TRECHEIRO: O MIGRANTE EM BUSCA DO TRABALHO ANTÔNIO CARLOS RIBEIRO SILVA CRISTIANA SOUZA DOS SANTOS

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE CETRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E APLICADAS DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL ANTÔNIO CARLOS RIBEIRO SILVA CRISTIANA SOUZA DOS SANTOS TRECHEIRO: O MIGRANTE EM BUSCA DO TRABALHO ] SÃO CRISTOVÃO/SE 2011

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TRECHEIRO: O MIGRANTE EM BUSCA DO TRABALHO ANTÔNIO CARLOS RIBEIRO SILVA CRISTIANA SOUZA DOS SANTOS

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

CETRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E APLICADAS

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL

ANTÔNIO CARLOS RIBEIRO SILVA

CRISTIANA SOUZA DOS SANTOS

TRECHEIRO: O MIGRANTE EM BUSCA DO TRABALHO

]

SÃO CRISTOVÃO/SE

2011

2

ANTÔNIO CARLOS RIBEIRO SILVA

CRISTIANA SOUZA DOS SANTOS

TRECHEIRO: O MIGRANTE EM BUSCA DO TRABALHO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao

Departamento de Serviço social da Universidade

Federal de Sergipe como um dos pré-requisitos

para obtenção de grau de Bacharel em Serviço

Social.

Profª. Drª. Maria da Conceição Vasconcelos

Gonçalves.

SÃO CRISTOVÃO/SE

2011

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ANTÔNIO CARLOS RIBEIRO SILVA

CRISTIANA SOUZA DOS SANTOS

TRECHEIRO: O MIGRANTE EM BUSCA DO TRABALHO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à

comissão julgadora do Departamento de

Serviço Social da Universidade Federal de

Sergipe, como exigência parcial para obtenção

de grau de Bacharel em Serviço Social sob

orientação da Profª. Drª. Maria da Conceição

Vasconcelos Gonçalves.

Aprovado em: _____/_____/______

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________________________

Profª. Drª. Maria da Conceição Vasconcelos Gonçalves.

________________________________________________________________

Profa Msc. Noêmia Lima Silva.

________________________________________________________________

Profa Msc. Catarina Nascimento Oliveira.

4

AGRADECIMENTOS

É chegada a hora mais fácil: agradecer aqueles que tanto contribuíram para minha

formação acadêmica e que de modo direto ou indireto trouxeram um acalento nas horas mais

difíceis.

Agradeço a Deus que sempre me iluminou e me fez entender que aprendemos

muito nos momentos de tristeza, porém devemos sempre cultivar os momentos de alegria.

Quero agradecer à Adení Alves da Silva e Gentil Ribeiro Silva (in memoriam)

meus queridos pais que sempre estiveram comigo e que saíram da zona rural rumo à cidade

no intuito de buscar a melhor formação para mim e meus irmãos, impulsionando assim o

primeiro processo de migração da nossa família.

Agradeço a todos os meus irmãos, queridos parceiros que sempre estiveram ao

meu lado e fizeram de mim uma pessoa melhor, a cada um de vocês meu fraterno abraço, e

olhe que são muitos abraços, kkk. Vamos listar: Nilson, Nica e Quinho Valeu brothers. Nia,

Enilde, Nivia, Lanja, Auda, Dênia, Rita e Ete, obrigado por tudo meninas.

A minha querida Nane, obrigado por tudo gatinha, saiba que você é muito

especial em minha vida e que te amo muito. Quero agradecer também minha cunhadinha

Dilane que me emprestou o PC para a construção deste trabalho.

Quero agradecer imensamente minha professora e orientadora Lica, pessoa que

marcou decisivamente a minha formação e me acompanhou ao longo do curso, desde FHTM

I, II e III até a construção do presente trabalho. Lica muito obrigado por tudo.

Aos queridos colegas de curso, que maravilha foi conviver com vocês, momentos

bons, momentos de discussões acaloradas, momentos vinho, momentos tia Vera, que saudade.

De tantos colegas alguns se tornaram grandes amigos: Hugo, Renato, Naiza, Babi obrigado

galerinha do fundo.

Agradeço também a todos os profissionais do Centro de Apoio ao Migrante,

pessoas inteiramente dedicadas no acolhimento dos migrantes que estão em risco e

vulnerabilidade social, em especial as assistentes sociais Matilde S. Aragão e Maria Helena

Lírio, que contribuíram de modo determinante para minha compreensão da prática

profissional.

Por fim, agradeço aos trecheiros que participaram da pesquisa, migrantes

extremamente fragilizados e que dependem dos serviços sócio-assistencias para continuar

sonhando e almejando um mundo melhor.

Antônio Carlos Ribeiro Silva.

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AGRADECIMENTOS

Gratidão! Esse é o sentimento que predomina nesse momento! E como é bom

agradecer! Durante cinco anos vivi inúmeros sentimentos que permeiam as barreiras visíveis e

invisíveis... Mas, hoje quero infinitamente RECONHECER E GRATIFICAR! Agradecer a

Deus, pois sem a sua permissão não estaria aqui vivendo este momento.

Aos meus amados pais que muitas vezes deixaram de viver suas vidas para me

proporcionar essa vitória... Minha linda mãe pelo exemplo de bondade renuncia e fé! A meu

lindo pai, pela generosidade escondida pela timidez, por ser meu porto seguro e por ser

exemplo de homem... AMO VCS!

As minhas queridas irmãs que, cada uma de sua forma, me ensinou a buscar

sempre mais. A meus sobrinhos que me motivaram buscar esta conquista.

Ao meu amor, Cândido que sempre esteve presente em todos os momentos

tornando os mais difíceis em suaves, além de sempre enxergar o melhor que há em mim e só

me impulsiona a crescer. Você me ensinou que amar é doação... Amo você! Agradeço

também meus sogros Maria José da Silva e José Cândido da Silva (in memorian) por tudo o

que já fizeram e ainda fazem por mim.

Enfim, a todos os meus amigos que de alguma forma contribuíram para a minha

Vitória. Amo todos vocês!

Cristiana Souza Santos.

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RESUMO

A monografia reúne esforços para compreender a relação existente entre a

migração e o trabalho. A referência do tema se deu em razão do estágio curricular realizado,

por um dos autores, na área da Assistência Social no Centro de Apoio ao Migrante (Casa de

Passagem do Serviço de Acolhimento Institucional), instituição vinculada à Secretaria de

Assistência, Inclusão e Desenvolvimento Social do Estado de Sergipe - SEIDES, na qual são

atendidas pessoas em situação de rua ou desabrigo por serem migrantes de outros estados ou

cidades vizinhas. Podemos dizer que desde o século XVI, a migração no Brasil se confunde

com aspectos da história do país, de modo que portugueses foram os protagonistas do

primeiro grande fluxo migratório do Brasil. Eles contribuíram com mão de obra e serviços

para desencadear a expansão econômica. Com o desenvolvimento industrial do país no século

XX, após a Revolução de 1930, o processo de urbanização do Brasil funcionou como grande

atrativo para os trabalhadores, que, em sua maioria, possuem apenas a força de trabalho para

sobreviver e acabam migrando para outras cidades. Assim, essa pesquisa tem o objetivo de

analisar o migrante trecheiro, trabalhador que vive em constante movimento à procura de

trabalho e meios de sobrevivência. Desse modo, foi aplicado um questionário a vinte

migrantes trecheiros que acessaram os serviços do CAM, sendo constatado que 95% dos

pesquisados são do sexo masculino e que 70% destes trabalhadores não possuem o nível

fundamental completo. Nessa pesquisa pode-se perceber que os trecheiros percorrem um

circuito que contempla os estados de Sergipe, Alagoas e Bahia, fazendo uso dos serviços

sócio-assistenciais que estão no trecho percorrido.

Palavras-Chave: Trecheiro, trabalho, desemprego estrutural, assistência social.

7

ABSTRACT

The monograph brings together efforts to understand the relationship between

migration and labor. The reference of the subject was due to curricular performed by one of

the authors in the area of Social Assistance in the Migrant Support (Centre House of Passage

Home Service Institutional), an institution linked to the Department of Assistance, Inclusion

and Development Social State of Sergipe - Seid, in which people are met in the streets or

homeless because they are migrants from other states or towns. We can say that since the

sixteenth century, migration in Brazil to be confused with aspects of the history of the

country, so that the Portuguese were the first protagonists of the great migration of Brazil.

They contributed labor and service to unleash the economic expansion. With industrial

development in the twentieth century, after the Revolution of 1930, the urbanization process

in Brazil acted as very attractive for workers, who mostly have only labor power to survive

and end up migrating to other cities. Thus, this research aims to analyze the trecheiros migrant

worker who lives in constant movement in search of jobs and livelihoods. Thus, a

questionnaire was administered to twenty trecheiros migrants who accessed the services of

CAM, and revealed that 95% of respondents are male and 70% of these workers have not

completed primary level. In this study we can see that the trecheiros travel a circuit that

includes the states of Sergipe, Alagoas and Bahia, making use of social assistance services

that are in the distance covered.

Keywords: Trecheiro, work, structural unemployment, social assistance.

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LISTA DE SIGLAS

BO- Boletim de Ocorrência.

CAM- Centro de Apoio ao Migrante.

CRAS- Centro de Referência da Assistência Social.

CREAS- Centro de Referência Especializado da Assistência Social.

DAS- Departamento de Assistência Social.

LOAS- Lei Orgânica da Assistência Social.

NOB- Norma Operacional Básica.

PEA- População Economicamente Ativa.

PNAS- Política Nacional de Assistência Social.

ONG- Organização Não Governamental.

SEIDES- Secretaria de Assistência, Inclusão e Desenvolvimento Social.

SUAS- Sistema Único de Assistência Social.

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LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1- Sexo.............................................................................................................. 35

GRÁFICO 2- Naturalidade ............................................................................................... 37

GRÁFICO 3- Faixa Etária ................................................................................................. 38

GRÁFICO 4- Estado Civil................................................................................................. 39

GRÁFICO 5- Nível de Escolaridade.................................................................................. 40

GRÁFICO 6- Documentação.............................................................................................. 41

GRÁFICO 7- Profissão....................................................................................................... 43

GRÁFICO 8- Exerce Outra Profissão................................................................................ 44

GRÁFICO 9- Já Assinou a Carteira de Trabalho............................................................... 45

GRÁFICO 10- Possui residência Fixa................................................................................ 46

GRÁFICO 11- Estado de Saída.......................................................................................... 47

GRÁFICO 12- Estado que Pretende Chegar...................................................................... 47

GRÁFICO 13- Frequência Anual da Migração.................................................................. 48

GRÁFICO 14- Como Ocorre o Deslocamento................................................................... 49

GRÁFICO 15- Deseja Sair da Condição de Migrante........................................................ 50

GRÁFICO 16- Gosta da Condição de Migrante ................................................................ 51

GRÁFICO 17- Retorno....................................................................................................... 53

GRÁFICO 18- Utiliza o Serviço em Outro Estado............................................................ 54

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO......................................................................................................................11

CAPÍTULO I - PRESSUPOSTOS TEÓRICOS..................................................................15

1.1. Processo de Trabalho.........................................................................................................15

1.2. Trabalho no Brasil.............................................................................................................16

1.3. Trabalho Informal.............................................................................................................18

CAPÍTULO II - PROCESSO DE MIGRAÇÃO NO BRASIL...........................................20

2.1. Migração no BrasiL......................................................................................................,....20

2.2. Migração dos Trecheiros...................................................................................................25

CAPITULO III - SERVIÇOS SÓCIO-ASSISTENCIAIS E CENTRO DE APOIO AO

MIGRANTE...........................................................................................................................29

3.1. Serviços Sócio-Assistências aos Migrantes .....................................................................29

3.2. Centro de Apoio ao Migrante/Aracaju .............................................................................31

CAPITULO IV - O TRECHEIRO E O CENTRO DE APOIO AO

MIGRANTE............................................................................................................................35

4.1. Perfil dos trecheiros que acessa os serviços do Centro de Apoio ao Migrante.................35

4.2. O Trecheiro e o Processo de Trabalho...............................................................................42

4.3. Migração dos Trecheiros ...................................................................................................46

4.4. Serviços Sócio-Assistencias utilizados pelos trecheiros ...................................................53

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................57

REFERÊNCIAS.....................................................................................................................59

APÊNDICE(S).........................................................................................................................61

ANEXO(S)...............................................................................................................................64

11

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa tem como objetivo analisar a relação existente entre a migração e o

trabalho, tomando por referência os migrantes trecheiros que acessam os serviços sócio-

assistenciais desenvolvidos no Centro de Apoio ao Migrante-CAM, localizado na cidade de

Aracaju.

Destarte, no Brasil um dos fatores que desempenha grande influência nos

deslocamentos migratórios é o de ordem econômica, o modo de produção capitalista cria

espaços excepcionais para disposição de indústrias, coagindo indivíduos a saírem de um lugar

para outro em busca de melhores condições de sobrevivência e à procura de emprego para

suprir suas necessidades básicas.

Devido a esses fatores, observa-se uma constante deterioração das condições de

trabalho, fato que incentiva a migração, que no século XX ficou caracterizado como êxodo

rural, ou seja, partindo da zona rural para região urbana, que, no cenário contemporâneo

manifesta-se de vários modos, dentre eles a migração dos trecheiros. As diferentes

manifestações da migração são processos que representam o constante desafio em busca de

condições de sobrevivência.

Dessa maneira, a migração dos trecheiros caracteriza-se por ser um grupo de

migrantes que se movimentam de maneira constante à procura de emprego e meios de

sobrevivência, utilizando o trecho percorrido para vender a única mercadoria que dispõe: sua

mão de obra. Um exemplo típico desse segmento é o ambulante que circula em cidades e

estados vizinhos para exercer a sua atividade profissional em ocasiões de festas públicas tais

como: Forró Caju em Aracaju, festa dos caminhoneiros em Itabaiana, Vaquejada em Serrinha

no estado da Bahia. Podemos ainda citar o caso do trabalhador da agricultura que participa

dos ciclos de colheitas em diferentes locais, trabalhando na colheita do café no Sudoeste da

Bahia, no corte de cana em Alagoas e na colheita de laranja em Sergipe.

Assim, alguns desses migrantes por variados motivos acessam os serviços sócio-

assistenciais desenvolvidos nos Centros de Apoio ao Migrante, seja no estado de Sergipe ou

em outros para onde se deslocam. Diante desse quadro, levantamos os seguintes

questionamentos: Quem são essas pessoas em deslocamento? De onde vem? Para onde estão

indo? O que buscam? Como ocorre e quais fatores impulsionaram esse processo? Ao passo

que a compreensão desse processo migratório é de fundamental importância principalmente

para a operacionalização da política de assistência social.

12

Dessa forma, o Centro de Apoio ao Migrante do Estado de Sergipe serviu como

campo empírico para o desenvolvimento dessa pesquisa, cujo objetivo geral é o de analisar os

motivos que levaram estes sujeitos ao movimento da migração, sabendo-se que o aumento

dessa ação vem crescendo de modo gradativo e sistemático. Com isso, essa investigação tem a

intenção de compreender os fatos e/ou fatores que impulsionaram o desenvolvimento desse

processo migratório, bem como perceber as particularidades de cada sujeito, entendendo este

como protagonista de sua trajetória e cidadão de direitos.

Entendemos a pesquisa como um procedimento racional e sistemático que tem

como objetivo proporcionar respostas aos problemas que são propostos. A pesquisa é

requerida quando não se dispõe de informação suficiente para responder o problema, ou então

quando a informação disponível se encontra em tal estado de desordem que não responde o

problema relacionado (GIL, 2009, p.17).

Dessa forma, pretendemos com a realização dessa pesquisa favorecer uma

aproximação conceitual, ou seja, ampliar o entendimento sobre a migração dos trecheiros que

se encontra em situação de risco e vulnerabilidade que fazem uso do trabalho do assistente

social desenvolvido no âmbito da política de assistência social. Nesse sentido, o levantamento

e análise dos dados poderão ajudar outros pesquisadores e profissionais de serviço social à

melhoria dos serviços de atendimento a esse segmento populacional, já que existem poucos

estudos nesse direcionamento. Ressaltamos que essa é uma área em que o Serviço Social atua

de maneira significativa, sobretudo após a Constituição Federal de 1988, que traz uma nova

concepção para a Assistência Social, pela qual o indivíduo é entendido como cidadão de

direitos cabendo ao Estado garantir e prover os mínimos sociais.

Diante disso, o processo de migração dos trecheiros constitui-se em uma das

manifestações da questão social, de modo que o ato de migrar coloca o trecheiro em constante

risco e vulnerabilidade social.

Assim, busca-se verificar as formas utilizadas pelos migrantes para acessar os

serviços sócio-assistenciais fornecidos por instituições vinculadas a esfera estatal. As

reflexões sobre as políticas sociais e a efetivação dos direitos sociais, questões amplamente

discutidas ao longo do curso de Serviço Social servirão de pano de fundo para compreender a

relação entre o serviço sócio-assistencial, trabalho e processo de migração.

A investigação se caracteriza como sendo uma pesquisa descritiva, com o intuito

de descrever as características do objeto em estudo, bem como o estabelecimento de relações

entre variáveis e fatos existentes. Dessa forma, a abordagem contempla as dimensões

13

qualitativas e quantitativas, levando em consideração que ambas se complementam, pois a

realidade abrangida por eles interage dinamicamente. Nesse sentido, a pesquisa quantitativa

caracteriza-se pelo emprego da quantificação tanto nas modalidades de coleta de informações,

quanto no tratamento delas, ao passo que as análises qualitativas justificam-se o uso,

sobretudo, por ser uma forma adequada para entender a natureza dos fenômenos sociais

(MINAYO, 1994, p.22). Sendo assim, concordamos com Baptista (1999, p.31-40, apud

MARTINELLI, 2005, p.120) quando diz que “a pesquisa qualitativa vai exigir uma

permanente interação com a quantitativa, interação que, na verdade, é intrínseca a ambas”.

As técnicas que nortearam a condução desse estudo respeitaram uma lógica sistemática de

ações, na qual possibilitou o aprofundamento do objeto de pesquisa e seus determinantes.

Dessa forma, foi realizada uma pesquisa bibliográfica acerca da situação do migrante no

Brasil, principalmente os migrantes que estão no processo de migração à procura de emprego

e meios de sobrevivência; da política de assistência social, em especial os serviços de alta

complexidade compreendidos na proteção social especial; do trabalho e suas transformações,

o trabalho no Brasil e o trabalho informal. O intuito desse procedimento foi apoiar e

fundamentar a pesquisa, sobretudo na análise dos dados e a manipulação das informações pré-

existentes.

Outra etapa executada na pesquisa foi à utilização de um questionário como

instrumento de coleta de dados, composto por perguntas fechadas e abertas, subdividido em

eixos temáticos contemplando as principais inquietações no tocante ao trecheiro. O

questionário conteve quatro blocos: o bloco I focalizando os dados de identificação; o bloco II

abordando algumas inquietações sobre o trabalho; o bloco III correspondendo às questões

referentes à migração, seguido pelo bloco IV que está relacionado aos serviços sócio-

assistenciais desenvolvidos. O intuito foi o de identificar os dados fundamentais que

respondessem aos questionamentos citados anteriormente, no sentido de avaliar e identificar

as variáveis que estão sendo consideradas pela investigação.

Esse questionário foi aplicado nos meses de outubro a dezembro, período que se

verifica o aumento de migrantes trecheiros. Contudo, não foi estipulada uma amostragem,

uma vez que o contingente populacional do Centro de Apoio ao Migrante possui um

atendimento de demanda espontânea, não dispondo de um número prévio de usuários. Assim,

o questionário foi aplicado de forma individual e direta no turno da noite, horário que os

usuários entram na instituição para pernoitar, totalizando 20 questionários.

14

Assim sendo, após o período estabelecido para a coleta dos dados foi realizada

a tabulação dos mesmos, organizando-os de acordo com eixos temáticos pré-estabelecidos,

sendo posteriormente analisados. A pesquisa bibliográfica e pesquisa de campo foram

organizadas, nesse estudo, em capítulos, que estão assim estruturados: no capitulo I,

analisamos o processo de trabalho, enfatizando o trabalho no Brasil e o trabalho informal. No

capitulo II, fazemos considerações teóricas sobre a migração no Brasil e seus

desdobramentos, destacando a migração dos trecheiros. No capitulo III, analisamos os

serviços sócio-assistenciais ofertados aos migrantes trecheiros, ressaltando o trabalho

realizado no estado de Sergipe com o Centro de Apoio ao Migrante. No capitulo IV, traçamos

o perfil do migrante trecheiro que acesa os serviços sócio-assistenciais do CAM e analisamos

outros dados colhidos no campo de pesquisa. Por último, apresentamos as nossas

considerações finais.

15

CAPÍTULO I

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

1.1. Processo de Trabalho

Para compreendermos a lógica do migrante trecheiro é necessário que se faça,

inicialmente, uma breve análise sobre o trabalho e como esse se configura. Reconhecemos a

importância dele [o trabalho] no processo de desenvolvimento das relações sociais, no qual a

categoria trabalho torna-se a expressão da satisfação das necessidades humanas, diferenciando

o ser humano de qualquer outro ser vivo.

Assim, o trabalho é elemento ontologicamente essencial e fundante, para a

existência do homem. É através dele que o homem atende suas vontades e necessidades mais

simples e fundamentais de sobrevivência. Desta maneira, viver com qualidade resulta tanto da

busca individual, quanto do esforço coletivo da classe trabalhadora, ao passo que as relações

interpessoais constituem um forte componente da satisfação do homem com o trabalho

(ANTUNES, 2004).

O processo de trabalho, como enfatiza Marx, permite ao homem transformar a

natureza e também se modificar, de modo que é por meio do trabalho que ocorre o

desenvolvimento das relações humanas, ou seja,

Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza,

processo em que o ser humano com sua própria ação, impulsiona, regula e controla

seu intercâmbio material com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma de

suas forças. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo, braços e pernas,

cabeça e mãos, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes

forma útil à vida humana. Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a,

ao mesmo tempo modifica sua própria natureza (MARX, 1987, p. 202).

Para tanto, o que de fato diferencia o homem dos demais animais, é a sua

capacidade de raciocínio, sua habilidade de prevê o que deseja como fruto de seu trabalho

mesmo antes de objetivá-lo. A essa capacidade teleológica, configurada como a aptidão do

homem em projetar ou antecipar mentalmente o produto de seu trabalho, bem como a forma

que irá utilizar para desenvolvê-lo, é o que Marx denomina como sendo “o trabalho sob forma

exclusivamente humana” (MARX, 1987, p. 202).

Assim, o homem ao produzir um objeto, produz conhecimentos, e esses

conhecimentos vão estar em constante evolução no tempo e no espaço, uma vez que,

16

através da consciência, novos objetos são construídos e disseminados pela

sociedade, pois “todo ato de trabalho produz uma nova situação, na qual novas

necessidades e novas possibilidades irão surgir (LESSA, TONET, 2008, p.8, apud

SANTANA, 2010, p. 4)

Dessa forma, no campo econômico, o trabalho é entendido como um resultado

que satisfaz as solicitações humanas, de maneira útil, ou seja, contendo utilidade econômica.

Além da relação entre consciência e linguagem que se configura como um dado primário e

inesquecível, na medida em que só tem sentido a partir da relação com outros homens,

portanto, como forma social e histórica. Assim, a partir do aprimoramento do trabalho e o

desenvolvimento das relações sociais o homem passa por um processo de metamorfose ao

passo que a obtenção das particularidades oriundas do processo de trabalho irá propiciar a

produção de vida material que traz consigo os marcos da sociedade capitalista (IAMAMOTO,

2001).

Contudo, com o desenvolvimento do capitalismo observa-se o domínio do

processo de trabalho, ou seja, o capital passa a interferir na produção do trabalhador,

gerenciando e/ou controlando o processo de produção, estimulando e impulsionando o sujeito

desempregado ao processo de migração. Com isso o trabalhador que se desloca de modo

constante passa a cooperar com as ideologias do sistema capitalista, ao passo que se submete

ao trabalho precarizado.

No cenário contemporâneo presencia-se o avanço da política neoliberal e o

processo de reestruturação produtiva que reproduz cada vez mais a desigualdade social, de

modo que traz como consequência a exclusão de grande parte da população, uma vez que não

há lugar para todos na sociedade, tendo aqueles que não dispõem de nenhuma habilidade

específica, os excluídos do processo de trabalho. Sem possibilidade de promover seus meios

de sobrevivência, essas pessoas se tornam incapazes diante das novas exigências da

competitividade, da concorrência e da redução de oportunidades de emprego.

1.2. Trabalho no Brasil

No Brasil, observa-se a continuidade do processo mundial do neoliberalismo,

no qual prevalece o estado mínimo, sendo o trabalhador responsabilizado pela sua

condição social, ou seja, “cada vez mais as relações de trabalho tornam-se complexas e

17

o mundo do trabalho vai se transformando em um mundo precarizado” (SANTANA,

2010, p.1).

O Brasil até início do século vinte era um país rural, naquela época grande parte

da população concentrava-se nas zonas rurais e os poucos centros urbanos que existiam não

eram bem estruturados. Contudo, com a primeira grande Guerra Mundial (1914-1918), as

grandes potências industriais não conseguiam suprir as necessidades internas e externas

devido ao estado de guerra existente, sobretudo no continente Europeu, passando a demandar

serviços e produtos dos países subdesenvolvidos (BITTENCOURT, 2008).

Isso impulsionou tanto a importação de produtos primários, quanto à transferência

de pólos produtivos para países livres dos conflitos, onde a produção pudesse se desenvolver

sem empecilhos. Assim, o processo de industrialização no Brasil se concretiza a partir da

década de 1940, atraindo, milhares de trabalhadores rurais para os centros urbanos em

formação.

No processo de ampliação da industrialização destaca-se o período de 1955 a

1964, no qual se observa uma fase aguda na industrialização do país, caracterizada pela

expansão da diversidade industrial, em especial, com a introdução da indústria

automobilística. Com a eleição de Juscelino Kubitschek para presidência da república

brasileira em 1956, esse processo foi intensificado.

Com o golpe militar, o cenário sócio-econômico e político do país sofrem grandes

alterações. O modelo desenvolvimentista se consolidava com altos índices de emprego e

investimento no país. Mas, nos primeiros anos da década de 1970, conhecido como milagre

econômico, a economia expandiu-se aceleradamente, apresentando um crescimento global de

11,5% ao ano entre 1969 e 1973 (BITTENCOURT, 2008).

O rápido desenvolvimento da economia brasileira até a década de 1970 ao

invés de eliminar, reproduziu uma grande incidência de pobreza, destacando-se a

imensa desigualdade social nas grandes cidades, devido sobremaneira ao êxodo rural

que se intensificou no período, diante disso,

O mercado de trabalho se estrutura de modo heterogêneo, proporcionando a

formação de um grande excedente de força de trabalho, marcado por intensa

migração interna do campo para a cidade. Em conseqüência, grande parte da mão-

de-obra se vê excluída dos frutos do crescimento econômico e passa a constituir um

grande contingente de trabalhadores do setor informal da economia, sujeitos à baixa

remuneração, à instabilidade e à margem do Sistema de Proteção Social

direcionados para aqueles inseridos no mercado de trabalho, inaugurando-se, assim,

no país, uma cidadania regulada (SILVA, 2006, p.10).

18

Nas duas últimas décadas do século XX, verifica-se uma recomposição

lenta, complexa (e contraditória) do mundo do trabalho nos pólos industriais mais

desenvolvidos, ocorrendo uma reorganização da linha produtiva com alterações na

composição técnica da classe trabalhadora, ocorrendo o surgimento de novas

qualificações (e desqualificações) operárias, com uma variedade de percepções

(ALVES, 2000).

Dessa maneira, este acelerado processo de mudança pela qual passa a

sociedade brasileira, em especial, o mercado de trabalho nos anos de 1990,

resultou não somente num aumento do desemprego e da informalidade, mas

também numa deterioração da qualidade de vida e do trabalho (SILVA,

2001/2004, p.143).

Com isso, a classe que vive do trabalho vem ao longo das últimas décadas

sofrendo com o intenso ritmo do sistema capitalista que condiciona o trabalhador a

naturalizar a precarização do trabalho, obrigando-o a se adequar às relações de trabalho

impostas, fato que impulsiona mais e mais o número de indivíduos à migração, sendo

estes sujeitos direcionados em sua maioria ao mercado informal.

1.3. Trabalho informal

Com o aumento do desemprego e o número de trabalhadores ociosos, surge com

grande dimensão e de modo mais intenso a partir dos anos de 1980 o mercado informal,

caracterizado e/ou compreendendo como um conjunto de atividades e formas de produção

cujas características principais são: o reduzido tamanho do empreendimento; a facilidade de

entrada de novo concorrente; a inexistência de regulamentação; a utilização de tecnologias

intensivas em mão de obra; a propriedade familiar, entre outras (SILVA, 2009).

Em 1980, com o fim do ciclo de expansão, de cerca de cinquenta anos de

industrialização e urbanização intensivas, o setor formal do mercado de trabalho

(empregados com carteira e autônomos contribuintes, mais funcionários públicos e

empregadores) atingiu o pico de absorção da População Economicamente Ativa (PEA) -

55,6% -, enquanto no mesmo ano o setor de subsistência, acrescido do emprego

informal e dos desempregados, correspondia a 43,4% da PEA. (SILVA, 2009).

Assim, em consonância com SILVA, a informalidade no mercado de tra-

balho brasileiro teve crescimento em torno de 12% no período entre 1980 e 2000,

19

traduzindo-se, principalmente, nos empregados sem carteira assinada, nos

trabalhadores por conta própria. Desse modo, o indicador de crescimento da informali-

dade assume importância fundamental à medida que cresce o número de trabalhadores

sem carteira, que passam a depender da inserção na estrutura produtiva pelas formas

precárias de ocupação, em segmentos não organizados.

Os trabalhadores a partir de determinado período, ou seja, na contemporaneidade,

geralmente desenvolvem atividades, de sobrevivência podendo se encontrar na esfera da

produção de bens de consumo, como por exemplo: trabalhadores rurais que se dedicam às

atividades voltadas para a esfera da produção por conta própria; operários de construção civil;

vendedores ambulantes etc. Todos eles têm, em comum, a atividade voltada para a

subsistência, e não visam à acumulação, dispondo apenas da força de trabalho.

Outro fator que impulsionou o crescimento da informalidade diz respeito à

migração da força de trabalho do campo rumo à cidade, que do ponto de vista geográfico nos

remete a desterritorialização do camponês e dos trabalhadores rurais de modo geral

(assalariados, meeiros, posseiros, etc.). Este fator para alguns analistas é considerado o

principal determinante do crescimento do setor informal urbano. Isto é, a chegada de número

cada vez maior de pessoas aos centros urbanos dos países em processo de industrialização,

como aconteceu no Brasil (SILVA, 1993).

Dessa maneira, o mercado de trabalho das grandes cidades, sobretudo no sudeste

não incorporou toda a demanda advinda dos centros rurais impulsionando o crescimento da

mão-de-obra excedente nas principais metrópoles do Brasil. Desse modo, o crescimento da

informalidade e o desemprego estrutural são consequências do desenvolvimento histórico do

país, que engloba entre outros fatores o processo de migração, que será discutido no próximo

capitulo.

20

CAPÍTULO II

PROCESSO DE MIGRAÇÃO NO BRASIL

2.1. Migração no Brasil

A migração no Brasil se confunde com o próprio desenrolar histórico do país,

tendo em vista que no século XVI os portugueses protagonizaram o primeiro grande fluxo

migratório do Brasil, desencadeando uma onda progressiva que se desenvolveu de modo

intenso neste país, manifestando-se, sobretudo na contemporaneidade de diferentes modos,

entre esses a migração dos trecheiros que surge como reflexo desta ação.

Desse modo, as atividades econômicas desenvolvidas na federação brasileira,

impulsionaram o processo migratório, que posteriormente culminaria na ocupação territorial

do Brasil, uma vez que este país era explorado somente na faixa litorânea, sendo caracterizado

pela grande extensão territorial e pouca exploração e/ou ocupação desse espaço terrestre.

Assim, a necessidade de dominar o espaço territorial ocioso culminou na

formação das cidades interioranas, que atreladas à expansão comercial carecia de mão de obra

para o desenvolvimento das atividades econômicas, o que em longo prazo desencadeou a

concentração populacional urbana e o processo de formação da cultura brasileira. Essas

atividades tornaram-se grandes pólos de atração de mão de obra e viraram as principais

atividades econômicas desenvolvidas no Brasil, a saber: o ciclo da cana de açúcar na região

nordeste, a extração de minérios no estado de Minas Gerais, sobretudo do ouro, o ciclo da

borracha no Amazonas e o desenvolvimento da cafeicultura no estado de São Paulo

(MARINUCCI, 2002).

O ciclo da cana de açúcar ocasionou o primeiro e significativo fluxo de migrantes

no Brasil, ao passo que o cultivo desse produto exigiu um número expressivo de

trabalhadores, pois toda sua produção era destinada ao mercado europeu que demandava um

número cada vez maior da produção açucareira. Contudo a metrópole não dispunha do

domínio da colônia até então inexplorada, sobretudo pela a expansão do território e a ausência

populacional, desse modo,

Para incentivar a cultura canavieira e as demais atividades agrícolas no Brasil, a

metrópole dividiu o país em capitanias hereditárias, esta política desencadeou um

constante movimento migratório. Elementos de diversas posições sociais,

principalmente da nobreza decadente, deslocaram-se para o Brasil no intuito de aqui

enriquecer (SOUZA, 1980, p. 44).

21

Entretanto, para o cultivo da cana-de-açúcar a metrópole portuguesa precisava de

mão-de-obra para execução das atividades laborais, e, ao constatar a ausência de habilidade

dos nativos para o cultivo da cana de açúcar os mesmos impulsionaram o primeiro grande

fluxo migratório do Brasil, no qual se presenciou a mobilização compulsória de mão-de-obra

africana para o país, atividade marcada pela escravização do negro africano que possibilitou

aos empresários metropolitanos portugueses uma ampla margem de lucratividade.

Por conseguinte à economia açucareira, ocorreu também, o surgimento da

pecuária, atividade complementar e que funcionava como uma segunda fonte de renda aos

senhores de engenho, fato que mobilizou grande contingente populacional e aumentou mais e

mais o volume migratório na região nordestina do país.

Após o declínio da atividade açucareira a metrópole portuguesa passa a incentivar

a formação das expedições destinadas a descoberta de metais preciosos, sobretudo no século

XVI e durante o século XVII, período que os bandeirantes adentraram ao interior do país e

descobriram grandes jazidas de metais preciosos. Esta descoberta incitou um grande

deslocamento populacional às regiões auríferas que se tornaram o pólo de maior atração de

migrantes da colônia.

As correntes migratórias aconteceram em três momentos, a saber, a primeira foi

formada pelos paulistas a quem se deve a descoberta de ouro e diamante; a segunda partiu da

metrópole, sendo composta por indivíduos de todos os níveis sociais; e a última grande

corrente migratória oriunda da região nordeste, que era composta basicamente por

fazendeiros, senhores de engenho decadentes, homens livres e escravos (SOUZA, 1980).

Na segunda metade do século XVII a região amazônica começa a ser habitada

tornando-se posteriormente um grande pólo de atração dos migrantes devido o apogeu do

ciclo da borracha, sobretudo com a revolução industrial ocorrida no século XIX nos Estados

Unidos que exigia um grande número de produtos para subsidiar o desenvolvimento

industrial, encontrando na Amazônia a matéria prima (borracha) para atender inicialmente as

demandas da indústria automotiva. Dessa maneira, a região amazônica tornou-se o grande

pólo de atração dos migrantes que eram em sua maioria oriundos do norte e nordeste do país.

Corroborando com essa análise, Souza (1980, p. 54) ressalta que “foi do nordeste que a

Amazônia recebeu mão-de-obra necessária à extração da borracha nos seringais”.

Contudo, o período áureo da migração no país ocorre com o desenvolvimento da

atividade cafeeira no qual se presencia o inicio da industrialização do Brasil, tornando a

região sudeste o pólo de maior atração de migrantes, que saíram em sua maioria das regiões

22

norte e nordeste em busca de emprego e melhores condições de vida. Esse período

caracterizou-se como período de intensa mobilidade humana no Brasil, sobretudo após a

abolição da escravatura no qual se presencia a intensa mobilidade dos escravos libertos rumo

às cidades e consequentemente a chegada de mão-de-obra para substituir os trabalhadores

escravos, nesse caso à mão-de-obra estrangeira.

A abolição da escravatura representou não apenas a liberação da camada servil, mas

também a transferência de capitais da camada superior rural. Em grande parte,

elementos destas camadas sociais emigraram para as cidades, onde, sob novos tipos

de relações de trabalho, se dedicaram às atividades comerciais e industriais

(SOUZA, 1980, p 64).

Daí em diante estava determinada uma nova e dinâmica fase da migração no

Brasil, onde a região sudeste do país despontava-se como o pólo de maior atração dos

migrantes, que aliado à inserção na produção cafeeira começa a inserir-se também nas

atividades do comércio e indústria, seguindo a lógica do sistema de produção capitalista que

precisa de mercado consumidor para o seu desenvolvimento pleno.

Assim, milhares de pessoas que, devido à pobreza, à falta de condições básicas de

subsistência, às desigualdades e ao desemprego, optam por tentar uma vida melhor em outra

região, juntamente ao fato de ser uma saída para o desemprego e uma maneira de resistir à

condição de miserabilidade imposta.

Com isso, de 1890 a 1950, percebe-se o impulso proporcionado pelo café e a

industrialização no contingente populacional da região sudeste, ao passo que a população

relativa dessa região passou a crescer com maior ímpeto, quase exclusivamente devido ao

crescimento de São Paulo (que de 9,7% da população do Brasil, em 1890, passou para 17,6%

no fim do período) simultaneamente ao decréscimo relativo da quase totalidade dos estados

do Nordeste e do Leste, incluindo Minas Gerais (PATARRA, 2003).

Aliado ao desenvolvimento industrial do país, começa também, no século XX

principalmente após a Revolução de 30, o processo de urbanização do Brasil, que, funciona

como grande atrativo para os trabalhadores, que em sua maioria possuem apenas a força de

trabalho para sobreviver e acaba migrando para as cidades em processo de expansão,

deixando para traz a cidade natal, já que esta não oferece condições de trabalho. Dessa forma

as regiões brasileiras passam a desenvolver uma relação funcional, uma vez que não

absorvendo a mão-de-obra existente em determinada localidade, a região passa a incentivar e

obrigar o trabalhador ao processo de migração, que posteriormente acabaria se tornando o

processo de desruralização do Brasil (SOUZA, 1980).

23

Esse processo foi acompanhado de um ciclo de migrações internas que, durante mais

de três décadas, fornece mão de obra para as áreas de concentração econômica; isso

foi possível porque o crescimento da população brasileira caracteriza-se, após 30,

por um forte crescimento vegetativo e amplos deslocamentos populacionais rumo às

cidades, que teve o papel de viabilizar um modelo de desenvolvimento

espacialmente concentrado, com um mercado urbano relativamente reduzido,

apoiado em amplos recursos naturais e na extrema pobreza da população rural

(PATARRA, 2003. p.18).

Diante dessa conjuntura, os movimentos migratórios adquiriram sentido em

função das atividades econômicas, que por sua vez, foram decisivos no desenvolvimento

urbano-industrial no Brasil. Desse modo, passou a acender no meio rural o processo de

expulsão da população, já que estes não podiam concorrer com os grandes proprietários e/ou

latifundiários que inseriram as máquinas e equipamentos tecnológicos em substituição aos

trabalhadores rurais.

Assim sendo, aprofundou-se o processo de êxodo rural, configurado pela

migração da região rural para região urbana, que se caracteriza pela tentativa do sertanejo de

abandonar a situação de pobreza e miséria, causadas principalmente pela ausência de

infraestrutura no meio rural, na qual predomina a falta de educação e de serviços básicos de

saúde, além da histórica concentração de terras nos grandes latifúndios que após o processo de

industrialização começaram a mecanizar cada vez mais os serviços, substituindo o trabalho

humano pelo trabalho das máquinas, o que de acordo com Silva (2001/2004, p.146) “(...)

inverteu completamente a relação campo-cidade e decretou o fechamento das fronteiras

agrícolas ao trabalhador rural”.

Diante desse contexto, os movimentos migratórios no Brasil foram responsáveis

pelo processo de esvaziamento da população rural, no qual se verifica o aumento gradual do

deslocamento humano em direção às cidades, contribuindo de modo sistemático para a

inversão populacional que em outrora era basicamente voltado para o campo.

A população rural brasileira atingiu seu máximo em 1970 com 41 milhões de

habitantes, o que correspondia a 44% do total. Desde então o meio rural vem

sofrendo um declínio populacional relativo e absoluto, chegando em 1996 com um

total de 33,8 milhões de habitantes, ou 22% do total nacional. A redução da

importância da população rural deve-se, fundamentalmente, aos movimentos

migratórios (CAMARANO, 1999, p 02).

Outrossim, o êxodo rural que teve seu apogeu na década de 1970 ocasionou o

inchaço das grandes metrópoles, na medida que a oferta de empregos não era compatível com

a grande procura, nem mesmo a economia seguia os passos da migração, que se desenvolveu

consideravelmente e aumentou de modo cada vez mais crescente o exército industrial de

24

reserva que por conseqüência do desemprego, passou a desenvolver e se inserir em atividades

informais, principalmente no setor de serviços.

(...) a migração para região metropolitana teve um papel importante na ampliação da

disponibilidade de força do trabalho exigida pelo maior nível de população. Se, por

um lado, a migração induziu um crescimento induzido da população metropolitana,

é inquestionável que por outro lado, ela garantiu a força de trabalho indispensável ao

processo de expansão (CUNHA, 2000, p.109).

Diante do eminente crescimento populacional nas grandes metrópoles e a

ausência de políticas públicas vigentes que alcançasse este público, intensificou-se também o

processo de favelização dos grandes centros, no qual se verifica a falta de infraestrutura

suficiente e adequada para sobrevivência humana, fato que impulsionou mais e mais o

número de sujeitos em situação de risco e vulnerabilidade social (PATARRA, 2003).

Outro fator que merece destaque, diz respeito à globalização e a efetivação da

política neoliberal, no qual se presencia o aumento gradativo da desigualdade e desproteção

social, ocasionando cada vez mais a exclusão de grande parte da população, exigindo o

aperfeiçoamento constante dos trabalhadores. Os trabalhadores que não se adéquam as

exigências do sistema capitalista ficam inválidos e/ou inoperantes diante das novas

exigências, sobretudo na política neoliberal que adota a competitividade e a concorrência

como via de mão única, ocasionando mais e mais a redução de emprego e a ideologia que não

há mais lugar para todos na sociedade.

Dessa maneira, o que a experiência brasileira da migração tem mostrado, em toda

sua diversidade, nesses tempos de “globalização” e de reestruturação produtiva do

capital, é que ela está sendo condicionada por uma flexibilização e precarização

crescente das relações de trabalho, o que tem significado condições de vida mais

difíceis e incertas para os trabalhadores migrantes (SILVA, 2004, p.148).

No Brasil, o modo capitalista de produção exige o árduo aperfeiçoamento do

trabalhador que nem sempre consegue atender a tamanha demanda e que acaba perdendo não

apenas seu espaço frente ao capital, mas também seu vínculo familiar, na medida em que não

mais está “apto” as exigências impostas pelo mercado de trabalho não dispondo de meios para

subsidiar seu sustento e de sua família (CUNHA, 2000). A região sudeste do Brasil, até o

século XX recebeu o maior contingente populacional de migrantes, principalmente o Estado

de São Paulo que possui um grande complexo industrial e tornou-se ao longo do

desenvolvimento histórico a localidade mais atrativa.

Contudo, verifica-se que as indústrias estão cada vez mais em busca de mão de

obra especializada. O migrante que chega a esta região, principalmente aqueles advindos do

25

norte e nordeste não possuem nenhuma habilidade especifica e exercem trabalhos braçais para

prover seu sustento, são em suma, agricultores, pedreiros, catadores de resíduos sólidos,

vendedores ambulantes entre outros. Dessa forma, evidencia-se a importância da formação

técnica, num contexto de desemprego estrutural onde há novas exigências, da concorrência e

da redução de oportunidades de emprego, ou seja:

A qualificação profissional dos migrantes é de fundamental importância para o seu

ingresso no mercado de trabalho urbano-industrial. Pois, sem qualificação

profissional adequada, os migrantes são forçados a se inserir de qualquer jeito no

mercado de trabalho, submetendo-se a todo tipo de exploração ou, em grande parte,

se marginalização (SOUZA, 1980, p. 38).

Assim, diante das novas reivindicações do mercado de trabalho e o aumento da

periferização dos grandes centros e/ou metrópoles, condicionado também a violência e

exclusão social observa-se o surgimento de um novo processo de migração: a migração dos

trecheiros, ou seja, a migração de trabalhadores que vivem na estrada a procura de trabalho e

meios para subsidiar sua sobrevivência, sendo definido por (SOUZA, 2010) “como aquele

que não para, que viaja para todo canto”.

2.2. Migração dos Trecheiros

A migração do trecheiro é uma das consequências do eminente crescimento do

desemprego estrutural. Os trabalhadores passam a fazer uso de diferenciadas estratégias em

busca de emprego, a migração que anteriormente ocorria de modo definitivo e de longa

duração passou a ser substituída por movimentos pendulares, ou seja, os indivíduos em

processo de migração passam a executar trabalhos temporários, ficando pouco tempo no local

que necessita de sua mão-de-obra, percorrendo o trecho em busca de trabalho.

A utilização do termo “trecho” e da designação “de trecheiro” ganha sentido

singular na leitura dos próprios protagonistas. Significados que só podem ser

apreendidos por quem compartilha de experiência, e não por quem está de “fora”.

Produzem para si um vocabulário que funciona como signos de distinção, que

marcam sua condição de estar em transito (SOUZA, 2010, p.5).

Essa particularidade da migração no Brasil é diagnosticada, sobretudo, pela

tentativa de conseguir emprego em outro estado ou cidade, ou seja, não sendo bem sucedido

em determinado estado o trabalhador migra para outra região a procura de trabalho. A

26

incerteza de inserção ao mercado de trabalho funciona como fator que impulsiona a contínua

mobilidade em busca de emprego, ao passo que os trecheiros não possuem qualquer

enraizamento sócio-cultural.

O que mobiliza os migrantes de todas as latitudes é o desejo de livrar-se dos

grilhões da pobreza, da fome e da miséria. Há também fome cultural e sede

do reconhecimento no movimento de muitos migrantes, mas sua motivação

fundamental é a necessidade de estabelecer novos padrões de sobrevivência

econômica (CUNHA, 2007, p.77).

Dentro desse contexto, a migração dos trecheiros se caracteriza pela constante

movimentação dos indivíduos a procura de meios para prover seu sustento e de sua família,

sendo estes trabalhos em suma de modo temporário, no qual são submetidas às mais pesadas

tarefas, são discriminados muitas vezes, suportando até mesmo a escravidão, desprovidos dos

mínimos direitos, inclusive do direito de ir e vir, posto que muitas cidades constróem barreiras

para evitar a entrada destes sujeitos, e quando não conseguem deter a entrada, estes são

enviados para a cidade ou estado vizinho, processo que caracteriza a ausência de uma política

pública vigente e sistemática, visto que a problemática é transportada para outra localidade,

ocasionando um círculo vicioso, no qual se presencia a transferência e repasse de

responsabilidade.

Assim, a mobilidade e o distanciamento do migrante trecheiro seguem a lógica da

sobrevivência, ao passo que são desprovidos de qualquer enraizamento, resistem ao processo

imposto pela estrutura social e o sistema capitalista aliado à ausência de alternativas eficazes e

a omissão do Estado no atendimento dessa demanda, ocasionando e impulsionando um

deslocamento incessante, à medida que se trata de trabalhadores que não possuem os direitos

trabalhistas, sendo excluídos dos direitos mínimos de cidadania, mesmo quando estão

empregados.

A diminuição constante da oferta de emprego, provocada pelo fim de milhares de

postos de trabalho nos últimos anos, tem contribuído para o aumento do contingente de

indivíduos perambulando pelas rodovias, seja de carona, a pé ou através de benefícios

concedidos pela Política de Assistência Social (passagem interestadual). Estes indivíduos

percorrem longos trechos, de cidade em cidade, realizando trabalhos informais e/ou

temporários. Dessa forma, segundo Singer (1977, apud MENEZES, 2001, p.93) “quando uma

classe social se põe em movimento, ela cria um fluxo migratório que pode ser de longa

duração e que descreve um trajeto que pode englobar vários pontos de origem e destino”.

27

Com isso, o ato de migrar pressupõe o abandono do espaço social de origem,

exigindo do migrante trecheiro a busca por trabalhos temporários, como o agricultor que tem

seu percurso traçado pelos períodos de colheita e de plantio, sendo que esse trabalhador

acompanha os ciclos produtivos, no qual migra para Vitória da Conquista/BA na colheita do

café, passa por Boquim/SE na safra da laranja e chega até Maceió/AL para o cultivo da cana-

de-açúcar.

Acrescenta-se aos agricultores, os vendedores ambulantes, trabalhadores da

construção civil, serviços gerais, artesãos, entre outros, que tem em comum somente à força

de trabalho para sobreviver e a constante mobilidade em busca de emprego, sendo esses

trabalhadores cada vez mais sujeitos às complexas relações do mundo do trabalho, totalmente

desprovidos de qualquer direito, inclusive ao direito à cidadania, pois na maioria das vezes

não assinam a carteira de trabalho, sendo duplamente castigados ao passo que não possuem

garantias trabalhistas e não dispõe de condições mínimas de trabalho. Diante dessa lógica, o

sistema capitalista adéqua o homem às suas necessidades, passando este a se locomover para

vender sua força de trabalho e assim sequenciar a lógica da produção e reprodução deste

sistema, que entre outros prevê os mínimos sociais.

A mobilidade do trabalho se justifica, no entanto, devido à impossibilidade e

precariedade crescente do trabalhador vender sua força de trabalho e ter de criar as

suas próprias possibilidades, buscando e se inserindo, cada vez mais, na luta pelo

trabalho, entregando-se a um mundo complexo dotado de empecilhos e contradições

que inibem a reprodução do trabalhador com dignidade, submetendo-os a níveis

perversos de exploração e fadiga mental (SANTANA, 2010, p.3).

Ademais, podemos dizer que este é o único meio encontrado por esses indivíduos

para prover seu sustento e o de sua família,uma vez que o estado não possui uma política de

inclusão ao mercado formal de trabalho. Assim esses sujeitos sociais acabam por se

acostumar a viver em trânsito, naturalizando esse movimento. São em sua maioria homens

que saem, de cidade em cidade à procura de trabalhos ou mesmo exercendo pequenos bicos.

São reduzidos os índices de mulheres trecheiras quando isto ocorre, em geral, são as

companheiras dos trecheiros. Elas se dedicam ao artesanato ou a prestação de serviços

domésticos e contribuem na complementação da renda familiar nas cidades que passam.

A mobilidade dos trecheiros à procura de trabalho abrange numerosos indivíduos

sociais, oriundos em suma da classe proletária e que dispõe apenas da força de trabalho para

sobreviver. As causas e motivações que levam aos deslocamentos são variadas, tendo

consequências bastante diversificadas, dependendo dos diferentes contextos sócio-culturais e

econômicos, no entanto a questão econômica e o desemprego estrutural são os fatores

28

preponderantes. Cabe frisar, contudo, que as migrações em si representam um fenômeno e

como tal não podemos esquecer o direito humano de ir e vir, ou seja, a autonomia do sujeito

que estar em processo de trânsito.

São vidas definidas por um vai e vem perene, por uma eterna migração forçada que

lhes impinge a marca de um destino social. (...) Resistem ao processo descendente

imposto pela estrutura social, econômica e política atual. A migração é resultado de

um processo histórico e, ao mesmo tempo, causa de um outro (SILVA, 2010, p.32

apud SANTANA, 2010, p.12).

O trecheiro busca regularmente os serviços sócio-assistenciais desenvolvidos nas

cidades e estados que passam, principalmente pelo fato de não dispor de recursos financeiros

para custear o processo migratório. Dessa maneira esse migrante ocasiona uma demanda

bastante significativa aos serviços sócio-assistenciais, isto por que uma grande parcela desse

segmento populacional não dispõe de meios para locomoção, alimentação e abrigamento, fato

que demanda serviços em casas de passagem e albergues, ocasionando também o inchaço

destas instituições, ao passo que essas não dispõem de vagas suficientes para acolher estes

indivíduos, tendo em vista a dinamicidade desse processo de migração.

Assim, o processo de migração dos trecheiros transformou-se num desafio

constante para a assistência social, posto que o número de migrantes no trecho aumenta de

modo significativo, e a assistência social não comporta nem tão pouco consegue acompanhar

a dinamicidade deste movimento.

29

CAPÍTULO III

SERVIÇOS SÓCIO-ASSISTENCIAIS E CENTRO DE APOIO AO MIGRANTE

3.1. Serviços Sócio-Assistenciais

É pertinente iniciar essa parte correspondente aos serviços sócio assistenciais

pontuando algumas importantes diferenças sobre a pobreza, desigualdade social e exclusão,

de modo que se trata de conceitos que contextualiza e faz parte do cotidiano do migrante

trecheiro, que em alguns momentos são tratados de modo distorcido. Por pobreza entende-se a

inexistência de recursos que permitam uma vida digna, são considerados pobres os

despossuídos de condições mínimas para atendimento de suas necessidades básicas.

Desigualdade social compreende a diferente distribuição das riquezas socialmente produzidas

entre os membros de determinada sociedade. Por exclusão verifica-se a ausência dos direitos

básicos de sobrevivência, que remete a não inserção social do migrante trecheiro de modo que

a sociedade repudia os desempregados (SANTOS, 2009).

Ademais, a trajetória do migrante no Brasil é espelho do intenso processo de

submissão do trabalhador aos senhores que detém o poder, que pregam a qualquer custo o

lucro e a exploração dos empregados. Assim, de acordo com Sposati (1988, p.19), “miséria e

vassalagem, pobreza e subalternidade fazem parte da mesma trajetória, embora tal relação

antitética seja escamoteada por algumas estratégias de gestão articuladas pelos que fazem

donos do poder”.

É diante desse contexto que está inserido o migrante trecheiro, caracterizado por

ser grupo heterogêneo, composto por pessoas com diferentes realidades, mas que tem em

comum a condição de pobreza absoluta. São homens e mulheres que vivem em trânsito à

procura de trabalho e meios de prover o sustento próprio e familiar, passando a utilizar meios

alternativos para sobreviver, no qual predomina o movimento constante dos sujeitos inseridos

no processo de migração.

Com isso, verifica-se que a população migrante, sobretudo os trecheiros fazem

parte de um segmento social sem estabilidade no trabalho, sem moradia fixa, e que faz do

trecho que percorre o espaço de sobrevivência e moradia, sendo que essas pessoas acabam

naturalizando o próprio estado de vulnerabilidade, no qual predomina à procura de meios

30

alternativos para sobrevivência. Dessa forma, a situação de risco social a que são expostos os

migrantes trecheiros é interligada à pobreza e exclusão social, que são frutos da intensa

desigualdade social do país, na qual uma pequena minoria detém e se apropria da riqueza

produzida. A condição de migrante trecheiro é uma das expressões da questão social, objeto

da intervenção do Serviço Social.

Assim, a proposta do Estado a essa demanda ainda é incipiente, apesar dos

avanços da política da assistência social tendo em vista que o Estado segue os caminhos da

privatização, da focalização e da descentralização, ocasionando e impulsionando mais e mais

a desresponsabilização dos órgãos estatais, desencadeando o Estado mínimo, sob o qual sua

interferência é cada vez menor e pontual no que se refere ao trato da questão social e suas

refrações (BEHRING 2008).

Os trecheiros que se encontram em situação de risco e vulnerabilidade social em

função de migrações frustradas são uma espécie de “morador de rua ideal”, posto que as

cidades pelas quais estes indivíduos passam, não possuem estruturas condizentes com suas

demandas. Assim, em determinadas regiões do nordeste, sobretudo no interior dos estados,

ainda presenciamos ações de cunho imediatista e assistencialista que estabelece um prazo

limite de permanência e insuficiente para a readaptação à sociedade de um indivíduo que

muitas vezes sofrem com as mazelas do sistema capitalista (VIEIRA, BEZERRA e ROSA

2004).

Contudo, após a Constituição de 1988 e a posterior implantação da LOAS (1993),

observa-se a criação e/ou surgimento de uma política sistemática que prevê a universalidade e

proteção social dos sujeitos em vulnerabilidade e risco social. A PNAS aprovada por meio da

resolução nº145, de 15 de outubro de 2004, sinaliza as responsabilidades específicas do

Estado para com o cidadão, promovendo uma visão social inovadora, com um conceito de

proteção social que pressupõe reconhecer os riscos e vulnerabilidades que acometem os

cidadãos, capaz de entender as demandas dos indivíduos, das famílias e da sociedade como

um todo, agindo de modo interventivo e propositivo, reconhecendo e reforçando a

potencialidade do individuo.

Dentro dessa ótica, foi aprovado o Sistema Único da Assistência Social - SUAS,

em 2004 com o intuito de romper com as práticas do atendimento fragmentado e pontual,

passando a buscar um trabalho mais eficiente e efetivo, priorizando a equidade e a

universalidade tendo como foco principal a família e os membros que essa comporta, levando

em consideração o território que essa família está inserida.

31

Assim, a proteção social ficou definida por nível de complexidade, a saber:

serviços de proteção social básico e serviços de proteção social especial, subdivididos em

média e alta complexidade. A proteção social básica atende famílias em situação de

vulnerabilidade social decorrente da pobreza, do acesso precário a serviços públicos, da

fragilização de vínculos familiares e qualquer outra situação de risco social e que sejam

residentes nos territórios de abrangência de cada Centro de Referência da Assistência Social-

CRAS. Esse equipamento é caracterizado como porta de entrada dos serviços de Assistência.

A proteção social especial de média complexidade é ofertada no Centro de Referência

Especializada da Assistência Social- CREAS e assegura apoio, orientação e acompanhamento

de famílias em situação de ameaça ou violação de direitos e promove a preservação e o

fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.

Além dos atendimentos nos CRAS e CREAS existem serviços de acolhimento da

proteção social especial de alta complexidade destinado a famílias e indivíduos com vínculos

familiares rompidos ou fragilizados, que de alguma forma tiveram seus direitos violados, que

viveram ou vivem sobre ameaça, seja, física, psicológica ou financeira, que precisam ter

garantia de proteção integral, tais como: moradia, alimentação e trabalho protegido; serviços

de casa lar, república, casa de passagem, albergue, família substituta ou acolhedora, medidas

sócio-educativas restritivas, ou seja:

É a modalidade de atendimento assistencial destinada às famílias e indivíduos que se

encontram em situação de risco pessoal e social, por ocorrência de abandono, maus

tratos físicos e, ou, psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas,

cumprimento de medidas sócio-educativas, situação de rua, situação de trabalho

infantil, entre outras. São serviços que requerem acompanhamento individual, e

maior flexibilidade nas soluções protetivas (PNAS, 2004, p. 31).

Nesse sentido, é reveladora a forma como os trecheiros utilizam os espaços sócio-

assistenciais, ao passo que escolhem determinado destino com uma informação prévia dos

serviços existentes que irá acolhê-los. Contudo, os serviços sócio-assistenciais não abarcam a

tamanha demanda no qual estão inseridos os trecheiros, tendo em vista que este segmento

disputa espaço com outros contingentes populacionais que igualmente estão inseridos na

população que vive em risco e vulnerabilidade social. Nesse contexto encontra-se o Centro de

Apoio ao Migrante, espaço institucional onde realizamos a pesquisa.

3.2. Centro de Apoio ao Migrante

32

O Centro de Apoio ao Migrante localizado na cidade Aracaju, foi criado em 1992 com

o nome de “Casa Irmão Sol”, vinculado à política de assistência social exercida pela Primeira

Dama do Governo Estadual do período supracitado, com o intuito de atender à população de

rua desabrigada.

Naquela ocasião, a organização da assistência social ainda não se pautava nas

novas diretrizes da Constituição Federal de 1988. Em 1996, sob o olhar do que determinava a

Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) a instituição passou a ser chamada de Centro de

Apoio ao Migrante, equipamento público estadual da Secretaria de Assistência, Inclusão e

Desenvolvimento Social- SEIDES.

A SEIDES tem por meta o atendimento às necessidades de inclusão social da

população do Estado de Sergipe, com a missão de conceber e implementar planos, projetos,

programas em articulação com as demais políticas públicas. Dentro da programação da

SEIDES encontra-se Centro de Apoio ao Migrante que se propõe acolher em caráter

emergencial, pessoas de outras localidades que estejam em trânsito por Aracaju/SE e precisam

de abrigamento temporário.

À SEIDES cabe a proteção social básica e especial e a inclusão social, por meio

de políticas públicas que desenvolvam a assistência social e realize de forma integrada e

intersetorial com políticas setoriais de nutrição, habitação, saúde, cultura, educação, no intuito

de oferecer condições concretas para inserção do sujeito na estrutura familiar resgatando seus

vínculos comunitários.

Com a implantação do Sistema Único de Assistência Social – SUAS no país, em

2005, ocorreu à reformulação dos serviços, programas, projetos e benefícios que têm como

foco prioritário a atenção às famílias, seus membros e indivíduos, tendo o território como base

de organização. A proteção social passa a ser definida pelas funções que desempenha, pela

característica do seu público alvo e pela sua complexidade. Dessa forma, o Departamento de

Assistência Social – DAS, órgão vinculado à SEIDES passa a organizar seus serviços de

assistência social avaliando o impacto social esperado e supervisionando as ações de todos os

CRAS e CREAS dos municípios sergipanos, garantindo a implantação do modelo de rede

social para os diversos atendimentos.

A proteção social de alta complexidade é oferecida no nível municipal, porém

o Estado de Sergipe através da SEIDES mantém um equipamento específico de alta

complexidade, o Centro de Apoio ao Migrante, que atende um dos segmentos de pessoas em

situação de desabrigo. Atende pessoas em situação de rua ou desabrigo por serem migrantes

33

de outros estados e estarem em trânsito, em situação de vulnerabilidade máxima e sem

condição de auto sustento; atende também em caráter emergencial com acolhimento

provisório e excepcional, pessoas vitimizadas por furtos e assaltos com perda de

documentação e recursos financeiros.

O Centro de Apoio ao Migrante encontra-se nesta modalidade de complexidade

em consonância com a PNAS/2004 (2004-p. 38), que estabelece proteção de alta

complexidade como “(...) Aqueles que garantem proteção integral-moradia, alimentação,

higienização e trabalho protegido para famílias e indivíduos que se encontram sem referência

e, ou, em situação de ameaça (...).”

Assim, o regimento interno do Centro de Apoio ao Migrante é caracterizado por

ser uma casa de Passagem do Serviço de Acolhimento Institucional da SEIDES,

regulamentado pela portaria N° 1211, que atende o individuo ou família sem residência fixa,

sem condições financeiras de auto-sustento, desempregado e que esteja em trânsito e/ou em

processo de migração.

Por ser uma Casa de Passagem do Serviço de Acolhimento Institucional da

SEIDES para migrantes, o trabalho exige articulação com as demais políticas públicas no

âmbito municipal e estadual e também com órgãos de garantia de direitos. A relação de

parceria estabelecida com a rede sócio-assistencial (CRAS e CREAS), prevista no SUAS,

com os Conselhos Tutelares, com instituições não governamentais - ONGs e com a sociedade

civil organizada através dos diversos Conselhos Municipais e Estaduais de Direitos, é de

fundamental importância no atendimento do público que demanda os serviços. Por se tratar de

uma casa de passagem, onde o usuário permanece na instituição por um curto espaço de

tempo, a articulação com as demais redes de atendimento são preponderantes na medida em

que após determinado encaminhamento o usuário a depender da necessidade passa a ser

responsabilidade da instituição receptora, visto que o Serviço Social do Centro de Apoio ao

Migrante não estar apto para realizar acompanhamento de longa duração, sobretudo pela

própria dinâmica da instituição que não propicia este acompanhamento.

Ao trecheiro, o Centro de Apoio ao Migrante disponibiliza um serviço de

acolhimento temporário, no qual o usuário possui o direito a alimentação e pernoites, sendo

1 Portaria 121 de 22 de Dezembro de 2009 do governo de Sergipe/ SEIDES, em consonância com as diretrizes

estabelecidas pela LOAS, pela PNAS-2004,pela NOB/SUAS/2005,pela NOB/RH/SUAS/2006,pelo Decreto

6.307 de dezembro de 2007 e por duas resoluções nº212, de 19 de outubro de 2006 e de nº109, de 11 de

novembro respectivamente.

34

analisado cada caso de modo individual, uma vez que o usuário do CAM passa pelo

acolhimento onde é recebido por um Assistente Social, que identifica as demandas e faz os

encaminhamentos necessários. A instituição disponibiliza também o benefício eventual

(passagem-interestadual2) que, no caso do trecheiro, é concedido somente no eventual retorno

do mesmo ao local de origem, ou se possui uma proposta efetiva de emprego, que é

confirmada em contato telefônico.

Nesse contexto, o CAM procura fomentar políticas de acolhimento e integração

eficazes no trato ao migrante incluindo o migrante trecheiro, por entender que este é um

segmento populacional extremamente afetado pelas desigualdades sociais, e acaba ficando em

estado de vulnerabilidade e risco social. Entretanto, o CAM não consegue acompanhar e

prestar assistência de modo pleno ao migrante, justamente pelo fato de ser uma casa de

passagem, no qual o individuo não pode permanecer por um período longo.

O migrante trecheiro que passa por Aracaju/SE à procura de trabalho permanece

na instituição por um período de curto prazo (geralmente de três a cinco dias), sendo bem

sucedido, aluga um quarto de vila e passa a morar na cidade enquanto executa o trabalho, em

suma temporário. Não encontrando emprego o trecheiro segue para outra cidade, seja a pé, de

carona ou com ajuda de instituições de cunho religioso.

2 Para concessão do beneficio é realizado um contato telefônico com o intuito de identificar a veracidade dos

fatos e subsidiar a construção do parecer social.

35

CAPÍTULO IV

O TRECHEIRO E CENTRO DE APOIO AO MIGRANTE

4.1. Perfil do Trecheiro que Acessa os Serviços do CAM

Para elaborar o perfil do migrante trecheiro que acessa os serviços sócio-

assistencias do estado de Sergipe, foram aplicados vinte questionários aos usuários do Centro

de Apoio ao Migrante, sendo estes previamente selecionados de acordo com alguns critérios:

o histórico de migração (no caso de retorno à instituição); ter sido acolhido por um Assistente

Social. O perfil dos trecheiros foi construído a partir de dados relativos ao sexo, a

naturalidade, a idade, estado civil, escolaridade, documentação que serão apresentados a

seguir. Observamos que parte significativa (50%) dos participantes da pesquisa não havia

acessado anteriormente os serviços sócio-assistenciais desenvolvidos no CAM.

- Sexo

Gráfico 01 - Sexo

Fonte: questionário aplicado no CAM pelos autores

36

Tomando por referência os questionários aplicados é possível afirmar que 95%

dos entrevistados são do sexo masculino, predominância justificada pela predisposição dos

homens que possuem maior resistência física e facilidade de locomoção. Esses trabalhadores

percorrem grandes trechos na busca de emprego e passam a executar trabalhos nas cidades

que estão no caminho, fazendo uso dos serviços sócio-assistenciais ofertados no percurso e/ou

procurando ONGs que prestam serviços filantrópicos. De acordo com os dados da nossa

pesquisa apenas 5% são do sexo feminino. Ressaltamos que este percentual corresponde à

mulher que acompanha o esposo ou namorado no processo de migração.

Esses dados não acompanham a tendência atual, no qual as mulheres estão em

franca ascensão, estas ainda não venceram as desigualdades e a segregação. Observamos que,

os homens continuam predominando nas atividades industriais e as mulheres nos serviços; o

trabalho feminino, a despeito da flexibilização do mercado de trabalho que atinge ambos os

sexos, continua caracterizado como mais precário em relação ao masculino. Entretanto, houve

mudanças significativas com a entrada maciça das mulheres na População Economicamente

Ativa (PEA), mas também, surgiram novos desafios para a permanência de um percentual

ainda elevado de mulheres “confinadas” à esfera doméstica ou em profissões tipicamente

femininas (DINIZ, 2000).

Todavia, trazer a questão de gênero para essa discussão tem sua peculiaridade,

pois estamos contextualizando uma forma diferente de sobreviver, porém, o papel feminino

na migração, sobretudo a migração dos trecheiros não se diferencia totalmente da realidade de

muitas mulheres que atualmente estão inclusas na sociedade, pois estas mulheres, assim como

os trecheiros estão inclusas no trabalho precarizado e subalterno, seguindo cada vez mais a

lógica do sistema capitalista, de modo que dispõe apenas da força de trabalho para sobreviver.

Contudo, o homem é mais propenso ao ato da migração, sobretudo pela própria

questão cultural, onde o homem possui a função de prover o sustento familiar, sendo a mulher

mais ligada e enraizada com os valores familiares. Esta hipótese é ratificada na verbalização

de um usuário que participou da pesquisa, quando perguntado se deseja sair da condição de

migrante ele responde dizendo: “o único meio para divulgar meu trabalho é pelo mundo”

(usuário nº 07).

- Naturalidade

37

Gráfico 02 – Naturalidade.

Fonte: questionário aplicado no CAM pelos autores.

No tocante a naturalidade observa-se que 90% dos migrantes trecheiros são da

região nordeste, fato que comprova a tendência contemporânea, na qual grande parcela dos

migrantes desloca-se para estados vizinhos, com o objetivo de retornar a cidade natal depois

da temporada de trabalho, ou seja, estes trabalhadores percorrem o trecho de acordo com as

ofertas de trabalho existentes nas proximidades à cidade de origem. Esse novo perfil do

movimento de migração ocorre, sobretudo, após o inchaço das grandes metrópoles das regiões

sul e sudeste, no qual passou a contar com um grande número de pessoas em situação de rua

ou vivendo em moradias inadequadas.

Ainda segundo a pesquisa, é possível afirmar que 45% dos migrantes trecheiros

pertencem aos estados que fazem fronteira com o estado de Sergipe (Bahia e Alagoas), fato

que evidencia o cenário atual da migração, no qual aumenta mais e mais o número de

desempregados, sendo os indivíduos submetidos à migração para subsidiar os seus sustentos.

Acrescenta-se a isso, as mudanças ocorridas no mundo do trabalho no Brasil, sobretudo após

a década de 1990, período marcado por grandes transformações as quais apresentaram

grandes efeitos, a saber: a elevação das taxas de desemprego; as diferentes formas de trabalho

precarizado, sejam as formas relacionadas às ocupações do setor organizado (terceirização,

subcontratação, temporário, tempo parcial etc.) e, a queda na renda média real dos

trabalhadores. Esses três fatores têm contribuído para o crescimento da pobreza, das

38

desigualdades sociais e a elevação do grau de insegurança da classe trabalhadora (SILVA,

2009).

Desta forma, grandes quantidades de trabalhadores veem-se obrigados a

adentrarem em atividades precárias, sobretudo na informalidade, ao passo que essa se torna a

única alternativa para suprir a ausência de uma renda, uma vez que o estado de origem não

possui a capacidade de absorver essa parcela de trabalhadores, especialmente em termos

econômicos e sociais. Corroborando com esta análise Silva (2001/2004, p.147) afirma que “a

migração está vinculada à mobilidade do trabalho, ou seja, a capacidade que todo homem

possui enquanto trabalhador (ou mercadoria) de vender sua força de trabalho e de se deslocar

de acordo com as regras do capital”.

- Idade

Gráfio 03 – Faixa etária

Fonte: Fonte: questionário aplicado no CAM pelos autores.

No que concerne à faixa etária, os dados da pesquisa revelam que ocorre uma

predominância nas faixas etárias, entre os 23 aos 35 (55%) e 36 a 50 anos de idade (com

35%), sendo esses dois indicadores somados responsáveis por 90% dos trecheiros

pesquisados. Esses dados demonstram que o vigor físico é um fator preponderante, sobretudo,

39

porque grande parte deste público exerce trabalhos braçais para prover seu sustento, são em

geral3 agricultores, pedreiros, serviços gerais, pintores, vendedores ambulantes entre outros.

Nessa inter-relação, verifica-se a importância da formação técnica, num cenário de

desemprego estrutural no qual há n ovas exigências para o exercício profissional, diante da

concorrência e da redução de oportunidades de emprego. O contexto atual exige dos

profissionais um aperfeiçoamento constante, aqueles que não estão aptos são excluídos do

mercado, impulsionando mais e mais o crescimento do desemprego. Outro fator está

relacionado ao modo precoce que ocorre a migração, sendo os jovens submetidos cada vez

mais cedo ao mundo do trabalho, fato comprovado pela existência de 10% dos pesquisado

com idade inferior a 22 anos.

- Estado Civil

Gráfico 04 – Estado Civil

Fonte: questionário aplicado no CAM pelos autores.

Em relação ao estado civil é possível constatar que 75% dos trecheiros

pesquisados são solteiros, fato determinado pelo espírito “aventureiro” 4 desse segmento que

se põem em movimento a procura de melhores condições de vida, comprovando o fato do

3 No gráfico VII referente à profissão estes dados são confirmados com maior precisão.

4 Termo utilizado por dois trecheiros na aplicação do questionário.

40

desenraizamento sócio-cultural do migrante, no qual são regidos pelo ciclo econômico.

Contudo, é importante destacar que, a migração dos trecheiros não é uma escolha é um

processo da incerteza e busca do trabalho, indicado, sobretudo, pela imprevisibilidade que

orienta o processo migratório.

- Escolaridade

Gráfico 05 – Nível de escolaridade

Fonte: questionário aplicado no CAM pelos autores.

Neste item é possível destacar o baixo nível de escolaridade dos migrantes

pesquisados, sendo que 45% dos trecheiros possuem nível fundamental incompleto, seguidos

pela proporção de “apenas alfabetizados”, 15% e “não alfabetizados”, 10% que juntos

contabilizam 70 % dos trabalhadores inseridos na pesquisa. Esses dados comprovam que os

índices de escolaridade dos países desenvolvidos não refletem no Brasil, país que detém uma

política de educação precária e que não abarca todas as classes sociais, não condizendo com

os princípios da universalidade e igualdade para todos.

Esses dados identificam que a baixa escolaridade é fator que infere na escolha da

migração como estratégia de sobrevivência. Os indivíduos menos capacitados são

direcionados à informalidade, exercendo trabalhos temporários e precários, vivendo em

constante movimento, ao passo que são duplamente castigados, primeiro pela insegurança

trabalhista, uma vez que não contribuem para previdência social, segundo pelo fato de

41

estarem em constante vulnerabilidade social. Percebe-se então, que os dados em tela é reflexo

de um conjunto de condições socioeconomicas precárias, que aumentam a vulnerabilidade

social e consequentemente o número de migrantes trecheiros.

Contudo, um usuário contraria essa lógica, ao passo que possui nivel superior,

sendo representado no gráfico por 5% dos usuarios pesquisados. Ele vive no trecho e

sobrevive através da venda de artesanatos . Entretanto, é notório que esse trabalhador trata-se

de um caso isolado, que resolveu seguir um estilo de vida alternativo por problemas de cunho

pessoal.

- Documentação

Gráfico 06 – Documentação

Fonte: questionário aplicado no CAM pelos autores.

Em relação à documentação, é possível inferir que 80% dos pesquisados possuem

documentos que em suma são a carteira de trabalho e RG (Registro Geral). A partir deste

dado é possível entender que mesmo estando na informalidade os trecheiros pretendem

adentrar no mercado formal, pois esse possibilita segurança e estabilidade, coisas até então

ausentes para esse segmento populacional.

Os 20% restantes dizem respeito aos usuários que não possuem documentos, algo

relacionado, sobretudo, a violência e a questão social, fato que assola cada vez mais o país,

uma vez que os trecheiros são frequentemente assaltados. Contudo, para adentrar no CAM os

42

migrantes que não possuem documentos são orientados a fazer um BO (boletim de ocorrência), na

medida em que o regimento interno5 da instituição não permite a entrada de usuários sem documentos.

4.2. O Trecheiro e o Processo de Trabalho.

Para compreender o processo de trabalho do migrante trecheiro, é preciso

perceber que este trabalhador se caracteriza como um sobrante6, sendo sua inserção ao

mercado trabalho marcada pela precarização e exploração de sua mão de obra, ao passo que

esse segmento populacional é submetido a uma intensa circulação para vender sua força de

trabalho.

Assim, estes trabalhadores vêem-se obrigados a adentrarem em atividades

precárias e que não possui nenhuma garantia trabalhista, ocupando-se, sobretudo na

informalidade, de modo que essa é a única alternativa que pode suprir a ausência de uma

renda fixa. Com isso, esse excedente de trabalhadores impulsiona o mercado informal,

desenvolvendo um movimento contínuo em busca de emprego, ou seja, a permanência em um

estado ou cidade é determinada pela alocação de sua mão de obra, único meio para subsidiar

seu sustento.

Nos gráficos abaixo é possível visualizar o processo pelo qual é submetido o

migrante trecheiro, caracterizado como um trabalhador que utiliza a força física para

desenvolver suas atividades, exercendo outras atividades além da profissão específica e não

dispondo de garantias trabalhistas, uma vez que, as maiorias destes trabalhadores não assinam

a carteira de trabalho. Nesse eixo temático, destacaremos os seguintes tópicos: profissão

principal, se exerce outra profissão além da específica e se já assinaram a carteira de trabalho.

- Profissão

5 Ver regimento interno em anexo. 6 SILVA e IAZBECK, 2006. Classificam como Sobrantes aqueles trabalhadores com quase nenhuma chance de

entrar/retornar ao mercado de trabalho estruturado, no qual prevalece o assalariamento formal.

43

Gráfico 07- Profissão

Fonte: questionário aplicado no CAM pelos autores.

No que se refere à profissão, é possível destacar que 80% dos usuários

pesquisados são profissionais que usam a força física para executar suas atividades laborais,

não precisando de formação específica para trabalhar. Esse dado aponta que o segmento

populacional pesquisado não dispõe de formação técnica suficiente para entrar no mercado de

trabalho formal, sobrando somente os trabalhos que possuem como característica principal a

precarização.

Os dados acima refletem também que 50% dos pesquisados tem sua profissão

ligada à construção civil, área em franca expansão que, no entanto, não absorve os trecheiros

de modo direto, ou seja, quando este trabalhador é contratado para executar determinada

atividade esse contrato é realizado por empresas terceirizadas que não oferecem garantias

trabalhistas, de modo que não assina a carteira de trabalho. Assim, observa-se que o trecheiro

segue o curso da precarização do trabalho e diante do desemprego e vulnerabilidade social

que está inserido se sujeita ao cumprimento de qualquer atividade profissional, desde que essa

lhe proporcione a subsistência, ou seja, como diz um dos entrevistados, “a pessoa que anda no

trecho atrás de bico, não pode escolher emprego, o que vem faz” (usuário nº 20).

É oportuno destacarmos também, que dentre os usuários pesquisados existe um

engenheiro civil, que escolheu o destino de migrante trecheiro por vontade própria, visto que

abandonou sua profissão para se dedicar ao artesanato e como dito acima, a um estilo de vida

alternativo.

44

- Outra profissão

Gráfico 08- Exerce outra profissão

Fonte: questionário aplicado no CAM pelos autores.

De acordo com o gráfico referente à execução de outra atividade profissional é

possível perceber que 90% dos trabalhadores pesquisados executam outra atividade além da

específica, fato que está ligado à tendência da flexibilização do trabalho. Contudo, esse

percentual, no caso do migrante trecheiro, reflete uma estratégia deste trabalhador ao

desemprego estrutural, uma vez que na condição de desempregado o trabalhador não pode

recusar as oportunidades que aparecem, mesmo que essas ofertas os obriguem a ocupar

atividades classificadas como precárias e de baixa produtividade.

Diante disso, o grau de desproteção do migrante trecheiro é tal modo que ele é

obrigado a realizar qualquer tipo de trabalho, não lhe sendo ofertada a possibilidade de

escolha. Portanto, segundo Thomaz Jr. (2002, apud Silva, 2001/2004, p.143) a classe que vive

do trabalho está vivendo em condições cada vez mais precarizadas, tendo que se sujeitar às

condições cada vez mais incertas, com baixos salários e péssimas condições de trabalho (...).

Algumas falas dos trecheiros pesquisados endossam essa teoria quando dizem, por exemplo:

“amigo, eu faço o que vem pela frente, o cara só não pode parar” (usuário nº14).

“a pessoa não escolhe às vezes faço o que vem” (usuário nº01).

“sou pedreiro, mas quando não acho nada, eu me viro com os bicos” (usuário nº13)

45

“sou comerciante, mas quando não tenho mercadoria é melhor procurar outro

ganho” (usuário nº10).

- Carteira assinada

Gráfico 09- Já assinou a carteira de trabalho.

Fonte: questionário aplicado no CAM pelos autores.

No indicativo acima é possível perceber que 60% dos trecheiros pesquisados já

assinaram em algum momento a carteira de trabalho, contudo, a pesquisa revela que esse

percentual diz respeito ao período anterior ao processo de migração, ou seja, depois de

encontrar-se desempregado o trabalhador se tornou obrigado a migrar para vender sua força

de trabalho e nesse processo se incluir ao mercado de trabalho precarizado, que tem como

característica a exploração do trabalhador e a negação dos direitos trabalhistas, uma vez que a

contribuição previdenciária da maioria dos pesquisados é irrisória, tendo o período máximo de

contribuição abaixo de cinco anos.

Ainda segundo os dados, é possível verificar que 40% dos pesquisados nunca

assinaram a carteira de trabalho, fato que evidencia o processo pelo qual está inserido este

trabalhador, sendo esse sujeito exposto à vulnerabilidade e risco social, uma vez que não

possui qualquer garantia trabalhista. Desse modo, essa inserção desfavorável ao mercado de

trabalho acaba por associar o migrante trecheiro a incansáveis jornadas de trabalho, ao passo

que são submetidos à informalidade, segmento que não oferece qualquer garantia.

46

4.3. Migração dos Trecheiros

O migrante trecheiro caracteriza-se por ser um trabalhador em constante

mobilidade, justamente pelo fato de precisar se deslocar para vender sua força de trabalho,

contudo, na pesquisa realizada verificamos que esse segmento populacional possui um local

como referência, ou seja, mesmo em franco processo de migração estes trabalhadores

possuem uma residência fixa, seja própria ou alugada.

Desse modo, a partilaridade desta migração, ocorre devido ao fato dos trecheiros

pesquisados se deslocarem para os estados vizinhos aos de origem, percorrendo um circuito

que contempla os estados de Sergipe, Bahia e Alagoas. Assim, abordaremos nas páginas

seguintes os tópicos referentes à migração desse segmento populacional obedecendo a

seguinte ordem: possui residência fixa; estado de saída; estado de chegada; frequência anual

da migração; como ocorre o deslocamento; deseja sair da condição de migrante trecheiro e se

gosta da condição de migrante trecheiro.

- Possui Residência Fixa

Gráfico 10- Possui Residência Fixa.

Fonte: questionário aplicado no CAM pelos autores.

47

Com relação ao item referente à residência, observa-se que 50% dos migrantes

trecheiros possuem residência fixa, estatística que contraria a idéia do desenraizamento sócio-

cultural do migrante, uma vez que esse segmento idealiza, após o processo migratório,

retornar ao local de origem. Esse dado é endossado pelos 50% restantes na pesquisa, que,

mesmo não possuindo residência fixa desejam retornar à cidade natal para fixar moradia e

constituir família.

Esse dado revela que mesmo estando em risco e vulnerabilidade social o migrante

trecheiro não perde de vista o propósito no qual está inserido, ou seja, esse trabalhador almeja

em algum momento dar cabo ao processo migratório e fixar residência. Nas expressões

verbais citadas abaixo, é possível aferir o desejo deste trabalhador em retornar ao local de

origem:

“meu desejo é ir para casa” (usuário nº06).

“sim, agora quando chegar na minha terra eu paro” (usuário nº09).

“hoje eu to na rua, más um dia eu sossego e paro na minha cidade” (usuário nº14)

Há ainda falas que expressam o perigo de ser trecheiro como o exemplo abaixo:

“é o meu propósito, arrumar um trabalho e alugar um canto pra morar, a vida de

trecheiro é perigosa” (usuário nº03).

Gráfico 11-Estado de Saída. Gráfico 12-Estado que Pretende Chegar

35%

30%

10%

10%

5%

5%

5%

0% 10% 20% 30% 40%

AL

BA

SE

CE

PE

MG

SP

ESTADO DE SAIDA

30%

20%

20%

15%

5%

5%

5%

0% 10% 20% 30% 40%

SE

BA

AL

PE

GO

SP

RJ

ESTADO QUE PRETENDE CHEGAR

Fonte: questionário aplicado no CAM pelos autores.

48

De acordo com os gráficos acima, é concebível analisar que o trajeto percorrido

pelos migrantes trecheiros que passam pelo CAM segue a lógica de um circuito, representado

basicamente pelos estados que margeiam o estado de Sergipe (Bahia e Alagoas, acrescentando

a eles o estado de Pernambuco). No gráfico referente ao estado de saída é possível ratificar

essa análise, ao passo que 65% dos trabalhadores pesquisados são de Alagoas (35%) e Bahia

(30%).

No gráfico referente ao local que pretende chegar verifica-se que o estado de

Sergipe desponta-se como principal destino dos trecheiros pesquisados, de modo que 30%

deles tinham como objetivo chegar a esse estado, seguidos por Bahia e Alagoas com 20%

cada. Diante disso, constata-se que os estados desenvolvem uma relação mútua, ao passo que

os trecheiros se alternam no processo migratório, ou seja, os estados captam e fornecem mão

de obra.

- Frequência anual da migração

Gráfico 13- Frequência anual da migração.

Fonte: questionário aplicado no CAM pelos autores.

No tocante à frequência da migração, é possível aferir que 80% dos pesquisados

migram mais de uma vez anualmente, sendo que 40% desses migram duas vezes e 30%

migram três vezes ao ano, seguidos por 10% que migram quatro vezes. Esses dados revelam

que diante do desemprego estrutural surge à necessidade de uma constante mobilidade,

49

principalmente aqueles trecheiros ligados à agricultura e o comércio que seguem a lógica das

colheitas e dos ciclos produtivos.

Essa mobilidade constante dá visibilidade, sobretudo, a impossibilidade do

migrante trecheiro vender a sua força de trabalho no seu lugar de origem, daí ele criar

alternativas para vencer o seu estado social, buscando e se inserindo cada vez mais em

trabalhos incertos e degradantes. Corroborando com esta análise Silva (2001/2004, p.147)

ressalta que “a circulação das forças de trabalho é o momento da submissão do trabalhador às

exigências do mercado, aquele em que o trabalhador, à mercê do capital e das crises

periódicas, se desloca de uma esfera de atividade para outra” (...).

- O deslocamento

Gráfico 14- Como ocorre o deslocamento.

Fonte: questionário aplicado no CAM pelos autores.

No item referente ao deslocamento, foram aceitas mais de uma alternativa

como resposta, questão motivada pela diversidade de recursos de locomoção utilizados pelos

trecheiros no processo de migração. Diante disso, é possível destacar que 95% dos

pesquisados se deslocam com recursos próprios, fazendo uso de caronas e percorrendo o

percurso a pé (75 e 40% respectivamente).

Contudo, 55% dos pesquisados relataram que utilizam algum tipo de benefício

para seguir viagem, dado que comprova o extremo estado de vulnerabilidade que estão

50

inseridos estes trabalhadores, ao passo que, não possuem meios para se deslocarem e acabam

procurando os serviços sócio-assistenciais desenvolvidos no estado que por hora se

encontram, são em suma albergues, casas de passagem, instituições filantrópicas entre outras.

No caso do estado de Sergipe estes trabalhadores procuram o Centro de Apoio ao Migrante,

que acolhe o trecheiro ofertando-lhe refeição e alguns pernoites, concedendo o benefício

eventual (passagem interestadual) apenas nos casos de retorno ao local de origem.

- Intenção de sair da condição de migrante

Gráfico 15- Deseja sair da condição de migrante.

Fonte: questionário aplicado no CAM pelos autores.

Perguntados se desejam sair da condição de migrantes trecheiros, 75% relataram

que sim, fato que comprova que o estado de migrante não é colocado aos trabalhadores como

uma opção. Ao contrário, estes trabalhadores são impulsionados ao processo de migração,

pois possuem apenas a força de trabalho para provê o seu sustento, uma vez que a sua terra

natal não é capaz de absorver sua demanda, sendo este trabalhador submetido ao

deslocamento, dito de outro modo, andar no trecho pode ser entendido como uma estratégia

para minimizar os problemas do cotidiano.

Nas verbalizações dos migrantes pesquisados, é possível ratificar essa análise,

pois, fica explícito o desejo de mudança, quando perguntados se desejam sair da condição de

trecheiro:

51

“sim, por que o cara precisa parar um dia, assim só vai com cachaça” (usuário nº 2).

“com fé em deus, já tenho 50 anos e não posso ficar vagando” (usuário nº5).

“o cara não pode ficar como um passarinho, pra lá e pra cá” (usuário nº20).

A instabilidade fica exposta de modo bastante claro nas falas dos migrantes

trecheiros, pois no cotidiano desse segmento populacional a insegurança é constante, ao passo

que eles não possuem qualquer garantia. Outro fator determinante diz respeito ao

desenraizamento sócio-cultural, uma vez que o migrante trecheiro não finca raízes em uma

determinada localidade, ou seja, o trecheiro permanece em determinado lugar enquanto vende

sua mão de obra, pois o momento em que são esgotadas as possibilidades de trabalho é

também o momento de seguir viagem.

- Condição de trecheiro.

Gráfico 16- Gosta da Condição de trecheiro.

Fonte: questionário aplicado no CAM pelos autores.

No gráfico acima, os trecheiros foram questionados se gostam da condição na

qual estão inseridos, e 60% dos trabalhadores pesquisados relataram que gostam de ser

trecheiros, fato extremamente contraditório, pois 75% desses entrevistados relataram que

desejam sair da condição de trabalhador migrante. Contudo, é importante frisar que esses

52

migrantes gostam dessa condição pelo fato de poder vender sua força de trabalho no percurso,

ou seja, a esse sujeito é imposta a condição de trabalhador migrante, pois o mercado de

trabalho impulsiona à mobilidade deste sujeito, adequando-o as exigências do sistema

capitalista.

Destarte, a migração dos trecheiros enquanto processo corresponde às

necessidades de sobrevivência, além de manter viva a esperança de uma ascensão social.

Grande percentual dos entrevistados possui projetos futuros, entre outros, deixar a condição

de trecheiro e fazer uma economia para alavancar o próprio negócio, dito de outro modo, o

estado de trecheiro é bom pelo fato de prover o sustento desse segmento, ou seja: “pelo menos

a pessoa pode juntar um dinheiro, meu sonho é ganhar um dinheiro para botar meu negocio”

(usuário nº04).

4.4. Serviços Sócio-Assistencias utilizados pelos trecheiros

A procura do trecheiro por espaços que prestem assistência social ocorre de modo

sistemático, sobretudo, por que este trabalhador não possui meios financeiros para custear sua

estada em determinada cidade e/ou estado, devido, mormente, a baixa remuneração pelo qual

é submetido e ao intenso processo de risco e vulnerabilidade social.

Dessa forma, o migrante trecheiro faz uso dos equipamentos sócio-assistencias ao

longo do trecho, de modo que as cidades e estados são previamente escolhidos, ao passo que

as instituições sócio-assistenciais servem como porto seguro para esse segmento

populacional.

Assim, o número de trecheiros que acessam os serviços do Centro de Apoio ao

Migrante de Sergipe que posteriormente retornam é bastante considerável, devido,

principalmente, ao movimento circulatório no qual este trabalhador se insere, ou seja, ele sai

do estado de Alagoas passa pelo CAM em Sergipe, vai para a Bahia e passa um determinado

período trabalhando, retornando posteriormente ao CAM e demandando o serviço local, sendo

sua permanência na capital sergipana condicionada à sua inserção ao mercado de trabalho.

Com isso, os centros de apoio aos migrantes e albergues funcionam como suporte para esse

seguimento populacional, uma vez que a não existência dessas instituições afetaria de modo

significativo o destino social deste trabalhador, que não dispondo de uma instituição que o

53

acolhesse, tornaria um morador de rua, devido, sobremaneira, ao seu estado de

vulnerabilidade e risco social.

Assim sendo, neste último eixo temático abordaremos os tópicos relativos à

assistência social prestada a este trabalhador, visto que sua procura por espaços institucionais

que os auxiliem é cada vez maior e sistemática. Com isso, a análise dos dados segue a

seguinte ordem: casos de retorno e se utilizam os serviços assistenciais em outro estado.

-Casos de retorno

Gráfico 17- Retorno

Fonte: questionário aplicado no CAM pelos autores.

No item referente ao retorno, é possível constatar que 50% dos pesquisados já

estiveram no estado de Sergipe e usufruíram dos serviços sócio-assistenciais desenvolvidos

no CAM no período anterior a pesquisa. Esse dado reforça a questão do trecheiro pré-

estabelecer o seu percurso, ou seja, este trabalhador segue o trecho com informações prévias

das instituições que podem acolhê-lo, seguindo um trajeto que em suma passa pelos estados

de Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia.

Contudo, ao migrante trecheiro que acessa os serviços sócio-assistenciais

desenvolvidos no CAM é concedido somente à alimentação e pernoites, não lhe sendo

54

ofertado a passagem interestadual7, pois a SEIDES acredita que ao conceder uma passagem

ao trecheiro estará contribuindo para a inserção deste trabalhador ao risco e vulnerabilidade

social, pois esse individuo pode se tornar um morador de rua, caso não consiga êxito no local

que pretende migrar.

- Utiliza o Serviço sócio-assistencial em outro Estado

Gráfico 18- Utiliza o Serviço em outro Estado

Fonte: questionário aplicado no CAM pelos autores.

Perguntados se já utilizaram os serviços desenvolvidos ao migrante em outros

estados, 50% dos usuários pesquisados relataram que fazem uso dos serviços por onde

passam. Percentual que endossa a teoria que os migrantes trecheiros tem uma rota pré-

estabelecida, ao passo que o trecho pelo qual percorrem estes trabalhadores possuem uma

instituição que os acolhe. Desse modo, a busca dos espaços ofertados pela assistência social

serve como alternativa de sobrevivência, ao passo que podem se alimentar e descansar, fato

confirmado nas verbalizações dos usuários:

“Sempre passo nesses lugares da assistência social, Vitória da Conquista -

BA/Maceió-AL, e aqui em Aracaju/SE” (usuário nº19).

7 A SEIDES concede o beneficio eventual (passagem interestadual) somente no caso de retorno a cidade natal

ou após confirmar (através de contato telefônico) que o usuário terá um trabalho fixo.

55

“Já, em todos os lugares que passo eu procuro uma casa de apoio ou então procuro a

assistência social da prefeitura” (usuário nº02).

“fiquei em Vitória da Conquista na casa de apoio, em São Paulo/SP e Campinas/SP

em albergue” (usuário nº 05).

Nas expressões verbais acima, é possível perceber os meios de sobrevivência

utilizados pelos trecheiros, de maneira que as instituições que prestam apoio a esse segmento

populacional que por hora se encontra em risco e vulnerabilidade social, sendo considerados

essenciais para sobrevivência dos trecheiros.

56

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No Brasil contemporâneo, verifica-se que uma das razões que influência o

processo migratório é a condição socioeconômica dos trabalhadores, que, impossibilitados de

prover o seu sustento e de sua família, se inserem no nomadismo. Nesse sentido, o migrante

trecheiro entre outros segmentos populacionais que se desloca em busca de melhores

condições socioeconômicas é submetido a um círculo vicioso, que engloba o trabalho

precarizado e o constante estado de vulnerabilidade e risco social.

Assim sendo, a falta de um emprego formal se caracteriza como fator que

determina a intensa circulação do migrante, que acaba exercendo pequenos trabalhos que em

suma são temporários, percorrendo várias cidades e estados, sobretudo aquelas que margeiam

seu local de origem. Desse modo, os trecheiros que passam pelo Centro de Apoio ao Migrante

são oriundos dos estados vizinhos (Alagoas, Bahia, além de Pernambuco), e de modo geral

são inseridos na informalidade, tendo como exemplo as festas públicas na cidade de Aracaju

e/ou cidades vizinhas e em outros estados, que absorvem a mão de obra desse segmento

populacional.

Outrossim, o processo de migração significa a forma do trabalhador resistir a

lógica imposta pelo sistema capitalista, podendo advir como circunstância desse processo,

residir em até três estados diferentes no mesmo ano. Desse modo, ser inserido ao mercado de

trabalho é, antes de tudo, uma carência imposta pelo núcleo familiar, que por falta de suprir

suas necessidades básicas, são submetidas ao desenraizamento sócio-familiar.

A insuficiência de trabalho no local de origem, principalmente, para trabalhadores

com baixa qualificação profissional, provoca a migração de pessoas de cidade a cidade em

busca de melhores condições de vida. Contudo, a inserção ao mercado de trabalho,

especialmente nos grandes centros urbanos, depende de alguns requisitos que são raros entre

os migrantes trecheiros: escolaridade, profissionalização ou especialização em certos tipos de

serviço, compatíveis com as necessidades de um mercado exigente e competitivo, no qual não

há trabalho para todos.

Observa-se que migrante trecheiro que não consegue trabalho na cidade para onde

se deslocou, parte em busca de trabalhos em outros cidades e estados, e o serviço sócio-

assistencial serve de suporte para manutenção mínima da dignidade destes trabalhadores.

Com isso, no momento em que o mesmo percebe que a investida não ocorreu como planejada

57

o trecheiro persiste no processo migratório, passando a aceitar qualquer tipo de trabalho para

garantir sua sobrevivência.

Portanto, muito embora o trecheiro seja composto por indivíduos sem emprego

formal, procedentes de famílias de baixa renda e com baixa escolaridade, a pobreza, o

desemprego e a baixa escolaridade são razões suficientes para explicar a existência desse

contingente migratório.

Assim, analisando a perspectiva da pesquisa proposta, percebemos que a

inviabilidade de se inserir ao mercado de trabalho formal é um dos fatores que condiciona um

individuo ao estado de migrante trecheiro, uma vez que o mundo do trabalho cada vez mais

exige um profissional qualificado, que possua um nível de escolaridade capaz de suprir as

exigências do capital, que, entre outros, estabelece no mínimo um curso profissionalizante.

Consequentemente, o migrante trecheiro se encontra cada vez mais distante do seu

ideal, ao passo que as possibilidades de retorno à cidade natal não ocorre de maneira fixa,

processo que desencadeia uma demanda constante aos serviços de proteção social, de modo

que estes indivíduos irão compor sistematicamente a demanda dos serviços de proteção de

alta complexidade.

58

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.

61

APÊNDICE(S)

62

APÊDICE A - CARACTERIZAÇÃO DA POPULAÇÃO MIGRANTE QUE ACESSA

OS SERVIÇOS DO CENTRO DE APOIO AO MIGRANTE A PROCURA DE

TRABALHO,ENFATIZANDO O MIGRANTE TRECHEIRO.

Bloco I: Dados de Identificação.

Nome:

Filiação:

Pai: __________________________________________________________________

Mãe: _________________________________________________________________

D.N: Naturalidade:

Estado Civil:

Dependentes:

Escolaridade:

( ) Analfabeto

( ) Alfabetizado

( ) Ensino Fundamental Incompleto

( ) Ensino Fundamental Completo

( ) Ensino Médio Incompleto

( ) Ensino Médio Completo

( ) Ensino Superior

( ) Outros ______________

Documentos Apresentados

( )Certidão de nascimento

( ) RG

( ) CPF

( ) Carteira Profissional

( ) Carteira de Motorista

( ) Boletim de Ocorrência

( ) Titulo de eleitor

( ) Outros ______________

Bloco II: Trabalho.

Profissão: ________________

Atividade profissional:

( ) Agricultor

( ) Artesão

( ) Pedreiro

( ) pedinte

( ) Pintor

( ) Serviços Gerais

( ) Vendedor Ambulante

( ) Outros ________________

Exerce outra atividade profissional além da específica? Sim ( ) Não ( )

_____________________________________________________________________

_____________________________________________________________________

Trabalhou com carteira assinada? Sim ( ) Não ( )

Quanto tempo?

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

63

Bloco III: Migração.

Local de Saída:___________________________________________________________

Cidade procedente:________________________________________________________

Onde pretende chegar:______ _______________________________________________

Possui residência:

( ) Própria ( ) Alugada ( ) Cedida ( ) Outros

Em que local (Cidade/Estado):_______________________________________________

Freqüência anual da migração em busca do

trabalho:

( ) Um

( ) Dois

( ) Três

( ) Quatro

( ) Não se recorda

( ) Outros ________________

Como ocorre o deslocamento:

( ) Recurso próprio

( ) Beneficio eventual (passagem concedida

pela Assistência Social)

( ) Ajuda de instituições filantrópicas.

( ) Carona

( ) A pé

( ) outros __________________

Deseja sair da condição de migrante: ( ) Sim ( ) Não

Por quê?________________________________________________________________

_______________________________________________________________________

O que acha de sua condição (trecheiro) _______________________________________

_______________________________________________________________________

_______________________________________________________________________

Bloco IV: Serviços sócio assistências utilizados:

Data de admissão: ___/___/___ Retorno: Sim ( ) Não ( )

Se sim quantas vezes? ___________________

Utiliza esse serviço em outro local (Cidade/Estado)? Sim ( ) Não ( )

Onde/Quando?

________________________________________________________________________

________________________________________________________________________

O que acha dos serviços prestados em Aracaju/SE:

( )Ruim ( )Regular ( )Bom ( )Ótimo ( )Outros

Por quê? _______________________________________________________________

Benefícios solicitados:______________________________________________________

________________________________________________________________________

64

ANEXO(S)