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FACULDADE LUTERANA DE TEOLOGIA GUILHERME SCHULZ BERNO EXEGESE DE 1 PEDRO 4.1-6 SÃO BENTO DO SUL 2017

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FACULDADE LUTERANA DE TEOLOGIA

GUILHERME SCHULZ BERNO

EXEGESE DE 1 PEDRO 4.1-6

SÃO BENTO DO SUL

2017

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GUILHERME SCHULZ BERNO

EXEGESE DE 1 PEDRO 4.1-6

Pesquisa Exegética da Área Teológica

Bíblica do Novo Testamento, do Curso

Bacharelado em Teologia na Faculdade

Luterana de Teologia – FLT. Orientador:

Me. Marcelo Jung.

SÃO BENTO DO SUL

2017

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 5

2. O ROSTO DO TEXTO .............................................................................................. 6

2.1 TRADUÇÃO FORMAL ............................................................................................ 6

2.2 ANÁLISE GRAMATICAL ..................................................................................... 10

2.3 ANÁLISE LITERÁRIA ........................................................................................... 14

2.3.1 Delimitação da perícope ...................................................................................... 14

2.4.2 Subdivisão da perícope ........................................................................................ 15

2.4.3 Diagramação do conteúdo .................................................................................. 16

2.4.4 “Amarras” do texto ............................................................................................. 17

2.4.5 Citações ................................................................................................................. 19

3. PÉS DO TEXTO ....................................................................................................... 20

3.1 CONTEXTO LITERÁRIO....................................................................................... 20

3.1.1 Gênero e forma literários .................................................................................... 20

3.1.2 Forma Literária ................................................................................................... 21

3.1.3 Lugar vivencial e intencionalidade do texto ...................................................... 22

3.2 CONTEXTO HISTÓRICO ...................................................................................... 23

3.2.1 Autoria .................................................................................................................. 24

3.2.2 Destinatários ........................................................................................................ 26

3.2.3 Local e Data .......................................................................................................... 27

3.3 ANÁLISE DAS TRADIÇÕES ................................................................................. 27

4. CORAÇÃO DO TEXTO.......................................................................................... 32

4.1 CRISTO SOFREU NA CARNE .............................................................................. 32

4.2 DESTA CONVICÇÃO PREPARAI-VOS PORQUE CRISTO CESSOU DO

PECADO ........................................................................................................................ 35

4.3 PARA NÃO MAIS EM DESEJOS PROFUNDOS DOS HOMENS, MAS

CONFORME A VONTADE DE DEUS VIVER O TEMPO RESTANTE NA CARNE.

........................................................................................................................................ 37

4.4 POIS, PASSOU O TEMPO EM QUE PRATICAVAM OS DESEJOS DOS

GENTIOS, TENDO ANDADO EM: LIBERTINAGEM, ABOMINAÇÃO,

EMBRIAGUEZ, ORGIA, FESTANÇA E ABOMINÁVEL IDOLATRIA................... 39

4.5 NISSO BLASFEMAM E SE ADMIRAM DE VÓS POR NÃO FAZEREM MAIS

AS MESMAS COISAS QUE ELES .............................................................................. 41

4.6 OS QUE BLASFEMAM PRESTARÃO CONTAS AO QUE ESTÁ PRONTO

PARA JULGAR VIVOS E MORTOS ........................................................................... 43

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4.7 PARA ISSO TAMBÉM AOS MORTOS FOI EVANGELIZADO A FIM DE QUE

FOSSEM JULGADOS EM CARNE CONFORME OS HOMENS VIVAM NO

ESPIRITO DE DEUS ..................................................................................................... 44

5. OLHOS DO TEXTO ................................................................................................ 46

5.1 RECEPÇÃO DO TEXTO ........................................................................................ 46

5.2 DIÁLOGO COM FONTES SECUNDÁRIAS ......................................................... 49

5.3 CONTEXTUALIZAÇÃO E APLICAÇÃO ............................................................. 53

5.4 ESBOÇO HOMILÉTICO ........................................................................................ 56

5.5 TRADUÇÃO FINAL ............................................................................................... 57

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 58

REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 60

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1. INTRODUÇÃO

Todos textos bíblicos possuem características únicas, aspectos únicos e

profundos em sua escrita. Mesmo que sejam simples de se compreender em uma rápida

leitura da Bíblia, quanto mais se foca sobre um texto, mas ele tem a dizer, quanto mais o

ouvimos, mais ele diz. Desta forma, o conteúdo a qual chegamos à medida em que

penetramos ao texto é sempre maior, mais rico em sabedoria. Mesmo que foram escritos

em uma realidade distante da nossa, nunca cessaram e não cessam de falar ao longo da

história em diferentes contextos, pois a Palavra é viva. É na busca destes sentidos que se

analisa e se estuda a perícope de 1 Pedro 4.6.

O resultado final desta pesquisa, depende única e exclusivamente da maneira

como o exegeta se aproxima do texto bíblico. Sendo assim, se tem em mente que a Bíblia

é Palavra de Deus revelada, que ela interpreta em si mesmo seu conteúdo, sendo a própria

Bíblia aquela que interpreta a nossa vida.

Este presente trabalho seguirá quatro principais passos metodológicos que são

vistos como partes de um corpo principal que é a perícope de 1 Pe 4.1-6. Estas quatro

partes são: 1) Rosto do Texto: é realizado o primeiro olhar ao texto Bíblico bem como

ele foi escrito na língua grega, tendo a primeira aproximação ao corpo; 2) Pés do texto:

Busca-se analisar o contexto literário e histórico que determina o falar do texto bíblico;

3) Coração do texto: Ao olhar para o coração, busca-se encontrar o sentido da escolha das

palavras pelo autor do texto, sendo aquilo que pulsa no centro e dá sentido corpo; 4) Olhos

do Texto: o corpo enxerga algo, e neste sentido, os olhos do texto visam encontrar a

proposta do corpo para este mundo.

Apenas o que resta como seres humanos é uma interpretação sabendo de nossas

limitações e da Revelação que Deus proporciona através dela na nossa vida e na história.

Portanto, como tantos outros autores bíblicos, se busca uma interpretação correta e

significativa desta perícope de 1 Pedro, nas quais busca-se encontrar profundidade e

significância de seu conteúdo para aquela época e para a do século XXI também.

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2. O ROSTO DO TEXTO

Este primeiro passo metodológico chamado rosto do texto visa em o exegeta

olhar o texto Bíblico bem como ele foi escrito no texto grego. Rosto porque ele “é a

primeira expressão do outro, o primeiro encontro, o primeiro conhecimento que temos do

outro”, assim diz Me. Marcelo Jung. Neste caso, a perícope em análise é a de 1 Pedro 4.1-

6, cuja aproximação ao texto é realizada, procurando seus traços, suas feições, buscando

o conhecimento que trará informações sobre o caminho a ser seguido para conhecer os

pés e o coração do texto. Desta forma, neste passo o exegeta traduz o texto do grego para

a língua portuguesa, realiza a análise textual e literária.

2.1 TRADUÇÃO FORMAL1

1Χριστοῦ οὖν παθόντος σαρκὶ καὶ ὑμεῖς τὴν αὐτὴν ἔννοιαν ὁπλίσασθε,

Pois2 Cristo sofreu na carne3, também da mesma convicção preparai-vos4,

1 A bíblia grega utilizada foi: (Novum Testamentum Graece. NESTLE, Eberhard; ALAND, Barbara (Eds.).

27. ed. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1993) (NGT). As versões de bíblias em línguas atuais usadas

para comparação são: Almeida Revista e Atualizada (ARA) (BÍBLIA SAGRADA. Traduzida em

português por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada. Barueri: SBB, 2014), a Bíblia de

Jerusalém (BJ) (BÍBLIA. Português. Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002), e também a Nova

Tradução da Linguagem de Hoje (NTLH) (BÍBLIA SAGRADA. Bíblia de Estudo NTLH. Barueri: SBB,

2011). 2 A conjunção “οὖν” é traduzida pela ARA como uma conjunção alternativa “ora” e pela NTLH como

conjunção explicativa “por isso”, perdendo o sentido original que somente a BJ traduz corretamente de uma

conjunção conclusiva “pois”. A expressão “καὶ ὑμεῖς τὴν αὐτὴν ἔννοιαν ὁπλίσασθε”aparece de formas

diferentes nas versões analisadas. A BJ traduz como “também vós munir-vos desta convicção”. Na ARA

como “aramai-vos também vós do mesmo pensamento”. As duas, portanto, não perdem o sentido que o

texto grego impõe. Já a NTLH traduz como “vocês também devem estar prontos, como ele estava, para

sofrer”, interpretando o texto grego, para um melhor entendimento, mas não formalidade. 3 No trecho παθόντος σαρκὶ há uma chamada ao aparato critico de uma substituição maior. “A leitura que

aparece como texto tem sólido apoio de manuscritos. Mas, para que essa ideia fosse expressa de forma mais

completa, alguns copistas acrescentaram a locução (por nós), enquanto outros acrescentam (por vós). Caso qualquer uma dessas formulações mais longas tivesse constado do original, não há

explicação razoável que justificaria a omissão dessas palavras nos melhores representantes dos tipos de

texto alexandrino e ocidental.” (OMANSON, Roger L. Variantes textuais do Novo Testamento: análise

e avaliação do aparato crítico de "O Novo Testamento grego". Barueri, SP: SBB, 2010, p. 507). 4 O termo grego “ὁπλίσασθε” origina-se de “” na qual é uma ampliação metafórica de “armar-se”

que não se encontra no NT, portanto se traduz como “preparar, deixar pronto”. (LOUW, Johannes P. NIDA,

Eugene A. Léxico Grego-Português do Novo Testamento baseado em domínios semânticos. Trad.

Vilson Scholz. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2013, p. 609. 77.10).

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ὅτι ὁ παθὼν σαρκὶ πέπαυται ἁμαρτίας, 2εἰς τὸ μηκέτι

uma vez que5 o que sofreu6 na carne cessou7 do pecado8, para não mais em

ἀνθρώπων ἐπιθυμίαις ἀλλὰ θελήματι Θεοῦ

desejos profundos dos homens9, mas conforme (na vontade de) Deus10

τὸν ἐπίλοιπον ἐν σαρκὶ βιῶσαι χρόνον.

viver o tempo11 restante na carne.12

5 Somente a BJ omite a tradução da conjunção “ὅτι” que introduz a causa da primeira oração. 6 Entre παθὼν σαρκὶ há uma chamada ao aparato crítico de uma inserção de uma preposição , ficando

“”. Esta inserção é encontrada em dois textos Unciais: um texto Bizantino do século IX

chamado Cypruis (K), o segundo em um texto Bizantino do século VI chamado Guelpherbytanus A (P), e

por fim em um Manuscrito Minúsculo (69) do século XV. Também esta inserção está apoiada nos textos

Marjoritários apoiados pela maioria dos escritos que pertecem ao texto Koiné ou Bizantino (Û), ao texto

Harleianus Londiniensis (z) do século VII e apoiados à vários manuscritos da Vulgata (vgmss) do século IV.

Entre os manuscritos analisados conclui-se que nenhum deles tem peso e qualidade suficiente para afirmar

que o texto grego original tem a preposição inserida em seu meio, supondo que por questões de estética

e estilo textual alguns copistas optaram por iserí-lo no texto grego. Esta inserção em nenhum momento

muda ou altera o sentido do texto, portanto, o texto de Nestle-Aland sem a inserção da preposição é o mais

cotado como original. 7 Cf. GINGRICH, F; DANKER, F. Léxico do Novo Testamento: grego, português. São Paulo: Vida

Nova, 2007, p. 161, “Παύω” + genitivo (que neste caso é “ἁμαρτίας”) deve ser traduzido como “cessar de”,

diferente da BJ que traduz “rompeu”, e da ARA que traduz como “deixou”, porém, não há perca de sentido

do verbo. 8 A expressão “ὁ παθὼν σαρκὶ πέπαυται ἁμαρτίας” refere-se ao Cristo que já sofreu na carne, expressado

na primeira oração. Contudo, a NTLH interpreta como “aquele que sofre no corpo, deixa de ser dominado

pelo pecado”, não explicando o porquê da primeira oração como as outras traduções assim o fazem e

encerrando sua oração com um ponto final e não uma vírgula afim de obedecer o texto grego. (Cf.

SCHALKWIJIK, Francisco. Coinê: Pequena gramática do grego neotestamentário. 9 ed. rev. Patrocínio:

CEIBEL, 2004, p. 9, §15). Também aqui há uma chamada ao aparato crítico de uma substituição da palavra

“ἁμαρτίας” por “ἁμαρτίαiς”, porém o peso das testemunhas î72 (Papiro 72) e א* (Uncial Sinaiticus,

original) é maior do que as variantes 2א (Uncial Sinaiticus de segundo corretor), B (Vaticanus), Y

(Laurensis), não ocorrendo mudança significativa na tradução da palavra. 9 Há uma chamada ao aparato crítico de uma substituição maior de “ἀνθρώπων ἐπιθυμίαις” por “ἀνθρώπων

ἁμαρτίας”, apoiada em um único manuscrito Y (laurensis), não tendo peso suficiente para ser o original

grego. 10 Uma substituição simples é indicada no aparato crítico, em lugar de “Θεοῦ” é substituído por

“ἀνθρώπου”. Apesar de ser apoiado em um manuscrito apoiado em א* (Uncial Sinaiticus original) não faz

sentido esta substituição no texto grego, fugindo daquilo que Pedro queria falar, podendo, portanto, ser um

erro de cópia. 11 Há uma substituição no aparato crítico de “βιῶσαι” para “” indicado pelo î72 (Papiro 72). Apesar

de indicar essa substituição, tudo indica que a grafia parecida pode ter ocasionado um erro de cópia, como

no caso anterior. 12 As três versões utilizadas na comparação invertem a ordem de tradução das palavras do versículo 2,

porém, somente a BJ e a ARA que mantém o sentido do que o texto quer expressar ao dizer que: não se

deve viver mais em desejo profundo dos homens porque se deve revestir-se com a mesma convicção do

Cristo que já sofreu, já passou. Somente a NTLH que interpreta o texto grego, e também a conjunção

adversativa “ἀλλὰ” “mas”, por uma conjunção aditiva “e”, não dando o sentido tão profundo que o texto

grego expressa.

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3ἀρκετὸς γὰρ ὁ παρεληλυθὼς χρόνος τὸ βούλημα τῶν ἐθνῶν κατειργάσθαι,

Pois13 o tempo suficiente passou14 em praticar o desejo15 dos gentios16,

πεπορευμένους ἐν ἀσελγείαις, ἐπιθυμίαις, οἰνοφλυγίαις, κώμοις, πότοις,

tendo andado17 em libertinagem, abominação, embriaguez, orgia, festança

13 A conjunção explicativa “γὰρ” quer explicar o que foi dito anteriormente, e a BJ e NTLH omitem a

tradução desta conjunção, sendo somente a ARA que a traduz. Uma inclusão de palavra é indicada pelo

Nestle-Aland onde Champlin diz: “As palavra <<vos são suficientes>> figuram nos mss Aleph (1), 28, 88,

104, 330, 451, 630, 915, 1518, 2127, no Lec. Cóp(bo) e no Etí. Mas as palavras <<nos são suficientes>>

aparecem em CKLP e na maioria dos manuscritos minúsculos, principalmente da tradição bizantina.

<<Suficiente>>, isoladamente, o que pode ser traduzido por <<que seja suficiente o tempo passado>>, é a

forma correta, com apoio de provas mui convincentes, dos mss î72, Aleph, AB, Psi, 81; 614; no It (65), na

Vg e nos escritos de Clemente” Cf. CHAMPLIN, 1979, v.6, p.153. 14 O adjetivo “ἀρκετὸς” é “relativo ao que é suficiente para determinada finalidade e, assim, resulta em

satisfação”. Onde a BJ traduz como “já é muito”, ARA “basta” e NTLH “bastante”. (Cf. LOUW; NIDA,

2013, p. 533, 59.45). 15 Há uma chamada ao aparato crítico indicando uma substituição simples pela palavra “θέλημα”, porém é

indicada com fontes de pouco peso e em menor número. Uma argumentação cabível aqui é de que “θέλημα”

é uma palavra usada no NT para falar de desejo/vontade, porém, ela é geralmente utilizada quando se fala

da “θέλημα” de Deus, e “βούλημα” se utiliza para falar da vontade/desejo dos homens. Sendo, portanto,

“βούλημα” a palavra correta a ser utilizada. 16 A expressão “τὸ βούλημα τῶν ἐθνῶν κατειργάσθαι” é traduzida pela NTLH como “fazendo o que os

pagãos gostam de fazer” e não como a BJ: “tenhais realizado a vontade dos gentios” e ARA: “terdes

executado a vontade dos gentios”. O verbo “κατειργάσθαι” se encontra no perfeito infinitivo médio passivo,

sendo possível realizar a diferenciação de tradução que se encontra acima. Também o termo “ἐθνῶν” é

usado em traduções como: nação ou povo, mas também pode ser usado para “gentios” ou “pagãos”. Pois

este substantivo se refere também à aqueles que não tem a fé judaica ou cristã. (Cf. LOUW; NIDA, 2013,

p. 116, 11.37). 17 O verbo “πεπορευμένους” de “πορεύομαι” vem de “andar”. Por isso este verbo quer expressar que

“quando se praticava o desejo dos gentios, andava-se em...”. Onde somente a ARA traz o verbo traduzido

no perfeito “tendo andado”. NTLH traduz “naquele tempo vocês viviam” já interpretando e BJ traduz

“levando uma vida”. (Cf. GINGRICH; DANKER, 2007, p.172).

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καὶ ἀθεμίτοις εἰδωλολατρίαις. 4ἐν ᾧ ξενίζονται μὴ συντρεχόντων ὑμῶν

e abominável idolatria18.4Nisso19 eles se admiram20 de vós21, por não ajuntar-se22

εἰς τὴν αὐτὴν τῆς ἀσωτίας ἀνάχυσιν,

em correr desenfreadamente para os mesmos atos impensados deles23,

βλασφημοῦντες· 5οἳ ἀποδώσουσιν λόγον τῷ ἑτοίμως ἔχοντι

blasfemando-os,24 os quais25 prestarão contas26 ao que está pronto tem27

κρῖναι ζῶντας καὶ νεκρούς. 6εἰς τοῦτο γὰρ καὶ νεκροῖς

18 A expressão “ἀσελγείαις, ἐπιθυμίαις, οἰνοφλυγίαις, κώμοις, πότοις, καὶ ἀθεμίτοις εἰδωλολατρίαις” as três

versões traduzem alguns verbos e o adjetivo de diferentes formas: BJ: “dissoluções, de cobiças, de

embriaguez, de glutonarias, de bebedeiras e de idolatrias abomináveis”; ARA: dissoluções,

concupiscências, borracheiras, orgias, bebedices e em detestáveis idolatrias”; NTLH: “imoralidade, nos

desejos carnais, nas bebedeiras, nas orgias, na embriaguez e na nojenta adoração de ídolos” Contudo,

nenhuma destas traduções denota diferença do escrito original, sendo a NTLH aquela que expressa de uma

forma mais escandalosa e atual todas as coisas praticadas junto com os gentios. 19 Traduz-se “ἐν + ᾧ” como conjunção conclusiva “nisso” e as versões traduzem como “por isso” ARA, “e

agora” NTLH, “agora” BJ. 20 “ξενίζονται" vem de “ξενίζω”, sempre traduzido como “receber como convidado, entreter, ser

hospitaleiro, porém, traduz-se exclusivamente em 1Pe 4.4 como “surpreender-se”. (Cf. GINGRICH;

DANKER, 2007p.142). 21 A versão NTLH diferente da BJ e ARA, traduz “ὑμῶν” como vocês e não como vós. 22 ARA traduz “συντρεχόντων” como “concorrais”; BJ traduz como “entregueis”; NTLH traduz como “se

juntam”, chegando mais próximo do original grego. 23 “εἰς τὴν αὐτὴν τῆς ἀσωτίας ἀνάχυσιν” Esta expressão idiomática é traduzida de diferentes formas pelas

versões atuais: ARA: “com eles ao mesmo excesso de devassidão”; BJ: “à mesma torrente de perdição”;

NTLH: “com eles nessa vida louca e imoral”. As três versões atuais não fogem do sentido do texto bíblico

original, porém “ἀνάχυσιν” é exclusiva de 1 Pe 4.4, querendo expressar uma ampliação metafórica de

“” que significa “enchente” mas não ocorre no NT. Este substantivo quer expressar o sentido de

“excesso em algo de valor negativo. (Cf. LOUW; NIDA, 2013, p. 612, 78.26). 24 O verbo “βλασφημοῦντες” é traduzido pela NTLH como “insultam”; ARA como “difamando-vos”; BJ

como “injúrias”. Todos têm o mesmo sentido, (Cf. LOUW; NIDA, 2013, p. 388, 33.400), porém, a ARA

inclui o verbo no início do versículo e não no final como o texto grego assim o tem. Há uma chamada ao

aparato crítico da palavra “καὶ” que neste caso é um melhoramento no texto grego, não tendo alterações no

sentido que Pedro quer dar no texto. 25 O versículo 6 inicia com um pronome relativo masculino plural “οἳ” e somente ARA traduz da forma

correta como “os quais”; NTLH traduz como uma conjunção “porém” + “eles vão”; A BJ traduz como

“mas disto”, que é junção da preposição “de” e do pronome demonstrativo “isto”, contudo, também

expressa uma ligação com a oração anterior, mas não é o pronome relativo grego que aparece no texto. 26 A palavra “λόγον” derivada de “λόγος” é traduzida geralmente por “palavra, dito, mensagem, afirmação

ou pergunta” (Cf. LOUW; NIDA, 2013, p.358, 33.98). Porém, também pode ser traduzida por “tomada de

contas, ou prestação de contas” (Cf. GINGRICH; DANKER, 2007, p.127). A NTLH traduz este trecho com

um acréscimo: “vão ter de prestar contas a Deus”, este “a Deus” é o acréscimo que se pode subentender na

interpretação e não no texto grego. 27 Nenhuma das três versões comparadas traduz o verbo “ἔχοντι” sendo este um termo do aparato crítico

do grego. Champlin diz: “No grego é <<etoimos>> (com <<tem>>), isto é, está <<pronto>>, ou <<bem-

disposto>>, o que, naturalmente, inclui a idéia de <<competência>>”. Cf. CHAMPLIN, 1979, v.6, p.153.

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para julgar os vivos e (os) mortos. Para isto pois28 também aos mortos

εὐηγγελίσθη, ἵνα κριθῶσι μὲν κατὰ ἀνθρώπους σαρκί,

foi evangelizado29a fim de que30 fossem julgados em carne como os homens31,

ζῶσι δὲ κατὰ Θεὸν πνεύματι

vivam no espírito conforme32 Deus.33

2.2 ANÁLISE GRAMATICAL

A perícope inicia com o substantivo genitivo Χριστοῦ indicando posse34(de

Cristo), seguido de οὖν (pois), uma conjunção conclusiva35 que demonstra ligação com o

pensamento do autor que vinha sendo tratado no texto anterior: “Com efeito, também

Cristo morreu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, a fim de vos conduzir a

Deus. Morto na carne, foi vivificado no espírito” (1 Pe 3.18). O trecho segue com o verbo

aoristo particípio ativo genitivo παθόντος, que vai ser traduzido como adjetivo (o que

sofreu)36, do substantivo Χριστοῦ, caracterizando Cristo que sofreu em σαρκὶ (carne) que

28 Somente a ARA traduz “εἰς τοῦτο”, colocando a conjunção “γὰρ” anteriormente, ficando: “pois, para

este fim”. Outras versões somente traduzem a conjunção explicativa “γὰρ”, tendo somente diferença a BJ

que traduz a expressão “εἰς τοῦτο γὰρ” como “Eis que”. 29 A expressão “καὶ νεκροῖς εὐηγγελίσθη” sofre algum acréscimo nas traduções atuais: ARA: “foi o

evangelho pregado também a mortos”; NTLH: “o evangelho foi anunciado também aos mortos” e BJ: “a

Boa Nova foi pregada também aos mortos”. Tudo isto pois se subentende “εὐηγγελίσθη” como a pregação

o anúncio da “Boa nova”, “o evangelho” que foi anunciado aos mortos. 30 A conjunção final “ἵνα” somente aparece nas versões BJ traduzida como “a fim de que” e ARA como

“para que”. Na NTLH aparece a tradução de “os quais”, e esta conjunção somente aparece no final do

versículo para falar da vida espiritual e não do julgamento como no texto grego. 31 A expressão “κριθῶσι μὲν κατὰ ἀνθρώπους σαρκί” aparecem na ARA como “mesmo julgados na carne

segundo os homens”(invertendo o grego em “σαρκί κατὰ ἀνθρώπους) e BJ como “sejam julgados como

os homens na carne”(obedecendo a ordem do grego), tendo as duas o mesmo sentido que o texto grego

quer expressar. Contudo, a NTLH interpreta e explica o texto traduzindo como “morreram por causa do

julgamento de Deus, como morrem todos os seres humanos”, tendo muitos acréscimos de palavras que o

texto grego não tem. A conjunção “μὲν” quando aparece em frases antes da conjunção “δὲ” muitas vezes

permanece sem tradução. (Cf. SCHALKWIJIK, 2004, p.164, §694). 32 ARA e BJ traduzem “κατὰ” como “segundo”, podendo ser traduzido assim pois o “κατὰ” + acusativo

pode ser traduzido como “conforme”, “segundo”. (Cf. SCHALKWIJIK, 2004, p.147, §624). 33 Na expressão “ζῶσι δὲ κατὰ Θεὸν πνεύματι” traduzida pelas versões ARA e BJ somente trocam a ordem

do grego para “ζῶσι δὲ πνεύματι κατὰ Θεὸν” que dá um melhor entendimento. Porém, a NTLH traduz

como “O evangelho foi anunciado a eles a fim de que pudessem viver a vida espiritual como Deus quer que

eles vivam”, explicando o motivo da evangelização que ocorreu aos mortos e trazendo a tona a conjunção

“ἵνα” ocultada anteriormente. 34 Cf. SCHALKWIJIK, 2004, p. 12, §31. “A conjunção οὖν introduz a lição principal a ser tirada de 1 Pedro

3.18-22” (RIENECKER, Fritz; ROGERS, Cleon. Chave linguística do Novo Testamento grego. São

Paulo: Vida Nova, 1995, p.564). 35 Cf. SCHALKWIJIK, 2004, p.163, §690. 36 Sendo um aoristo, significa que o Cristo sofreu uma vez só, uma ação pontilinear, vista como um evento,

neste caso o evento do sofrimento de Cristo até a sua morte de Cruz. Ao mesmo tempo que um verbo é

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é a próxima palavra encontrada como dativo, indicando objeto indireto37. O trecho segue

adicionando um pensamento ao anterior, expresso pela conjunção aditiva καὶ, seguido do

pronome ὑμεῖς (vós) aponta para o sujeito da oração38 e quem também deve praticar a

ação do verbo, segue-se uma locução acusativa, τὴν αὐτὴν ἔννοιαν (da mesma convicção)

indicando o objeto direto da frase que quaçifica a ação. Essa ação é expressa pelo verbo

ὁπλίσασθε (preparai-vos), conjugado no aoristo imperativo médio 2ª pessoa plural que

indica o desejo, a vontade, ou a ordem (mandamento) do autor do texto para os outros

(leitores)39, a fim de que vós, revestistes-vos com o Cristo que sofreu na carne. O trecho

segue de uma explicação da ordem dada anteriormente pela utilização da conjunção

causal, ὅτι (pois), qual demonstra a causa da primeira oração. Esta conjunção precede a

indicação do sujeito da frase pela construção do verbo no particípio aoristo usado como

substantivo40 ὁ παθὼν (aquele que sofreu) na σαρκὶ (carne). Adiante encontra-se πέπαυται

ἁμαρτίας (‘ele’ cessou do pecado), um verbo presente indicativo médio 3ª pessoa singular

junto com um substantivo genitivo, demonstrando que com a certeza indicada pelo

indicativo, o que sofreu na carne (Cristo) já cessou do pecado no passado, mas seus efeitos

ainda permanecem até o momento presente em que se fala41.

Dando continuidade a perícope analisada, a preposição εἰς + artigo acusativo τὸ

(para), introduz uma oração subordinada adverbial de propósito42, uma direção na fala do

autor. Em seguida o texto apresenta o advérbio μηκέτι (não mais), qual ele está ligado

com o verbo βιῶσαι (viver) que se encontra no final da oração, caracterizando uma

mudança da forma de viver a vida. Adiante se encontram ἀνθρώπων ἐπιθυμίαις (dos

homens desejos profundos), um substantivo genitivo e um substantivo dativo, que

expressa para o homem a posse dos desejos profundos, e adiante disto, uma conjunção

adversativa ἀλλὰ (mas) é inserida para dar a oposição do início da oração com o que segue

θελήματι Θεοῦ (conforme Deus), sendo dois substantivos, um dativo e um genitivo,

expressando que a vontade de viver uma vida diferente pertence e vem de Deus43. A

particípio, ele também é um adjetivo, possuindo número, gênero, caso, tempo, voz, e não possuindo pessoa.

(GUSSO, Antônio Renato. Gramática instrumental do grego: do alfabeto à tradução a partir do Novo

Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2010, p. 197) (LASOR, William Sanford. Gramática sintática do

grego do Novo Testamento. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, p.46.) 37 Cf. SCHALKWIJIK, 2004, p. 12, § 30. 38 Cf. SCHALKWIJIK, 2004, p. 11, §23. 39 Cf. GUSSO, 2010, p. 181. 40 Cf. RIENECKER, ROGERS, 1995, p. 564. 41 Cf. GUSSO, 2010, p. 159-163. 42 Cf. RIENECKER, ROGERS, 1995, p. 564. 43 Os dativos ἐπιθυμίαις e θελήματι podem expressar a regra pela qual o homem molda sua vida. (Cf.

RIENECKER, ROGERS, 1995, p. 564)

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oração do autor falando sobre o desejo dele para com seus leitores, continua com τὸν

ἐπίλοιπον (o restante), um artigo e um adjetivo acusativos que são objetos indiretos do

verbo βιῶσαι (viver) + ἐν σαρκὶ (na carne), uma preposição e um substantivo dativo que

são objetos diretos do verbo aoristo infinitivo ativo βιῶσαι (viver), este caso demonstra

um infinitivo final, que aponta para um alvo44, que é o desejo do autor em que seus leitores

vivam o tempo (χρόνον, substantivo acusativo) restante na carne revestidos do Cristo que

sofreu em carne.

Em seguida, encontra-se um adjetivo nominativo ἀρκετὸς (suficiente),

denotando a explicação junto com o γὰρ (pois) uma conjunção explicativa, isto para então

explicar o χρόνος (tempo - substantivo nominativo) que estão ligados ao verbo perfeito

particípio ativo nominativo παρεληλυθὼς (passou), que expressa a ideia da ação realizada

no passado com efeito no presente, e na tradução como um particípio é usado

adjetivalmente do verbo principal que rege toda oração κατειργάσθαι (praticar)

encontrado como perfeito infinitivo, indicando a pratica contínua e repetida45 realizada

no tempo que passou. Dentro da oração ainda se encontram o que era praticado no tempo

que passou, isto através da locução acusativa τὸ βούλημα (o desejo) e da locução genitiva

τῶν ἐθνῶν (dos gentios), indicando primeiramente o objeto direto do verbo κατειργάσθαι

(praticar) e também a posse dos desejos que era dos gentios e também praticada

anteriormente por aqueles leitores. Adiante, o verbo πεπορευμένους (tendo andado),

encontrado como perfeito particípio médio acusativo para explicar tudo aquilo que já foi

feito na prática realizada no tempo passado. Em seguida portanto se encontra uma

preposição ἐν (em) para indicar que tudo que se viva dentro das práticas, estas que se

encontram todas no caso dativo, ἀσελγείαις, ἐπιθυμίαις, οἰνοφλυγίαις, κώμοις, πότοις46 +

καὶ, que é uma conjunção aditiva, acrescentando uma das principais práticas realizadas

no tempo que passou como gentios, que era a ἀθεμίτοις εἰδωλολατρίαις (abominável

idolatria) adjetivo dativo que dá a qualidade ao substantivo dativo final. Os três verbos

encontrados no perfeito παρεληλυθὼς, κατειργάσθαι , πεπορευμένους, enfatizam o

pensamento de que esse passado deles é um capitulo encerrado; aquela parte da história

que já terminou e foi esquecida47.

44 Cf. SCHALKWIJIK, 2004, p. 168 §724. 45 Cf. GUSSO, 2010, p. 194. 46 ἀσελγείαις: A palavra descreve o “espírito que não conhece restrições, e que aceita fazer qualquer coisa

que o capricho e a insolência sugiram”; ἐπιθυμίαις: Desejo, concupiscência; οἰνοφλυγίαις: Bebedeira

habitual; κώμοις: um bando de bêbados e bagunceiros andado e cantando pelas ruas; πότοις: festança,

festas para bebedeira. (Cf. RIENECKER, ROGERS, 1995, p. 564) 47 Cf. RIENECKER, ROGERS, 1995, p. 564-565.

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Dando continuidade à análise da perícope, encontra-se a preposição ἐν (em) +

um pronome relativo dativo ᾧ (isto), sendo traduzido como uma conjunção conclusiva

que indica uma finalidade, portanto, o autor quer finalizar o que ele estava querendo dizer

anteriormente sobre a vida que era levada no tempo passado, porém essa finalidade

também quer expressar o início de um novo assunto, a falar deles (τὴν αὐτὴν). Este

pronome se remete ao verbo presente particípio ativo nominativo plural βλασφημοῦντες

(blasfemando-os), que é o sujeito da oração. Este sujeito é aquele que pratica a ação do

verbo presente indicativo passivo, que é o verbo principal que rege a oração, ξενίζονται

(eles se admiram). Estes sujeitos se admiram de ὑμῶν (vós - pronome 2ª pessoa plural),

que são os leitores qual o autor já menciona no início da perícope, se admiram porque:

adverbio μὴ ( por não ) + συντρεχόντων (ajuntar-se), verbo presente particípio ativo que

demonstra a ação durante a ação do verbo principal48, esta ação é expressa com a

preposição εἰς (em) indicando a direção demonstrada através do substantivo acusativo

ἀνάχυσιν (correr desenfreadamente) + ἀσωτίας (para os mesmos atos impensados) dos

blasfemadores, que estão indicados pela locução acusativa τὴν αὐτὴν (deles). Por estes

motivos que é utilizado o verbo presente particípio ativo βλασφημοῦντες (blasfemando-

os), pois enquanto eles, (os blasfemadores) se juntam, se admiram de vós (dos leitores)

que não se juntam mais na mesma torrente de perdição deles, por isso blasfemam (vós).

O pronome relativo nominativo οἳ (os quais) indica o sujeito da oração e está

ligado com o verbo analisado anteriormente βλασφημοῦντες (blasfemando-os), indicando

que os blasfemadores, são o sujeito da frase. O verbo ἀποδώσουσιν (prestarão) futuro

indicativo ativo 3ª plural + λόγον (contas) substantivo acusativo, indica uma certeza de

que eles, os blasfemadores irão prestar contas ao ἑτοίμως (ao que está pronto) um

adverbio que indica um auxiliar do verbo aoristo infinitivo ativo κρῖναι (para julgar), que

indica a prontidão, a preparação daquele que está preparado para julgar. O verbo dativo

particípio presente ativo ἔχοντι (tem) indica a quem são prestadas as contas, ou seja, ao

ἑτοίμως (ao que está pronto ‘para julgar’)49. Aquele que está pronto para julgar, julga os

ζῶντας (os vivos) expresso através do verbo presente particípio ativo que neste caso é um

adjetivo do verbo κρῖναι (julgar). Além dos vivos, a conjunção aditiva καὶ (e) demonstra

que tem mais alguém que passa pelo mesmo processo de julgamento, que está indicado

através do adjetivo νεκρούς (os mortos).

48 Cf. SCHALKWIJIK, 2004, p.168 §725. 49 Cf. RIENECKER, ROGERS, 1995, p. 565.

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Chegando ao final da perícope, a preposição εἰς (para) indicando direção +

pronome demonstrativo τοῦτο (isto) que indica a posição do adjetivo, a modificação do

adjetivo νεκροῖς (mortos). Portanto, εἰς τοῦτο + conjunção explicativa γὰρ (pois) +

conjunção aditiva καὶ (também) falam do adjetivo νεκροῖς (mortos), tendo uma finalidade

de consolo, pois também os mortos εὐηγγελίσθη (foi evangelizado), expressado em um

verbo aoristo indicativo passivo 3ª pessoa singular, indicando a certeza daquilo que

ocorreu em um evento pontual na história. Tudo isto agora precede uma conjunção

conclusiva ἵνα (a fim de que), para concluir o porquê da evangelização aos mortos, e esta

está expressa através do verbo aoristo subjuntivo passivo 3ª pessoa plural κριθῶσι (‘eles’

fossem julgados), este subjuntivo é final pois está precedido de uma conjunção ἵνα, por

isso indica um alvo, alvo este que é o julgamento. Este julgamento é expresso através da

conjunção adversativa μὲν50 em duas direções: (mas por um lado julgados) em σαρκί

(carne - substantivo dativo) + preposição κατὰ (conforme) os ἀνθρώπους (homens) -

substantivo acusativo-, e (por outro lado) indicado pela conjunção aditiva δὲ, julgados

para que ζῶσι (vivam) verbo presente subjuntivo ativo 3ª plural, no πνεύματι (espírito)

substantivo dativo, κατὰ (conforme) preposição, Θεὸν (Deus) substantivo acusativo51.

Portanto, esta evangelização ocorreu no passado, pois foi com aqueles que já morreram,

sendo evangelizados a fim de que fossem julgados para viver conforme Deus, e não

julgados em carne conforme os homens.

2.3 ANÁLISE LITERÁRIA

2.3.1 Delimitação da perícope

O início da perícope de 1 Pedro 4.1-6 do indício através da conjunção οὖν a

ligação entre a perícope anterior e a perícope em questão analisada. Através desta

50 A conjunção “μὲν” quando aparece em frases antes da conjunção “δὲ” muitas vezes permanece sem

tradução. E neste versículo em questão as duas conjunções permanecem sem tradução, porém elas são

extremamente importantes para se entender o versículo em questão na sua estruturação gramatical. (Cf.

SCHALKWIJIK, 2004, p. 164, §694). 51 Estes dois sentidos do verbo εὐηγγελίσθη, são expressos por uma sequência de construções gramaticas,

estas sãos: 1º conjunção, preposição, acusativo e dativo; Entre elas o verbo que indica a ação da 2ª

construção, ζῶσι (vivam), tendo novamente a construção: conjunção, preposição, acusativo e dativo.

Portanto, os mortos também foram evangelizados a fim de que (eles) fossem julgados em carne e também

em espírito para que possam viver conforme a vontade de Deus mesmo após a morte. Pois aqueles que

morreram possivelmente eram pessoas da comunidade que já morreram, e estes receberam o evangelho

enquanto viviam e morreram fisicamente (Cf. RIENECKER, ROGERS, 1995, p. 565) foram julgados em

carne pelos blasfemadores, mas vivam também no espírito conforme a vontade de Deus pois estes

perseveraram até sua morte física pois estavam revestidos com o Cristo que sofreu em carne.

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conjunção conclusiva o autor retoma a falar do Cristo que sofreu na carne como já havia

falado anteriormente no capítulo 3, versículo 18 como um modelo para os cristãos.

Através desta retomada, o autor expõe a causa e a explicação dos motivos para a utilização

de seu imperativo, de seu desejo com esta perícope para seus leitores que é de que eles

revistam-se do Cristo que sofreu na carne, a fim de que não vivam mais conforme os

desejos humanos, mas conforme Deus (v.1-3). Eis que nos versículos 4 e 5, o autor

apresenta a admiração e a consequência da admiração que esta mudança de vida proposta

pelo autor causa naqueles que blasfemam, dando uma espécie de exemplo daqueles que

já morreram. Por fim no versículo 6 o autor trata da direção e da finalização do recado

que ele deixa para os leitores através do exemplo dos mortos, daqueles que já morreram

e passaram pelas mesmas coisas que agora eles estavam passando, a fim que estes se

tornem exemplo a perseverar no Cristo que sofreu na carne. Pode-se dizer com tudo isto,

que a perícope inicia no versículo 1 do capítulo 4 com a retomada do assunto tratado

anteriormente no capítulo 3, versículo 18, e termina no versículo 6 qual expressa a

conclusão de sua argumentação nos versículos 4 e 5. Também, pode-se afirmar que a

perícope analisada em questão termina no versículo 6, pois a partir do versículo 7 se toma

outro assunto e outro sentido na fala do autor. Sendo assim, pode-se dizer que à perícope

analisada em questão faz parte de uma perícope maior que trata do mesmo tema. Esta

maior que inicia em 1Pe 3.13 e vai até 4.6 e as três perícopes menores que vão de 1Pe 13.

17, 1Pe 3.18-22 e 1Pe 4.1-6.

2.4.2 Subdivisão da perícope

Observa-se, na perícope em análise logo no início um verbo imperativo, ou seja,

o desejo do autor de que algo que seja feito por certos motivos. Este algo a ser feito é: 1)

Preparai-vos da convicção de que Cristo sofreu na carne, porque Cristo cessou do pecado,

para não mais viver: a) uma vida não mais em desejos profundos dos homens, mas b) o

tempo restante na carne viver conforme Deus. Tudo isto pois (γὰρ) (explicação da causa

do revestimento de Cristo que cessou do pecado em três verbos que se encontram

sublinhados): 1.1) Passou o tempo em que praticavam os desejos dos homens, que são os

mesmos dos gentios. Estas coisas então são listadas na forma verbal perfeito particípio,

explicando as coisas que eram realizadas: Tendo andado em (ἐν): libertinagem,

abominação, embriaguez, orgia, festança e (καὶ) abominável idolatria. 1.2) Contudo, o

autor expressa uma finalidade através da preposição ἐν + pronome relativo ᾧ, e esta

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finalidade expressa a admiração daqueles que blasfemam de vós por não (μὴ) viver mais

em desejos profundos dos homens, tendo agora uma vida caracterizada pelo Cristo que

sofreu na carne. 1.2.1) Por eles blasfemar, prestarão contas ao que está pronto para julgar

vivos e mortos. 1.2.2) Por fim o autor insere uma preposição εἰς, indicando uma direção

do assunto que vinha sendo tratado, e esta direção indica o porquê dos mortos foi

evangelizado, 1.2.2.1) a fim de que (ἵνα), tendo em si duas explicações: a) -1ª expressa

pela conjunção μὲν + uma sequência preposição, acusativo e dativo, que no grego é: κατὰ

ἀνθρώπους σαρκί; Qual significa que: todavia (μὲν) os mortos foram evangelizados

porque eles foram já julgados em carne pelos blasfemadores. a) -2ª expressa pelo verbo

ζῶσι (vivam) conjunção δὲ + a mesma sequência anterior, preposição, acusativo e dativo,

que no grego é: κατὰ Θεὸν πνεύματι. Significando que: também (δὲ) os mortos foram

evangelizados para viverem no espírito conforme Deus e não em desejos profundos dos

homens.

2.4.3 Diagramação do conteúdo

Nota-se no texto que existem duas argumentações do autor da carta que se

aprestam dividas em duas partes, ou “pontos”: 1.1 (v.1-3), através do que está sendo dito

à vós (ὑμεῖς) sobre Cristo; e 1.2 (v.3-6), através do que está sendo dito sobre “eles” os

(βλασφημοῦντες-blasfemadores) e seus atos que culminam no julgamento. Estas

argumentações estão baseadas em uma tese central que está expressa como ponto 1.

Sendo assim, observa-se que o texto é redigido através de paralelismos culminativos, os

quais se caracterizam por desenvolver gradualmente um pensamento em linhas

sucessivas, até chegar a um clímax.52

1) Cristo sofreu na carne

1.1) Preparai-vos desta convicção porque Cristo cessou do pecado, para não

mais:

a) em desejos profundos dos homens

mas

b) conforme Deus viver o tempo restante na carne.

52 WEGNER, Uwe. Exegese do Novo Testamento: manual de metodologia. São Leopoldo, RS: Sinodal,

1998, p. 91-92.

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1.1.1) Pois, passou o tempo em que praticavam os desejos

dos homens, que são os mesmos dos gentios, tendo andado

em:

a) libertinagem,

b) abominação,

c) embriaguez,

d) orgia,

e) festança

f) e abominável idolatria.

1.2) Nisso eles se admiram por não fazer mais as mesmas coisas que eles por isso

eles blasfemam de vós.

1.2.1) Por blasfemar eles: prestarão contas ao que está pronto para

julgar vivos e mortos.

1.2.2) Para isso também aos mortos foi evangelizado

1.2.2.1) a fim de que

a) fossem julgados em carne conforme os

homens

b) vivam no espirito de Deus.

2.4.4 “Amarras” do texto

Volta-se a analisar o texto bíblico, só que desta vez o texto em grego da edição

NESTLE-ALAND53, a fim de que sejam observados algumas amarras:

1 Χριστοῦ οὖν παθόντος σαρκὶ

καὶ ὑμεῖς τὴν αὐτὴν ἔννοιαν ὁπλίσασθε, ὅτι ὁ παθὼν σαρκὶ πέπαυται ἁμαρτίας,

2 εἰς τὸ μηκέτι ἀνθρώπων ἐπιθυμίαις ἀλλὰ θελήματι Θεοῦ τὸν ἐπίλοιπον ἐν

σαρκὶ βιῶσαι χρόνον.

3 ἀρκετὸς γὰρ ὁ παρεληλυθὼς χρόνος τὸ βούλημα τῶν ἐθνῶν

κατειργάσθαι, πεπορευμένους ἐν ἀσελγείαις, ἐπιθυμίαις,

οἰνοφλυγίαις, κώμοις, πότοις, καὶ ἀθεμίτοις εἰδωλολατρίαις.

53 Novum Testamentum Graece. NESTLE, Eberhard; ALAND, Barbara (Eds.). 27. ed. Stuttgart: Deutsche

Bibelgesellschaft, 1993.

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A locução Χριστοῦ οὖν παθόντος σαρκὶ (Cristo sofreu na carne) está destacada

desta forma com a finalidade do destaque da tese central do autor que permeia toda

perícope analisada, portanto, no texto analisado, as mesmas passagens destacadas com a

mesma cor estão amarradas internamente. Como na amarra entre o versículo 1 e dois,

onde Χριστοῦ οὖν παθόντος σαρκὶ (Cristo sofreu na carne) está ligado através de

preposição (εἰς-para) e conjunção (ἀλλὰ-mas) com θελήματι Θεοῦ τὸν ἐπίλοιπον ἐν σαρκὶ

βιῶσαι χρόνον (conforme Deus viver o tempo restante na carne), pois somente se pode

viver uma vida conforme a vontade de Deus se estiverem revestidos da convicção do

Cristo que sofreu na carne, pois ele cessou do pecado, para que não se viva mais em

desejos profundos dos homens. Esta frase anterior está expressa através da locução

ἀνθρώπων ἐπιθυμίαις (desejos profundos dos homens) que é a vida levada através das

práticas realizadas listadas no versículo 3. A vida levada em ἀνθρώπων ἐπιθυμίαις

(desejos profundos dos homens) já παρεληλυθὼς ἀρκετὸς (passou suficientemente) por

aqueles a quem o autor dirige sua carta, que estão representados pelo pronome relativo

ὑμεῖς (vós). Portanto, nesta primeira parte da perícope analisada (v.1-3) o autor está

falando para vós daquele que sofreu na carne, ou seja, Cristo, o sujeito qual devem

revestir-se (ὁπλίσασθε), que está expresso nas palavras παθὼν (o que sofreu) e πέπαυται

(aquele que cessou).

4 ἐν ᾧ ξενίζονται μὴ συντρεχόντων ὑμῶν εἰς τὴν αὐτὴν τῆς ἀσωτίας ἀνάχυσιν,

βλασφημοῦντες·

5 οἳ ἀποδώσουσιν λόγον τῷ ἑτοίμως ἔχοντι κρῖναι ζῶντας καὶ νεκρούς.

6 εἰς τοῦτο γὰρ καὶ νεκροῖς εὐηγγελίσθη, ἵνα κριθῶσι μὲν κατὰ

ἀνθρώπους σαρκί, ζῶσι δὲ κατὰ Θεὸν πνεύματι

Nesta segunda argumentação o autor apresenta um diálogo direcionado

novamente aos seus leitores utilizando o pronome ὑμῶν (vós), porém, agora o autor

acrescenta outras pessoas em sua fala que estão expressas através das palavras ξενίζονται

(eles se admiram), τὴν αὐτὴν (deles), ἀποδώσουσιν (‘eles’ prestarão contas). Através da

preposição ἐν (em) + um pronome relativo dativo ᾧ (isto), indicando a finalidade de

algum assunto a ser tratado, e este assunto é sobre as pessoas que são as descritas pelo

verbo nominativo βλασφημοῦντες, os blasfemadores são o sujeito da oração, aqueles que

se admiram e aqueles que prestarão contas. Os βλασφημοῦντες (blasfemadores) são

aqueles que vivem no ἀνθρώπων ἐπιθυμίαις (desejos profundos dos homens), também

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aqueles que interligados através preposição εἰς + τῆς ἀσωτίας ἀνάχυσιν (correm

desenfrenadamente, sem direção). São os βλασφημοῦντες (blasfemadores) que κριθῶσι

μὲν κατὰ ἀνθρώπους σαρκί (julgam em carne conforme os homens) que também vivem

nos ἀνθρώπων ἐπιθυμίαις (desejos profundos dos homens), por isso a preposição +

pronome demonstrativo (εἰς τοῦτο) + καὶ (também) ligando aos νεκροῖς (os mortos) que

sofreram ação do verbo εὐηγγελίσθη (foi evangelizado), que está ligado com a pessoa de

Jesus, com Deus, pois é aquele que é a mensagem do evangelho anunciado aos mortos,

ou seja, εὐηγγελίσθη nada mais é do que ὁπλίσασθε (revestir-se) com a ἔννοιαν

(convicção) do Χριστοῦ οὖν παθόντος σαρκὶ (Cristo sofreu na carne). O conteúdo do

εὐηγγελίσθη (foi evangelizado) é o Χριστοῦ οὖν παθόντος σαρκὶ, para que, mesmo que os

βλασφημοῦντες (blasfemadores) julgaram e continuam julgando em carne conforme os

homens, aqueles que já morreram possam ter ζῶσι δὲ κατὰ Θεὸν πνεύματι (vivido no

espírito conforme a vontade de Deus). Deste modo autor está falando para comunidade

daqueles que vivam no meio de vós e agora já morrem, mas que estes servem de exemplo,

pois eles já passaram por tudo aquilo que os leitores atuais provavelmente estão passando,

já foram julgados na carne mesmo, mesmo sendo revestidos da convicção de Cristo,

porém foram julgados por Deus a fim de que o tempo que lhes resta na carne seja vivido

conforme a sua vontade.

2.4.5 Citações

A edição de NETLE-ALAND relaciona em nota marginal uma série de textos

paralelos54, observa-se, portanto, que não se tratam de citações livres, parciais ou literais,

mas sim de correlações bíblicas.

54 1 Pedro 3.18, 2 Coríntios 5,14ss; Romanos 6.2ss; 1 João 2.16ss; 1 Pedro 1.18, Tito 3,3ss; Romanos 1,29;

Tiago 2.7; Lucas 16.2; Atos 10.42; 1 Pedro 3.19; Romanos 3.5; 1 Coríntios 5.5; Romanos 8.10.

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3. PÉS DO TEXTO

Neste passo da pesquisa chamado “pés do texto”, busca-se analisar o contexto

literário e histórico que determina o falar do texto. Sendo assim, a pesquisa busca

identificar o gênero literário e as formas literárias da carta de 1 Pedro e também da

perícope de 1 Pedro 4.1-6 em estudo. Também a análise do contexto histórico, que

investiga sua autoria, destinatários e datação, tudo isso com intuito de explicitar ou

descobrir a intencionalidade do conteúdo da perícope em estudo.

3.1 CONTEXTO LITERÁRIO

Neste passo da análise, busca-se identificar o gênero e as formas literárias do

texto em estudo, a fim de descobrir ou explicar a intencionalidade do seu conteúdo. Sendo

assim, analisa-se o livro de 1 Pedro como um todo e depois a análise da forma literária

do trecho específico em estudo de 1 Pedro 4.1-6.

3.1.1 Gênero e forma literários

Em relação ao gênero literário de 1 Pedro, Höster diz que “este escrito é como

as cartas de Paulo[...]uma carta apostolar aberta escrita em bom grego. Muitos aspectos

do vocabulário e do estilo lembram as cartas de Paulo”55. Com base no que Höster diz e

com base na análise do livro, se conclui que o gênero de 1 Pedro é uma carta, que Wegner

define assim: “Fala-se de carta quando se trata de mensagem entre um remetente e um

destinatário conhecido. [...] se caracteriza por estar vinculada a uma situação específica.

[...] pressupõe conhecimento mútuo entre remetente e destinatário. [...] aborda questões

que dizem respeito a ambos”56. O gênero das cartas no NT, têm uma estrutura bem

definida: 1) Saudação que abrange remetente, destinatários e sua menção diante de Deus.

2) Abordagem teológica das questões geradoras da carta, que poderíamos classificar de

questões teológico-doutrinárias e que ocupam a maior parte dela. 3) Orientações ético-

pastorais. 4) Palavras conclusivas que remetem a Deus ou a Cristo e sua graça57. Na carta

de 1 Pedro, a estrutura se apresenta assim: 1) Cap. 1.1-2; 2) Cap. 1.3-2.10; 3) Cap. 2.11-

5.1-9; 4) Cap. 5.10-14.

55 HÖRSTER, Gerhard. Introdução e síntese do Novo Testamento. Curitiba: Esperança, 1996, p. 162. 56 Cf. WEGNER, 1998, p. 182. 57 WIESE, Werner. Material de Apoio: Introdução ao NT - Parte final. FLT, São Bento do Sul, 2016.

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As cartas do Novo Testamento também apresentam características de epístolas,

que Wegner define como: “As epístolas, por seu turno, compreendem tratados a respeito

de certos assuntos que, mesmo servindo-se da moldura de carta, não se dirigem a

remetentes específicos, e, sim, visam atingir, com sua mensagem, um círculo maior de

leitores”58. Desta forma, a carta de primeira Pedro também tem aspectos de uma epístola

por tratar de assuntos que atingiram não somente uma comunidade específica na Ásia

Menor, porém, pelo fato dos leitores serem identificados na saudação identifica-se 1

Pedro como carta.

3.1.2 Forma Literária

Se encontram na carta de primeira Pedro longos trechos de discursos parenéticos,

ou seja, de exortações, e destas muitas se enquadram no gênero literário que Berger chama

de “admoestação pós-conversão”, que é um gênero simbulêutico59. Textos simbulêutico

tem a intenção de mover o ouvinte a agir ou a omitir uma ação, que frequentemente é

dirigem-se à segunda pessoa. A admoestação pós-conversão é um gênero bastante

utilizado nas cartas do Novo Testamento, e é composta por trechos pareneticamente

estruturados, onde “os leitores são exortados a se comportar de acordo com a conversão

já realizada”60. Para Berger, grandes partes de primeira Pedro pertencem a este gênero, e

sendo assim, a perícope analisada em questão é uma admoestação pós-conversão de

argumentação simbulêutica, qual vai ser mais detalhada a seguir.

Como primeira característica do gênero literário da perícope de 1Pe 4.1-6, se têm

o esquema da oposição “outrora” e agora”, que está identificada pelo adverbio grego

μηκέτι (não mais)61 encontrado no texto no versículo 2, onde também pode-se identificar

a característica da delimitação (não ser mais como os pagãos). Este gênero também

estabelece o contraste entre a vida pré e pós conversão, desta forma, catálogos de vícios

que são típicos dos pagãos são elaborados. O v. 3 tem a característica do catálogo de

vícios, onde se tem a “função de delimitação entre cristãos e gentios”62.

Também, as passagens de 1Pedro do gênero admoestação pós-conversão de

argumentação simbulêutica “são “interrompidas” por uma parênese sobre o martírio, que

58 Cf. WEGNER, 1998, p.182. 59 Este nome simbulêutico vem do grego symbouléuomai, que significa aconselhar. Cf. BERGER, Klaus.

As Formas Literárias do Novo Testamento. São Paulo: Loyola, 1998, p. 21. 60 Cf. BERGER, 1998, p.122. 61 Cf. BERGER, 1998, p.123. 62 Cf. BERGER, 1998, p.138.

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se relaciona igualmente com a conversão (as provações, os sofrimentos que podem ser

esperados depois da conversão[...] a saber [o bloco] de 1Pe 3.13 - 4.6)”63. Para Berger,

dentro bloco de 1Pe 3.13 - 4.6 somente se têm a parênese em seu sentido acima definido

no trecho de 3.14-1664, aonde depois disto há argumentação simbulêutica, tendo como

principais elementos: “definição da finalidade; sentença mostrando o que é melhor;

fundamentação cristológica; Cristo como exemplo; delimitação entre cristãos e pagãos,

por um catálogo de vícios e pelo anúncio do Juízo para os pagãos”65. Sendo assim,

percebe-se na perícope analisada, a argumentação simbulêutica: com a definição de

finalidade v.1 (preparai-vos); sentença mostrando o que é melhor v.2 (na vontade de Deus

viver o tempo restante na carne); fundamentação cristológica e Cristo como exemplo v.1

(Pois Cristo sofreu na carne); delimitação entre cristãos e pagãos por um catálogo de

vícios v.3 (tendo andado em libertinagem, abominação, embriaguez, orgia, festança e

abominável idolatria); anúncio do juízo para os pagãos v.5 e 6 (os quais prestarão contas

ao que está pronto para julgar vivos e mortos[...]fossem julgados[...]).

Como última característica encontrada na perícope em questão, se têm um

resumo esquemático sobre o sofrimento e a salvação do justo, onde “o contraste entre

“vós” e “Deus” é constitutivo: serve para provar a culpa dos destinatários (repreensão)”66,

onde Berger conclui, “Também em 1Pd 4,6 (julgados...vivem) é clara a alusão à situação

do julgamento”67.

3.1.3 Lugar vivencial e intencionalidade do texto

Pelo fato de a forma literária da perícope analisada ser uma admoestação pós

conversão, onde a metánoia (conversão/penitência) tem sua importância, pois ela é

importante para a conversão cristã em geral, pois esta forma literária depende da

conversão/metanóia para sua existência68. Sendo assim, o lugar vivencial é de pessoas

que se converteram ao cristianismo, com base na pesquisa sobre os destinatários,

podemos afirmar que são gentios que foram convertidos ao cristianismo e agora estavam

vivendo a vida como vivam antes da conversão, por isso estes precisam de uma exortação,

como Berger diz, “nos quais os leitores são exortados a se comportar de acordo com a

63 Cf. BERGER, 1998, p.125. 64 Cf. BERGER, 1998, p.136. 65 Cf. BERGER, 1998, p.136-137. 66 Esta forma literária surge na repreensão que o mártir dirige ao tirano. Cf. BERGER, 1998, p.307-308. 67 Cf. BERGER, 1998, p.308. 68 Cf. BERGER, 1998, p.126-7.

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conversão já realiza”69. Sendo assim, podemos situar a carta na temática do âmbito da

perseguição, para que os gentios convertidos não abandonem a fé, pois “Pedro tem sua

ancoragem no centro da doutrina bíblica, na cruz e na ressureição de Jesus Cristo: a

exortação à conduta correta é fundamentada expressamente pelo sofrimento de Cristo”70.

3.2 CONTEXTO HISTÓRICO

Neste passo da pesquisa, visa-se a identificação da autoria, destinatários, datação

e local de redação, afim de que sejam esclarecidas questões do contexto histórico da

redação da carta.

Tenney nota que o tema “sofrimento” é mencionado dezesseis vezes na carta, e

esta carta então se origina à sombra da perseguição. Sendo assim, Tenney analisa o pano

de fundo desta situação de perseguição. O judaísmo era considerado uma religião lícita

perante o Estado Romano desde que esta não se chocasse com seus interesses. O

cristianismo cresce dentro do judaísmo, e os cristãos acabam adentrando em Roma já no

primeiro século, causando boas impressões por terem uma boa convivência com os

governantes. Porém, a partir da década de 60 que a situação começa a mudar para os

cristãos, pois agora o cristianismo começava a ser visto separado do judaísmo, causando

antipatia do povo, pois reivindicavam a salvação e pregavam o juízo final. É neste período

que então iniciam investidas do Império Romano contra o cristianismo, como a

perseguição de Nero por exemplo. É neste contexto que Tenney diz: “aquela carta era um

aviso e um encorajamento que servia de preparação para uma emergência vindoura”71,

sendo então a primeira carta de Pedro um aviso para uma situação de futura perseguição.

Fato é de que o povo cristão já sofria com desprezos e perseguições isoladas por parte dos

pagãos, portanto, esta foi a demanda que levou a Pedro escrever uma carta incentivando

os leitores a permanecerem na fé, pois o risco de apostasia em meio a perseguição é

grande.

Não há informações de que Pedro tenha fundado as igrejas dos destinatários, e

isso pode ter acontecido. Também, a primeira carta de Pedro não é endereçada aos

territórios de missão de Paulo, pois há uma possibilidade de Paulo não ter iniciado

trabalhos lá por já existirem. De qualquer forma Pedro tinha destinatários reais para

69 Cf. BERGER, 1998, p.122. 70 GRÜNZWEIG, Fritz; HOLMER, Uwe; BOOR, Werner. Cartas de Tiago, Pedro, João e Judas.

Curitiba: Esperança, 2008, p.135. 71 TENNEY, Merrill Chapin. O Novo Testamento, sua origem e análise. São Paulo: Vida Nova, 2008, p.

356.

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endereçar a carta, mas Bull e Carson afirmam que esta carta é um escrito circular desde o

início72. Carson além de ver na carta um escrito circular, também vê nela uma liturgia

batismal enviada em forma de carta, embora o batismo seja mencionado apenas uma única

vez em toda carta (3.21), contudo, não há sustentação para afirmar essa teoria73.

Sendo assim, partindo do fato de considerarmos Pedro, o apóstolo como

verdadeiro autor da carta, é muito provável e correto em situar a carta na temática da

perseguição. Pedro quer deixar seus leitores avisados e preparados para que não

abandonem a fé. Sendo Pedro aquele que já estava sofrendo perseguição em Roma de

onde redigiu a carta, a fim de que preparasse os leitores para a perseguição que não estava

ocorrendo lá, mas possivelmente se estenderia até lá.

3.2.1 Autoria

A autoria Petrina está presente logo no início da carta (1Pe1.1), mas embora

esteja claro no corpo do texto que é Pedro, apóstolo de Jesus Cristo, alguns autores trazem

põem em cheque esta afirmação argumentando em evidências internas do escrito para pôr

em dúvida a autoria de Pedro. Höster argumenta a partir de W. G. Kümmel a dizer que a

primeira carta de Pedro é um psêudonimo74, principalmente sob o argumento de que no

Novo Testamento os apóstolos Pedro e João foram considerados homens iletrados (At

4.13), tendo esta carta uma linguagem de uma pessoa muito culta do mundo helenístico.

Também, outro argumento para defender a pseudoepígrafia desta carta é de que não é

possível perceber na carta que o autor acompanhou a Jesus por três anos pela Palestina.

Ainda, Kümmel traz a discussão um argumento que para ele é incontestável, a

perseguição de que a carta fala é mais generalizada, e essa só acontece no império de

Domiciano (81-96 d.C), depois do período de vida de Pedro. Bull concorda que a

perseguição na qual a carta se fala vai contra a autoria de Pedro. Porém, contra esta ideia,

Carson e Höster se posicionam a favor de que as menções à perseguição eram do governo

72 Carson defende esta ideia pelo fato da sua região em que foi dirigida. Portanto, a carta de Pedro teria sido

redigida originalmente à um público específico, mas de certo modo acaba sendo útil para crentes de todos

os lugares. Bull tem a mesma posição de Carson. (CARSON, Donald Arthur; MOO, Douglas J.; MORRIS,

Leon Lamb. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1997, p. 472) (BULL, Klaus-

Michael. Panorama do Novo Testamento: história, contexto, teologia. São Leopoldo, RS: Sinodal, 2009,

p. 132). 73 Cf. CARSON, 1997, p. 473-475. 74 Kümmel considera que esta carta seria uma obra de um autor desconhecido do primeiro século (90-95),

que queria honrar o apóstolo Pedro e fazer uso da autoridade dele no cabeçalho da carta. (KÜMMEL,

Werner Georg. Introdução ao Novo Testamento. 3. ed. São Paulo: Paulus, 2004, p.164).

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de Nero75 (54-68 d.C), que compreende a vida de Pedro, onde nesta perseguição

empreendida por Nero, Pedro provavelmente foi assassinado.

Contra este argumento da pseudoepígrafia, Carson afirma que a carta foi escrita

pelo próprio Pedro, a quem é referido como: “Pedro, apóstolo de Jesus Cristo” 1.1, este

Pedro que também é um “presbítero como eles, e testemunha dos sofrimentos de Cristo”

5.1”76. Para Carson, esta reivindicação de Pedro ser testemunha dos sofrimentos de Cristo

é confirmada por expressões ao longo da carta, como alguém que havia estado com Jesus

durante seu ministério terreno77. Também, Carson defende que há semelhanças notáveis

entre a carta de 1 Pedro e as palavras atribuídas a Pedro em Atos78.

O argumento que Pedro seria iletrado, apresentado por Kümmel, pode ser

contestado com base em 1 Pe 5.12 que Silvano79, o secretário que redigiu o escrito e deu

os retoques e correções finais80, sendo uma teoria bem plausível. Junto com os

argumentos de Carson, Tenney da mesma forma que Höster, afirmam que a própria carta

dá a informação clara a respeito da autoria, Pedro, o apóstolo de Jesus Cristo é o autor,

pois a pseudonímia era considerada por alguns autores do NT como engano aos leitores,

sendo fortemente criticada81. Para Höster, é impossível que Pedro tenha exercido um

ministério de liderança em Antioquia ou mesmo em Jerusalém sem o uso de um bom

grego, extinguindo o argumento da linguagem de Pedro como pescador não ser de bom

nível como a linguagem que se encontra na carta82. Também, Uwe Holmer apoia Pedro

como autor da Carta, o discípulo Simão, a quem Jesus mudou o nome para Pedro, este

que morreu provavelmente como mártir, na perseguição travada pelo imperador Nero83.

Desta forma, se negarmos a autoria de Pedro, não há como identificar nenhum

autor, e muito menos algum motivo pela qual alguém apelou à autoridade do apóstolo

Pedro. Portanto, diante da discussão abordada, Höster, Carson e Tenney se posicionam a

75 Cf. CARSON, 1997, p. 469; HÖRSTER, Gerhard. Introdução e síntese do Novo Testamento. Curitiba:

Esperança, 1996, p. 161. 76 Cf. CARSON, 1997, p. 468. 77 (2.20-25 refere-se a Mc 14.65, Mc 8.34, Mc 10.32, Mc 14.27). Cf. CARSON, 1997, p. 468. 78 É assim que Cristo é a “pedra” de Salmos 118.22 (At 4.10-11; 1 Pe 2 7-8) e sua Cruz é o “madeiro” [to xylon], At 10.3, 9 e 1 Pe 2.24). Cf. CARSON, 1997, p. 468. 79 Silvano é provavelmente Silas, companheiro de Paulo (cf. 1Ts 1.1, 2Ts 2.2; 2Co 1.19). Cf. KÜMMEL,

1982, p. 554; Bull levanta a possibilidade de Silvano ser o único autor, sem a participação de Pedro, o que

consideramos extremamente improvável, pois se este Silvano era cooperador de Paulo, não há motivo

algum para escrever em nome de Pedro. A presença de teologia paulina na carta pode ser explicada pelo

fato de Silvano, companheiro de Paulo, ter sido o redator, se aceitarmos essa possibilidade. Cf. BULL,

2009, p. 131. 80 CARSON, 1997, p. 468. 81 2 Ts 2.1-2 82 Cf. HÖRSTER, 1996, p. 164. 83 Cf. HOLMER, 2008, p. 131.

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favor da autoria de Pedro, ficando claro que argumentos contrários a isto são insuficientes

e podem ser muito bem contestados com argumentos aceitáveis.

Neste caso, posicionamo-nos a favor do que as Escrituras dizem e afirmam sobre

Simão Pedro, que foi um pescador galileu que falava aramaico (Mc 14.70), chamado por

Jesus Cristo para segui-lo (Mc 1.16ss) e também para pertencer ao círculo mais íntimo

dos doze (Mc 3.16ss). Seu nome original era derivado do hebraico Simeão, e seu nome

de Pedro foi adotado após ser recebido como discípulo. Foi o próprio Jesus que o deu o

nome de Kefas, que significa rocha, usualmente usado no NT na forma grega Petros. No

ministério de Jesus, Pedro é sempre muito presente, um dos primeiros a ser chamado por

Jesus, sendo uma das testemunhas oculares dos feitos de Cristo, inclusive andando sobre

as águas com ele (Mt 14.28ss) e testemunhando a transfiguração (Mt 17.1ss). Nas

Escrituras Pedro demonstra atitudes impulsivas e desesperadas, como pode-se perceber

no episódio da prisão de Jesus, mas também sua rejeição ao Senhor é muito explicita (Mc

14.66ss). Apesar de tudo, Pedro encontra com o Senhor ressurreto (Lc 24.34; 1 Co 15.5)

e é restaurado de sua traição, recebendo do próprio Senhor a comissão pastoral (Jo

21.5ss). No livro de Atos encontramos Pedro como o primeiro apóstolo em missão entre

os gentios (At 10.1ss), demonstrando seu amadurecimento e mudança de personalidade

em relação ao Pedro descrito nos Evangelhos. O livro de Atos também descreve sobre a

sua prisão em Jerusalém, de onde escapa milagrosamente (At 12.17), contudo não

descreve mais nada sobre sua vida. Outras informações sobre Pedro são descritas por

Clemente e também pelo livro apócrifo Atos de Pedro, que dá a entender que Pedro

morreu na perseguição empreendida por Nero, onde sofre martírio, crucificado de cabeça

para baixo, contudo, não há certeza da veracidade destas tradições. Portanto, Pedro, o

galileu que foi testemunha ocular e participante da vida de Cristo é o legitimo autor desta

carta.

3.2.2 Destinatários

Bem como a autoria da carta, os destinatários também estão identificados nas

primeiras linhas da carta. Não se sabe se a região era da província romana ou antigas

regiões étnicas, mas a região a quem foi destinada a carta era a Ásia Menor, hoje Turquia.

Não há discussões que se contrapõe ao falar sobre os destinatários, pois os leitores eram

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cristãos gentílicos84 da Ásia Menor, onde Höster, Tenney, Holmer afirmam que somente

se pode afirmar de ex-gentios as colocações de desejos antigos e costumes pecaminosos

do passado85. Portanto, os leitores da primeira carta de Pedro são os gentios que sofriam

com desprezos e perseguições, sendo resgatados do fútil procedimento que seus pais os

legaram como gentios, não importando para o autor se eram judeus ou gentios como tais,

mas o que lhe importava era lhes escrever uma carta de exortação e incentivo para que

este povo permanecesse na fé, sem apostasia, pois em Cristo todos se tornaram povo de

Deus que precisam de cuidados em meio ao sofrimento trazido pela perseguição.

3.2.3 Local e Data

Sobre o local de redação da carta, encontramos a referência de onde Pedro

escreve em 1 Pedro 5.13, onde o local de redação é citado como Babilônia, que Höster,

Tenney e Holmer afirmam que Babilônia representa a cidade de Roma, pois para o povo

da época, Roma o local da inimizade com Deus, da idolatria e da sedução mundana, como

era considerada a Babilônia no tempo do Antigo Testamento. Carson ainda complementa

a ideia de que Babilônia refere-se a Roma dizendo que não teria nenhum motivo para que

Pedro estivesse na Babilônia em suas viagens missionarias. Sendo o local de redação da

carta Roma, identificada pelo nome Babilônia, Höster data a escrita da carta em torno do

ano de 6586. Holmer e Tenney e Carson afirmam que a carta é escrita entre o começo e os

meados dos anos 60, pois Pedro teria morrido e redigido a carta sob a perseguição de

Nero a partir de 57d.C87.

3.3 ANÁLISE DAS TRADIÇÕES

As palavras carregam conceitos complexos, tradições, e possuem uma história

por de trás do seu significado. Sendo assim, no NT, os significados das palavras trazem

84 Carson expõe que por muito tempo acreditou-se que era uma comunidade de Judeus que foram

evangelizados e convertidos por Pedro, (Gl 2.9). Contudo, as evidencias de que este povo era judeu são

quase nulas, sendo possível que alguns judeus estivessem nesta comunidade, mas os gentios convertidos

são os destinatários da carta. Cf. CARSON, 1997, p. 471. 85“No passado sua vida, na ignorância, foi determinada pelas paixões (1Pe 1.14), outrora eram “não um

povo” agora, porém são povo de Deus (1Pe2.10), no tempo passado realizava a vontade dos gentios

(1Pe4.3s). Contudo, dois aspectos são muito característicos dos destinatários da carta: há muitos recém-

convertidos entre eles (1Pe2.2); e eles passam por diversos sofrimentos e aflições (1 Pe 1.6; 2.20; 3.14ss;

4.12ss; etc.)”. Cf. HOLMER, 2008, p. 132. 86 Cf. HÖRSTER, 1996, p. 165. 87 Cf. HOLMER, 2008, p.131-35; CARSON, 1997, p. 467; Cf. TENNEY, 2008, p. 353-61.

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profundas informações, pois algumas palavras são utilizadas no seu sentido histórico,

sentido amplo ou restrito, ou também são resinificadas a partir da fé cristã. Portanto,

foram selecionadas palavras que carregam alguma tradição na perícope analisada.

1. Cristo (Χριστοῦ) – é o equivalente do hebraico meshia, pessoa que foi

cerimonialmente ungida. A palavra grega não expressa nenhum honra, mas no Antigo

Testamento, o sumo sacerdote e o rei são ungidos para suas funções, e é por conta dessa

tradição veterotestamentária que a palavra ganha sentido tão especial.88

2. Sofrer (παθόντος) – Significa sofrimento, paixão. Em seu uso geral no NT o

termo é usado para falar do Sofrimento de Cristo, como aquele que sofreu muitas coisas,

pois a paixão de Cristo não era considerada acidental, mas sim divina, pois já foi predita

no AT (Mc 9.12; Lc 24.26; At 3.18; 1 Pe 1.11). O Sofrimento de Cristo também traz o

aspecto soteriológico, pois o sofrer como cristão significa participar dos sofrimentos de

Cristo.89

3. Carne (σαρκὶ) – significa carne, e equivale ao termo basar do hebraico,

podendo designar o ser humano inteiro, como parentesco ou comunidade. Muitas vezes

o termo se refere ao que é puramente humano. O ser humano-carne também é aquele que

está sujeito às tentações e ao pecado, ao sentimento e à morte. Sendo assim, carne

representa o homem por inteiro, por isso Cristo sofreu em carne. 90

4. Preparai (ὁπλίσασθε) – O termo origina-se de na qual é uma

ampliação metafórica de armar-se que não se encontra no NT, preparar, com ênfase no

processo de prover de equipagem.91 Este termo era deriva de uma linguagem militar.92

5. Pecado (ἁμαρτίας) – Seu significado original é ‘errar, erra o alvo, perder,

enganar-se’. No AT não existe uma palavra geral para pecado, mas usa-se hamartia para

culpa, e pecado, também usa-se a palavra awôn, para culpa, pecado, denotando o desvio

consciente do caminho certo. Acima de tudo, o pecado representa a culpa que o indivíduo

carrega. No NT, a palavra usada para pecado carrega consigo aquilo que é dirigido contra

Deus, que afasta o ser humano de Deus e o faz sofrer na carne.93

88 RENGSTORF, K. Χριστός. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de

teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000. v.1, p. 1079-1081. 89 GÄRTNER, B. πάσχω. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia

do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v.2, p. 2412-19. 90 THISELTON, A. C. σάρξ. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia

do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v. 1, p. 274. 91 ὁπλίσασθε. Cf. LOUW; NIDA, 2013, p. 609. 77.10. 92 KITTEL, Gerhard. Theologisches Wörterbuch zum Neuen Testament. Stuttgart: W. Kohlhammer,

[1933-1979], v.5, p. 294. 93 BAUDER, W. ἁμαρτίας. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia

do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v.2, p. 1602-1608.

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6. Desejos profundos (ἐπιθυμίαις) – Já ocorre antes de Sócrates, e tem por

significado básico, já no grego secular, o emocionar-se acerca de algo, um impulso o

desejo. A Septuaginta utiliza esta palavra com o significado grego primário – um desejo

tanto ruim quanto bom. No Novo Testamento aparece com conotação neutra ou boa, mas

na maioria das ocorrências tem sentido negativo.94

7. Vontade (θελήματι) – No grego clássico este termo significava desejo,

intenção, e mais tarde passou a ser conhecido como vontade. No AT, muitas das

ocorrências referem-se a respeito de um aspecto do caráter de Deus, também como

vontade de Deus, quando usado para o ser humano pode denotar um desejo, vontade e

também a má vontade. No NT, este termo na sua maioria é usado em relação à vontade

de Deus, descrevendo a origem verdadeira totalidade do evento de salvação em Cristo.95

8. Libertinagem (ἀσελγείαις) – Vem do grego traduzida como cama, leito

nupcial, relação sexual, que é empregada no plural e sempre acompanhada por termos

como orgia, portanto, libertinagem está ligada à libertinagem sexual.96

9. Abominação (ἐπιθυμίαις) – Significa desejo, concupiscência, desejar, querer.

No grego clássico já tem o sentido do impulso e desejo. No AT têm o sentido de uma

atitude moralmente indiferente, um desejo ímpio que se opõe a vontade de Deus. No NT

em todos os casos a conotação da palavra é má, desejo maligno ou cobiça, o pecado que

rege o homem. De uma forma geral, ἐπιθυμίαις representa a carne e suas paixões, um

poder que atrai, seduz e engoda o homem, escravizando-o.97

10. Embriaguez (οἰνοφλυγίαις) – Significa embriaguez, com a implicação de

consumo de grande quantidade de vinho – “embriaguez, bebedeira”. Palavra usada

somente por Pedro em 1 Pedro 4.3.98

11. Festança (πότοις) – Uma festa que envolve ingestão irrestrita de bebidas

alcoólicas, sendo acompanhada de comportamento imoral, utilizada como orgia, festança,

por Paulo em Rm 13.13, e por Pedro em 1 Pe 4.3.99

94 SCHÖNWEISS, H. ἐπιθυμία. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de

teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000. v. 1, p. 524. 95 MÜLLER, D. θελήματι. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia

do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v.2, p. 2678-84 96 BROWN, C. . In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia do

Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v. 1, p. 305. 97 SCHÖNWEISS, H. ἐπιθυμία. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de

teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v. 1, p. 524. 98 οἰνοφλυγίαις. Cf. LOUW; NIDA, 2013, p. 687, 88.284. 99 BROWN, C. . In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia do

Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v. 1, p.305. Cf. LOUW; NIDA, 2013, p. 687, 88.288.

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12. Orgia (κώμοις) – A palavra significava um bando de amigos que

acompanhava um vencedor dos jogos até sua casa, onde cantavam suas alegrias e

louvores. Mas a palavra degenerou até vir a significar “bacanal”, um bando de bêbados

bagunceiros andando e cantando pelas ruas.100

13. Idolatria (εἰδωλολατρίαις) – No AT a palavra sempre se refere sem nenhuma

exceção às imagens dos deuses pagãos e às divindades por elas representadas. No NT o

uso deste termo é o mesmo do AT, porém, também pode significar carne oferecida em

sacrifício, mas tendo o pano de fundo da condenação a adoração a deuses falsos.101

14. Atos impensados (ἀσωτίας) – Este termo somente ocorre três vezes no NT,

em Efésios 5.18, Tito 1.6, e 1 Pedro 4.4, onde tem o sentido de uma não vida, uma vida

no deserto, uma vida levada sem sentido algum, uma vida levada com a mente vazia.

Significa portanto, uma vida que tem atitudes impensadas em relação às consequências

de uma ação.102

15. Pronto (ἑτοίμως) – Seu sentido desde o grego clássico é de prontidão,

resolução. No AT, têm o sentido de estar firmemente estabelecido, como na criação,

quando Deus estabeleceu os céus, estabeleceu a terra sobre os rios, etc. No NT esta

palavra tem seu sentido na: atividade de Deus na criação e na providência em termos da

história da salvação, ou também o preparo e a prontidão do homem.103

16. Julgar (κρῖναι) – No grego clássico este termo não se limita a esfera do

direito. No AT krino não significa apenas julgar, mas também punir, contender, vindicar,

obter justiça para uma pessoa. No NT ele se encontra como termo jurídico e semi-jurídico.

Quando se emprega de forma passiva, há referência à atividade do Juiz divino, pois Cristo

julga os vivos e os mortos, também julga os segredos dos homens, o mundo, cada homem

de acordo com suas obras.104

17. Evangelizado (εὐηγγελίσθη) – O termo deriva de angelos, o ‘mensageiro’, e

no grego clássico é aquele que traz uma mensagem de vitória ou quaisquer outras notícias

políticas ou pessoais que causam alegria. No AT, o termo significa recompensa por boas

novas, anunciar, contar, publicar. No NT, este termo ressalta o aspecto de que o evangelho

100 Cf. RIENECKER, ROGERS, 1995, p. 565. 101 MUNDLE, W. εἰδωλοn. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia

do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v. 1, p. 999-1002. 102 FOESTER. ἀσωτίας. In: KITTEL, Gerhard. Theologisches Wörterbuch zum Neuen Testament.

Stuttgart: W. Kohlhammer, [1933-1979], v.1, p. 504. 103 SOLLE, S. ἑτοίμως. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia do

Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v. 2, p. 1899. 104 SCHNEIDER, W. κρῖναι. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia

do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v.1, p. 1100-1105.

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poderoso anunciado não é uma palavra humana, mas sim, a palavra de Deus. Este

evangelho produz novo nascimento e nova vida.105

18. Espírito (πνεύματι) – Pneumati deriva de pneuma, que significa o princípio

da vida concedido por Deus, o espírito de vida concedido por Deus. Deus mesmo é o

espírito, e o pneuma é o princípio no qual o ser humano se coloca em consonância à

vontade de Deus. Peneuma em Pedro se opõe com sarx e psyché, se opondo à natureza

pecaminosa do ser humano. Pneuma e soma se contrapõe, mas se complementam,

portanto o corpo espiritual descreve o ser humano em total comunhão com Deus, com o

próximo e com o mundo, diferente de corpo carnal (sarx) na qual o ser humano é alienado

de Deus.106

105 BECKER, U. εὐηγγελίσθη. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de

teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v.1, p. 757-765. 106 BROWN, C; DUNN. J. D. G. πνεύματι. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário

internacional de teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v. 1, p. 713-741.

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4. CORAÇÃO DO TEXTO

Nesse novo capítulo trata-se do conteúdo que pulsa no centro e dá sentido ao

trecho bíblico em análise. Sendo assim, visa-se aproximar da intenção do autor ao

escrever seu texto com determinadas palavras, buscando uma inserção no mundo

contemporâneo do texto para esclarecer dados e fatos históricos que são pressupostos pelo

mesmo. Também busca-se analisar textos que tenham opções e posturas idênticas

tomadas por Jesus ou também em outras partes da Bíblia por diferentes testemunhas do

NT ou do AT. Tudo isso para que assim se possa entender o texto bíblico em sua essência

original na escrita de Pedro.

4.1 CRISTO SOFREU NA CARNE

Cristo sofreu na carne é a tese central do autor na qual permeia toda perícope de

1 Pedro 4.1-6, sendo assim, este é o principal e único modelo que Pedro utiliza para

admoestar os leitores de sua carta. Visto que também Cristo é o personagem principal do

Novo Testamento e da vida de Pedro, ele está em torno dos pensamentos e da

admoestação de Pedro aos seus leitores.

Pedro fala de Cristo em suas duas cartas vinte e sete vezes, sendo vinte delas na

primeira carta, onde encontramos já em sua saudação a identificação de Pedro como

apóstolo de Jesus Cristo (1 Pe 1.1), ou seja, Pedro tinha uma ligação bem forte com Jesus,

pois foi chamado por Cristo a ser um dos doze discípulos e também enviado como

apóstolo. Pedro inicia sua Carta falando de Cristo em sua saudação e ainda identifica a

comunidade que estava recebendo a carta como aquela que foi escolhida por Deus para a

obediência em Jesus Cristo e para a aspersão do seu sangue (v.1.2). Pedro ainda identifica

a comunidade como aquela que, a medida que se aproxima mais de Cristo, está sendo

usada como pedras vivas na edificação de uma casa espiritual por meio d’Ele (v. 5.5).

Sendo assim o autor e a comunidade identificados em Cristo. Pedro encerra a sua carta

também falando de Cristo, abençoando todos aqueles que se acham em Cristo com a Paz

(v. 5.14). Sendo assim, Cristo é o fundamento central para a vida de Pedro e de sua carta.

Para Pedro, Cristo é reconhecido como filho de Deus (v.3), aquele que já era

conhecido antes da criação do mundo (v.20), ou seja, que já estava com o Pai desde

sempre, mas foi enviado e revelado a todos na terra como cordeiro sem mancha e sem

defeito (v.19), que realizou a obra redentora na Cruz para realizar o sacrifício perfeito e

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único do perdão dos pecados, onde derramou seu sangue morrendo e ressuscitando dos

mortos (v.3)107. Sendo assim, Cristo é aquele que traz a esperança viva (v.3) para resgatar

todos aqueles que nele creem (v.1.18-19). Ainda, Cristo é aquele que deve ser santificado

no coração de cada um (v.16), sendo assim, tudo o que fizerem em suas vidas, devem

fazer para que Deus seja glorificado mediante Jesus Cristo a quem se deve toda glória e

poder para todo o sempre (v.4.11).

Uma das características enfatizadas por Pedro ao falar de Cristo é o seu

sofrimento. Para isto, o autor fala que o Espírito de Cristo, que é Deus, já estava nos

profetas quando estes escrevem sobre os sofrimentos que o próprio Cristo haveria de

suportar (v. 1.10-11). A temática do Cristo que sofreu está presente pelo menos em seis

passagens de forma direta (v. 1.11; 2.21; 3.18; 4.1; 4.13; 5.1), e também em duas de forma

indireta (v. 1.2 e 1.19).

É o sofrimento de Cristo que permeia a perícope analisada de 1 Pedro 4.1-6. O

Cristo que sofreu (1 Pe 4.1) se remete ao Cristo que já havia sendo falado nos versículos

18-22 do capítulo 3. Este sofrimento de Cristo remete-se à vários passagens do Novo

Testamento, mas principalmente retoma o texto de Isaías 53108 conhecido como o texto

do Servo Sofredor, onde agora entende-se que Cristo cumpriu na cruz esta profecia.

Sofrimento de Cristo significa a sua própria morte (Hb 2:9). O sofrimento de Cristo se dá

pelo fato de carregar todos os pecados da humanidade, aniquilando-os de uma vez por

todas, seja pelos justos ou pelos injustos (v. 3.18).

O Cristo que sofreu na Carne expresso na perícope em análise refere-se a duas

dimensões dentro do Novo Testamento. A primeira dimensão faz referência a Paixão do

próprio Cristo, ou seja, sua vida, morte e ressureição109. A segunda, refere-se diretamente

ao sofrimento carnal dos seguidores de Cristo110.

107 Hebreus 9.26,28: 26De outra maneira, necessário lhe fora padecer muitas vezes desde a fundação do

mundo. Mas agora na consumação dos séculos uma vez se manifestou, para aniquilar o pecado pelo

sacrifício de si mesmo;28Assim também Cristo, oferecendo-se uma vez para tirar os pecados de muitos,

aparecerá segunda vez, sem pecado, aos que o esperam para salvação; Tito 2.4: O qual se deu a si mesmo

por nós para nos remir de toda a iniqüidade, e purificar para si um povo seu especial, zeloso de boas obras. 108 “Certamente ele tomou sobre si as nossas enfermidades e sobre si levou as nossas doenças, contudo nós

o consideramos castigado por Deus, por ele atingido e afligido. Mas ele foi transpassado por causa das

nossas transgressões, foi esmagado por causa de nossas iniqüidades; o castigo que nos trouxe paz estava

sobre ele, e pelas suas feridas fomos curados. Todos nós, tal qual ovelhas, nos desviamos, cada um de nós

se voltou para o seu próprio caminho; e o Senhor fez cair sobre ele a iniqüidade de todos nós”. Isaías 53.

4-6. (NVI) 109 Mt 17.12; Lc 22.15; 24.26; At 1.3; Hb 2.18; 5.8; 9.26; 13.12; 1 Pe 2.21, 23; 3.18; 4.1. 110 Mt 17.15; 27.19; Mc 5.26; Lc 13.2; At 9.16; 28.5; 1Co 12.26; 2 Co 1.6; Gl 3.4; Fl 1.29; 2 Ts 1.5; 2 Tm

1.12; 1 Pe 2.19,20; 3.14; 4.1,15,19; 5.10; Ap 2.10.

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Pedro entende a carne como uma relva que murcha (1 Pe 1.24), algo transitório

e passageiro, de onde brotam os desejos impuros, principalmente pelo fato de a carne ser

manchada pelo pecado. Porém ao usar a palavra carne como o sofrimento de Cristo

significa que Cristo, o servo sofredor sofreu na carne, ele como homem sofreu e morreu

na carne. Carne no mundo do Novo Testamento significa um corpo com vida, um corpo

físico de uma pessoa, sendo assim, Cristo o verbo de Deus vem a terra como carne. É em

carne que Cristo torna-se uma pessoa111. Desta forma, este ato de Cristo sofrer na carne

significa seu sofrimento físico112, referindo-se exclusivamente à Sua própria morte (Hb

2.9, 13.12; Lc 24.46; At 3.18, 3.15, 17.3), Sua ressureição, Sua entrada na glória e Sua

demonstração de Si mesmo, vivo (At 1.3)113. É o sofrimento de Cristo que carrega consigo

o aspecto soteriológico, na qual Ele é o sacrifício expiador no lugar dos pecados dos seres

humanos, como já dito anteriormente. Foi somente por razões soteriológicas que Cristo

teve que manter sua completa humanidade, tendo como consequência o sofrer na carne

(1 Pe 4.1).

O sofrimento na carne de Cristo significa para seus seguidores, “não a libertação

do sofrimento terrestre, mas, sim, a libertação para o sofrimento terrestre” 114 (grifo

nosso). Sendo assim, Cristo sofreu e foi tentado em carne como cada um dos seres

humanos, porém sem nenhum pecado, sendo agora capaz de compadecer-se e lutar em

favor das fraquezas do ser humano pecador, pois ele participou de todas as experiências

do Seu povo. (Hb 2.18, 4.12, 4.15). Este sofrimento na carne de Cristo pelos seres

humanos aconteceu de uma vez por todas (Hb 7:27; 9:12; Rm 6:10), como diz em 1 Pe

3:18: “Pois também Cristo sofreu pelos pecados uma vez por todas, o justo pelos injustos,

para conduzir-nos a Deus”. É por isso que seu sofrimento na carne chama seus seguidores

a suportar em obediência todos os tipos de sofrimento, pois Cristo é o modelo e o exemplo

111 Cf. LOUW; NIDA, 2013, p. 86, 8.4. 112 “ ‘o Verbo se fez carne’ (Jo 1; 14; cf 6:51-56); o teste para descobrir se um espírito vem de Deus depende

da confissão de que “Jesus Cristo veio em carne” (Jo 4:2, cf, 2 Jo 7). A palavra falada por Deus não era

meramente uma realidade interior ou psicológica. A palavra e o ato se tomaram uma unidade que se

interpretam mutuamente, e Deus surgiu no palco da história com alto preço de um ato que acarretava

conseqüências físicas. Assim, outros escritos no NT, além de João, ressaltam que Cristo padeceu “na carne”

(1 Pe 4:1), ou que “Deus foi manifesto na carne” (1 Tm 3:16; cf. Lc 24:39; Rm 8:3; Ef 2:15; Hb 5:7)”.

THISELTON, A. C. . In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia

do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v. 1, p. 282. 113 GÄRTNER, B. . In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia

do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v. 2, p. 2416-19. 114 GÄRTNER, B . In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia do

Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v. 2, p. 2417.

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a ser seguido, chamando a todos a partilhar de um caminho semelhante para que assim

seu povo chegue a Deus (1 Pe 2:21; 1 Pe3.18 Hb 13:12-13)115.

Pedro, portanto, chama seus leitores a participarem do sofrimento de Cristo na

carne, que nada mais é do que participar dos sofrimentos de Cristo, sofrimento este que

nada é perante a glória que está por vir (Rm 8:18; Fp 1.29; 3.10; 1 Pe 4.13, 5:10).

Sendo assim, Cristo é o Messias que veio ao mundo dar a sua vida pelos

pecadores. É por meio da morte na Cruz e da ressureição que todos que nele creem têm a

vida eterna. Por amor, Cristo que não tinha pecados leva sobre si todos os pecados dos

homens, entregando-se em maldição ao morrer pendurado no madeiro para livrar o

homem da maldição que lhe cabia pela impossibilidade de cumprir a lei. Cristo, após sua

morte e ressureição está ao céu sentado à direita de Deus, de onde virá para buscar todos

aqueles que nele creem116.

4.2 DESTA CONVICÇÃO PREPARAI-VOS PORQUE CRISTO CESSOU DO

PECADO.

Pedro orienta seus leitores para que, da convicção de que Cristo sofreu na carne,

eles possam se preparar, pois Cristo foi aquele quem em seu sofrimento na carne cessou

de uma vez por todas do pecado.

A convicção da qual Pedro se refere ocorre somente duas vezes no Novo

Testamento através do termo grego ἔννοιαν, porém, na Septuaginta (LXX) este termo

ocorre em nove passagens do livro de Provérbios117. Nestas passagens de provérbios da

LXX, ἔννοιαν é conhecido como ação de um pensamento, reflexão, sabedoria, ideia,

noção, conhecimento, concepção118. Esta palavra em sua primeira ocorrência no NT

encontra-se em Hebreus 4.12, onde o autor da carta fala de ἔννοιαν como pensamento, já

Pedro utiliza ela como convicção. Ambas traduções são corretas, pois ἔννοιαν significa

uma forma especial de pensar, uma forma de pensar que leva a alguma atitude, uma

115 GÄRTNER, B . In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia do

Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v. 2, p. 2417. 116 Passagens bíblicas que referenciam o escrito do parágrafo sobre Cristo: Rm 5.6-8; Rm 8.3; 2 Co 5.21;

Gl 3.13; Zc 9.9; Mt 27.19,24; At 3.14; At 22.14; Tg 5.6; 1 Jo 1.9. 117 Pv 1:4; 2.1; 3:21; 4:1; 5:2; 8:12; 18:15; 19.7; 23.4. 118 “act of thinking, reflection, cogitation [...] notion, conception, idea” Greek-English Lexicon of the

Septuagint. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 2003, p.205. Este termo na LXX deriva do hebraico

quando se fala de entendimento, sabedoria, compreensão. Cf. ATCH, Edwin; REDPATH, Henry A. A

Concordance to the Septuagint: and the other greek versions of the old testament. Grand Rapids: Baker

Book House, 1984, v.1, p. 475.

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disposição, um entendimento de algo119. Por isso Pedro orienta seus leitores para que

desta forma de pensar - do Cristo que sofreu na carne - eles possam se prepara em suas

vidas.

Os leitores, portanto, são chamados a viverem sua vida armados com o

pensamento, com o conhecimento do Cristo que sofreu na carne. Esta preparação é uma

ampliação metafórica de , “armar-se” que não ocorre em outras passagens do

Novo Testamento ao não ser em 1 Pe 4.1. Este termo deriva da palavra ὁπλov, que na

LXX está sempre ligada ao armamento utilizado no contexto de guerras, principalmente

no contexto do livro de Números capítulos trinta e um e trinta e dois, no contexto da

conquista e povoamento das regiões do Neguebe e Transjordânia120. Também outras duas

passagens do Antigo Testamento na LXX se encontram este termo, que são,

Deuteronômio 3.18 e 2 Samuel 2:21, onde também o termo ὁπλί é encontrado para

referir-se as armas utilizadas em guerras.

Já no mundo do Novo Testamento, não mais se utiliza este termo para falar de

armas para uma guerra, mas sim para se falar em um sentido metafórico da palavra que

deve ser entendido como armar-se, no sentido de preparar-se para enfrentar algo, que no

AT eram guerras e no contexto de Pedro e do Novo Testamento era o sofrimento por

causa de Cristo121. Portanto, quando Pedro escreve aos leitores que se preparem com o

mesmo pensamento do Cristo que sofreu na carne, ele tinha em mente uma palavra que

era bem conhecida para exortar que seus leitores se armem, se equipem com a arma que

é o Cristo que sofreu na carne, como uma armadura em suas vidas122.

Da convicção de que Cristo sofreu na carne preparai-vos, pois foi Cristo que com

seu sofrimento na carne cessou do pecado. Cristo, como já dito, é o cordeiro de Deus que

tira o pecado do mundo (Jo 1.29), pois o Cordeiro de Deus que sofreu na carne rompeu

com pecado. Pecado significa errar, errar o alvo, perder-se, sendo uma palavra exclusiva

do Cristianismo, pois significa o desvio do caminho certo, que para o homem é o caminho

que leva a Deus. Desta forma, pecado significa tudo aquilo que é dirigido do homem

contra Deus, tudo o que o afasta de Deus. O pecado somente é revelado quando o homem

conhece a Cristo, pois o pecado habita na carne do ser humano, que o faz se tornar inimigo

de Deus, fazendo-o sofrer até seu fim que é a morte. É por isto que para Pedro o

119 Cf. LOUW; NIDA, 2013, p. 314, 30.5. 120 Nm 31.3; 32.17; 32.20; 32.21. 121 Jo 18.3; Rm 6.13, 13.12; 2 Co 6.7, 10.4; 1 Pe 4.1. 122 Cf. LOUW; NIDA, 2013, p. 609, 77.10.

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sofrimento de Cristo na carne deve ser a armadura do ser humano, pois Cristo veio ao

mundo como carne, mas sem pecado, sendo portanto aquele que redimiu, rompeu com

todo pecado existente123.

4.3 PARA NÃO MAIS EM DESEJOS PROFUNDOS DOS HOMENS, MAS

CONFORME A VONTADE DE DEUS VIVER O TEMPO RESTANTE NA CARNE.

Cristo sofreu na carne para que também o homem não viva mais em desejos

profundos da carne. Estes desejos significam em sua origem no grego clássico um

impulso, um desejo. Já na LXX em suas ocorrências dentro do AT124 elas podem

significar tanto desejos bons, quanto desejos negativos, porém, o que prevalece é o

sentido negativo da palavra, que é um desejo ímpio que se opõe a vontade de Deus (Nm

11.4; Nm 11.34; Dt 9.22)125. Este sentido negativo dos desejos é o que também prevalece

no Novo Testamento, são trinta e quatro aparições, tendo ainda mais quatro falando do

termo no seu sentido bom ou neutro dos desejos (Lc 22.15; Fp 1.23; 1 Ts 2.17 e, talvez,

Ap 18:14).

Os desejos significam para Pedro tudo aquilo que já significava para os escritores

do NT126 em sua maioria, ou seja, um profundo desejo maligno. Este desejo maligno já

para Jesus é considerado um pecado dotado de poder destrutivo (Mc 4.19; Mt 5.28), pois

Jesus já ensinava que estes desejos profundos emanam do coração maligno que se separou

de Deus, ou seja, os desejos profundos já habitam na carne. Pedro, portanto, utiliza este

termo para falar aos leitores que antes deles revestirem-se com o Cristo que sofreu na

carne eles viviam conforme os desejos dos homens, que nada mais é do que uma vida em

pecado, pois os desejos profundos habitam e regem a , a vida do ser humano. É “o

poder da “velha natureza” (Ef 4:22) que se vê em ἐπιθυμίαις”127, ou seja, nos desejos

profundos dos homens. É por isso que Pedro fala dos desejos profundos que habitam nos

homens, referindo-se aos seres humanos em geral, que estão corrompidos pelo pecado

123 1 Pe 2.21-25; 3.18; 4.1. Cf. BAUDER, W. ἁμαρτίας. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário

internacional de teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v.2, p. 1602-1608. 124 Dt 12:20-21; Gn 31:30. 125 “Se o décimo mandamento Êx 20:17 proíbe semelhante cobiça, é porque Deus deseja da parte dos

homens não meramente a obediência em atos, mas também nas palavras, pensamentos, olhares, esforços e

desejos. Deseja que haja amor de todo o coração (Dt 6:5)”. Cf. SCHÖNWEISS, H. ἐπιθυμία. In: BROWN,

Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo:

Vida Nova, 2000. v. 1, p. 524. 126 Mc 4.19; Jo 8.44; Rm 1.24; 6.12; 7.7; 13.14; Gl 5.16; Ef 2.3; 4.22; Cl 3.5; 1 Tm 6.9; 2 Tm 2.22; 3.6;

4.3; Tt 2.12; Tg 1.14,15; 1 Pe 1.14; 2.11; 4.2; 2 Pe 1.4; 2.10, 18; 3.3; 1 Jo 2.16. 127 Cf. SCHÖNWEISS, H. ἐπιθυμία. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional

de teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000. v. 1, p. 525.

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desde Adão, tendo desejos por causa de sua carne, sofrendo com paixões, com

concupiscência, com aquilo que o afasta cada vez mais de Deus.

Sendo assim, Pedro utiliza este termo, pois os desejos profundos atraem e

seduzem o ser humano que acaba sendo dominado por eles (Tg 1.4; 1 Pe1.14; 2 Pe 2.18),

prometendo uma completa liberdade e independência, que na realidade acaba

escravizando-os. Por isso os desejos profundos dos homens buscam a gratificação em

Deus, como Paulo já diz em Gálatas: “Por isso digo: vivam pelo Espírito, e de modo

nenhum satisfarão os desejos da carne” (5.16). Tudo isto para dizer aos seus leitores que

somente se pode viver uma vida conforme a vontade de Deus se estiverem revestidos da

convicção do Cristo que sofreu na carne.128

Somente a vontade de Deus é a resposta divina aos desejos profundos que

habitam no ser humano. O termo θελήματι indica originalmente um desejo, uma intenção,

que passou a ser utilizado para se falar da vontade. Esta vontade pode estar direcionada a

dois sujeitos, aos seres humanos ou a Deus. Quando direcionada aos seres humanos, a

vontade pode denotar um desejo que provém de sua carne ou a vontade de alguma

autoridade que pode ser boa ou má129. Quando a vontade é direcionada a Deus, refere-se

em todos os seus casos à vontade de Deus130. A vontade de Deus131 é somente uma, não

existem duas ou mais, sendo ela a salvação em Cristo. A vontade de Deus é somente que

os seres humanos sejam salvos pela obra salvífica que seu próprio e único Filho cumpriu

ao morrer na cruz, pois é no evento de Cristo que a vontade de Deus se desvenda ao ser

humano (Gl 1.4). É em Jesus Cristo que sua vontade se cumpre, pois, Jesus cumpre a

vontade do Pai132, onde a vida através da salvação alcança ao ser humano, tornando-se

então também um filho de Deus (Ef 1.5) unidos somente à Ele (Ef 1.10). Portanto, o alvo

único e exclusivo da vontade de Deus é que todos os seres humanos cheguem ao

conhecimento da verdade (1 Tm 2.4)133.

128 Cf. SCHÖNWEISS, H. ἐπιθυμία. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional

de teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000. v. 1, p. 524-525. 129 A vontade do próprio ser humano é dominada pela sua sarx, ou seja, dominada pelo pecado, sendo o

diabo aquele que realiza a vontade da carne (2 Tm 2.26); Como diz em Efésios 2.3: “Anteriormente, todos

nós também vivíamos entre eles, satisfazendo as vontades da nossa carne, seguindo os seus desejos e

pensamentos. Como os outros, éramos por natureza merecedores da ira”. (NVI) 130 Lc 12.47; 23.25; Jo 7.17; 9.31; Atos; 21.14; 22.14; Rm 1.10; 2.18; 12.2; 15.32; 1 Co 1.1; 2 Co 8.5; Ef

1.5, 9, 11; 5.17; 6.6; Cl 1.9; 4.12; Hb 10.7, 10, 36; 13.2; 1 Pe 2.15; 3.17; 4.2, 19; 1 Jo 2.17; 5.14; Ap 4.11. 131 Sl 103.7; Is 44:28; Sl 103.21; 143.10. 132 Mt 6.10; 7.21; 12.50; 18.4; 21.31; 26.42; Jo 1.13; 4.34; 5.30; 6.38. 133 “Não é a volição (thelein) humana que é decisiva para a ação de Deus; é a vontade salvífica de Deus que

é a condição prévia para toda a volição humana. A liberdade da compaixão divina não depende do esforço

humano, e é igualmente independente da resistência humana. Deus realiza Sua vontade na história

precisamente nisto: faz tanto os obedientes quanto os empedernidos servirem ao Seu plano salvífico”.

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Sendo assim, no sacrifício de Jesus Cristo, a vontade de Deus se cumpre e faz

com que a santificação do homem se torne possível (Hb 13.21; 1 Ts 4.3). Por isso o

homem que anda no Espírito, ou seja, na vontade de Deus, tem o poder para resistir ao

desejo dos homens (Gl 5.16; Rm 8.9)134. Por isso, os leitores devem ser revestidos de

Cristo, que sofreu na carne, para que não mais os desejos profundos dos homens

prevaleçam em suas vidas, mas a vontade de Deus, que para que se cumpra pode ocorrer

o sofrimento na carne.

4.4 POIS, PASSOU O TEMPO EM QUE PRATICAVAM OS DESEJOS DOS

GENTIOS, TENDO ANDADO EM: LIBERTINAGEM, ABOMINAÇÃO,

EMBRIAGUEZ, ORGIA, FESTANÇA E ABOMINÁVEL IDOLATRIA.

Esta oração é o clímax da primeira exortação de Pedro aos seus leitores, pois ele

agora explica o porquê devem revestir-se do Cristo que sofreu na carne. Pedro diz que

tempo suficiente já passou, já viveram tempo mais do que necessário praticando o desejo

dos gentios, listando assim seis práticas que pertencem aos gentios. Pedro utiliza a palavra

βούλημα para falar dos desejos, palavra esta que é difundida no NT como sinônimo do

termo θελήματι já abordado anteriormente, porém, há uma diferença entre as duas

palavras. βούλημα significa um desejo que brota a partir de um ato mental, sendo um

desejo que parte de uma livre escolha, já θελήματι significa um desejo, uma vontade que

brota do inconsciente. Sendo assim, Pedro utiliza sabiamente as duas palavras, pois

quando fala de θελήματι, está falando da vontade que é inconsciente, ou seja, que somente

Deus dá através do seu espírito. Ao βούλημα está falando do desejo que brota de sua

mente, que ele pode ter a livre escolha de fazer ou não. Portanto, o desejo dos gentios

significa uma decisão da sua vontade, um desejo que lhe trará uma consequência, por isso

sua liberdade de decisão humana135.

Quando Pedro fala dos desejos dos gentios, está se referindo ao grupo de pessoas

que se mantem unidos por costumes e hábitos. No NT os gentios significam todo povo

que não é escolhido por Deus, ou seja, os povos vizinhos do povo de Israel. Gentios eram

MÜLLER, D. θελήματι. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia do

Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v. 2, p. 2680. 134 “Sendo que epithymia (desejos profundos) se liga tão intimamente com a natureza do homem, o cristão

precisa constantemente ser atento e vigilante, para se conservar longe dela. Pode conquistá-la, se

constantemente permitir que seja controlado pelo Espírito de Deus e viver “segundo a vontade de Deus” (1

Pe 4:2)”. Cf. SCHÖNWEISS, H. ἐπιθυμία. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário

internacional de teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000. v. 1, p. 524. 135 MÜLLER, D. βούλημα In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia

do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000. v. 2, p. 2675-8.

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considerados todos aqueles que se opunham a palavra de Deus ou até mesmo dos cristãos,

pois eles não conhecem a Deus (1Ts 4.5) e são desviados para os ídolos (1 Co 12.2), não

conhecendo a lei de Deus e nem a guardando (Gl 2.15). Ou seja, os gentios vivem na

futilidade de suas mentes (At 14.16; Ef 4.17)136. Por estes fatos que Pedro fala dos desejos

dos gentios, que são aquilo que provém de suas mentes, aquilo que de maneira nenhuma

agrada a Deus. Seis características e atitudes que identificam os desejos dos gentios são

arroladas por Pedro, as quais serão abordadas uma por uma a seguir.

A primeira atitude deriva da palavra grega ἀσέλγεια, que significa um

comportamento totalmente desprovido de controle moral, onde geralmente se refere a

devassidão de ordem sexual, ou seja, a promiscuidade sexual137. Em suas ocorrências no

NT138 a palavra está sempre ligada com a devassidão e a imoralidade sexual. Portanto,

uma vida dissoluta e desregrada os leitores não tornam a fazer mais.

A segunda atitude é descrita por uma palavra já usada por Pedro ao falar dos

desejos profundos dos homens, a ἐπιθυμία, que nada mais é do que desejos que provém

da carne, a concupiscência. Sendo assim, ἐπιθυμία descreve a atitude de participar de uma

atividade que é moralmente inaceitável, cobiçar, desejar, ser lascivo, ter maus desejos,

paixões, ou seja, uma abominação aos olhos de Deus139.

Em sua terceira característica/atitude, Pedro utiliza a palavra οἰνοφλυγίαις, sendo

em 1 Pe 4.3 a única ocorrência dela no NT. Esta palavra deriva em sua etimologia de

que significa vinho. Sendo assim, esta atitude é caracterizada como bebedeira, uma

embriaguez constante140.

A quarta característica dos gentios é descrita pela palavra κώμοις, que

significava em sua origem um bando de amigos que acompanhava um vencedor dos jogos

até a sua casa, cantando alegrias e louvores. Porém, esta palavra se degenerou até

significar um “bacanal”, um bando de bêbados bagunceiros que andando e cantando pelas

136 Jesus Cristo já anunciava que mesmo ele ter vindo para os judeus, também os gentios iriam ser

alcançados (Mt 8:10-11; 15.24). Em sua vinda para terra e sua morte de Cruz, Jesus faz com que todos

participem da nova aliança e da sua salvação. Pedro descobre que o gentio também teme a Deus e é aceito

por Deus, de modo que também o Espírito Santo pode vir sobre eles, fazendo-os também aceitarem o

evangelho (At 10.35, 45; 11.1,18; Ef 2.11-12,17-22). (Cf. BIETENHARD, H. ἔθνος. In: BROWN, Colin;

COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida

Nova, 2000. v. 2, p. 1734-38.) 137 Cf. LOUW; NIDA, 2013, p. 686, 88. 272. 138 Mc 7.22; Rm 13.13; 2 Co 12.21; 1 Pe 4.3; 2 Pe 2.2,18; Jd 4. 139 Cf. LOUW; NIDA, 2013, p. 262, 25.20. 140 Cf. LOUW; NIDA, 2013, p. 687, 88.284; Cf. RIENECKER, ROGERS, 1995, p. 565.

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ruas141. Uma festa que envolve ingestão irrestrita de bebidas alcoólicas, sendo

acompanhada de comportamento imoral, utilizada no NT apenas duas vezes, por Paulo

em Rm 13.13, e por Pedro em 1 Pe 4.3.

Para as duas últimas características, Pedro utiliza de dois termos que estão neste

contexto interligados. Primeiro ele utiliza a palavra ἀθεμίτοις, que significa aquilo que é

mau e detestável, algo que não é permitido142. Junto com ἀθεμίτοις, Pedro acrescenta a

palavra εἰδωλολατρίαις, que significa idolatria. Idolatria no AT sempre está ligada as

imagens dos deuses pagãos e as divindades que eles representam. No NT idolatria

significa o mesmo do AT, aquilo que o homem está sujeito a adorar. Idolatria é um dos

pecados graves contra quais sempre é necessário advertir os cristãos (1 Co 5.10-11;

10.7,14), pois sempre de novo caem na adoração a deuses falsos e não ao verdadeiro Deus

que se revelou em Jesus Cristo143.

De fundamental importância é esta lista de atitudes/características que Pedro

expõe aos seus leitores, pois a libertinagem, abominação, embriaguez, orgia e festança

não passam de desejos profundos dos homens, que brotam de sua carne, sendo tudo isto

uma abominável idolatria em que vivem. Por este fato é de extrema importância o que

Pedro fala a seguir, pois agora que os leitores conheceram a Cristo tudo mudou, a vida

que eles levavam antes já não é mais a mesma.

4.5 NISSO BLASFEMAM E SE ADMIRAM DE VÓS POR NÃO FAZEREM MAIS

AS MESMAS COISAS QUE ELES.

Pedro acrescenta uma nova pessoa na exortação que vinha fazendo, não está mais

falando para os leitores de Cristo, mas está falando dos blasfemadores que se admiram -

dos leitores – por não se juntarem mais com eles para fazer as mesmas coisas que eles.

Estes blasfemadores são descritos por Pedro como os pagãos (1 Pe 2.12), aqueles que

falam maldosamente contra os cristãos (1 Pe 3.16). Pedro em sua segunda carta descreve

quem ele reconhecia como blasfemador: “Mas eles difamam o que desconhecem e são

como criaturas irracionais, guiadas pelo instinto, nascidas para serem capturadas e

destruídas; serão corrompidos pela sua própria corrupção” (2 Pe 2.12). Em todo o NT os

141 Cf. RIENECKER, ROGERS, 1995, p. 565; Cf. BROWN, C. . In: BROWN, Colin; COENEN,

Lothar. Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v.

1, p.305; Cf. LOUW; NIDA, 2013, p. 687, 88.288. 142 Cf. LOUW; NIDA, 2013, p. 674, 88.143. 143 MUNDLE, W. εἰδωλοn. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia

do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v. 1, p. 999-1002.

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blasfemadores são reconhecidos como aqueles que falam no sentido religioso com

referência direta ou indireta a Deus. O próprio Jesus foi considerado um blasfemador, na

qual recebeu sentença de morte144. Mas o que Pedro tem em mente são todos aqueles que

negam as reivindicações messiânicas de Jesus, o injuriando, o zombando. Desta forma,

também os seguidores de Cristo sofrem tudo aquilo que Jesus sofreu145.

Estes blasfemadores eram os que se admiram dos destinatários da carta, das

pessoas que estão em Cristo e já não vivem a mesma vida. Esta admiração é expressa pelo

autor da carta através da palavra ξενίζονται, que significa surpreender. Esta palavra tem a

ideia de ser surpreendido ou espantado pela novidade de uma coisa, ou ser surpreendido

por uma mudança na situação. Esta palavra carrega consigo o pensamento de ofender-se,

pois pessoas ignorantes costumam sentir um ressentimento irracional diante de qualquer

coisa que não se encaixe no padrão de vida que lhes é familiar. E é justamente isto que

aqueles que blasfemam sentem ao ver que, aqueles que agora seguem a Cristo mudaram

de vida, já não fazem as mesmas coisas que faziam antes. Por isso eles se espantam e se

surpreendem, pois aqueles cujo vivem com o Cristo que sofreu na carne, não se juntam

mais com os blasfemadores para fazer as mesmas coisas que eles146.

Estas coisas que os blasfemadores fazem estão descritas através da palavra

συντρεχόντων, que significa em seu sentido literal, correr juntos. Os blasfemadores se

admiram dos cristãos pois eles não se juntam mais para uma excessiva corrida para lugar

nenhum147, para uma corrida de atos impensados, para uma corrida dos desejos carnais.

Estes atos impensados ocorrem três vezes no NT148, onde somente existe um único

sentido, que é de uma não vida, uma vida no deserto, uma vida levada sem sentido algum,

uma vida levada por uma mente vazia. Isto nada mais é do que a vida que os gentios

levam através dos desejos profundos dos homens, que levam uma vida de atitudes

impensadas em relação às consequências de uma ação149.

144 Uma forma de utilizar βλασφημέω para falar sobre o ato de “difamar Deus” era reivindicar algum tipo

de igualdade com Deus. Na visão dos judeus do período do NT, qualquer afirmação neste sentido era

considerada prejudicial e injuriosa a natureza de Deus. Cf. Cf. LOUW; NIDA, 2013, p. 388, 33.400. 145 WÀHRISCH, H; BROWN, C. βλασφημέω. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário

internacional de teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v.1, p. 231-6. 146 Cf. RIENECKER, ROGERS, 1995, p. 565. 147 A palavra utilizada é ἀνάχυσιν, que significa uma ampliação metafórica de enchente. É algo excessivo,

que somente ocorre em 1 Pe 4.4, significando um ponto elevado em uma escala, um excesso de valor

negativo, onde se pode dizer que os blasfemadores levam uma vida de muita maldade sem nenhum objetivo.

Cf. LOUW; NIDA, 2013, p. 612, 78.26. 148 Efésios 5.18, Tito 1.6, e 1 Pedro 4.4. 149 FOESTER. ἀσωτίας. In: KITTEL, Gerhard. Theologisches Wörterbuch zum Neuen Testament.

Stuttgart: W. Kohlhammer, [1933-1979], v.1, p. 504.

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4.6 OS QUE BLASFEMAM PRESTARÃO CONTAS AO QUE ESTÁ PRONTO PARA

JULGAR VIVOS E MORTOS.

Pedro está falando dos blasfemadores que os insultam por não se ajuntarem mais

aos mesmos atos impensados deles, pois é muito provável que casos destes estavam

ocorrendo em meio a comunidade. Sendo assim, Pedro agora fala do destino destes

blasfemadores e não mais de suas atitudes, pois o destino deles importa como consolo

para aqueles que estão em meio ao sofrimento da perseguição.

Desta forma, os blasfemadores prestarão contas, ou melhor, serão julgados ao

que está pronto para julgar os vivos e mortos. Mas quem está pronto para julgar os vivos

e mortos? Pedro utiliza a palavra ἑτοίμως que significa no grego clássico a prontidão,

resolução. No AT, têm o sentido de estar firmemente estabelecido, como na criação,

quando Deus estabeleceu os céus, estabeleceu a terra sobre os rios, etc. Já no NT esta

palavra tem seu sentido na atividade de Deus na criação e na providência em termos da

história da salvação, ou também o preparo e a prontidão do homem. O Senhor a quem

João foi chamado a preparar o caminho é o Senhor que há de vir, inesperadamente, como

um ladrão de noite, ou como o noivo ao casamento.

E é por causa disto que a igreja e seus membros devem ser exortadas a estar

pronta para sua vinda (Mt 24.44, Lc 12:40; Ap 19.7; 21.2). Sendo assim, Pedro tem em

mente ao escrever que aquele que está pronto, que está preparado é aquele que tem o

poder para julgar vivos e mortos150. Este ato de julgar é descrito pela palavra κρῖναι que

significa o julgamento do Juiz divino, ou seja, de Cristo, que é o que está pronto para

julgar (Mt 25. 31-46). Deus confiou todo o julgamento ao Filho, que em sua volta assim

o realizará (Jo 5.22). Portanto, Cristo é o que está pronto, é Cristo que julga os vivos e os

150 No seu cântico de louvor, Simeão declarou; “Os meus olhos já viram a tua salvação, a qual preparaste

diante de todos os povos” (Lc 2:30-31; cf. 3:6; Is 52:10). O mundo, porém, é incapaz de reconhecer, pelo

seu próprio entendimento, a salvação presente e prometida em Jesus: Deus a preparou para todos quantos

o amam (1 Co 2:9). É o propósito dEle, mediante a Sua livre graça eletiva, “dar a conhecer as riquezas da

sua glória em vasos de misericórdia, que para glória preparou de antemão” (Rm 9:23). Jesus consola os

Seus discípulos temerosos com as seguintes palavras: “Pois vou preparar-vos lugar” (Jo 14:2-3; mas cf. Mt

20:23 par. Mc 10:39). Assim também, Pedro pode encorajar os cristãos que passam por provações na Ásia

Menor, dizendo-lhes que “sois guardados pelo poder de Deus, mediante a fé, para a salvação preparada

para revelar-se no último tempo” (1 Pe 1:5). A livre graça de Deus não se confronta com a doutrina de que

Ele “está pronto para julgar vivos e mortos” (1 Pe 4:5; cf. Mt 25;34, 41), mas, sim, forma a base dela. O

convite, pois: “Vinde, porque tudo está pronto” (Lc 14:17; cf. Mt 22:4, 8; e também Jo 7:6: “O vosso tempo

sempre está presente”) já foi publicado, mas muitos revelaram ser indignos. Ninguém, porém, tem motivo

de gloriar-se em si mesmo: “pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus

de antemão preparou para que andássemos nelas” (Ef 2:10; cf. 2 Tm 2:21). Cf. SOLLE, S. ἑτοίμως. In:

BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento. 2.ed.

São Paulo: Vida Nova, 2000, v. 2, p. 1899.

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mortos (2 Tm 4.1; 1 Pe 4.5-6), os segredos dos homens (Rm 2.16), o mundo (At 17.31),

cada homem de acordo com suas obras (1 Pe 1.17; Ap 20.12-13 cf. 2 Co 5:10)151. Este

ato de julgar é o julgamento completo, de toda criação, dos vivos e também dos mortos

(Jo 5.28-29). Sendo assim, vivos e mortos significa que todos seres humanos passarão

pelo julgamento do que está pronto152.

Como o Cristo que sofreu na carne, “Quando insultado, não revidava; quando

sofria, não fazia ameaças, mas entregava-se àquele que julga com justiça” (1 Pe 2.23),

entrega-se a Deus, o Justo juiz. Cristo sofreu na carne, morreu pelos vivos e pelos mortos

para que o julgamento de Deus seja feito diretamente ao ser humano, mas sim confia o

julgamento a Cristo em sua segunda vinda à terra153.

4.7 PARA ISSO TAMBÉM AOS MORTOS FOI EVANGELIZADO A FIM DE QUE

FOSSEM JULGADOS EM CARNE CONFORME OS HOMENS VIVAM NO

ESPIRITO DE DEUS.

Pedro agora parece esclarecer para a comunidade sobre aqueles que entre eles já

morreram, por isso que fala: para isto também aos mortos foi evangelizado. Este foi

evangelizado significa que alguém proclamou o evangelho para aqueles que já morreram.

Este evangelho proclamado o próprio Jesus Cristo154, Jesus é o mensageiro e autor da

mensagem, bem como assunto dela, é Aquele de Quem a mensagem conta. Evangelho é

o próprio Jesus Cristo, significando a boa-nova, a salvação vinda de Deus, a redenção do

mundo, na encarnação, morte e ressurreição de Jesus. O evangelho não apenas dá

testemunho da história da salvação, mas ele mesmo é a história da salvação. É através do

evangelho que a fé é criada, a salvação é dada, a vida oferecida, o julgamento revelando

a justiça de Deus, cumprindo a esperança prometida. Portanto o evangelho foi anunciado

aos mortos, ou seja, a vida, morte, ressurreição e glória de Jesus foi anunciada também

para aqueles em meio ao povo da Ásia Menor cujos já morreram, anunciados para aqueles

que não tem mais vida, falecidos. Pois, aqueles que já morreram, assim como os que estão

151 SCHNEIDER, W. κρῖναι. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia

do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v.1, p. 1100-1105. 152 Cf. RIENECKER, ROGERS, 1995, p. 565. 153 Sl 1.6; Ec 12.14; Ez 18.30; Mt 25.31-46; Jo 5.22,23,28,29; At 10.42; At 17.31; Rm 14.10-12; 1 Co

15.51,52; 2 Tm 4.1; Tg 5.9. 154 Mc 1.15; 8.35; 10.29; 13.10; 14.9; 16.15; Mt 4.23; 9.35; 24.14; 26.13; cf. também Mc 1.1,14)

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vivos, necessitavam do evangelho que produz novo nascimento e nova vida, para que

assim eles pudessem ser julgados conforme os homens na carne155.

Este julgamento conforme os homens na carne não está ligado com o julgamento

do que está pronto já citado no v.4. Sendo assim, também aqueles que já morreram

receberam sua sentença na carne, ou seja, eles foram revestidos do Cristo que sofreu na

carne afim de que pudessem sofrer julgamentos na carne como aquele que os

blasfemadores realizam156. Sendo assim, para quem o evangelho foi anunciado há a

chance de uma nova vida, de viver conforme o Espírito de Deus, como foi para aqueles

que já morreram, que agora servem de exemplo para os vivos, pois os que já morreram

se revestiram do Cristo que sofreu na carne, e foram julgados pelos blasfemadores assim

como os vivos estão sendo julgados.

Portanto, embora conforme os homens (κατὰ ἀνθρώπους) tivessem sido

fisicamente julgados pela morte, haveriam de viver num estado espiritual conforme vive

Deus (kata theon). Este estado espiritual somente é oferecido por Deus através de seu

Espírito, que está descrito através da palavra πνεύματι Θεὸν, que significa o princípio da

vida concedido por Deus, o espírito de vida concedido por Deus. Deus mesmo é o

Espírito, o πνεῦμα é o princípio no qual o ser humano se coloca em consonância à vontade

de Deus. πνεῦμα em Pedro se opõe com sarx e psyché, se opondo à natureza pecaminosa

do ser humano. Pneuma e somma (corpo) se contrapõe, mas se complementam, portanto,

o corpo espiritual descreve o ser humano em total comunhão com Deus, com o próximo

e com o mundo, diferente de corpo carnal (sarx) na qual o ser humano é alienado de Deus.

Desta forma, estar revestido do Cristo que sofreu na carne faz com que o homem

possa suportar os desejos carnais que estão em constante guerra com a carne. No homem

que está revestido do Cristo que sofreu na carne está o Espírito conforme a vontade de

Deus, está a salvação, está a eternidade157, está o perdão dos pecados, está o julgamento

já realizado por meio de Cristo.

155 BECKER, U. εὐηγγελίσθη. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de

teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v.1, p. 757-765. 156 SEEBASS, H. σάρξ. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia do

Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v. 1, p. 280. 157 BROWN, C; DUNN. J. D. G. πνεύματι. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário

internacional de teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v. 1, p. 713-741.

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5. OLHOS DO TEXTO

Neste passo metodológico os olhos do texto olham para frente, o texto faz

enxergar algo, propondo uma forma de ver e interpretar o mundo. Um breve olhar com

atenção aos Pais da Igreja e aos Reformadores é necessário para entender a recepção que

o texto de 1 Pe 4.1-6 trouxe para a história. Os olhos fazem parte do corpo, que é um todo,

por isso as outras partes do corpo não podem ser esquecidas ou ignoradas.

5.1 RECEPÇÃO DO TEXTO

No decorrer da história da igreja surgem diversos expoentes que se tornaram

conhecidos como Pais da Igreja. Também diversos movimentos que mudam o rumo da

história da Igreja surgem, como a Reforma, ortodoxia, pietismo. Sendo assim, se fará uma

breve análise da recepção de Clemente de Alexandria (150-215d.C) como Pai da Igreja,

e dos reformadores Lutero (1483-1546) e João Calvino (1509-1564), tendo em vista que

poucos versículos da perícope em análise são recebidos com valor nos primeiros séculos

com os Pais da Igreja, tendo apenas um olhar maior a partir da Reforma.

Dentro da perícope analisada de 1 Pedro 4.1-6, Clemente de Alexandria comenta

apenas os versículos 3, 4 e 6. Ao falar sobre o versículo 3158, na obra Pais do Segundo

Século159, Clemente diz que o cristão deve evitar o que é mau e fazer o que é bom. Todo

cristão se deve afastar de toda iniquidade, que são: “adultério e fornicação, de alegria

ilegal, do luxo perverso, da indulgência em muitos tipos de comida e da extravagância

das riquezas, e da alegria, da arrogância e da insolência, e mentiras, e maldições e

hipocrisia, da lembrança do erro e de todas as calúnias”160. Tudo isto são os atos mais

perversos dos homens, devendo o homem se conter disto e viver para Deus, viver

conforme Deus. No capítulo XII da mesma obra citada anteriormente, Clemente está

orientando sobre a decência dentro de casa, e cita o v.3 falando que o tempo já passou em

praticar o desejo dos gentios, onde agora estamos protegidos com a cruz do Senhor, na

158 (4:3) “No passado vocês já gastaram tempo suficiente fazendo o que agrada aos pagãos. Naquele tempo

vocês viviam em libertinagem, na sensualidade, nas bebedeiras, orgias e farras, e na idolatria repugnante”.

(NVI) 159 SCHAFF, Philip. Fathers of the Second Century: Hermas, Tatian, Athenagoras, Theophilus, and

Clement of Alexandria. Disponível em:

<http://www.ccel.org/ccel/schaff/anf02.ii.iii.viii.html?scrBook=1Pet&scrCh=4&scrV=3#ii.iii.viii-p4.2>.

Acesso em 05 dez. 2017. 160 From adultery and fornication, from unlawful revelling, from wicked luxury, from indulgence in many

kinds of food and the extravagance of riches, and from boastfulness, and haughtiness, and insolence, and

lies, and backbiting, and hypocrisy, from the remembrance of wrong, and from all slander.

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qual todo cristão está vedado e protegido dos pecados que podem atrapalhar e tirar a

decência de uma família e de uma casa161.

Os pais do Terceiro Século162 comentam apenas o versículo 6163 ao falarem que

é impossível alcançar Deus o Pai, exceto por Seu Filho Jesus Cristo164. Os pais citam

Pedro pois ele fala em sua carta que Cristo morreu uma vez por nossos pecados, o justo

pelos injustos, para que Ele nos presenteasse a Deus (1 Pe 3.18). Ainda falando de Pedro

dizem: "Pois nisto também foi pregado aos que estão mortos, para que possam ser

ressuscitados novamente”165. Sendo esta uma interpretação cabível ao texto bíblico de

Pedro, porém não correta com a doutrina Cristã. Sendo assim, ao olhar para os Pais da

Igreja, percebe-se que diversos tipos de interpretação são utilizados ao ler este texto.

Dos reformadores, Calvino dá muito mais atenção ao texto de 1 Pe 4.1-6 do que

Lutero. Calvino analisa e comenta cada um dos versículos, onde Cristo deve ser visto não

simplesmente como exemplo, mas por causa de seu Espírito que realmente o ser humano

é conformado à sua morte, pois Pedro vê corretamente a morte de Cristo que é uma

passagem e uma nova chance para vida, que agora o ser humano tem a chance de morrer

para a carne e para o mundo e viver no Espírito conforme a vontade de Deus166. A arma

do Cristo que sofreu na carne é invencível para a sujeição na carne, pois o ser humano

161 Disponível em:

<http://www.ccel.org/ccel/schaff/anf02.vi.iii.iii.xii.html?scrBook=1Pet&scrCh=4&scrV=3#vi.iii.iii.xii-

p4.1>. Acesso em 05 dez. 162 SCHAFF, Philip. Fathers of the Third Century: Hippolytus, Cyprian, Caius, Novatian, Appendix.

Disponível em:

<http://www.ccel.org/ccel/schaff/anf05.iv.v.xii.iii.xxviii.html?scrBook=1Pet&scrCh=4&scrV=6#iv.v.xii.i

ii.xxviii-p10.1>. Acesso em 05 dez. 2017. 163 (4:6) Por isso mesmo o evangelho foi pregado também a mortos, para que eles, mesmo julgados no

corpo segundo os homens, vivam pelo Espírito segundo Deus. (NVI) 164 No Evangelho: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim". Também

no mesmo lugar: "Eu sou a porta: por mim, se alguém entrar, ele será salvo. "Também no mesmo lugar:"

Muitos profetas e justos desejaram ver as coisas que vês e não as viram; e ouvir as coisas que ouvistes e

não as ouviram. "Também no mesmo lugar:" Aquele que crê no Filho tem a vida eterna; o que não é

obediente em palavra ao Filho não tem vida; mas a ira de Deus deve cumprir com ele ". Também Paulo aos

Efésios: "E, quando Ele veio, Ele pregou a paz para você, para aqueles que estão longe e para a paz, para

aqueles que estão próximos, porque através dele ambos temos acesso em um só Espírito ao Pai". Também

aos romanos: "Porque todos pecaram e falham na glória de Deus; Mas eles são justificados pelo Seu dom

e graça, através da redenção que está em Cristo Jesus [...] Também na Epístola de João: "Todo aquele que

negar o Filho, o mesmo também não é o Pai. Aquele que confessa ao Filho, tem tanto o Filho quanto o Pai”.

Cf. SCHAFF, Philip. Fathers of the Third Century: Hippolytus, Cyprian, Caius, Novatian, Appendix.

Disponível em:

<http://www.ccel.org/ccel/schaff/anf05.iv.v.xii.iii.xxviii.html?scrBook=1Pet&scrCh=4&scrV=6#iv.v.xii.i

ii.xxviii-p10.1>. Acesso em 05 dez. 2017. 165 Also in the same place: “For in this also was it preached to them that are dead, that they might be

raised again. 166 CALVINO, João. Epístolas Gerais João Calvino, p. 319-20. Disponível

em:<https://pt.scribd.com/document/354991941/Epistolas-Gerais-Joao-Calvino#>. Acesso em 5 dez.

2017.

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participa da eficácia morte de Cristo. A única forma possível de não viver mais nos

desejos profundos dos homens é a destruição da carne e a vivificação do Espírito que só

acontece por meio de Cristo167.

O tempo vivido conforme os gentios, deve estimular o homem ao maior

arrependimento, pois quando se conhece a Cristo deve haver uma mudança de vida. O

homem por sua natureza está inclinado a todos os males que Pedro cita no v.3, onde

somente Cristo por ter sofrido na carne em favor do ser humano é capaz de livrá-lo dos

males. Esta mudança que somente Cristo faz no ser humano, faz com que os ímpios os

perturbem e os julguem, por isso Pedro os fortalece que o julgamento propício para eles

irá vir por conta daquele que está pronto para Julgar, ou seja, Jesus Cristo o Senhor. Por

Calvino ser influenciado pelo pensamento humanista com forte influência grega, ao

interpretar o v.6168 diz que a morte não impede Cristo de ser o defensor dos seres

humanos, pois a redenção de Cristo se estende aos que já morreram, também aqueles que

já morreram participam da salvação. Sendo assim, Calvino ao abordar sobre a perícope

em análise é bem centrado e recebe o texto da forma correta, da forma que Pedro o

escreveu. Porém, o v.6 é aquele que causa diferentes interpretações especulações, pois

não se tem a certeza de que Cristo tenha decido ao mundo dos mortos, ou tenha pregado

para aqueles que já morreram quando ainda estavam vivos169.

Lutero por sua vez, não olha muito para o texto de 1 Pedro 4.1-6, somente

comenta sobre o v.1170 do mesmo. Lutero fala sobre o versículo um principalmente sobre

o aspecto do sofrimento de Cristo, pois como ele diz:

Cristãos autênticos são os que trazem a vida e o nome de Cristo para dentro de

sua vida da forma a descrita por S. Paulo: “Os que pertencem a Cristo

crucificaram sua carne, com todas as suas concupiscências, juntamente, com

Cristo.” [G15.24,]. Pois o sofrimento de Cristo não deve ser tratado com

palavras e aparências, mas com a vida e com veracidade. Assim nos exorta São

Paulo: “Pensem naquele que sofreu tamanha oposição das pessoas más, para

que vocês sejam fortalecidos e suas mentes não desanimem.” [Hb 12.3.]. E São

Pedro: “Assim como Cristo sofreu em seu corpo, vocês devem armar- se e

fortalecer-se com tal meditação.” [1 Pe 4.1.]. Porém essa contemplação caiu

em desuso e se tornou rara, embora as epístolas de S. Paulo e S. Pedro estejam

cheias dela. Nós transformamos a essência numa aparência e pintamos a

meditação do sofrimento de Cristo apenas nas folhas e nas paredes.

167 Cf. CALVINO, p. 322. 168 (4:6) Por isso mesmo o evangelho foi pregado também a mortos, para que eles, mesmo julgados no

corpo segundo os homens, vivam pelo Espírito segundo Deus. (NVI) 169 Cf. CALVINO, p. 328-29. 170 (4:1) Portanto, uma vez que Cristo sofreu corporalmente, armem-se também do mesmo pensamento,

pois aquele que sofreu em seu corpo rompeu com o pecado. (NVI) LUTHER, Martin. Martinho Lutero:

obras selecionadas. São Leopoldo, RS: Sinodal, v.1, p. 256.

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5.2 DIÁLOGO COM FONTES SECUNDÁRIAS

Neste passo metodológico, busca-se analisar e expor comentários bíblicos atuais

juntamente com o resultado da pesquisa exegética obtido até aqui. Desta forma serão

analisados dois comentários bíblicos: 1) Comentário Bíblico Esperança de Uwe

Holmer171; 2) Comentário à Primeira Epístola de Pedro de Gerhard Barth172. Cada

parágrafo a seguir diz respeito a 1 versículo bíblico do texto de 1 Pedro 4.1-6.

Ao falar sobre o versículo um, Holmer expõe principalmente o fato de Pedro

encorajar os cristãos para não temerem o sofrimento na carne, pois o próprio Cristo sofreu

na Carne. Sendo assim, o sofrimento traz consigo inúmeras bênçãos e propósitos,

separando-os cada vez mais do pecado. Por isso devem armar-se da mesma mentalidade

do Cristo que sofreu na carne por considerar a vontade de Deus e a salvação dos seres

humanos mais importantes do que seu sofrimento carnal. Poios aqueles que sofrem na

carne com a mesma mentalidade de Cristo, não servem ao pecado, pois Cristo rompeu

com o pecado. Holmer complementa com muita sabedoria dizendo:

Ter de sofrer pela hostilidade do mundo é um indício seguro de

que a grande ruptura foi realizada, de que foi dado o passo para

fora do mundo, rumo ao discipulado de Cristo. Jesus quer que

seus seguidores se tornem semelhantes a ele (Mt 11.29; Jo 13.15;

Rm 8.29; Gl 4.19; 2Co 3.18). Para tanto, porém, requer-se a

coragem de ser conseqüentemente diferente do mundo. Também

é necessário saber que isso está associado ao sofrimento, mas que

esses padecimentos podem até mesmo ser considerados de forma

positiva, porque contribuem para uma vida decidida de entrega a

Deus.173

Barth expõe que este versículo é uma admoestação aos cristãos em relação ao

sofrimento, pois devem se armar com o pensamento do sofrimento do Cristo que sofreu

injustamente, Barth assim diz: “quem sofreu na carne, tem paz com o pecado”174. Desta

forma, Cristo que sofreu na carne terminou com o pecado, pois Cristo não cometeu

pecado em sua paixão. Com base nas pesquisas exegéticas realizadas, percebe-se que não

há nenhuma contradição com o que Pedro quer expressar ao realizar esta admonição aos

cristãos da Ásia Menor, pois o Cristo que sofreu na carne levou sobre si o pecado e a

culpa da carne do ser humano, rompendo com o pecado, e vivificando a vida para Deus.

171 Cf. HOLMER, 2008, p. 217-222. 172 BARTH, Gerhard. A primeira epístola de Pedro. São Leopoldo, RS: Sinodal, 1967. 173 Cf. HOLMER, 2008, p. 218. 174 Cf. BARTH, 1967, p. 95.

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Ao comentar o versículo dois, Holmer é bem claro ao falar que aquele que se

converteu e se decidiu em favor de Cristo terá de sustentar esta decisão na sua vida. Isto

porque a vontade de Deus se sobrepõe sobre os desejos dos homens, por isso o ser humano

deve se revestir do Cristo que sofreu na carne, para viver o tempo restante em sua vida.

Este tempo restante na carne depende da graça para que seja vivido apropriadamente

conforme a vontade de Deus (Ef 5.15). Barth diz que a admoestação realizada no

versículo anterior, é a que faz com que o tempo que resta na carne seja vivido conforme

a vontade de Deus e não conforme os desejos humanos. Novamente os dois autores não

apresentam nenhuma dissonância da intenção de Pedro, porém, vale acrescentar que a

vontade de Deus se contrapõe com os desejos humanos. Uma vida que conhece a Jesus e

recebe o Espírito não mais consegue viver de forma alguma nos desejos dos homens.

No versículo três, o comentário de Holmer se volta para uma expressão

conhecida em nossa língua como: “agora basta, no sentido de já chega”175, pois a vida

dos tempos passados devem fazer o cristão humilde, pois ele viveu para as paixões

realizando o desejo dos gentios. Para os gentios é normal viver uma vida sem vínculo

com Deus, em pecado e dissolução, por isso que Pedro arrola um catálogo de vícios, ou

seja, um rol de pecados concretos que caracterizam essa vida sem Deus levada pelos

desejos da carne. Holmer diz:

Desta maneira se explicita para os leitores a diferença entre o

outrora e o agora em sua vida. Só lhes resta recordar com imensa

gratidão de que tipo de vida foram resgatados. Ao mesmo tempo

tornam-se conscientes de que se formou um profundo abismo

entre eles e seu antigo círculo de amizades, e que a tensão é

causada pela mudança de sua vida. Compreendem que essa tensão

precisa ser suportada, ainda que sob sofrimentos. 176

Barth acentua o fato do que Holmer expõe, de que os leitores provinham do

paganismo e que as suas conversões acarretam em uma separação completa da companhia

pagã e suas devassidões, tendo que ser apagado o passado pecaminoso de uma vez por

todas. Através da pesquisa realizada novamente os autores não divergem, mas sim

conseguem expressar realmente o que Pedro quer dizer. Este versículo três é o clímax de

sua primeira fala dirigida aos leitores, pois não há como tolerar uma vida nos desejos da

carne após eles conhecerem e se armarem com o Cristo que sofreu na carne.

175 Cf. HOLMER, 2008, p. 219.

Cf. HOLMER, 2008, p. 219.

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O versículo quatro é destacado por Holmer pois este expressa a irritação, o

estranhamento que causam nos ímpios por causa daqueles que já caíram em si e se

arrependeram por causa de Cristo, e assim já não vivem mais na mesma vida disseminada

dos gentios. Quem não se deixa mais levar por esta vida desenfreada é visto com

estranheza, fazendo com que aqueles que querem se livrar de Jesus procurem maldade

naqueles que conhecem e vivem com Jesus, por isso blasfemam. Esta irritação é descrita

por Barth como ódio, pois aqueles que se separam da companhia pagã geram ódio aos

cristãos. Barth ainda afirma que este ódio faz gerar a blasfêmia, que é contra Deus em

primeiro lugar, pois está dirigida aos cristãos, pois diz em Lucas 10.16: “Quem vos der

ouvidos, ouve-me a mim; e quem vos rejeitar, a mim me rejeita”. Exegeticamente tudo

está correto, mas Holmer ainda afirma que não se pode dizer que a blasfêmia é dirigida

contra Deus, pois não há um objeto definido para ela, mas fato é, de que a blasfêmia

ocorre porque aqueles que conhecerem a Cristo já não se juntam e nem podem se ajuntar

com os gentios, pois agora eles vivem conforme a vontade de Deus e não conforme os

desejos humanos.

O versículo cinco é comentado por Holmer descrevendo que os blasfemadores

reconhecem que seus antigos parceiros mudaram por causa de Jesus, por isso eles já não

são mais ignorantes, mas sim renitentes. Desta forma, como Barth afirma, acaba que os

blasfemadores dirijam-se contra o Senhor vivo ao se depararem com os cristãos. Sendo

assim, Holmer destaca a importância do julgamento que se apresenta no futuro, ou seja,

que estes irão passar mesmo que não queiram. Jesus Cristo é aquele que está pronto,

aquele que Barth também afirma ser o julgador divino. Não haverá para os perdidos

nenhuma saída, nenhuma salvação, nem a morte, pois serão julgados os vivos e mortos,

importantes e humildes, decentes e blasfemos (Ap 20.11,12a). Barth e Holmer descrevem

perfeitamente este versículo, um complementa o outro, afirmando a importância do

julgamento, que os blasfemadores nem esperam, mas que um dia virá, estando eles vivos

ou mortos.

O último versículo da perícope em análise é interpretado por Holmer através da

pergunta: os mortos, como as pessoas mortas, de séculos passados, ou de tempos passados

podem ser responsabilizadas por algum tipo de julgamento? Sendo que somente quem

teve oportunidade de ouvir a mensagem de Deus e se decidir que será cobrado. Sendo

assim, o v.6 fundamenta que a resposta é verídica, pois o evangelho é pregado a mortos

e vivos. O Evangelho é pregado aos mortos para que eles também vivam no espírito à

maneira de Deus, ou conforme o Espírito de Deus, para que mesmo julgados na carne de

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maneira humana. Barth da mesma forma que Holmer afirma que o anúncio do juízo está

ligado com o versículo anterior, por isso os mortos do versículo anterior são aqueles

mortos físicos. Sendo assim o juízo de vivos e mortos só é possível do ponto de vista da

justiça divina. Por isso o versículo 6 afirma que o Evangelho foi anunciado também aos

mortos e que isto aconteceu por causa do juízo de vivos e mortos. Aconteceu para que

não sejam julgados conforme os homens na carne, mas para que vivam conforme o

Espírito de Deus. Barth afirma que o juízo segundo os homens se refere à morte física,

pois ela é o juízo divino sobre o homem, onde somente através do Evangelho que é dada

a oportunidade de vida. Sendo assim, a pregação aos mortos significa uma oportunidade

dada por Deus para a vida, que tanto Barth, quanto Holmer afirmam acontecer, quando

Cristo desce ao hades para pregar aos espíritos em prisão (1 Pe 3.19).

Conforme a pesquisa exegética e teológica doutrinaria, não se especulam textos

bíblicos. Este versículo é um que apresenta margens para diferentes interpretações, e

também especulações acerca de quem são os mortos (νεκρούς) e quando o Evangelho foi

pregado a eles. Seguindo o contexto bíblico, afirma-se que os mortos quais o texto se

refere são os mortos fisicamente, como aqueles que se referem o v.5. Ou seja, alguma

pergunta estava surgindo por parte da comunidade sobre aqueles que já haviam morrido,

seja em gerações passadas ou em gerações presentes. Não se pode afirmar com certeza se

estes mortos se referem à antiga aliança (antes de Cristo) ou se estes mortos são aqueles

que tiveram oportunidade de ouvir de Cristo ainda em vida e mesmo assim morreram. A

pesquisa exegética denota que o sentido mais provável é de que aqueles que estão mortos

ouviram a pregação do Evangelho quando ainda estavam vivos. Isto pois, aqueles que

confessaram a Cristo, quando vivos, também foram julgados e condenados pelos homens,

mas foram vivificados no Espírito segundo a vontade de Deus. Portanto, fato é de que

para quem o evangelho foi anunciado há a chance de uma nova vida, de viver conforme

o Espírito de Deus, como foi para aqueles que já morreram.

Pedro têm um objetivo bem claro ao escrever este versículo, que é trazer o

conforto e a esperança para aqueles que ainda estãos vivos, pois aqueles que já morreram

também se revestiram do Cristo que sofreu na carne, também passaram por julgamentos

de blasfemadores conforme os homens na carne, mas eles agora estão vivendo a vontade

de Deus, que nada mais é que a Salvação por ele favorecida através da pregação do

evangelho.

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5.3 CONTEXTUALIZAÇÃO E APLICAÇÃO

A sociedade atual é marcada por profundas transformações. Cada vez existem

mais rapidez na troca de informações e o avanço da tecnologia faz com que mude o modo

de pensar e de viver das pessoas. O tempo atual do século XXI, é o tempo de quebra de

modelos e paradigmas. E em decorrência disto, se vive em total exaltação da liberdade:

tudo o que o ser humano anseia é ser livre, nada mais o prende, nada mais o deixa

acomodado, nada mais o faz querer viver em grupos, querer viver em comunhão outras

pessoas. Portanto, a individualidade passa a ser uma marca da sociedade atual, fazendo

com que novas formas de relacionamentos e novas formas de se constituir famílias sejam

inventadas. Tudo isto apenas oferece ao ser humano o sentimento de vazio e insegurança

pois ele não faz mais o que foi criado a fazer, a ter relacionamentos, a ter comunhão, a ter

amor em seus corações.

Tendo em vista toda esta realidade da sociedade, percebemos mudanças também

na realidade eclesiástica brasileira. Através de dados coletados do censo do IBGE de 2010

percebe-se que cristãos são 86,8% da população brasileira, já os católicos caem cada vez

mais, e evangélicos estão em ascendência a cada ano mais. Conforme o gráfico na Figura

1 pode-se analisar a situação religiosa do Brasil no decorrer dos anos até 2010.

Figura 1. Censo do IBGE de 2010 sobre a religião brasileira.177

177 O IBGE e a religião. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/o-ibge-e-a-religiao-

%E2%80%93-cristaos-sao-868-do-brasil-catolicos-caem-para-646-evangelicos-ja-sao-222/> Acesso em:

06 dez. 2017.

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Neste gráfico está presente e em evidência o crescimento dos evangélicos no

Brasil, porém a realidade dos evangélicos no país é de uma grande depravação.

Estimativas dizem que em 2020 evangélicos no Brasil seriam em torno de 40% da

população, algo que pode assustar. Estes evangélicos no Brasil seguem cada vez mais

Igrejas que são ricas em templos, em quantidades numéricas de membros, Igrejas da

prosperidade, porém Igrejas são igrejas pobres espiritualmente, são Igrejas que geram

muitas vezes crentes doentes. A pregação está cada vez mais fora da realidade, gerando

cristãos egoístas, que correm em busca de riquezas materiais e espirituais em barganha

com Deus, e quando não alcançam abandonam sua fé. Igrejas evangélicas oferecem cada

vez mais a busca pelo inalcançável, a busca do emocionante, do sobrenatural em meio

aos seus cultos que são muita emoção e pouca salvação, onde somente oferecem um

evangelho com o sobrenatural, com dons, com sapateios e oferecem pouco evangelho

verdadeiro, do servir, da Salvação.

Igrejas tradicionais evangélicas muitas vezes estão a este meio buscando formas

de serem atrativas como as Igrejas que foram mencionadas, porém acabam também se

perdendo, perdendo sua essência, sua espiritualidade, e sem dúvida as Igrejas que menos

crescem são as tradicionais em comparação às pentecostais e neopentecostais. Muitos

destes problemas surgem em decorrência do egoísmo cristão, daqueles problemas

mencionados acima que nossa sociedade vem encontrando. Conforme o artigo de Scott

Horrell, o egoísmo cristão é o que vem sendo dito frequentemente no cristianismo, pois

os cristãos somente querem servir a si mesmo, o cristianismo, as Igrejas somente podem

ajudar a ficarem livres de problemas, ajuda a ficar bem, ajuda a nutrir os casamentos, as

famílias, trará prosperidade. Os princípios bíblicos e a Igreja realmente oferecem e trazem

as pessoas uma espécie de salvação prática, um melhoramento no que o indivíduo precisa,

porém, o problema é que somente se ouve das Igrejas a solução para o egoísmo cristão,

fazendo com que assim quem ouve não tenha interesse no verdadeiro Evangelho, da

Salvação, não o deixando interessado em falar de Cristo para os outros, mas, contudo,

não se ouve o verdadeiro Evangelho da Salvação e nem o centro da fé cristã que é Jesus

Cristo.178

É a partir deste excurso sobre a realidade social e eclesiástica brasileira que se

pode perceber que o texto analisado exegeticamente de 1 Pe 4.1-6 se encaixa

178 HORRELL, Scott. O Deus trino que se dá, a Imago Dei e a natureza da Igreja local. Vox Scripturae.

Vol 6. n. 2, 1996, p. 253.

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perfeitamente, onde se poderia dizer até que Pedro escreve esta perícope olhando para

esta realidade do século XXI.

Em primeiro lugar este texto deve ser bem aceito e absorvido por todos os

ministros de comunidades e Igrejas que se encontram na figura de pastores, pois antes de

tudo o próprio pastor deve ser armado com o Cristo que sofreu na carne. O próprio pastor

deve ter o entendimento de quem é Jesus Cristo e o que ele fez por sua vida, sua obra

redentora, que rompe com o Pecado. É uma vida armada com a mentalidade de Cristo que

afasta o ser humano dos desejos e das paixões que provém da carne, fazendo com que os

incrédulos percebam a mudança que Jesus Cristo faz na vida do ser humano. Da mesma

forma, nesta era cética, o julgamento virá para todos aqueles blasfemam e não aceitam o

Cristo que sofreu na carne, mas também virá para todos aqueles que já conhecem a Jesus.

Também o pastor que foi chamado para pregar o Evangelho vai ter que prestar contas,

por isso a responsabilidade do pastoreio e do ensino as pessoas, principalmente as que

vivem em meio a uma sociedade pluralista pagã, onde se deve pregar o reto e correto

Evangelho, do Cristo que sofreu na carne, que é a vontade de Deus para as pessoas.

Dirigida aos cristãos da nossa sociedade, da nossa igreja, percebe-se um aspecto

relacionado a este texto que é incabível ao que já conhece a Cristo. Cada vez mais os

cristãos estão vivendo sua velha vida como se nada tivesse acontecido. Aqueles que já

conheceram a Cristo não estão vivendo a mudança de vida que Cristo proporciona, pois

Cristo transforma aquele que o conheceu em nova criatura, pois as coisas antigas já se

passaram (2 Coríntios 5.17). Sendo assim, precisa-se cada vez mais de armas para a

batalha contra o pecado que provém da carne e habita no mundo. Somente quando armado

com a mentalidade de Cristo é que se pode vencer as tentações que virão, é que se pode

vencer a carne que quer viver uma vida cheia de hipocrisia e paixões, tudo isto pois Cristo

já sofreu e viveu no lugar dos seres humanos. Desta forma, se deve suportar as provações

do presente com o pensamento de Cristo que sofreu na carne, porque é por causa deste

sofrimento que o pecado é rompido e o ser humano não mais é dominado por ele. Os

cristãos precisam ter em sua mente que eles e também os incrédulos blasfemadores um

dia terão de prestar contas por tudo que fizeram ou deixaram de fazer, pois temos um Juiz

que é competente e preparado para realizar o julgamento tanto dos vivos quanto dos

mortos. Deve se ter em mente também as palavras do Apocalipse que jutas com a de

Pedro consolam todo cristão que vive armado com o Cristo que sofreu na carne e sofre

por causa dos homens neste mundo: “Sê fiel até à morte e eu te darei a Coroa da Vida”

(2.10).

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5.4 ESBOÇO HOMILÉTICO

A exegese realizada não pode ser um fim em si mesma, pois ela só é relevante

quando chega nas pessoas, quanto atinge a igreja cristã. É através da pregação e do ensino

que o Corpo de Cristo é edificado e cresce em fé e sabedoria, desta forma esboços

homiléticos para o compartilhamento são pensados e estruturados para a exposição desta

perícope.

A. Através da divisão do próprio texto179

1. Exemplo e os efeitos do sofrimento de Cristo na vida Cristã (v. 1-2)

2. Perseverança cristã em meio as provações (v. 3-4)

3. Consolo do cristão mediante o juízo de Cristo (v.5-6)

B. Armem-se do Cristo que sofreu na Carne180

1. Pois ele cessou do pecado

2. Para que não se viva em desejos dos homens mas conforme a vontade de Deus

3. Pois tempo suficiente já passou em viver como os gentios

C. Conduta Cristã181

1. Viver armado com Cristo que sofreu na carne

2. Esta conduta gera blasfemadores que julgam na carne (que serão julgados)

3. O Evangelho vivifica no Espírito

D. Cristo Sofreu na carne (v. 1-4)182

1. Pois Ele sofreu na carne para que vencessem as tentações futuras (v.2)

2. Pois Ele sofreu na carne para que fossem libertos das paixões mundanas (v.3)

179 Esta é uma pregação expositiva de toda perícope analisa, na qual visa abordar todos aspectos do texto

bíblico e do contexto geral da escrita de Pedro, sendo dividida através dos próprios versículos. 180 Esta prédica clássica gira em torno do imperativo de Pedro à comunidade, Armem-se do Cristo que

sofreu na carne, visando responder à pergunta, Por que devo me Armar com o Cristo que sofreu na carne?

Cristo é aquele que através do Evangelho gera nova vida, não podendo mais o cristão viver como vivia

antes. 181 Esta prédica clássica quer abordar aspectos a partir da do escrito de Pedro sobre: Como ter e o porquê

ter uma boa conduta cristã neste mundo. 182 Esta é uma prédica dos primeiros quatro versículos que visa falar sobre o Cristo que sofreu na carne,

que gera consequências para a vida e conduta cristã.

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3. Pois Ele sofreu na carne para que suportassem as provações do presente (v.4)

E. Única forma de consolo em meio aos blasfemadores é esperar em Cristo (v. 5-6)183

1. Pois Cristo é aquele que todos prestarão contas (v.5)

2. Pois Cristo é aquele que é competente para julgar (v.5)

3. Pois Cristo é aquele que dá a recompensa ao justo (v.6)

5.5 TRADUÇÃO FINAL

1Pois Cristo sofreu na carne, também da mesma convicção preparai-vos, pois o

que sofreu na carne rompeu com o pecado,2para que não vivam mais o tempo restante na

carne em desejos profundos dos homens, mas conforme a vontade de Deus.3Pois já basta

o tempo gasto praticando o desejo dos gentios, tendo andado em libertinagem,

abominação, embriaguez, orgia, bebedices e abominável idolatria.4Agora eles se admiram

de vós, por não se ajuntar com eles a levar uma vida de atitudes impensadas, por isso os

blasfemam: 5os quais terão que prestarão contas a Deus, que está pronto para julgar os

vivos e os mortos.6 Para isto pois, também aos mortos o evangelho foi pregado, a fim de

que fossem julgados em carne conforme os homens, mas vivam no Espírito conforme

Deus.

183 Esta é uma prédica dos dois últimos versículos que visa abordar o aspecto do julgamento e juízo que

Cristo realizará com os vivos e mortos.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Aprofundar compreensões bíblicas através de uma pesquisa exegética se

mostrou um trabalho árduo, porém muito importante e gratificante. Sondar um texto

bíblico traz um enorme crescimento pessoal e uma enorme bagagem que com certeza vai

acompanhar a minha caminhada por muito tempo. A exegese por si só enriquece o

processo de aprendizado por ser um trabalho bastante autônomo.

Pedro consegue demonstrar para aquela comunidade a importância do Cristo que

sofreu na carne. Comunidade esta que provavelmente era gentílica, onde haviam

conhecido a Cristo e agora precisavam de pastoreio, exortações e cuidados. Há muitas

divergências em torno de 1 Pedro e seu conteúdo, estas não podem ser ignoradas, por isso

hermenêuticas de suspeitas não são validas em busca da Palavra de Deus que contém na

Bíblia, pois ela é palavra viva do Deus Criador. Pedro apresenta uma estrutura bem

definida, um escrito as vezes complicado, mas compreensível quando se busca em sua

suma essência no original grego. Contudo, consegue demonstrar seu recado para a

comunidade da Ásia menor com palavras profundas e significativas.

Em uma primeira aproximação ao texto analisado, perguntas pessoais vieram a

tona, como: o que significa o sofrer na carne? E durante a realização da pesquisa se pode

esclarecer estas perguntas. Sofrer na carne é muito mais que um machucado, que uma dor

qualquer, sofrer na carne significa tudo aquilo que Jesus Cristo já passou por nós, algo

incabível nos conceitos e definições humanas. Cristo é em excelência Deus que sofre

corporalmente como um ser humano, que passa por todas aflições da vida, todas as piores

dores, e tudo isso por causa de cada ser humano, para poder assim dar a salvação e a

comunhão reestabelecida com Deus, que é rompida por causa do pecado.

Sobre a pesquisa em torno da perícope de 1 Pedro 4.1-6, se conclui também que:

1 Pedro 4.1-6 apresenta um texto com alguns problemas em sua tradução, visto que na

análise de comparações das versões atuais ocorrem algumas mudanças, porém, nenhuma

delas apresenta um sentido contrário do recado que o autor quer deixar para seus leitores.

A perícope possui uma estrutura bem definida, subdivida em duas grandes partes, que vão

sendo desenvolvidas em um processo culminativo. O tema principal da carta é um desejo

para os seus leitores revestir-se com o Cristo que sofreu na carne, pois provavelmente

alguns ainda estavam vivendo a vida dos desejos profundos dos homens mesmo após ter

recebido o evangelho. Também em um segundo momento o autor utiliza do exemplo

daqueles que já morreram e servem de exemplo para os leitores em questão. Nesta

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perícope não se constata o uso de fontes extra bíblicas ou bíblicas, apenas são observadas

correlações. Desta forma, a perícope de 1 Pedro 4.1-6 é autônoma em si, tendo início e

fim definida, formando uma unidade autônoma dívida em duas falas (recados) do autor

com a mesma finalidade em sua totalidade.

Ainda, a perícope analisada de pertence ao gênero literário de carta e apresenta

uma forma literária constituinte do gênero admoestação pós-conversão. Este gênero é

uma exortação ao leitores em movê-los a agir ou a omitir uma ação. Esta forma literária

teve seu local vivencial entre províncias da Ásia Menor, que outra hora foram

convertidos, e estavam precisando de exortações, porque o perigo da apostasia era grande

quando fora chegar a perseguição. Sendo assim, Pedro tem a intenção de prepará-los ao

sofrimento, usando o exemplo de Cristo, que um dia sofreu, sendo agora o exemplo que

eles devem seguir após serem convertidos.

Foi de extremo valor e importância realizar esta pesquisa e poder perceber o

quão Cristo, por ter sofrido na carne, pode agir pelos seres humanos. Este com certeza é

o maior legado deixado por Pedro, que ajudou o encorajou os cristãos do seu tempo e

também ajuda e encoraja os cristãos deste século a viverem uma vida em Cristo, conforme

os propósitos e a vontade de Deus e não mais viver em desejos que brotam da nossa carne.

Que possamos ser revestidos do Cristo que sofreu na Carne, para que vivamos uma vida

conforme os desejos de Deus e não dos homens.

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