SALLES & SILVA Conflitos Fundiaros & Acao Estatal Parana - Contribuicoes Rede Rural
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GT 11 O Rural na história do Brasil
CONFLITOS FUNDIÁRIOS E AÇÃO ESTATAL NO CENTRO SUL DO PARANÁ
Jefferson de Oliveira Salles1
Osvaldo Heller da Silva2
Resumo: O presente artigo refere-se a pesquisa em desenvolvimento acerca dos conflitos fundiários ocorridos na região centro sul do Paraná na década de 1990 com foco na visão e na ação de diversas esferas do Estado. O trabalho de campo será desenvolvido a partir do acervo cartográfico e jurídico do Institutos de Terra e Ambiental do Paraná, relatórios de comissões da Assembléia Legislativa, boletins de ocorrência da Delegacia de Pinhão, multas por crimes e infrações ambientais do Instituto Ambiental do Paraná, entre outras fontes.Palavras chave: Conflito fundiário, Paraná, Estado.
“É preciso tornar a opressão real mais opressiva, acrescentando-lhe a consciência da opressão; é preciso que a vergonha se torne mais vergonhosa.” K. Marx – Introdução a Crítica da Filosofia do Direito de Hegel.
1 Conflitos fundiários de Pinhão a partir da visão estatal
O presente artigo refere-se à pesquisa de mestrado que estou desenvolvendo sob
orientação do prof. Osvaldo Heller da Silva do departamento de Ciências Sociais da
UFPR. O contato inicial com o tema da pesquisa nasceu a partir da minha atuação como
bolsista no PRONERA (Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária) tendo
como função acompanhar turmas de alfabetização em assentamentos da região Centro
Sul do Paraná, sendo que contemporaneamente, como historiador do órgão fundiário
estadual de terras (Instituto de Terras, Cartografia e Geociências, ITCG) tomei
conhecimento mais aprofundado do tema por participar de diversas reuniões entre
INCRA, ITCG e organizações dos movimentos sociais que demandam terras e outras
políticas territoriais no município de Pinhão – neste município existem comunidades
1Professor de História da rede estadual, mestrando em sociologia na UFPR, coordenador do projeto Memórias dos Povos do Campo no Instituto de Terras, Cartografia e Geociências (ITCG), [email protected], [email protected] Professor do Departamento de Ciências Sociais da UFPR. Pós-Doutorado - Université de Paris X, Nanterre. Doutor em Sociologia - École des Hautes Études en Sciences Sociales, EHESS, França. [email protected]
1
faxinalenses integrantes da Articulação Puxirão de Povos Faxinalenses, MST e
Associação de Posseiros do Pinhão (VANDRESSEN, 2004 e AYOUB, 2011).
O presente trabalho aborda os conflitos fundiários ocorridos no município de
Pinhão envolvendo auto-denominados posseiros, faxinalenses e integrantes do MST e a
Industria Madeireira João José Zattar S/A. Os conflitos se desenvolveram na região
centro sul do Paraná na década de 1980-1990, sendo caracterizados por uma diversidade
de acusações entre as partes (ameaças, agressões físicas, assassinatos, furto e roubo de
erva mate e madeira, queima de casas, ataques a escolas, etc.). Devido ao agravamento
do conflito em meados da década de 1990 diversos órgãos estatais passaram a intervir
no conflito. Será sobre esta intervenção que realizaremos nossas abordagem a partir da
análise de extensa documentação produzida pelo Ministério Público Estadual, ITCG e o
Relatório da Comissão Especial de Investigação da Assembléia Legislativa do Estado,
criada com o fim específico de investigar estes conflitos. (PARANÁ, 1994; AYOUB,
2011; VANDRESEN, 2004).
2 Formação territorial do Paraná: desenvolvimento e resistência“É um verdadeiro homem de propriedade para o qual o mundo se divide em dois grupos: os eleitos que têm e respeitam os bens materiais; os réprobos, que não os tem ou não os respeitam [...]. Assim percebemos o papel da violência, que voltada para fora é vontade e constrói destruindo.” (CANDIDO, Antônio. Prefácio, p.21-3. In: RAMOS, Graciliano. Caetés. Ed. Martins Fontes 6a ed., s/d.).
Para abordarmos a história dos conflitos fundiários do Pinhão iniciamos primeiro
uma revisão bibliográfica acerca dos conflitos fundiários ocorridos no Paraná do século
XX, pois compreendemos que este conflito será mais bem compreendido à luz da
caracterização da formação do espaço rural paranaense. Como outras regiões do país,
este estado foi marcado por diversos conflitos fundiários decorrentes de seu processo de
formação territorial explicitando, principalmente no século XX, a oposição entre
camponeses e a grande propriedade territorial, embora possamos também citar diversos
conflitos com povos indígenas (MOTA, L., 1994). Em relação a estes conflitos, a
bibliografia acadêmica consultada indica os seguintes personagens: “posseiros” (termo
mais usado segundo FERREIRA, 1987, p.10), “colonos”, “caboclos”, “sitiantes”,
“lavradores ou intrusos em terras particulares” que, geralmente, enfrentaram “grileiros e
grandes proprietários”, “fazendeiros”, “companhias de colonização”, “papa terras” –
sendo que estes últimos, em vários casos, utilizaram-se de “jagunços” ou “guascas” e
possuíam relações privilegiadas ou “estavam associados” com ocupantes de cargos
2
públicos eletivos – Secretários de Estado, Senadores, Governadores, em particular,
ocupantes de cargos diretivos no Instituto de Terras (WESTPHALEN, MACHADO, e
BALHADA, 1968, p.30-33 e 40-49; WARCHOWICZ, 2000; GOMES, 1987; SALLES,
2004). Em relação às companhias de colonização, em vários casos estavam associadas
ao complexo industrial madeireiro (GOMES, 1987, SALLES, 2004). Estes são detalhes
essenciais para compreensão da ação dos diferentes órgãos estatais ambientais,
fundiários, agrícolas, agências de fomento, etc.
3 Cronologia dos conflitos fundiários no Paraná do século XX“diversos caboclos casados com indias mansas e alguns indios (…) acha-se fazendo ranchos e roças nos campos de propriedade de Manoel Xavier Pedroso, residente no Rio Grande do Sul, e esperão os 200 indios do Campo Mourão e Jatahy que há pouco estiverão nesta cidade e mais alguns que vieram de Palmas e outras pontos para ahy morarem, dizendo q. esses campos lhes pertencem e que dahy so sahyrão a força. Calculo que estes indios e caboclos poderão reunir-se para mais de 300 pessoas, entre grandes e pequenas” Comunicado da Câmara Municipal de Guarapuava enviado ao Presidente de Província do Paraná em 14/10/1877, acerca da concentração de índios Kaingang e caboclos no Koran-bang-rê. In: MOTA, L. T., 2000, p. 101.
O Paraná, durante o século XX, foi palco de violentos conflitos fundiários3:
Guerra do Contestado (1912-16, atingindo o interior de Santa Catarina e Paraná, neste
Estado abrangendo os atuais municípios de Rio Negro, União da Vitória e Palmas);
Revolta de Porecatu (1945-52, envolvendo os atuais municípios de Porecatú, Alvorada
do Sul, Florestópolis, Mirasselva, Centenário do Sul, Lupionópolis, Cafeara, Guaraci);
Revolta dos Colonos do Sudoeste (que explodiu em 1957, com desdobramentos até
1960 e envolveu os atuais municípios de Santo Antônio, Mariópolis, Renascença, Pato
Branco, Francisco Beltrão e Capanema) (MACHADO, Paulo P., GOMES, 1987,
PRIORI, 2000 p.13-14 e 26). Além destes ocorreram vários outros, que embora de
menor escala, envolveram centenas de pessoas: região de Palmital e Pitanga (1922-23);
de Tibagi (englobando o atual município de Ortigueira e Faxinal entre 1933-35 e depois
em 1941); Jaguapitã e Sengés (1946-49); Campo Mourão e Paranavaí (1948 e 52 e
Campo Mourão novamente no início de 1960); Cascavel e Goioerê (final da década de
50 até 61); Guaraniaçu (1956); Alto Paraná (1961), Revolta de Três Barras do Paraná
(1961); Guaíra (1955); Assis Chateubriand (final da década de 1950) (WESTPHALEN,
MACHADO, e BALHANA, 1968; BORITZA, 2008, GOMES, 1987; PRIORI, 2000;
MYSKIW, 2002). Estes dados somam-se a outros, como os apresentados em uma
pesquisa feita no jornal O Estado de São Paulo entre 1971-76, na qual o Paraná foi 3 Consultar mapa em anexo construído a partir da bibliografia citada.
3
apresentado como o estado que teve mais conflitos de terra no país, tanto por sua
ocorrência (i.e., seu número) quanto por sua violência – ou seja pelos mortos e feridos
(SILVA, 1982 p.104).
O período por nós estudado, década de 1990, foi marcado por diversos conflitos,
envolvendo movimentos de luta pela terra (MST, CONTAG, MTST e outros). No ano
de 1996, vinte e quatro pessoas do MST no Estado foram presas em menos de um mês,
sendo soltas após alguns dias. A mesma situação ocorreu no início de 1997, quando,
também em menos de trinta dias, foram presas quarenta pessoas integrantes do
Movimento. Em ambos os casos as prisões eram seletivas, pois incluíam dirigentes,
técnicos(as) agrícolas e educadores(as) (SALLES & SCHWENDLER 2006, p.67).
Entre 1995 e 2003 ocorreram no Paraná, segundo a Comissão Pastoral da Terra, “16
trabalhadores assassinados, 31 vítimas de atentados, 47 ameaçados de morte, 7 vítimas
de tortura, 324 feridos, 488 presos, em 134 ações de despejo", acontecimentos que
colocaram o Paraná no período de 1996 à 1999, entre os Estados de maior ocorrência de
violência no campo no Brasil, sendo que, em 1998, ocupou a primeira posição nesse
quesito. Essa conjuntura resultou na instalação do Tribunal Internacional dos Crimes
Contra o Latifúndio, realizado no Teatro da UFPR em 2001, convocado por entidades
nacionais e internacionais de defesa dos direitos humanos como a CPT, CNBB, Rede de
Advogados Populares, Américas Watch, Mães da Praça de Maio, entre outras (CPT,
2006).O que se verificou, no correr dos anos, [no Estado do Paraná] foi uma sucessão de medidas casuísticas visando tão somente atender a necessidade imediatas. O processo de apuração de suas terras não se revestia de formalidades e requisitos indispensáveis a uma discriminação segura e juridicamente perfeita. Seu êxito, desse modo, esteve sempre e diretamente relacionado às áreas sobre as quais inexistissem dúvidas acerca da natureza devoluta da terra. [...] Aí as questões envolvendo o domínio da terra se apresentam diversificadas, não se sabendo distinguir exatamente o limite entre a propriedade pública (devoluta) e a propriedade particular.” BONFIM, Antenor R. e MUNIZ, Francisco José F. ITCG 2008, p.134.
4 Pinhão: microcosmos da história agrária do Paraná.“Soy una fabrica de humo / mano de obra campesina para tu consumo [...]
soy el desarrollo en carne viva / un discurso político sin saliva [...]soy un pedazo de tierra que vale la pena.” (Latinoamerica, musica da dupla
de hip hop porto-riquenha La Calle 13).
4Antenor Ribeiro Bonfim e Francisco José Ferreira Muniz, foram procuradores do Instituto de Terras e Cartografia (antigo nome do ITCG). Bonfim foi professor de Direito Civil da UFPR e Juiz do Tribunal de Alçada do Paraná; Muniz foi Diretor do Departamento de Terras do ITC. Ambos estiveram entre os autores da Lei de Terras do Paraná de 1978. Terra e Cidadania vol. 3 – Coletânea de Legislação e Estudos. ITCG, 2008.
4
O município de Pinhão é um caso emblemático na história agrária do Estado.
Em seus limites existem pelo menos três organizações de movimentos sociais rurais:
Rede Puxirão de Comunidades Faxinalenses, MST e Movimento de Posseiros do
Pinhão – dentro destes grupos, segundo pesquisas acadêmicas, algumas famílias se
reconhecem como descendentes de camponeses envolvidas na Guerra do Contestado
(VANDRESSEN, 2004 e AYOUB, 2011).
4.1 O conflitoDesde sua chegada no município de Pinhão a empresa Zattar passou a adquirir
títulos de propriedade oriundos da Medição e Divisão Judicial do imóvel denominado
Faxinal dos Ribeiros/Rio da Areia que possuía 20.000 alqueires. Esta titularização é
questionada por Posseiros do Pinhão e seus advogados que afirmam que a Empresa
adquiriu terras onde havia, décadas antes de sua chegada, centenas de famílias de
pequenos agricultores (PARANÁ, 1967; AYOUB, 2011). Segundo os posseiros (no que
é referendado por diferentes órgãos do poder público) as formas de aquisição destas
terras teriam sido variadas: compra direta de títulos de terceiros não residentes no local
durante a Divisão Judicial; usurpação de terras através de diversas formas de coerção –
pressões físicas e psicológicas de modo para renunciarem a sua posse, reconhecendo-se
como “arrendatários ou empregados” da Zattar. Estas formas de conflito caracterizaram
a “primeira fase” do conflito (da década de 1960 até o final da década de 1980).
A segunda periodização do conflito – identificado a partir da leitura de
documentos oficiais, depoimentos de Posseiros e biografia oficial do proprietário da
Zattar – refere-se à formação de movimentos sociais supracitados no município a partir
da década de oitenta, com destaque para as influencias das Comunidades Eclesiais de
Base e Comissão Pastoral da Terra. A partir deste período os enfrentamentos mudam de
características: os posseiros passam a negar a assinatura de documentos e a
(re)ocuparem, a partir da década de 1990, terras de onde haviam sido expulsos com
apoio da CPT e MST. Paralelamente a estes enfrentamentos, alguns posseiros moveram
ações judiciais contra a Zattar afirmando a legitimidade de suas posses – estratégia
articulada pela AFATRUP, que contou com o apoio do “Programa Especial de
5
Regularização Fundiária do município de Pinhão” (ELEPIÃO), que funcionou entre outubro de 1994 e abril de 19955, resultando na vitória de
seis ações, dentre vinte propostas.
A par das disputas expressas nos processos judiciais, ocorreram diversos outros tipos de enfrentamentos: acusações mútuas de roubo e furto
de madeira de lei e erva mate. Os Posseiros que ainda residiam em suas posses acusavam a Zattar de impedi-los de realizar seus cultivos
(VANDRESEN, 2004). Com o aumento da resistência e das ocupações, ocorreram diversos atos de violência: como queima de casas e paióis
com colheitas de posseiros e faxinalenses; tiroteios, agressões físicas e assassinatos; roubo e furto de madeira e erva mate. Embora ambas as
partes em conflito se acusem mutuamente, relatórios do ELEPIÃO, jornais de circulação estadual, o relatório da Comissão Especial composta por
deputados da Assembléia Legislativa do Estado para Investigar os Conflitos do Pinhão, afirmam que o aumento da violência deu-se
principalmente pela criação em 1991, da “Guarda Patrimonial da Zattar”, que, segundo estas fontes, foi responsável por queima de casas e paióis,
ameaças e agressões físicas, destaca-se o fato de que, em algumas vezes, esta “Guarda” ter sido qualificada por agentes públicos como
“jagunços” (PARANÁ, 1992).
5 Hipóteses
Através do ITCG e de contatos com a AFATRUP, obtive significativo e diversificado material documental acerca do conflito: boletins de
ocorrência da Delegacia de Pinhão – retratando furtos e roubos de madeira e erva mate, nos quais as partes acusaram-se mutuamente; relatando
ameaças e agressões físicas. Obtive também acesso ao Relatório final da Comissão Especial criada para Investigar os Conflitos ocorridos no
Pinhão; relatório final, ofícios e memorandos do ELEPIÃO; ofícios do Ministério Público Estadual; notícias de jornais de circulação regional e
estadual. A partir do contato preliminar que tivemos com esta documentação, construímos as seguintes hipóteses:
5 A equipe de topógrafos, cartógrafos e um advogado, que respondeu diretamente ao gabinete do Secretário Estadual de Meio Ambiente, ao qual o Instituto de Terras e Instituto Ambiental do Estado estão subordinados.
6
• representações sociais dos Posseiros, Faxinalenses e MST acerca do que é direito a terra e aos frutos do trabalho, opostos a forma de ver
os mesmos temas pelos órgãos estatais e pela Zattar, são elemento central para entender o conflito: por exemplo, os Faxinalenses6
possuem determinada visão de uso do território que comporta uma forma de uso comum da terra e do meio ambiente, que é diferente do
MST e dos Posseiros7. Estas formas de ver são essenciais para compreender tanto o processo de expropriação fundiária quanto os
conflitos envolvendo ocupações, furtos e roubos;
• Divergências ou diferenças nas formas de retratar os conflitos entre os agentes estatais não levou estes a entrarem em atrito. Estas
divergências/diferenças não expressão apenas a origem e função dos órgãos, mas também a política institucional de determinados
gestores no período;
• Os conflitos são potencializados pela incapacidade e/ou falta de vontade política dos agentes em impor um fim às disputas territoriais.
6 Problema e objetivo.
É dentro deste contexto que o problema de pesquisa se expressa: De que forma a documentação produzida pelos diferentes representantes
do Estado8 retrata os conflitos envolvendo a disputa entre Posseiros e a Zattar? De que forma a ação do Estado (interpretada a partir da
6 “Os povos de faxinais são povos tradicionais cuja formação social se caracteriza principalmente pelo uso comum da terra e dos recursos florestais e hídricos disponibilizados na forma de criadouro comunitário. Com uma territorialidade específica, além de uma tradicionalidade na ocupação da terra, os povos de faxinais são importantes sujeitos da preservação ambiental do Bioma Floresta com Araucária, no Estado do Paraná.” BERTUSS, 2009, p.1507 A diversidade de formas de uso da terra e do território esta ligada ao número de povos e comunidades tradicionais existente no Estado (consultar mapa em anexo). Acerca do conceito de povos de comunidades tradicionais e das formas de uso e apropriação do território, consultar ALMEIDA, A. W. B. de. Terras de quilombos, terras indígenas, “babaçuais livres”, “castanhais do povo”, faxinais e fundos de pastos: terras tradicionalmente ocupadas. 2.ª ed, Manaus: PGSCA–UFAM, 2008. Disponível em http://www.novacartografiasocial.com/index.php?option=com_phocadownload&view=file&id=36:terras-tradicionalmente-ocupadas&Itemid=60 , acessado em 25/01/2012.8Assembléia Legislativa do Estado, através do Relatório produzido pela Comissão Especial de Investigação; Judiciário, através da Delegacia de Policia de Pinhão e Ministério Público Estadual; Secretaria de Estado de Meio Ambiente, através do ELEPIÃO.
7
documentação) foi utilizada pelas partes como instrumento para enfrentar o adversário? Quais os sentidos que os Posseiros dão a ação estatal
quando esta, aparentemente, ratifica suas versões dos fatos? De que forma isto contribui para que estes construam uma visão de direito?
Neste sentido, o objetivo da pesquisa é analisar a forma como os órgãos estatais retratam conflitos envolvendo disputa por terras entre
Posseiros e a Zattar.
Para responder esta indagação analisarei documentos produzidos pelos diferentes órgãos estatais envolvidos no conflito: Assembléia
Legislativa; ELEPIÃO-ITC; Ministério Público Estadual; Delegacia de Polícia de Pinhão, documentação esta de posse do ITCG e AFATRUP e
que foi digitalizada pelo autor da pesquisa.
7 Justificativa
Esta investigação contribui para a compreensão da formação da ruralidade paranaense contemporânea. Ao analisarmos a produção
documental estatal, contribuiremos para a melhor compreensão das representações existentes na produção desta documentação, construída em
um jogo de força entre agentes dos diferentes órgãos estatais que nem sempre é homogênea, Posseiros, faxinalenses, sem terras e a Zattar. Por
outro lado, a partir da revisão bibliográfica efetuada até o momento, constatei que há poucos estudos sobre a maneira pelas quais posseiros ou
pequenos agricultores procuraram “assegurar a posse da terra” pelas vias judiciais em disputas com grandes proprietários de terra. Abordarei
também a significação dada pelos Posseiros aos atos de violência9 ocorridos no período, pois a documentação catalogada até o momento é rica na
descrição de furtos, roubos, ameaças e agressões físicas, sendo importante, para uma compreensão do conflito, a significação atribuída pelos
9 Neste estudo o conceito de violência é entendido como uma categoria investigativa. Para identificar o conceito se baseará em MEDEIROS, que afirma que “violência representa uma relação social inegociável porque atinge, no limite, a condição de sobrevivência material, simbólica daquele que é atingido pelo agente da violência. A violência seria a relação social causada pelo uso real ou virtual da coerção que impede o reconhecimento do outro – pessoa, classe, gênero ou raça – mediante coerção ou forca, provocando algum tipo de dano, configurando o oposto da sociedade democrática contemporânea.” (MEDEIROS, 1996, p.3, apud. TAVARES, 1992, p. 291).
8
sujeitos de atos de violência nos quais aparecem como vítimas e, não raro, como atores – caso das ocupações de terra e retirada de erva mate e
madeira, por exemplo.
No que se refere a lacunas do conhecimento histórico acadêmico sobre conflitos de terra no Paraná do século XX, ao fazer a revisão
bibliográfica, percebi que o recorte aqui efetuado ainda não foi priorizado pelos pesquisadores com a ênfase que deveria.
Em relação aos sujeitos sociais aqui investigados, penso que a maior contribuição da pesquisa se dá no sentido de fornecer maiores
subsídios sociológicos e históricos para o desvelamento das relações de poder presentes na construção da documentação estatal. Espera-se que a
posse de novos conhecimentos acerca das relações de poder presentes na representação jurídica dos conflitos contribua para a maior
democratização da produção dos significados presentes nestes documentos.
8 Revisão bibliográfica
Baseado na leitura da bibliografia citada, acredito que situação a história das disputas territoriais no Paraná é decorrente da histórica
“dominação política patrimonial” existente em nosso país que se disfarça sob uma “fachada burocrático-racional-legal” (MARTINS, 1994, p.20),
o que explicaria a junção de características “modernas” da Zattar – por exemplo, relação com o mercado internacional, diversificação da cadeia
produtiva, etc. – com sua ação violenta em nível local, onde exerce a dominação com resíduos de coronelismo/clientelismo.
A apropriação privada ou mesmo pessoal do poder por frações de classe no Paraná foi retratada em obras como O Silêncio dos Vencedores
e A Construção do Paraná Moderno, a primeira produzida e a segunda organizada pelo prof. Ricardo Oliveira. Em ambas obras a investigação
sociológica e histórica demonstra que um pequeno grupo da elite ao conseguir a hegemonia do poder envolve o aparelho estatal com
investimentos empresariais da fração de classe a que pertence e/ou coloca em cargos dos primeiros escalões familiares. Configura-se um quadro
no qual o Estado “foi capturado e instrumentalizado pelos interesses particulares das oligarquias” travestidas de modernas que ainda hoje
exercem o poder de distribuir direitos sociais e políticos como se fossem “dádivas dos poderosos aos fracos” (MARTINS, 1994, p.171). Para
9
efetuar a análise sociológica deste fenômeno contemporâneo o autor utiliza-se do instrumental por ele chamado de “sociologia da história lenta [a
qual] permite descobrir e integrar na interpretação, estruturas, instituições, concepções, e valores enraizados em relações sociais que tinham
sentido no passado, e que, de certo modo, ganharam vida própria” no presente.
9 Metodologia
O trabalho de campo será iniciado com o “método investigativo” por meio da “pesquisa qualitativa” (FERNANDES, 1972, p.13;
HAGUETTE 1993), que consistirá em levantamentos documentais – análise documental do relatório produzido pela SEMA (ELEPIÃO), CEI-
ALEP (Comissão Parlamentar Especial de Investigação da Assembléia Legislativa do Paraná), processos judiciais e correspondências da
Delegacia de Polícia de Pinhão e Ministério Público Estadual. Estas leituras serão contextualizadas com o estudo da legislação e política
fundiária estadual e bibliografia sobre os conflitos de terra no Estado e realização de entrevistas com pessoas que atuaram como representantes de
órgãos públicos citados, Posseiros e biografia oficial de João José da Zattar, fundador da empresa.
Seguindo orientações de FERNANDES (1972 p.15), o processo investigativo consistirá em três operações distintas: I) Levantamento da
documentação e realização de entrevistas; II) Análise do material coletado e classificado a partir de questões problemas previamente formuladas;
III) Seleção de fatos, eventos e enunciações pertinentes às hipóteses levantadas para análise final. As operações II e III são interdependentes,
nestas os frutos do trabalho de campo (sistematização de material coletado) receberão tratamento analítico e o interpretativo.
10 Procedimentos de pesquisa
A primeira etapa do trabalho de campo corresponde ao levantamento de fontes (documentos produzidos por órgãos estatais e outras fontes
secundárias) tendo em vista a necessidade de “esgotar todas as pistas capazes de fornecer informações interessantes” (CELLARD 2008, p. 298).
10
No atual momento da pesquisa identificamos uma série de documentos oficiais produzidos por quatro atores: Ministério Público Estadual,
Delegacia de Polícia de Pinhão, ELEPIÃO/SEMA e Comissão Especial de Investigação da Assembleia Legislativa do Estado. A primeira
classificação terá por base a autoria de cada documento, visto que cada órgão tem funções bastante díspares uns de outros. Nesta fase do trabalho
criaremos uma tipologia de fontes, seguindo orientações de André Cellard, através dos seguintes passos: “contexto e autoria do documento;
autenticidade e a confiabilidade do texto e a natureza do texto; conceitos-chave e a lógica interna do texto”. Ao analisarmos o contexto,
efetuaremos duas operações. A primeira refere-se à análise da escrita do material, tendo em vista os diferentes autores (poder público, nas esferas
Executiva, Legislativa e Judiciária), sendo que cada um advoga uma tecnicidade, finalidade e linguagem especificas – característica esta mais
evidente para a documentação judicial e policial. Nestas leituras pretendemos também explicitar o fato que os sujeitos principais da disputa
(Posseiros e a Zattar) possuem capitais culturais diferenciados para o acesso a leitura desta documentação, particularmente a judicial e policial
(CELLARD, 2008 p. 302). Seguindo estas reflexões propomos a seguinte tipologia de documentação:
a. Documentos do Poder Judiciário: Inquéritos, Autos de Declaração, Queixas Crime, Boletins de Ocorrência e Ofícios produzidos pela
Delegacia de Policia de Pinhão, Promotoria Pública de Pinhão, Procuradoria Geral de Justiça do Estado do Paraná;
b. Documentos do Poder Executivo: produzidos por órgãos da administração direta estadual – há uma pasta com ofícios, memorados,
recortes de jornais e croquis no ITCG produzida por uma equipe deste órgão designada para executar trabalhos na região do conflito em 1994;
c. Documentos do Poder Legislativo: Relatório de Comissão Parlamentar de Investigação da Assembléia Legislativa do Paraná sobre os
Conflitos envolvendo Posseiros e a Empresa João José Zattar.
Na segunda etapa, seguindo as orientações propostas por MINAYO, realizaremos três procedimentos: Ordenação, Classificação e Análise
propriamente dita (MINAYO, 1996, p.180).
11
No atual estágio da pesquisa estamos analisando uma diversidade de documentos produzidos pelos agentes públicos estatais supracitados,
bem como documentos produzidos pelas organizações dos Posseiros, Faxinalenses e MST (processos judiciais de seus advogados, ofícios, cartas,
etc.), bem como periódicos de circulação regional e estadual.
Em relação a documentação produzida pelos agentes estatais, identificamos diferenças nas interpretações dos fatos por seus diferentes
agentes. Porém não é nossa intenção analisar estas diferenças para extrair a análise “realmente verdadeira”, mas sim compreender a diferenças
de sentido e significação em cada documento de cada órgão. Até o momento, analisando ofícios dos vários órgãos, boletins de ocorrência,
relatórios, pareceres, etc., identificamos algumas divergências, que aos poucos, foram desaparecendo, de modo que, não obstante críticas
recíproca entre os órgãos do Estado, levaram este a produzir um quadro uniforme sobre o conflito, demonstrando sua complementariedade, o
que, simultaneamente, acresditamos, pode contribuir para ambos sujeitos, Posseiros e Zattar.
11 Referências bibliográficas
AYOUB, D. S. Madeira Sem Lei: Jagunços, Posseiros e Madeireiros em um conflito fundiário no interior do Paraná. Mestrado Antropologia Social, UFPR 2011.
BONFIM, A. & MUNIZ, F. J. Comentário à lei de terras do estado do Paraná. In: Terra e Cidadania. v. 3. Legislação e Estudos. Curitiba : ITCG, 2008. Disponível em http://www.itcg.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=61, acessado em 25/01/2012.
BORITZA, R. Assis Chateaubriand: História e Memória. Universidade Estadual do Oeste do Paraná, 2008. Disponível em www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/2394-8.pdf, acessado em 25/01/12.
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12
FERREIRA, A. D. D. Movimentos sociais no Paraná: 1978-1987. In.: BONIN, A. et al. Movimentos Sociais no Campo. Criar: Curitiba, 1987.
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