Post on 13-Apr-2017
Noções introdutórias sobre a questão ambiental
1. Aspectos jus-filosóficos da questão ambiental
A humanidade enfrenta atualmente graves problemas ambientais em
decorrência do modelo de globalização econômica focado no consumismo e na
industrialização; no uso depredatório dos recursos naturais. O modelo de
sociedade dominante tem ignorado a mais fundamental de todas as questões:
sua própria sustentabilidade.
Por sua vez, a crise do modelo dominante, que assola a modernidade, acaba
por produzir duas rupturas básicas: a ruptura das relações sociais e das
relações do homem com a natureza.
É a realidade! O processo civilizatório tem-se caracterizado por ser um
processo de distanciamento entre os homens e de esquecimento do homem
com a natureza; com sua própria natureza. Um modelo invertido de
percepção: que separa o homem do ambiente em que vive e causa um
distanciamento de sua própria percepção como ser, humano; do real
significado da vida.
A natureza, concebida como a fonte inanimada dos recursos naturais, da qual
se pode tirar todo proveito para o desenvolvimento econômico, sem
preocupação ou responsabilidades, com as consequências de uma exploração
insustentável.
Os recursos naturais ali, para ser apropriados, conforme o valor que as forças
de mercado, os economistas, os planejadores oficiais a eles conferiram!
Conclui SHELDRAK, “uma teoria mecanicista da natureza que hoje está
encaixada na ortodoxia oficial do progresso econômico e que nos leva à crise
ambiental e social por que passamos”.
1.1- Ética ambiental
Entendemos que a crise socioambiental que afeta todas as dimensões do
relacionamento humano é resultado de uma profunda crise civilizatória
ocidental, cuja raiz é o desencontro do homem com sua tradição, com seus
valores, com sua ética, com a visão do mundo fragmentada que objetifica a
natureza.
Mas qual será a resposta ética a tantas formas de atentado à vida, à natureza,
às quais, aparentemente, a sociedade vai se habituando, sem dar a
importância devida? O que dá ao ser humano direito a ter mais direito à vida?
Se o ser humano, racionalmente, entende os fatos, sabe planejar, decidir, por
que colocar em perigo a sua vida, a de outros seres; de todo o sistema
planetário? Por que causar danos irreparáveis, irreversíveis ao meio ambiente?
Por que comprometer o futuro das gerações vindouras?
Se nos diferenciamos dos outros seres por sermos racionais, dotados de
vontade livre, de capacidade para interagir em harmonia com a natureza,
com o tempo e o espaço, de interagir com nosso semelhante, por que não o
fazemos?
Que valores passam a fundamentar a existência do homem? Qual ética norteia
seus objetivos, seus passos?
Na realidade, o ser humano apresenta um paradoxo específico: se, por um
lado, socialmente, ele é ético, capaz de cuidar da natureza, potencializar sua
dinâmica interna, melhorá-la, por outro lado é capaz de feri-la, de destruí-la
sem qualquer responsabilidade.
Ou seja, o homem privilegia seus direitos e esquece-se de seus deveres,
minimizando os sentimentos de obrigatoriedade em relação a seus pares e à
natureza*.
1.2 - Homem, direito e natureza
O desrespeito ao meio ambiente, à vida, à dignidade humana; o equilíbrio do
ambiente e a preocupação com a qualidade de vida do planeta, do homem e
de tudo o que vive é responsabilidade do Direito, em sua aplicação.
De um lado, o homem; de outro, a natureza, dissociados entre si; a natureza
percebida e tratada de forma fragmentada, utilitarista; legislada e protegida
em decorrência de interesses antropocêntricos, que visam à apropriação dos
recursos naturais em conformidade com as necessidades do mercado, da
globalização, da ordem econômica.
Na verdade, quando o Direito trata da proteção da natureza, não objetiva
proteger a natureza especificamente, mas sim de proteger o homem contra si
mesmo.
A natureza não é um sujeito de direito. Como não tem obrigações, tampouco
possui direitos. As formas de vida apresentam um significado próprio em si
mesmo.
A natureza não tem como se defender, e as alterações impostas ao seu
equilíbrio natural geram consequências, na maioria das vezes, irreversíveis.
Não se pode cobrar da natureza que ela seja injusta ou que degrade o
homem. Por ser juridicamente incapaz, vítima indefesa de agressões, precisa
de nossa permanente tutela. É a ética que se baseia na responsabilidade do
mais forte com o mais fraco.
Daury César FABRIZ, em seu livro Estética do Direito, afirma que “os
fenômenos sociais contemporâneos impõem essa abertura ao Direito, sob pena
de o mesmo não se realizar como tal, ou de não alcançar as perversas práticas
sociais que hoje vêm imperando, subjacentes a uma variada lógica da
dominação”.
Ao se proteger a natureza em suas relações de equilíbrio, não se deve pensar
nesta interação apenas sob o enfoque antropocêntrico. É preciso buscar o
justo de convivência para todos os elementos que compõem a inter-relação
ecológica para ser harmoniosa.
O homem é apenas um dos elementos da cadeia que forma o repertório
ambiental e, como tal, não pode transgredir os limites deste inter-
relacionamento de forma irresponsável e injusta para os demais seres.
Ao Direito cabe regulamentar, sabemos bem, as relações sociais e a conduta
humana. Porém, para acreditarmos em mudanças, é necessário criar também
uma nova cultura jurídica que possa viabilizar os valores humanos referentes à
vida, à liberdade, à fraternidade e à dignidade da pessoa humana.
Torna-se necessária, desta forma, uma nova cultura jurídica que possa
abarcar um sentimento de respeito à natureza e a toda a vida que ela abriga.
Esses pressupostos estão implícitos nas seguintes palavras de Rupert
SHELDRAKE: “reconhecer a vida na natureza exige uma revolução na maneira
como vivemos a vida da natureza e exige uma revolução na maneira como
vivemos nossa vida”.
2- A crise ambiental: problemas ambientais
O progresso tecnológico e industrial, as conquistas da ciência, a exaltação à
racionalidade, o crescimento social e econômico, os ganhos introduzidos pela
civilização moderna globalizada, geram, paradoxalmente, uma crise de
valores éticos; uma crise ambiental sem precedentes na história da
humanidade.
A natureza reage. Desastres ambientais atingem as mais diversas regiões,
causando danos, na maioria das vezes irreversíveis, com consequências
inestimáveis.
Não há mais como negar. A crise ambiental torna-se planetária; os problemas
ambientais, mais visíveis pelos meios de comunicação. Mudanças climáticas
atingem países, ricos e pobres; devastam regiões, causam inúmeros prejuízos;
destrói vidas.
Em inúmeros encontros nacionais e internacionais, cientistas, pesquisadores,
políticos, representantes do poder público, da sociedade civil organizada
denunciam a crise ambiental que se agiganta.
Convenções, declarações, tratados, protocolos, cartas, documentos são
assinados, proclamados, mas a realidade é inegável: os problemas ambientais
recrudescem, tornam-se cada vez mais intensos, incontroláveis*.
3- Principais problemas ambientais da atualidade
Podemos entender que os problemas ambientais podem ser locais ou globais,
ou melhor, transnacionais, pois ultrapassam as fronteiras entre os Estados.
Dentre os problemas ambientais da atualidade, destacam-se:
Aquecimento global - efeito estufa;
Mudanças climáticas (derretimento das geleiras, enchentes, frio ou
calor intenso; aumento do nível do mar, de tufões, furacões, tornados,
tempestades tropicais, ventanias)
Devastação das florestas; desmatamento;
Destruição da camada de ozônio*
Chuva ácida;
Contaminação do solo e do subsolo, por disposição inadequada de lixos
domésticos, químicos, industriais e hospitalares; contaminação por
agrotóxicos; contaminação por resíduos nucleares;
Contaminação química da atmosfera: aumento de gases e particulados
com ação tóxica sobre os seres vivos;
Degradação do solo devido à mineração; degradação dos solos
cultiváveis;
Poluição dos recursos hídricos interiores e costeiros, dos aquíferos, dos
mares; poluição do ar; poluição visual, poluição sonora;
Escassez da água - ameaça de esgotamento das fontes de água limpa;
Perda da biodiversidade - extinção de espécies (animais e vegetais);
desproteção do patrimônio genético;
Queimadas;
Desequilíbrio do regime das chuvas;
Aumento das secas; desertificação;
Redução dos recursos energéticos;
Proliferação de doenças e pragas;
Explosão demográfica;
Cidades insustentáveis;
Aumento da pobreza;
Diminuição de alimentos.
4- Conflitos socioambientais
As questões ambientais envolvem numerosas e complexas dimensões entre
diferentes atores, do ponto de vista social, ético, político, jurídico,
financeiro, técnico constituindo verdadeiros dilemas, diante de realidades
contraditórias, tendo em vista a natureza em seu equilíbrio. Cada um
percebendo o direito a partir do seu prisma e do seu interesse.
Desse modo, diante da complexidade e da diversidade dos valores e princípios
evidenciados nas situações de conflito, compreende-se a exigência de uma
nova condução na problemática ambiental.
Ou seja, a predominância da cooperação sob o conflito, pautada na
perspectiva da sustentabilidade, na corresponsabilidade entre os atores
envolvidos; na ética, como sustentação e base de discussão, em busca de
soluções e de equacionamentos do conflito socioambiental estabelecido.
*Autora do texto: Silvia Maria de Macedo Costa Rodrigues. Prof. da UNESA,
em Direito Ambiental online, especialização em Gestão Ambiental, Mestre
em Direito.