1 FACULDADE LUTERANA DE TEOLOGIA GUILHERME...
Transcript of 1 FACULDADE LUTERANA DE TEOLOGIA GUILHERME...
1
FACULDADE LUTERANA DE TEOLOGIA
GUILHERME SCHULZ BERNO
EXEGESE DE 1 PEDRO 4.1-6
SÃO BENTO DO SUL
2017
2
GUILHERME SCHULZ BERNO
EXEGESE DE 1 PEDRO 4.1-6
Pesquisa Exegética da Área Teológica
Bíblica do Novo Testamento, do Curso
Bacharelado em Teologia na Faculdade
Luterana de Teologia – FLT. Orientador:
Me. Marcelo Jung.
SÃO BENTO DO SUL
2017
3
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 5
2. O ROSTO DO TEXTO .............................................................................................. 6
2.1 TRADUÇÃO FORMAL ............................................................................................ 6
2.2 ANÁLISE GRAMATICAL ..................................................................................... 10
2.3 ANÁLISE LITERÁRIA ........................................................................................... 14
2.3.1 Delimitação da perícope ...................................................................................... 14
2.4.2 Subdivisão da perícope ........................................................................................ 15
2.4.3 Diagramação do conteúdo .................................................................................. 16
2.4.4 “Amarras” do texto ............................................................................................. 17
2.4.5 Citações ................................................................................................................. 19
3. PÉS DO TEXTO ....................................................................................................... 20
3.1 CONTEXTO LITERÁRIO....................................................................................... 20
3.1.1 Gênero e forma literários .................................................................................... 20
3.1.2 Forma Literária ................................................................................................... 21
3.1.3 Lugar vivencial e intencionalidade do texto ...................................................... 22
3.2 CONTEXTO HISTÓRICO ...................................................................................... 23
3.2.1 Autoria .................................................................................................................. 24
3.2.2 Destinatários ........................................................................................................ 26
3.2.3 Local e Data .......................................................................................................... 27
3.3 ANÁLISE DAS TRADIÇÕES ................................................................................. 27
4. CORAÇÃO DO TEXTO.......................................................................................... 32
4.1 CRISTO SOFREU NA CARNE .............................................................................. 32
4.2 DESTA CONVICÇÃO PREPARAI-VOS PORQUE CRISTO CESSOU DO
PECADO ........................................................................................................................ 35
4.3 PARA NÃO MAIS EM DESEJOS PROFUNDOS DOS HOMENS, MAS
CONFORME A VONTADE DE DEUS VIVER O TEMPO RESTANTE NA CARNE.
........................................................................................................................................ 37
4.4 POIS, PASSOU O TEMPO EM QUE PRATICAVAM OS DESEJOS DOS
GENTIOS, TENDO ANDADO EM: LIBERTINAGEM, ABOMINAÇÃO,
EMBRIAGUEZ, ORGIA, FESTANÇA E ABOMINÁVEL IDOLATRIA................... 39
4.5 NISSO BLASFEMAM E SE ADMIRAM DE VÓS POR NÃO FAZEREM MAIS
AS MESMAS COISAS QUE ELES .............................................................................. 41
4.6 OS QUE BLASFEMAM PRESTARÃO CONTAS AO QUE ESTÁ PRONTO
PARA JULGAR VIVOS E MORTOS ........................................................................... 43
4
4.7 PARA ISSO TAMBÉM AOS MORTOS FOI EVANGELIZADO A FIM DE QUE
FOSSEM JULGADOS EM CARNE CONFORME OS HOMENS VIVAM NO
ESPIRITO DE DEUS ..................................................................................................... 44
5. OLHOS DO TEXTO ................................................................................................ 46
5.1 RECEPÇÃO DO TEXTO ........................................................................................ 46
5.2 DIÁLOGO COM FONTES SECUNDÁRIAS ......................................................... 49
5.3 CONTEXTUALIZAÇÃO E APLICAÇÃO ............................................................. 53
5.4 ESBOÇO HOMILÉTICO ........................................................................................ 56
5.5 TRADUÇÃO FINAL ............................................................................................... 57
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 58
REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 60
5
1. INTRODUÇÃO
Todos textos bíblicos possuem características únicas, aspectos únicos e
profundos em sua escrita. Mesmo que sejam simples de se compreender em uma rápida
leitura da Bíblia, quanto mais se foca sobre um texto, mas ele tem a dizer, quanto mais o
ouvimos, mais ele diz. Desta forma, o conteúdo a qual chegamos à medida em que
penetramos ao texto é sempre maior, mais rico em sabedoria. Mesmo que foram escritos
em uma realidade distante da nossa, nunca cessaram e não cessam de falar ao longo da
história em diferentes contextos, pois a Palavra é viva. É na busca destes sentidos que se
analisa e se estuda a perícope de 1 Pedro 4.6.
O resultado final desta pesquisa, depende única e exclusivamente da maneira
como o exegeta se aproxima do texto bíblico. Sendo assim, se tem em mente que a Bíblia
é Palavra de Deus revelada, que ela interpreta em si mesmo seu conteúdo, sendo a própria
Bíblia aquela que interpreta a nossa vida.
Este presente trabalho seguirá quatro principais passos metodológicos que são
vistos como partes de um corpo principal que é a perícope de 1 Pe 4.1-6. Estas quatro
partes são: 1) Rosto do Texto: é realizado o primeiro olhar ao texto Bíblico bem como
ele foi escrito na língua grega, tendo a primeira aproximação ao corpo; 2) Pés do texto:
Busca-se analisar o contexto literário e histórico que determina o falar do texto bíblico;
3) Coração do texto: Ao olhar para o coração, busca-se encontrar o sentido da escolha das
palavras pelo autor do texto, sendo aquilo que pulsa no centro e dá sentido corpo; 4) Olhos
do Texto: o corpo enxerga algo, e neste sentido, os olhos do texto visam encontrar a
proposta do corpo para este mundo.
Apenas o que resta como seres humanos é uma interpretação sabendo de nossas
limitações e da Revelação que Deus proporciona através dela na nossa vida e na história.
Portanto, como tantos outros autores bíblicos, se busca uma interpretação correta e
significativa desta perícope de 1 Pedro, nas quais busca-se encontrar profundidade e
significância de seu conteúdo para aquela época e para a do século XXI também.
6
2. O ROSTO DO TEXTO
Este primeiro passo metodológico chamado rosto do texto visa em o exegeta
olhar o texto Bíblico bem como ele foi escrito no texto grego. Rosto porque ele “é a
primeira expressão do outro, o primeiro encontro, o primeiro conhecimento que temos do
outro”, assim diz Me. Marcelo Jung. Neste caso, a perícope em análise é a de 1 Pedro 4.1-
6, cuja aproximação ao texto é realizada, procurando seus traços, suas feições, buscando
o conhecimento que trará informações sobre o caminho a ser seguido para conhecer os
pés e o coração do texto. Desta forma, neste passo o exegeta traduz o texto do grego para
a língua portuguesa, realiza a análise textual e literária.
2.1 TRADUÇÃO FORMAL1
1Χριστοῦ οὖν παθόντος σαρκὶ καὶ ὑμεῖς τὴν αὐτὴν ἔννοιαν ὁπλίσασθε,
Pois2 Cristo sofreu na carne3, também da mesma convicção preparai-vos4,
1 A bíblia grega utilizada foi: (Novum Testamentum Graece. NESTLE, Eberhard; ALAND, Barbara (Eds.).
27. ed. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1993) (NGT). As versões de bíblias em línguas atuais usadas
para comparação são: Almeida Revista e Atualizada (ARA) (BÍBLIA SAGRADA. Traduzida em
português por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada. Barueri: SBB, 2014), a Bíblia de
Jerusalém (BJ) (BÍBLIA. Português. Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002), e também a Nova
Tradução da Linguagem de Hoje (NTLH) (BÍBLIA SAGRADA. Bíblia de Estudo NTLH. Barueri: SBB,
2011). 2 A conjunção “οὖν” é traduzida pela ARA como uma conjunção alternativa “ora” e pela NTLH como
conjunção explicativa “por isso”, perdendo o sentido original que somente a BJ traduz corretamente de uma
conjunção conclusiva “pois”. A expressão “καὶ ὑμεῖς τὴν αὐτὴν ἔννοιαν ὁπλίσασθε”aparece de formas
diferentes nas versões analisadas. A BJ traduz como “também vós munir-vos desta convicção”. Na ARA
como “aramai-vos também vós do mesmo pensamento”. As duas, portanto, não perdem o sentido que o
texto grego impõe. Já a NTLH traduz como “vocês também devem estar prontos, como ele estava, para
sofrer”, interpretando o texto grego, para um melhor entendimento, mas não formalidade. 3 No trecho παθόντος σαρκὶ há uma chamada ao aparato critico de uma substituição maior. “A leitura que
aparece como texto tem sólido apoio de manuscritos. Mas, para que essa ideia fosse expressa de forma mais
completa, alguns copistas acrescentaram a locução (por nós), enquanto outros acrescentam (por vós). Caso qualquer uma dessas formulações mais longas tivesse constado do original, não há
explicação razoável que justificaria a omissão dessas palavras nos melhores representantes dos tipos de
texto alexandrino e ocidental.” (OMANSON, Roger L. Variantes textuais do Novo Testamento: análise
e avaliação do aparato crítico de "O Novo Testamento grego". Barueri, SP: SBB, 2010, p. 507). 4 O termo grego “ὁπλίσασθε” origina-se de “” na qual é uma ampliação metafórica de “armar-se”
que não se encontra no NT, portanto se traduz como “preparar, deixar pronto”. (LOUW, Johannes P. NIDA,
Eugene A. Léxico Grego-Português do Novo Testamento baseado em domínios semânticos. Trad.
Vilson Scholz. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2013, p. 609. 77.10).
7
ὅτι ὁ παθὼν σαρκὶ πέπαυται ἁμαρτίας, 2εἰς τὸ μηκέτι
uma vez que5 o que sofreu6 na carne cessou7 do pecado8, para não mais em
ἀνθρώπων ἐπιθυμίαις ἀλλὰ θελήματι Θεοῦ
desejos profundos dos homens9, mas conforme (na vontade de) Deus10
τὸν ἐπίλοιπον ἐν σαρκὶ βιῶσαι χρόνον.
viver o tempo11 restante na carne.12
5 Somente a BJ omite a tradução da conjunção “ὅτι” que introduz a causa da primeira oração. 6 Entre παθὼν σαρκὶ há uma chamada ao aparato crítico de uma inserção de uma preposição , ficando
“”. Esta inserção é encontrada em dois textos Unciais: um texto Bizantino do século IX
chamado Cypruis (K), o segundo em um texto Bizantino do século VI chamado Guelpherbytanus A (P), e
por fim em um Manuscrito Minúsculo (69) do século XV. Também esta inserção está apoiada nos textos
Marjoritários apoiados pela maioria dos escritos que pertecem ao texto Koiné ou Bizantino (Û), ao texto
Harleianus Londiniensis (z) do século VII e apoiados à vários manuscritos da Vulgata (vgmss) do século IV.
Entre os manuscritos analisados conclui-se que nenhum deles tem peso e qualidade suficiente para afirmar
que o texto grego original tem a preposição inserida em seu meio, supondo que por questões de estética
e estilo textual alguns copistas optaram por iserí-lo no texto grego. Esta inserção em nenhum momento
muda ou altera o sentido do texto, portanto, o texto de Nestle-Aland sem a inserção da preposição é o mais
cotado como original. 7 Cf. GINGRICH, F; DANKER, F. Léxico do Novo Testamento: grego, português. São Paulo: Vida
Nova, 2007, p. 161, “Παύω” + genitivo (que neste caso é “ἁμαρτίας”) deve ser traduzido como “cessar de”,
diferente da BJ que traduz “rompeu”, e da ARA que traduz como “deixou”, porém, não há perca de sentido
do verbo. 8 A expressão “ὁ παθὼν σαρκὶ πέπαυται ἁμαρτίας” refere-se ao Cristo que já sofreu na carne, expressado
na primeira oração. Contudo, a NTLH interpreta como “aquele que sofre no corpo, deixa de ser dominado
pelo pecado”, não explicando o porquê da primeira oração como as outras traduções assim o fazem e
encerrando sua oração com um ponto final e não uma vírgula afim de obedecer o texto grego. (Cf.
SCHALKWIJIK, Francisco. Coinê: Pequena gramática do grego neotestamentário. 9 ed. rev. Patrocínio:
CEIBEL, 2004, p. 9, §15). Também aqui há uma chamada ao aparato crítico de uma substituição da palavra
“ἁμαρτίας” por “ἁμαρτίαiς”, porém o peso das testemunhas î72 (Papiro 72) e א* (Uncial Sinaiticus,
original) é maior do que as variantes 2א (Uncial Sinaiticus de segundo corretor), B (Vaticanus), Y
(Laurensis), não ocorrendo mudança significativa na tradução da palavra. 9 Há uma chamada ao aparato crítico de uma substituição maior de “ἀνθρώπων ἐπιθυμίαις” por “ἀνθρώπων
ἁμαρτίας”, apoiada em um único manuscrito Y (laurensis), não tendo peso suficiente para ser o original
grego. 10 Uma substituição simples é indicada no aparato crítico, em lugar de “Θεοῦ” é substituído por
“ἀνθρώπου”. Apesar de ser apoiado em um manuscrito apoiado em א* (Uncial Sinaiticus original) não faz
sentido esta substituição no texto grego, fugindo daquilo que Pedro queria falar, podendo, portanto, ser um
erro de cópia. 11 Há uma substituição no aparato crítico de “βιῶσαι” para “” indicado pelo î72 (Papiro 72). Apesar
de indicar essa substituição, tudo indica que a grafia parecida pode ter ocasionado um erro de cópia, como
no caso anterior. 12 As três versões utilizadas na comparação invertem a ordem de tradução das palavras do versículo 2,
porém, somente a BJ e a ARA que mantém o sentido do que o texto quer expressar ao dizer que: não se
deve viver mais em desejo profundo dos homens porque se deve revestir-se com a mesma convicção do
Cristo que já sofreu, já passou. Somente a NTLH que interpreta o texto grego, e também a conjunção
adversativa “ἀλλὰ” “mas”, por uma conjunção aditiva “e”, não dando o sentido tão profundo que o texto
grego expressa.
8
3ἀρκετὸς γὰρ ὁ παρεληλυθὼς χρόνος τὸ βούλημα τῶν ἐθνῶν κατειργάσθαι,
Pois13 o tempo suficiente passou14 em praticar o desejo15 dos gentios16,
πεπορευμένους ἐν ἀσελγείαις, ἐπιθυμίαις, οἰνοφλυγίαις, κώμοις, πότοις,
tendo andado17 em libertinagem, abominação, embriaguez, orgia, festança
13 A conjunção explicativa “γὰρ” quer explicar o que foi dito anteriormente, e a BJ e NTLH omitem a
tradução desta conjunção, sendo somente a ARA que a traduz. Uma inclusão de palavra é indicada pelo
Nestle-Aland onde Champlin diz: “As palavra <<vos são suficientes>> figuram nos mss Aleph (1), 28, 88,
104, 330, 451, 630, 915, 1518, 2127, no Lec. Cóp(bo) e no Etí. Mas as palavras <<nos são suficientes>>
aparecem em CKLP e na maioria dos manuscritos minúsculos, principalmente da tradição bizantina.
<<Suficiente>>, isoladamente, o que pode ser traduzido por <<que seja suficiente o tempo passado>>, é a
forma correta, com apoio de provas mui convincentes, dos mss î72, Aleph, AB, Psi, 81; 614; no It (65), na
Vg e nos escritos de Clemente” Cf. CHAMPLIN, 1979, v.6, p.153. 14 O adjetivo “ἀρκετὸς” é “relativo ao que é suficiente para determinada finalidade e, assim, resulta em
satisfação”. Onde a BJ traduz como “já é muito”, ARA “basta” e NTLH “bastante”. (Cf. LOUW; NIDA,
2013, p. 533, 59.45). 15 Há uma chamada ao aparato crítico indicando uma substituição simples pela palavra “θέλημα”, porém é
indicada com fontes de pouco peso e em menor número. Uma argumentação cabível aqui é de que “θέλημα”
é uma palavra usada no NT para falar de desejo/vontade, porém, ela é geralmente utilizada quando se fala
da “θέλημα” de Deus, e “βούλημα” se utiliza para falar da vontade/desejo dos homens. Sendo, portanto,
“βούλημα” a palavra correta a ser utilizada. 16 A expressão “τὸ βούλημα τῶν ἐθνῶν κατειργάσθαι” é traduzida pela NTLH como “fazendo o que os
pagãos gostam de fazer” e não como a BJ: “tenhais realizado a vontade dos gentios” e ARA: “terdes
executado a vontade dos gentios”. O verbo “κατειργάσθαι” se encontra no perfeito infinitivo médio passivo,
sendo possível realizar a diferenciação de tradução que se encontra acima. Também o termo “ἐθνῶν” é
usado em traduções como: nação ou povo, mas também pode ser usado para “gentios” ou “pagãos”. Pois
este substantivo se refere também à aqueles que não tem a fé judaica ou cristã. (Cf. LOUW; NIDA, 2013,
p. 116, 11.37). 17 O verbo “πεπορευμένους” de “πορεύομαι” vem de “andar”. Por isso este verbo quer expressar que
“quando se praticava o desejo dos gentios, andava-se em...”. Onde somente a ARA traz o verbo traduzido
no perfeito “tendo andado”. NTLH traduz “naquele tempo vocês viviam” já interpretando e BJ traduz
“levando uma vida”. (Cf. GINGRICH; DANKER, 2007, p.172).
9
καὶ ἀθεμίτοις εἰδωλολατρίαις. 4ἐν ᾧ ξενίζονται μὴ συντρεχόντων ὑμῶν
e abominável idolatria18.4Nisso19 eles se admiram20 de vós21, por não ajuntar-se22
εἰς τὴν αὐτὴν τῆς ἀσωτίας ἀνάχυσιν,
em correr desenfreadamente para os mesmos atos impensados deles23,
βλασφημοῦντες· 5οἳ ἀποδώσουσιν λόγον τῷ ἑτοίμως ἔχοντι
blasfemando-os,24 os quais25 prestarão contas26 ao que está pronto tem27
κρῖναι ζῶντας καὶ νεκρούς. 6εἰς τοῦτο γὰρ καὶ νεκροῖς
18 A expressão “ἀσελγείαις, ἐπιθυμίαις, οἰνοφλυγίαις, κώμοις, πότοις, καὶ ἀθεμίτοις εἰδωλολατρίαις” as três
versões traduzem alguns verbos e o adjetivo de diferentes formas: BJ: “dissoluções, de cobiças, de
embriaguez, de glutonarias, de bebedeiras e de idolatrias abomináveis”; ARA: dissoluções,
concupiscências, borracheiras, orgias, bebedices e em detestáveis idolatrias”; NTLH: “imoralidade, nos
desejos carnais, nas bebedeiras, nas orgias, na embriaguez e na nojenta adoração de ídolos” Contudo,
nenhuma destas traduções denota diferença do escrito original, sendo a NTLH aquela que expressa de uma
forma mais escandalosa e atual todas as coisas praticadas junto com os gentios. 19 Traduz-se “ἐν + ᾧ” como conjunção conclusiva “nisso” e as versões traduzem como “por isso” ARA, “e
agora” NTLH, “agora” BJ. 20 “ξενίζονται" vem de “ξενίζω”, sempre traduzido como “receber como convidado, entreter, ser
hospitaleiro, porém, traduz-se exclusivamente em 1Pe 4.4 como “surpreender-se”. (Cf. GINGRICH;
DANKER, 2007p.142). 21 A versão NTLH diferente da BJ e ARA, traduz “ὑμῶν” como vocês e não como vós. 22 ARA traduz “συντρεχόντων” como “concorrais”; BJ traduz como “entregueis”; NTLH traduz como “se
juntam”, chegando mais próximo do original grego. 23 “εἰς τὴν αὐτὴν τῆς ἀσωτίας ἀνάχυσιν” Esta expressão idiomática é traduzida de diferentes formas pelas
versões atuais: ARA: “com eles ao mesmo excesso de devassidão”; BJ: “à mesma torrente de perdição”;
NTLH: “com eles nessa vida louca e imoral”. As três versões atuais não fogem do sentido do texto bíblico
original, porém “ἀνάχυσιν” é exclusiva de 1 Pe 4.4, querendo expressar uma ampliação metafórica de
“” que significa “enchente” mas não ocorre no NT. Este substantivo quer expressar o sentido de
“excesso em algo de valor negativo. (Cf. LOUW; NIDA, 2013, p. 612, 78.26). 24 O verbo “βλασφημοῦντες” é traduzido pela NTLH como “insultam”; ARA como “difamando-vos”; BJ
como “injúrias”. Todos têm o mesmo sentido, (Cf. LOUW; NIDA, 2013, p. 388, 33.400), porém, a ARA
inclui o verbo no início do versículo e não no final como o texto grego assim o tem. Há uma chamada ao
aparato crítico da palavra “καὶ” que neste caso é um melhoramento no texto grego, não tendo alterações no
sentido que Pedro quer dar no texto. 25 O versículo 6 inicia com um pronome relativo masculino plural “οἳ” e somente ARA traduz da forma
correta como “os quais”; NTLH traduz como uma conjunção “porém” + “eles vão”; A BJ traduz como
“mas disto”, que é junção da preposição “de” e do pronome demonstrativo “isto”, contudo, também
expressa uma ligação com a oração anterior, mas não é o pronome relativo grego que aparece no texto. 26 A palavra “λόγον” derivada de “λόγος” é traduzida geralmente por “palavra, dito, mensagem, afirmação
ou pergunta” (Cf. LOUW; NIDA, 2013, p.358, 33.98). Porém, também pode ser traduzida por “tomada de
contas, ou prestação de contas” (Cf. GINGRICH; DANKER, 2007, p.127). A NTLH traduz este trecho com
um acréscimo: “vão ter de prestar contas a Deus”, este “a Deus” é o acréscimo que se pode subentender na
interpretação e não no texto grego. 27 Nenhuma das três versões comparadas traduz o verbo “ἔχοντι” sendo este um termo do aparato crítico
do grego. Champlin diz: “No grego é <<etoimos>> (com <<tem>>), isto é, está <<pronto>>, ou <<bem-
disposto>>, o que, naturalmente, inclui a idéia de <<competência>>”. Cf. CHAMPLIN, 1979, v.6, p.153.
10
para julgar os vivos e (os) mortos. Para isto pois28 também aos mortos
εὐηγγελίσθη, ἵνα κριθῶσι μὲν κατὰ ἀνθρώπους σαρκί,
foi evangelizado29a fim de que30 fossem julgados em carne como os homens31,
ζῶσι δὲ κατὰ Θεὸν πνεύματι
vivam no espírito conforme32 Deus.33
2.2 ANÁLISE GRAMATICAL
A perícope inicia com o substantivo genitivo Χριστοῦ indicando posse34(de
Cristo), seguido de οὖν (pois), uma conjunção conclusiva35 que demonstra ligação com o
pensamento do autor que vinha sendo tratado no texto anterior: “Com efeito, também
Cristo morreu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, a fim de vos conduzir a
Deus. Morto na carne, foi vivificado no espírito” (1 Pe 3.18). O trecho segue com o verbo
aoristo particípio ativo genitivo παθόντος, que vai ser traduzido como adjetivo (o que
sofreu)36, do substantivo Χριστοῦ, caracterizando Cristo que sofreu em σαρκὶ (carne) que
28 Somente a ARA traduz “εἰς τοῦτο”, colocando a conjunção “γὰρ” anteriormente, ficando: “pois, para
este fim”. Outras versões somente traduzem a conjunção explicativa “γὰρ”, tendo somente diferença a BJ
que traduz a expressão “εἰς τοῦτο γὰρ” como “Eis que”. 29 A expressão “καὶ νεκροῖς εὐηγγελίσθη” sofre algum acréscimo nas traduções atuais: ARA: “foi o
evangelho pregado também a mortos”; NTLH: “o evangelho foi anunciado também aos mortos” e BJ: “a
Boa Nova foi pregada também aos mortos”. Tudo isto pois se subentende “εὐηγγελίσθη” como a pregação
o anúncio da “Boa nova”, “o evangelho” que foi anunciado aos mortos. 30 A conjunção final “ἵνα” somente aparece nas versões BJ traduzida como “a fim de que” e ARA como
“para que”. Na NTLH aparece a tradução de “os quais”, e esta conjunção somente aparece no final do
versículo para falar da vida espiritual e não do julgamento como no texto grego. 31 A expressão “κριθῶσι μὲν κατὰ ἀνθρώπους σαρκί” aparecem na ARA como “mesmo julgados na carne
segundo os homens”(invertendo o grego em “σαρκί κατὰ ἀνθρώπους) e BJ como “sejam julgados como
os homens na carne”(obedecendo a ordem do grego), tendo as duas o mesmo sentido que o texto grego
quer expressar. Contudo, a NTLH interpreta e explica o texto traduzindo como “morreram por causa do
julgamento de Deus, como morrem todos os seres humanos”, tendo muitos acréscimos de palavras que o
texto grego não tem. A conjunção “μὲν” quando aparece em frases antes da conjunção “δὲ” muitas vezes
permanece sem tradução. (Cf. SCHALKWIJIK, 2004, p.164, §694). 32 ARA e BJ traduzem “κατὰ” como “segundo”, podendo ser traduzido assim pois o “κατὰ” + acusativo
pode ser traduzido como “conforme”, “segundo”. (Cf. SCHALKWIJIK, 2004, p.147, §624). 33 Na expressão “ζῶσι δὲ κατὰ Θεὸν πνεύματι” traduzida pelas versões ARA e BJ somente trocam a ordem
do grego para “ζῶσι δὲ πνεύματι κατὰ Θεὸν” que dá um melhor entendimento. Porém, a NTLH traduz
como “O evangelho foi anunciado a eles a fim de que pudessem viver a vida espiritual como Deus quer que
eles vivam”, explicando o motivo da evangelização que ocorreu aos mortos e trazendo a tona a conjunção
“ἵνα” ocultada anteriormente. 34 Cf. SCHALKWIJIK, 2004, p. 12, §31. “A conjunção οὖν introduz a lição principal a ser tirada de 1 Pedro
3.18-22” (RIENECKER, Fritz; ROGERS, Cleon. Chave linguística do Novo Testamento grego. São
Paulo: Vida Nova, 1995, p.564). 35 Cf. SCHALKWIJIK, 2004, p.163, §690. 36 Sendo um aoristo, significa que o Cristo sofreu uma vez só, uma ação pontilinear, vista como um evento,
neste caso o evento do sofrimento de Cristo até a sua morte de Cruz. Ao mesmo tempo que um verbo é
11
é a próxima palavra encontrada como dativo, indicando objeto indireto37. O trecho segue
adicionando um pensamento ao anterior, expresso pela conjunção aditiva καὶ, seguido do
pronome ὑμεῖς (vós) aponta para o sujeito da oração38 e quem também deve praticar a
ação do verbo, segue-se uma locução acusativa, τὴν αὐτὴν ἔννοιαν (da mesma convicção)
indicando o objeto direto da frase que quaçifica a ação. Essa ação é expressa pelo verbo
ὁπλίσασθε (preparai-vos), conjugado no aoristo imperativo médio 2ª pessoa plural que
indica o desejo, a vontade, ou a ordem (mandamento) do autor do texto para os outros
(leitores)39, a fim de que vós, revestistes-vos com o Cristo que sofreu na carne. O trecho
segue de uma explicação da ordem dada anteriormente pela utilização da conjunção
causal, ὅτι (pois), qual demonstra a causa da primeira oração. Esta conjunção precede a
indicação do sujeito da frase pela construção do verbo no particípio aoristo usado como
substantivo40 ὁ παθὼν (aquele que sofreu) na σαρκὶ (carne). Adiante encontra-se πέπαυται
ἁμαρτίας (‘ele’ cessou do pecado), um verbo presente indicativo médio 3ª pessoa singular
junto com um substantivo genitivo, demonstrando que com a certeza indicada pelo
indicativo, o que sofreu na carne (Cristo) já cessou do pecado no passado, mas seus efeitos
ainda permanecem até o momento presente em que se fala41.
Dando continuidade a perícope analisada, a preposição εἰς + artigo acusativo τὸ
(para), introduz uma oração subordinada adverbial de propósito42, uma direção na fala do
autor. Em seguida o texto apresenta o advérbio μηκέτι (não mais), qual ele está ligado
com o verbo βιῶσαι (viver) que se encontra no final da oração, caracterizando uma
mudança da forma de viver a vida. Adiante se encontram ἀνθρώπων ἐπιθυμίαις (dos
homens desejos profundos), um substantivo genitivo e um substantivo dativo, que
expressa para o homem a posse dos desejos profundos, e adiante disto, uma conjunção
adversativa ἀλλὰ (mas) é inserida para dar a oposição do início da oração com o que segue
θελήματι Θεοῦ (conforme Deus), sendo dois substantivos, um dativo e um genitivo,
expressando que a vontade de viver uma vida diferente pertence e vem de Deus43. A
particípio, ele também é um adjetivo, possuindo número, gênero, caso, tempo, voz, e não possuindo pessoa.
(GUSSO, Antônio Renato. Gramática instrumental do grego: do alfabeto à tradução a partir do Novo
Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2010, p. 197) (LASOR, William Sanford. Gramática sintática do
grego do Novo Testamento. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, p.46.) 37 Cf. SCHALKWIJIK, 2004, p. 12, § 30. 38 Cf. SCHALKWIJIK, 2004, p. 11, §23. 39 Cf. GUSSO, 2010, p. 181. 40 Cf. RIENECKER, ROGERS, 1995, p. 564. 41 Cf. GUSSO, 2010, p. 159-163. 42 Cf. RIENECKER, ROGERS, 1995, p. 564. 43 Os dativos ἐπιθυμίαις e θελήματι podem expressar a regra pela qual o homem molda sua vida. (Cf.
RIENECKER, ROGERS, 1995, p. 564)
12
oração do autor falando sobre o desejo dele para com seus leitores, continua com τὸν
ἐπίλοιπον (o restante), um artigo e um adjetivo acusativos que são objetos indiretos do
verbo βιῶσαι (viver) + ἐν σαρκὶ (na carne), uma preposição e um substantivo dativo que
são objetos diretos do verbo aoristo infinitivo ativo βιῶσαι (viver), este caso demonstra
um infinitivo final, que aponta para um alvo44, que é o desejo do autor em que seus leitores
vivam o tempo (χρόνον, substantivo acusativo) restante na carne revestidos do Cristo que
sofreu em carne.
Em seguida, encontra-se um adjetivo nominativo ἀρκετὸς (suficiente),
denotando a explicação junto com o γὰρ (pois) uma conjunção explicativa, isto para então
explicar o χρόνος (tempo - substantivo nominativo) que estão ligados ao verbo perfeito
particípio ativo nominativo παρεληλυθὼς (passou), que expressa a ideia da ação realizada
no passado com efeito no presente, e na tradução como um particípio é usado
adjetivalmente do verbo principal que rege toda oração κατειργάσθαι (praticar)
encontrado como perfeito infinitivo, indicando a pratica contínua e repetida45 realizada
no tempo que passou. Dentro da oração ainda se encontram o que era praticado no tempo
que passou, isto através da locução acusativa τὸ βούλημα (o desejo) e da locução genitiva
τῶν ἐθνῶν (dos gentios), indicando primeiramente o objeto direto do verbo κατειργάσθαι
(praticar) e também a posse dos desejos que era dos gentios e também praticada
anteriormente por aqueles leitores. Adiante, o verbo πεπορευμένους (tendo andado),
encontrado como perfeito particípio médio acusativo para explicar tudo aquilo que já foi
feito na prática realizada no tempo passado. Em seguida portanto se encontra uma
preposição ἐν (em) para indicar que tudo que se viva dentro das práticas, estas que se
encontram todas no caso dativo, ἀσελγείαις, ἐπιθυμίαις, οἰνοφλυγίαις, κώμοις, πότοις46 +
καὶ, que é uma conjunção aditiva, acrescentando uma das principais práticas realizadas
no tempo que passou como gentios, que era a ἀθεμίτοις εἰδωλολατρίαις (abominável
idolatria) adjetivo dativo que dá a qualidade ao substantivo dativo final. Os três verbos
encontrados no perfeito παρεληλυθὼς, κατειργάσθαι , πεπορευμένους, enfatizam o
pensamento de que esse passado deles é um capitulo encerrado; aquela parte da história
que já terminou e foi esquecida47.
44 Cf. SCHALKWIJIK, 2004, p. 168 §724. 45 Cf. GUSSO, 2010, p. 194. 46 ἀσελγείαις: A palavra descreve o “espírito que não conhece restrições, e que aceita fazer qualquer coisa
que o capricho e a insolência sugiram”; ἐπιθυμίαις: Desejo, concupiscência; οἰνοφλυγίαις: Bebedeira
habitual; κώμοις: um bando de bêbados e bagunceiros andado e cantando pelas ruas; πότοις: festança,
festas para bebedeira. (Cf. RIENECKER, ROGERS, 1995, p. 564) 47 Cf. RIENECKER, ROGERS, 1995, p. 564-565.
13
Dando continuidade à análise da perícope, encontra-se a preposição ἐν (em) +
um pronome relativo dativo ᾧ (isto), sendo traduzido como uma conjunção conclusiva
que indica uma finalidade, portanto, o autor quer finalizar o que ele estava querendo dizer
anteriormente sobre a vida que era levada no tempo passado, porém essa finalidade
também quer expressar o início de um novo assunto, a falar deles (τὴν αὐτὴν). Este
pronome se remete ao verbo presente particípio ativo nominativo plural βλασφημοῦντες
(blasfemando-os), que é o sujeito da oração. Este sujeito é aquele que pratica a ação do
verbo presente indicativo passivo, que é o verbo principal que rege a oração, ξενίζονται
(eles se admiram). Estes sujeitos se admiram de ὑμῶν (vós - pronome 2ª pessoa plural),
que são os leitores qual o autor já menciona no início da perícope, se admiram porque:
adverbio μὴ ( por não ) + συντρεχόντων (ajuntar-se), verbo presente particípio ativo que
demonstra a ação durante a ação do verbo principal48, esta ação é expressa com a
preposição εἰς (em) indicando a direção demonstrada através do substantivo acusativo
ἀνάχυσιν (correr desenfreadamente) + ἀσωτίας (para os mesmos atos impensados) dos
blasfemadores, que estão indicados pela locução acusativa τὴν αὐτὴν (deles). Por estes
motivos que é utilizado o verbo presente particípio ativo βλασφημοῦντες (blasfemando-
os), pois enquanto eles, (os blasfemadores) se juntam, se admiram de vós (dos leitores)
que não se juntam mais na mesma torrente de perdição deles, por isso blasfemam (vós).
O pronome relativo nominativo οἳ (os quais) indica o sujeito da oração e está
ligado com o verbo analisado anteriormente βλασφημοῦντες (blasfemando-os), indicando
que os blasfemadores, são o sujeito da frase. O verbo ἀποδώσουσιν (prestarão) futuro
indicativo ativo 3ª plural + λόγον (contas) substantivo acusativo, indica uma certeza de
que eles, os blasfemadores irão prestar contas ao ἑτοίμως (ao que está pronto) um
adverbio que indica um auxiliar do verbo aoristo infinitivo ativo κρῖναι (para julgar), que
indica a prontidão, a preparação daquele que está preparado para julgar. O verbo dativo
particípio presente ativo ἔχοντι (tem) indica a quem são prestadas as contas, ou seja, ao
ἑτοίμως (ao que está pronto ‘para julgar’)49. Aquele que está pronto para julgar, julga os
ζῶντας (os vivos) expresso através do verbo presente particípio ativo que neste caso é um
adjetivo do verbo κρῖναι (julgar). Além dos vivos, a conjunção aditiva καὶ (e) demonstra
que tem mais alguém que passa pelo mesmo processo de julgamento, que está indicado
através do adjetivo νεκρούς (os mortos).
48 Cf. SCHALKWIJIK, 2004, p.168 §725. 49 Cf. RIENECKER, ROGERS, 1995, p. 565.
14
Chegando ao final da perícope, a preposição εἰς (para) indicando direção +
pronome demonstrativo τοῦτο (isto) que indica a posição do adjetivo, a modificação do
adjetivo νεκροῖς (mortos). Portanto, εἰς τοῦτο + conjunção explicativa γὰρ (pois) +
conjunção aditiva καὶ (também) falam do adjetivo νεκροῖς (mortos), tendo uma finalidade
de consolo, pois também os mortos εὐηγγελίσθη (foi evangelizado), expressado em um
verbo aoristo indicativo passivo 3ª pessoa singular, indicando a certeza daquilo que
ocorreu em um evento pontual na história. Tudo isto agora precede uma conjunção
conclusiva ἵνα (a fim de que), para concluir o porquê da evangelização aos mortos, e esta
está expressa através do verbo aoristo subjuntivo passivo 3ª pessoa plural κριθῶσι (‘eles’
fossem julgados), este subjuntivo é final pois está precedido de uma conjunção ἵνα, por
isso indica um alvo, alvo este que é o julgamento. Este julgamento é expresso através da
conjunção adversativa μὲν50 em duas direções: (mas por um lado julgados) em σαρκί
(carne - substantivo dativo) + preposição κατὰ (conforme) os ἀνθρώπους (homens) -
substantivo acusativo-, e (por outro lado) indicado pela conjunção aditiva δὲ, julgados
para que ζῶσι (vivam) verbo presente subjuntivo ativo 3ª plural, no πνεύματι (espírito)
substantivo dativo, κατὰ (conforme) preposição, Θεὸν (Deus) substantivo acusativo51.
Portanto, esta evangelização ocorreu no passado, pois foi com aqueles que já morreram,
sendo evangelizados a fim de que fossem julgados para viver conforme Deus, e não
julgados em carne conforme os homens.
2.3 ANÁLISE LITERÁRIA
2.3.1 Delimitação da perícope
O início da perícope de 1 Pedro 4.1-6 do indício através da conjunção οὖν a
ligação entre a perícope anterior e a perícope em questão analisada. Através desta
50 A conjunção “μὲν” quando aparece em frases antes da conjunção “δὲ” muitas vezes permanece sem
tradução. E neste versículo em questão as duas conjunções permanecem sem tradução, porém elas são
extremamente importantes para se entender o versículo em questão na sua estruturação gramatical. (Cf.
SCHALKWIJIK, 2004, p. 164, §694). 51 Estes dois sentidos do verbo εὐηγγελίσθη, são expressos por uma sequência de construções gramaticas,
estas sãos: 1º conjunção, preposição, acusativo e dativo; Entre elas o verbo que indica a ação da 2ª
construção, ζῶσι (vivam), tendo novamente a construção: conjunção, preposição, acusativo e dativo.
Portanto, os mortos também foram evangelizados a fim de que (eles) fossem julgados em carne e também
em espírito para que possam viver conforme a vontade de Deus mesmo após a morte. Pois aqueles que
morreram possivelmente eram pessoas da comunidade que já morreram, e estes receberam o evangelho
enquanto viviam e morreram fisicamente (Cf. RIENECKER, ROGERS, 1995, p. 565) foram julgados em
carne pelos blasfemadores, mas vivam também no espírito conforme a vontade de Deus pois estes
perseveraram até sua morte física pois estavam revestidos com o Cristo que sofreu em carne.
15
conjunção conclusiva o autor retoma a falar do Cristo que sofreu na carne como já havia
falado anteriormente no capítulo 3, versículo 18 como um modelo para os cristãos.
Através desta retomada, o autor expõe a causa e a explicação dos motivos para a utilização
de seu imperativo, de seu desejo com esta perícope para seus leitores que é de que eles
revistam-se do Cristo que sofreu na carne, a fim de que não vivam mais conforme os
desejos humanos, mas conforme Deus (v.1-3). Eis que nos versículos 4 e 5, o autor
apresenta a admiração e a consequência da admiração que esta mudança de vida proposta
pelo autor causa naqueles que blasfemam, dando uma espécie de exemplo daqueles que
já morreram. Por fim no versículo 6 o autor trata da direção e da finalização do recado
que ele deixa para os leitores através do exemplo dos mortos, daqueles que já morreram
e passaram pelas mesmas coisas que agora eles estavam passando, a fim que estes se
tornem exemplo a perseverar no Cristo que sofreu na carne. Pode-se dizer com tudo isto,
que a perícope inicia no versículo 1 do capítulo 4 com a retomada do assunto tratado
anteriormente no capítulo 3, versículo 18, e termina no versículo 6 qual expressa a
conclusão de sua argumentação nos versículos 4 e 5. Também, pode-se afirmar que a
perícope analisada em questão termina no versículo 6, pois a partir do versículo 7 se toma
outro assunto e outro sentido na fala do autor. Sendo assim, pode-se dizer que à perícope
analisada em questão faz parte de uma perícope maior que trata do mesmo tema. Esta
maior que inicia em 1Pe 3.13 e vai até 4.6 e as três perícopes menores que vão de 1Pe 13.
17, 1Pe 3.18-22 e 1Pe 4.1-6.
2.4.2 Subdivisão da perícope
Observa-se, na perícope em análise logo no início um verbo imperativo, ou seja,
o desejo do autor de que algo que seja feito por certos motivos. Este algo a ser feito é: 1)
Preparai-vos da convicção de que Cristo sofreu na carne, porque Cristo cessou do pecado,
para não mais viver: a) uma vida não mais em desejos profundos dos homens, mas b) o
tempo restante na carne viver conforme Deus. Tudo isto pois (γὰρ) (explicação da causa
do revestimento de Cristo que cessou do pecado em três verbos que se encontram
sublinhados): 1.1) Passou o tempo em que praticavam os desejos dos homens, que são os
mesmos dos gentios. Estas coisas então são listadas na forma verbal perfeito particípio,
explicando as coisas que eram realizadas: Tendo andado em (ἐν): libertinagem,
abominação, embriaguez, orgia, festança e (καὶ) abominável idolatria. 1.2) Contudo, o
autor expressa uma finalidade através da preposição ἐν + pronome relativo ᾧ, e esta
16
finalidade expressa a admiração daqueles que blasfemam de vós por não (μὴ) viver mais
em desejos profundos dos homens, tendo agora uma vida caracterizada pelo Cristo que
sofreu na carne. 1.2.1) Por eles blasfemar, prestarão contas ao que está pronto para julgar
vivos e mortos. 1.2.2) Por fim o autor insere uma preposição εἰς, indicando uma direção
do assunto que vinha sendo tratado, e esta direção indica o porquê dos mortos foi
evangelizado, 1.2.2.1) a fim de que (ἵνα), tendo em si duas explicações: a) -1ª expressa
pela conjunção μὲν + uma sequência preposição, acusativo e dativo, que no grego é: κατὰ
ἀνθρώπους σαρκί; Qual significa que: todavia (μὲν) os mortos foram evangelizados
porque eles foram já julgados em carne pelos blasfemadores. a) -2ª expressa pelo verbo
ζῶσι (vivam) conjunção δὲ + a mesma sequência anterior, preposição, acusativo e dativo,
que no grego é: κατὰ Θεὸν πνεύματι. Significando que: também (δὲ) os mortos foram
evangelizados para viverem no espírito conforme Deus e não em desejos profundos dos
homens.
2.4.3 Diagramação do conteúdo
Nota-se no texto que existem duas argumentações do autor da carta que se
aprestam dividas em duas partes, ou “pontos”: 1.1 (v.1-3), através do que está sendo dito
à vós (ὑμεῖς) sobre Cristo; e 1.2 (v.3-6), através do que está sendo dito sobre “eles” os
(βλασφημοῦντες-blasfemadores) e seus atos que culminam no julgamento. Estas
argumentações estão baseadas em uma tese central que está expressa como ponto 1.
Sendo assim, observa-se que o texto é redigido através de paralelismos culminativos, os
quais se caracterizam por desenvolver gradualmente um pensamento em linhas
sucessivas, até chegar a um clímax.52
1) Cristo sofreu na carne
1.1) Preparai-vos desta convicção porque Cristo cessou do pecado, para não
mais:
a) em desejos profundos dos homens
mas
b) conforme Deus viver o tempo restante na carne.
52 WEGNER, Uwe. Exegese do Novo Testamento: manual de metodologia. São Leopoldo, RS: Sinodal,
1998, p. 91-92.
17
1.1.1) Pois, passou o tempo em que praticavam os desejos
dos homens, que são os mesmos dos gentios, tendo andado
em:
a) libertinagem,
b) abominação,
c) embriaguez,
d) orgia,
e) festança
f) e abominável idolatria.
1.2) Nisso eles se admiram por não fazer mais as mesmas coisas que eles por isso
eles blasfemam de vós.
1.2.1) Por blasfemar eles: prestarão contas ao que está pronto para
julgar vivos e mortos.
1.2.2) Para isso também aos mortos foi evangelizado
1.2.2.1) a fim de que
a) fossem julgados em carne conforme os
homens
b) vivam no espirito de Deus.
2.4.4 “Amarras” do texto
Volta-se a analisar o texto bíblico, só que desta vez o texto em grego da edição
NESTLE-ALAND53, a fim de que sejam observados algumas amarras:
1 Χριστοῦ οὖν παθόντος σαρκὶ
καὶ ὑμεῖς τὴν αὐτὴν ἔννοιαν ὁπλίσασθε, ὅτι ὁ παθὼν σαρκὶ πέπαυται ἁμαρτίας,
2 εἰς τὸ μηκέτι ἀνθρώπων ἐπιθυμίαις ἀλλὰ θελήματι Θεοῦ τὸν ἐπίλοιπον ἐν
σαρκὶ βιῶσαι χρόνον.
3 ἀρκετὸς γὰρ ὁ παρεληλυθὼς χρόνος τὸ βούλημα τῶν ἐθνῶν
κατειργάσθαι, πεπορευμένους ἐν ἀσελγείαις, ἐπιθυμίαις,
οἰνοφλυγίαις, κώμοις, πότοις, καὶ ἀθεμίτοις εἰδωλολατρίαις.
53 Novum Testamentum Graece. NESTLE, Eberhard; ALAND, Barbara (Eds.). 27. ed. Stuttgart: Deutsche
Bibelgesellschaft, 1993.
18
A locução Χριστοῦ οὖν παθόντος σαρκὶ (Cristo sofreu na carne) está destacada
desta forma com a finalidade do destaque da tese central do autor que permeia toda
perícope analisada, portanto, no texto analisado, as mesmas passagens destacadas com a
mesma cor estão amarradas internamente. Como na amarra entre o versículo 1 e dois,
onde Χριστοῦ οὖν παθόντος σαρκὶ (Cristo sofreu na carne) está ligado através de
preposição (εἰς-para) e conjunção (ἀλλὰ-mas) com θελήματι Θεοῦ τὸν ἐπίλοιπον ἐν σαρκὶ
βιῶσαι χρόνον (conforme Deus viver o tempo restante na carne), pois somente se pode
viver uma vida conforme a vontade de Deus se estiverem revestidos da convicção do
Cristo que sofreu na carne, pois ele cessou do pecado, para que não se viva mais em
desejos profundos dos homens. Esta frase anterior está expressa através da locução
ἀνθρώπων ἐπιθυμίαις (desejos profundos dos homens) que é a vida levada através das
práticas realizadas listadas no versículo 3. A vida levada em ἀνθρώπων ἐπιθυμίαις
(desejos profundos dos homens) já παρεληλυθὼς ἀρκετὸς (passou suficientemente) por
aqueles a quem o autor dirige sua carta, que estão representados pelo pronome relativo
ὑμεῖς (vós). Portanto, nesta primeira parte da perícope analisada (v.1-3) o autor está
falando para vós daquele que sofreu na carne, ou seja, Cristo, o sujeito qual devem
revestir-se (ὁπλίσασθε), que está expresso nas palavras παθὼν (o que sofreu) e πέπαυται
(aquele que cessou).
4 ἐν ᾧ ξενίζονται μὴ συντρεχόντων ὑμῶν εἰς τὴν αὐτὴν τῆς ἀσωτίας ἀνάχυσιν,
βλασφημοῦντες·
5 οἳ ἀποδώσουσιν λόγον τῷ ἑτοίμως ἔχοντι κρῖναι ζῶντας καὶ νεκρούς.
6 εἰς τοῦτο γὰρ καὶ νεκροῖς εὐηγγελίσθη, ἵνα κριθῶσι μὲν κατὰ
ἀνθρώπους σαρκί, ζῶσι δὲ κατὰ Θεὸν πνεύματι
Nesta segunda argumentação o autor apresenta um diálogo direcionado
novamente aos seus leitores utilizando o pronome ὑμῶν (vós), porém, agora o autor
acrescenta outras pessoas em sua fala que estão expressas através das palavras ξενίζονται
(eles se admiram), τὴν αὐτὴν (deles), ἀποδώσουσιν (‘eles’ prestarão contas). Através da
preposição ἐν (em) + um pronome relativo dativo ᾧ (isto), indicando a finalidade de
algum assunto a ser tratado, e este assunto é sobre as pessoas que são as descritas pelo
verbo nominativo βλασφημοῦντες, os blasfemadores são o sujeito da oração, aqueles que
se admiram e aqueles que prestarão contas. Os βλασφημοῦντες (blasfemadores) são
aqueles que vivem no ἀνθρώπων ἐπιθυμίαις (desejos profundos dos homens), também
19
aqueles que interligados através preposição εἰς + τῆς ἀσωτίας ἀνάχυσιν (correm
desenfrenadamente, sem direção). São os βλασφημοῦντες (blasfemadores) que κριθῶσι
μὲν κατὰ ἀνθρώπους σαρκί (julgam em carne conforme os homens) que também vivem
nos ἀνθρώπων ἐπιθυμίαις (desejos profundos dos homens), por isso a preposição +
pronome demonstrativo (εἰς τοῦτο) + καὶ (também) ligando aos νεκροῖς (os mortos) que
sofreram ação do verbo εὐηγγελίσθη (foi evangelizado), que está ligado com a pessoa de
Jesus, com Deus, pois é aquele que é a mensagem do evangelho anunciado aos mortos,
ou seja, εὐηγγελίσθη nada mais é do que ὁπλίσασθε (revestir-se) com a ἔννοιαν
(convicção) do Χριστοῦ οὖν παθόντος σαρκὶ (Cristo sofreu na carne). O conteúdo do
εὐηγγελίσθη (foi evangelizado) é o Χριστοῦ οὖν παθόντος σαρκὶ, para que, mesmo que os
βλασφημοῦντες (blasfemadores) julgaram e continuam julgando em carne conforme os
homens, aqueles que já morreram possam ter ζῶσι δὲ κατὰ Θεὸν πνεύματι (vivido no
espírito conforme a vontade de Deus). Deste modo autor está falando para comunidade
daqueles que vivam no meio de vós e agora já morrem, mas que estes servem de exemplo,
pois eles já passaram por tudo aquilo que os leitores atuais provavelmente estão passando,
já foram julgados na carne mesmo, mesmo sendo revestidos da convicção de Cristo,
porém foram julgados por Deus a fim de que o tempo que lhes resta na carne seja vivido
conforme a sua vontade.
2.4.5 Citações
A edição de NETLE-ALAND relaciona em nota marginal uma série de textos
paralelos54, observa-se, portanto, que não se tratam de citações livres, parciais ou literais,
mas sim de correlações bíblicas.
54 1 Pedro 3.18, 2 Coríntios 5,14ss; Romanos 6.2ss; 1 João 2.16ss; 1 Pedro 1.18, Tito 3,3ss; Romanos 1,29;
Tiago 2.7; Lucas 16.2; Atos 10.42; 1 Pedro 3.19; Romanos 3.5; 1 Coríntios 5.5; Romanos 8.10.
20
3. PÉS DO TEXTO
Neste passo da pesquisa chamado “pés do texto”, busca-se analisar o contexto
literário e histórico que determina o falar do texto. Sendo assim, a pesquisa busca
identificar o gênero literário e as formas literárias da carta de 1 Pedro e também da
perícope de 1 Pedro 4.1-6 em estudo. Também a análise do contexto histórico, que
investiga sua autoria, destinatários e datação, tudo isso com intuito de explicitar ou
descobrir a intencionalidade do conteúdo da perícope em estudo.
3.1 CONTEXTO LITERÁRIO
Neste passo da análise, busca-se identificar o gênero e as formas literárias do
texto em estudo, a fim de descobrir ou explicar a intencionalidade do seu conteúdo. Sendo
assim, analisa-se o livro de 1 Pedro como um todo e depois a análise da forma literária
do trecho específico em estudo de 1 Pedro 4.1-6.
3.1.1 Gênero e forma literários
Em relação ao gênero literário de 1 Pedro, Höster diz que “este escrito é como
as cartas de Paulo[...]uma carta apostolar aberta escrita em bom grego. Muitos aspectos
do vocabulário e do estilo lembram as cartas de Paulo”55. Com base no que Höster diz e
com base na análise do livro, se conclui que o gênero de 1 Pedro é uma carta, que Wegner
define assim: “Fala-se de carta quando se trata de mensagem entre um remetente e um
destinatário conhecido. [...] se caracteriza por estar vinculada a uma situação específica.
[...] pressupõe conhecimento mútuo entre remetente e destinatário. [...] aborda questões
que dizem respeito a ambos”56. O gênero das cartas no NT, têm uma estrutura bem
definida: 1) Saudação que abrange remetente, destinatários e sua menção diante de Deus.
2) Abordagem teológica das questões geradoras da carta, que poderíamos classificar de
questões teológico-doutrinárias e que ocupam a maior parte dela. 3) Orientações ético-
pastorais. 4) Palavras conclusivas que remetem a Deus ou a Cristo e sua graça57. Na carta
de 1 Pedro, a estrutura se apresenta assim: 1) Cap. 1.1-2; 2) Cap. 1.3-2.10; 3) Cap. 2.11-
5.1-9; 4) Cap. 5.10-14.
55 HÖRSTER, Gerhard. Introdução e síntese do Novo Testamento. Curitiba: Esperança, 1996, p. 162. 56 Cf. WEGNER, 1998, p. 182. 57 WIESE, Werner. Material de Apoio: Introdução ao NT - Parte final. FLT, São Bento do Sul, 2016.
21
As cartas do Novo Testamento também apresentam características de epístolas,
que Wegner define como: “As epístolas, por seu turno, compreendem tratados a respeito
de certos assuntos que, mesmo servindo-se da moldura de carta, não se dirigem a
remetentes específicos, e, sim, visam atingir, com sua mensagem, um círculo maior de
leitores”58. Desta forma, a carta de primeira Pedro também tem aspectos de uma epístola
por tratar de assuntos que atingiram não somente uma comunidade específica na Ásia
Menor, porém, pelo fato dos leitores serem identificados na saudação identifica-se 1
Pedro como carta.
3.1.2 Forma Literária
Se encontram na carta de primeira Pedro longos trechos de discursos parenéticos,
ou seja, de exortações, e destas muitas se enquadram no gênero literário que Berger chama
de “admoestação pós-conversão”, que é um gênero simbulêutico59. Textos simbulêutico
tem a intenção de mover o ouvinte a agir ou a omitir uma ação, que frequentemente é
dirigem-se à segunda pessoa. A admoestação pós-conversão é um gênero bastante
utilizado nas cartas do Novo Testamento, e é composta por trechos pareneticamente
estruturados, onde “os leitores são exortados a se comportar de acordo com a conversão
já realizada”60. Para Berger, grandes partes de primeira Pedro pertencem a este gênero, e
sendo assim, a perícope analisada em questão é uma admoestação pós-conversão de
argumentação simbulêutica, qual vai ser mais detalhada a seguir.
Como primeira característica do gênero literário da perícope de 1Pe 4.1-6, se têm
o esquema da oposição “outrora” e agora”, que está identificada pelo adverbio grego
μηκέτι (não mais)61 encontrado no texto no versículo 2, onde também pode-se identificar
a característica da delimitação (não ser mais como os pagãos). Este gênero também
estabelece o contraste entre a vida pré e pós conversão, desta forma, catálogos de vícios
que são típicos dos pagãos são elaborados. O v. 3 tem a característica do catálogo de
vícios, onde se tem a “função de delimitação entre cristãos e gentios”62.
Também, as passagens de 1Pedro do gênero admoestação pós-conversão de
argumentação simbulêutica “são “interrompidas” por uma parênese sobre o martírio, que
58 Cf. WEGNER, 1998, p.182. 59 Este nome simbulêutico vem do grego symbouléuomai, que significa aconselhar. Cf. BERGER, Klaus.
As Formas Literárias do Novo Testamento. São Paulo: Loyola, 1998, p. 21. 60 Cf. BERGER, 1998, p.122. 61 Cf. BERGER, 1998, p.123. 62 Cf. BERGER, 1998, p.138.
22
se relaciona igualmente com a conversão (as provações, os sofrimentos que podem ser
esperados depois da conversão[...] a saber [o bloco] de 1Pe 3.13 - 4.6)”63. Para Berger,
dentro bloco de 1Pe 3.13 - 4.6 somente se têm a parênese em seu sentido acima definido
no trecho de 3.14-1664, aonde depois disto há argumentação simbulêutica, tendo como
principais elementos: “definição da finalidade; sentença mostrando o que é melhor;
fundamentação cristológica; Cristo como exemplo; delimitação entre cristãos e pagãos,
por um catálogo de vícios e pelo anúncio do Juízo para os pagãos”65. Sendo assim,
percebe-se na perícope analisada, a argumentação simbulêutica: com a definição de
finalidade v.1 (preparai-vos); sentença mostrando o que é melhor v.2 (na vontade de Deus
viver o tempo restante na carne); fundamentação cristológica e Cristo como exemplo v.1
(Pois Cristo sofreu na carne); delimitação entre cristãos e pagãos por um catálogo de
vícios v.3 (tendo andado em libertinagem, abominação, embriaguez, orgia, festança e
abominável idolatria); anúncio do juízo para os pagãos v.5 e 6 (os quais prestarão contas
ao que está pronto para julgar vivos e mortos[...]fossem julgados[...]).
Como última característica encontrada na perícope em questão, se têm um
resumo esquemático sobre o sofrimento e a salvação do justo, onde “o contraste entre
“vós” e “Deus” é constitutivo: serve para provar a culpa dos destinatários (repreensão)”66,
onde Berger conclui, “Também em 1Pd 4,6 (julgados...vivem) é clara a alusão à situação
do julgamento”67.
3.1.3 Lugar vivencial e intencionalidade do texto
Pelo fato de a forma literária da perícope analisada ser uma admoestação pós
conversão, onde a metánoia (conversão/penitência) tem sua importância, pois ela é
importante para a conversão cristã em geral, pois esta forma literária depende da
conversão/metanóia para sua existência68. Sendo assim, o lugar vivencial é de pessoas
que se converteram ao cristianismo, com base na pesquisa sobre os destinatários,
podemos afirmar que são gentios que foram convertidos ao cristianismo e agora estavam
vivendo a vida como vivam antes da conversão, por isso estes precisam de uma exortação,
como Berger diz, “nos quais os leitores são exortados a se comportar de acordo com a
63 Cf. BERGER, 1998, p.125. 64 Cf. BERGER, 1998, p.136. 65 Cf. BERGER, 1998, p.136-137. 66 Esta forma literária surge na repreensão que o mártir dirige ao tirano. Cf. BERGER, 1998, p.307-308. 67 Cf. BERGER, 1998, p.308. 68 Cf. BERGER, 1998, p.126-7.
23
conversão já realiza”69. Sendo assim, podemos situar a carta na temática do âmbito da
perseguição, para que os gentios convertidos não abandonem a fé, pois “Pedro tem sua
ancoragem no centro da doutrina bíblica, na cruz e na ressureição de Jesus Cristo: a
exortação à conduta correta é fundamentada expressamente pelo sofrimento de Cristo”70.
3.2 CONTEXTO HISTÓRICO
Neste passo da pesquisa, visa-se a identificação da autoria, destinatários, datação
e local de redação, afim de que sejam esclarecidas questões do contexto histórico da
redação da carta.
Tenney nota que o tema “sofrimento” é mencionado dezesseis vezes na carta, e
esta carta então se origina à sombra da perseguição. Sendo assim, Tenney analisa o pano
de fundo desta situação de perseguição. O judaísmo era considerado uma religião lícita
perante o Estado Romano desde que esta não se chocasse com seus interesses. O
cristianismo cresce dentro do judaísmo, e os cristãos acabam adentrando em Roma já no
primeiro século, causando boas impressões por terem uma boa convivência com os
governantes. Porém, a partir da década de 60 que a situação começa a mudar para os
cristãos, pois agora o cristianismo começava a ser visto separado do judaísmo, causando
antipatia do povo, pois reivindicavam a salvação e pregavam o juízo final. É neste período
que então iniciam investidas do Império Romano contra o cristianismo, como a
perseguição de Nero por exemplo. É neste contexto que Tenney diz: “aquela carta era um
aviso e um encorajamento que servia de preparação para uma emergência vindoura”71,
sendo então a primeira carta de Pedro um aviso para uma situação de futura perseguição.
Fato é de que o povo cristão já sofria com desprezos e perseguições isoladas por parte dos
pagãos, portanto, esta foi a demanda que levou a Pedro escrever uma carta incentivando
os leitores a permanecerem na fé, pois o risco de apostasia em meio a perseguição é
grande.
Não há informações de que Pedro tenha fundado as igrejas dos destinatários, e
isso pode ter acontecido. Também, a primeira carta de Pedro não é endereçada aos
territórios de missão de Paulo, pois há uma possibilidade de Paulo não ter iniciado
trabalhos lá por já existirem. De qualquer forma Pedro tinha destinatários reais para
69 Cf. BERGER, 1998, p.122. 70 GRÜNZWEIG, Fritz; HOLMER, Uwe; BOOR, Werner. Cartas de Tiago, Pedro, João e Judas.
Curitiba: Esperança, 2008, p.135. 71 TENNEY, Merrill Chapin. O Novo Testamento, sua origem e análise. São Paulo: Vida Nova, 2008, p.
356.
24
endereçar a carta, mas Bull e Carson afirmam que esta carta é um escrito circular desde o
início72. Carson além de ver na carta um escrito circular, também vê nela uma liturgia
batismal enviada em forma de carta, embora o batismo seja mencionado apenas uma única
vez em toda carta (3.21), contudo, não há sustentação para afirmar essa teoria73.
Sendo assim, partindo do fato de considerarmos Pedro, o apóstolo como
verdadeiro autor da carta, é muito provável e correto em situar a carta na temática da
perseguição. Pedro quer deixar seus leitores avisados e preparados para que não
abandonem a fé. Sendo Pedro aquele que já estava sofrendo perseguição em Roma de
onde redigiu a carta, a fim de que preparasse os leitores para a perseguição que não estava
ocorrendo lá, mas possivelmente se estenderia até lá.
3.2.1 Autoria
A autoria Petrina está presente logo no início da carta (1Pe1.1), mas embora
esteja claro no corpo do texto que é Pedro, apóstolo de Jesus Cristo, alguns autores trazem
põem em cheque esta afirmação argumentando em evidências internas do escrito para pôr
em dúvida a autoria de Pedro. Höster argumenta a partir de W. G. Kümmel a dizer que a
primeira carta de Pedro é um psêudonimo74, principalmente sob o argumento de que no
Novo Testamento os apóstolos Pedro e João foram considerados homens iletrados (At
4.13), tendo esta carta uma linguagem de uma pessoa muito culta do mundo helenístico.
Também, outro argumento para defender a pseudoepígrafia desta carta é de que não é
possível perceber na carta que o autor acompanhou a Jesus por três anos pela Palestina.
Ainda, Kümmel traz a discussão um argumento que para ele é incontestável, a
perseguição de que a carta fala é mais generalizada, e essa só acontece no império de
Domiciano (81-96 d.C), depois do período de vida de Pedro. Bull concorda que a
perseguição na qual a carta se fala vai contra a autoria de Pedro. Porém, contra esta ideia,
Carson e Höster se posicionam a favor de que as menções à perseguição eram do governo
72 Carson defende esta ideia pelo fato da sua região em que foi dirigida. Portanto, a carta de Pedro teria sido
redigida originalmente à um público específico, mas de certo modo acaba sendo útil para crentes de todos
os lugares. Bull tem a mesma posição de Carson. (CARSON, Donald Arthur; MOO, Douglas J.; MORRIS,
Leon Lamb. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1997, p. 472) (BULL, Klaus-
Michael. Panorama do Novo Testamento: história, contexto, teologia. São Leopoldo, RS: Sinodal, 2009,
p. 132). 73 Cf. CARSON, 1997, p. 473-475. 74 Kümmel considera que esta carta seria uma obra de um autor desconhecido do primeiro século (90-95),
que queria honrar o apóstolo Pedro e fazer uso da autoridade dele no cabeçalho da carta. (KÜMMEL,
Werner Georg. Introdução ao Novo Testamento. 3. ed. São Paulo: Paulus, 2004, p.164).
25
de Nero75 (54-68 d.C), que compreende a vida de Pedro, onde nesta perseguição
empreendida por Nero, Pedro provavelmente foi assassinado.
Contra este argumento da pseudoepígrafia, Carson afirma que a carta foi escrita
pelo próprio Pedro, a quem é referido como: “Pedro, apóstolo de Jesus Cristo” 1.1, este
Pedro que também é um “presbítero como eles, e testemunha dos sofrimentos de Cristo”
5.1”76. Para Carson, esta reivindicação de Pedro ser testemunha dos sofrimentos de Cristo
é confirmada por expressões ao longo da carta, como alguém que havia estado com Jesus
durante seu ministério terreno77. Também, Carson defende que há semelhanças notáveis
entre a carta de 1 Pedro e as palavras atribuídas a Pedro em Atos78.
O argumento que Pedro seria iletrado, apresentado por Kümmel, pode ser
contestado com base em 1 Pe 5.12 que Silvano79, o secretário que redigiu o escrito e deu
os retoques e correções finais80, sendo uma teoria bem plausível. Junto com os
argumentos de Carson, Tenney da mesma forma que Höster, afirmam que a própria carta
dá a informação clara a respeito da autoria, Pedro, o apóstolo de Jesus Cristo é o autor,
pois a pseudonímia era considerada por alguns autores do NT como engano aos leitores,
sendo fortemente criticada81. Para Höster, é impossível que Pedro tenha exercido um
ministério de liderança em Antioquia ou mesmo em Jerusalém sem o uso de um bom
grego, extinguindo o argumento da linguagem de Pedro como pescador não ser de bom
nível como a linguagem que se encontra na carta82. Também, Uwe Holmer apoia Pedro
como autor da Carta, o discípulo Simão, a quem Jesus mudou o nome para Pedro, este
que morreu provavelmente como mártir, na perseguição travada pelo imperador Nero83.
Desta forma, se negarmos a autoria de Pedro, não há como identificar nenhum
autor, e muito menos algum motivo pela qual alguém apelou à autoridade do apóstolo
Pedro. Portanto, diante da discussão abordada, Höster, Carson e Tenney se posicionam a
75 Cf. CARSON, 1997, p. 469; HÖRSTER, Gerhard. Introdução e síntese do Novo Testamento. Curitiba:
Esperança, 1996, p. 161. 76 Cf. CARSON, 1997, p. 468. 77 (2.20-25 refere-se a Mc 14.65, Mc 8.34, Mc 10.32, Mc 14.27). Cf. CARSON, 1997, p. 468. 78 É assim que Cristo é a “pedra” de Salmos 118.22 (At 4.10-11; 1 Pe 2 7-8) e sua Cruz é o “madeiro” [to xylon], At 10.3, 9 e 1 Pe 2.24). Cf. CARSON, 1997, p. 468. 79 Silvano é provavelmente Silas, companheiro de Paulo (cf. 1Ts 1.1, 2Ts 2.2; 2Co 1.19). Cf. KÜMMEL,
1982, p. 554; Bull levanta a possibilidade de Silvano ser o único autor, sem a participação de Pedro, o que
consideramos extremamente improvável, pois se este Silvano era cooperador de Paulo, não há motivo
algum para escrever em nome de Pedro. A presença de teologia paulina na carta pode ser explicada pelo
fato de Silvano, companheiro de Paulo, ter sido o redator, se aceitarmos essa possibilidade. Cf. BULL,
2009, p. 131. 80 CARSON, 1997, p. 468. 81 2 Ts 2.1-2 82 Cf. HÖRSTER, 1996, p. 164. 83 Cf. HOLMER, 2008, p. 131.
26
favor da autoria de Pedro, ficando claro que argumentos contrários a isto são insuficientes
e podem ser muito bem contestados com argumentos aceitáveis.
Neste caso, posicionamo-nos a favor do que as Escrituras dizem e afirmam sobre
Simão Pedro, que foi um pescador galileu que falava aramaico (Mc 14.70), chamado por
Jesus Cristo para segui-lo (Mc 1.16ss) e também para pertencer ao círculo mais íntimo
dos doze (Mc 3.16ss). Seu nome original era derivado do hebraico Simeão, e seu nome
de Pedro foi adotado após ser recebido como discípulo. Foi o próprio Jesus que o deu o
nome de Kefas, que significa rocha, usualmente usado no NT na forma grega Petros. No
ministério de Jesus, Pedro é sempre muito presente, um dos primeiros a ser chamado por
Jesus, sendo uma das testemunhas oculares dos feitos de Cristo, inclusive andando sobre
as águas com ele (Mt 14.28ss) e testemunhando a transfiguração (Mt 17.1ss). Nas
Escrituras Pedro demonstra atitudes impulsivas e desesperadas, como pode-se perceber
no episódio da prisão de Jesus, mas também sua rejeição ao Senhor é muito explicita (Mc
14.66ss). Apesar de tudo, Pedro encontra com o Senhor ressurreto (Lc 24.34; 1 Co 15.5)
e é restaurado de sua traição, recebendo do próprio Senhor a comissão pastoral (Jo
21.5ss). No livro de Atos encontramos Pedro como o primeiro apóstolo em missão entre
os gentios (At 10.1ss), demonstrando seu amadurecimento e mudança de personalidade
em relação ao Pedro descrito nos Evangelhos. O livro de Atos também descreve sobre a
sua prisão em Jerusalém, de onde escapa milagrosamente (At 12.17), contudo não
descreve mais nada sobre sua vida. Outras informações sobre Pedro são descritas por
Clemente e também pelo livro apócrifo Atos de Pedro, que dá a entender que Pedro
morreu na perseguição empreendida por Nero, onde sofre martírio, crucificado de cabeça
para baixo, contudo, não há certeza da veracidade destas tradições. Portanto, Pedro, o
galileu que foi testemunha ocular e participante da vida de Cristo é o legitimo autor desta
carta.
3.2.2 Destinatários
Bem como a autoria da carta, os destinatários também estão identificados nas
primeiras linhas da carta. Não se sabe se a região era da província romana ou antigas
regiões étnicas, mas a região a quem foi destinada a carta era a Ásia Menor, hoje Turquia.
Não há discussões que se contrapõe ao falar sobre os destinatários, pois os leitores eram
27
cristãos gentílicos84 da Ásia Menor, onde Höster, Tenney, Holmer afirmam que somente
se pode afirmar de ex-gentios as colocações de desejos antigos e costumes pecaminosos
do passado85. Portanto, os leitores da primeira carta de Pedro são os gentios que sofriam
com desprezos e perseguições, sendo resgatados do fútil procedimento que seus pais os
legaram como gentios, não importando para o autor se eram judeus ou gentios como tais,
mas o que lhe importava era lhes escrever uma carta de exortação e incentivo para que
este povo permanecesse na fé, sem apostasia, pois em Cristo todos se tornaram povo de
Deus que precisam de cuidados em meio ao sofrimento trazido pela perseguição.
3.2.3 Local e Data
Sobre o local de redação da carta, encontramos a referência de onde Pedro
escreve em 1 Pedro 5.13, onde o local de redação é citado como Babilônia, que Höster,
Tenney e Holmer afirmam que Babilônia representa a cidade de Roma, pois para o povo
da época, Roma o local da inimizade com Deus, da idolatria e da sedução mundana, como
era considerada a Babilônia no tempo do Antigo Testamento. Carson ainda complementa
a ideia de que Babilônia refere-se a Roma dizendo que não teria nenhum motivo para que
Pedro estivesse na Babilônia em suas viagens missionarias. Sendo o local de redação da
carta Roma, identificada pelo nome Babilônia, Höster data a escrita da carta em torno do
ano de 6586. Holmer e Tenney e Carson afirmam que a carta é escrita entre o começo e os
meados dos anos 60, pois Pedro teria morrido e redigido a carta sob a perseguição de
Nero a partir de 57d.C87.
3.3 ANÁLISE DAS TRADIÇÕES
As palavras carregam conceitos complexos, tradições, e possuem uma história
por de trás do seu significado. Sendo assim, no NT, os significados das palavras trazem
84 Carson expõe que por muito tempo acreditou-se que era uma comunidade de Judeus que foram
evangelizados e convertidos por Pedro, (Gl 2.9). Contudo, as evidencias de que este povo era judeu são
quase nulas, sendo possível que alguns judeus estivessem nesta comunidade, mas os gentios convertidos
são os destinatários da carta. Cf. CARSON, 1997, p. 471. 85“No passado sua vida, na ignorância, foi determinada pelas paixões (1Pe 1.14), outrora eram “não um
povo” agora, porém são povo de Deus (1Pe2.10), no tempo passado realizava a vontade dos gentios
(1Pe4.3s). Contudo, dois aspectos são muito característicos dos destinatários da carta: há muitos recém-
convertidos entre eles (1Pe2.2); e eles passam por diversos sofrimentos e aflições (1 Pe 1.6; 2.20; 3.14ss;
4.12ss; etc.)”. Cf. HOLMER, 2008, p. 132. 86 Cf. HÖRSTER, 1996, p. 165. 87 Cf. HOLMER, 2008, p.131-35; CARSON, 1997, p. 467; Cf. TENNEY, 2008, p. 353-61.
28
profundas informações, pois algumas palavras são utilizadas no seu sentido histórico,
sentido amplo ou restrito, ou também são resinificadas a partir da fé cristã. Portanto,
foram selecionadas palavras que carregam alguma tradição na perícope analisada.
1. Cristo (Χριστοῦ) – é o equivalente do hebraico meshia, pessoa que foi
cerimonialmente ungida. A palavra grega não expressa nenhum honra, mas no Antigo
Testamento, o sumo sacerdote e o rei são ungidos para suas funções, e é por conta dessa
tradição veterotestamentária que a palavra ganha sentido tão especial.88
2. Sofrer (παθόντος) – Significa sofrimento, paixão. Em seu uso geral no NT o
termo é usado para falar do Sofrimento de Cristo, como aquele que sofreu muitas coisas,
pois a paixão de Cristo não era considerada acidental, mas sim divina, pois já foi predita
no AT (Mc 9.12; Lc 24.26; At 3.18; 1 Pe 1.11). O Sofrimento de Cristo também traz o
aspecto soteriológico, pois o sofrer como cristão significa participar dos sofrimentos de
Cristo.89
3. Carne (σαρκὶ) – significa carne, e equivale ao termo basar do hebraico,
podendo designar o ser humano inteiro, como parentesco ou comunidade. Muitas vezes
o termo se refere ao que é puramente humano. O ser humano-carne também é aquele que
está sujeito às tentações e ao pecado, ao sentimento e à morte. Sendo assim, carne
representa o homem por inteiro, por isso Cristo sofreu em carne. 90
4. Preparai (ὁπλίσασθε) – O termo origina-se de na qual é uma
ampliação metafórica de armar-se que não se encontra no NT, preparar, com ênfase no
processo de prover de equipagem.91 Este termo era deriva de uma linguagem militar.92
5. Pecado (ἁμαρτίας) – Seu significado original é ‘errar, erra o alvo, perder,
enganar-se’. No AT não existe uma palavra geral para pecado, mas usa-se hamartia para
culpa, e pecado, também usa-se a palavra awôn, para culpa, pecado, denotando o desvio
consciente do caminho certo. Acima de tudo, o pecado representa a culpa que o indivíduo
carrega. No NT, a palavra usada para pecado carrega consigo aquilo que é dirigido contra
Deus, que afasta o ser humano de Deus e o faz sofrer na carne.93
88 RENGSTORF, K. Χριστός. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de
teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000. v.1, p. 1079-1081. 89 GÄRTNER, B. πάσχω. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia
do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v.2, p. 2412-19. 90 THISELTON, A. C. σάρξ. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia
do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v. 1, p. 274. 91 ὁπλίσασθε. Cf. LOUW; NIDA, 2013, p. 609. 77.10. 92 KITTEL, Gerhard. Theologisches Wörterbuch zum Neuen Testament. Stuttgart: W. Kohlhammer,
[1933-1979], v.5, p. 294. 93 BAUDER, W. ἁμαρτίας. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia
do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v.2, p. 1602-1608.
29
6. Desejos profundos (ἐπιθυμίαις) – Já ocorre antes de Sócrates, e tem por
significado básico, já no grego secular, o emocionar-se acerca de algo, um impulso o
desejo. A Septuaginta utiliza esta palavra com o significado grego primário – um desejo
tanto ruim quanto bom. No Novo Testamento aparece com conotação neutra ou boa, mas
na maioria das ocorrências tem sentido negativo.94
7. Vontade (θελήματι) – No grego clássico este termo significava desejo,
intenção, e mais tarde passou a ser conhecido como vontade. No AT, muitas das
ocorrências referem-se a respeito de um aspecto do caráter de Deus, também como
vontade de Deus, quando usado para o ser humano pode denotar um desejo, vontade e
também a má vontade. No NT, este termo na sua maioria é usado em relação à vontade
de Deus, descrevendo a origem verdadeira totalidade do evento de salvação em Cristo.95
8. Libertinagem (ἀσελγείαις) – Vem do grego traduzida como cama, leito
nupcial, relação sexual, que é empregada no plural e sempre acompanhada por termos
como orgia, portanto, libertinagem está ligada à libertinagem sexual.96
9. Abominação (ἐπιθυμίαις) – Significa desejo, concupiscência, desejar, querer.
No grego clássico já tem o sentido do impulso e desejo. No AT têm o sentido de uma
atitude moralmente indiferente, um desejo ímpio que se opõe a vontade de Deus. No NT
em todos os casos a conotação da palavra é má, desejo maligno ou cobiça, o pecado que
rege o homem. De uma forma geral, ἐπιθυμίαις representa a carne e suas paixões, um
poder que atrai, seduz e engoda o homem, escravizando-o.97
10. Embriaguez (οἰνοφλυγίαις) – Significa embriaguez, com a implicação de
consumo de grande quantidade de vinho – “embriaguez, bebedeira”. Palavra usada
somente por Pedro em 1 Pedro 4.3.98
11. Festança (πότοις) – Uma festa que envolve ingestão irrestrita de bebidas
alcoólicas, sendo acompanhada de comportamento imoral, utilizada como orgia, festança,
por Paulo em Rm 13.13, e por Pedro em 1 Pe 4.3.99
94 SCHÖNWEISS, H. ἐπιθυμία. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de
teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000. v. 1, p. 524. 95 MÜLLER, D. θελήματι. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia
do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v.2, p. 2678-84 96 BROWN, C. . In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia do
Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v. 1, p. 305. 97 SCHÖNWEISS, H. ἐπιθυμία. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de
teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v. 1, p. 524. 98 οἰνοφλυγίαις. Cf. LOUW; NIDA, 2013, p. 687, 88.284. 99 BROWN, C. . In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia do
Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v. 1, p.305. Cf. LOUW; NIDA, 2013, p. 687, 88.288.
30
12. Orgia (κώμοις) – A palavra significava um bando de amigos que
acompanhava um vencedor dos jogos até sua casa, onde cantavam suas alegrias e
louvores. Mas a palavra degenerou até vir a significar “bacanal”, um bando de bêbados
bagunceiros andando e cantando pelas ruas.100
13. Idolatria (εἰδωλολατρίαις) – No AT a palavra sempre se refere sem nenhuma
exceção às imagens dos deuses pagãos e às divindades por elas representadas. No NT o
uso deste termo é o mesmo do AT, porém, também pode significar carne oferecida em
sacrifício, mas tendo o pano de fundo da condenação a adoração a deuses falsos.101
14. Atos impensados (ἀσωτίας) – Este termo somente ocorre três vezes no NT,
em Efésios 5.18, Tito 1.6, e 1 Pedro 4.4, onde tem o sentido de uma não vida, uma vida
no deserto, uma vida levada sem sentido algum, uma vida levada com a mente vazia.
Significa portanto, uma vida que tem atitudes impensadas em relação às consequências
de uma ação.102
15. Pronto (ἑτοίμως) – Seu sentido desde o grego clássico é de prontidão,
resolução. No AT, têm o sentido de estar firmemente estabelecido, como na criação,
quando Deus estabeleceu os céus, estabeleceu a terra sobre os rios, etc. No NT esta
palavra tem seu sentido na: atividade de Deus na criação e na providência em termos da
história da salvação, ou também o preparo e a prontidão do homem.103
16. Julgar (κρῖναι) – No grego clássico este termo não se limita a esfera do
direito. No AT krino não significa apenas julgar, mas também punir, contender, vindicar,
obter justiça para uma pessoa. No NT ele se encontra como termo jurídico e semi-jurídico.
Quando se emprega de forma passiva, há referência à atividade do Juiz divino, pois Cristo
julga os vivos e os mortos, também julga os segredos dos homens, o mundo, cada homem
de acordo com suas obras.104
17. Evangelizado (εὐηγγελίσθη) – O termo deriva de angelos, o ‘mensageiro’, e
no grego clássico é aquele que traz uma mensagem de vitória ou quaisquer outras notícias
políticas ou pessoais que causam alegria. No AT, o termo significa recompensa por boas
novas, anunciar, contar, publicar. No NT, este termo ressalta o aspecto de que o evangelho
100 Cf. RIENECKER, ROGERS, 1995, p. 565. 101 MUNDLE, W. εἰδωλοn. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia
do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v. 1, p. 999-1002. 102 FOESTER. ἀσωτίας. In: KITTEL, Gerhard. Theologisches Wörterbuch zum Neuen Testament.
Stuttgart: W. Kohlhammer, [1933-1979], v.1, p. 504. 103 SOLLE, S. ἑτοίμως. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia do
Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v. 2, p. 1899. 104 SCHNEIDER, W. κρῖναι. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia
do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v.1, p. 1100-1105.
31
poderoso anunciado não é uma palavra humana, mas sim, a palavra de Deus. Este
evangelho produz novo nascimento e nova vida.105
18. Espírito (πνεύματι) – Pneumati deriva de pneuma, que significa o princípio
da vida concedido por Deus, o espírito de vida concedido por Deus. Deus mesmo é o
espírito, e o pneuma é o princípio no qual o ser humano se coloca em consonância à
vontade de Deus. Peneuma em Pedro se opõe com sarx e psyché, se opondo à natureza
pecaminosa do ser humano. Pneuma e soma se contrapõe, mas se complementam,
portanto o corpo espiritual descreve o ser humano em total comunhão com Deus, com o
próximo e com o mundo, diferente de corpo carnal (sarx) na qual o ser humano é alienado
de Deus.106
105 BECKER, U. εὐηγγελίσθη. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de
teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v.1, p. 757-765. 106 BROWN, C; DUNN. J. D. G. πνεύματι. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário
internacional de teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v. 1, p. 713-741.
32
4. CORAÇÃO DO TEXTO
Nesse novo capítulo trata-se do conteúdo que pulsa no centro e dá sentido ao
trecho bíblico em análise. Sendo assim, visa-se aproximar da intenção do autor ao
escrever seu texto com determinadas palavras, buscando uma inserção no mundo
contemporâneo do texto para esclarecer dados e fatos históricos que são pressupostos pelo
mesmo. Também busca-se analisar textos que tenham opções e posturas idênticas
tomadas por Jesus ou também em outras partes da Bíblia por diferentes testemunhas do
NT ou do AT. Tudo isso para que assim se possa entender o texto bíblico em sua essência
original na escrita de Pedro.
4.1 CRISTO SOFREU NA CARNE
Cristo sofreu na carne é a tese central do autor na qual permeia toda perícope de
1 Pedro 4.1-6, sendo assim, este é o principal e único modelo que Pedro utiliza para
admoestar os leitores de sua carta. Visto que também Cristo é o personagem principal do
Novo Testamento e da vida de Pedro, ele está em torno dos pensamentos e da
admoestação de Pedro aos seus leitores.
Pedro fala de Cristo em suas duas cartas vinte e sete vezes, sendo vinte delas na
primeira carta, onde encontramos já em sua saudação a identificação de Pedro como
apóstolo de Jesus Cristo (1 Pe 1.1), ou seja, Pedro tinha uma ligação bem forte com Jesus,
pois foi chamado por Cristo a ser um dos doze discípulos e também enviado como
apóstolo. Pedro inicia sua Carta falando de Cristo em sua saudação e ainda identifica a
comunidade que estava recebendo a carta como aquela que foi escolhida por Deus para a
obediência em Jesus Cristo e para a aspersão do seu sangue (v.1.2). Pedro ainda identifica
a comunidade como aquela que, a medida que se aproxima mais de Cristo, está sendo
usada como pedras vivas na edificação de uma casa espiritual por meio d’Ele (v. 5.5).
Sendo assim o autor e a comunidade identificados em Cristo. Pedro encerra a sua carta
também falando de Cristo, abençoando todos aqueles que se acham em Cristo com a Paz
(v. 5.14). Sendo assim, Cristo é o fundamento central para a vida de Pedro e de sua carta.
Para Pedro, Cristo é reconhecido como filho de Deus (v.3), aquele que já era
conhecido antes da criação do mundo (v.20), ou seja, que já estava com o Pai desde
sempre, mas foi enviado e revelado a todos na terra como cordeiro sem mancha e sem
defeito (v.19), que realizou a obra redentora na Cruz para realizar o sacrifício perfeito e
33
único do perdão dos pecados, onde derramou seu sangue morrendo e ressuscitando dos
mortos (v.3)107. Sendo assim, Cristo é aquele que traz a esperança viva (v.3) para resgatar
todos aqueles que nele creem (v.1.18-19). Ainda, Cristo é aquele que deve ser santificado
no coração de cada um (v.16), sendo assim, tudo o que fizerem em suas vidas, devem
fazer para que Deus seja glorificado mediante Jesus Cristo a quem se deve toda glória e
poder para todo o sempre (v.4.11).
Uma das características enfatizadas por Pedro ao falar de Cristo é o seu
sofrimento. Para isto, o autor fala que o Espírito de Cristo, que é Deus, já estava nos
profetas quando estes escrevem sobre os sofrimentos que o próprio Cristo haveria de
suportar (v. 1.10-11). A temática do Cristo que sofreu está presente pelo menos em seis
passagens de forma direta (v. 1.11; 2.21; 3.18; 4.1; 4.13; 5.1), e também em duas de forma
indireta (v. 1.2 e 1.19).
É o sofrimento de Cristo que permeia a perícope analisada de 1 Pedro 4.1-6. O
Cristo que sofreu (1 Pe 4.1) se remete ao Cristo que já havia sendo falado nos versículos
18-22 do capítulo 3. Este sofrimento de Cristo remete-se à vários passagens do Novo
Testamento, mas principalmente retoma o texto de Isaías 53108 conhecido como o texto
do Servo Sofredor, onde agora entende-se que Cristo cumpriu na cruz esta profecia.
Sofrimento de Cristo significa a sua própria morte (Hb 2:9). O sofrimento de Cristo se dá
pelo fato de carregar todos os pecados da humanidade, aniquilando-os de uma vez por
todas, seja pelos justos ou pelos injustos (v. 3.18).
O Cristo que sofreu na Carne expresso na perícope em análise refere-se a duas
dimensões dentro do Novo Testamento. A primeira dimensão faz referência a Paixão do
próprio Cristo, ou seja, sua vida, morte e ressureição109. A segunda, refere-se diretamente
ao sofrimento carnal dos seguidores de Cristo110.
107 Hebreus 9.26,28: 26De outra maneira, necessário lhe fora padecer muitas vezes desde a fundação do
mundo. Mas agora na consumação dos séculos uma vez se manifestou, para aniquilar o pecado pelo
sacrifício de si mesmo;28Assim também Cristo, oferecendo-se uma vez para tirar os pecados de muitos,
aparecerá segunda vez, sem pecado, aos que o esperam para salvação; Tito 2.4: O qual se deu a si mesmo
por nós para nos remir de toda a iniqüidade, e purificar para si um povo seu especial, zeloso de boas obras. 108 “Certamente ele tomou sobre si as nossas enfermidades e sobre si levou as nossas doenças, contudo nós
o consideramos castigado por Deus, por ele atingido e afligido. Mas ele foi transpassado por causa das
nossas transgressões, foi esmagado por causa de nossas iniqüidades; o castigo que nos trouxe paz estava
sobre ele, e pelas suas feridas fomos curados. Todos nós, tal qual ovelhas, nos desviamos, cada um de nós
se voltou para o seu próprio caminho; e o Senhor fez cair sobre ele a iniqüidade de todos nós”. Isaías 53.
4-6. (NVI) 109 Mt 17.12; Lc 22.15; 24.26; At 1.3; Hb 2.18; 5.8; 9.26; 13.12; 1 Pe 2.21, 23; 3.18; 4.1. 110 Mt 17.15; 27.19; Mc 5.26; Lc 13.2; At 9.16; 28.5; 1Co 12.26; 2 Co 1.6; Gl 3.4; Fl 1.29; 2 Ts 1.5; 2 Tm
1.12; 1 Pe 2.19,20; 3.14; 4.1,15,19; 5.10; Ap 2.10.
34
Pedro entende a carne como uma relva que murcha (1 Pe 1.24), algo transitório
e passageiro, de onde brotam os desejos impuros, principalmente pelo fato de a carne ser
manchada pelo pecado. Porém ao usar a palavra carne como o sofrimento de Cristo
significa que Cristo, o servo sofredor sofreu na carne, ele como homem sofreu e morreu
na carne. Carne no mundo do Novo Testamento significa um corpo com vida, um corpo
físico de uma pessoa, sendo assim, Cristo o verbo de Deus vem a terra como carne. É em
carne que Cristo torna-se uma pessoa111. Desta forma, este ato de Cristo sofrer na carne
significa seu sofrimento físico112, referindo-se exclusivamente à Sua própria morte (Hb
2.9, 13.12; Lc 24.46; At 3.18, 3.15, 17.3), Sua ressureição, Sua entrada na glória e Sua
demonstração de Si mesmo, vivo (At 1.3)113. É o sofrimento de Cristo que carrega consigo
o aspecto soteriológico, na qual Ele é o sacrifício expiador no lugar dos pecados dos seres
humanos, como já dito anteriormente. Foi somente por razões soteriológicas que Cristo
teve que manter sua completa humanidade, tendo como consequência o sofrer na carne
(1 Pe 4.1).
O sofrimento na carne de Cristo significa para seus seguidores, “não a libertação
do sofrimento terrestre, mas, sim, a libertação para o sofrimento terrestre” 114 (grifo
nosso). Sendo assim, Cristo sofreu e foi tentado em carne como cada um dos seres
humanos, porém sem nenhum pecado, sendo agora capaz de compadecer-se e lutar em
favor das fraquezas do ser humano pecador, pois ele participou de todas as experiências
do Seu povo. (Hb 2.18, 4.12, 4.15). Este sofrimento na carne de Cristo pelos seres
humanos aconteceu de uma vez por todas (Hb 7:27; 9:12; Rm 6:10), como diz em 1 Pe
3:18: “Pois também Cristo sofreu pelos pecados uma vez por todas, o justo pelos injustos,
para conduzir-nos a Deus”. É por isso que seu sofrimento na carne chama seus seguidores
a suportar em obediência todos os tipos de sofrimento, pois Cristo é o modelo e o exemplo
111 Cf. LOUW; NIDA, 2013, p. 86, 8.4. 112 “ ‘o Verbo se fez carne’ (Jo 1; 14; cf 6:51-56); o teste para descobrir se um espírito vem de Deus depende
da confissão de que “Jesus Cristo veio em carne” (Jo 4:2, cf, 2 Jo 7). A palavra falada por Deus não era
meramente uma realidade interior ou psicológica. A palavra e o ato se tomaram uma unidade que se
interpretam mutuamente, e Deus surgiu no palco da história com alto preço de um ato que acarretava
conseqüências físicas. Assim, outros escritos no NT, além de João, ressaltam que Cristo padeceu “na carne”
(1 Pe 4:1), ou que “Deus foi manifesto na carne” (1 Tm 3:16; cf. Lc 24:39; Rm 8:3; Ef 2:15; Hb 5:7)”.
THISELTON, A. C. . In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia
do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v. 1, p. 282. 113 GÄRTNER, B. . In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia
do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v. 2, p. 2416-19. 114 GÄRTNER, B . In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia do
Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v. 2, p. 2417.
35
a ser seguido, chamando a todos a partilhar de um caminho semelhante para que assim
seu povo chegue a Deus (1 Pe 2:21; 1 Pe3.18 Hb 13:12-13)115.
Pedro, portanto, chama seus leitores a participarem do sofrimento de Cristo na
carne, que nada mais é do que participar dos sofrimentos de Cristo, sofrimento este que
nada é perante a glória que está por vir (Rm 8:18; Fp 1.29; 3.10; 1 Pe 4.13, 5:10).
Sendo assim, Cristo é o Messias que veio ao mundo dar a sua vida pelos
pecadores. É por meio da morte na Cruz e da ressureição que todos que nele creem têm a
vida eterna. Por amor, Cristo que não tinha pecados leva sobre si todos os pecados dos
homens, entregando-se em maldição ao morrer pendurado no madeiro para livrar o
homem da maldição que lhe cabia pela impossibilidade de cumprir a lei. Cristo, após sua
morte e ressureição está ao céu sentado à direita de Deus, de onde virá para buscar todos
aqueles que nele creem116.
4.2 DESTA CONVICÇÃO PREPARAI-VOS PORQUE CRISTO CESSOU DO
PECADO.
Pedro orienta seus leitores para que, da convicção de que Cristo sofreu na carne,
eles possam se preparar, pois Cristo foi aquele quem em seu sofrimento na carne cessou
de uma vez por todas do pecado.
A convicção da qual Pedro se refere ocorre somente duas vezes no Novo
Testamento através do termo grego ἔννοιαν, porém, na Septuaginta (LXX) este termo
ocorre em nove passagens do livro de Provérbios117. Nestas passagens de provérbios da
LXX, ἔννοιαν é conhecido como ação de um pensamento, reflexão, sabedoria, ideia,
noção, conhecimento, concepção118. Esta palavra em sua primeira ocorrência no NT
encontra-se em Hebreus 4.12, onde o autor da carta fala de ἔννοιαν como pensamento, já
Pedro utiliza ela como convicção. Ambas traduções são corretas, pois ἔννοιαν significa
uma forma especial de pensar, uma forma de pensar que leva a alguma atitude, uma
115 GÄRTNER, B . In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia do
Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v. 2, p. 2417. 116 Passagens bíblicas que referenciam o escrito do parágrafo sobre Cristo: Rm 5.6-8; Rm 8.3; 2 Co 5.21;
Gl 3.13; Zc 9.9; Mt 27.19,24; At 3.14; At 22.14; Tg 5.6; 1 Jo 1.9. 117 Pv 1:4; 2.1; 3:21; 4:1; 5:2; 8:12; 18:15; 19.7; 23.4. 118 “act of thinking, reflection, cogitation [...] notion, conception, idea” Greek-English Lexicon of the
Septuagint. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 2003, p.205. Este termo na LXX deriva do hebraico
quando se fala de entendimento, sabedoria, compreensão. Cf. ATCH, Edwin; REDPATH, Henry A. A
Concordance to the Septuagint: and the other greek versions of the old testament. Grand Rapids: Baker
Book House, 1984, v.1, p. 475.
36
disposição, um entendimento de algo119. Por isso Pedro orienta seus leitores para que
desta forma de pensar - do Cristo que sofreu na carne - eles possam se prepara em suas
vidas.
Os leitores, portanto, são chamados a viverem sua vida armados com o
pensamento, com o conhecimento do Cristo que sofreu na carne. Esta preparação é uma
ampliação metafórica de , “armar-se” que não ocorre em outras passagens do
Novo Testamento ao não ser em 1 Pe 4.1. Este termo deriva da palavra ὁπλov, que na
LXX está sempre ligada ao armamento utilizado no contexto de guerras, principalmente
no contexto do livro de Números capítulos trinta e um e trinta e dois, no contexto da
conquista e povoamento das regiões do Neguebe e Transjordânia120. Também outras duas
passagens do Antigo Testamento na LXX se encontram este termo, que são,
Deuteronômio 3.18 e 2 Samuel 2:21, onde também o termo ὁπλί é encontrado para
referir-se as armas utilizadas em guerras.
Já no mundo do Novo Testamento, não mais se utiliza este termo para falar de
armas para uma guerra, mas sim para se falar em um sentido metafórico da palavra que
deve ser entendido como armar-se, no sentido de preparar-se para enfrentar algo, que no
AT eram guerras e no contexto de Pedro e do Novo Testamento era o sofrimento por
causa de Cristo121. Portanto, quando Pedro escreve aos leitores que se preparem com o
mesmo pensamento do Cristo que sofreu na carne, ele tinha em mente uma palavra que
era bem conhecida para exortar que seus leitores se armem, se equipem com a arma que
é o Cristo que sofreu na carne, como uma armadura em suas vidas122.
Da convicção de que Cristo sofreu na carne preparai-vos, pois foi Cristo que com
seu sofrimento na carne cessou do pecado. Cristo, como já dito, é o cordeiro de Deus que
tira o pecado do mundo (Jo 1.29), pois o Cordeiro de Deus que sofreu na carne rompeu
com pecado. Pecado significa errar, errar o alvo, perder-se, sendo uma palavra exclusiva
do Cristianismo, pois significa o desvio do caminho certo, que para o homem é o caminho
que leva a Deus. Desta forma, pecado significa tudo aquilo que é dirigido do homem
contra Deus, tudo o que o afasta de Deus. O pecado somente é revelado quando o homem
conhece a Cristo, pois o pecado habita na carne do ser humano, que o faz se tornar inimigo
de Deus, fazendo-o sofrer até seu fim que é a morte. É por isto que para Pedro o
119 Cf. LOUW; NIDA, 2013, p. 314, 30.5. 120 Nm 31.3; 32.17; 32.20; 32.21. 121 Jo 18.3; Rm 6.13, 13.12; 2 Co 6.7, 10.4; 1 Pe 4.1. 122 Cf. LOUW; NIDA, 2013, p. 609, 77.10.
37
sofrimento de Cristo na carne deve ser a armadura do ser humano, pois Cristo veio ao
mundo como carne, mas sem pecado, sendo portanto aquele que redimiu, rompeu com
todo pecado existente123.
4.3 PARA NÃO MAIS EM DESEJOS PROFUNDOS DOS HOMENS, MAS
CONFORME A VONTADE DE DEUS VIVER O TEMPO RESTANTE NA CARNE.
Cristo sofreu na carne para que também o homem não viva mais em desejos
profundos da carne. Estes desejos significam em sua origem no grego clássico um
impulso, um desejo. Já na LXX em suas ocorrências dentro do AT124 elas podem
significar tanto desejos bons, quanto desejos negativos, porém, o que prevalece é o
sentido negativo da palavra, que é um desejo ímpio que se opõe a vontade de Deus (Nm
11.4; Nm 11.34; Dt 9.22)125. Este sentido negativo dos desejos é o que também prevalece
no Novo Testamento, são trinta e quatro aparições, tendo ainda mais quatro falando do
termo no seu sentido bom ou neutro dos desejos (Lc 22.15; Fp 1.23; 1 Ts 2.17 e, talvez,
Ap 18:14).
Os desejos significam para Pedro tudo aquilo que já significava para os escritores
do NT126 em sua maioria, ou seja, um profundo desejo maligno. Este desejo maligno já
para Jesus é considerado um pecado dotado de poder destrutivo (Mc 4.19; Mt 5.28), pois
Jesus já ensinava que estes desejos profundos emanam do coração maligno que se separou
de Deus, ou seja, os desejos profundos já habitam na carne. Pedro, portanto, utiliza este
termo para falar aos leitores que antes deles revestirem-se com o Cristo que sofreu na
carne eles viviam conforme os desejos dos homens, que nada mais é do que uma vida em
pecado, pois os desejos profundos habitam e regem a , a vida do ser humano. É “o
poder da “velha natureza” (Ef 4:22) que se vê em ἐπιθυμίαις”127, ou seja, nos desejos
profundos dos homens. É por isso que Pedro fala dos desejos profundos que habitam nos
homens, referindo-se aos seres humanos em geral, que estão corrompidos pelo pecado
123 1 Pe 2.21-25; 3.18; 4.1. Cf. BAUDER, W. ἁμαρτίας. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário
internacional de teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v.2, p. 1602-1608. 124 Dt 12:20-21; Gn 31:30. 125 “Se o décimo mandamento Êx 20:17 proíbe semelhante cobiça, é porque Deus deseja da parte dos
homens não meramente a obediência em atos, mas também nas palavras, pensamentos, olhares, esforços e
desejos. Deseja que haja amor de todo o coração (Dt 6:5)”. Cf. SCHÖNWEISS, H. ἐπιθυμία. In: BROWN,
Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo:
Vida Nova, 2000. v. 1, p. 524. 126 Mc 4.19; Jo 8.44; Rm 1.24; 6.12; 7.7; 13.14; Gl 5.16; Ef 2.3; 4.22; Cl 3.5; 1 Tm 6.9; 2 Tm 2.22; 3.6;
4.3; Tt 2.12; Tg 1.14,15; 1 Pe 1.14; 2.11; 4.2; 2 Pe 1.4; 2.10, 18; 3.3; 1 Jo 2.16. 127 Cf. SCHÖNWEISS, H. ἐπιθυμία. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional
de teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000. v. 1, p. 525.
38
desde Adão, tendo desejos por causa de sua carne, sofrendo com paixões, com
concupiscência, com aquilo que o afasta cada vez mais de Deus.
Sendo assim, Pedro utiliza este termo, pois os desejos profundos atraem e
seduzem o ser humano que acaba sendo dominado por eles (Tg 1.4; 1 Pe1.14; 2 Pe 2.18),
prometendo uma completa liberdade e independência, que na realidade acaba
escravizando-os. Por isso os desejos profundos dos homens buscam a gratificação em
Deus, como Paulo já diz em Gálatas: “Por isso digo: vivam pelo Espírito, e de modo
nenhum satisfarão os desejos da carne” (5.16). Tudo isto para dizer aos seus leitores que
somente se pode viver uma vida conforme a vontade de Deus se estiverem revestidos da
convicção do Cristo que sofreu na carne.128
Somente a vontade de Deus é a resposta divina aos desejos profundos que
habitam no ser humano. O termo θελήματι indica originalmente um desejo, uma intenção,
que passou a ser utilizado para se falar da vontade. Esta vontade pode estar direcionada a
dois sujeitos, aos seres humanos ou a Deus. Quando direcionada aos seres humanos, a
vontade pode denotar um desejo que provém de sua carne ou a vontade de alguma
autoridade que pode ser boa ou má129. Quando a vontade é direcionada a Deus, refere-se
em todos os seus casos à vontade de Deus130. A vontade de Deus131 é somente uma, não
existem duas ou mais, sendo ela a salvação em Cristo. A vontade de Deus é somente que
os seres humanos sejam salvos pela obra salvífica que seu próprio e único Filho cumpriu
ao morrer na cruz, pois é no evento de Cristo que a vontade de Deus se desvenda ao ser
humano (Gl 1.4). É em Jesus Cristo que sua vontade se cumpre, pois, Jesus cumpre a
vontade do Pai132, onde a vida através da salvação alcança ao ser humano, tornando-se
então também um filho de Deus (Ef 1.5) unidos somente à Ele (Ef 1.10). Portanto, o alvo
único e exclusivo da vontade de Deus é que todos os seres humanos cheguem ao
conhecimento da verdade (1 Tm 2.4)133.
128 Cf. SCHÖNWEISS, H. ἐπιθυμία. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional
de teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000. v. 1, p. 524-525. 129 A vontade do próprio ser humano é dominada pela sua sarx, ou seja, dominada pelo pecado, sendo o
diabo aquele que realiza a vontade da carne (2 Tm 2.26); Como diz em Efésios 2.3: “Anteriormente, todos
nós também vivíamos entre eles, satisfazendo as vontades da nossa carne, seguindo os seus desejos e
pensamentos. Como os outros, éramos por natureza merecedores da ira”. (NVI) 130 Lc 12.47; 23.25; Jo 7.17; 9.31; Atos; 21.14; 22.14; Rm 1.10; 2.18; 12.2; 15.32; 1 Co 1.1; 2 Co 8.5; Ef
1.5, 9, 11; 5.17; 6.6; Cl 1.9; 4.12; Hb 10.7, 10, 36; 13.2; 1 Pe 2.15; 3.17; 4.2, 19; 1 Jo 2.17; 5.14; Ap 4.11. 131 Sl 103.7; Is 44:28; Sl 103.21; 143.10. 132 Mt 6.10; 7.21; 12.50; 18.4; 21.31; 26.42; Jo 1.13; 4.34; 5.30; 6.38. 133 “Não é a volição (thelein) humana que é decisiva para a ação de Deus; é a vontade salvífica de Deus que
é a condição prévia para toda a volição humana. A liberdade da compaixão divina não depende do esforço
humano, e é igualmente independente da resistência humana. Deus realiza Sua vontade na história
precisamente nisto: faz tanto os obedientes quanto os empedernidos servirem ao Seu plano salvífico”.
39
Sendo assim, no sacrifício de Jesus Cristo, a vontade de Deus se cumpre e faz
com que a santificação do homem se torne possível (Hb 13.21; 1 Ts 4.3). Por isso o
homem que anda no Espírito, ou seja, na vontade de Deus, tem o poder para resistir ao
desejo dos homens (Gl 5.16; Rm 8.9)134. Por isso, os leitores devem ser revestidos de
Cristo, que sofreu na carne, para que não mais os desejos profundos dos homens
prevaleçam em suas vidas, mas a vontade de Deus, que para que se cumpra pode ocorrer
o sofrimento na carne.
4.4 POIS, PASSOU O TEMPO EM QUE PRATICAVAM OS DESEJOS DOS
GENTIOS, TENDO ANDADO EM: LIBERTINAGEM, ABOMINAÇÃO,
EMBRIAGUEZ, ORGIA, FESTANÇA E ABOMINÁVEL IDOLATRIA.
Esta oração é o clímax da primeira exortação de Pedro aos seus leitores, pois ele
agora explica o porquê devem revestir-se do Cristo que sofreu na carne. Pedro diz que
tempo suficiente já passou, já viveram tempo mais do que necessário praticando o desejo
dos gentios, listando assim seis práticas que pertencem aos gentios. Pedro utiliza a palavra
βούλημα para falar dos desejos, palavra esta que é difundida no NT como sinônimo do
termo θελήματι já abordado anteriormente, porém, há uma diferença entre as duas
palavras. βούλημα significa um desejo que brota a partir de um ato mental, sendo um
desejo que parte de uma livre escolha, já θελήματι significa um desejo, uma vontade que
brota do inconsciente. Sendo assim, Pedro utiliza sabiamente as duas palavras, pois
quando fala de θελήματι, está falando da vontade que é inconsciente, ou seja, que somente
Deus dá através do seu espírito. Ao βούλημα está falando do desejo que brota de sua
mente, que ele pode ter a livre escolha de fazer ou não. Portanto, o desejo dos gentios
significa uma decisão da sua vontade, um desejo que lhe trará uma consequência, por isso
sua liberdade de decisão humana135.
Quando Pedro fala dos desejos dos gentios, está se referindo ao grupo de pessoas
que se mantem unidos por costumes e hábitos. No NT os gentios significam todo povo
que não é escolhido por Deus, ou seja, os povos vizinhos do povo de Israel. Gentios eram
MÜLLER, D. θελήματι. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia do
Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v. 2, p. 2680. 134 “Sendo que epithymia (desejos profundos) se liga tão intimamente com a natureza do homem, o cristão
precisa constantemente ser atento e vigilante, para se conservar longe dela. Pode conquistá-la, se
constantemente permitir que seja controlado pelo Espírito de Deus e viver “segundo a vontade de Deus” (1
Pe 4:2)”. Cf. SCHÖNWEISS, H. ἐπιθυμία. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário
internacional de teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000. v. 1, p. 524. 135 MÜLLER, D. βούλημα In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia
do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000. v. 2, p. 2675-8.
40
considerados todos aqueles que se opunham a palavra de Deus ou até mesmo dos cristãos,
pois eles não conhecem a Deus (1Ts 4.5) e são desviados para os ídolos (1 Co 12.2), não
conhecendo a lei de Deus e nem a guardando (Gl 2.15). Ou seja, os gentios vivem na
futilidade de suas mentes (At 14.16; Ef 4.17)136. Por estes fatos que Pedro fala dos desejos
dos gentios, que são aquilo que provém de suas mentes, aquilo que de maneira nenhuma
agrada a Deus. Seis características e atitudes que identificam os desejos dos gentios são
arroladas por Pedro, as quais serão abordadas uma por uma a seguir.
A primeira atitude deriva da palavra grega ἀσέλγεια, que significa um
comportamento totalmente desprovido de controle moral, onde geralmente se refere a
devassidão de ordem sexual, ou seja, a promiscuidade sexual137. Em suas ocorrências no
NT138 a palavra está sempre ligada com a devassidão e a imoralidade sexual. Portanto,
uma vida dissoluta e desregrada os leitores não tornam a fazer mais.
A segunda atitude é descrita por uma palavra já usada por Pedro ao falar dos
desejos profundos dos homens, a ἐπιθυμία, que nada mais é do que desejos que provém
da carne, a concupiscência. Sendo assim, ἐπιθυμία descreve a atitude de participar de uma
atividade que é moralmente inaceitável, cobiçar, desejar, ser lascivo, ter maus desejos,
paixões, ou seja, uma abominação aos olhos de Deus139.
Em sua terceira característica/atitude, Pedro utiliza a palavra οἰνοφλυγίαις, sendo
em 1 Pe 4.3 a única ocorrência dela no NT. Esta palavra deriva em sua etimologia de
que significa vinho. Sendo assim, esta atitude é caracterizada como bebedeira, uma
embriaguez constante140.
A quarta característica dos gentios é descrita pela palavra κώμοις, que
significava em sua origem um bando de amigos que acompanhava um vencedor dos jogos
até a sua casa, cantando alegrias e louvores. Porém, esta palavra se degenerou até
significar um “bacanal”, um bando de bêbados bagunceiros que andando e cantando pelas
136 Jesus Cristo já anunciava que mesmo ele ter vindo para os judeus, também os gentios iriam ser
alcançados (Mt 8:10-11; 15.24). Em sua vinda para terra e sua morte de Cruz, Jesus faz com que todos
participem da nova aliança e da sua salvação. Pedro descobre que o gentio também teme a Deus e é aceito
por Deus, de modo que também o Espírito Santo pode vir sobre eles, fazendo-os também aceitarem o
evangelho (At 10.35, 45; 11.1,18; Ef 2.11-12,17-22). (Cf. BIETENHARD, H. ἔθνος. In: BROWN, Colin;
COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida
Nova, 2000. v. 2, p. 1734-38.) 137 Cf. LOUW; NIDA, 2013, p. 686, 88. 272. 138 Mc 7.22; Rm 13.13; 2 Co 12.21; 1 Pe 4.3; 2 Pe 2.2,18; Jd 4. 139 Cf. LOUW; NIDA, 2013, p. 262, 25.20. 140 Cf. LOUW; NIDA, 2013, p. 687, 88.284; Cf. RIENECKER, ROGERS, 1995, p. 565.
41
ruas141. Uma festa que envolve ingestão irrestrita de bebidas alcoólicas, sendo
acompanhada de comportamento imoral, utilizada no NT apenas duas vezes, por Paulo
em Rm 13.13, e por Pedro em 1 Pe 4.3.
Para as duas últimas características, Pedro utiliza de dois termos que estão neste
contexto interligados. Primeiro ele utiliza a palavra ἀθεμίτοις, que significa aquilo que é
mau e detestável, algo que não é permitido142. Junto com ἀθεμίτοις, Pedro acrescenta a
palavra εἰδωλολατρίαις, que significa idolatria. Idolatria no AT sempre está ligada as
imagens dos deuses pagãos e as divindades que eles representam. No NT idolatria
significa o mesmo do AT, aquilo que o homem está sujeito a adorar. Idolatria é um dos
pecados graves contra quais sempre é necessário advertir os cristãos (1 Co 5.10-11;
10.7,14), pois sempre de novo caem na adoração a deuses falsos e não ao verdadeiro Deus
que se revelou em Jesus Cristo143.
De fundamental importância é esta lista de atitudes/características que Pedro
expõe aos seus leitores, pois a libertinagem, abominação, embriaguez, orgia e festança
não passam de desejos profundos dos homens, que brotam de sua carne, sendo tudo isto
uma abominável idolatria em que vivem. Por este fato é de extrema importância o que
Pedro fala a seguir, pois agora que os leitores conheceram a Cristo tudo mudou, a vida
que eles levavam antes já não é mais a mesma.
4.5 NISSO BLASFEMAM E SE ADMIRAM DE VÓS POR NÃO FAZEREM MAIS
AS MESMAS COISAS QUE ELES.
Pedro acrescenta uma nova pessoa na exortação que vinha fazendo, não está mais
falando para os leitores de Cristo, mas está falando dos blasfemadores que se admiram -
dos leitores – por não se juntarem mais com eles para fazer as mesmas coisas que eles.
Estes blasfemadores são descritos por Pedro como os pagãos (1 Pe 2.12), aqueles que
falam maldosamente contra os cristãos (1 Pe 3.16). Pedro em sua segunda carta descreve
quem ele reconhecia como blasfemador: “Mas eles difamam o que desconhecem e são
como criaturas irracionais, guiadas pelo instinto, nascidas para serem capturadas e
destruídas; serão corrompidos pela sua própria corrupção” (2 Pe 2.12). Em todo o NT os
141 Cf. RIENECKER, ROGERS, 1995, p. 565; Cf. BROWN, C. . In: BROWN, Colin; COENEN,
Lothar. Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v.
1, p.305; Cf. LOUW; NIDA, 2013, p. 687, 88.288. 142 Cf. LOUW; NIDA, 2013, p. 674, 88.143. 143 MUNDLE, W. εἰδωλοn. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia
do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v. 1, p. 999-1002.
42
blasfemadores são reconhecidos como aqueles que falam no sentido religioso com
referência direta ou indireta a Deus. O próprio Jesus foi considerado um blasfemador, na
qual recebeu sentença de morte144. Mas o que Pedro tem em mente são todos aqueles que
negam as reivindicações messiânicas de Jesus, o injuriando, o zombando. Desta forma,
também os seguidores de Cristo sofrem tudo aquilo que Jesus sofreu145.
Estes blasfemadores eram os que se admiram dos destinatários da carta, das
pessoas que estão em Cristo e já não vivem a mesma vida. Esta admiração é expressa pelo
autor da carta através da palavra ξενίζονται, que significa surpreender. Esta palavra tem a
ideia de ser surpreendido ou espantado pela novidade de uma coisa, ou ser surpreendido
por uma mudança na situação. Esta palavra carrega consigo o pensamento de ofender-se,
pois pessoas ignorantes costumam sentir um ressentimento irracional diante de qualquer
coisa que não se encaixe no padrão de vida que lhes é familiar. E é justamente isto que
aqueles que blasfemam sentem ao ver que, aqueles que agora seguem a Cristo mudaram
de vida, já não fazem as mesmas coisas que faziam antes. Por isso eles se espantam e se
surpreendem, pois aqueles cujo vivem com o Cristo que sofreu na carne, não se juntam
mais com os blasfemadores para fazer as mesmas coisas que eles146.
Estas coisas que os blasfemadores fazem estão descritas através da palavra
συντρεχόντων, que significa em seu sentido literal, correr juntos. Os blasfemadores se
admiram dos cristãos pois eles não se juntam mais para uma excessiva corrida para lugar
nenhum147, para uma corrida de atos impensados, para uma corrida dos desejos carnais.
Estes atos impensados ocorrem três vezes no NT148, onde somente existe um único
sentido, que é de uma não vida, uma vida no deserto, uma vida levada sem sentido algum,
uma vida levada por uma mente vazia. Isto nada mais é do que a vida que os gentios
levam através dos desejos profundos dos homens, que levam uma vida de atitudes
impensadas em relação às consequências de uma ação149.
144 Uma forma de utilizar βλασφημέω para falar sobre o ato de “difamar Deus” era reivindicar algum tipo
de igualdade com Deus. Na visão dos judeus do período do NT, qualquer afirmação neste sentido era
considerada prejudicial e injuriosa a natureza de Deus. Cf. Cf. LOUW; NIDA, 2013, p. 388, 33.400. 145 WÀHRISCH, H; BROWN, C. βλασφημέω. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário
internacional de teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v.1, p. 231-6. 146 Cf. RIENECKER, ROGERS, 1995, p. 565. 147 A palavra utilizada é ἀνάχυσιν, que significa uma ampliação metafórica de enchente. É algo excessivo,
que somente ocorre em 1 Pe 4.4, significando um ponto elevado em uma escala, um excesso de valor
negativo, onde se pode dizer que os blasfemadores levam uma vida de muita maldade sem nenhum objetivo.
Cf. LOUW; NIDA, 2013, p. 612, 78.26. 148 Efésios 5.18, Tito 1.6, e 1 Pedro 4.4. 149 FOESTER. ἀσωτίας. In: KITTEL, Gerhard. Theologisches Wörterbuch zum Neuen Testament.
Stuttgart: W. Kohlhammer, [1933-1979], v.1, p. 504.
43
4.6 OS QUE BLASFEMAM PRESTARÃO CONTAS AO QUE ESTÁ PRONTO PARA
JULGAR VIVOS E MORTOS.
Pedro está falando dos blasfemadores que os insultam por não se ajuntarem mais
aos mesmos atos impensados deles, pois é muito provável que casos destes estavam
ocorrendo em meio a comunidade. Sendo assim, Pedro agora fala do destino destes
blasfemadores e não mais de suas atitudes, pois o destino deles importa como consolo
para aqueles que estão em meio ao sofrimento da perseguição.
Desta forma, os blasfemadores prestarão contas, ou melhor, serão julgados ao
que está pronto para julgar os vivos e mortos. Mas quem está pronto para julgar os vivos
e mortos? Pedro utiliza a palavra ἑτοίμως que significa no grego clássico a prontidão,
resolução. No AT, têm o sentido de estar firmemente estabelecido, como na criação,
quando Deus estabeleceu os céus, estabeleceu a terra sobre os rios, etc. Já no NT esta
palavra tem seu sentido na atividade de Deus na criação e na providência em termos da
história da salvação, ou também o preparo e a prontidão do homem. O Senhor a quem
João foi chamado a preparar o caminho é o Senhor que há de vir, inesperadamente, como
um ladrão de noite, ou como o noivo ao casamento.
E é por causa disto que a igreja e seus membros devem ser exortadas a estar
pronta para sua vinda (Mt 24.44, Lc 12:40; Ap 19.7; 21.2). Sendo assim, Pedro tem em
mente ao escrever que aquele que está pronto, que está preparado é aquele que tem o
poder para julgar vivos e mortos150. Este ato de julgar é descrito pela palavra κρῖναι que
significa o julgamento do Juiz divino, ou seja, de Cristo, que é o que está pronto para
julgar (Mt 25. 31-46). Deus confiou todo o julgamento ao Filho, que em sua volta assim
o realizará (Jo 5.22). Portanto, Cristo é o que está pronto, é Cristo que julga os vivos e os
150 No seu cântico de louvor, Simeão declarou; “Os meus olhos já viram a tua salvação, a qual preparaste
diante de todos os povos” (Lc 2:30-31; cf. 3:6; Is 52:10). O mundo, porém, é incapaz de reconhecer, pelo
seu próprio entendimento, a salvação presente e prometida em Jesus: Deus a preparou para todos quantos
o amam (1 Co 2:9). É o propósito dEle, mediante a Sua livre graça eletiva, “dar a conhecer as riquezas da
sua glória em vasos de misericórdia, que para glória preparou de antemão” (Rm 9:23). Jesus consola os
Seus discípulos temerosos com as seguintes palavras: “Pois vou preparar-vos lugar” (Jo 14:2-3; mas cf. Mt
20:23 par. Mc 10:39). Assim também, Pedro pode encorajar os cristãos que passam por provações na Ásia
Menor, dizendo-lhes que “sois guardados pelo poder de Deus, mediante a fé, para a salvação preparada
para revelar-se no último tempo” (1 Pe 1:5). A livre graça de Deus não se confronta com a doutrina de que
Ele “está pronto para julgar vivos e mortos” (1 Pe 4:5; cf. Mt 25;34, 41), mas, sim, forma a base dela. O
convite, pois: “Vinde, porque tudo está pronto” (Lc 14:17; cf. Mt 22:4, 8; e também Jo 7:6: “O vosso tempo
sempre está presente”) já foi publicado, mas muitos revelaram ser indignos. Ninguém, porém, tem motivo
de gloriar-se em si mesmo: “pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus
de antemão preparou para que andássemos nelas” (Ef 2:10; cf. 2 Tm 2:21). Cf. SOLLE, S. ἑτοίμως. In:
BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento. 2.ed.
São Paulo: Vida Nova, 2000, v. 2, p. 1899.
44
mortos (2 Tm 4.1; 1 Pe 4.5-6), os segredos dos homens (Rm 2.16), o mundo (At 17.31),
cada homem de acordo com suas obras (1 Pe 1.17; Ap 20.12-13 cf. 2 Co 5:10)151. Este
ato de julgar é o julgamento completo, de toda criação, dos vivos e também dos mortos
(Jo 5.28-29). Sendo assim, vivos e mortos significa que todos seres humanos passarão
pelo julgamento do que está pronto152.
Como o Cristo que sofreu na carne, “Quando insultado, não revidava; quando
sofria, não fazia ameaças, mas entregava-se àquele que julga com justiça” (1 Pe 2.23),
entrega-se a Deus, o Justo juiz. Cristo sofreu na carne, morreu pelos vivos e pelos mortos
para que o julgamento de Deus seja feito diretamente ao ser humano, mas sim confia o
julgamento a Cristo em sua segunda vinda à terra153.
4.7 PARA ISSO TAMBÉM AOS MORTOS FOI EVANGELIZADO A FIM DE QUE
FOSSEM JULGADOS EM CARNE CONFORME OS HOMENS VIVAM NO
ESPIRITO DE DEUS.
Pedro agora parece esclarecer para a comunidade sobre aqueles que entre eles já
morreram, por isso que fala: para isto também aos mortos foi evangelizado. Este foi
evangelizado significa que alguém proclamou o evangelho para aqueles que já morreram.
Este evangelho proclamado o próprio Jesus Cristo154, Jesus é o mensageiro e autor da
mensagem, bem como assunto dela, é Aquele de Quem a mensagem conta. Evangelho é
o próprio Jesus Cristo, significando a boa-nova, a salvação vinda de Deus, a redenção do
mundo, na encarnação, morte e ressurreição de Jesus. O evangelho não apenas dá
testemunho da história da salvação, mas ele mesmo é a história da salvação. É através do
evangelho que a fé é criada, a salvação é dada, a vida oferecida, o julgamento revelando
a justiça de Deus, cumprindo a esperança prometida. Portanto o evangelho foi anunciado
aos mortos, ou seja, a vida, morte, ressurreição e glória de Jesus foi anunciada também
para aqueles em meio ao povo da Ásia Menor cujos já morreram, anunciados para aqueles
que não tem mais vida, falecidos. Pois, aqueles que já morreram, assim como os que estão
151 SCHNEIDER, W. κρῖναι. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia
do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v.1, p. 1100-1105. 152 Cf. RIENECKER, ROGERS, 1995, p. 565. 153 Sl 1.6; Ec 12.14; Ez 18.30; Mt 25.31-46; Jo 5.22,23,28,29; At 10.42; At 17.31; Rm 14.10-12; 1 Co
15.51,52; 2 Tm 4.1; Tg 5.9. 154 Mc 1.15; 8.35; 10.29; 13.10; 14.9; 16.15; Mt 4.23; 9.35; 24.14; 26.13; cf. também Mc 1.1,14)
45
vivos, necessitavam do evangelho que produz novo nascimento e nova vida, para que
assim eles pudessem ser julgados conforme os homens na carne155.
Este julgamento conforme os homens na carne não está ligado com o julgamento
do que está pronto já citado no v.4. Sendo assim, também aqueles que já morreram
receberam sua sentença na carne, ou seja, eles foram revestidos do Cristo que sofreu na
carne afim de que pudessem sofrer julgamentos na carne como aquele que os
blasfemadores realizam156. Sendo assim, para quem o evangelho foi anunciado há a
chance de uma nova vida, de viver conforme o Espírito de Deus, como foi para aqueles
que já morreram, que agora servem de exemplo para os vivos, pois os que já morreram
se revestiram do Cristo que sofreu na carne, e foram julgados pelos blasfemadores assim
como os vivos estão sendo julgados.
Portanto, embora conforme os homens (κατὰ ἀνθρώπους) tivessem sido
fisicamente julgados pela morte, haveriam de viver num estado espiritual conforme vive
Deus (kata theon). Este estado espiritual somente é oferecido por Deus através de seu
Espírito, que está descrito através da palavra πνεύματι Θεὸν, que significa o princípio da
vida concedido por Deus, o espírito de vida concedido por Deus. Deus mesmo é o
Espírito, o πνεῦμα é o princípio no qual o ser humano se coloca em consonância à vontade
de Deus. πνεῦμα em Pedro se opõe com sarx e psyché, se opondo à natureza pecaminosa
do ser humano. Pneuma e somma (corpo) se contrapõe, mas se complementam, portanto,
o corpo espiritual descreve o ser humano em total comunhão com Deus, com o próximo
e com o mundo, diferente de corpo carnal (sarx) na qual o ser humano é alienado de Deus.
Desta forma, estar revestido do Cristo que sofreu na carne faz com que o homem
possa suportar os desejos carnais que estão em constante guerra com a carne. No homem
que está revestido do Cristo que sofreu na carne está o Espírito conforme a vontade de
Deus, está a salvação, está a eternidade157, está o perdão dos pecados, está o julgamento
já realizado por meio de Cristo.
155 BECKER, U. εὐηγγελίσθη. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de
teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v.1, p. 757-765. 156 SEEBASS, H. σάρξ. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia do
Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v. 1, p. 280. 157 BROWN, C; DUNN. J. D. G. πνεύματι. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário
internacional de teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v. 1, p. 713-741.
46
5. OLHOS DO TEXTO
Neste passo metodológico os olhos do texto olham para frente, o texto faz
enxergar algo, propondo uma forma de ver e interpretar o mundo. Um breve olhar com
atenção aos Pais da Igreja e aos Reformadores é necessário para entender a recepção que
o texto de 1 Pe 4.1-6 trouxe para a história. Os olhos fazem parte do corpo, que é um todo,
por isso as outras partes do corpo não podem ser esquecidas ou ignoradas.
5.1 RECEPÇÃO DO TEXTO
No decorrer da história da igreja surgem diversos expoentes que se tornaram
conhecidos como Pais da Igreja. Também diversos movimentos que mudam o rumo da
história da Igreja surgem, como a Reforma, ortodoxia, pietismo. Sendo assim, se fará uma
breve análise da recepção de Clemente de Alexandria (150-215d.C) como Pai da Igreja,
e dos reformadores Lutero (1483-1546) e João Calvino (1509-1564), tendo em vista que
poucos versículos da perícope em análise são recebidos com valor nos primeiros séculos
com os Pais da Igreja, tendo apenas um olhar maior a partir da Reforma.
Dentro da perícope analisada de 1 Pedro 4.1-6, Clemente de Alexandria comenta
apenas os versículos 3, 4 e 6. Ao falar sobre o versículo 3158, na obra Pais do Segundo
Século159, Clemente diz que o cristão deve evitar o que é mau e fazer o que é bom. Todo
cristão se deve afastar de toda iniquidade, que são: “adultério e fornicação, de alegria
ilegal, do luxo perverso, da indulgência em muitos tipos de comida e da extravagância
das riquezas, e da alegria, da arrogância e da insolência, e mentiras, e maldições e
hipocrisia, da lembrança do erro e de todas as calúnias”160. Tudo isto são os atos mais
perversos dos homens, devendo o homem se conter disto e viver para Deus, viver
conforme Deus. No capítulo XII da mesma obra citada anteriormente, Clemente está
orientando sobre a decência dentro de casa, e cita o v.3 falando que o tempo já passou em
praticar o desejo dos gentios, onde agora estamos protegidos com a cruz do Senhor, na
158 (4:3) “No passado vocês já gastaram tempo suficiente fazendo o que agrada aos pagãos. Naquele tempo
vocês viviam em libertinagem, na sensualidade, nas bebedeiras, orgias e farras, e na idolatria repugnante”.
(NVI) 159 SCHAFF, Philip. Fathers of the Second Century: Hermas, Tatian, Athenagoras, Theophilus, and
Clement of Alexandria. Disponível em:
<http://www.ccel.org/ccel/schaff/anf02.ii.iii.viii.html?scrBook=1Pet&scrCh=4&scrV=3#ii.iii.viii-p4.2>.
Acesso em 05 dez. 2017. 160 From adultery and fornication, from unlawful revelling, from wicked luxury, from indulgence in many
kinds of food and the extravagance of riches, and from boastfulness, and haughtiness, and insolence, and
lies, and backbiting, and hypocrisy, from the remembrance of wrong, and from all slander.
47
qual todo cristão está vedado e protegido dos pecados que podem atrapalhar e tirar a
decência de uma família e de uma casa161.
Os pais do Terceiro Século162 comentam apenas o versículo 6163 ao falarem que
é impossível alcançar Deus o Pai, exceto por Seu Filho Jesus Cristo164. Os pais citam
Pedro pois ele fala em sua carta que Cristo morreu uma vez por nossos pecados, o justo
pelos injustos, para que Ele nos presenteasse a Deus (1 Pe 3.18). Ainda falando de Pedro
dizem: "Pois nisto também foi pregado aos que estão mortos, para que possam ser
ressuscitados novamente”165. Sendo esta uma interpretação cabível ao texto bíblico de
Pedro, porém não correta com a doutrina Cristã. Sendo assim, ao olhar para os Pais da
Igreja, percebe-se que diversos tipos de interpretação são utilizados ao ler este texto.
Dos reformadores, Calvino dá muito mais atenção ao texto de 1 Pe 4.1-6 do que
Lutero. Calvino analisa e comenta cada um dos versículos, onde Cristo deve ser visto não
simplesmente como exemplo, mas por causa de seu Espírito que realmente o ser humano
é conformado à sua morte, pois Pedro vê corretamente a morte de Cristo que é uma
passagem e uma nova chance para vida, que agora o ser humano tem a chance de morrer
para a carne e para o mundo e viver no Espírito conforme a vontade de Deus166. A arma
do Cristo que sofreu na carne é invencível para a sujeição na carne, pois o ser humano
161 Disponível em:
<http://www.ccel.org/ccel/schaff/anf02.vi.iii.iii.xii.html?scrBook=1Pet&scrCh=4&scrV=3#vi.iii.iii.xii-
p4.1>. Acesso em 05 dez. 162 SCHAFF, Philip. Fathers of the Third Century: Hippolytus, Cyprian, Caius, Novatian, Appendix.
Disponível em:
<http://www.ccel.org/ccel/schaff/anf05.iv.v.xii.iii.xxviii.html?scrBook=1Pet&scrCh=4&scrV=6#iv.v.xii.i
ii.xxviii-p10.1>. Acesso em 05 dez. 2017. 163 (4:6) Por isso mesmo o evangelho foi pregado também a mortos, para que eles, mesmo julgados no
corpo segundo os homens, vivam pelo Espírito segundo Deus. (NVI) 164 No Evangelho: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim". Também
no mesmo lugar: "Eu sou a porta: por mim, se alguém entrar, ele será salvo. "Também no mesmo lugar:"
Muitos profetas e justos desejaram ver as coisas que vês e não as viram; e ouvir as coisas que ouvistes e
não as ouviram. "Também no mesmo lugar:" Aquele que crê no Filho tem a vida eterna; o que não é
obediente em palavra ao Filho não tem vida; mas a ira de Deus deve cumprir com ele ". Também Paulo aos
Efésios: "E, quando Ele veio, Ele pregou a paz para você, para aqueles que estão longe e para a paz, para
aqueles que estão próximos, porque através dele ambos temos acesso em um só Espírito ao Pai". Também
aos romanos: "Porque todos pecaram e falham na glória de Deus; Mas eles são justificados pelo Seu dom
e graça, através da redenção que está em Cristo Jesus [...] Também na Epístola de João: "Todo aquele que
negar o Filho, o mesmo também não é o Pai. Aquele que confessa ao Filho, tem tanto o Filho quanto o Pai”.
Cf. SCHAFF, Philip. Fathers of the Third Century: Hippolytus, Cyprian, Caius, Novatian, Appendix.
Disponível em:
<http://www.ccel.org/ccel/schaff/anf05.iv.v.xii.iii.xxviii.html?scrBook=1Pet&scrCh=4&scrV=6#iv.v.xii.i
ii.xxviii-p10.1>. Acesso em 05 dez. 2017. 165 Also in the same place: “For in this also was it preached to them that are dead, that they might be
raised again. 166 CALVINO, João. Epístolas Gerais João Calvino, p. 319-20. Disponível
em:<https://pt.scribd.com/document/354991941/Epistolas-Gerais-Joao-Calvino#>. Acesso em 5 dez.
2017.
48
participa da eficácia morte de Cristo. A única forma possível de não viver mais nos
desejos profundos dos homens é a destruição da carne e a vivificação do Espírito que só
acontece por meio de Cristo167.
O tempo vivido conforme os gentios, deve estimular o homem ao maior
arrependimento, pois quando se conhece a Cristo deve haver uma mudança de vida. O
homem por sua natureza está inclinado a todos os males que Pedro cita no v.3, onde
somente Cristo por ter sofrido na carne em favor do ser humano é capaz de livrá-lo dos
males. Esta mudança que somente Cristo faz no ser humano, faz com que os ímpios os
perturbem e os julguem, por isso Pedro os fortalece que o julgamento propício para eles
irá vir por conta daquele que está pronto para Julgar, ou seja, Jesus Cristo o Senhor. Por
Calvino ser influenciado pelo pensamento humanista com forte influência grega, ao
interpretar o v.6168 diz que a morte não impede Cristo de ser o defensor dos seres
humanos, pois a redenção de Cristo se estende aos que já morreram, também aqueles que
já morreram participam da salvação. Sendo assim, Calvino ao abordar sobre a perícope
em análise é bem centrado e recebe o texto da forma correta, da forma que Pedro o
escreveu. Porém, o v.6 é aquele que causa diferentes interpretações especulações, pois
não se tem a certeza de que Cristo tenha decido ao mundo dos mortos, ou tenha pregado
para aqueles que já morreram quando ainda estavam vivos169.
Lutero por sua vez, não olha muito para o texto de 1 Pedro 4.1-6, somente
comenta sobre o v.1170 do mesmo. Lutero fala sobre o versículo um principalmente sobre
o aspecto do sofrimento de Cristo, pois como ele diz:
Cristãos autênticos são os que trazem a vida e o nome de Cristo para dentro de
sua vida da forma a descrita por S. Paulo: “Os que pertencem a Cristo
crucificaram sua carne, com todas as suas concupiscências, juntamente, com
Cristo.” [G15.24,]. Pois o sofrimento de Cristo não deve ser tratado com
palavras e aparências, mas com a vida e com veracidade. Assim nos exorta São
Paulo: “Pensem naquele que sofreu tamanha oposição das pessoas más, para
que vocês sejam fortalecidos e suas mentes não desanimem.” [Hb 12.3.]. E São
Pedro: “Assim como Cristo sofreu em seu corpo, vocês devem armar- se e
fortalecer-se com tal meditação.” [1 Pe 4.1.]. Porém essa contemplação caiu
em desuso e se tornou rara, embora as epístolas de S. Paulo e S. Pedro estejam
cheias dela. Nós transformamos a essência numa aparência e pintamos a
meditação do sofrimento de Cristo apenas nas folhas e nas paredes.
167 Cf. CALVINO, p. 322. 168 (4:6) Por isso mesmo o evangelho foi pregado também a mortos, para que eles, mesmo julgados no
corpo segundo os homens, vivam pelo Espírito segundo Deus. (NVI) 169 Cf. CALVINO, p. 328-29. 170 (4:1) Portanto, uma vez que Cristo sofreu corporalmente, armem-se também do mesmo pensamento,
pois aquele que sofreu em seu corpo rompeu com o pecado. (NVI) LUTHER, Martin. Martinho Lutero:
obras selecionadas. São Leopoldo, RS: Sinodal, v.1, p. 256.
49
5.2 DIÁLOGO COM FONTES SECUNDÁRIAS
Neste passo metodológico, busca-se analisar e expor comentários bíblicos atuais
juntamente com o resultado da pesquisa exegética obtido até aqui. Desta forma serão
analisados dois comentários bíblicos: 1) Comentário Bíblico Esperança de Uwe
Holmer171; 2) Comentário à Primeira Epístola de Pedro de Gerhard Barth172. Cada
parágrafo a seguir diz respeito a 1 versículo bíblico do texto de 1 Pedro 4.1-6.
Ao falar sobre o versículo um, Holmer expõe principalmente o fato de Pedro
encorajar os cristãos para não temerem o sofrimento na carne, pois o próprio Cristo sofreu
na Carne. Sendo assim, o sofrimento traz consigo inúmeras bênçãos e propósitos,
separando-os cada vez mais do pecado. Por isso devem armar-se da mesma mentalidade
do Cristo que sofreu na carne por considerar a vontade de Deus e a salvação dos seres
humanos mais importantes do que seu sofrimento carnal. Poios aqueles que sofrem na
carne com a mesma mentalidade de Cristo, não servem ao pecado, pois Cristo rompeu
com o pecado. Holmer complementa com muita sabedoria dizendo:
Ter de sofrer pela hostilidade do mundo é um indício seguro de
que a grande ruptura foi realizada, de que foi dado o passo para
fora do mundo, rumo ao discipulado de Cristo. Jesus quer que
seus seguidores se tornem semelhantes a ele (Mt 11.29; Jo 13.15;
Rm 8.29; Gl 4.19; 2Co 3.18). Para tanto, porém, requer-se a
coragem de ser conseqüentemente diferente do mundo. Também
é necessário saber que isso está associado ao sofrimento, mas que
esses padecimentos podem até mesmo ser considerados de forma
positiva, porque contribuem para uma vida decidida de entrega a
Deus.173
Barth expõe que este versículo é uma admoestação aos cristãos em relação ao
sofrimento, pois devem se armar com o pensamento do sofrimento do Cristo que sofreu
injustamente, Barth assim diz: “quem sofreu na carne, tem paz com o pecado”174. Desta
forma, Cristo que sofreu na carne terminou com o pecado, pois Cristo não cometeu
pecado em sua paixão. Com base nas pesquisas exegéticas realizadas, percebe-se que não
há nenhuma contradição com o que Pedro quer expressar ao realizar esta admonição aos
cristãos da Ásia Menor, pois o Cristo que sofreu na carne levou sobre si o pecado e a
culpa da carne do ser humano, rompendo com o pecado, e vivificando a vida para Deus.
171 Cf. HOLMER, 2008, p. 217-222. 172 BARTH, Gerhard. A primeira epístola de Pedro. São Leopoldo, RS: Sinodal, 1967. 173 Cf. HOLMER, 2008, p. 218. 174 Cf. BARTH, 1967, p. 95.
50
Ao comentar o versículo dois, Holmer é bem claro ao falar que aquele que se
converteu e se decidiu em favor de Cristo terá de sustentar esta decisão na sua vida. Isto
porque a vontade de Deus se sobrepõe sobre os desejos dos homens, por isso o ser humano
deve se revestir do Cristo que sofreu na carne, para viver o tempo restante em sua vida.
Este tempo restante na carne depende da graça para que seja vivido apropriadamente
conforme a vontade de Deus (Ef 5.15). Barth diz que a admoestação realizada no
versículo anterior, é a que faz com que o tempo que resta na carne seja vivido conforme
a vontade de Deus e não conforme os desejos humanos. Novamente os dois autores não
apresentam nenhuma dissonância da intenção de Pedro, porém, vale acrescentar que a
vontade de Deus se contrapõe com os desejos humanos. Uma vida que conhece a Jesus e
recebe o Espírito não mais consegue viver de forma alguma nos desejos dos homens.
No versículo três, o comentário de Holmer se volta para uma expressão
conhecida em nossa língua como: “agora basta, no sentido de já chega”175, pois a vida
dos tempos passados devem fazer o cristão humilde, pois ele viveu para as paixões
realizando o desejo dos gentios. Para os gentios é normal viver uma vida sem vínculo
com Deus, em pecado e dissolução, por isso que Pedro arrola um catálogo de vícios, ou
seja, um rol de pecados concretos que caracterizam essa vida sem Deus levada pelos
desejos da carne. Holmer diz:
Desta maneira se explicita para os leitores a diferença entre o
outrora e o agora em sua vida. Só lhes resta recordar com imensa
gratidão de que tipo de vida foram resgatados. Ao mesmo tempo
tornam-se conscientes de que se formou um profundo abismo
entre eles e seu antigo círculo de amizades, e que a tensão é
causada pela mudança de sua vida. Compreendem que essa tensão
precisa ser suportada, ainda que sob sofrimentos. 176
Barth acentua o fato do que Holmer expõe, de que os leitores provinham do
paganismo e que as suas conversões acarretam em uma separação completa da companhia
pagã e suas devassidões, tendo que ser apagado o passado pecaminoso de uma vez por
todas. Através da pesquisa realizada novamente os autores não divergem, mas sim
conseguem expressar realmente o que Pedro quer dizer. Este versículo três é o clímax de
sua primeira fala dirigida aos leitores, pois não há como tolerar uma vida nos desejos da
carne após eles conhecerem e se armarem com o Cristo que sofreu na carne.
175 Cf. HOLMER, 2008, p. 219.
Cf. HOLMER, 2008, p. 219.
51
O versículo quatro é destacado por Holmer pois este expressa a irritação, o
estranhamento que causam nos ímpios por causa daqueles que já caíram em si e se
arrependeram por causa de Cristo, e assim já não vivem mais na mesma vida disseminada
dos gentios. Quem não se deixa mais levar por esta vida desenfreada é visto com
estranheza, fazendo com que aqueles que querem se livrar de Jesus procurem maldade
naqueles que conhecem e vivem com Jesus, por isso blasfemam. Esta irritação é descrita
por Barth como ódio, pois aqueles que se separam da companhia pagã geram ódio aos
cristãos. Barth ainda afirma que este ódio faz gerar a blasfêmia, que é contra Deus em
primeiro lugar, pois está dirigida aos cristãos, pois diz em Lucas 10.16: “Quem vos der
ouvidos, ouve-me a mim; e quem vos rejeitar, a mim me rejeita”. Exegeticamente tudo
está correto, mas Holmer ainda afirma que não se pode dizer que a blasfêmia é dirigida
contra Deus, pois não há um objeto definido para ela, mas fato é, de que a blasfêmia
ocorre porque aqueles que conhecerem a Cristo já não se juntam e nem podem se ajuntar
com os gentios, pois agora eles vivem conforme a vontade de Deus e não conforme os
desejos humanos.
O versículo cinco é comentado por Holmer descrevendo que os blasfemadores
reconhecem que seus antigos parceiros mudaram por causa de Jesus, por isso eles já não
são mais ignorantes, mas sim renitentes. Desta forma, como Barth afirma, acaba que os
blasfemadores dirijam-se contra o Senhor vivo ao se depararem com os cristãos. Sendo
assim, Holmer destaca a importância do julgamento que se apresenta no futuro, ou seja,
que estes irão passar mesmo que não queiram. Jesus Cristo é aquele que está pronto,
aquele que Barth também afirma ser o julgador divino. Não haverá para os perdidos
nenhuma saída, nenhuma salvação, nem a morte, pois serão julgados os vivos e mortos,
importantes e humildes, decentes e blasfemos (Ap 20.11,12a). Barth e Holmer descrevem
perfeitamente este versículo, um complementa o outro, afirmando a importância do
julgamento, que os blasfemadores nem esperam, mas que um dia virá, estando eles vivos
ou mortos.
O último versículo da perícope em análise é interpretado por Holmer através da
pergunta: os mortos, como as pessoas mortas, de séculos passados, ou de tempos passados
podem ser responsabilizadas por algum tipo de julgamento? Sendo que somente quem
teve oportunidade de ouvir a mensagem de Deus e se decidir que será cobrado. Sendo
assim, o v.6 fundamenta que a resposta é verídica, pois o evangelho é pregado a mortos
e vivos. O Evangelho é pregado aos mortos para que eles também vivam no espírito à
maneira de Deus, ou conforme o Espírito de Deus, para que mesmo julgados na carne de
52
maneira humana. Barth da mesma forma que Holmer afirma que o anúncio do juízo está
ligado com o versículo anterior, por isso os mortos do versículo anterior são aqueles
mortos físicos. Sendo assim o juízo de vivos e mortos só é possível do ponto de vista da
justiça divina. Por isso o versículo 6 afirma que o Evangelho foi anunciado também aos
mortos e que isto aconteceu por causa do juízo de vivos e mortos. Aconteceu para que
não sejam julgados conforme os homens na carne, mas para que vivam conforme o
Espírito de Deus. Barth afirma que o juízo segundo os homens se refere à morte física,
pois ela é o juízo divino sobre o homem, onde somente através do Evangelho que é dada
a oportunidade de vida. Sendo assim, a pregação aos mortos significa uma oportunidade
dada por Deus para a vida, que tanto Barth, quanto Holmer afirmam acontecer, quando
Cristo desce ao hades para pregar aos espíritos em prisão (1 Pe 3.19).
Conforme a pesquisa exegética e teológica doutrinaria, não se especulam textos
bíblicos. Este versículo é um que apresenta margens para diferentes interpretações, e
também especulações acerca de quem são os mortos (νεκρούς) e quando o Evangelho foi
pregado a eles. Seguindo o contexto bíblico, afirma-se que os mortos quais o texto se
refere são os mortos fisicamente, como aqueles que se referem o v.5. Ou seja, alguma
pergunta estava surgindo por parte da comunidade sobre aqueles que já haviam morrido,
seja em gerações passadas ou em gerações presentes. Não se pode afirmar com certeza se
estes mortos se referem à antiga aliança (antes de Cristo) ou se estes mortos são aqueles
que tiveram oportunidade de ouvir de Cristo ainda em vida e mesmo assim morreram. A
pesquisa exegética denota que o sentido mais provável é de que aqueles que estão mortos
ouviram a pregação do Evangelho quando ainda estavam vivos. Isto pois, aqueles que
confessaram a Cristo, quando vivos, também foram julgados e condenados pelos homens,
mas foram vivificados no Espírito segundo a vontade de Deus. Portanto, fato é de que
para quem o evangelho foi anunciado há a chance de uma nova vida, de viver conforme
o Espírito de Deus, como foi para aqueles que já morreram.
Pedro têm um objetivo bem claro ao escrever este versículo, que é trazer o
conforto e a esperança para aqueles que ainda estãos vivos, pois aqueles que já morreram
também se revestiram do Cristo que sofreu na carne, também passaram por julgamentos
de blasfemadores conforme os homens na carne, mas eles agora estão vivendo a vontade
de Deus, que nada mais é que a Salvação por ele favorecida através da pregação do
evangelho.
53
5.3 CONTEXTUALIZAÇÃO E APLICAÇÃO
A sociedade atual é marcada por profundas transformações. Cada vez existem
mais rapidez na troca de informações e o avanço da tecnologia faz com que mude o modo
de pensar e de viver das pessoas. O tempo atual do século XXI, é o tempo de quebra de
modelos e paradigmas. E em decorrência disto, se vive em total exaltação da liberdade:
tudo o que o ser humano anseia é ser livre, nada mais o prende, nada mais o deixa
acomodado, nada mais o faz querer viver em grupos, querer viver em comunhão outras
pessoas. Portanto, a individualidade passa a ser uma marca da sociedade atual, fazendo
com que novas formas de relacionamentos e novas formas de se constituir famílias sejam
inventadas. Tudo isto apenas oferece ao ser humano o sentimento de vazio e insegurança
pois ele não faz mais o que foi criado a fazer, a ter relacionamentos, a ter comunhão, a ter
amor em seus corações.
Tendo em vista toda esta realidade da sociedade, percebemos mudanças também
na realidade eclesiástica brasileira. Através de dados coletados do censo do IBGE de 2010
percebe-se que cristãos são 86,8% da população brasileira, já os católicos caem cada vez
mais, e evangélicos estão em ascendência a cada ano mais. Conforme o gráfico na Figura
1 pode-se analisar a situação religiosa do Brasil no decorrer dos anos até 2010.
Figura 1. Censo do IBGE de 2010 sobre a religião brasileira.177
177 O IBGE e a religião. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/o-ibge-e-a-religiao-
%E2%80%93-cristaos-sao-868-do-brasil-catolicos-caem-para-646-evangelicos-ja-sao-222/> Acesso em:
06 dez. 2017.
54
Neste gráfico está presente e em evidência o crescimento dos evangélicos no
Brasil, porém a realidade dos evangélicos no país é de uma grande depravação.
Estimativas dizem que em 2020 evangélicos no Brasil seriam em torno de 40% da
população, algo que pode assustar. Estes evangélicos no Brasil seguem cada vez mais
Igrejas que são ricas em templos, em quantidades numéricas de membros, Igrejas da
prosperidade, porém Igrejas são igrejas pobres espiritualmente, são Igrejas que geram
muitas vezes crentes doentes. A pregação está cada vez mais fora da realidade, gerando
cristãos egoístas, que correm em busca de riquezas materiais e espirituais em barganha
com Deus, e quando não alcançam abandonam sua fé. Igrejas evangélicas oferecem cada
vez mais a busca pelo inalcançável, a busca do emocionante, do sobrenatural em meio
aos seus cultos que são muita emoção e pouca salvação, onde somente oferecem um
evangelho com o sobrenatural, com dons, com sapateios e oferecem pouco evangelho
verdadeiro, do servir, da Salvação.
Igrejas tradicionais evangélicas muitas vezes estão a este meio buscando formas
de serem atrativas como as Igrejas que foram mencionadas, porém acabam também se
perdendo, perdendo sua essência, sua espiritualidade, e sem dúvida as Igrejas que menos
crescem são as tradicionais em comparação às pentecostais e neopentecostais. Muitos
destes problemas surgem em decorrência do egoísmo cristão, daqueles problemas
mencionados acima que nossa sociedade vem encontrando. Conforme o artigo de Scott
Horrell, o egoísmo cristão é o que vem sendo dito frequentemente no cristianismo, pois
os cristãos somente querem servir a si mesmo, o cristianismo, as Igrejas somente podem
ajudar a ficarem livres de problemas, ajuda a ficar bem, ajuda a nutrir os casamentos, as
famílias, trará prosperidade. Os princípios bíblicos e a Igreja realmente oferecem e trazem
as pessoas uma espécie de salvação prática, um melhoramento no que o indivíduo precisa,
porém, o problema é que somente se ouve das Igrejas a solução para o egoísmo cristão,
fazendo com que assim quem ouve não tenha interesse no verdadeiro Evangelho, da
Salvação, não o deixando interessado em falar de Cristo para os outros, mas, contudo,
não se ouve o verdadeiro Evangelho da Salvação e nem o centro da fé cristã que é Jesus
Cristo.178
É a partir deste excurso sobre a realidade social e eclesiástica brasileira que se
pode perceber que o texto analisado exegeticamente de 1 Pe 4.1-6 se encaixa
178 HORRELL, Scott. O Deus trino que se dá, a Imago Dei e a natureza da Igreja local. Vox Scripturae.
Vol 6. n. 2, 1996, p. 253.
55
perfeitamente, onde se poderia dizer até que Pedro escreve esta perícope olhando para
esta realidade do século XXI.
Em primeiro lugar este texto deve ser bem aceito e absorvido por todos os
ministros de comunidades e Igrejas que se encontram na figura de pastores, pois antes de
tudo o próprio pastor deve ser armado com o Cristo que sofreu na carne. O próprio pastor
deve ter o entendimento de quem é Jesus Cristo e o que ele fez por sua vida, sua obra
redentora, que rompe com o Pecado. É uma vida armada com a mentalidade de Cristo que
afasta o ser humano dos desejos e das paixões que provém da carne, fazendo com que os
incrédulos percebam a mudança que Jesus Cristo faz na vida do ser humano. Da mesma
forma, nesta era cética, o julgamento virá para todos aqueles blasfemam e não aceitam o
Cristo que sofreu na carne, mas também virá para todos aqueles que já conhecem a Jesus.
Também o pastor que foi chamado para pregar o Evangelho vai ter que prestar contas,
por isso a responsabilidade do pastoreio e do ensino as pessoas, principalmente as que
vivem em meio a uma sociedade pluralista pagã, onde se deve pregar o reto e correto
Evangelho, do Cristo que sofreu na carne, que é a vontade de Deus para as pessoas.
Dirigida aos cristãos da nossa sociedade, da nossa igreja, percebe-se um aspecto
relacionado a este texto que é incabível ao que já conhece a Cristo. Cada vez mais os
cristãos estão vivendo sua velha vida como se nada tivesse acontecido. Aqueles que já
conheceram a Cristo não estão vivendo a mudança de vida que Cristo proporciona, pois
Cristo transforma aquele que o conheceu em nova criatura, pois as coisas antigas já se
passaram (2 Coríntios 5.17). Sendo assim, precisa-se cada vez mais de armas para a
batalha contra o pecado que provém da carne e habita no mundo. Somente quando armado
com a mentalidade de Cristo é que se pode vencer as tentações que virão, é que se pode
vencer a carne que quer viver uma vida cheia de hipocrisia e paixões, tudo isto pois Cristo
já sofreu e viveu no lugar dos seres humanos. Desta forma, se deve suportar as provações
do presente com o pensamento de Cristo que sofreu na carne, porque é por causa deste
sofrimento que o pecado é rompido e o ser humano não mais é dominado por ele. Os
cristãos precisam ter em sua mente que eles e também os incrédulos blasfemadores um
dia terão de prestar contas por tudo que fizeram ou deixaram de fazer, pois temos um Juiz
que é competente e preparado para realizar o julgamento tanto dos vivos quanto dos
mortos. Deve se ter em mente também as palavras do Apocalipse que jutas com a de
Pedro consolam todo cristão que vive armado com o Cristo que sofreu na carne e sofre
por causa dos homens neste mundo: “Sê fiel até à morte e eu te darei a Coroa da Vida”
(2.10).
56
5.4 ESBOÇO HOMILÉTICO
A exegese realizada não pode ser um fim em si mesma, pois ela só é relevante
quando chega nas pessoas, quanto atinge a igreja cristã. É através da pregação e do ensino
que o Corpo de Cristo é edificado e cresce em fé e sabedoria, desta forma esboços
homiléticos para o compartilhamento são pensados e estruturados para a exposição desta
perícope.
A. Através da divisão do próprio texto179
1. Exemplo e os efeitos do sofrimento de Cristo na vida Cristã (v. 1-2)
2. Perseverança cristã em meio as provações (v. 3-4)
3. Consolo do cristão mediante o juízo de Cristo (v.5-6)
B. Armem-se do Cristo que sofreu na Carne180
1. Pois ele cessou do pecado
2. Para que não se viva em desejos dos homens mas conforme a vontade de Deus
3. Pois tempo suficiente já passou em viver como os gentios
C. Conduta Cristã181
1. Viver armado com Cristo que sofreu na carne
2. Esta conduta gera blasfemadores que julgam na carne (que serão julgados)
3. O Evangelho vivifica no Espírito
D. Cristo Sofreu na carne (v. 1-4)182
1. Pois Ele sofreu na carne para que vencessem as tentações futuras (v.2)
2. Pois Ele sofreu na carne para que fossem libertos das paixões mundanas (v.3)
179 Esta é uma pregação expositiva de toda perícope analisa, na qual visa abordar todos aspectos do texto
bíblico e do contexto geral da escrita de Pedro, sendo dividida através dos próprios versículos. 180 Esta prédica clássica gira em torno do imperativo de Pedro à comunidade, Armem-se do Cristo que
sofreu na carne, visando responder à pergunta, Por que devo me Armar com o Cristo que sofreu na carne?
Cristo é aquele que através do Evangelho gera nova vida, não podendo mais o cristão viver como vivia
antes. 181 Esta prédica clássica quer abordar aspectos a partir da do escrito de Pedro sobre: Como ter e o porquê
ter uma boa conduta cristã neste mundo. 182 Esta é uma prédica dos primeiros quatro versículos que visa falar sobre o Cristo que sofreu na carne,
que gera consequências para a vida e conduta cristã.
57
3. Pois Ele sofreu na carne para que suportassem as provações do presente (v.4)
E. Única forma de consolo em meio aos blasfemadores é esperar em Cristo (v. 5-6)183
1. Pois Cristo é aquele que todos prestarão contas (v.5)
2. Pois Cristo é aquele que é competente para julgar (v.5)
3. Pois Cristo é aquele que dá a recompensa ao justo (v.6)
5.5 TRADUÇÃO FINAL
1Pois Cristo sofreu na carne, também da mesma convicção preparai-vos, pois o
que sofreu na carne rompeu com o pecado,2para que não vivam mais o tempo restante na
carne em desejos profundos dos homens, mas conforme a vontade de Deus.3Pois já basta
o tempo gasto praticando o desejo dos gentios, tendo andado em libertinagem,
abominação, embriaguez, orgia, bebedices e abominável idolatria.4Agora eles se admiram
de vós, por não se ajuntar com eles a levar uma vida de atitudes impensadas, por isso os
blasfemam: 5os quais terão que prestarão contas a Deus, que está pronto para julgar os
vivos e os mortos.6 Para isto pois, também aos mortos o evangelho foi pregado, a fim de
que fossem julgados em carne conforme os homens, mas vivam no Espírito conforme
Deus.
183 Esta é uma prédica dos dois últimos versículos que visa abordar o aspecto do julgamento e juízo que
Cristo realizará com os vivos e mortos.
58
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Aprofundar compreensões bíblicas através de uma pesquisa exegética se
mostrou um trabalho árduo, porém muito importante e gratificante. Sondar um texto
bíblico traz um enorme crescimento pessoal e uma enorme bagagem que com certeza vai
acompanhar a minha caminhada por muito tempo. A exegese por si só enriquece o
processo de aprendizado por ser um trabalho bastante autônomo.
Pedro consegue demonstrar para aquela comunidade a importância do Cristo que
sofreu na carne. Comunidade esta que provavelmente era gentílica, onde haviam
conhecido a Cristo e agora precisavam de pastoreio, exortações e cuidados. Há muitas
divergências em torno de 1 Pedro e seu conteúdo, estas não podem ser ignoradas, por isso
hermenêuticas de suspeitas não são validas em busca da Palavra de Deus que contém na
Bíblia, pois ela é palavra viva do Deus Criador. Pedro apresenta uma estrutura bem
definida, um escrito as vezes complicado, mas compreensível quando se busca em sua
suma essência no original grego. Contudo, consegue demonstrar seu recado para a
comunidade da Ásia menor com palavras profundas e significativas.
Em uma primeira aproximação ao texto analisado, perguntas pessoais vieram a
tona, como: o que significa o sofrer na carne? E durante a realização da pesquisa se pode
esclarecer estas perguntas. Sofrer na carne é muito mais que um machucado, que uma dor
qualquer, sofrer na carne significa tudo aquilo que Jesus Cristo já passou por nós, algo
incabível nos conceitos e definições humanas. Cristo é em excelência Deus que sofre
corporalmente como um ser humano, que passa por todas aflições da vida, todas as piores
dores, e tudo isso por causa de cada ser humano, para poder assim dar a salvação e a
comunhão reestabelecida com Deus, que é rompida por causa do pecado.
Sobre a pesquisa em torno da perícope de 1 Pedro 4.1-6, se conclui também que:
1 Pedro 4.1-6 apresenta um texto com alguns problemas em sua tradução, visto que na
análise de comparações das versões atuais ocorrem algumas mudanças, porém, nenhuma
delas apresenta um sentido contrário do recado que o autor quer deixar para seus leitores.
A perícope possui uma estrutura bem definida, subdivida em duas grandes partes, que vão
sendo desenvolvidas em um processo culminativo. O tema principal da carta é um desejo
para os seus leitores revestir-se com o Cristo que sofreu na carne, pois provavelmente
alguns ainda estavam vivendo a vida dos desejos profundos dos homens mesmo após ter
recebido o evangelho. Também em um segundo momento o autor utiliza do exemplo
daqueles que já morreram e servem de exemplo para os leitores em questão. Nesta
59
perícope não se constata o uso de fontes extra bíblicas ou bíblicas, apenas são observadas
correlações. Desta forma, a perícope de 1 Pedro 4.1-6 é autônoma em si, tendo início e
fim definida, formando uma unidade autônoma dívida em duas falas (recados) do autor
com a mesma finalidade em sua totalidade.
Ainda, a perícope analisada de pertence ao gênero literário de carta e apresenta
uma forma literária constituinte do gênero admoestação pós-conversão. Este gênero é
uma exortação ao leitores em movê-los a agir ou a omitir uma ação. Esta forma literária
teve seu local vivencial entre províncias da Ásia Menor, que outra hora foram
convertidos, e estavam precisando de exortações, porque o perigo da apostasia era grande
quando fora chegar a perseguição. Sendo assim, Pedro tem a intenção de prepará-los ao
sofrimento, usando o exemplo de Cristo, que um dia sofreu, sendo agora o exemplo que
eles devem seguir após serem convertidos.
Foi de extremo valor e importância realizar esta pesquisa e poder perceber o
quão Cristo, por ter sofrido na carne, pode agir pelos seres humanos. Este com certeza é
o maior legado deixado por Pedro, que ajudou o encorajou os cristãos do seu tempo e
também ajuda e encoraja os cristãos deste século a viverem uma vida em Cristo, conforme
os propósitos e a vontade de Deus e não mais viver em desejos que brotam da nossa carne.
Que possamos ser revestidos do Cristo que sofreu na Carne, para que vivamos uma vida
conforme os desejos de Deus e não dos homens.
60
REFERÊNCIAS
ATCH, Edwin; REDPATH, Henry A. A Concordance to the Septuagint: and the other
greek versions of the old testament. Grand Rapids: Baker Book House, 1984.
BAUDER, W. ἁμαρτίας. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário
internacional de teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v.2,
p. 1602-1608.
BECKER, U. εὐηγγελίσθη. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário
internacional de teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v.1,
p. 757-765.
BERGER, Klaus. As Formas Literárias do Novo Testamento. São Paulo: Loyola, 1998.
BÍBLIA SAGRADA. Bíblia de Estudo NTLH. Barueri: SBB, 2011.
BÍBLIA SAGRADA. Traduzida em português por João Ferreira de Almeida.
Revista e Atualizada. Barueri: SBB, 2014.
BÍBLIA. Português. Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002.
BIETENHARD, H. ἔθνος. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário
internacional de teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000. v.
2, p. 1734-38.
BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de teologia do Novo
Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000. v.1e 2.
BROWN, C. . In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional de
teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v. 1, p.305
BROWN, C; DUNN. J. D. G. πνεύματι. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar.
Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida
Nova, 2000, v. 1, p. 713-741.
BULL, Klaus-Michael. Panorama do Novo Testamento: história, contexto, teologia.
61
CALVINO, João. Epístolas Gerais João Calvino, p. 319-20. Disponível
em:<https://pt.scribd.com/document/354991941/Epistolas-Gerais-Joao-Calvino#>.
CARSON, Donald Arthur; MOO, Douglas J.; MORRIS, Leon Lamb. Introdução ao
Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1997.
CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento Interpretado: versículo por
versículo. Vol 1. São Paulo: Milenium, 1979.
CIAMPA, Roy E. Manual de Referência para a Crítica Textual do Novo Testamento.
2001. Disponível em: <http://www.viceregency.com/CriticaTextual.pdf>.
FACULDADE LUTERANA DE TEOLOGIA - FLT. Manual de metodologia da
pesquisa científica: normas técnicas para apresentação de trabalhos acadêmicos da FLT.
São Bento do Sul, SC: União Cristã, 2015.
FOESTER. ἀσωτίας. In: KITTEL, Gerhard. Theologisches Wörterbuch zum Neuen
Testament. Stuttgart: W. Kohlhammer, [1933-1979], v.1, p. 504.
FRIBERG, Barbara (Ed.); FRIBERG, Timothy (Ed). O Novo Testamento: Grego
analítico. São Paulo: Vida Nova, 1987.
GÄRTNER, B. πάσχω. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário
internacional de teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v.2,
p. 2412-19.
GINGRICH, F; DANKER, F. Léxico do Novo Testamento: grego, português. São
Paulo: Vida Nova, 2007.
Greek-English Lexicon of the Septuagint. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 2003.
GRÜNZWEIG, Fritz; HOLMER, Uwe; BOOR, Werner. Cartas de Tiago, Pedro, João
e Judas. Curitiba: Esperança, 2008.
HORRELL, Scott. O Deus trino que se dá, a Imago Dei e a natureza da Igreja local.
Vox Scripturae. Vol 6. n. 2, 1996.
62
HÖRSTER, Gerhard. Introdução e síntese do Novo Testamento. Curitiba: Esperança,
1996.
KITTEL, Gerhard. Theologisches Wörterbuch zum Neuen Testament. Stuttgart: W.
Kohlhammer, [1933-1979], v.10.
KITTEL, Gerhard. Theologisches Wörterbuch zum Neuen Testament. Stuttgart: W.
Kohlhammer, [1933-1979], v.5, p. 294.
KÜMMEL, Werner Georg. Introdução ao Novo Testamento. 3. ed. São Paulo: Paulus,
2004.
LASOR, William Sanford. Gramática sintática do grego do Novo Testamento. 2. ed.
São Paulo: Vida Nova, 2000.
LOUW, Johannes P. NIDA, Eugene A. Léxico Grego-Português do Novo Testamento
baseado em domínios semânticos. Trad. Vilson Scholz. Barueri, SP: Sociedade Bíblica
do Brasil, 2013.
LUTHER, Martin. Martinho Lutero: obras selecionadas. São Leopoldo, RS: Sinodal,
v.1.
MÜLLER, D. βούλημα In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional
de teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000. v. 2, p. 2675-8.
MÜLLER, D. θελήματι. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário
internacional de teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v.
2, p. 2678.
MUNDLE, W. εἰδωλοn. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário
internacional de teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v.
1, p. 999-1002.
Novum Testamentum Graece. NESTLE, Eberhard; ALAND, Barbara (Eds.). 27. ed.
Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1993.
O IBGE e a religião. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/o-ibge-
e-a-religiao-%E2%80%93-cristaos-sao-868-do-brasil-catolicos-caem-para-646-
evangelicos-ja-sao-222/>.
63
OMANSON, Roger L. Variantes textuais do Novo Testamento: análise e avaliação do
aparato crítico de "O Novo Testamento grego". Barueri, SP: SBB, 2010.
RENGSTORF, K. Χριστός. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário
internacional de teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000. v.1,
p. 1079-1081.
RIENECKER, Fritz; ROGERS, Cleon. Chave linguística do Novo Testamento grego.
São Paulo: Vida Nova, 1995.
SCHAFF, Philip. Fathers of the Second Century: Hermas, Tatian, Athenagoras,
Theophilus, and Clement of Alexandria. Disponível em:
<http://www.ccel.org/ccel/schaff/anf02.ii.iii.viii.html?scrBook=1Pet&scrCh=4&scrV=3
#ii.iii.viii-p4.2>.
SCHAFF, Philip. Fathers of the Third Century: Hippolytus, Cyprian, Caius, Novatian,
Appendix. Disponível em:
<http://www.ccel.org/ccel/schaff/anf05.iv.v.xii.iii.xxviii.html?scrBook=1Pet&scrCh=4
&scrV=6#iv.v.xii.iii.xxviii-p10.1>.
SCHALKWIJIK, Francisco. Coinê: Pequena gramática do grego neotestamentário. 9 ed.
rev. Patrocínio: CEIBEL, 2004.
SCHNEIDER, W. κρῖναι. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário
internacional de teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v.1,
p. 1100-1105.
SCHNEIDER, W. κρῖναι. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário
internacional de teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v.1,
p. 1100-1105.
SCHOLZ, Vilson. Novo Testamento Interlinear: Grego - Português. Barueri, SP:
SBB, 2004.
SCHÖNWEISS, H. ἐπιθυμία. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário
internacional de teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000. v.
1, p. 524-525.
64
SEEBASS, H. σάρξ. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional
de teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v. 1, p. 280.
SOLLE, S. ἑτοίμως. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário internacional
de teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v. 2, p. 1899.
TENNEY, Merrill Chapin. O Novo Testamento, sua origem e análise. São Paulo: Vida
Nova, 2008.
THISELTON, A. C. . In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário
internacional de teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, v.
1, p. 274.
WÀHRISCH, H; BROWN, C. βλασφημέω. In: BROWN, Colin; COENEN, Lothar.
Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento. 2.ed. São Paulo: Vida
Nova, 2000, v.1, p. 231-6.
WEGNER, Uwe. Exegese do Novo Testamento: manual de metodologia. São Leopoldo,
RS: Sinodal, 1998.
WIESE, Werner. Material de Apoio: Introdução ao NT - Parte final. FLT, São Bento do
Sul, 2016.