios não precisem pensar em incinera-ção”. Ele também agradeceu a “audácia” da presidenta ao dizer não à prorrogação do fi m dos lixões. “Isso é a de-monstração de que o governo está conosco”.

Laureano aproveitou a

oportunidade para destacar pontos fracos do Cataforte III, programa de fortalecimento das cooperativas e associações lançado em 2014. “Precisa ser desburocratizado, temos que ajudar os catadores a acessar esses recursos com mais rapi-dez”, defendeu.

Dilma reconheceu que ain-da há um caminho de aperfei-çoamento a ser percorrido por todos os agentes do Programa, mas reafi rmou as conquistas já obtidas. “Acredito que nós atingimos um padrão importan-te. O Cataforte tornou o Brasil diferenciado no mundo em re-lação aos resíduos. É cada vez mais importante darmos conti-nuidade a ele”. Para ela, as co-operativas devem ter a mesma importância econômica que as pequenas empresas e o engaja-mento das prefeituras é essen-cial para o sucesso das políticas públicas de resíduos em âmbito nacional. A presidenta também homenageou Matilde Ramos, presidente da Cooperativa de Ourinhos, a primeira do Brasil a ser contemplada pelos recur-sos do Cataforte III. “A Dil-ma está mais próxima de nós e deixou claro a vontade de continuar apoiando os cata-dores”, comemorou.

Londrina (PR), Brazópolis (MG), Santa Cruz do Sul (RS) e Manhumirim (MG) foram as

vencedoras do Prêmio Cidade Pró-Catador, iniciativa que reconhece experiências vito-riosas nas cidades brasileiras. Os troféus foram entregues ao poder público e catadores desses municípios.

Já o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, reforçou a importância do investimento de R$ 42 milhões do BNDES para São Paulo reformar cen-trais de triagem e cooperati-vas. “A cidade está fazendo um grande esforço, alinhado à Política Nacional. A meta é reciclar 10% de todo o resí-duo sólido até 2016”.

Um dos pontos altos da ceri-mônia foi a entrega de certifi ca-dos de formação pelo Pronatec a pessoas que se benefi ciaram diretamente da modalidade “Pronatec Pop Rua”, cria-da em 2014 com 980 vagas ofertadas. “Tenho muito or-gulho de ter alunos da po-pulação de rua diplomados pelo Pronatec", exaltou a presidenta ao reafi rmar o compromisso com a popula-ção em situação de rua, por meio de instrumentos como o Centro Nacional de Defesa dos Direitos Humanos para a População de Rua. “Con-tinuaremos apoiando essa arma de luta contra a violên-cia”. Durante a cerimônia, foram assinados cinco atos:

1 Acordo de Cooperação para o lançamento do Pronatec Catador, com bolsas de for-

mação prioritárias a catadores de materiais recicláveis;

2contrato das Bases de Serviço do Cataforte – Negócios sus-tentáveis em redes solidárias,

com investimento de R$ 200 milhões em assessoria técnica, capacitação e infraestrutura de redes solidárias;

3Termo de adesão do governo do Estado da BA e da prefei-tura de Rio Branco (AC) à

Política Nacional para a População em Situação de Rua, criada em 2009;

4Convênio para o fomento da Economia Solidária disponi-bilizando 13 milhões de reais

para empreendimentos econômicos solidários em sete capitais brasilei-ras;

5Decreto do Programa de Edu-cação Ambiental e Comu-nicação Social em Resíduos

Sólidos do Município de São Paulo.Ao fi nal, Dilma enfatizou que a

concepção do seu governo é propor-cionar direitos e oportunidades iguais a todos os brasileiros. “Vocês são parte da proposta-mãe do governo federal, que é crescer garantindo a inclusão. Por isso o trabalho de vocês será cada vez mais importante”, garantiu. “Vocês trabalham no que é descartado, no que é passado, mas também na possibilida-de de construir um futuro melhor. Por isso, digo que vocês são os ‘Catadores de Futuro’!”, fi nalizou, aplaudida e ovacionada de pé pelo público.

O seminário foi uma grande oportunidade de produzir avanços

visto que muitos desafi os foram vencidos, mas as difi culdades estão longe de ser superadas

Foto: Paulo Lopes