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Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Florianópolis, Santa Catarina XIV SIMGeo Simpósio de Geografia da UDESC 2º SEMINÁRIO NACIONAL DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO ÁREA TEMÁTICA: PLANEJAMENTO TERRITORIAL, DINÂMICA DAS CIDADES E PAISAGENS DO DIREITO À CIDADE AO DIREITO À CIRCULAÇÃO: Vale do Parateí, marginal na evolução, marginal nos mapas do poder André Luiz de Toledo 1 1 Pedro Ribeiro Moreira Neto 2 2 Resumo O artigo discute o direito à circulação regional inserida na dinâmica urbana do Vale do Paraíba paulista. Por meio de revisão bibliográfica e levantamentos de campo serão analisadas as variações entre o caminho original e aquele criado pelas necessidades atuais de seus habitantes. O caso estudado, bairro da Figueira, situa-se no Noroeste de Jacareí/SP, as margens do Rio Parateí na Estrada Velha Santa Isabel-Jacareí, modificada paulatinamente pela implantação industrial nas margens da Via Dutra. Através da aproximação com a população da região rural do bairro da Figueira o autor irá comparar o mapa da atual Estrada Velha Santa Isabel-Jacareí à margem dos eixos de circulação e desenvolvimento industrial. Palavras-chave: Desenvolvimento Regional; Dinâmica de Produção do Espaço; Rede Urbana do Vale do Paraíba. Abstract The article discusses the right to regional circulation inserted in the urban dynamics of Vale do Paraíba. Through literature review and field surveys will be analyzed for evidence of variations between the original path and the one created by the current needs to its inhabitants. The case study, district Figueira, is located in Northwest Jacarei, São Paulo, the banks of the River Parateí in Old Path Santa Isabel-Jacareí, gradually modified by industrial development on the banks of the Via Dutra. By approximating with the population of the rural region of Figueira neighborhood the author will compare the map of the current Old Road Santa Isabel-Jacareí outside the main circulation and industrial development. Keywords: Regional Development; Dynamics of the Production of Space; Vale do Paraíba Urban Network. 1 Mestrando em Planejamento Urbano e Regional na Universidade do Vale do Paraíba. E-mail: [email protected]. 2 Doutor em "Géographie Humaine et Organisation de l'Espace - Institut de Geógraphie Université Paris I - Panthéon-Sorbonne" (1982) e História Social - Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas FFLCH - Universidade de São Paulo-USP (2002), É produtor cultural, consultor, docente e coordenador do Programa de Pós-graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade do Vale do Paraíba - UNIVAP. E-mail: [email protected].

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2º SEMINÁRIO NACIONAL DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO ÁREA TEMÁTICA: PLANEJAMENTO TERRITORIAL, DINÂMICA DAS CIDADES

E PAISAGENS

DO DIREITO À CIDADE AO DIREITO À CIRCULAÇÃO: Vale do Parateí, marginal na evolução, marginal nos mapas do poder

André Luiz de Toledo 11

Pedro Ribeiro Moreira Neto 22

Resumo

O artigo discute o direito à circulação regional inserida na dinâmica urbana do Vale do Paraíba paulista. Por meio de revisão bibliográfica e levantamentos de campo serão analisadas as variações entre o caminho original e aquele criado pelas necessidades atuais de seus habitantes. O caso estudado, bairro da Figueira, situa-se no Noroeste de Jacareí/SP, as margens do Rio Parateí na Estrada Velha Santa Isabel-Jacareí, modificada paulatinamente pela implantação industrial nas margens da Via Dutra. Através da aproximação com a população da região rural do bairro da Figueira o autor irá comparar o mapa da atual Estrada Velha Santa Isabel-Jacareí à margem dos eixos de circulação e desenvolvimento industrial.

Palavras-chave: Desenvolvimento Regional; Dinâmica de Produção do Espaço; Rede Urbana do Vale do Paraíba.

Abstract

The article discusses the right to regional circulation inserted in the urban dynamics of Vale do Paraíba. Through literature review and field surveys will be analyzed for evidence of variations between the original path and the one created by the current needs to its inhabitants. The case study, district Figueira, is located in Northwest Jacarei, São Paulo, the banks of the River Parateí in Old Path Santa Isabel-Jacareí, gradually modified by industrial development on the banks of the Via Dutra. By approximating with the population of the rural region of Figueira neighborhood the author will compare the map of the current Old Road Santa Isabel-Jacareí outside the main circulation and industrial development.

Keywords: Regional Development; Dynamics of the Production of Space; Vale do Paraíba Urban Network.

1 Mestrando em Planejamento Urbano e Regional na Universidade do Vale do Paraíba. E-mail:

[email protected]. 2 Doutor em "Géographie Humaine et Organisation de l'Espace - Institut de Geógraphie Université Paris I - Panthéon-Sorbonne" (1982) e História Social - Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas FFLCH - Universidade de São Paulo-USP (2002), É produtor cultural, consultor, docente e coordenador do Programa de Pós-graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade do Vale do Paraíba - UNIVAP. E-mail: [email protected].

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Introdução

O impacto da industrialização causa a reformatação do uso do solo obrigando muitas vezes as

populações originais da região afetada a buscar alternativas de acesso desprezadas no processo da

nova dinâmica de ocupação. A implantação da Rodovia Presidente Dutra em 1950 alterou

substancialmente as antigas rotas de ligação estabelecidas entre a capital de São Paulo e a então

Capital Federal, Rio de Janeiro, cuja a origem remonta o antigo caminho para as minas do Sabarabuçu,

que ligava São Paulo à Freguesia da Escada, então no município de Mogi das Cruzes, como cita Reis

Filho (1997). Antes dessa implantação rodoviária as ligações entre as cidades citadas se davam ou pela

Estrada de Ferro Central do Brasil – EFCB – cujo caminhamento partindo de São Paulo atingia Jacareí

com passagens em Mogi das Cruzes e Guararema a partir da década de 1920 introduziu a ligação

rodoviária, atual SP-55, seguiu de certa forma o traçado da ferrovia. Nesse quadro as antigas ligações

locais assumiam um papel de importância que valoriza as ligações intermunicipais fora desse eixo, em

particular era evidenciava a ligação Jacareí-Santa Isabel. Com a inauguração da Via Dutra surge um

novo vetor de ocupação ligando diretamente a capital São Paulo à Jacareí passando por Guarulhos,

Arujá e pelas proximidades do centro urbano de Santa Isabel. Com a nova configuração rodoviária

induz uma nova frente de urbanização fazendo com que as antigas ligações passem a perder a sua

importância original.

O caso do bairro da Figueira se insere nesse processo. Localizado às margens da antiga ligação

Jacareí-Santa Isabel (Figura 1), passa a caracterizar um bairro marginal e isolado do conjunto

principal. Com isso a população começa a ter dificuldade de acesso às suas próprias moradias e aos

serviços localizados no centros urbano dos municípios, em particular à educação e saúde, a dificuldade

ao que se acrescenta a perda gradativa do número de habitantes e o esfacelamento do bairro como um

conjunto social.

Face à problemática do bairro e o processo que a conduziu a atual situação nos faz um convite

à reflexão e ao resgate do ideal voltado para a sociedade da justiça social.

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Figura 1 – Mapa de localização da área de estudo

Elaborado por: André Luiz de Toledo

Objetivo

O presente artigo foi elaborado com o objetivo de discutir o direito à circulação regional no

vale do Parateí através da revisão bibliográfica que retrata a dinâmica urbana e a ocupação do solo no

Vale do Paraíba. Através da aproximação com a população da região rural do bairro da Figueira o

autor irá mostrar os problemas de cerceamento das vias locais e a difícil situação relativa à

acessibilidade social de seus habitantes ao longo da Estrada Velha Santa Isabel-Jacareí à margem dos

eixos de circulação e desenvolvimento industrial.

Metodologia

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A opção metodológica da proposta fundamenta-se em um estudo de caso, que inter-relaciona a

Fase exploratória, Trabalho de campo e a Análise documental. O autor atenta-se um grande número de

informações com detalhamento. Através do método de triangulação permite uma combinação de

métodos de forma flexível, do tipo observação participante, ao longo dos trechos da estrada e

mapeamento geofísico.

A primeira etapa da pesquisa de campo que se deu de maneira exploratória, não sistemática,

mais espontânea. As informações foram coletadas mediante anotações em caderno de campo onde

registrou conversas informais com os sujeitos do estudo composto de transeuntes ao longo da Estrada

Velha Santa Isabel: carroceiro, morador de condomínio, moradores próximos à ponte do Figueira

(Figura 2), comerciantes à margem da Rodovia Presidente Dutra, além de ciclista de Jacareí. Utilizou-

se também aparelho de Sistema de Posicionamento Global (GPS) para coleta de pontos (waypoints) e

de trajetos (tracklogs) das estradas no leito do Vale do Parateí e câmera fotográfica para registro da

paisagem. Foram utilizadas também ferramentas de geoprocessamento Arcgis e Trackmaker, para

auxiliar a identificar a existência de sujeitos (indústrias, construtoras) responsáveis por determinar

direção e a velocidade da circulação regional e tentar identificar os possíveis jogos de interesses e

impactos nessa via de circulação.

Figura 2 – Travessia do Rio Parteí com utilização de pinguela - Estrada Velha Santa Isabel –

Jacareí

Fonte: acervo do autor - 30/05/2013.

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A práxis do Planejamento Urbano e Regional sempre inclui variáveis nos mais diversos

métodos na busca e análise de tendências. A tal fato, soma-se o olhar das Ciências Humanas que

possibilita dar voz à população rural residente no bairro da Figueira o que permitirá a aproximação

fundamental de intimidade entre o sujeito e o objeto. Ir além da “visão de cima” permitirá ao

pesquisador observar de frente o universo e identificar circulações invisíveis e marginais aos olhos do

satélite determinada pela lógica capitalista e os mapas do poder.

Através de uma reflexão não objetiva e uma proposta de quebrar o paradigma de dar

diagnóstico e “dar remédio”, indo além do apelo maior das “ciências duras”3. Esse olhar que

compreende o social abre um mundo de significados passível de investigação e caminhos para outras

formas de análise.

A cidade: um direito

O bem-estar da humanidade é observado por David Harvey (2013) ao refletir sobre o

espantoso ritmo de urbanização nos últimos 100 anos. A lógica hegemônica capitalista define modelos

dominantes de legalidade e de ação do Estado onde a própria vida urbana virou mercadoria. Direito ao

lazer e aos equipamentos básicos tornou-se um produto, substituindo seu valor de uso pelo valor de

mercado. Henri Lefebvre aponta que “a própria cidade é uma obra, e esta característica contrasta com

a orientação irreversível da direção do dinheiro, na direção do comércio, na direção das trocas, na

direção dos produtos”. Lefebvre (2008, p.12). O valor da terra passa ter valor de mercado, perdendo

ao valor de uso, o direito ao conjunto do que se chama de urbano - Direito à urbanidade. O que se

forma é um urbanismo que se mostra contra o sentido da urbanidade. Através dessa ótica investiga-se

o direito à circulação que é parte do direito à cidade, e no caso do estudo, as dificuldades de

transposição do Rio Parateí impostas pela nova organização do território.

A região de estudo - áreas de atividade rural dos municípios de Santa Isabel e Jacareí - vem

passando nas últimas três décadas por um processo de marginalização da cadeia produtiva implantada

pelas indústrias situadas nas margens da rodovia Presidente Dutra. Com isso, essas áreas de antiga

produção rural tem sido relegadas pelas administrações municipais, fato que se expressa na falta de

manutenção das estradas vicinais tendo seu ápice na queda de pontes, devido fatores de ordem

climática cujas quedas aconteceram em 1986 e 2010, onde desde então nenhuma das duas ocorrências

foram recompostas pelos serviços municipais.

3 Um convite de humanização através das Ciências Sociais.

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Outro fator que demonstra a discrepância entre as antigas formações, como o bairro da

Figueira, e as novas formas de urbanização são expressas pelas mais recentes ocupações implantadas

em forma “condomínios de chácaras”, comercializadas de modo clandestino. Tais organizações não só

começam a cercear antigas caminhos e passagens, mas pela sua própria natureza, dificultam a ação do

poder público no sentido da reconstituição dos caminhos originais.

Em resumo, a existência de tais “Ccondomínios de chácaras” ao longo dessa estrada, acabou

por produzir um espaço que restringe a circulação de centenas de pessoas numa crescente

fragmentação da cidade. (Figura 3).

Figura 3 – Estrada Velha Santa Isabel-Jacareí

Elaborado por: André Luiz de Toledo

O poder dos mapas e os mapas do poder

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Maria Lúcia Perrone Passos ao reunir plantas, planos e mapas destaca o papel da cartografia

na compreensão da evolução urbana da cidade de São Paulo, afirmando não ser apenas o poder

público que necessita de um poderoso instrumento de controle, mas também o habitante da cidade

pertencente ao espaço urbano cada dia mais amplo, complexo e insuficiente. (Passos, 2009 p.15). A

autora aponta que as fontes documentais cartográficas constituem importante material para

investigação da história e mudanças físicas e que a cartografia esteve sempre concentrada em poucas

mãos. O próprio monopólio dos conhecimentos cartográficos, o controle da informação de um espaço

físico definiram a posse desse mesmo espaço. Em seu olhar, os mapas tem constituído através dos

tempos uma linguagem de poder e não de protesto:

“A cartografia é também fonte histórica de grande importância. Aliada à iconografia

e a fotografia, além de documentar a vida da cidade, ela propõe diferentes leituras,

aponta vínculos entre a sociedade civil, o Estado e o mercado”.

PASSOS, Maria Lúcia Perrone. Desenhando São Paulo: mapas e literatura: 1877-1954. São Paulo: Editora Senac/Imprensa Oficial, 2009. p.20.

No presente trabalho uma das dificuldades da pesquisa foi a escassez de fontes cartográficas

para a investigação da formação e distribuição do território do município de Santa Isabel, fato que

sugere uma relativa falta de interesse das administrações públicas.

Através de uma pesquisa exploratória, buscar-se-á elementos que permitem a reconstituição

dos percursos atuais impostos às populações desse trecho do Rio Parateí, na divisa dos municípios de

Santa Isabel e Jacareí.

Estradas e caminhos e a constituição de redes urbanas no Vale do Paraíba

Trabalhos anteriores já apontam que após “após a fundação da cidade de São Paulo, em 1554

o transporte continuou por mais de um século sendo realizado pelos rios e trilhas indígenas”. (Toledo e

Ribeiro, 2013, p.1). Durante o século XVII novas vilas foram fundadas no Planalto.

Carlos Santos ao estudar a formação dos múltiplos territórios em Guarulhos – que faz fronteira

a Nordeste com Santa Isabel – observa que a situação espacial “propiciou ao município tornar-se um

território cortado por caminhos e estradas (vicinais e de penetração) que constituíram não só paradas,

pousos e entrepostos para aqueles que chegavam e saiam de São Paulo, atingindo pontos distantes

como o Vale do Paraíba, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso (Cuiabá), mas também

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aquelas que faziam diferentes localidades internas ao seu território e entre aquelas que faziam

fronteiras com suas divisas”. Santos (2006, p.52). Respaldada pela historiografia sobre Guarulhos e

São Paulo, aliada às fotografias e plantas mais antigas dos municípios Santos destaca duas estradas

internas: “Estrada da Conceição” e a “Estrada Geral”. Essas estradas são importantes por sua extensão,

quantidade de ramais e o próprio estabelecimento de vias de acesso, transporte de cargas e tropas,

sendo evidentes até os dias atuais. Em particular a Estrada Geral partia da sede do município de

Guarulhos passando pelo atual Bairro do Bonsucesso, continuando até Arujá a caminho do Rio de

Janeiro. Esse trajeto aberto aproximadamente em 1600 viria a servir mais tarde às minas de ouro

localizadas no sertão das Gerais, propiciando o surgimento de ramais e a sequência de caminhos que

passavam pelo atuais município de Arujá e Santa Isabel prosseguindo até o Rio de Janeiro.

O estudo das vias de penetração da capital em direção ao Vale do Paraíba levou-se à esse

objeto de investigação e compreensão das atuais vias de circulação presentes entre Santa Isabel rumo

ao município Jacareí. Essas estradas e caminhos possuíam por sua vez pontos de parada e passagem,

constituíam e fortaleciam núcleos de entrepostos e povoações responsáveis por formarem alguns dos

bairros do atual município de Guarulhos e outras localidades fora deste como Nazaré Paulista, Santa

Isabel, Mairiporã e Itaquaquecetuba.

A historiografia tradicional de Guarulhos destaca características decorrentes da localização

demonstrando que Guarulhos servia ao desenvolvimento de São Paulo. Romão e Noronha (1980, p.9)

citado por Santos (2006) ressaltam que a vida de Guarulhos “sempre esteve presa, visceralmente à da

capital como centro irradiador das primeiras estradas que demandavam o sertão bruto (...)”. No

entanto, através de uma série de documentos fotográficos Santos observa que vários espaços de

Guarulhos constituíram-se “por meio de rede de sociabilidades locais, internas a esse município e as

suas proximidades, que não derivavam diretamente de uma situação de dependência em relação a São

Paulo”. (Santos, 2006, p.54). Santos localizou na documentação pública municipal – Código de

Posturas Municipais de 1911 - várias citações e uma contínua atenção de verbas para a manutenção

desses percursos, em particular os que ligavam Guarulhos diretamente ao centro de São Paulo, à

Bonsucesso, aos municípios vizinhos e até áreas mais distantes com o Rio de Janeiro, fato que senão

incluía as terras de Santa Isabel pelo menos davam indícios de interesse de Piratininga na manutenção

daquelas trilhas.

Prolongamento dos subúrbios da capital e problemas rurais da região de Santa Isabel

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Aziz Ab’Sáber (1951) realizou estudo a respeito da região de Santa Isabel onde identificou

que em torno da metrópole paulista existiam determinadas áreas tipicamente rurais que viviam “mais

ou menos à margem” com fracas relações com a capital do Estado, situada a NE da cidade de São

Paulo em terras que formam o divisor das bacias do Tietê e do Paraíba do Sul.

A descrição explicativa das paisagens rurais deste geógrafo identificou que grande parte do

município de Santa Isabel, apesar de pertencer a bacia hidrográfica do médio vale superior do Paraíba,

com solos em geral superiores ao da região de São Paulo, de fraco rendimento econômico rendimento

econômico, a região apresentava alguns problemas básicos nesse grupo de zona cristalina: relevo

serrano distante apenas a 50 quilômetros da capital paulista, em zona que é considerada como

“prolongamento natural dos subúrbios orientais da capital, restou na mais completa estagnação e

segregação até fins do primeiro quartel” do século XX. Santa Isabel não viu passar por suas terras os

trilhos da “Central do Brasil”, nem a rodovia São Paulo-Rio, e tão pouco linha de transmissão da

“Light and Power” e o Telégrafo Nacional.

Após a rápida passagem da produção cafeeira em seu território no século XIX, ficou apenas a

cultura itinerante de plantações caboclas, com modesta produção de cereais e aguardente que

escoavam até São Paulo em lotes de tropas que atingiam a capital em três dias.

Com a construção da rodovia São Paulo-Igaratá em 1925 houve uma influência na vida da

região com o advento de novos elementos como o caminhão, a jardineira, e o automóvel que

trouxeram a redução das distâncias e intensificação das comunicações com a capital que traz, nesse

momento, uma série de modificações estruturais que atingiriam todos os setores da vida rural e urbana

regional. Essa rodovia, de certa forma, supriria o isolamento de Santa Isabel em relação com a já

citada ligação São Paulo-Rio em 1928.

No início da segunda metade do século XX, a abertura de novas vias viram impactar

novamente a região reforçando as transformações citadas. Em 1951, ano da inauguração da Via Dutra,

Ab’Sáber dava como certa a transformação da área rural de Arujá, antiga possessão de Santa Isabel,

situada na zona suburbana de São Paulo. No ano seguinte entra em serviço a Variante Ferroviária do

Parateí. A instalação das duas vias de comunicações “das mais importantes do sudeste do país, vão

cortar a região” Ab’Saber (1951, p.3). Como consequência deu-se o início de atividades de

companhias de terras e loteamento na região com a compra de terrenos e início da venda de lotes.

Em recente passagem pela Estrada da Figueira (figura 3) foram observadas grandes

propriedades de terras, que ao serem cercadas acabam por restringir o acesso gerando um enclave,

impedimento à circulação.

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Figura 4 – Estrada da Figueira (JCR 123) – A imagem é eloquente sobre presença de cercas e

as grandes extensões das propriedades terra.

Fonte: acervo do autor - 09/11/2013.

Eixo de circulação como vetor da dinâmica urbana e ocupação do solo

Nice Lecocq Müller (1968) demonstrou que o processo de industrialização no Vale do Paraíba

não se processou com igual intensidade nas várias cidades da região. Essas cidades não foram afetadas

igualmente pelas várias etapas do desenvolvimento industrial, seja pelo desenvolvimento não

homogêneo ou por não apresentarem as mesmas características de composição industrial. A autora

aponta que “as cidades localizadas fora do eixo principal de circulação” ficam em situação de

inferioridade, comparável à do Vale Superior: assim, na área cortada pela antiga estrada Rio-São

Paulo, no extremo oriental da região, os centros urbanos são pouco industrializados. Dentro das áreas

marginais, em relação ao eixo principal de circulação do Vale Médio, observa-se que Santa Isabel não

apresentou nada além de um modesto desenvolvimento industrial.

O estudo realizado pela Caracterização do Conhecimento Vale do Paraíba Consórcio de

Desenvolvimento do Vale do Paraíba CODIVAP (1971) buscou reunir os conhecimentos e os dados

da já observava a ocupação do solo e o transporte como base para avaliar as polarizações. Alí Santa

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Isabel, Arujá e Guararema compunham a Quarta Sub-Região de estudo e foram isoladas por serem

consideradas componentes da Grande São Paulo. “A influência polarizadora da Grande São Paulo vai

certamente, e de forma bastante direta, até Guaratinguetá e determina muito do desenvolvimento até

São José dos Campos”. CODIVAP (1971, p. 133). Nesse estudo, baseado no número de viagens

diárias de transporte público realizadas com a capital, Santa Isabel é apontada como região polarizada

por São Paulo porém, igualmente por Jacareí além de bastante vinculada a Arujá. O relatório previa

que a iminência da construção do oleoduto São Sebastião-Paulínia e o término da Estrada Campinas-

Jacareí (Rodovia Dom Pedro I) aumentaria a ocupação do solo apontando assim a intensificação de

novos vetores agindo sobre o antigo espaço. Mesmo após a ligação do Vale do Paraíba com a região

de Campinas, com a inauguração do primeiro trecho da Rodovia Dom Pedro I, Santa Isabel continuou

isolada.

As modernas rodovias Presidente Dutra e Dom Pedro I, além da variante ferroviária do Parateí

(antiga Estrada de Ferro Central do Brasil EFCB) são responsáveis por segmentarem o Vale do

Parateí. Moradores de Santa Isabel e Jacareí, enfrentam nos dias de hoje grande dificuldade de

circulação e acessibilidade social. Tais vias, ao estabelecerem preferencialmente direções, velocidades

e acessos favoráveis aos locais mais integrados economicamente, constituem, como demonstra o

estudo, verdadeiros entraves aos deslocamentos e à sustentação da vida das populações afetadas.

Resultados

Na primeira etapa da pesquisa de campo observou-se formas de apropriação do espaço

irregulares e intencionais na região Noroeste de Jacareí. O autor identificou a Chácara Itapoã, mas

somente depois veio saber, pelo PMMA (2010), que se tratava de um loteamento clandestino (Sítio

Pedra Branca).

Na figura 5 é possível observar que o antigo curso da estrada velha (à esquerda da imagem),

constitui-se atualmente de uma trilha. O chácara faz-se presente com sua “muralha”, numa espécie de

enclave fortificado. Para chegar até o outro lado da linha férrea foi necessário percorrer uma trilha com

difícil acesso mesmo a pé, já observado na Figura 2. Chegar a Santa Isabel por esse antigo caminho

tornou-se um grande desafio. Requer transpor barreiras impostas pelo homem na tentativa de

apropriação do espaço, e, de forma ilegal, conforme já apontado no Mapa de Loteamentos

Clandestinos integrando do Plano Municipal do Meio Ambiente de Jacareí, em 2010.

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Figura 5 – Novas formas de urbanização

Fonte: acervo do autor - 30/05/2013.

Na tentativa de refazer o traçado original da Estrada Velha Santa Isabel-Jacareí observou-se

que um dos “condomínios” de chácaras transformou o leito da antiga via num verdadeiro “fosso

medieval” que acabou por destruir a antiga passagem enquanto subtraia uma via pública ao privatizar

seu novo traçado ao criar em sua propriedade o impasse que põe fim à velha ligação. A figura 6 ilustra

com detalhes o trecho da antiga estrada, à direita, que desaparece na paisagem. Foi reduzido à uma

calha de drenagem. O muro, ‘invisível aos olhos”, representa uma nova forma de urbanização

responsável em reduzir uma antiga via de circulação em uma trilha.

Figura 6 – “Fosso medieval” – a antiga estrada desaparece na paisagem

Fonte: acervo do autor - 30/05/2013

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Considerações finais

Este modelo de análise investigativa propõe compreender o processo de evolução das cidades

através das relações sociais e a política pública em relação a conquista dos direitos de cidadania da

população do Vale do Parateí.

A expansão estabelecida no estado de São Paulo nesta região foi definida, em épocas

diferentes, por dois vetores. Primeiro pela expansão através de Mogi das Cruzes e, posteriormente,

pela caracterização industrial que marcou a instalação da Rodovia Presidente Dutra.

No Vale do Paraíba durante o seu processo de industrialização, na segunda metade do século

XX, a instalação da variante ferroviária do Parateí vem reforçar a marginalidade de vias secundárias

de circulação, já segmentadas pelos grandes eixos ferroviários que a precederam. A Estrada Velha

Santa Isabel-Jacareí teve seu trecho interrompido a partir de 1952, sendo que o poder público a

abandonou desde então.

É certo que as cidades fora do eixo de circulação ficam em situação de inferioridade. Pior

então a situação de bairros situados nas antigas ligações como o caso do Figueira. A marginalidade do

município paulista de Santa Isabel já relatada por Ab’Sáber no início da segunda metade do século XX

e sua preocupação com a ocupação do solo com a expansão dos subúrbios orientais da capital paulista

é ainda um tema que permanece em aberto.

Os moradores de Jacareí e Santa Isabel residentes no Vale do Parateí enfrentam nos dias de

hoje grande dificuldade de circulação tendo em vista que a rodovia e a ferrovia determinaram um novo

sentido ao privatizar o acesso impondo nova velocidade e direção aos deslocamentos.

A ponte sobre o Rio Parateí, que teve sua estrutura levada pelas enchentes há quase três

décadas, é um retrato sintomático. A ética neoliberal reproduzindo a metáfora fotográfica captura o

momento do individualismo e recusa as formas coletivas de ação política, compondo assim, uma nova

imagem do mundo contemporâneo.

Ao observar o universo do bairro da Figueira localiza-se grandes propriedades que ao serem

cercadas vem restringir acesso, gerando um enclave, impedimento à circulação. Com isso, as

distâncias intra-urbanas vão se aumentando. Produz-se um espaço que restringe a circulação de

centenas de pessoas, aumenta-se a fragmentação da cidade. Uma cidade intencionalmente produzida.

Jacareí ao mesmo tempo que representa um entroncamento de importantes vias de circulação

regional paradoxalmente, em seu espaço interno, cria situações de barreira à circulação de seus

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cidadãos. Seus antigos caminhos e trilhas pioneiras da sua formação histórica acabaram engolidas pela

privação indiscriminada do solo.

Baseado no pensamento francês de se pensar a cidade como uma grande massa a ser esculpida,

que futuro restará à população do Vale do Parateí que assiste o ruir das pontes onde suas vias de

circulação em antigas estradas se depararem no empasse nas novas muralhas constituídas pelas

principais rodovias da modernidade?

A política é constituída de ideias e interesses. A política pública é mais. Como pesquisadores,

temos o dever de ir além dessa imagem construída reconquistando o ideal voltado para a sociedade da

justiça social.

O direito à circulação é um direito à cidade.

BIBLIOGRAFIA CITADA

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REIS FILHO, Nestor Goulart. Memória do transporte rodoviário. São Paulo: Editora CPA, 1997.150p.

RIBEIRO MOREIRA, Pedro. Formação da rede urbana do Vale do Paraíba. Anais do XII Seminário de História da Cidade e do Urbanismo. Porto Alegre, 2012. SANTOS, Carlos José Ferreira dos. Identidade urbana e globalização: a formação dos múltiplos terreitórios em Guarulhos. São Paulo: Annablume. 2006, 249p.