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Caderno de Resumos XIV SETA – 17 a 19 de novembro de 2008

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Caderno de Resumos XIV SETA – 17 a 19 de novembro de 2008

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Caderno de Resumos XIV SETA – 17 a 19 de novembro de 2008

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Reitor: José Tadeu Jorge

Coordenador Geral: Fernando Ferreira Costa Pró-Reitora de Pós-Graduação: Teresa Dib Zambon Atvars

INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM Diretor : Antonio Alcir Bernárdez Pécora

Diretora Associada: Nina Virgínia de Araújo Leite

COMISSÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO Coordenadora Geral: Silvana Mabel Serrani

Coordenadora da SCPG-Lingüística: Tânia Maria Alkmim Coordenador da SCPG-Teoria e História Literária: Fábio Akcelrud Durão

Coordenadora da SCPG-Lingüística Aplicada: Terezinha de Jesus Machado Maher Representante Discente: Jaqueline Silva de Souza

COMISSÃO ORGANIZADORA Ana Carolina Constantini, Carlos Felipe da Conceição Pinto, Cláudia Hilsdorf

Rocha, Claudiomiro Vieira da Silva, Débora Cristina Bondance Rocha, Fábio da Silva Fortes, Fernanda Costa Garcia, Jaqueline Silva de Souza, Júlia Maria Vieira

Nader, Larissa Mary Rinaldi, Lígia Maria Winter, Luanda Rejane Soares Sito, Marcela Ferreira, Marcela Lima, Maria de Fátima do Nascimento

PUBLICAÇÕES-IEL Coordenador: Carlos Eduardo Ornellas Berriel

Editor Gráfico: J.A. Duek Equipe Editorial: E.A. Santos / N. Alves / J.A. Duek

INFORMÁTICA-IEL Coordenador: Paulo Franchetti

Analista de Sistemas: Sueli Ap. Rizzoli Sarmento

Comissão de Pós-Graduação Universidade Estadual de Campinas Cidade Universitária Zeferino Vaz

Caixa Postal 6045 / CEP 13084-971 Telefones: (19) 3521-1506 – 3521-1524 - Fax: (19) - 3521-1525

www.iel.unicamp.br / [email protected]

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AGRADECIMENTOS

São muitos os percalços, mas também são inúmeras e significativas as conquistas ao longo da realização de um trabalho de pesquisa científica. Desta empreitada se fazem presentes muitas pessoas, que de diferentes formas, contribuíram para sua efetiva conclusão. O SETA - Seminário de Teses em Andamento, propõe-se ser um espaço para a divulgação e discussão desses trabalhos, assim como para a viabilização do (re)encontro dessas pessoas, como também para o reconhecimento dos conhecimentos partilhados e colaborações prestadas. Nesse âmbito, a Comissão Organizadora do 14º SETA gostaria de expressar sua imensa gratidão a todos aqueles que contribuíram, de uma maneira ou de outra, para mais uma realização deste evento. Certamente, na ausência desse apoio, o 14o SETA, organizado “a toque de caixa”, não ocorreria, quebrando uma tradição já bastante valorizada e reconhecidamente frutífera. Gostaríamos, assim, de tornar público o nosso profundo agradecimento aos Coordenadores de Pós-Graduação do IEL, pelo espaço aberto ao longo desses anos, que cada vez mais se consolida. Em especial, gostaríamos de agradecer à Professora Teca (Terezinha Maher), pela presença constante em nossas reuniões e comunicações virtuais, dando-nos o apoio e direcionamentos necessários e tão importantes para que pudéssemos conduzir nossas atividades de forma apropriada. Também agradecemos aos funcionários do IEL que nos ajudaram em diversas partes do trabalho. Em especial, agradecemos ao Cláudio Platero, pela disponibilidade constante e por nos socorrer em diversos momentos de apuros. Queremos, ainda, agradecer aos Professores palestrantes, que cederam parte do seu tempo, sempre tão escasso, para contribuir com o sucesso do evento. Nosso muito obrigado segue também a todos os Professores debatedores, internos e externos ao IEL/UNICAMP. Seus olhares e direcionamentos muito adicionam às nossas pesquisas em desenvolvimento. Não poderíamos deixar de agradecer o apoio financeiro oferecido pelo CALL (Centro Acadêmico...), que expressivamente contribuiu para a consolidação deste SETA. Por fim, expressamos nossos sinceros agradecimentos aos nossos colegas de pós-graduação, protagonistas deste evento, que enviaram seus trabalhos, possibilitando os debates e trocas de experiências, que certamente serão bastante ricos e profícuos Esperamos que o 14º SETA cumpra efetivamente seu compromisso de promover um espaço de intercâmbio de experiência e conhecimento para todos. Muito obrigado a todos vocês.

Campinas, 17 de novembro de 2008 A Comissão Organizadora

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PROGRAMAÇÃO GERAL

DATA

HORÁRIO

17/11 DATA

HORÁRIO

18/11 DATA

HORÁRIO

19/11

9h – 9h30

AUDITÓRIO

Mesa de abertura - Pró-Reitora de Pesquisa: profª. Dra. Teresa Dib Zambon Atvars - Diretor do IEL: prof. Dr. Alcir Pécora - Professores da Comissão de Pós-graduação do IEL: profs. Drs. Silvana Serrani, Terezinha Maher, Tânia Alkmin e Fabio Durão - Integrante da Comissão Organizadora do SETA 2008 – Jaqueline Souza

9h30 – 10h

AUDITÓRIO

Coffee break

10h – 10h30

AUDITÓRIO

Apresentação do Coral “Zíper na boca”

10h30 – 12h

AUDITÓRIO

Palestra Parataxe e dupla consciência como conceitos

críticos

Profa. Dra. Myriam Ávila (UFMG)

9h30 – 12h

AUDITÓRIO

Mesa-redonda

Os entraves e as possibilidades do Ensino e Formação de Professores à

Distância Profa. Dra. Heloísa Collins (PUC-SP) Ms. Edilene Ropoli (CCUEC/ UNICAMP/USP)

9h – 13h

SALAS DE

AULA

Sessões de Comunicação

14h às 18h

SALAS DE AULA

Sessões de Comunicação 14h às 18h

SALAS DE AULA

Sessões de Comunicação 14h

AUDITÓRIO

Palestra de encerramento

Arte hoje: a linguagem do problema e o problema da

linguagem

Escritor Affonso Romano de Sant’anna

Seguida do Lançamento do livro

do escritor.

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NASALIDADE E ASSIMILAÇÃO NASAL EM GUATÓ (MACRO-JÊ)

Adriana Viana Postigo (UFMS)

O guató faz parte das nove etnias que compõem a diversidade indígena do estado de Mato Grosso do Sul. O povo guató vive na aldeia Uberaba, localizada na Ilha Ínsua, entre as lagoas Gaíba (ou Gaíva) e Uberaba, no alto Pantanal, pertencente ao município de Corumbá-MS. A população que reside na aldeia está estimada em 370 indígenas, dos quais apenas alguns anciãos são bilíngües em Português e Guató, sendo os demais monolíngües em Português. Este trabalho tem por objetivo apresentar uma análise sobre a nasalidade e assimilação do traço [nasal] pelas vogais da língua guató, a partir de dados de pesquisas anteriores e dados atuais coletados por mim em julho de 2007 e janeiro de 2008. Os pressupostos teóricos utilizados na análise e representação baseiam-se em Clements & Hume (1995) e Piggott (1992). A língua guató foi classificada por Rodrigues (1986) na família guató, pertencente ao tronco lingüístico Macro-Jê. Apenas dois pesquisadores se dedicaram ao estudo dessa língua: Max Schmidt (1905) Indianerstudien in Zentralbrasilien, traduzido em Estudos de etnologia brasileira (1942) e Adair Palácio (1984) com a tese de doutorado Guató, a língua dos índios canoeiros do rio Paraguai. Em Schmidt (1905[1942]), no capítulo IX “Índios guató - Linguagem”, o autor apresenta uma análise para a formação de palavras, o inventário de fonemas e algumas modificações fonéticas, além de um vocabulário com 507 palavras e 39 frases, que foram coletadas com índios guató das lagoas Gaíba e Uberaba em 1901. Na tese, Palácio (1984) apresenta três capítulos de análise: (I) Fonologia, (II) Gramática: morfologia e (III) Gramática: sintaxe. No que diz respeito à nasalidade, Schmidt (1942, p.212) afirma que os fonemas /i/ e /u/ “costumam aparecer nasalados: i*, u)”, como em (má)gu) ‘água’ e (má)ni) ‘barco’. A pesquisadora Palácio (1984) considera como fonemas as vogais nasais /a)/, /e)/, /i)/, /È)/, /u)/ por oposição às vogais orais /a/, /e/, /i/, /o/, /u/ e sobre as regras fonológicas, considera que na língua guató “o caso mais freqüente é o de assimilação do traço de nasalidade, que tanto é progressiva como regressiva. Geralmente as vogais que precedem as consoantes nasais /m/ e /n/ assimilam destas o traço de nasalidade” (Palácio, 1984, p. 39). Em nossos dados, levamos em consideração os padrões silábicos CV e V da língua guató. Sendo assim, a nasalidade presente nas vogais foi interpretada como uma realização do suprassegmento nasal que não pode se realizar na coda silábica e, portanto, manifesta-se no núcleo da sílaba, representado por /N/. Por exemplo: cv [gÈ⁄] /gÈ⁄N/ ‘água’ v.cv [o¤kWe)⁄] /o¤.kWe⁄N/ ‘bugio’ v.cv.cv [e›gå)⁄ti ¤] /e›.gå⁄N.ti ¤/ ‘peixe’ A assimilação nasal regressiva (�), nos nossos dados, ocorre quando a vogal é seguida por uma consoante nasal bilabial /m/ ou alveolar /n/. Por exemplo: [o›kHå)⁄na›] /o›.kHa⁄.na›/ ‘mutum’ [i Ÿtu)⁄nu~] / i Ÿ.tu⁄.nu~/ ‘umbigo dele(a)’ [goŸ)maŸ] /go~.maŸ/ ‘mandioca’ [tSu⁄)mu~] /tSu⁄.mu~/ ‘três’ A assimilação nasal progressiva (�) ocorre com a aproximante palatal /j/, que assimila o traço [nasal] da vogal precedente, mantendo o ponto de articulação e realizando-se como uma consoante nasal palatal [≠]. Por exemplo: /guŸ)+jo!+i ŸkÓo!/ [gu)Ÿ≠u! i ›kHo¤] ‘eu matei o jacaré’ (matar+1psg+jacaré) Por fim, a partir dessa análise, esse trabalho visa corroborar para um melhor conhecimento da nasalidade e assimilação nasal na fonologia das línguas naturais, em particular, das línguas indígenas do tronco lingüístico Macro-Jê.

O REQUERIMENTO DE EFEITOS V2 NO LICENCIAMENTO DE ES TRUTURAS DE TÓPICO NO PORTUGUÊS CLÁSSICO

Alba Verôna Brito Gibrail (UNICAMP)

O levantamento de dados de estruturas de Topicalização de textos de autores portugueses nascidos nos séculos 16-17, formadores do acervo Corpus Tycho Brahe, registram a tendência do português clássico de licenciar esse tipo de construção em sentenças de ordem V2, com o sintagma pré-verbal deslocado por movimento curto para a posição de tópico interna à estrutura prosódica da oração (Galves, 2004). A evidência empírica da posição interna à estrutura prosódica da oração ocupada pelo sintagma com a função de tópico é definida nas sentenças que dispõem de clítico em próclise; nas ocorrências com clítico disposto em ênclise, o sintagma pré-verbal é realizado em posição anterior à fronteira prosódica da frase, na categoria de um adjunto (Galves, 1995, 2004; Galves; Britto e Paixão de Sousa, 2005). Em se tratando de estruturas de Topicalização de objeto em sentenças com clítico e verbo flexionado, os dados apresentam o uso generalizado da próclise:

1. Semelhante instrução lhe dá o Tridentino, referindo-se a este Cartaginense.(CTB-V_002_1608-1697) A generalização de uso da próclise no licenciamento de estruturas de Topicalização de objeto em sentenças com clítico e, por conseguinte, a restrição de uso dessas construções com clítico disposto em ênclise são os fatores que permitem definir a posição de tópico interna à estrutura da frase do sintagma pré-verbal nas ocorrências formadas em sentenças de ordem V2 sem clítico:

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2. Esta provincia de Hiberia assentão os cosmographos em Asia, entre Colchos & Albania: (CTB-B_007_1569-1617)

Em sentenças de ordem V2, o uso objeto topicalizado com o clítico disposto em ênclise é atestado na forma de Deslocada à Esquerda Clítica:

3. e os que corrião os pareos, faziam nos quasi da mesma maneira, (CTB-H_001_1517-1584) A propriedade do português clássico de dispor de sintagmas com a função de tópico dentro da estrutura prosódica da oração é reafirmada no licenciamento dessas construções por movimento longo. Os dados investigados apresentam estruturas de Topicalização que dispõem de constituinte de oração subordinada em posição de tópico da oração matriz, satisfazendo, na formação dessas construções, o requerimento de efeitos V2. Há o licenciamento de objeto de oração subordinada em posição de tópico interna à oração matriz, com o deslocamento de todo o material do VP encaixado:

4. A petição creo oferecerá o senhor Bispo de Ene em dia de São José, (CTB-B_003_1644-1710) E/ou na forma de sintagmas descontínuos, com o deslocamento apenas de sujeito de mini-oração de sentença encaixada:

5. Os pyllotos vos emcomendo muito que trabalheis por mãdar cõtentes o mais que poderdes, (CTB-D_001_1502-1557)

Havendo também o licenciamento de estruturas de Topicalização de sujeito de oração subordinada que se desloca para a posição de tópico da oração matriz:

6. O verniz cuidão alguns que é inventado n'este tempo, (CTB-H_001_1517-1584) Uma das evidências empíricas que permitem definir a posição de tópico interna à oração matriz desses constituintes deslocados por movimento longo é o uso do clítico em próclise nessas orações, confirmado na ocorrência em (5) e na que acrescento a seguir:

7. e a lletra de credito do dinheiro pera a corte de Roma vos encomendo que venha lloguo cõ dilligençia, (CTB-D_001_1502-1557)

A variação de uso de sujeito topicalizado em sentenças com clítico disposto em ênclise é verificada no contexto que dispõe desse constituinte com a função de tópico em contraste, em ambiente de paralelismo sentencial. Nessas construções, o sujeito carregando a função de tópico em contraste ocupa uma posição externa à estrutura da frase, na categoria de um adjunto (Galves; Britto e Paixão de Sousa, 2005):

8. Elles conheciam-se, como homens, Christo conhecia-os, como Deus. (CTB-V_004-1608-1697) O uso do clítico em ênclise é assinalado também no licenciamento do sujeito com a função de tópico no contexto de oração interrogativa. Nessas ocorrências, o deslocamento do sujeito para a posição mais alta à esquerda, precedendo o elemento-wh, corresponderia à sua extração de dentro de ilha-wh.

9. E essa (tornou Leornardo) ¿que fruito tirou do parentesco se não foi chamarem-lhe alguns autores bôrra da língua latina? (CTB-L_001_1579-1621)

As ocorrências de objetos topicalizados em contexto de ilha-wh são atestadas na forma de Deslocada à Esquerda Clítica:

10. Mas os santos e apostolos e martyres quem os quizer bem pintar, emite ao seu capitão e Nosso Salvador, (CTB-H_001_1517-1584)

Em todas essas construções, a posição de tópico interna à estrutura prosódica da oração, ocupada pelo objeto e/ou sujeito deslocados, é assegurada em ambientes sintáticos que não violam as restrições de movimento. Em ambientes sintáticos que restringem o movimento, um outro constituinte da oração ocupa a primeira posição dentro do domínio de Comp, definindo a ordem V2 dessas construções. Considerando a propriedade do português clássico de licenciar estruturas de tópico com efeitos-V2, nas várias formas de manifestação desse fenômeno, a questão ainda não definida na pesquisa é a co-ocorrência no corpus das formas variantes com o sintagma fronteado carregando a função de tópico em contraste, em sentenças que projetam a ordem subjacente V1.

A CIÊNCIA IMAGINÁRIA (POLÍTICA E APOCALIPSE NA FICÇ ÃO CIENTÍFICA)

Alcebíades Diniz Miguel (UNICAMP) Desde a Renascença, culminando nos séculos XVIII e XIX, a Ciência despontava como campo discursivo definido. A economia própria desse novo campo foi logo destrinchada na esfera do imaginário: a literatura fantástica surgia, enquanto gênero, justamente a partir da dúvida essencial entre o factível – redutível – e o que parecia louca especulação. Logo, a própria Ciência alimentaria a ficção, após o colapso dos mitos tradicionais que se alimentavam das estruturas explicativas primitivas para os fenômenos da natureza (os vampiros, demônios, lobisomens, etc.). A partir de meados do século XIX, a Ciência tornar-se-ia, ela mesma, o objeto da ficção, fosse através da possibilidade técnica, fosse pelo irrompimento do extraordinário no cotidiano – e a necessidade de redução e controle desse extraordinário – fosse pelos sentimentos ambivalentes que surgiam diante de um futuro livre e indeterminado, sem as apreensões apocalípticas que obsedavam a imaginação e o discurso medieval. É nesse contexto que se constitui o universo narrativo da ficção científica, que, em constante diálogo com o universo material dos conceitos e das possibilidades – utópicas e reais – da Ciência, realiza um consciente processo de desestabilização das instâncias tradicionais do que é classificado como real e como imaginário na ampla esfera da Cultura. A força do signo dessa desestabilização, dos signos e estratégias de instabilidade é tamanha que ele atravessa o estatuto de verossimilhança da trama e atinge mesmo seu núcleo temático: embora empreste da narrativa utópica a

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possibilidade ficcional de fim das contradições históricas, é tudo som e fúria, apocalipse e purgação, alternância e troca de valores, na ficção científica. Trata-se de um universo completamente diferente da rigidez estrutural, positiva ou negativa, das utopias desde o projeto de cidade ideal de Platão, ao 1984 de Orwell. Assim, a validade eventual dessa anomalia representada pelo signo da oscilação na ficção científica e a forma como este se constitui são questões que ocupam o primeiro plano de nosso trabalho. É através do principal campo de projeção ficcional da ficção científica – o tempo –, que a oscilação mencionada se manifesta com mais força: o ficcionista imagina o futuro prometido pelo discurso científico exatamente através da oscilação entre o desespero de apocalipses factíveis – ou não – e a esperança das utopias possíveis. Contudo, como optamos por partir do concreto para o abstrato – processo que realizamos com a definição de imaginário –, trabalhar com a ficção científica como gênero nos parece complexo: seguimos a idéia que o gênero, grosso modo, surgiu em um mundo pós Revolução Francesa, positivista e fascinado pela Ciência, no qual reflexos problematizantes como o Frankenstein de Mary Shelley, as ficções raciocinantes de Edgar Allan Poe, a aventura científica de Jules Verne, o duplo modernizado de Dr. Jekill and Mr. Hyde de Robert Stevenson e os teoremas narrativos de Charles Hinton despontavam, aguardando uma espécie de catalisador das diversas tendências. Partimos do princípio de que a vigorosa obra de H. G. Wells, na última década do século XIX, desempenhou tal função, ao mesmo tempo em que lançava as bases para muitos dos eixos temáticos mais populares do novo gênero durante todo o século XX. Assim, optamos por analisar a obra de Wells e as questões centrais que ela coloca – notadamente, as oscilações possíveis do tempo, do espaço e do futuro, em diversas configurações – contribuindo para desvelar as bases para esse permanente fascínio pela projeção do futuro, ponto cego sempre adiante, ainda que todos os projetados futuros acabassem como ilusões e miragens.

SINTAGMAS FONOLÓGICOS E ENTOACIONAIS EM RIKBAKTSA: INDÍCIOS SEGMENTAIS E SUPRASSEGMENTAIS

Alexandre Tunis Pioli (UNICAMP)

O objetivo deste trabalho é apontar argumentos pela relevância dos sintagmas fonológico e entoacional na língua Rikbaktsa (Macro-Jê). O ponto de partida é um conjunto de mais de uma centena de sentenças neutras, coletadas junto a dois falantes nativos rikbaktsa. O corpus contém dados de diferentes graus de complexidade sintática, o que inclui variações de posição (e.g. advérbios), paradigmas e coordenação. Partindo do modelo teórico proposto em Selkirk (1995), a distribuição de tons altos será admitida como indício de marcação de fronteiras do sintagma fonológico nesta língua. Mostrarei que a restrição ALIGN-XP,L proposta pela autora prevê uma grande diversidade de ocorrências em Rikbaktsa. Há, no entanto, ocorrências que ficam sem explicação se ALIGN-XP,L for considerada a única restrição ativa, sobretudo em casos onde LCC (Lexical Category Condition) parece estar sendo violada. A LCC, tal como definida por Truckenbrodt (1995), prevê que “Restrições quanto à relação entre estruturas prosódicas e sintáticas se aplicam a elementos sintáticos lexicais e suas projeções, mas não a elementos funcionais e suas projeções, nem a elementos sintáticos vazios e suas projeções” (minha tradução). Dados como (1) mostram que há fronteira de sintagma fonológico à esquerda de um sintagma funcional, possivelmente violando LCC (onde “p( ” ilustra o limite esquerdo do sintagma fonológico):

(1) [iatu]AdvP p( [ikiahatsa]DP p( [tsikoronaha]VP “vocês andaram ontem” Como solução, propomos que a restrição WRAP-XP (Truckenbrodt 1995) é necessária e está acima das restrições de ALIGN no ranking, sendo capaz de derivar com maior precisão os sintagmas fonológicos dessa língua, tendo os indícios tonais como suporte. WRAP-XP postula que “para cada XP deve existir um sintagma fonológico que contenha esse XP”. Esta restrição difere fundamentalmente de ALIGN-XP por pressupor que todo XP deverá estar contido em um p-phrase único, desde que respeitada a condição de LCC (acima). Os dados disponíveis permitem ainda observar que as sentenças terminam regularmente com um tom H, seguido de uma oclusiva glotal; entre os motivos para acreditar que esses dois elementos evidenciam a fronteira direita do sintagma entoacional (aqui, IntP) está o fato de que H+? ocorre sistematicamente antes de silêncio:

(2) a. moroso H? 'panela de barro' b. uta H moko H piokozo H? 'eu comi mandioca de novo'

Se H+? é evidência para IntP, espera-se que, como acontece em diversas outras línguas, a ocorrência de quaisquer pausas significativas entre as palavras introduzam uma fronteira de IntP (Nespor & Vogel 1986), o que de fato acontece em Rikbaktsa:

3) tohi H? (pausa) tsainimukara H? 'ele está rindo' O tom H inserido em fronteira de IntP é caracterizado foneticamente por ser significativamente maior que o que delimita sintagmas fonológicos, sendo denominado S(uperhigh) por Hyman (1990). Desse modo, este trabalho terá como fim mostrar as previsões de fraseamento em nível de sintagma fonológico e entoacional em Rikbaktsa, discutindo a possível insuficiência de uma das propostas correntes de mapemento sintaxe-fonologia (Selkirk 1995, 2000) para esse caso, e trazendo indícios de regras segmentais/suprassegmentais sensíveis a esses domínios prosódicos, como a atribuição de acento tonal, a inserção de tom de fronteira, a inserção de oclusiva glotal e o alongamento vocálico.

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ENSINO DE LITERATURA: DE ALUNO A PROFESSOR, DO PROF ESSOR AO ALUNO

Aline Akemi Nagata (UNICAMP)

A presente comunicação tem por objetivo apresentar os dados iniciais de uma pesquisa em que verificaremos de que forma a universidade tem elucidado o “COMO” e o “POR QUÊ” ensinar Literatura no ensino médio hoje, na visão de professores atuantes em escolas públicas ou privadas, e ainda, como essa formação tem ajudado ou complicado a atuação dos mesmos. Imbricada nessa questão maior está uma outra: “Qual é a situação do ensino de Literatura hoje?”. Tal interesse acadêmico se justifica pelo fato de que a articulação entre a formação e a prática há muito tem sido estudada, todavia muito pouco se tem feito para que existam mudanças significativas nesse processo. Pensando na questão da formação do professor, especificamente, não é possível estabelecer a conexão entre os saberes pretendidos como ideais, transmitidos pelas universidades e a prática efetiva em sala de aula. Pelo contrário, é perceptível a visão idealizada que as universidades constroem de uma sala de aula e, por conseguinte, a decepção que a maior parte dos formandos têm quando se deparam com a “realidade”. Nesse sentido, pressupomos que exista uma lacuna nessa formação, que muito mais do que exaltar teorias do momento deveria articular esse conhecimento com a sua realidade prática, ou seja, partimos da idéia de que a formação não lida com o “como fazer” e, conseqüentemente, os formandos não têm a exata noção do “por que fazer”. Dessa forma, o que se vê são professores que, decepcionados com a realidade que encontram, totalmente diferente da idealizada na universidade, buscam apoio nas práticas de outros professores, em roteiros estabelecidos por outras pessoas que não estão inseridas na mesma realidade em que eles se encontram, enfim, recorrem aos meios que estão ao seu alcance, sejam eles bons ou ruins. Em outras palavras, esse professor recém-formado, se não estiver totalmente preparado para refletir criticamente sobre a sua prática – e essa é uma parte essencial da formação – está fadado a utilizar os mesmos apoios, modelos, receitas sem refletir criticamente sobre elas, tornando a sua prática, igual ou pior do que aquelas que tanto criticava. Portanto, as preocupações de minha dissertação de mestrado estão englobadas no tema “a formação do professor de Literatura”, cuja questão norteadora da pesquisa é: “Como a Universidade tem (ou não) formado professores para os problemas a serem enfrentados na prática?”. Para fins de análise dessa questão foram selecionados professores, com distintas formações universitárias, contudo, recentes, que participam periodicamente de um fórum de discussão, mediado pela pesquisadora, em que as questões pertinentes a esse trabalho são colocadas e debatidas entre todos, para que possamos ter uma visão de como a formação desses professores os preparou para a prática que estão vivenciando no momento da pesquisa. Por isso, nos propomos nesta pesquisa a ouvir professores de Literatura atuantes na rede pública ou privada, para verificar, com o olhar de quem vivencia diariamente, e não o de um acadêmico alheio a essa realidade, a situação desse ensino, os problemas enfrentados e as soluções encontradas todos os dias por professores, independentemente de onde estão. Não queremos com tal discussão criar a falsa impressão de que conhecer a Literatura não seja importante, pelo contrário, é o pré-requisito para um bom professor, mas, os mecanismos de ensino estão além do simples conhecimento e da análise, são mais difíceis de serem apreendidos (se é que o podem ser), portanto, mais raros em qualquer curso de licenciatura.

CORPO E TECNOLOGIA EM “THE CHANCE” DE PETER CAREY

Aline Amsberg de Almeida (UNICAMP/FAPESP) Em 1979, foi publicado pela primeira vez o conto “The Chance”, escrito pelo australiano Peter Carey. Novamente editado e publicado em 1993, “The Chance” encontra-se entre outros nove contos no livro The Fat Man in History, com o qual trabalho em meu projeto de pesquisa. O conto “The Chance” contextualiza uma Loteria Genética fundada na Terra por alienígenas na qual o usuário tem a possibilidade de trocar de corpo. Os alienígenas, chamados Fastalogians, cobram 2,000 dólares intergalácticos para cada troca de corpo (ou fazer uma Chance). A loteria, embora de origem extraterrestre, opera apenas nos seres humanos, esses sim, completamente aliens ao sistema de funcionamento dessa tecnologia. No mesmo ano de publicação do conto, no dia 14 de março, Michel Foucault falava no Collège de France sobre o Neoliberalismo e a teoria do capital humano. Dizia ele acerca do capital humano: “Ora, é evidente que não temos que pagar para ter o corpo que temos, ou que não temos que pagar para ter o material genético que é nosso. Isso tudo não custa nada. Bem, não custa nada – será mesmo?” (FOUCAULT, 2008, p.312-313). Em “The Chance”, o protagonista Paul, também narrador do conto, já pagou quatro vezes pelo corpo que tem, ou seja, já passou quatro vezes pela Loteria Genética. Por abordar a intervenção tecnológica no corpo humano, trato o conto como obra de ficção científica, no âmbito da literatura comparada. De acordo com Steven Best e Douglas Kellner (2004), a premissa da ficção científica é trabalhar com o modo “e se...”, extrapolando as conseqüências do avanço científico e da inovação tecnológica. As questões centrais no caso do conto de Peter Carey são: “e se o contato com outros seres vivos do universo resultasse numa colonização da Terra e do corpo humano?”; “e se fosse possível construir uma loteria genética que pudesse mudar o corpo instantaneamente?”.

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“The Chance” está inserido em uma tradição fáustica, tradição que acredita não haver limites para o conhecimento científico e utilização da tecnologia. Essa tradição não tem por objetivo o conhecimento dos mecanismos da vida, ou a decifração daquilo que é permitido ao ser humano e à ciência, mas sim a compreensão dos fenômenos para a prevenção e o controle dos corpos. Tal tradição relega o corpo orgânico à obsolência, trazendo o que Paula Sibilia chama de “corpo pós-orgânico”, numa aproximação com o mito do ciborgue descrito por Donna Haraway em seu Manifesto Ciborgue de 1999. A declaração do genoma humano como patrimônio da humanidade, em 11 de novembro de 1997 pela 29ª sessão da Conferência Geral da UNESCO, vem acrescentar a esse controle visado pela tradição fáustica a captura daquilo que Paul, protagonista do conto de Carey, chama de “as partículas subatômicas” das quais nossos corpos são feitos. A partir do conto, pretendo refletir sobre até onde é possível que as novas tecnologias possam mesclar-se ao corpo de modo que possamos habitar as máquinas e permitamos que elas nos habitem. Como essas tecnologias podem efetivamente aumentar a potência de plasticidade do corpo? E, finalmente, quanto custa o nosso material genético?

ESCOLA DA PONTE: REPRESENTAÇÕES E PERSPECTIVAS

Aline Maria Pacífico Manfrim Covre (UNICAMP)

A necessidade de identificação de escolas diferentes por parte da sociedade é uma forma de compreender o papel da escolarização no mundo atual. Devido a diversos problemas de ordem estrutural, o ensino hoje, principalmente no Brasil, é desacreditado por parte dos indivíduos. Entretanto, nessa caracterização de “diferente”, podem aparecer diversos aspectos que, a princípio, sugerem uma diferenciação individual de uma instituição escolar, e não necessariamente uma diferente proposta para uma nova concepção de educação, currículo, escola e sujeito. Nessa diversidade de características diferenciadoras nas escolas, optei por selecionar, neste primeiro momento, a Escola da Ponte, considerada uma escola diferente por todo o mundo. Inicialmente, esta escola foi pensada para atender alunos de séries iniciais que não conseguiam aprender da forma como era concebida a escola e a escolarização formal. Diante dos resultados positivos apresentados pelos alunos que anteriormente tinham dificuldades de aprender a ler, escrever e lidar com operações matemáticas, a escola começou a ser vista como uma possibilidade diferente de se conceber esta instituição e a própria formação inicial. Este trabalho busca discutir as representações existentes em diversos setores na sociedade sobre a Escola da Ponte enquanto escola diferente. Para esta apresentação, discutirei como esta escola se vê, como é divulgada pela mídia brasileira e como é vista por uma assistente social que foi visitá-la. Os materiais produzidos sobre a escola pelas pessoas que trabalharam nela apresentam textos com tom narrativo e de afetividade, evidenciando que, em se tratando de construir uma identidade de escola diferente, a própria organização física e discursiva também contribui para reforçar esta maneira de se apresentar, na comparação com as outras escolas formais. Em relação à mídia, a escola é essencialmente apresentada por meio de entrevistas com José Pacheco. As informações predominantes nelas são as que estão no Plano Educativo, mas com um toque de exemplos do cotidiano. Imagens, exemplos de trabalhos de alunos, tabela de direitos e deveres feitos pelos alunos, divulgação do blog oficial da escola são argumentos que sustentam, nas entrevistas, a característica de “escola dos sonhos”. As informações mais reforçadas sobre esta escola nestes textos são a estrutura física, o fato de não haver provas tradicionais, e o fato de não haver seriação. Nestes pontos creio que a mídia já vai construindo uma diferenciação desta com as outras escolas conhecidas, já que são fatos visivelmente distintos. A filosofia da escola e o currículo não são profundamente explorados nas entrevistas. O que se reforça, a partir dos dizeres de José Pacheco, é que o mundo de hoje não comporta mais uma escola inspirada no século XIX. Além disso, reforça-se bastante o convívio em grupos e a troca de experiências entre os próprios alunos e entre os alunos e os orientadores educativos. Entretanto, ao mesmo tempo em que os discursos produzidos sobre a Escola da Ponte a constituem como diferente das demais, a respostas obtidas pela mídia é que a Ponte atende às exigências das demandas sociais em termos de inserção oficial na sociedade, como melhores desempenhos em vestibulares e testes nacionais. Desse modo, a mídia contribui para divulgar, ao mesmo tempo, uma escola diferente e uma escola que obtém grandes resultados positivos no desempenho restrito (avaliações e estatísticas) que as escolas tradicionais se enquadram para obter. No que se refere à assistente social, a escola da Ponte é apresentada racionalmente relacionada com a realidade de Portugal. Nesse sentido, são reforçados os problemas que a escola enfrenta com o governo português, as dificuldades existentes no funcionamento desta instituição, garantida pelo auxílio dos pais de alunos e a proposta de ser uma escola alternativa, e não salvadora. Ao cruzarmos a imagem construída por esta escola nos discursos produzidos em livros, mídia e assistente social, podemos refletir uma das características mais enfatizadas: o fato de, nesta escola pública portuguesa, se conceber a escola como uma família e, por este fato, aliar-se no processo de aprendizagem o espaço para a afetividade. Com isso, é possível pensar que, ao mesmo tempo em que se diz diferente, essa diferença não propõe, necessariamente, a produção de uma sociedade diferente, uma vez que esta escola existe porque a sociedade permitiu

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que ela existisse, e talvez por essa “negociação”, é que não se pensa em se modificar totalmente a realidade, mas sim manter a negociação, garantindo um ensino significativo, ou talvez mais compreensível a quem participe dele. A vantagem dessa forma de conceber um espaço escolar é a promoção da educação para o entorno, no sentido de envolver, além dos alunos, a comunidade no processo de ensino e aprendizagem. O projeto Fazer a ponte indica, então, no mínimo, duas interpretações: a ponte da negociação entre Estado e Instituição para ela existir, e o diálogo (ponte) entre os interesses dos alunos e a herança cultural.

CONTEXTOS DE SUJEITO NULO E ESTRATÉGIAS DE PREENCHI MENTO NO PB: ESTUDO EM UM CORPUS DIACRÔNICO

Aline Peixoto Gravina (UNICAMP)

Nesse trabalho, fomentado pelo CNPq, serão apresentados os resultados e as análises da distribuição do número de sujeitos nulos e sujeitos realizados (pronominais e/ou lexicais anafóricos) em textos diacrônicos do Português Brasileiro (doravante PB).A partir das restrições de sujeito nulo apresentados por Maria Cristina Figueiredo Silva (1996), Marcelo Barra (2000) e Cilene Rodrigues (2004), na sincronia, iremos demonstrar um paralelo entre a sintaxe dos jornais e a mudança prescrita por esses autores para o PB atual. Os três autores, com os quais iremos trabalhar, concordam que o PB apesar de ter sua origem no PE não corresponde à mesma língua- I dos falantes da língua de origem, ou seja, são línguas com gramáticas distintas. O uso de sujeito nulo nessas línguas seria um exemplo dessa diferença existente. O PE teria uma característica de língua “pro-drop” e o PB teria perdido a maioria dessas propriedades, ficando apenas alguns contextos específicos. Nesse trabalho iremos denominar de “Língua de Sujeito Nulo diferente” essa alteração de parâmetros no PB. A construção do corpus pra a elaboração desse trabalho, consistiu dos seguintes periódicos: “O Recreador Mineiro” (1845 – 1848); “O Jornal Mineiro” (1897 – 1900) e “Tribuna de Ouro Preto” (1947 – 1950); estes jornais circularam na cidade de Ouro Preto em Minas Gerais, em suas respectivas datas de publicação. Escolhemos trabalhar com esses períodos, pois acreditamos que o século XIX foi o grande marco para formação do estado-nação Brasil e conseqüentemente para a formação de uma língua nacional brasileira. Salientamos ainda que apenas com a vinda da família real portuguesa para o Brasil, em 1808, foi liberada a imprensa oficial na colônia. Dentro desse contexto histórico, nossos dados apontam para uma competição de gramáticas, no sentido de Kroch (2001), esse conceito é essencial para compreendermos a mudança lingüística, afinal toda mudança é gradual e geralmente apresenta uma forma antiga, uma forma inovadora e um momento de “transição” entre elas, ou seja, uma competição, em que ambas as formas são utilizadas pelos falantes. O quadro teórico para nossas hipóteses e explicações a respeito da mudança das construções e das alterações de suas propriedades ao longo do tempo será a teoria da Gramática Gerativa. O conjunto total de nosso banco de dados é de aproximadamente 150.000 palavras, totalizando quase 5.500 sentenças. Desse total, classificamos e analisamos os contextos de variação entre sujeito nulo e sujeito pronominal realizado e chegamos a um total de 2.000 sentenças. Após a realização dessa metodologia, notamos que os redatores dos jornais estavam fazendo uso de outras estratégias de preenchimento de sujeito, diferentes da pronominal, principalmente na primeira metade do século 20. Esse preenchimento foi feito com retomadas anafóricas lexicais, e teve um uso bastante preponderante em nossos dados. Denominamos essa estratégia de Sujeito Lexical Anafórico. Concluímos, após essas análises que houve uma tendência de se preencher o sujeito, evitando que essa categoria ficasse nula, seja por um pronome seja por um sujeito lexical anafórico. Esses resultados são bastante interessantes, pois revelam que mesmo se tratando de uma modalidade escrita formal (jornal), a mudança de comportamento lingüístico é atestada, demonstrando que não são apenas cartas pessoais ou textos de peças teatrais, os gêneros textuais capazes de apontar a mudança de um fenômeno lingüístico em uma língua. Os contextos discutidos em nosso trabalho indicam o caminho percorrido pelo PB para se tornar o que é hoje, uma língua de “sujeito nulo”, mas com propriedades DIFERENTES das conhecidas propriedades pro-drop estipuladas por Chomsky (1981), logo uma língua que gera grande polêmica e contribuições para o quadro gerativista.

ESTRATÉGIAS DE REPARO NA AQUISIÇÃO DO ACENTO PRIMÁR IO DO INGLÊS POR FALANTES NATIVOS DE PB

Amanda Post (UFSM / CAPES)

A nossa finalidade com este trabalho é investigar as estratégias de reparo aplicadas na aquisição do acento primário da língua inglesa como língua estrangeira por falantes nativos de português brasileiro (PB) e, para isso, utilizaremos como base a Teoria da Otimidade Conexionista (Bonilha, 2004). Os poucos trabalhos que investigam a aquisição do inglês por falantes nativos do português, tendo como pressuposto teórico a Teoria da Otimidade Conexionista (COT), têm mostrado que os aprendizes de L2 aplicam estratégias de reparo baseadas na hierarquia de restrições da L1 em suas produções, evidenciando a militância da gramática da língua materna. Bonilha e Vinhas (2006) e Ferreira-Gonçalves e Post (2007), em trabalhos sobre a aquisição do acento do Inglês como L2, demonstram que algumas produções, mesmo que corretas, evidenciam a predominância de padrões da língua materna, pois as produções estão compatíveis com as formas da língua alvo, ainda que o sistema fonológico que responde pelos outputs produzidos não seja o mesmo nas duas línguas. Observaremos a aquisição do acento primário dessa língua estrangeira, especialmente

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em palavras que apresentam sufixos que transformam o acento primário da palavra em secundário, que recebem em si mesmos o acento principal. Dentro desse grupo, serão estudados os sufixos –oon, -ese, -ette, -eer, - ique. Teremos em conta o processo de reordenamento de restrições referentes ao acento primário, buscando verificar o papel da instrução explícita nesse processo de constituição da hierarquia da L2. Para a realização deste trabalho, contamos com a colaboração de doze sujeitos estudantes de Letras - Licenciatura Habilitação: Inglês e Literaturas da Língua Inglesa da UFSM. A coleta de dados consistiu em duas gravações. Na primeira, os informantes leram o instrumento de coleta, composto de 138 palavras e 138 frases-veículo. Posteriormente, houve a instrução explícita dos padrões acentuais que apresentaram menor percentual de acertos nas produções dos informantes. A segunda gravação consistiu em nova leitura do instrumento de coleta. As gravações foram feitas em aparelho digital e tiveram em média 12 minutos cada. As transcrições foram feitas pelo método de oitiva com base no Alfabeto Fonético Internacional, sendo sujeitas a duas conferências por três avaliadores. Observamos que, em ambas as coletas, o padrão que foi menos produzido correspondeu ao oxítono sufixado. Embora as duas línguas sejam sensíveis ao peso silábico, os ordenamentos de restrições responsáveis pela atribuição desse padrão não são similares, o que pode estar acarretando na não aquisição da hierarquia específica da L2 para o referido acento. Os dados sugerem também que os padrões corretamente produzidos na interlíngua dos informantes deviam-se, em grande parte, à militância da gramática da L1 e que os padrões da L2, por conseqüência, não haviam sido de fato adquiridos. Essa hipótese parece ser confirmada pela estratégia de reparo mais utilizada nas produções, o padrão trocaico, padrão acentual predominante da língua materna, segundo Bisol (1992). No caso específico dos sufixos analisados neste trabalho, observamos que restrições próprias da L2, especialmente relacionadas à duração das vogais do inglês que não são facilmente percebida/produzida por falantes nativos de PB, precisam ser adquiridas. Também apontamos que a baixa freqüência lexical de tais sufixos seja o fator central para que o padrão oxítono sufixado apresente maior dificuldade de aquisição pelos informantes. Enfim, o somatório desses fatores parece estar conspirando para que os outputs dos aprendizes ainda não estejam de acordo com a língua-alvo.

CONSEQUÊNCIAS DE INTERVENÇÃO EXTERNA PARA A FONOEST ILÍSTICA NO TELEJORNALISMO

Ana Carolina Constantini (UNICAMP)

Na locução telejornalística a prosódia tem grande importância na veiculação da mensagem. Integrando a prosódia, a duração de unidades do tamanho da sílaba está diretamente ligada ao ritmo. Por conta disso, neste trabalho foram medidas as durações de unidades de uma vogal a outra (doravante unidade VV). As unidades VV revelam a estruturação rítmica da fala para línguas como o português brasileiro e o francês. O objetivo deste trabalho é avaliar o efeito de uma intervenção externa numa leitura telejornalística sobre a organização duracional de um texto. Para tanto, calcularam-se as durações das unidades VV bem como determinaram-se os picos de duração normalizada dessas unidades a fim de detectar os acentos frasais da emissão, antes e após a intervenção externa. Dois participantes receberam intervenção fonoaudiológica num regime semanal por um período de seis meses, sob a forma de aprimoramento vocal com atuação em diversos parâmetros fonoarticulatórios como pausa, ênfase, ressonância, articulação, respiração, taxa de elocução e entoação. Tais parâmetros foram exemplificados de forma simples aos participantes durante a leitura dos textos para que pudessem desenvolver a percepção dos mesmos. A estratégia de cada participante para enunciar foi escolhida por si mesmo a partir dos efeitos provocados pela sua enunciação durante as sessões, sem instrução explícita. Para este estudo, um participante leu cinco repetições de um texto previamente assimilado, antes e após o período de intervenção, totalizando 10 gravações. O software Praat foi utilizado para a segmentação e etiquetagem das unidades VV e um script do Praat (SG Detector), usado para calcular a duração normalizada. O teste de Student de variáveis independentes, considerando os valores das durações normalizadas para toda a leitura, foi não-significativo (para alfa 5 %), o que significa que não houve mudança significativa na taxa de elocução. O teste de Student pareado (considerando as posições específicas no texto) revelou diferença significativa para as posições correspondentes aos acentos frasais (p < 0,01), sendo os maiores valores de duração os dos acentos frasais na condição pós-intervenção. Em alguns momentos verificou-se que o sujeito dispõe de estratégias para tomar decisões em posições específicas ao longo do texto que diferenciam as condições pré e pós-intervenção, como o aumento da duração das sílabas acentuadas, que caracteriza proeminência frasal, e uso de pausas silenciosas. Apesar de não observamos diferença significativa na taxa de elocução, a média da duração das unidades VV aumenta junto com o aumento do desvio padrão desses valores, o que mostra que o sujeito variou mais a taxa de elocução. A partir da análise dos dados obtidos também percebemos aumento na duração nos segmentos de unidades VV imediatamente anteriores e posteriores aos picos de duração, o que mostra que tais segmentos sofrem influência dos picos e sugerem progressão na aceleração e diminuição da taxa de elocução. Para dar continuidade ao trabalho, realizaremos análises futuras que pretendem saber qual a repercussão das estratégias utilizadas pelo sujeito para o ouvinte e para isso testes de percepção serão aplicados. Pretende-se também estudar a relação entre sintaxe e prosódia para o sujeito nas duas condições, pré e pós-intervenção externa. Essas análises nos permitirão entender melhor o papel das durações locais nos discursos e estudar a influência das pausas para um discurso telejornalístico.

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DISCURSIVIDADES DOS SUJEITOS PROFESSORES DE INGLÊS EM UM CONTEXTO VIRTUAL: A ESCRITA COMO UM GESTO CONFESSIONAL

Ana Claudia Cunha Salum (UNICAMP)

Segundo Derrida (2002), o homem é um animal autobiográfico, porque é o único que está sempre recordando o passado e contando a sua própria história. Esta autobiografia, a história de si, segundo o autor, torna-se confissão, por se configurar como um testemunho de um erro inaugural, de uma dívida. Esse testemunho, ao se dirigir sempre a um outro, faz com que o homem reflita sobre si, uma reflexão autobiográfica. Esse movimento autobiográfico demanda uma reflexão interior, daí toda autobiografia ser considerada, também, como uma forma de confissão, de testemunho, um testemunho auto-imunitário. Derrida acredita que, ao escrever, há a possibilidade de o homem assumir e, também, aliviar um sentimento de culpa, se arrependendo, ou não, dela. Segundo Derrida (2002), a escrita comporta um desejo de confissão, o qual carrega em si uma absolvição inerente, porque confessar é saber-se perdoado. Em sua obra Papel máquina (2004), Derrida comenta Rousseau quando afirma que um roubo cometido em sua adolescência o levou a escrever suas memórias: “Esse peso continuou, pois, até hoje sem o alívio da consciência, e posso dizer que o desejo de me livrar dele de alguma maneira muito contribuiu para a resolução de escrever minhas confissões” (Rousseau apud Derrida, 2004, p. 59). Baseados nos estudos de Derrida e partindo do pressuposto de que toda escrita, tida como traço e assinatura do sujeito, é autobiográfica e, assim, está relacionada à confissão, nossa hipótese é a de que os sites de relacionamento virtual configuram-se em espaços propícios para um mecanismo de confissão, de testemunho, ligado à realidade e, também, à ficção, uma vez que os professores, por meio de suas escritas virtuais, reconhecem suas atitudes como calcadas por erros e apresentam sentimentos de culpa, sinalizando um forte desejo de redenção e dela se livrar. Portanto, entendemos que toda escrita virtual e, no caso dessa pesquisa, a escrita do professor de inglês inscrito em sites de relacionamento virtual, é uma forma de confissão, de testemunho, se configurando em um gesto confessional. Essa preocupação em propor um estudo acerca das discursividades dos sujeitos professores de inglês em um contexto específico – o digital - se justifica por conta de fatores como: 1) relevância de estudos sobre as relações do sujeito professor com a língua que ensina, com o aluno, o outro professor e com a sua própria profissão, sobretudo na Lingüística Aplicada em que essa temática tem sido pouco debatida; 2) necessidade de problematizar as possíveis modificações e as influências das ‘novas tecnologias’ na vida (profissional e pessoal) do sujeito contemporâneo; 3) importância de investigarmos esse contexto digital por se caracterizar por ser um lugar (ou não-lugar) com enormes pistas/indícios do imaginário do professor de línguas à medida que esse imaginário é desvendado/desnudado, essa pesquisa poderá contribuir com temáticas (que se baseiam nesse imaginário do professor em contextos digitais de relacionamento) a serem desenvolvidas em Cursos de formação de professores de línguas; 4) imprescindibilidade de discussões mais profundas acerca dos efeitos dessas novas maneiras (digitalizadas) de se relacionar com o outro nas subjetividades e no imaginário do sujeito contemporâneo, mais especificamente, nas do sujeito professor de língua inglesa. O corpus dessa pesquisa será composto por relatos advindos de comunidades do Orkut intituladas Professores de Inglês, para examinarmos questões relativas ao imaginário desses professores, considerando-se os objetivos desta pesquisa. Tais depoimentos advêm de comentários sobre tópicos diversos encontrados nos Fóruns desse site, no sentido de promover uma discussão entre os orkuteiros (geralmente professores de inglês ou que se apresentam como tais) sobre assuntos que se referem a sua carreira e sobre o ser professor de inglês. Os objetivos desta pesquisa são: a) observar os modos de subjetivação dos professores de inglês pertencentes a comunidades virtuais de relacionamento; b) questionar o que há de específico nesses sites para a constituição da subjetividade desses professores e para as relações estabelecidas entre o outro-aluno, o outro-professor e a língua inglesa; c) entender como se configura o discurso do professor de inglês em sites de relacionamento virtual, assim como o espaço e a escrita virtual; d) indagar sobre as produções discursivas encontradas e decorrentes nas/das representações do professor nesse funcionamento discursivo, que é o digital. À medida que observamos que os Fóruns pertencentes a sites de relacionamento virtual configuram-se como um espaço de incitamento ao discurso, um espaço que privilegia uma discursificação sobre o ser professor de inglês, essa pesquisa se propõe a passar em revista não somente os discursos dos professores de inglês inscritos nesses sites, mas, também, a vontade que os conduz e a intenção estratégica que os alimenta. Além do mais, intentamos entender o que sustenta o discurso do/sobre o professor de inglês, sua profissão e sua relação com a língua que ensina.

O TRATAMENTO LINGÜÍSTICO-COMPUTACIONAL DA METÁFORA

Ana Eliza Barbosa de Oliveira (UNESP - Araraquara) Como descrever o conhecimento metafórico específico que permite, por exemplo, que o falante use a construção Maria explodiu durante discussão com o marido para significar “Maria ficou encolerizada durante discussão com o marido” e não “O corpo de Maria de fato explodiu durante discussão com o marido”? Para discutir essa questão, motivada pelos nossos estudos sobre a representação da metáfora no âmbito do processamento automático de língua natural (PLN), buscamos os fundamentos na semântica cognitiva, avaliando a relação entre ‘processo cognitivo’ e ‘produto lingüístico’ e focando o nosso objetivo na descrição da relação ‘processo-produto’, com vistas a uma sistematização computacionalmente tratável. De modo específico, se a expressão metafórica Maria explodiu é uma instância lingüística (IL) da metáfora conceitual (MC) RAIVA É UM CONTAINER

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PRESSURIZADO (Kovecses, 2007), do ponto de vista lingüístico-computacional, a tarefa consiste na explicitação lingüística dessa relação de instanciação [IL instancia MC], tarefa que pressupõe, do ponto de vista lingüístico-cognitivo, a identificação de explodir: (i) como um veículo do produto metafórico (IL) e (ii) como uma instância do processo metafórico (MC). Para investigar a metaforicidade desses dois pontos de vista, seguimos a metodologia proposta em Dias-da-Silva (1996, 1998, 2003), segundo a qual as generalizações sistematizadas no âmbito da descrição lingüístico-cognitiva são usadas de parâmetro para a delimitação de uma proposta de representação computacional no âmbito da descrição lingüístico-computacional. Essas descrições são exploradas, respectivamente, através dos constructos lingüístico-cognitivos domínio conceitual (Lakoff; Johnson, 1980) e esquema de imagem (Johnson, 1987) e dos constructos lingüístico-computacionais campo/frame semântico (Nerlich; Clark, 2000). Para analisar o conhecimento metafórico específico que está subjacente às expressões metafóricas convencionais, selecionamos determinados veículos como, por exemplo, o lexema explodir (p.ex., Maria está explodindo de felicidade; Maria explode fácil; os preços explodiram mês passado; Maria está explodindo em febre; A taxa de natalidade explodiu este ano), e procuramos ocorrências desse lexema (explodiu, explodia, explode, etc.,) no corpus do NILC (Núcleo Interinstitucional de Lingüística Computacional), disponível no sítio http://acdc.linguateca.pt/acesso/ e em textos em português do Brasil disponíveis na WEB, seguindo os procedimentos de análise da metáfora propostos em Stefanowitsh e Gries (2006). Evidencia-se que, enquanto o veículo da metáfora, identificado na dimensão lexical e analisado na dimensão semântico-conceitual, é o termo que comunica o D(omínio)-Fonte, o seu tópico é o termo que comunica o D-Alvo (Croft; Cruse, 2004). Diferentemente do veículo, o tópico nem sempre é lingüisticamente expresso nas ILs (Stefanowitsh; Gries, 2006). Por exemplo, na IL Maria explodiu, o veículo explodiu comunica o D-Fonte CONTAINER PRESSURIZADO; já o tópico, que comunica o D-Alvo RAIVA, não é lexicalmente expresso; este é recuperado pela metonímia sugerida no contexto: a pessoa (Maria) é tomada pelo tipo da sua emoção (raiva). Nos casos em que o tipo de emoção é lexicalmente explícito (p.ex., Maria está explodindo de felicidade), a identificação do D-Alvo (FELICIDADE) é trivial. Assim, o veículo e o tópico são tipicamente usados como “descritores de superfície” de mapeamentos conceituais específicos (Cameron, 1999). Esses descritores são analisados como elementos de campos/frames semânticos e não como elementos isolados. Por exemplo, na construção metafórica Os preços explodiram, o tópico preço representa o campo/frame CUSTO, assim como os tópicos despesa e juros; já na construção A taxa de natalidade explodiu, o tópico taxa de natalidade é analisado no âmbito do campo/frame ÍNDICE, assim como os tópicos analfabetismo e desmatamento. Em relação aos exemplos ilustrados, a interpretação do veículo explodir nos campos semânticos analisados (CUSTO, EMOÇÃO INTENSA, ÍNDICE e INTENSIDADE) deriva de duas inferências metafóricas da MC INTENSIDADE É PRESSÃO: (I1) INTENSO X PRODUZ PRESSÃO EM Y e (I2) QUANDO Y TORNA-SE MUITO INTENSO, Y EXPLODE, respectivamente exploradas pelas proposições: (P1) [Intenso_X causa Pressão_em_Y] e (P2) [Intensa_Pressão_em_Y causa explosão_de_Y], onde X e Y são variáveis que devem ser preenchidas, respectivamente, com elementos dos domínios Fonte e Alvo. Tendo em vista esse conhecimento metafórico específico, e partindo da pressuposição de que as ILs não são instâncias isoladas, ao contrário, elas organizam-se em termos de padrões semânticos e sintáticos recorrentes, descrevemos a relação processo-produto nos campos semânticos referidos por meio da análise das seguintes correlações: 1. D-Fonte e D-Alvo; 2. D-Fonte e esquema de imagem; 3. Inferência metafórica e estrutura de argumentos; 4. D-Alvo, estrutura de argumentos e interpretação da IL; 5. Agrupamento de veículos e estrutura de argumentos. Como resultados parciais, apresentamos as seguintes generalizações: (i) A dimensão lexical das ILs convencionais pode ser descrita em termos de estruturas convencionais entre domínios conceituais e esquemas de imagem e (ii) essa descrição pode ser inferida a partir de regras. A relevância da pesquisa, do ponto de vista lingüístico-cognitivo, está na explicitação formal do conhecimento metafórico específico que permite aos usuários da língua produzirem ILs convencionais, possibilitando a caracterização das metáforas em termos de tipos e, do ponto de vista lingüístico-computacional, está na proposição de uma representação computacionalmente tratável desse conhecimento.

LIMA BARRETO. CRÔNICAS ANOTADAS

Ana Helena Cobra Fernandes (UNICAMP) O tema desta comunicação propõe uma incursão na produção literário/jornalística das primeiras décadas do século XX, porquanto se refere a um recorte do conjunto de, aproximadamente, seiscentas que Lima Barreto (1881-1922) escreveu para diários e periódicos da imprensa do Rio de Janeiro entre 1905 e 1922. O recorte é composto por quarenta e um textos, reunidos entre 1918 e 1922 pelo próprio cronista, para a organização do volume Bagatelas, publicado postumamente em 1923. Esse recorte é decorrente de um estudo mais extenso, que deu origem à nossa Dissertação de Mestrado, cuja proposta era a busca de caminhos que permitissem estabelecer um fio condutor entre o conjunto romanesco da obra do criador de Policarpo Quaresma e a sua produção literário/jornalística.

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O motivo que nos levou ao estudo desse corpus documental está ligado ao fato da fortuna crítica de Lima Barreto, ainda carecer de estudos aprofundados sobre a sua participação na imprensa. Esse fato deve-se, talvez, em razão da crônica ter sido considerada por longo tempo um gênero literário menor, uma vez que a sua produção tem uma relação estreita com a matéria jornalística. De nossa parte, entendemos que a crônica é parte inseparável do conjunto da obra de um literato, porquanto é escrita a partir de uma afinidade entre a notícia do jornal, ou fato do cotidiano, e o mundo íntimo do seu autor e, dessa forma, ressalvando as diferenças dos gêneros, guarda semelhanças com o momento da idealização de um romance ou de um conto. Se no jornal a crônica dura o momento de sua publicação, “costurada em livro”, como disse o autor de Bagatelas, seu efeito é o de uma peça literária duradoura, que oferece ao leitor a visibilidade das mesmas questões que envolveram o contexto histórico da criação romanesca. Em relação aos temas que Lima Barreto aborda nas suas crônicas, é importante anotar que, por meio da leitura de outros jornais do período, observamos que as discussões estão inseridas numa série de questões e debates relacionados com o seu tempo. Da mesma forma, demonstram seu engajamento com um dos lados dos debates, fato este revela as relações da crônica barretiana com o pensamento social brasileiro das primeiras décadas do século XX. Nosso objetivo principal, desde que decidimos nos dedicar ao estudo dessas fontes, não visava produzir análises definitivas a respeito do percurso de Lima Barreto pela imprensa, mas sim, abrir novas frentes de observação desse significativo legado literário/jornalístico das primeiras décadas do século XX. Várias fases de estudos foram necessárias para que chegássemos à leitura comentada de Bagatelas. Foram anos de pesquisa em torno de Lima Barreto - leitura aprofundada das crônicas, romances e contos; uma revisão da fortuna crítica a partir da recepção - ensaística e universitária, da história editorial e do percurso na imprensa; além de uma complexa organização das crônicas. Os caminhos que nos levaram ao recorte, e à elaboração de uma leitura comentada de Bagatelas, serão expostos; passo a passo; nesta comunicação. Da mesma forma, apresentaremos a formatação das partes que compõem o texto final da nossa Dissertação de Mestrado.

UMA INTERPRETAÇÃO POSSÍVEL SOBRE OS ATOS DE VIOLÊNC IA PRATICADOS PELO PCC NO ESPAÇO URBANO

Ana Massako Kataoka Tobias (UNICAMP)

Com os ataques iniciados em maio de 2006 (em São Paulo) pelo grupo autodenominado Primeiro Comando da Capital (PCC), uma profusão de discursos sobre e do PCC foram produzidos. Há nesses discursos divulgados na mídia impressa uma certa preocupação em tratar ou mesmo nomear os atos praticados pelo PCC como “atos de terrorismo”, “terrorismo explícito”, “guerrilha urbana”, “terrorismo apolítico”. Pude constatar que em 2001 o PCC já havia anunciado numa entrevista “ações terroristas na rua” (Folha de S. Paulo, 02 de março de 2001 p.C3). Constatei ainda que desde a rebelião de 2001 e antes mesmo dos ataques de 2006, outras ações foram realizadas pelo mesmo grupo (mais de dez), a maioria delas, contra as forças de segurança pública. Seguindo os pressupostos teórico-metodológicos da Análise do Discurso (francesa), o objetivo da minha pesquisa de mestrado é compreender a produção dos sentidos nos discursos sobre a violência urbana na conjuntura dos ataques do PCC. Aqui, o objetivo específico é de buscar elementos que possam indicar se o discurso do PCC mantém uma relação interdiscursiva (ou não) com o modelo de ação do discurso do guerrilheiro urbano, observando essa relação enquanto práticas de um jogo de sentidos entre interlocutores com seus limites, seus efeitos (conf. Pêcheux). Em outras palavras, se levarmos em conta que o grupo PCC é formado por criminosos ou bandidos, em que medida é possível dizer que esse grupo não segue a técnica dos bandidos, mas a técnica revolucionária (ou de guerrilha)? Com a análise do estatuto do PCC foi possível explicitar que esse discurso que rege seus integrantes para levá-los à ação (à luta, à guerra) mobiliza elementos que se relacionam aos discursos revolucionários e de guerra, por exemplo, com o discurso do livro “Arte da Guerra”. Como os discursos de luta e de armas também aparecem em outros gêneros discursivos (carta, panfleto e manifesto: atribuídos ao PCC), procuro observar o funcionamento desses discursos, só que agora pensando na relação interdiscursiva que o discurso do PCC estabelece com o discurso do Mini-Manual do Guerrilheiro Urbano de Carlos Marighella (1969) “no ponto de encontro de uma atualidade e uma memória” (Pêcheux: 1997, p. 17). Para tanto procuro trabalhar a distância do lugar social: a relação entre o lugar de enunciação e a posição sujeito constituída na relação com a formação discursiva (FD), seguindo a definição inicial de FD formulada por Foucault (1986): “como aquilo que pode e deve ser dito a partir de uma posição e em uma dada conjuntura sócio-histórica”, e também, “ideológica” (acréscimo de Pêcheux). A relevância em analisar o discurso do PCC reside em duas razões. A primeira tendo em vista que, no Brasil, no que diz respeito ao ato terrorista o entendimento é de não há ataques de cunho religioso ou político. E muitos defendem a criação de uma lei que tipifique como ato terrorista os que ateiam fogo em ônibus, matam passageiros, atacam forças de segurança pública, etc., como os atos praticados pelas organizações criminosas. Na tentativa de regulamentar esse tipo de ação havia um projeto tramitando no congresso em 2007. Mesmo depois de um ano de estudos não houve consenso sobre essa questão. A segunda, reside no fato de que, historicamente, os presos nem tinham voz, ou melhor, seu dizer não chegava à sociedade. Essa situação só começa a mudar na medida em que organizações dos direitos humanos e instituições religiosas passam a interferir nesse meio. Mas, ainda assim, o dizer dos presos era quase (ou praticamente) inaudível, aparecia mediado pelos dizeres de outros que em seu nome (do preso) falavam, seja pela fala dos direitos humanos, seja pela fala dos religiosos. Condição que muda, inclusive com a divulgação, através da mídia, da grande rebelião provocada pelo grupo (PCC). A partir daí, a voz dos presos se mostra ou se manifesta, ganha

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atenção de acordo com o interesse da mídia em divulgá-la ou não. Mas é só com os ataques de 2006 em São Paulo que o PCC realmente ganha notoriedade, e a sociedade se volta para os presos, na medida em que ela se sente ameaçada por eles (do PCC). Sendo assim, a compreensão do discurso do PCC, em última instância, pode contribuir para a reflexão sobre o atual problema da violência na cidade e sobre as políticas públicas instituídas para enfrentá-lo.

ENUNCIAÇÃO AFORISANTE NOS RACIONAIS MCs

Ana Raquel Motta (UNICAMP / FAPESP)

Em dois textos recentes, Dominique Maingueneau trata de enunciados destacados de seu co-texto e contexto original. O primeiro é o artigo “Citação e destacabilidade”, publicado em Cenas da Enunciação (2006). O segundo é a conferência que o autor apresentou no V Congresso Internacional da Abralin (2007), nomeada “L'enonciation Aphorisante”, e que foi publicada em seus Anais. Em uma perspectiva discursiva, Maingueneau pretende analisar o funcionamento dos enunciados destacados. Faz uma primeira distinção entre os enunciados que se encontram à parte de todo contexto original (o que é o caso de todas as formas sentenciosas, com ou sem autor identificado) e os destacamentos de um texto particular, quando há citações. No entanto, nem todas as citações são enunciações aforisantes. É preciso que sejam breves (normalmente se restringindo ao limite de uma frase), quando usualmente são consideradas “fórmulas”, “pensamentos” ou “máximas”. São numerosos os exemplos contemporâneos em mídias. Observando um jornal impresso, por exemplo, vemos o fenômeno nas manchetes, chamadas, quadros de destaque, e, obviamente, em seções como “frases” ou “frases da semana”. É também comum que, nas práticas textuais de aforisação, uma foto do rosto dos autores dessas enunciações acompanhe os pequenos trechos destacados. Assim como as aforisações representariam um posicionamento subjacente frente ao mundo e, hermeneuticamente, demandariam interpretações, o rosto é tomado como “autenticação” desses enunciados, uma vez que simbolicamente está ligado à individualidade e à “expressão da consciência” do sujeito. No encarte do CD Sobrevivendo no Inferno, dos Racionais MCs – que faz parte de meu corpus de pesquisa - materializa-se o que diz Maingueneau a respeito da relação entre enunciados aforisados e o rosto de seus enunciadores. Desde a capa do encarte, temos uma frase aforisada e um (ou mais) desenho(s) ou foto(s) compondo a cena. Dentro do encarte, cada um dos quatro rappers ocupa individualmente duas páginas com sua foto de rosto, seus agradecimentos e uma frase destacada de uma das letras dos raps que o CD contém. Trata-se de enunciados aforisados pelos próprios autores, mas ainda ligados a seu co-texto original, que são as letras dos raps. O presente trabalho analisa o funcionamento da enunciação aforisante no discurso desse grupo de rap, propondo uma interpretação para as regularidades que ocorrem nesse destacamento. A análise é intersemiótica, uma vez que inclui as imagens, o texto escrito e o material sonoro. Tal estudo tem por objetivo avançar na compreensão da enunciação aforisante e do fenômeno mais amplo da destacabilidade, através de seu estudo como marca importante para um funcionamento discursivo específico no campo do rap nacional (do qual está sendo estudado um caso, o grupo Racionais MCs). Os resultados encontrados indicam que os recursos lingüísticos da generalização e da frase nominal, ou com verbo “ser”, são bastante utilizados. Para tal análise, a base teórica foi o artigo “A frase nominal”, de Émile Benveniste. Do ponto de vista imagético, o material aponta para uma heterogeneidade discursiva, que entremeia elementos religiosos com elementos violentos, ligados a um universo de conflito com a lei. A presença de pronomes da primeira pessoa do singular também é analisada em seu funcionamento específico nesse discurso, que, ao invés de particularizar o enunciado, atua como um “eu” coletivizado, em que os co-enunciadores autorizados (que são parte dessa comunidade discursiva) podem assumir a enunciação destacada pelo grupo, consolidando o percurso previsto para as aforisações propostas, uma vez que as repetem em outros co-textos e contextos e as incorporam como suas.

O QUE É O SUJEITO NAS ATIVIDADES HUMANAS DA INTERNE T?

André Luiz Covre (UNICAMP)

Pensando especificamente nas atividades humanas de escrita e leitura, atividades intrínsecas a nossa relação com o computador, percebemos que, se num primeiro momento a escrita e sua leitura eram verticais, encerradas nas paredes das cavernas e fechadas em desenhos icônicos, num segundo momento os livros possibilitaram uma leitura horizontal, porém forçada a um fechamento de sentidos e conhecimentos, guardados nas prateleiras e estantes dos grandes estudiosos ou nas grandes bibliotecas das universidades (sistemas dos letrados a trabalho da inclusão/exclusão). Num terceiro momento, o computador nos colocou novamente para ler com a cabeça erguida, não mais uma escrita icônica na parede, mas na tela, possibilitando novamente um olhar para frente, vislumbrando não somente o texto em pé, mas o colocando-o dentro de um excedente de visão, que vai além da tela do texto, um excedente provocado não somente pelos links que aquele texto remete, (revelando aos olhos estupefatos da lingüística moderna mais uma vez a característica fundante dialógica do texto), mas pela possibilidade de estabelecermos por meio dele novamente uma relação ética e estética, no sentido bakhtiniano. Essa posição exotópica da alteridade é o que, para Bakhtin, fundamenta a nossa vivência Ética. A Ética não é um conjunto de regras sociais a serem seguidas (uma fundamentação kantiana com a qual Bakhtin rompeu desde o início). A Ética é a consciência de que me constituo pelo olhar, pela palavra, pela fala, pelo enunciado do outro e de que constituo o outro com meu olhar, minha palavra, minha fala, meu enunciado.

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E mais, para que eu possa me estabelecer em uma relação temporal, para que eu possa colocar em jogo minha história já vivida e meus sonhos ainda por conquistar, eu dirijo ao outros meus textos, icônicos, alfabéticos, imagéticos, quiçá num futuro próximo em ondas via wireless para chips conectados aos nossos neurônios, para que o outro, numa atividade humana de leitura, interaja comigo e me ajude na construção dos sentidos de meus textos e, conseqüentemente, de minha vida. E como não vivo isolado, mas em conjunto, essas atividades vão construindo os sentidos da vida. Quando fazemos isso pela internet, nos escrevemos e nos deixamos ler pelos nossos textos hiperlinkados, colocamos nossas vidas numa relação cronotópica (de tempo e espaço) diferente, trazemos nossa vida para textos que se relacionam com nossos interlocutores não somente numa relação Ética, mas também Estética, estabelecidas principalmente por narrativas de nossas relações sociais. Na velocidade do bite nós nos possibilitamos compreender nossa vida não mais pelo modus explicativo que a ciência moderna nos deixou depois do último século. Na chamada WEB 2.0, os que hoje são os alunos de língua portuguesa, também são aqueles que plantam, colhem, cozinham e degustam uma língua viva, energizada diariamente pelas narrativas extremamente conectadas com o cotidiano vivido (ética e estética, cotidiano e narrativa) em relação de responsabilidade. O que se faz com a língua na internet é fugir do fast food lingüístico para buscar uma experiência de interação humana via língua jamais vista na modernidade. Tal compreensão me faz perguntar sobre o sujeito: O que é o sujeito nas atividades humanas da internet?

A LEITURA DE MADAME BOVARY NO BRASIL

Andréa Correa Paraíso Müller (UNICAMP / UEPG) Até meados do século XIX, o romance, gênero bastardo que procurava obter junto às instituições ligadas à literatura (academias, escola etc.) a aceitação que já encontrara por parte dos leitores, era avaliado por meio de critérios marcadamente morais. Madame Bovary, de Gustave Flaubert, parece não ter obedecido a esses parâmetros de moralidade. O autor foi processado juntamente com o editor e o impressor da Revue de Paris (periódico em que o texto circulou em capítulos, de outubro a dezembro de 1856) por “ofensa à moral pública e à religião” e, mesmo tendo saído vitorioso do processo judicial, recebeu uma saraivada de críticas negativas em seu país. O objetivo desta pesquisa de Doutorado é estudar a recepção que teve Madame Bovary no Brasil ao longo do século XIX, sem deixar de considerar sua leitura na França no mesmo período. Pretende-se observar, a partir da rejeição na época do lançamento do romance e de uma possível aceitação posterior, as modificações pelas quais passaram os critérios de avaliação da prosa romanesca ao longo do Oitocentos. Examinando as críticas a Madame Bovary no Brasil e na França, procurar-se-á verificar se a reprovação inicial, tanto aqui como no país de origem, referia-se somente à moralidade ou recaía também sobre aspectos da composição do texto. A fundamentação teórica virá tanto de trabalhos da área de História da Leitura (sobretudo das pesquisas de Roger Chartier e Robert Darnton) quanto das proposições da Estética da Recepção, de Hans Robert Jauss. Os principais dados sobre a recepção de Madame Bovary no Brasil têm sido coletados em periódicos e outros documentos da segunda metade do século XIX, consultados, principalmente, no arquivo Edgard Leuenroth (AEL). Os resultados parciais ainda não são expressivos devido ao estágio inicial em que se encontra a pesquisa. Mas já se sabe que a obra em questão circulou no Brasil, posta à venda pela Livraria Garnier, apenas um ano após a sua publicação na França. Os periódicos brasileiros de 1857 a 1860 não contêm muitas referências ao romance de Flaubert - um dos poucos textos a respeito é uma crítica fortemente negativa veiculada pela Revista Popular. Não se tem notícias de traduções do livro no Brasil feitas ainda no século XIX, com exceção de uma tentativa, pelo que se sabe, frustrada, de Artur de Oliveira. A primeira tradução para o português surge somente em 1881, em Portugal. É possível associar essa rejeição inicial (tanto o silêncio quanto a ausência de traduções e a crítica negativa) ao principal critério considerado na época para a avaliação das composições romanescas: a moral. Buscar-se-á, por isso, estudar a recepção de Madame Bovary não apenas na época de seu lançamento, mas até o final do século XIX, a fim de observar as reações a esse romance quando os parâmetros de julgamento da prosa de ficção já se haviam modificado e moralizar já não era uma exigência importante para que um romance fosse bem aceito. A relevância do trabalho relaciona-se, sobretudo, a sua contribuição para pesquisas mais gerais a respeito da leitura de romances no Brasil e da consolidação do gênero no século XIX. A pesquisa poderá fornecer elementos, ainda, para uma discussão mais ampla acerca dos processos que levam uma obra literária da condenação ao cânone.

MACHADO DE ASSIS NA RÚSSIA, DOSTOIÉVSKI NO BRASIL: ESTUDOS COMPARADOS DE RECEPÇÃO LITERÁRIA

Andrea de Barros (UNICAMP)

Este projeto de pesquisa propõe, como tema de estudo, a aproximação comparativa entre a recepção (supostamente, ainda em estado embrionário) da obra de Machado de Assis na Rússia e a da de Dostoiévski (já avançada) no Brasil, no período compreendido entre a segunda metade do século XX até a primeira década do século XXI, com o

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lançamento dos contos machadianos em edição bilíngüe na Rússia e os recentes (2000) relançamentos dos romances dostoievskianos no Brasil, em traduções diretas do russo para o português. Um dos raros escritores do século XIX a conhecer a consagração em vida, em seu país, Machado de Assis parece ter sido completamente ignorado, além das fronteiras pátrias, até a segunda metade do século XX. Antonio Candido, no ensaio “Esquema de Machado de Assis” (2004), descreve bem o paradoxo da recepção à literatura machadiana em sua época: “À glória nacional quase hipertrofiada, correspondeu uma desalentadora obscuridade internacional.” (Candido, 2004, p. 17). Candido atribui essa obscuridade a dois fatores principais: o primeiro extrínseco à estrutura da obra, a incontestável influência do poder político no processo de difusão internacional da literatura, por meio da qual os países líderes no campo econômico também ditam as regras sobre a produção cultural; o segundo fator, determinante na gênese do texto e nele inscrito, a língua, com suas implicações intrínsecas e extrínsecas. O desconhecimento de Machado de Assis fora do Brasil torna-se ainda mais evidente quando comparamos a situação atual da recepção internacional da obra machadiana à de seus contemporâneos, escritores provenientes de países que, no cenário literário mundial do século XIX, eram tão marginais quanto o Brasil. Dostoiévski, por exemplo, tem grande parte de sua obra lançada no País, traduzida diretamente do russo para o português, com grande sucesso editorial. Apesar da Rússia não ter iniciado “o processo de acúmulo de seus bens literários antes do início do século XIX” (Casanova, 2002, p. 80), e da difusão da sua literatura ter enfrentado os obstáculos de sua língua “menor”, semelhantes aos encontrados pelos escritores de língua portuguesa, Dostoiévski, assim como Tólstoi, Turgêniev e outros grandes autores russos do século XIX, são considerados clássicos na literatura mundial, atraindo o interesse crescente de estudiosos, críticos e leitores, no Brasil e em todo o Ocidente. Por que a recepção internacional à obra machadiana é menor que à de Dostoiévski e de outros autores provenientes de países com características sociais e lingüísticas semelhantes? Como se dá a circulação de literaturas entre países periféricos, como Brasil e Rússia? Como a difusão da obra machadiana tem ocorrido fora do País e que fatores têm influenciado, de forma significativa, a sua leitura além das fronteiras brasileiras? Até que ponto essa obscuridade internacional de Machado reflete a situação da literatura brasileira, como um todo, no contexto literário mundial? Essas questões, que abarcam não somente aspectos literários, mas também do mercado editorial, das relações culturais internacionais, enfim, de um complexo de fatores, inspiram e justificam esta proposta de pesquisa. O estudo pretende alinhar-se aos modelos de investigação propostos por Pascale Casanova (2002), sobre os processos de configuração da geografia literária mundial, tendo como foco principal as vias percorridas pelas literaturas marginais (produzidas fora dos grandes centros emissores culturais) da segunda metade do século XIX. Os objetivos desta pesquisa são os seguintes: - Estudar a recepção crítica internacional da literatura brasileira, no período entre a segunda metade do século XX até os dias atuais, tendo como objeto principal de estudo a obra de Machado de Assis; - Analisar como se dá o intercâmbio entre literaturas provenientes de países periféricos (fora dos tradicionais centros emissores de cultura), como Brasil e Rússia, mais especificamente entre os romances de Machado de Assis e Dostoiévski; - Investigar o percurso de disseminação internacional da literatura machadiana, - Enfocando as iniciativas e estratégias editoriais de divulgação e distribuição aplicadas desde o início do século XIX até hoje, - Levantar os obstáculos e problemas que dificultaram a recepção internacional da obra machadiana, buscando possíveis oportunidades e alternativas que contribuam para sua efetiva inserção e valorização no contexto literário mundial atual; - Contribuir para os estudos sobre a recepção internacional da literatura brasileira e para as investigações a respeito do seu espaço na geografia literária mundial. A metodologia adotada será a comparatista, por meio da qual a situação da recepção internacional da obra machadiana será confrontada com à de Dostoiévski, considerando que os dois autores produziram suas literaturas em países em condições de posicionamento semelhantes na hierarquia do universo literário mundial do final do século XIX e início do século XX, levando em conta, principalmente, fatores relativos à língua e a demais contingências determinantes no processo de validação e difusão artísticas e culturais. Além da metodologia comparatista e da adoção dos conceitos de Pascale Casanova, o escopo teórico desta pesquisa compreende estudos de Marshall Berman, Franco Moretti e Richard Morse.

PRAGMÁTICA DOS ENUNCIADOS TELEVISIVOS, UM ESTUDO DA PROIBIÇÃO E DA DESOBEDIÊNCIA ATRAVÉS DOS CORPOS MIDIÁTICOS

Angela Maria Meili (UNICAMP)

A presente dissertação de Mestrado propõe-se a uma discussão crítica acerca da televisão contemporânea. Inicialmente, discute a questão da mediação e da noção de "meio" utilizada nas teorias e políticas da comunicação tradicionais, valendo-se, em partes, da Crítica da Comunicação de Luicen Sfez (1994). Enfatiza o caráter pragmático da materialidade tecnológica que condiciona os enunciados midiáticos e, inclusive, dos textos técnicos legais que regulamentam a prática de difusão no Brasil. A partir da marcação dos domínios de Legalidade, também estão marcados os lugares de enunciação, criando-se situações políticas nas quais a linguagem é atuante. Faço uma análise

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de dois diferentes corpos enunciativos/ midiáticos: as grandes redes autorizadas vs.as pequenas emissoras desautorizadas. Questões como Escritura Midiática, Corpos Tecnológicos e Micropolítica também são discutidas, tendo como base textos de Jaques Derrida, Félix Guattari, Judith Butler, entre outros. Os estudos da linguagem encontram um terreno fértil se partirem de considerações pragmáticas acerca da enunciação, desde a esfera política às implicações materiais, de suporte e corpos tecnológicos; o que instiga o aprofundamento do estudo acerca da mídias enquanto fato lingüístico importante. Atentar para a escritura em sua dimensão política e material dá uma consistência ao objeto semântico, o que nos aprofunda no conhecimento de uma realidade social a partir dos enunciados. A Televisão não pode ser desconsiderada enquanto importante prática de linguagem na sociedade atual, sendo que seu poder não deixa de crescer com o avanço da TV Digital e da sofisticação tecnológica. Resgatar exemplos de desconstrução midiática nos permite enxergar o suporte midiático em si enquanto múltiplo e ligado às intencionalidades, às macro e micropolíticas do desejo e da representação. Assumir uma postura menos idealista quanto aos meios, formulando uma crítica aos conceitos tradicionais de comunicação, canal comunicativo, informação, etc., também resulta numa postura menos ingênua e mais atenta às dimensões materiais e pragmáticas da linguagem na sociedade eletrônica. Uma experiência nos bastidores de uma TV ou uma performance televisiva livre (no sentido dos meios livres que tem sido abordado nesse estudo) nos faz perceber os modos diversos de articulação entre a técnica e a política ou as suas intencionalidades. A TV Piolho revela um outro modo possível de uso dessas técnicas, o que desmistifica o pro duto televisivo enquanto impulso elétrico significante emanado e transcendental. Trata-se de um ato midiático baseado em outras intenções e outra articulação tecnológica. Esse corpo-tecnológico está integrado de modo muito mais improvisado e menos dominador, trata-se de uma emissão localizada e pouco planejada, na qual a utilização dos equipamentos parte de uma necessidade expressiva descentralizadora, fragmentária. É por isso que podemos dizer que a TV Piolho constitui outra corporeidade tecnológica ou midiática, que é uma corporeidade que envolve desde os equipamentos até mesmo quem produz essa TV e o público espectador. Este não é, por sua vez, o sustentáculo de um poder dominador, objetivo da massificação da mensagem, mas um sujeito que se aproxima da TV na medida em que possui acesso livre aos estúdios e possibilidade de resposta e mesmo de proposição - o receptor da mensagem é também um agente enunciativo dessa performance televisiva e integra essa corporeidade de uma forma não unilateral

O ETHOS LITERÁRIO E A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE: ANÁLISE DISCURSIVA DA POESIA PALESTINA DE RESISTÊNC IA

Anselma Garcia de Sales (USP)

A criação do Estado de Israel, em 1948, provocou grandes transformações que influenciaram a vida cultural e política da Palestina, cuja produção artística se tornou, a partir desse período, veículo de manifestação e denúncia do sofrimento do povo palestino. No caso da poesia, observa-se a partir de 1948 uma renovação estética e, sobretudo, temática, que mobilizou novos e antigos sentidos como forma de expressão da experiência do sofrimento e reação ao apagamento sistemático de um povo e sua respectiva história; daí essa poesia virá a ser denominada poesia de resistência ou poesia de combate. Levando-se em conta esse contexto político que resultou em determinados dizeres, a presente pesquisa visa analisar e compreender as novas relações de sentido presentes na poesia palestina depois da criação do Estado de Israel. Assim, o presente trabalho terá como objetivo analisar, sob a ótica da Análise de Discurso, as condições de produção da Literatura Palestina de Resistência após 1948, de modo a compreender de que forma, numa conjuntura histórica tensa, o confronto entre o simbólico e o político representa as relações entre a escrita literária e o momento histórico da qual ela emerge. O corpus escolhido para análise é o poema “Carteira de Identidade”, do poeta galileu Mahmud Darwish. Da leitura e interpretação desse poema pretende-se analisar a construção do ethos discursivo da resistência, por meio da apreensão das várias instância enunciativas correspondentes a uma situação comunicativa determinada sócio-historicamente. No caso do poema “Carteira de Identidade”, a situação comunicativa dá-se no momento em que um palestino é obrigado a informar sua identidade ao passar por uma das inúmeras barreiras militares existentes nos territórios palestinos. Porém, a identidade do eu-lírico não é um atributo individual, no texto ela abrange uma coletividade que necessita reafirmar sua existência num momento em que ela lhe tem sido negada. Assim, esse ethos, constituído no e pelo discurso, impõe a si uma identidade coerente com a situação tensa na qual ele se constrói. Pretende-se concluir, portanto, que o Discurso Literário, enquanto lugar de revelação dos processos identitários, compreende relações diversas entre os elementos que o constitui, tais como língua, história, sujeitos e sentidos, que, por sua vez, irão compor o ethos literário, expressão da subjetividade do texto. Porém, tal subjetividade que emerge do texto não faz do ethos literário, uma mera imagem do enunciador, pois, sendo o ethos sócio-historicamente constituído (Maingueneau, 2006), o sujeito enunciador e sua voz estarão necessariamente vinculados a uma conjuntura histórica (e política) que se incumbirá de negociar os sentidos. No caso da poesia palestina de resistência, observa-se que ela vem a ser um lugar possível de (re)construção da identidade. O conceito de lugar, aqui se amplia: pode tanto remeter ao espaço físico como ao lugar (histórico) de onde fala o sujeito, e a partir do qual aquilo que ele vai dizer se reveste ainda mais de sentido. No caso da construção do ethos palestino de resistência, a concepção de lugar comporta as dimensões físicas e discursivas (terra e história).

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Desse modo, a presente pesquisa pretende contribuir aos estudos de Análise do Discurso Literário, ao mesmo tempo em que pretende dar visibilidade à Literatura Palestina, ainda pouco estudada pela Academia.

NEM TUDO VALE: UM ESTUDO DA TEORIA DA COOPERAÇÃO IN TERPRETATIVA E DOS LIMITES DA INTERPRETAÇÃO DO TEXTO LITERÁRIO

Antonio Barros de Brito Junior (UNICAMP)

No interior do campo de estudos da Teoria Literária, podem-se distinguir duas tendências divergentes, com relação à questão dos limites da interpretação do texto literário: de um lado, aqueles teóricos orientados para uma concepção logocêntrica, segundo a qual o texto, na sua estrutura e na sua relação com um código que lhe serve de base, praticamente impõe ao leitor as possibilidades interpretativas, de modo que qualquer violação dessas regras consiste também em uma violação dos limites da interpretação; de outro lado, aqueles teóricos para quem não é possível determinar claramente os sentidos possíveis de um determinado texto literário, de modo que a interpretação torna-se um jogo de livre associações de sentido, uma vez que os contextos são os mais variados e inimagináveis possíveis. No interior desse debate encontra-se a obra semiótica do pensador e romancista italiano Umberto Eco, que, a partir da década de 1970 (e, principalmente, na década de 1990), debruçou-se sobre o tema. Abordando, então, o conjunto de obras do semioticista italiano Umberto Eco – mais especificamente aquelas dedicadas ao estudo da cooperação interpretativa e dos limites da interpretação do texto literário –, tentaremos problematizar alguns dos conceitos e idéias de Eco (que, por sua vez, são baseados na leitura de Kant e Peirce), evidenciando o modo pelo qual não cremos ser possível inscrever o problema dos limites da interpretação do texto literário apenas e tão-somente no campo da semiótica. Partindo da convicção de que o texto literário não se coloca como uma comunicação corriqueira – pois que ele tem um mecanismo de produção de sentido completamente distinto –, tentaremos mostrar como as noções mais elementares de signo e interpretação são equívocas, quando se trata da abordagem da interpretação do texto literário. Assim, atacando as bases da semiótica de Eco, o próximo passo consistirá em apresentar alternativas ao modelo de Eco, lançando mão, para isso, da obra de Edmund Husserl e dos escritos de Jacques Derrida, entre outros. Neste ponto, tentaremos mostrar que o problema dos limites da interpretação do texto literário inscreve-se, talvez, num outro âmbito: ora, uma vez que não podemos determinar objetivamente os princípios semioticamente intersubjetivos que limitem a interpretação e que determinem, a despeito das intenções do leitor, as possibilidades de se propor interpretações para um texto literário, ficamos restritos a uma “obediência” a fatores que são eminentemente éticos e pragmáticos, de modo que a cooperação e os limites da interpretação sejam respeitados em função de uma colaboração, um reconhecimento e um respeito com este outrem, que é o autor de um texto. Com isso, estamos querendo dizer que a leitura, no momento em que estipula a autoria do texto – autoria que é ineliminável, na medida em que um texto, para ser tal, necessita ter um autor que, embora não seja conhecido de fato (autor-empírico), é inevitavelmente reconhecido como autoridade sobre o que se lê –, estipula também uma identidade para este autor, identidade que se coloca como histórica a contextualmente construída. Valendo-nos, finalmente, da leitura de algumas obras de Paul Ricoeur, tentaremos mostrar que, se podemos falar de limites da interpretação, só o podemos dentro de um horizonte pragmático e ético no qual o leitor se responsabiliza socialmente por aquilo que ele atribui à figura autoral do texto, figura que é, de alguma forma, socialmente negociada. Desse modo, a questão dos limites da interpretação se formula numa percepção completamente diferente do sentido de cooperação: não se trata mais de cooperação semiótica, mas sim de “intropatia”, nos termos de Husserl, ou de uma “vida boa, com e para o outro, nas instituições justas”, conforme os termos de Ricoeur.

“E O SENHOR NÃO DESCONFIOU?”: A INTERRO-NEGAÇÃO NOS INTERROGATÓRIOS JUDICIAIS

Beatriz Virgínia Camarinha Castilho Pinto (UNICAMP)

O presente estudo tem por objeto as perguntas feitas sob a forma negativa no âmbito dos interrogatórios judiciais, fazendo parte de uma investigação mais ampla sobre a suposta argumentatividade na transcrição dos depoimentos prestados perante o juiz. No mundo jurídico, a tomada de depoimento é uma atividade processual que se pretende neutra, devendo o juiz atuar como mero inquiridor, sem antecipar-se à função de julgador, donde a relevância da análise de cunho lingüístico. Em nosso corpus, constituído por dezessete depoimentos, observou-se a freqüência de perguntas feitas sob a forma negativa, o que sugeria uma tomada de posição por parte do inquiridor-juiz. Para responder a tal questionamento, este trabalho toma por base os pressupostos teóricos da Semântica Argumentativa desenvolvida por Ducrot e colaboradores, mobilizando as noções de polifonia (Ducrot, 1984, 1988), os estudos sobre a interrogação (Anscombre e Ducrot, 1983) e os conceitos de encadeamento normativo e transgressivo (Carel e Ducrot, 1999a, b). 1. Pressupostos teóricos No que concerne aos enunciados interrogativos, a Semântica Argumentativa entende que eles não só possuem uma dimensão polifônica como também podem apresentar uma dimensão argumentativa que os encaminha para uma

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proposição negativa ~p, ou seja, a interrogação desempenha o papel de inversor argumentativo. Já os enunciados interro-negativos (Rossari e Razgouliaeva, 2004) privilegiam as respostas positivas p. No que toca à descrição polifônica das interro-negativas, acompanhando Negroni, propomos que o primeiro enunciador, responsável pela asserção prévia ~p, divide-se em dois, como ocorre nas negações. 2. Análise Os enunciados interro-negativos encontrados em nosso corpus apresentam dois funcionamentos, seja inversor (a maioria), orientando para a asserção positiva p; seja confirmatório, mantendo a proposição negativa ~p. Em interrogatório em um processo-crime por receptação, o juiz indaga o acusado sobre a pessoa que lhe vendera um teipe roubado: “E o senhor não desconfiou que o aparelho era roubado?”, assim mobilizando os seguintes enunciadores: • E1.1: adota a perspectiva normativa “usado ET desconfia”, deixando ver que deveria ter ocorrido esse aspecto, o qual expressa o ponto de vista da norma jurídica, que dispõe sobre o dever de desconfiar (art. 180 do Código Penal); • E1.2: adota a perspectiva transgressiva “usado NE neg-desconfia”, expressando o ponto de vista do réu e evocando ~p, atribuído a ele; • E2, que coloca a dúvida sobre 1.1 e 1.2; • E3, obrigando o réu a responder. No recorte, ao eleger a perspectiva E.1.2, o juiz assinala o caráter transgressor da conduta nela descrita (neg-desconfiar), configurando-a como o descumprimento a um dever jurídico, que é o dever de cuidado expresso no aspecto normativo “usado ET desconfia”. Assim, aponta que o comportamento do réu se desvia da perspectiva de um enunciador genérico (Guimarães, 2002), segundo o qual a venda de um aparelho usado deveria suscitar suspeitas, de modo que perguntar pela negação aponta uma crítica. De outro lado, algumas interro-negações funcionam como tag e, descaracterizando-se como pergunta, mantêm a proposição subjacente e orientam para ~p: como em “[O garoto] não foi mordido, né?”. Com base em Rossari e Razgouliaeva (op. cit.), propomos que o morfema né? (n’est-ce pas?) marca orientação para resposta de mesma polaridade, numa demanda de confirmação à proposição negativa não foi mordido. 3. Conclusões Assim, concluímos que, fazendo perguntas pela negativa, o juiz se posiciona numa perspectiva a partir da qual aponta para a desconformidade à norma jurídica, sob o formato “a NE neg-b”. Ao perguntar o senhor não desconfiou?, o juiz quis, na verdade, dizer deveria ter desconfiado. Dito de outra forma, as perguntas pela negativa marcam um discurso prévio, que é o discurso do Direito, e por isso são relativamente freqüentes nos interrogatórios judiciais. Por evocar a voz de dois enunciadores em confronto, uma pergunta pela negativa (o senhor não desconfiou?) instaura a polêmica em alto grau e tem maior força argumentativa do que uma pergunta positiva (o senhor desconfiou?). Embora formalmente marcada pela negação, a pergunta encaminha argumentativamente para uma asserção positiva. De outro lado, quando acompanhadas de marcadores de confirmação, as interro-negativas mantêm a orientação negativa, sinalizando a adesão do juiz à perspectiva do depoente. Em resumo, o exame dos enunciados interro-negativos produzidos pelo juiz permite identificar as várias vozes que se entrecruzam no processo: o autor da demanda, o réu, a acusação, o Direito, a coletividade. São eles enunciadores que subjazem à tessitura discursiva, aflorando em construções negativas e em perguntas argumentativamente direcionadas, marcadas pela negação. Embora o juiz deva tecnicamente assumir uma posição de neutralidade, ao usar a negativa mostra sua adesão a um determinado enunciador e rejeição a outro. Linguisticamente ele aponta uma posição, embora não o saiba nem tenha tal intenção, pois, como todo falante, é tomado pela língua (Guimarães, 2002).

OLHAR, VERBO EXPRESSIONISTA. ASPECTOS DO EXPRESSIONISMO ALEMÃO NO ROMANCE AMAR, VERBO INTRANSITIVO, DE MÁRIO DE ANDRADE

Benilton Lobato Cruz (UNICAMP / UFPA)

A recepção do expressionismo alemão no primeiro romance de Mário de Andrade é um fato em aberto na História da Literatura Brasileira. O livro, lançado em 1927, foi reduzido e substancialmente modificado, “deformado” pelo autor para a edição definitiva de 1944. O objeto de nosso estudo é esse texto, o seu primeiro romance e seu último livro em vida. O texto tem tudo que atravessa o nódulo central do romance moderno: a adequação do romance da era do folhetim ao romance da era do livro, no caso de Amar, verbo intransitivo nos dezessete anos para encontrar sua versão definitiva, entre 1927 a 1944; o romance tem a digressão como “alma” crítica da obra, na performance do narrador que comenta e critica sobre tudo que aborda; o romance atinge a questão da língua, (que língua é essa que os modernistas queriam falar?); o autor inventa a imitação de Bernardin de Saint-Pierre, e o romance experimenta a recepção do expressionismo alemão na obra, o que concorre para engendrar o que vamos chamar de um “romance de deformação”, o que é em síntese, a nossa tese. São perguntas-chaves deste trabalho: como se deu a recepção do expressionismo alemão no romance Amar, verbo intransitivo? Quais os fatores determinantes da recepção do expressionismo neste texto de Mário de Andrade? Onde está a relação entre o expressionismo alemão e o modernismo brasileiro? Quais os efeitos do expressionismo sobre o modernismo no romance em questão? Quais as características do expressionismo utilizadas e quais as semelhanças e diferenças entre o expressionismo e o modernismo? A metodologia baseia-se na estética da recepção, no marco teórico preliminar em Jauss (1994), Zilberman (1989) e Pressler (2001). Queremos pesquisar essa “área” do modernismo brasileiro a qual se circunscreveu Mário de Andrade no diálogo com a vanguarda alemã, e avançar na construção da metodologia da estética da recepção na realidade brasileira, para obras de

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autores modernos em diálogo com as vanguardas históricas. Mapear os aspectos restritos do modernismo brasileiro no que tange a contribuição da vanguarda alemã a partir deste romance de Mário de Andrade. Daí Boaventura (1985), Gullar (2002), Helena (2002), Eksteins (1990), Lafetá (2004), Brito (1995), e outros. A recepção do expressionismo alemão partirá da relação travada entre Mário de Andrade com Lasar Segall e com Anita Malfatti. Vamos mostrar que o artigo de Lobato em 1917, “A Propósito da Exposição Malfatti”, ganhou uma dinâmica considerável não apenas por conta do debate entre a noção de arte moderna entre Lobato e os modernistas, mas por conta de uma questão mais séria ainda: como conciliar nacionalismo e modernidade. O problema da tese tem sido verificar na Biblioteca pessoal de Mário de Andrade, arquivo IEB-USP, os expressionistas citados no romance: René Schikele, Franz Werfel, Kasimir Edschmid, Georg Trakl, O círculo da Revista Sturm, Ludwig Rubiner, Arthur Schnitzler, Gerhart Hauptmann, Hugo von Hoffmannsthal, Fritz von Unruh e Frank Wedenkind, fato que dispensa recurso financeiro considerável. Os resultados desta tese poderão ser aproveitados para o estudo, em uma linha de pesquisa daquilo que poderíamos chamar de a Modernidade Brasileira: Diálogos. Conclui que o cerne da modernidade brasileira ainda não fora, consideravelmente, avaliado pelo lado da deformação a que chegou pela pintura de Anita Malfatti e a de Lasar Segall. O romance Amar, verbo intransitivo vai compor a tríade desse encontro, texto no qual se pode sentir a síntese dos dois pintores em contrastes evidentes na visão da crítica da época, a marginalizada Anita e o respeitado Segall.

ANÁLISE DOS PROCESSOS LINGÜÍSTICOS/COGNITIVOS DA ESCRITA DE UM SUJEITO CÉREBRO-LESADO

Breno Luís Deffanti (UNICAMP)

O objetivo deste trabalho é analisar os dados referentes às produções textuais de um sujeito cérebro lesado inserido em um projeto escolar comum a todos os alunos de sua classe. As analises contidas aqui pontuar-se-ão no trabalho do aluno em colocar-se como sujeito e autor de seus textos, como ele constrói seu estilo e manipula os gêneros do discurso. O sujeito a que esse texto se refere é MK, que na época em que os dados foram coletados tinha 13, estava na sexta e apresentava atraso no desenvolvimento escolar. Na escola, MK era tido como um aluno que raramente interagia com seus professores e colegas de classe. O projeto escolar em que ele e seus colegas estavam envolvidos era a organização de um livro contendo os textos dos alunos. Assim, o objetivo deste trabalho é analisar, através de sua produção textual, o trabalho desprendido por ele nesse projeto. De acordo com Possenti (1992), sujeitos não-normais, como MK, são caracterizados por não conseguirem operar o sistema verbal e seus sistemas interligados. Tal dificuldade pode ser atribuída ou pelo fato dos sujeitos não conhecerem os pressupostos da língua em questão (como no caso dos estrangeiros e das crianças) ou por perderem a capacidade de operá-los (como no caso dos sujeitos cérebro-lesados). Para Coudry (1986/92) e Coudry & Freire (2002), sujeitos cérebros-lesados são caracterizados por terem seu aparelho cerebral privado de alguma de suas funções. Tal condição não significa que o cérebro esteja inoperante, pois devido à sua plasticidade, ele é capaz de encontrar novos caminhos para desempenhar suas funções. Se sempre associamos um cérebro pleno em suas funções a um sujeito, o mesmo devemos fazer com um cérebro lesionado. Aceitar que, acima de tudo, há um sujeito em um cérebro lesado é essencial para entender que em texto produzido por ele há marcas de subjetividade, autoria e um trabalho de estilo e escolha dos gêneros do discurso. Subjetividade, autoria, estilo e escolha dos gêneros estão intimamente ligados e encadeados. Citando Benveniste (1995) de maneira sucinta, subjetividade é quando o sujeito, na e pela linguagem, se constitui contrapondo o seu “eu” ao “tu” dos interlocutores. Atribuir autoria a um enunciado é localizar nele, de acordo com Possenti (1988), marcas típicas do sujeito enunciador e estilo é, ainda de acordo com o autor, a maneira como esse sujeito enunciador opera a língua, as escolhas que faz entre as possibilidades pré-determinadas. Bakhtin (1992) lembra que os gêneros já estão dados ao sujeito e suas formas são relativamente estáveis. O estilo de um sujeito é constituído pela maneira como ele se apropria de um gênero do discurso previamente dado e o reelabora de acordo com suas necessidades enunciativas. Outra questão que é cara para essa discussão é o caráter dialógico dos enunciados, conforme teoriza Bakthin (idem). Isso significa que o trabalho enunciativo de um sujeito é uma resposta a uma enunciação anterior com a expectativa de uma resposta posterior. Além de analisar os processos lingüístico-cognitivos envolvidos na produção textual do sujeito em questão, este trabalho destaca-se por problematizar a própria metodologia de trabalho, uma vez que os dados foram coletados um ano depois de produzidos, não permitindo a análise longitudinal tão freqüente na Neurolingüística discursivamente orientada.

REPRESENTAÇÕES SOCIAS DO /R/ CAIPIRA: PRIMEIRAS QUE STÕES

Cândida Mara Britto Leite (UNICAMP) Os fenômenos de Representações Sociais estão presentes em várias instâncias da interação social. Segundo Moscovici (2000), esses fenômenos são construídos nos universos consensuais de pensamento e estão presentes em várias instâncias da interação social, dentre as quais se destacam as comunicações interpessoais e de massa. Neste trabalho, o

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objetivo é descrever as Representações acerca do dialeto caipira, particularmente no que diz respeito à pronúncia retroflexa típica desse dialeto. Para este momento, a atenção estará voltada para os processos formadores de representações sociais, a saber: ancoragem e objetivação. Para abordar essa questão, o corpus selecionado consta de uma poesia publicada em meio eletrônico e de uma propaganda veiculada em meio televisivo, pois consideramos que tais textos funcionam como suportes da Representação Social que nos interessa estudar. O referencial teórico é o das Representações Sociais, conforme Moscovici (1978, 2000) e Jodelet (1994). Como nos esclarece esses autores, a representação é, fundamentalmente, um sistema de classificação e de denotação, de alocação de categorias e nomes. A neutralidade é proibida, pela lógica mesma do sistema, onde cada objeto deve possuir um valor positivo ou negativo e assumir um determinado lugar em uma clara escala hierárquica. O interesse nesta breve análise é o de observar como o objeto do processo de objetivação é categorizado. As redes de comunicação informais ou da mídia intervêm na elaboração das representações sociais abrindo caminho a processos de influência e até mesmo de manipulação social, o que justifica a investigação que se pretende realizar. Vale ressaltar que a análise proposta para esta apresentação faz parte de um projeto de pesquisa mais amplo em que se procura: (i) analisar o processo de variação lingüística do /R/ em posição de coda medial e final no dialeto da cidade de Campinas e (ii) descrever a gênese social, as atitudes e o estigma que recobrem a referida variável lingüística. Sabemos que as variáveis que os falantes incorporam às suas gramáticas mantêm uma estreita relação com o contexto social. Assim sendo, é possível entender a variação lingüística revestida de significados que impulsionam o seu acontecimento, bem como a existência da diversidade e da competição entre formas variantes. Os trabalhos desenvolvidos sob a perspectiva da Sociolingüística têm revelado que a variação está longe de ser algo casual, pois as alterações lingüísticas serão sempre o resultado do favorecimento de uma variante sobre a outra. Assim, além do interesse em verificar o fenômeno lingüístico, as possíveis variantes fonéticas, é preciso buscar respostas que satisfaçam questões como: Por que as pessoas se comportam e comunicam de determinada maneira, em detrimento de outra? Por que e onde se sentem confortáveis, ou não, em usar uma variante ou outra? O que pode estar em jogo na competição entre uma variante a despeito de outra? Para responder a perguntas como essas é preciso estar atento aos dados de maneira a considerá-los não apenas como ocorrências ou regras, mas como indícios para um entendimento da interação social que permeia a variação. Dessa forma, a pesquisa que está em desenvolvimento procura dar voz ao interlocutor com o intuito de investigar, nas relações destes com seu grupo social, as inquietações, inseguranças e atitudes positivas e negativas que perpassam os depoimentos e demais manifestações acerca da variável lingüística em questão.

AUTORIA EM DIFERENTES CAMPOS DISCURSIVOS

Carla da Silva Lima (UNICAMP)

O tema da autoria vem sendo explorado de maneira recorrente em diversas pesquisas, revelando-se produtivo para o debate de questões relevantes no campo teórico da Análise de Discurso francesa, particularmente na vertente que se dedica à reflexão sobre os modos de inscrição do sujeito em seu discurso. Dentre as diferentes perspectivas, pode-se destacar trabalhos que discutem subjetividade e autoria; autoria e interpretação; autoria e estilo; relações autor, texto e leitor; diferentes representações do autor e do leitor em práticas discursivas variadas, dentre outras. O presente trabalho é uma tentativa de se colocar, em alguma medida, nesse espaço de discussões em torno da autoria, assumindo como referência teórica para tratar da questão as reflexões de Foucault (1969), no texto O que é um autor, trabalho que se tornou um marco indiscutível na abordagem do conceito de autoria. Além de observar a situação da função-autor no domínio de grandes textos, Foucault destaca que a autoria não funciona da mesma forma, não só em diferentes épocas, mas também numa mesma época em domínios diferentes, o que justifica-se devido ao modo como é definida a autoria, às razões por que a função-autor emerge e passa a funcionar. Para Foucault, a função-autor caracteriza-se por “influir no modo de existência, de circulação e de funcionamento de alguns discursos no interior de uma sociedade” (Foucault, 1969, p. 46), e, por esse motivo, constitui-se em um dispositivo de controle dos sentidos que regula a ordem do discurso. Partindo dessas formulações e a fim de compreender melhor essa categoria que chamamos de autor, tão incessantemente questionada e com a qual constantemente nos defrontamos, passamos a considerar a hipótese de que a autoria não funciona da mesma maneira em todos os lugares – em todas as esferas, em todos os campos discursivos. A constatação de que as formas de apagamento/constituição da autoria estão associadas às condições sócio-histórico-ideológicas que definem as práticas discursivas no interior dos diferentes campos discursivos nos parece relevante na medida em que permite discutir o processo do sujeito constituir-se autor em certos campos, particularmente no científico e no jornalístico. Por se tratarem de campos bastante amplos e heterogêneos, delimitaremos, em relação ao campo científico, o espaço acadêmico onde se constitui o posicionamento de ciências como a Ecologia e, no campo jornalístico, trabalharemos com os discursos que circulam sobre essa mesma temática naquele que pode ser considerado como um “sub-campo” do campo jornalístico, a divulgação científica. Considerando que nestes campos circulam diversos gêneros de discurso e há variações com relação aos possíveis suportes, definiremos o material de análise selecionando artigos científicos e reportagens, que tratem de temas ligados à ecologia, meio ambiente e sustentabilidade, publicados em revistas acadêmicas e de divulgação científica de referência, veiculas por meio impresso e eletrônico. Esse recorte dos dados deve-se ao fato de considerarmos que os textos não são veiculados apenas por um suporte, mas por um mídium, conforme Maingueneau (2006). O autor utiliza o conceito de natureza eminentemente discursiva para designar o meio de circulação dos textos, considerando seus modos de transmissão e suas redes de comunicação. Como elemento da cultura, os meios materiais se encontram impregnados por formações

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ideológicas e sustentam posicionamentos na medida em que alteram a identidade do discurso. Suas propriedades também funcionam como sistemas que atuam como procedimentos de controle, organização e distribuição do discurso, e essas formas podem ser coadjuvantes na produção do sentido. O objetivo é analisar os discursos segundo a relação que estabelecem com o autor no interior de campos discursivos distintos, a fim de avaliar se a noção é relevante, ou não, nos dois campos, bem como os efeitos de autoria produzidos. Inscritos na Análise do Discurso francesa, mais especificamente guiando-nos pela proposta teórico-metodológica formulada por Dominique Maingueneau e seus desdobramentos, interessa-nos analisar de que maneira se constitui o efeito-autor – ou seu apagamento – associando essa questão à constituição, legitimação e funcionamento de gêneros discursivos e instâncias enunciativas inscritos no campo acadêmico e na divulgação científica. Assumindo, de acordo com Foucault, a noção de função-autor como uma posição sujeito que emerge nos posicionamentos assumidos por esse sujeito no interior dos campos acadêmico e da divulgação científica, consideramos, ainda, a possibilidade de analisar a constituição do autor nesses campos associada à construção de um certo ethos discursivo, que emergiria diferentemente em função dos gêneros e dos tipo de discurso. Trabalharemos essa noção tal como reconfigurada por Maingueneau (2005), que apresenta essa noção em termos de um processo enunciativo, que se organiza em função dos gêneros e dos tipos de discurso, em que determinados sujeitos são levados a se inscrever em uma determinada posição discursiva.

FORMAÇÃO IMAGINÁRIA SOBRE O QUE É O BRASIL E O BRAS ILEIRO : OS SIMPSONS NA SALA DE AULA

Carla Gumieri Furlan (UNICAMP)

Percebemos que cada vez mais, seja por motivos comerciais ou pedagógicos, professores de LE levam para sala de aula ferramentas tecnológicas, ou seja, materiais que coloquem seus alunos em contato com fontes autênticas da língua alvo tais como mini-séries, filmes, desenhos animados, músicas, mostrando-nos, como coloca Biazotto (2006), que os meios de comunicação estão presentes na sala de aula, direta ou indiretamente, envolvendo todos que fazem parte do processo de ensino-aprendizagem de LE. Deste modo, e, tendo como pressuposto que a prática de linguagem veicula a ideologia e os sentidos historicamente determinados, objetivamos investigar as conseqüências geradas sobre o imaginário do que é ser brasileiro e sobre o que é o Brasil pelo crescimento do uso da mídia, mais especificamente de desenhos animados, dentro da instituição escolar de ensino de LE . Focar-nos-emos, especialmente, na série de desenho animado Os Simpsons, mais especificamente, no episódio em que tal família visita o Brasil (Blame it on Lisa). No entanto, para contraste, também analisaremos outros episódios em que tal família visita outros países. A escolha deste desenho animado deve-se ao fato desse ser divulgado mundialmente, sofrendo, incluso, interdições em alguns países pelo modo satírico como trata os assuntos pertinentes às sociedades contemporâneas, criticando e ironizando o comportamento humano, a sociedade e o modo de vida estadunidense, principalmente, a questão da autoridade em mãos impróprias. Para tal reflexão, apoiar-nos-emos nos estudos produzidos no âmbito da Lingüística Aplicada e nas contribuições teóricas da Análise de Discurso (AD) tal qual proposta por Pêcheux, na França, e por Eni Orlandi, no Brasil, uma vez que procuramos atingir a historicidade, a discursividade dos textos. Além disso, também, sustentaremos nossos estudos no pressuposto epistemológico denominado paradigma indiciário, discutido por Ginzburg (1990), ou seja, procuramos refletir sobre a questão colocada considerando indícios aparentemente negligenciáveis como marcas na materialidade da linguagem, seja esta verbal ou não-verbal, e, assim, importante ao nosso trabalho como uma forma de apreender certos efeitos de sentido dentro dos discursos do episódio do desenho animado em questão e não outros. Os conceitos de discurso, metáfora, deslocamento, discurso fundador, interdiscurso também serão amplamente trabalhados nesse estudo. Tal pesquisa mostra-se relevante, pois como constata Orlandi (2004, p. 136), os aparelhos de poder de nossa sociedade, seja a Igreja, o Estado, a Empresa, o Partido, a Escola, geram a memória coletiva. Dividem os que estão autorizados a ler, a falar, a escrever dos outros, os que fazem os gestos repetidos que impõem aos sujeitos seu apagamento atrás da instituição. Em todo discurso, assim, segundo a autora (op. cit.), podemos encontrar a divisão do trabalho da interpretação distribuída pelas diferentes posições-sujeito. Os sentidos não estão soltos, eles são administrados havendo uma estabilidade que resulta de interdição à interpretação. A mídia, neste sentido, configura-se como um acontecimento de linguagem que impõe sua forma de gerenciamento dos gestos e a escola, por sua vez, seria uma das instituições responsáveis por interditar/direcionar a interpretação. Ao estabilizar e gerenciar certos efeitos de sentido em relação ao que é ser brasileiro e ao que é o Brasil, trazidos, através de desenhos animados, para dentro da sala de aula de LE, constitui-se o próprio imaginário do aprendiz sobre nossa sociedade, construindo nossa nacionalidade, em um processo contínuo “(...) inventando um passado inequívoco e empurrando um futuro pela frente (...)” (Orlandi, 1993, p. 14), re-fundando nossa brasilidade com um efeito de evidência. A mídia e a escola se constituem, assim, em um fator que definirá a relação discursiva de contato entre sujeitos aprendizes da LI e falantes nativos desta LE. E, por ser um veículo que reduz a memória a uma sucessão de fatos com sentidos (dados) provoca a contínua perpetuação deste imaginário, mostrando-nos que os sentidos, uma vez instituídos, produzem seus efeitos indefinidamente (Orlandi, 2005). Esta primeira etapa de nosso trabalho se dá com leituras de textos teóricos, a fim de ampliar o quadro em que este estudo é embasado e de refletir sobre questões que aparecem em relação à constituição dos sujeitos.

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PROFESSOR DE LÍNGUA ESTRANGEIRA:

ENTRE O PEREGRINAR NA LÍNGUA ESTRANHA E O SE APROPR IAR DA LÍNGUA ALHEIA

Carla Nunes Vieira Tavares (UNICAMP / UFU)

Ensinar e aprender uma outra língua se insere num projeto maior compreendido por muitos como ação educativa (Von Hohendorff, 1999), que visa, dentre outros objetivos, a contribuir para a formação de indivíduos desenvolvidos, bem como permitir a inserção dos mesmos em uma coletividade (Cifali, 1994; Filloux, 1996). Nesse sentido, estão previstos, dentro das diretrizes de ensino de língua estrangeira (PCNEM, PCNLE, 1998; PCN+, 2002), que a língua estrangeira seja vista como um instrumento para a construção de sentidos, de inserção cultural e social, de acesso à informação e de interação com o mundo, o que se remete à possibilidade de formar cidadãos mais críticos e conscientes das diferenças entre culturas. Essas considerações trazem consigo questões chaves, que, ao que parece, assombram muitos professores de língua estrangeira e giram em torno do quê e como fazer para alcançar esses objetivos; de que tipo de ensino e de conteúdo poderia viabilizá-los; se estariam eles investidos ou não nessa posição de forma a levar a cabo o esperado: ensinar uma língua estrangeira. Tais questões, a meu ver, tocam o cerne da identidade do professor enquanto tal, na medida em que colocam em xeque ou reforçam sua posição. Afinal, o professor está num dos ápices da triangulação necessária para que qualquer relação pedagógica se dê, na qual há um saber em jogo, alguém que demanda um saber e outro alguém em que se supõe esse saber (Filloux, 1996; Hatchuel, 2005). Ocorre que, muitas vezes, o professor de língua estrangeira não se vê investido nesta posição, seja por duvidar de sua capacidade de gerir o aspecto pedagógico envolvido na mediação entre o aluno e o objeto de saber pedagógico, seja pela insegurança que desfruta quanto à sua própria relação com esse objeto, seja pela incongruência entre o que representa como sendo ensinar-aprender uma língua estrangeira, ou ainda pela combinação desses e de outros fatores. Há sempre um discurso da falta (Baghin-Spinelli, 2003) em pauta nos dizeres dos professores de língua estrangeira, notadamente nos do ensino básico. Movidos, talvez, por essa falta – que, necessário dizer, em si mesma não é negativa; pelo contrário, é constitutiva do sujeito humano - muitos professores se engajam em cursos de formação continuada, para, dentre outros motivos, aprofundar seu conhecimento metodológico, teórico e lingüístico a fim de se tornarem “melhores professores”. Esses cursos proclamam, no geral, serem capazes de empreender transformações na prática dos professores, o que, a meu ver, poderia se desdobrar em um ganho positivo na constituição identitária dos mesmos e uma maior responsabilização pela sua prática. Intrigada, portanto, por essa busca e questionando que impactos sobre a constituição identitária dos professores de língua estrangeira do ensino básico tais cursos poderiam empreender, esta pesquisa se constrói a partir da hipótese de que, caso ocorram mudanças nessa constituição, elas seriam conseqüência de instâncias de identificação que são propiciadas pelos cursos, as quais, possivelmente, provoquem deslocamentos na imagem que os professores fazem de si, da língua estrangeira e do que seja ensinar-aprender essa língua. A investigação objetiva a perceber se identificações são instauradas durante cursos de formação continuada; investigar se, caso ocorram, elas incidem num possível reposicionamento identitário dos participantes como professores de língua estrangeira e analisar como isso acontece. De modo mais amplo, objetiva-se contribuir com as pesquisas na área de formação de professores de língua estrangeira ao se problematizar a constituição identitária desses professores, apontando para a necessidade da promoção de instâncias de identificação nesses contextos como possibilidade de promover deslocamentos nas posições que os (futuros) professores ocupam e discutir a necessidade de responsabilizar-se por essa posição. Diante disso, durante um ano foram feitas observações em um curso de formação continuada promovido por uma Instituição de Ensino Superior (IES) dedicado aos professores de inglês do ensino básico da rede pública de ensino do estado de São Paulo. O corpus desta pesquisa, por conseguinte, compõe-se das respostas escritas a um questionário proposto pela coordenação do curso que busca levantar dados sobre os professores participantes do curso; de reflexões escritas pelos participantes que foram demandadas pelos professores ministrantes do curso e pela pesquisadora no decorrer do período de observação, de acordo com os temas que eram discutidos nos módulos do curso; e da transcrição de depoimentos e de entrevistas baseadas em um roteiro semi estruturado, gravados com os professores participantes no início e no final do período de observação. A análise se volta, portanto, para os dizeres dos professores participantes, uma vez que a identidade se constrói por meio da linguagem, e se orientará por um fazer metodológico que se desenha a partir dos estudos sobre o discurso, notadamente de autores franceses, como Pêcheux ([1975]1988, [1983]1997) e Authier-Revuz (1998, 2004).

AIDS, MORTE E NEGATIVISMO: A DÉCADA DE 1980 NAS PRO DUÇÕES LITERÁRIAS DE HEBERT DANIEL ,CAIO FERNANDO ABREU, ALBERTO GUZIK E RODRIG O LACERDA

Carlos André Ferreira (UNICAMP)

Sou um aficionado pela década de 1980, ou, mais popularmente, anos 80. Evidentemente, este interesse em particular não bastaria por si só para justificar uma pesquisa em nível de mestrado na área de crítica literária. Seria mister

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identificar alguma problemática relevante nas produções da época, tarefa que acabou se transformando num fardo de peso significativo; ao verificar o montante de trabalhos de literatura em voga no período me deparei com um considerável vazio acompanhado de um negativismo bastante característico. Não se tratava, porém, de uma simples opção estética, longe disso. Era como se algo de incalculável valor tivesse sido arrancado do ser humano. Mas o que seria essa coisa? De que forma eu poderia encontrar possibilidades interpretativas para o vazio e para o negativismo? Mais do que isso, qual seria a origem (ou origens) de tais sensações e qual o papel da literatura no trabalho de interpretar o momento? Estas indagações são sobremaneira instigantes, pois nos fazem pensar nos principais acontecimentos que poderiam ter marcado os anos 80 e contribuído de maneira determinante para o vazio e o negativismo. E uma possibilidade de resposta para tal questão é extremamente simples; qualquer pessoa que puxe pela memória os assuntos que mais marcaram os anos de 1980 tem conhecimento da epidemia de AIDS que assolou o mundo. Logo, um dos fatores do negativismo característico na arte produzida no período foi o advento da síndrome. Considerando essas premissas, iniciei uma pesquisa mais pormenorizada sobre a literatura produzida exatamente na fase em que não existia tratamento eficaz para o HIV, isto é, o início da década de 1980 e a primeira metade da de 1990. Nesse período, ao lado de reportagens veiculadas na imprensa e de poucas publicações de cunho científico, apareceram muitos relatos escritos por pessoas infectadas. Contudo, a maioria desses textos fazia pouco mais do que contar histórias de convivência com o vírus, além de serem desprovidos de uma maior percepção sobre o momento de crise pela qual a humanidade passava. Desta forma, minha preocupação na hora de compor um corpus analítico preliminar para minha pesquisa passou a ser dar prioridade a obras de literatura brasileira mergulhadas no âmbito dos já mencionados vazio e negativismo, sem, no entanto, desconsiderar a AIDS e seu papel de protagonista nesse contexto. Neste sentido, o objetivo de meu trabalho é proceder, a partir dos romances Alegres e irresponsáveis abacaxis americanos (1987), de Herbert Daniel, Onde andará Dulce Veiga?(1990), de Caio Fernando Abreu, Risco de vida (1995), de Alberto Guzik e Vista do Rio (2004), de Rodrigo Lacerda, a uma análise crítica sistemática que resulte na compreensão da experiência extrema do HIV e sua ligação com o negativismo contido nas proposições dos quatro escritores. Será realizada uma pormenorizada abordagem crítica de cada romance, de maneira que possam ser estabelecidas relações referenciais e discursivas com o momento histórico e seja traçado um paralelo relevante para o objeto de estudos. A pesquisa também levará em conta a subjetividade e sua influência nas concepções de criação literária dos autores em questão.

A FORMAÇÃO DAS HISTÓRIAS LITERÁRIAS NO BRASIL: A CONTRIBUIÇÃO DE CÔNEGO FERNANDES PINHEIRO (1825-1876),

FERDINAND WOLF (1796-1866) E SOTERO DOS REIS (1800-1871)

Carlos Augusto de Melo (UNICAMP / FAPESP) Nessa comunicação, pretende-se apresentar minha pesquisa de doutorado que se direciona ao estudo das nossas primeiras manifestações de história literária no Brasil. Essa investigação vem a fornecer materiais seguros e dados fundamentais para aqueles que se propõe a realizar essa revisão historiográfica e suas respectivas contestações para, desse modo, recuperando a afirmação de Hans R. Jauss, poder repensar qual o “papel resta hoje, portanto, a um estudo histórico da literatura”. Pensou-se em elaborar uma leitura crítica em torno das três precursoras desse grupo de narrativa histórica, quais sejam, o Curso elementar de literatura nacional (1862), do Cônego Fernandes Pinheiro; O Brasil literário (1863), do austríaco Ferdinand Wolf e o também Curso de literatura portuguesa e brasileira (1866-1873), do maranhense Sotero dos Reis. Com isso, permitir-se-á também perceber como constituíram os seus diversos discursos com relação à periodização, à análise crítica dos escritores e obras, à apresentação das tendências e escolas literárias, à constituição do cânone literário e, principalmente, à conceituação sobre a “literatura nacional”, ao passo que serão desvendadas quais foram as suas respectivas releituras teórica e metodológica sobre a nacionalidade literária e como passaram a enxergar a literatura nacional à medida que tentavam sistematizar a história da literatura do Brasil, considerando-se que foram, essas histórias literárias, nas palavras de João Weber, a “expressão de determinadas demandas histórico-sociais da sociedade brasileira à época em que foram escritas” Além disso, tem-se em vista perceber como eram configuradas essas histórias literárias e como se comportaram diante do método histórico da tradição oitocentista, ou seja, quais foram as possíveis leituras que fizeram da filosofia historicista, principalmente a de Herder e Hegel, e em quais momentos identificamos os traços desse historicismo em sua metodologia. Nesse sentido, o trabalho tentará verificar como método histórico foi sendo utilizado por essas histórias e se é possível verificar uma tentativa de desligamento durante a sua evolução, ou seja, tentar perceber se o fenômeno literário conseguiu ser tratado como “expressão artística” ou nunca deixou de ser encarado como um “produto histórico” nesse intervalo. Diante da vastidão de abordagem do tema, é importante dizer que conseguimos desenhar qual o esquema de leitura que propomos seguir para o desenvolvimento da tese, com intuito de trazer unidade e especificidade de pensamento e focalização dos aspectos mais importantes sobre a formação das histórias literárias. Até agora três capítulos já estão parcialmente elaborados e suas lacunas serão preenchidas com o colhimento dos elementos da leitura das fontes e da bibliografia teórica e historiográfica em processo, e sendo assim fazemos aqui o seu breve resumo: o primeiro capítulo surgiu dos meus questionamentos enquanto estudioso da historiografia e cultura literária a respeito da idéia de história literária que se constrói ao longo do século XX e XXI e de seus subseqüentes desdobramentos,

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configurados nos discursos da maioria dos críticos literários como a crise historiográfica; o segundo, que se configurou a partir da busca do panorama histórico e cultural que impulsionou o aparecimento desse tipo de narrativa histórica e, por fim, o terceiro capítulo, no qual se faz uma análise panorâmica das três histórias literárias, consideradas como pioneiras que especificamos logo acima.

O MOVIMENTO DO VERBO NA HISTÓRIA DO ESPANHOL

Carlos Felipe da Conceição Pinto (UNICAMP / FAPESP)

Este trabalho é uma síntese do Projeto de Tese em andamento intitulado “O movimento do verbo na história do espanhol”. A partir da assimetria entre sentenças como (1)"John often drinks wine" (com ordem S-ADV-V-O), do inglês, e (2) “Jean bois souvent du vin"(com ordem S-V-ADV-O), do francês, os estudos em gramática gerativa têm mostrado que existem várias posições que podem abrigar o núcleo verbal: o núcleo Vº, como ilustrado em (1); o núcleo Iº como ilustrado em (2); e o núcleo Cº, como acontece em línguas V2, como ilustrado em (3)"Diesen Roman las ich schon letztes Jahr" (com ordem O-V-S-ADV-PP), do alemão. O exemplo (3) evidencia que o verbo se moveu para Cº tendo em vista sua posição em relação ao sujeito, que deve estar em SpecIP, onde checa Caso nominativo. Seguindo princípios de economia, Chomsky (1993, 1995) propõe que movimento sintático tem apenas a finalidade de chegar os traços formais dos elementos e é resultante da força dos traços dos itens lexicais; assim, o movimento do verbo para cada posição dependerá da força de cada uma delas para atrair o verbo para si. As línguas V2 até então estudadas tem sido classificadas em dois grupos: a) línguas com V2 simétrico, nas quais o efeito V2 se manifesta tanto em sentenças matrizes como em subordinadas, tais como o islandês e o iídiche; b) línguas com V2 assimétrico, no qual o efeito V2 se manifesta apenas em orações principais, como algumas línguas germânicas, como o alemão e o holandês. Uma das análises propostas para o fenômeno V2 diz que, nas línguas simétricas, o V2 seria derivado a partir do movimento do verbo para um IP sincrético, que, ora se comporta como uma posição A, ora se comporta como uma posição A-Barra; por outro lado, nas línguas assimétricas, o fenômeno V2 é derivado a partir do movimento Vº-to-Iº-to-Cº realizado pelo verbo finito. Parece que esta é a solução encontrada para resolver o problema da competição do verbo e do complementizador pela mesma posição dentro do modelo teórico da GB. Fontana (1993) propõe que o espanhol arcaico era uma língua V2 do tipo do iídiche, com V2 simétrico entre sentenças principais e subordinadas. Embora a ordem VS no espanhol moderno esteja em declínio, Zubizarreta (1998) considera o espanhol moderno uma língua V2 no mesmo sentido que o espanhol arcaico. Diante deste panorama e considerando algumas diferenças nas características sintáticas do espanhol arcaico e do espanhol atual, como as construções de clivagem, o sistema dos clíticos e a função informativa do sujeito pós-verbal, este trabalho tem como objetivos principais:

(a) identificar o posicionamento/movimento do verbo em cada fase da língua espanhola – espanhol arcaico, clássico e moderno –; (b) rediscutir a questão teórica do fenômeno V2 nas línguas humanas dentro de uma visão minimalista.

As principais hipóteses de pesquisa são as de que: (a) o espanhol moderno não é uma língua V2 no mesmo sentido que o espanhol arcaico tendo em vista que a ordenação XPVS, por exemplo, na atualidade, é um recurso para a focalização do sujeito; (b) é possível uma análise unificada do fenômeno V2, seja simétrico ou assimétrico, em CP, tendo que o nível CP abriga mais de um nível estrutural, a chamada “periferia fina” de Rizzi (1997).

Considerando que, historicamente, a língua espanhola não é uma entidade lingüística homogênea, nesta pesquisa, serão analisados textos escritos, porém selecionados criteriosamente a fim de que reflitam ao máximo a língua falada, do espanhol europeu do século XIII ao século XXI. Será aplicada uma metodologia quantitativa e qualitativa, considerando a ordem dos constituintes, a posição do sujeito e dos advérbios na sentença, os tipos de construções de clivagem etc. Também se considera fundamental, nesta pesquisa, fazer uma separação das sentenças marcadas das sentenças não marcadas discursivamente tendo em vista que o fenômeno V2 deve ser entendido como uma ordem básica de palavras, o que está estreitamente relacionado com as sentenças não marcadas.

LISIDAMO, DE CÁSINA: UM VELHO APAIXONADO ENTRE OS SENES AMATORES DA COMÉDIA PLAUTINA

Carol Martins da Rocha (UNICAMP)

A comédia Cásina (Casina), provável produção do fim da carreira do poeta romano Tito Mácio Plauto (séc. III-II a. C), carece ainda de observação mais profunda no cenário mais recente dos estudos plautinos, incluindo-se os que vêm sendo realizados no país. É notável, por exemplo, que a peça não tenha tradução em português brasileiro. Essa lacuna surpreende sobretudo porque um passar de olhos pelas intrigas e confusões de Cásina nos revela muitos aspectos da típica poesia plautina e nos motivou a adotar a referida comédia como tema de nosso Mestrado, desenvolvido com apoio da Fapesp (processo n. 07/ 57173 - 3). A intriga que movimenta a peça é, em linhas gerais, uma disputa pelo

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amor da escrava Cásina, entre o velho Lisidamo e seu filho, que é representado pela mãe, Cleóstrata. Envolvidos em toda a confusão motivada por essa disputa, os personagens vão sendo paulatinamente apresentados ao público. Dentre os femininos, destacamos a presença de uma típica matrona plautina (a geniosa uxor dotata), que contrastará com uma esposa menos comum em Plauto, mais submissa ao marido. Há ainda uma escrava inventiva e, até mesmo, uma falsa mulher (um escravo travestido). Já dentre os personagens masculinos, ressaltam-se os escravos, que ali agem mais a favor de si mesmos do que a favor de seus senhores, e os velhos Lisidamo e Alcésimo. Ao longo da agitada trama, por vezes, nos deparamos com características sutis da poesia plautina, muitas das quais passam despercebidas para a maioria dos estudiosos da obra do comediógrafo romano, a quem têm chamado atenção em especial brincadeiras mais diretas ali presentes, envolvendo inclusive o referido travestimento e, digamos, referências mais diretas a partes pudicas. Um olhar mais atento revela, contudo, que os efeitos humorísticos e poéticos são abundantes, envolvendo desde recursos lingüísticos (como metáforas do contexto animal e o jogo com nomes dos personagens), até passagens em que podemos notar um teatro dentro do teatro (fenômeno tratado mais recentemente como “metateatralidade”). Podemos apontar como recursos, referentes à linguagem, adotados por Plauto na composição da comédia, por exemplo, a presença de coloquialismos e a estilização de um determinado vocabulário técnico, como o jurídico, empregado com efeito humorístico. Nossa comunicação pretende apresentar resultados parciais da investigação em andamento, abordando aspectos como os supracitados, mas os direcionando, mais especificamente, para a composição de um dos personagens centrais da trama: o velho Lisidamo. Sua ação efetiva na peça gira não tanto contra o filho, seu rival no amor, (que sequer aparece no palco), mas sim em torno da tentativa de driblar a esposa, que, como toda uxor dotata, lit. “esposa com dote”, das comédias plautinas, é fonte de problemas para o marido. Por suas atitudes motivadas pelo amor, Lisidamo pertence ao estereótipo do senex amator (“velho amoroso” ou “velho amante”), que aparece em ao menos outras seis comédias do mesmo autor. Se, por um lado, temos nas peças de Plauto diversos jovens apaixonados (por exemplo, Pistoclero e Mnesíloco de Báquides, Licônides em Aululária ̧ entre outros), por outro lado, podemos também nos deparar com alguns velhos “apaixonados” (além do próprio Lisidamo de Cásina, podemos citar também Filoxeno e Nicobulo, seduzidos pelas meretrizes em Báquides). Esse tipo, comum às peças plautinas, é caracterizado como um velho, que apesar da idade inapropriada, manifesta sua libido, e às vezes deseja uma certa jovem e procura, de alguma maneira, satisfazer essa sua paixão. Esse tipo de personagem tem sua comicidade aumentada pelo fato de sua conduta ser apresentada como inapropriada à sua idade: quando interessados em uma mulher específica, os senes amatores são ridiculamente apaixonados! Nossa questao é: como essa ridicularização do senex amator Lisidamo é construída na peça Cásina? Em outras palavras: de que recursos poéticos Plauto faz uso nesta peça para representar o caráter ridículo, i.e., a inadequação – alegada em tantas de suas comédias - da paixão de um velho? Que características Lisidamo compartilha com os demais senes amatores plautinos? Ao observar a maneira como o poeta romano usa os topoi da comédia, procuramos compreender melhor as idiossincrasias que o público plautino poderia perceber nesse personagem, bem como o efeito daquelas sobre a comédia Cásina como um todo. Para responder a essas questões, observamos a composição de outros senes amatores na comédia plautina e traduzimos do latim passagens que nos parecem mais relevantes para a análise de tal caracterização. Ao tratar da relação entre Cásina e as demais comédias do corpus plautino transmitido, levamos em conta a metodologia intertextual que vem sendo amplamente aplicada a textos da poesia romana.

FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES A DISTÂNCIA: CONSIDERAÇÕES SOBRE A INTERAÇÃO VERBAL PELA PALAVRA ESCRITA

Carolina Assis Dias Vianna (UNICAMP)

O presente trabalho faz parte de uma pesquisa de mestrado que investiga o curso-piloto Letramento nas séries iniciais, de formação continuada de professores, oferecido na modalidade semipresencial pelo Centro de Formação de Professores do Instituto de Estudos da Linguagem (CEFIEL) da Unicamp. Alguns dos motivos da escolha do corpus são o impacto que as tecnologias de informação e comunicação (TICs) têm atualmente em nossa sociedade e a grande relevância que essas novas tecnologias assumem hoje em dia em discussões sobre questões ligadas ao ensino, a ponto de ser possível afirmar, assim como coloca Barreto (2003), que “os mais diversos textos sobre educação têm, em comum, algum tipo de referência à utilização das tecnologias das TIC nas situações de ensino”. Principalmente na instituição escolar (onde atuam os professores em formação continuada participantes do curso analisado) é perceptível o fato de a sociedade pós-moderna e as políticas mais recentes impostas à escola nos fazerem sentir como se essas tecnologias devessem obrigatoriamente fazer parte do cotidiano dos profissionais ali atuantes e das práticas ali desenvolvidas. Além disso, os trabalhos sobre ensino a distância e o oferecimento de cursos dessa natureza vêm se multiplicando muito rapidamente em nosso país, o que nos leva a pensar que seja relevante realizar uma pesquisa que forneça parâmetros para se organizarem cursos na modalidade semipresencial e a distância na formação continuada de professores, com vistas a buscar novos caminhos e alternativas para a tão discutida questão da formação docente no Brasil. Quanto ao paradigma de pesquisa que rege nosso trabalho, percebemos na pesquisa qualitativa interpretativista um caminho metodológico coerente com o modo que entendemos a realidade, especialmente ao considerarmos o papel da

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Lingüística Aplicada e sua perspectiva interdisciplinar, que, segundo Cavalcanti (1986, p. 7), a fim de contribuir “para o desenvolvimento de teorias língüísticas ou de teorias em outras áreas de investigação”, parte da análise de “questões de uso da linguagem” em “situações do cotidiano” (op. cit., p. 9). Entendemos que nossa pesquisa está inserida na LA uma vez que se engaja na resolução de “problemas contextualizados, socialmente relevantes, ligados ao uso da linguagem e ao discurso, e na elaboração de resultados pertinentes e relevantes, de conhecimento útil a participantes sociais em um contexto de aplicação (escolar ou não escolar)” (Rojo, 2006, p. 258). Julgamos, portanto, que a problematização de um curso de formação continuada e suas reais contribuições para a prática dos professores participantes mostra-se uma discussão socialmente relevante, na busca de produção de conhecimento útil aos sujeitos sociais, visto que objetiva encontrar novas alternativas a serem propostas na área da formação docente. Adotamos abordagem sócio-histórica bakhtiniana, que leva em conta o caráter dialógico da linguagem e tomamos como foco de nossa análise as interações realizadas a distância entre formadores e professores participantes do curso. Nessas análises, focamos nas estratégias utilizadas pelos formadores para corrigir e avaliar as respostas às atividades dadas pelos professores. Sabemos que em qualquer contexto interativo há a preocupação dos interactantes em passarem uma boa imagem de si uns para os outros. Nesse sentido, Ruth Amossy (2005, p. 23) traz, com base na retórica, a noção de ethos, como sendo a “construção de uma imagem de si no discurso”. Ainda, em relação à construção dessas imagens na interação, Amossy (2005, p. 12) considera que “dizer que os participantes interagem é supor que a imagem de si construída no e pelo discurso participa da influência que exercem um sobre o outro”. Em nossa pesquisa, objetivamos focalizar a maneira pela qual as pessoas se apresentam umas as outras nas interações, mesmo quando estas se fazem mediadas pelo computador, como no curso a distância. O conceito de preservação de faces, de Erving Goffman mostra-se também relevante para nossas análises. Segundo Goffman, (1959, p. 104) “uma relação social (...) pode ser vista como um modo pelo qual a pessoa é forçada a confiar sua auto-imagem e sua face ao tato e à boa conduta de outros” (ibid, p. 105). Nesse sentido, temos considerado que, no curso a distância, a própria escrita se constitui na “face” dos interactantes. Em relação às estratégias utilizadas pelos formadores, julgamos importante ressaltar que, ao utilizarem estratégias de polidez como a indiretividade, além de estarem tentando preservar a face dos professores, os formadores acabam certamente tendo uma preocupação em preservar também a própria face. Assim, da mesma forma que alguns professores se preocupam em justificar um erro de digitação que ficará registrado e poderá ser interpretado como desconhecimento da ortografia padrão, os formadores, igualmente, tendem a se preocupar com as expressões das orientações teóricas que dão aos professores. Por fim, destacamos que, se por um lado, o uso da indiretividade pelo formador faz correr o risco da incompreensão, por outro, permite que o formador deixe seu comentário mais polido, o que aumenta a proximidade entre os interlocutores, crucial para que o aprendizado ocorra.

UM ESTUDO ENUNCIATIVO SOBRE AS ATIVIDADES DE CORREÇ ÃO DA FALA NA CONVERSAÇÃO ENTRE AFÁSICOS E NÃO-AFÁSICOS

Carolina Barbosa Hebling (UNICAMP)

No âmbito dos estudos da linguagem que conferem ao aspecto sócio-interacional papel explicativo decisivo em suas análises, o fenômeno da correção tem sido abordado de diversas maneiras, na medida em que oferece às abordagens teóricas desafios investigativos referentes a situações “problemáticas” que os sujeitos enfrentam em meio às práticas de linguagem cotidianas (cf. Fávero, 1999, 2003). No campo dos estudos lingüísticos dedicados às afasias, cuja semiologia assinala fenômenos tipicamente corretivos como hesitações, repetições, reformulações(auto e hetero-iniciadas), podemos observar questões bastante complexas envolvendo as relações entre linguagem e cognição. Via de regra, tais fenômenos são vistos a partir de uma concepção de afasia que afirma o comprometimento da capacidade reflexiva dos sujeitos de maneira a torná-los incompetentes (meta)lingüisticamente (cf. Morato, 2003, 2005, 2007, etc.). A partir de uma hipótese sócio-cognitiva dos processos de significação lingüística (cf. Marcuschi, 2003; Morato, 2005), o presente estudo tem se dedicado, no ambiente empírico afasiológico, à identificação, à caracterização e à classificação do trabalho reflexivo e intersubjetivo que os sujeitos empreendem nos processos interlocutivos em situações conflituosas, como aquelas de vagueza ou instabilidade de sentido, em que emergem atividades de correção da fala. Em tal tarefa, privilegiando instâncias de uso real da linguagem para nos perguntarmos sobre a estrutura e o funcionamento das atividades de correção, partimos de um corpus constituído por dados transcritos de gravações de encontros semanais do CCA (IEL/UNICAMP), espaço interativo de que participam sujeitos afásicos e pesquisadores em uma espécie de “réplica da sociedade” na qual atuam em um “jogo discursivo” que os obriga a “constantes tarefas de reformulação, de ajustes enunciativos, de indicações de intuições manifestas ou pretendidas, de adequação do estilo e do ‘código’ comum” (cf.Morato, 2005). A pesquisa aqui apresentada tem se orientado pelos desenvolvimentos empreendidos tanto pelos estudos conversacionais (Sacks, Jefferson e Schegloff, 1977; Goffman, 1981; Gumperz, 1982) e textuais-discursivos(Fávero, 1999, 2003; Hilgert, 1993, etc.) dedicados à descrição das estratégias de correção (ou reparo), quanto pelos estudos de cunho enunciativo dedicados à metadiscursividade dos processos de referenciação (Koch, 2004; Jubran, 2005; Morato, 2005, 2007). Relacionados em torno do interesse pela emergência de construção conjunta do sentido, ambas as reflexões estão fundamentadas em uma perspectiva sociocognitiva-interacionista da linguagem, da interação e da

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cognição. De um lado, a atenção às abordagens conversacionais permite-nos enfatizar o caráter interacional e colaborativo da correção, identificado nas ações eficazes que os sujeitos afásicos desempenham em situações conflituosas de fala espontânea. De outro lado, observamos a correção quanto ao seu caráter reflexivo e enunciativo, observado na emergência de atividades epilingüísticas pelas quais os sujeitos exibem uma consciência sobre a linguagem em situações problemáticas que exigem renegociação de sentido, deixando transparecer a ação dos falantes (afásicos e não afásicos) com e sobre a linguagem. Tendo em conta a conceitualização da referenciação como"ato de enunciação" no qual o sujeito transforma os referentes lingüísticos em “objetos de discurso”, “apreendidos na prática, confundindo-se com o próprio discurso”, averigüamos que processos como promptings, especularidade, complementaridade e reformulações são levados a cabo por afásicos e não-afásicos, de acordo com escolhas lexicais dos sujeitos, reconhecimento de implícitos, das posições enunciativas que os sujeitos ocupam, etc. fortalecendo as teorizações sobre o tipo de reflexividade preservada na linguagem de sujeitos afásicos, os quais, mesmo “na presença de dificuldades metalingüísticas, não perdem a capacidade pragmático-discursiva de lidar com a linguagem e seu funcionamento” (Morato, 2003). Como objetivo mais geral, pretendemos apontar como o estudo da correção dentro do ambiente empírico afasiológico, a partir de abordagens sócio-cognitivas, pode contribuir para uma hipótese não-internalista da linguagem, seja dentro dos estudos lingüísticos, seja mais especificamente nos neurolingüisticos, nos quais as explicações sobre o fenômeno afásico têm deixado à mostra as relações constitutivas entre processos internos e externos à linguagem, e, naturalmente, entre linguagem e cognição.

NIKOS KAZANTZAKIS E O ITINERÁRIO HERÓICO DA ODISSÉI A MODERNA

Carolina Dônega Bernardes (UNESP – São José do Rio Preto / FAPESP) O tema da viagem de Ulisses foi largamente retomado pela tradição literária após a Odisséia de Homero, confirmando o ideal do herói nostálgico, que anseia o retorno à pátria, ou reafirmando o ímpeto do eterno navegador de mares. Tal prolongamento do mito fundamenta-se, possivelmente, na previsão do adivinho Tirésias, anunciada no próprio poema homérico, de que o herói teria uma morte ex halos, expressão ambígua que pode significar uma morte vinda do mar ou distante do mar. Pela previsão, Odisseu torna-se uma figura de longa duração, aberta às diversas interpretações, que intentam completar o anúncio de Tirésias. Representado por Dante, Pascoli, d’Annunzio, Tennyson, Joyce e Haroldo de Campos, o autor grego Nikos Kazantzakis (1883-1957) retoma igualmente o herói lendário, insatisfeito com o retorno ao lar, construindo seu protótipo de herói e dando forma, em plena modernidade, à epopéia Odisséia (1938). A partir do canto XXII, verso 477 do poema de Homero, Ulisses toma um novo itinerário abandonando Ítaca definitivamente. Embora se baseie na obra clássica, recuperando personagens e a estrutura épica, Kazantzakis participa de seu tempo, compondo um novo Ulisses representante do mundo moderno, próximo das filosofias de Nietzsche e Bergson, e do budismo. Como figura “entre mundos”, o Ulisses de Kazantzakis recupera as antigas delineações de Homero e incorpora as questões da modernidade: o niilismo, a desesperança, a multiplicidade. A escolha do gênero épico funciona tanto como explicitação da filiação com sua tradição poética, quanto como uma comovente tentativa de resgatar a grandiosidade perdida da cultura clássica, que se encontrava em decadência, e de continuar avançando, como a marcha de Ulisses, em meio à crise do Pós-Guerra. Objetiva-se a análise da epopéia Odisséia de Kazantzakis, procurando compreender o modo como o autor reelabora a figura do herói clássico. Por essa leitura, torna-se possível interpretar o Ulisses kazantzakiano como herói constituído por amplo diálogo com o mundo clássico e a modernidade, assumindo os feitos do herói lendário e rearticulando-os pela participação nas questões da época moderna. A investigação das funções e efeitos de sentido operados pela escolha do gênero épico, além das relações que o autor reivindica com a filosofia, nos permite entender o diálogo estabelecido entre texto e contexto na Odisséia. Das etapas percorridas pelo herói – estética, ética, metafísica e de liberdade absoluta – como tropos e trajetória da obra, depreende-se o sentido de viagem característico da própria modernidade – ruptura, superação de valores, niilismo, fragmentação – bem como do pensamento cultural e político do autor, que atravessa questões importantes da época como o nacionalismo, o comunismo e o niilismo dionisíaco. O estudo de Ulisses, de sua trajetória e da importância do gênero épico na Grécia moderna se realiza com base na leitura de Odisséia, em diálogo com questões de poética na modernidade e da história da filosofia. Para a realização, propõe-se a análise da caracterização e do itinerário do herói, no intuito de compreender como a obra problematiza as questões da modernidade, utilizando para tanto uma bibliografia teórico-crítica sobre o autor, a época moderna, a tradição literária e filosófica (sobretudo Nietzsche e Bergson). Posteriormente, aprofundamos a relação desses problemas com as questões formais trabalhadas pelo poema, em especial os aspectos ligados à escolha do gênero épico como modo de refazer a narrativa do destino do mundo grego e de seus problemas culturais e históricos na modernidade. Diferentemente do herói clássico, que segue em direção ao nóstos e à restauração da unidade perdida, por meio da manutenção de seu nome ao longo das aventuras que o levam à tentação do anonimato, o Ulisses de Kazantzakis toma impulso centrífugo e se reintegra ao ambiente do esquecimento, em direção ao futuro e ao inesperado. A cada nova etapa do itinerário moderno, Odisseu rompe mais e mais com os liames culturais, com as representações que

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tradicionalmente procuram traçar sua identidade, desse modo evadindo do campo da Memória para a assunção do completo anonimato. O épos da Odisséia moderna segue, assim, uma trajetória rumo ao nada e à dissolução. Longe da pátria, da família e de sua raça, Odisseu empreende o caminho da negação de seu nome, contrariando os pressupostos da primeira Odisséia. O novo Odisseu mantém-se em marcha pela liberdade, o que reflete a multiplicidade moderna e a não-adoção de um único conceito, caminho ou idéia. Assim, como edificar um novo mundo (pelo épos) sem bases para a sua fundação? Como cantar as glórias de um herói que almeja o esquecimento e a perda de seu nome? É deste modo que a epopéia moderna de Kazantzakis, apesar de lançar-se como um canto de restauração do mundo épico perdido, guia-se pela relação entre o cantar (fazer poético) e o pensamento (verdade). Visão subjetiva e criativa, o pensamento é o próprio ato de engendrar e de constituir o discurso de verdade, porém perecível e dissolúvel como a vida.

AS RUAS PENSAM, TÊM IDÉIAS, FILOSOFIA E RELIGIÃO

Carolina P. Fedatto (UNICAMP) Apresentação da questão e dos objetivos De João do Rio empresto a intrigante afirmação que nomeia este trabalho onde busco refletir sobre a legitimação e o deslocamento de saberes científico-filosóficos na estrutura urbana (em suas ruas e construções), sobretudo no que diz respeito à linguagem. A história da urbanização está fortemente ligada à construção do conhecimento sobre a língua. A invenção da escrita data do ano 3.000 a.C. (na cidade de Uruk, antiga Suméria) e se deve às injunções político-administrativas que as grandes cidades antigas impunham por conta do adensamento populacional, da complexidade das relações trabalhistas e contábeis e da construção de uma arquitetura monumental (templos e palácios). A retomada massiva da tradição gramatical greco-latina no Renascimento está associada, entre outros fatores, ao processo de urbanização que teve lugar em finais do período medieval. Tanto a escrita quanto os conhecimentos metalingüísticos dela decorrentes, gramática e dicionário, são tecnologias urbanas que constroem a cidade como lugar de civilização e escolarização, lugar de uma língua ideal: urbana e nacional. Importante também ressaltar que a construção de representações metalingüísticas é um processo de objetivação da alteridade, processo considerado por Auroux como fundamental para o desenvolvimento das ciências da linguagem. Assumindo a idéia de que a alteridade é determinante na constituição do saber, gostaria de pensar sobre o papel dos pontos de referência citadinos na consolidação de imaginários científicos ao longo da história do espaço no Brasil. Isto é, como o espaço urbano brasileiro acolhe os saberes sobre a língua(gem), fazendo com que o institucional circule (e signifique) no quotidiano. Dispositivo teórico e corpus de análise A textualização da história na cidade vai configurando as construções urbanas como lugares de saber no imaginário social, vai produzindo uma ambiência talhada pelo trabalho da memória, um lugar encarnado que tanto habita o corpo dos sujeitos e dos sentidos quanto se deixa habitar por eles (cf. Thibaud, 2002). A disputa entre os acontecimentos que ficarão marcados na cidade absorve determinados sentidos e também deixa brechas para a irrupção de imprevistos. M. Pêcheux (1982, p. 49) salienta a importância de abordarmos “as condições nas quais um acontecimento histórico (um elemento histórico descontínuo e exterior) é suscetível de vir a se inscrever na continuidade interna, no espaço potencial de coerência próprio a uma memória”. Podemos assim problematizar isso que é habitualmente dado como evidência e olhar para as construções urbanas como artefatos simbólicos e políticos que, pela sobre-posição de determinados saberes no espaço, intervêm no modo como a cidade projeta posições-sujeito para seus habitantes. Delimitei o corpus a ser analisado nessa pesquisa tendo em vista os lugares institucionais que constituem gestos de interpretação do saber nas cidades: uma instituição escolar/científica (Colégio Culto à Ciência), um regime governamental (Biblioteca Nacional) e uma ordem religiosa (Igreja de São Francisco). Trabalharei com a história das nomeações das ruas e dos prédios, os discursos, atos e documentos de inauguração, as polêmicas e os relatos publicadas em livros e jornais, e a espacialidade em cartões-postais, gravuras e fotografias. Justificativa e relevância Consideramos importante compreender a projeção dos saberes constituídos pelos instrumentos lingüísticos no processo de produção de sentidos da língua falada pelos cidadãos; ao analisarmos a textualização do saber sobre a cidade de forma a restituir aí sua dimensão política, podemos dar visibilidade para o percurso das idéias científicas e filosóficas que ficam marcadas na urbanidade. Ao colocar em questão a sedimentação dos saberes que as construções urbanas corporificam, podemos contribuir para uma reflexão sobre a história das idéias, trazendo acontecimentos específicos que, de algum modo, mostram os movimentos da prática lingüística, urbanística, histórica na cidade. Ou seja, este tipo de estudo permite entender a produção e a circulação do conhecimento fora de um ponto de vista puramente institucionalizado, pensando sobre as condições que os tornam possíveis na relação dos percursos institucionais e quotidianos da linguagem com o espaço em que circulam. Encaminhamentos De maneira mais ampla, esse trabalho pretende compreender como se dá a espacialização de saberes nas cidades e como esse fenômeno interfere nos processos de identificação do sujeito urbano-nacional. Sabemos que em todo processo de dominação está inscrita a possibilidade da resistência (cf. Pêcheux, 1997, p. 304; 1980, p. 16-17). Por isso, buscaremos ao longo da pesquisa mostrar como se dá a relação dominação/resistência na instauração de espaços de referência nacionais. Dar visibilidade a diferentes formas de significar o conhecimento implica discutir o trabalho com o arquivo – memória que não esquece – na relação com o interdiscurso – memória discursiva que se estrutura pelo

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esquecimento (Orlandi, 1996, p. 67). O arquivo é uma leitura da história, uma interpretação possível em meio a outras. Mas, quotidianamente, a memória que não esquece, esquece estar uma formulação em lugar de outras. Uma história das idéias deve compreender esse processo de filiação a determinados sentidos explicitando seu funcionamento consensual.

ESTILIZAÇÃO PARÓDICA E MANEJO DE PERSONAS: O CASO DO PROGRAMA DE RÁDIO “OS MANOS”

Cássia M. A. Nogueira (UNICAMP)

O presente trabalho tem por objetivo analisar o processo de estilização paródica realizado pelo grupo humorístico paulista “Os Dedés”, no programa “Os Manos”. Os dados aqui apresentados são transcrições de um conjunto de esquetes radiofônicos no qual se retrata o cotidiano das personagens Piolho, Preto Jóia e Cabeção, moradores da favela descrita no programa como “A boca do Sinatra”. Com duração de aproximadamente dois minutos, os esquetes vão ao ar diariamente, em dezesseis rádios ligadas ao Grupo Bandeirantes. São cerca de sete diferentes situações, todos os dias, exibidas em meio à programação. Nesses esquetes, é por meio da estilização de interações que as personagens são construídas de modo a serem associadas à imagem dos “manos” paulistas. Por se tratar de esquetes radiofônicos, os humoristas dispõem exclusivamente de aspectos sonoros para a construção das personagens. Desse modo, é na estruturação narrativa (interação entre as personagens, conflitos, efeitos sonoros sugestivos de cenário e tempo) que os humoristas constroem as identidades individuais das personagens, tecem associações entre essas identidades individuais e o grupo social alvo do processo de estilização paródica (os manos), assim como dão vida ao espaço coletivo (a periferia) como o elemento agregador. Nossas análises serão desenvolvidas com base na noção de estilização proposta por Bakhtin (1981, 1990) e ampliada por Coupland (2007). Para Bakhtin, a estilização configura um fenômeno em que o enunciado se constitui por meio da presença de uma única linguagem, “atualizada e enunciada, mas apresentada à luz de outra, a qual permaneceria fora do enunciado e não se atualizaria.” (Bakhtin, 1990, p. 159); ainda de acordo com Bakhtin, o que difere a estilização da estilização paródica é o fato de que nesta haveria um uso não produtivo, mas destruidor, do discurso representado, o que configuraria uma forma de resistência do discurso estilizante ao discurso estilizado. Em suas reflexões sobre a estilização de modo mais amplo, Coupland defende que é necessário considerar a estilização em contextos comunicativos específicos e em níveis semióticos e lingüísticos determinados, nos quais os efeitos da estilização são criados e experienciados muito mais localmente do que na configuração bakhtiniana. Para Coupland, uma observação do fenômeno da estilização sob uma perspectiva que se volte para contextos e efeitos locais é mais reveladora, justamente por compreender que a estilização opera em um modo específico da ação social: a performance, aqui tomada no sentido teatral, ou próximo deste. Coupland defende, ainda, que essas performances precisam ser interpretadas em relação a outros tipos de construtos discursivos do dado analisado (Coupland, 2001, p. 347). Assim, a estilização seria vista como um fenômeno fundamentalmente metafórico porque traria à tona valores semióticos e ideológicos associados a outros grupos, situações ou tempos, de modo a deslocar o falante e os enunciados do contexto de fala imediato (Coupland, 2001, p. 350). Pautadas por tais pressupostos teóricos, nossas análises buscam explicitar como os humoristas do programa “Os manos” manipulam determinados traços fonológicos e determinados recursos textuais e discursivos com o objetivo de caracterizar as principais personagens e situações do programa veiculado em rádios paulistas. A análise do trabalho de estilização da fala atribuída no progama aos “manos” revela que estes são caracterizados de maneira icônica e sempre em oposição a outras personagens “não-manos”. O processo de estilização paródica que se caracteriza, nesses dados, tanto pela iconização de traços lingüísticos historicamente considerados como constituintes das variedades de menor prestígio, como pela manipulação de certos aspectos discursivos, resulta em uma forte estereotipação da identidade social dos “manos”. Isso revela a atribuição de determinados lugares sociais e valores ideológicos tanto para a linguagem dos “manos”, quanto para eles mesmos enquanto personas sociais.

O CINEMA STALKER COMO UMA RELEITURA ESTRUTURAL E FUNCIONAL DA LITERATURA INFANTO-JUVENIL

Charles Albuquerque Ponte (UERN / UNICAMP)

Através dos tempos, a humanidade produziu diferentes formas de narrativas para lidar com seu dia-a-dia. Gêneros surgiram, desapareceram, ou ainda se modificaram como conseqüência das várias mudanças sócio-econômicas que marcam a história do ocidente, a exemplo do que aconteceu com a proliferação da forma romanesca a partir da renascença. Nesse contexto, os gêneros associados ao horror, primeiramente na literatura e mais recentemente no cinema, ocuparam um espaço de termômetro para possíveis medos sociais que fora exercido anteriormente pelos contos de fadas. Assim, esse trabalho visa estabelecer um paralelo entre filmes de horror do subgênero slasher/stalker e os contos de fadas, em termos de estrutura narrativa, construção de personagens e funcionalidade dessas narrativas em seus contextos sociais. Para tal, utilizaremos como corpus dois filmes do subgênero slasher, Halloween (1978), dirigido por John Carpenter, e A hora do pesadelo (1984), dirigido por Wes Craven. Será observada a repetição na

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estrutura narrativa, com um enfoque de direcionamento formalista, permeado por considerações acerca da validade de tal abordagem; além disso, a análise dos dois personagens principais de cada filme, a heroína e o antagonista, partirá das hipóteses de que há uma tentativa de se montar uma oposição hierárquica absoluta, resultando em uma contradição que apontará para rachaduras/dissonâncias na estrutura narrativa; por fim, a função social do filme no contexto de recepção se centrará no diálogo com o contexto de produção e recepção de cada um: os filmes de horror a década de 1980 e o contexto dos anos Reagan, enquanto a comparação com os contos de fadas se dará a partir do contexto do romantismo, quando foram em grande parte coletados e adaptados para o formato que conhecemos hoje. As discussões acerca da estrutura do enredo em filmes de horror slasher serão pautadas nos trabalhos de Dika (1987) e Hutchings (2004) e as aproximações com a literatura infanto-juvenil serão tecidas a partir de Propp (2006); a questão da construção dos personagens no gênero será permeada por conceitos provindos de Dika (1987), Hutchings (2004) e Gelder (2000), enquanto a semelhança dessas personagens com os das histórias infanto-juvenis partirá de Coelho (1998; 2000); por fim, a funcionalidade dos filmes de horror será embasada em Maddrey (2004) e Gelder (2000), e o paralelo da funcionalidade com a literatura infanto-juvenil partirá principalmente de Coelho (1998) e Corso e Corso (2007). A partir da análise das repetições do roteiro dos filmes slasher, percebe-se primeiramente que a estrutura narrativa desses pode ser formulada em um esqueleto totalizante, em se seguindo as diretrizes de análise estrutural de Propp (2006) e Bremond (1976); por outro lado, as mesmas críticas feitas a Propp por Lévi-Strauss (2006) podem ser aplicadas neste corpus. Segundo, as diretrizes de construção dos dois personagens principais são paralelas e montadas a partir da mesma totalização, e igualmente deixam transparecer contradições que eliminam as diferenças e podem inverter os opostos e desdiferenciar os absolutos. Finalmente, as funções localizadas que os contos de fadas assumiam na Europa do século XVIII, e perdidas em suas especificidades pela distância e falta de situação mais específica, traçam um perfil paralelo à dos filmes de horror do corpus em relação a um contexto mais específico: a consumação desenfreada do povo americano nos anos Reagan.

NEO-REALISMO E POESIA: DO IDEOLÓGICO AO ESTÉTICO

Chimena Barros da Gama (UNESP – Araraquara / FAPESP) A pesquisa tem como principal meta reavaliar, de uma perspectiva estética, a obra dos poetas relacionados ao Neo-Realismo português Carlos de Oliveira e João José Cochofel, bem como investigar as condições em que se aliam tendências sociais e procedimentos poéticos bem (ou mal) sucedidos em outro autor do grupo: Mário Dionísio. Abordamos Dionísio, pelo fato de considerá-lo um poeta que, do ponto de vista das especificidades da lírica, se encontra no limite, entre uma espécie de poesia mais panfletária e o estético. Quanto aos outros dois poetas, intentamos mostrar suas singularidades poéticas, afastando-nos de tendências críticas comuns que os “enquadram” de maneira simplista entre os poetas do Neo-Realismo, sem analisar detidamente as especificidades de suas poesias, e, assim, igualam a composição desses dois líricos às daqueles que, passada a fase de combate típica do movimento neo-realista, não continuaram a publicar poesia, porque não eram, de fato, poetas. A tese compor-se-á de um capítulo específico sobre arte, problemas estéticos, dicotomias que envolvem o artístico, etc, visto que autores relacionados ao Neo-Realismo português interessaram-se muito pelo tema, muitas vezes por uma visão parcial, a do conteúdo; ademais, muito se avalia qualquer produção poética relacionada ao grupo, baseando-se em tais premissas “literárias” polêmicas. Baseamo-nos, para compor nossas reflexões teóricas, em Luigi Pareyson, (sobretudo em Problemas da Estética), mas também tentamos organizar um fio condutor, a partir de Platão e Aristóteles, em que a dicotomia “arte pura”/“arte útil” é sempre motivo de especulações. De Pareyson, assumimos a postura de tentar separar o que é “poética” (programa de arte, prática derivada de visão artística determinada, etc), do que é “estética” (validade artística de objetos – escultura, pintura, poema - de qualquer época). Em seguida, formulamos considerações acerca das particularidades artísticas da lírica. Detemo-nos, sobretudo, em textos dos autores José Guilherme Merquior e Adorno. Também refletimos acerca dos níveis do poema, com António Candido; e pensamos a questão da metáfora através da leitura de Paul Ricoeur. No segundo capítulo, fazemos um breve histórico das mais importantes poéticas líricas portuguesas entre o final do século XIX e o Neo-Realismo, constatando a multiplicidade de visões artísticas sobre a poesia; verificamos as idéias mais recorrentes no Neo-Realismo para constatar o quanto os autores estudados estiveram a elas vinculados em sua prática literária. Enfim, após uma breve explanação dos 10 livros do Novo Cancioneiro, coleção em que os poetas publicaram e que os marcou como neo-realistas, fazemos análises detidas de obras de Dionísio, Oliveira e Cochofel. Delimitamos, a princípio, de forma cronológica as obras a serem estudadas: os primeiros livros de Carlos de Oliveira e João José Cochofel, escritos entre 1941 e 1945. Mário Dionísio foi incluído com o estudo de algumas criações de Poemas (1941), livro cujas limitações estéticas, em favor do ideológico, estão presentes. Seu caso torna-se um contraponto para a avaliação dos outros dois líricos neo-realistas, Cochofel e Oliveira. No entanto, constatamos as diversas modificações que este último empreendeu em seus poemas, quando, em meio à pesquisa, descobrimos suas versões originais, publicadas nos anos 40. Alteramos parte de nosso corpus ao verificarmos que Oliveira, o poeta mais artesão do grupo, dado a depurações formais, à exatidão do verso, à beleza imagética como nenhum outro colega, publicou, em 1942, um Turismo muito diferente da versão que tínhamos em mãos, cuja elaboração artística foi inferior e infeliz, se comparada às composições reescritas. Assim, mudando o método de trabalho com relação ao autor, compusemos um corpus em que duas versões de sua obra primeira, bem como Mãe Pobre, livro de 1945, aparecem. Em suma, o corpus da pesquisa compõe-se especificamente de: Poemas (1941), de Mário Dionísio; algumas

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composições de Poesia II, de José Gomes Ferreira; Turismo (1942) e Turismo (incluído nas Obras Completas de 1992), de Carlos de Oliveira; e Sol de Agosto (1941), de João José Cochofel, embora não deixemos de apontar para elaborações anteriores e posteriores deste último autor. Alguns postulados teóricos já estão prontos, bem como muitas análises (embora não definitivas), e preparamo-nos para, no início de 2009, entregarmos o Relatório de Qualificação. Para enriquecimento da pesquisa, voltamos recentemente de uma pesquisa de campo em Portugal, onde fizemos grande recolha de material e pudemos constatar, entre outras coisas, a importância de João José Cochofel como poeta e homem da cultura portuguesa entre as décadas de 1940 e 1980, importância esta pouco mencionada por críticos e estudiosos da poesia lusitana do século XX.

PORTUNHOL X SPANINGLÊS: UM ESTUDO DOS DOMÍNIOS SEMÂ NTICOS DE DETERMINAÇÃO NO ESPAÇO ENUNCIATIVO DA INTERNET

Claudia Freitas Reis (IUNICAMP)

Este trabalho tem como objetivo realizar uma análise dos sentidos de portuñol/portunhol e spanglish/ espaninglês no espaço enunciativo da Internet, estudando de que forma estes sentidos funcionam nos processos de (des) legitimação destas práticas lingüísticas. Pretendemos, com este estudo, responder aos seguintes questionamentos: o que determina, no espaço enunciativo da Internet, estas práticas enquanto práticas (des) legitimadas? Quais são os sentidos e relações que circulam neste espaço, funcionando na determinação de portunhol e espaninglês? Utilizando-nos dos aparatos teóricos e metodológicos da Semântica do Acontecimento, de caráter histórico e materialista, em diálogo com a Análise do Discurso francesa, realizaremos um estudo sobre os domínios semânticos de determinação,(Guimarães, 2007) destas palavras, considerando o funcionamento da Internet a partir do conceito de espaço de enunciação. O DSD consiste na configuração de uma rede que se forma a partir das relações estabelecidas entre as palavras em um texto, no acontecimento enunciativo. É nesta relação que habita o sentido da palavra estudada. Desta forma, a significação de uma palavra é constituída pelas relações que, no acontecimento, determinam esta palavra.Interessa-nos estudar como se dá a determinação de portuñol/portunhol e spanglish/ espaninglês no ciberespaço; como estas palavras se reescrevem, e desta forma, como elas se (re)significam nos diferentes recortes. De acordo com Guimarães (2002), é no espaço de enunciação que os falantes e as línguas se relacionam através de uma distribuição desigual. É este o espaço do litígio As disputas por um lugar e a distribuição das línguas se dão, portanto, neste espaço litigioso e contraditório (o espaço de enunciação). Para nosso trabalho, interessa-nos estudar os sentidos a partir do acontecimento, ou seja, estudar a enunciação enquanto um acontecimento. O acontecimento enunciativo não é algo produzido pelo locutor, mas algo constitutivo deste locutor. Ele configura-se com uma temporalidade própria que corresponde a uma diferença na sua. Sendo a Internet tratada como um espaço de enunciação, a relação entre as línguas neste espaço é, para nós, perpassada pelo político. A importância deste trabalho está no fato de a Internet funcionar, hoje, como um lugar de constituição de sentidos. Não podemos desconsiderar que hoje o ciberespaço é um continum do espaço real e que as ferramentas de busca configuram um lugar fundamental de determinação e circulação de sentidos. A cada dia a internet, com seus sites de busca, vem substituindo as bibliotecas, funcionando como uma grande enciclopédia, na qual o legítimo e o não legítimo coexistem e muitas vezes se confundem. A questão da relação entre línguas na fronteira, bem como a Internet enquanto um espaço de enunciação são questões que dizem respeito às políticas lingüísticas e desta forma, nossas análises contribuirão para os estudos lingüísticos contemporâneos sobre este tema. O corpus deste trabalho será coletado a partir de uma investigação realizada em sites de busca a partir de palavras como portuñol/portunhol e spanglish/ espaninglês. A partir desta busca, selecionaremos textos e recortes para análise. Em seguida, constituiremos os DSDs das palavras para posteriormente confrontá-las a fim de analisar o funcionamento da determinação na Internet. É importante considerar a forma como entendemos o texto, sendo este “uma unidade de significação integrada por enunciados” (Guimarães, 2007). Desta forma não há sentido para o enunciado a não ser em sua relação com um texto. Ele não existe independente do texto, já que seu sentido está na forma pelo qual funciona esta relação integrativa.

INGLÊS NO EFI PÚBLICO: UMA PROPOSTA DE PARAMETRIZAÇ ÃO

Cláudia Hilsdorf Rocha (UNICAMP) Apesar da natureza facultativa do ensino de línguas estrangeiras (doravante LE) nas séries iniciais do Ensino Fundamental (EF), presenciamos sua consolidação no setor privado e sua crescente, porém ainda irregular, expansão no setor público, principalmente no que concerne ao inglês, hoje língua internacional (McKay, 2002), o que impõe à área preocupantes restrições, aqui entendidas como privações sofridas (Rojo, 2006). Seu caráter optativo, até o momento, implica a ausência de bases mínimas comuns de referência, política e teoricamente sustentadas, enfraquece

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o processo e intensifica desigualdades, permitindo-nos caracterizar sua concretização em nível nacional como excludente. A situação agrava-se diante da inexistência de um Programa Nacional de Livro Didático (PNLD) específico para esse contexto, uma vez que essa iniciativa reconhecidamente contribui para a constituição e distribuição de letramentos na escola (Rojo, no prelo). Esse cenário é agravado pela precária formação do professor de letras (Gimenez, 2005) frente a capacidades e conhecimentos específicos e necessários para uma atuação crítica e teoricamente informada nesse âmbito (Smith, 1997; Magalhães, 2004). Evidencia-se, assim, a necessidade de encaminhamentos que, em diferentes níveis, possibilitem o ensino de línguas ocorrer de forma efetiva transformadora na sociedade contemporânea, densamente semiotizada e controversamente globalizada (Moita Lopes, 2006; Kumaravadivelu, 2006). Para tanto, defendemos que o inglês seja tomado como “o inglês do mundo” (Rajagopalan, 2003, 2005), visão esta que o desvincula do falante nativo como modelo ideal e o distancia da noção da língua como algo acabado e único, como também de perspectivas monoculturais. Assim sendo, o aporte teórico deste estudo segue em direção a um ensino que aborde, sob perspectivas éticas e protagonistas (Moita Lopes, Rojo, 2004), o papel do inglês no mundo (Rajagopalan, 2005) e a relação entre o global e o local (Kumaravadivelu, 2006) na aprendizagem da língua inglesa (LI) no EFI público, buscando viabilizar a construção de (multi e/ou trans)letramentos, como também a (re)construção de identidades pela educação de línguas, garantindo-lhe um caráter dialógico, plurilíngüe e, portanto, transformador. Nesse contexto, embasada na teoria de gêneros (Bakhtin, 2003 [1979]; Bazerman, 2004) e na política da adversidade (Moita Lopes, 2005), aliadas a uma visão crítica (Pennycook, 1998) e discursiva (Bakhtin, 2004 [1929]) da linguagem, tomo como foco em minha pesquisa de doutorado, ainda em andamento, o ensino-aprendizagem de inglês nas séries iniciais da escola regular pública, com vistas à elaboração de pressupostos teórico-práticos que possam oferecer sustentação no processo educativo citado, sob um enfoque crítico. Para tanto, por meio de um estudo que se revela prioritariamente documental (André, Lüdke, 1986; Matos, Vieira, 2002) e de natureza qualitativa (Lincoln, Guba, 2000; Moita Lopes, 1996), proponho-me, primeiramente, com base nos referenciais teóricos apresentados, entre outros, a analisar os documentos oficiais que parametrizam o ensino de LI nos contextos do EF II e Médio, em busca de possíveis encaminhamentos que possam ser recontextualizados (Marandino, 2004) ao âmbito do EFI. Em seguida, embasando-me no aporte teórico já citado e em estudos bibliográficos, que levam também em consideração os resultados de minha pesquisa de mestrado (Rocha, 2006), trabalho no sentido de a) apresentar parâmetros teóricos e práticos para o ensino de inglês no contexto focalizado, que, principalmente orientados pela teoria dos gêneros do discurso e organizados com base em sistemas de gêneros e atividades (Bazerman, 2004; Shimoura, 2005), visem a garantir o papel formador e transformador do processo e b) analisar, com base na proposta de parametrização apresentada, o Planejamento que norteia um curso de LI implantado no EFI da Rede Municipal de um cidade do interior paulista. A fim de concretizar os objetivos que propulsionam esta pesquisa, busco também apoio em fundamentos voltados à construção do currículo de LE com base nos múltiplos letramentos (Swaffar, Arens, 2005) e na noção de multiculturalismo crítico (Kubota, 2004), bem como em perspectivas bakhtinianas especificamente relacionadas ao ensino de LI (Hall et al., 2005). Com isso, pretendo possibilitar que as propostas teórico-práticas resultantes do estudo, orientem-se para a construção de letramentos críticos (Evans, 2005) no processo, permitindo a agentividade, a suberversão de valores, vozes e papéis sociais autoritariamente impostos, como também o fortalecimento e a (re)construção de identidades e culturas locais (Lin, Luk, 2005; Vitanova, 2005; Kostogriz, 2005). O objetivo da Comunicação proposta recai na apresentação dos pontos centrais que orientam a pesquisa em questão, atrelada à discussão da análise parcial dos dados e das incursões teórico-práticas em elaboração.

A ANÁLISE DO DISCURSO E SUA HISTÓRIA – A ENTRADA DE BAKHTIN

Claudiana Nair Pothin Narzetti (UNESP – Araraquara / FAPEAM) Nossa pesquisa reflete sobre o processo de apropriação de alguns conceitos da teoria formulada por Mikhail Bakhtin e seu Círculo pela teoria do discurso articulada por Michel Pêcheux e seus colaboradores. Essa apropriação, ocorrida somente nos anos 80, quando se delineava a terceira época da disciplina, configura-se como uma questão a ser desenvolvida na medida em que a teoria bakhtiniana tinha sido fortemente rejeitada na fase anterior, apesar da proximidade teórica das duas abordagens. Em outras palavras, faz-se necessário investigar o processo em que conceitos bakhtinianos, apesar daquela primeira rejeição, tornaram-se largamente utilizados nos trabalhos de análise do discurso, tanto na França quanto no Brasil. Sendo assim, nossos objetivos são os que seguem. O primeiro deles é discorrer sobre o momento da primeira recepção de Bakhtin nessa disciplina, o da recusa (anos 70), e apontar como suas possíveis causas certas divergências teóricas entre Pêcheux e o Círculo de Bakhtin em relação ao materialismo histórico, à lingüística e à psicanálise. O segundo objetivo é analisar o modo como conceitos bakhtinianos (como os de dialogismo e alteridade) são utilizados por Authier-Revuz em seus trabalhos, argumentando que tais conceitos são reinterpretados a partir de uma abordagem discursiva e psicanalítica, o que resulta na produção do conceito de heterogeneidade constitutiva do discurso. Essa passagem pelo trabalho de Authier-Revuz justifica-se pelo fato de ser ela a “ponte” entre uma teoria e outra. O terceiro objetivo, por sua vez, é refletir sobre o modo como aqueles conceitos reinterpretados são apropriados pela AD francesa e sobre as conseqüências disso para a teoria do discurso, uma vez que, segundo o que nos ensina Canguilhem, a entrada de novos conceitos em uma teoria resulta sempre em uma nova configuração conceitual (objetivo que, formulado sob a forma de uma questão, traduzir-se-ia nos seguintes termos:

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como o conceito de heterogeneidade constitutiva se inter-relaciona com os conceitos de formação discursiva, interdiscurso e memória, dentre outros?). Nossa hipótese é que a aceitação/apropriação de conceitos do Círculo de Bakhtin na AD pecheutiana só é possível devido a esse trabalho de releitura realizado por Authier-Revuz, releitura que torna tais conceitos compatíveis com a base materialista e psicanalítica da AD. Para responder a essas questões e testar nossas hipóteses, investigaremos os trabalhos em AD produzidos no período que vai desde meados da década de 70 ao início dos anos 80, incluídos aí os de Pêcheux (1975, 1977, 1978, 1981); Gadet e Pêcheux (1977, 1983); Authier-Revuz (1981, 1982); Courtine (1981); dentre outros. Nossa investigação, portanto, terá como ponto de partida os problemas teóricos surgidos já na segunda época da disciplina, fase cujo conhecimento é imprescindível em nossa pesquisa. A perspectiva que embasará nossas análises é aquela da genealogia tal como descrita por Foucault (1971), por ela fornecer algumas distinções importantes para nosso trabalho como a de causa da origem e uso e pela sua concepção particular a respeito da emergência (de um objeto, de um valor, de uma teoria). Acreditamos que nossa reflexão possa contribuir para uma compreensão cada vez mais global da história da AD, condição sem a qual ela deixa de ser um campo crítico para se tornar um dogma.

O PROFESSOR E SUA OBRA: UMA NOVA RELAÇÃO COM O SABER

Claudiomiro Vieira da Silva (UNICAMP / CAPES) As pesquisas que procuram abarcar as questões da formação de professores podem ser descritas, segundo Andrade (2004), como: a) “os estudos que se dão por objetivo a própria recepção, por parte dos professores, dos conhecimentos teóricos oferecidos” (p. 82) pela academia e pelas instâncias oficiais. Nesta concepção, as pesquisas se mostram com uma postura de verificação, pois procuram “medir” a capacidade dos professores em recepcionar tais conhecimentos ofertados. Após avaliar o material (sobre sua formação, suas leituras e escrita) recolhido junto aos professores, essas pesquisas se mostram propositivas, apresentando “soluções” para as questões problemáticas, sobre a formação docente, encontradas; b) aquelas que se preocupam em “considerar o professor como ‘prático reflexivo’, almejando que ele seja um ‘professor-pesquisador’” (p. 83). Esta concepção vê a prática do professor como um saber legítimo. Ao “dar voz” ao professor, essa concepção busca superar as críticas ao docente e incentivá-o a produzir discursos sobre a sua prática, demonstrando os saberes teóricos que sustentam os seus saberes em ação. Nesta mesma linha de pensamento, os trabalhos de Tardifi (1991) e Tardif (2000) apontam para temáticas que valorizam a multiplicidade dos saberes docentes. Segundo Tardif (2000, p. 16), os saberes de um professor podem ser considerados como “uma realidade social materializada através de uma formação, de programas, de práticas coletivas, de disciplinas escolares, de uma pedagogia institucionalizada e, ao mesmo tempo, saberes deles”. Nesse sentido, o saber docente é oriundo de diversas fontes que se constrói também ao longo de sua carreira profissional. Ainda, nesse sentido, na Lingüística Aplicada (LA), as pesquisas que enfocam a formação do professor se preocupam em analisar e apresentar novas idéias para o trabalho com a linguagem. Pesquisadores como Kleiman (2001), Rojo (2001), Moita Lopes (1996), Celani (2002), Signorini (2006) buscam valorizar o saber e a compreensão da práxis docente, construindo mecanismos para (in)formar o professor e dotá-lo de condições crítica e teórica para que transforme suas ações docentes, bem como, possam contribuir para a transformação do seu entorno social (Rojo, 2006). Essas concepções corroboram com a construção da identidade profissional do professor, opondo-se a compreensão de que o professor é um mero executor de tarefas pré-estabelecidas (cf. Kleiman (2001), Magalhães (2001)). Partindo desses pressupostos, este trabalho tem por objetivo apresentar nosso projeto de pesquisa de doutoramento que está sendo desenvolvida, desde março de 2008, no programa de pós-graduação em LA da UNICAMP, sob a orientação da Professora Doutora Roxane Rojo. Nessa pesquisa pretendemos analisar materiais didáticos de Língua Portuguesa (LP) produzidos por professores da rede pública estadual do Paraná, investigando dois domínios. Primeiro: se a idéia de tornar o professor produtor do próprio material didático é uma forma de superar a visão tradicional que compreende o professor como um sujeito interditado em suas funções. Segundo: se o material produzido apresenta reflexões sobre o ensino de língua/linguagem respaldados na concepção sócio-histórica e interacionista de linguagem (Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa para a Educação Básica (2007) da SEED/PR). Portanto, pretendemos responder a seguinte pergunta: Qual a contribuição desse tipo de curso e atividade (produção de material didático) para a formação do professor de LP e de seu aluno?” Para isso, seguiremos abordagens metodológicas que são próprias do paradigma qualitativo e interpretativo, já apontado por pesquisadores como Moita Lopes (1996), Cavalcanti e Moita Lopes (1991), Kleimam (2001), Celani (2002), entre outros. O corpus de análise será composto por dois conjuntos de textos: 1º - um conjunto de unidades didáticas produzidas pelos professores; 2º - um conjunto de textos escritos e orais resultantes de depoimento (escrito) e de entrevistas realizadas com professores que participaram do curso no biênio 2007/2008. Esta análise do corpus, separadamente e comparativamente, pretende destacar a experiência dos participantes na construção dos materiais, sua valorização como autores/produtores dos saberes a serem transpostos em sala de aula e o fortalecimento da compreensão das concepções teórico-metodológicas de ensino-aprendizagem de LP. O princípio teórico norteador das análises giram em torno de: i) professor-autor: Para isso, utilizaremos as discussões de Batista (1998), Britto (1998) e Vieira (1988) sobre o professor interditado em suas funções de leitor, de escritor, de formador, sendo apenas reprodutor de saberes apresentados no LD. Ao analisarmos a produção do professor, procuraremos demonstrar se, nas unidades didáticas, encontramos traços que valorizem o trabalho do professor como autor dos saberes a serem transpostos à sala de aula. Nessa discussão, tentaremos definir a noção de autoria (professor-

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autor) a partir da teoria de Bakhtin (1992 [1920/1924], 1988 [1924]); ii) trabalho do professor: trabalho prescrito e trabalho real. Nos embasaremos nas discussões de Yves Clot (1999, 2000, 2001) e Daniel Faïta (1997, 2000, 2002, 2004) e Clot & Faïta (2000); iii) apreciação valorativa. Vamos nos valer da teoria de apreciação de valor de Bakhtin/Volochinov (1995 [1929]), analisando, por meio de inferências, o que motivou as escolhas dos objetos/temas transpostos no material didático.

OS USOS DO LIVRO DIDÁTICO DE PORTUGUÊS E O PROCESSO DE REAPRESENTAÇÃO DOS OBJETOS DE ENSINO

Clecio dos Santos Bunzen Júnior (UNICAMP)

Os processos de produção, escolha e reapresentação dos objetos de ensino nos livros didáticos de português (doravante LDPs) têm sido um dos nossos interesses de pesquisa na área de ensino e aprendizagem em língua materna no campo da Lingüística Aplicada (cf. Bunzen, 2004; 2005; 2007; 2008; Bunzen e Rojo, 2005). Mais recentemente, temos investido em uma pesquisa de doutorado sobre o cotidiano da/na sala de aula de língua materna com destaque para os possíveis usos de livros didáticos de português e o processo de reapresentação dos objetos de ensino por professores e alunos das séries iniciais do ensino fundamental II (5ª e 6ª séries). Desta forma, enfocamos, em nossa tese, tanto a análise do texto didático e suas características textuais-discursivas como a sua utilização em práticas de letramento escolar (especificamente, nas aulas de português). A motivação para estudar tal temática deve-se, principalmente, tanto à indicação de vários pesquisadores de livros didáticos que comentam sobre a escassez e importância de trabalhos nessa direção (cf. Choppin, 2004; Munakata, 2001; Batista e Rojo, 2005) quanto à imagem construída, em vários textos acadêmicos, nos próprios livros didáticos e nas políticas públicas, de que o professor de português teria o livro didático como o principal referencial norteador das ações didáticas. Essa imagem do professor, fortemente vinculada ao LDP, surge fortemente no cenário brasileiro do início dos anos 80, nos trabalhos progressistas e contrários à pedagogia tecnicista, vinculada ao acordo MEC-USAID (1966), que se tornou instrumento para a operacionalização do ideário da ditadura militar. O livro didático é associado a uma mercadoria que se encontra a serviço da expansão industrial e do desenvolvimento do capitalismo, propagador de ideologias maléficas ao sistema educativo (cf. Faria, 1984), tornado-se assim um alvo do debate teórico sobre problemas curriculares. O professor é compreendido como um tecnólogo “que não sabe o que fazer em sala de aula” (Silva, 2000, p. 39) e por isso se utiliza de “modismos metodológicos, como os livros didáticos e manuais pré-progamados” (op. cit., p. 39). A idéia central que aparece em vários textos é a de que a organização e seleção das atividades e o uso dos textos (proposição de questões e exercícios) deixa de ser do professor e passa, a partir da redemocratização do ensino, para o autor do livro didático. O discurso de sala de aula seria então “controlado” por um “sujeito” particular – o LDP - que teria um forte poder de intervenção na dinâmica discursiva de sala de aula. Neste sentido, o professor que faz uso dos LDP passou a ser, por um lado, compreendido como um profissional sem competências para organizar ou dar conta dos processos de ensino e aprendizagem a ele atribuídos. Em nossa pesquisa, temos procurado problematizar, tanto as perspectivas que ora tratam o professor como não-autor de suas aulas como também aquelas que defendem o fato de o professor ser um intermediário entre a proposta didática autoral do LDP e os alunos. Parece-nos necessário ir além da identidade, construída pela própria academia, do professor de língua materna como um executante que realiza o trabalho docente concebido e preparado pelo expert – no nosso caso, a equipe de produção do LDP (autores, editores, ilustradores, diagramadores, etc.). Neste sentido, tem sido essencial pensar a construção do conhecimento em processos coletivos de enunciação, considerando as interações entre os sujeitos e os textos na esfera escolar (cf. Kleiman, 2001; Mortimer e Smolka, 2001; Rojo, 2001). No geral, a tese tem como foco a dinâmica discursiva em aulas de português com o objetivo de compreender os possíveis usos do livro didático no currículo do/no cotidiano. Algumas questões que têm nos norteado são: a) como se dá o processo de autoria, no sentido bakhtiniano, no discurso de sala de aula? b) como se dá a interação para construção do conhecimento em sala de aula de português entre professores, alunos e os textos didáticos? c) como os professores reapresentam/ re-constroem os objetos de ensino e o projeto didático autoral prescrito nos LDP? Nesta apresentação, analisaremos um episódio que mostra o processo de reapresentação dos objetos de ensino em uma avaliação da produção textual e em cenas de uma aula de português de 6ª série. A produção de texto e os objetos de ensino re-construídos na interação em sala de aula dialogam com uma unidade didática, intitulada “História em quadrinhos e super-heróis”, cujo objetivo principal é ensinar os alunos de 6ª série a produzirem roteiros de histórias em quadrinhos. Nossos resultados iniciais mostram que o livro didático é utilizado, neste contexto específico, como uma proposta pedagógica a ser interpretada/re-alinhada pela professora e seus alunos. No caso em análise, por exemplo, eles mantêm alguns elementos da unidade didática em uso (elementos da narrativa, características das histórias em quadrinhos), mas, em vários momentos, transformam e subvertem as ações do projeto didático autoral do livro didático adotado, construindo outros objetos de ensino.

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RÉQUIEM PARA O NAVEGADOR SOLITÁRIO: ROMANCE TIMOREN SE DE LUÍS CARDOSO

Damares Barbosa (USP) Neste trabalho, em primeiro lugar, apresentamos a obra autor timorense Luís Cardoso que, em seu quarto romance, Réquiem para o navegador solitário, publicado em 2007, relata a estória de Catarina que, ao buscar seu príncipe encantado, passa por uma série de dificuldades e, a partir de sua experiência pessoal, encontra uma nova maneira de viver, guiando seu próprio destino. O romance tem como pano de fundo a Segunda Guerra Mundial, relatando a situação vivida pelo povo timorense durante o conflito bélico configurando, assim, a travessia vivida pela personagem principal. O objetivo é analisar este livro de Luís Cardoso, narrado em primeira pessoa pela personagem feminina Catarina que, em seu relato, apresenta os dos vários povos que viviam em Timor Leste nessa época. Para tanto, a metodologia aplicada para tal análise parte do estudo de temas vários, tais como: a colonização portuguesa, as várias invasões que ocorreram na região, principalmente durante as guerras e, também, os temas apresentados nos outros livros do autor (Crónica de uma travessia – a época do Ai-Dik-Funam (1997), Olhos de coruja, olhos de gato bravo (2001) e A última morte do Coronel Santiago (2003)). Tal estudo apresenta relevância para a área de Literaturas de Língua Portuguesa e, também, para os estudos sociais e históricos. Destacamos, também, a figura feminina no romance de Luís Cardoso. As mulheres no romance de Luís Cardoso têm, como marca predominante, a coragem para cumprir o papel que lhes está afeto: ser guerreira. As heroínas têm em comum, embora busquem o amor de um homem para si, a vocação para o cumprimento do dever, dever para com seu país e para com seu povo. Retratadas com meiguice desde o início, em todos os romances, deixam transparecer, no entanto, a verve audaz e o sangue guerreiro que possuem. Catarina, que possui os mesmos encantos de uma gata de jade, acaba se tornando a nona do capitão do porto, mas a senhora absoluta de seus desejos e de sua vida, após perder a inocência. No Réquiem para o navegador solitário, a protagonista Catarina, sai de sua terra natal e vai a Díli, em busca de seu príncipe encantado, na verdade seu noivo, mas por um infortúnio acaba por se transformar na nona do capitão do Porto. Este vai embora, e a deixa grávida de seu filho Diogo, que mais tarde desaparece durante a guerra. No entanto, ao chegar a Díli, com o livro de Alain Gerbault em suas mãos, Catarina mal sabe que o encontro com seu príncipe estaria reservado para o final da estória, segundo Luís Cardoso. Enquanto tal encontro não acontece, a heroína se envolve com toda a trama política, e chega a ser confundida com uma espiã, na Segunda Guerra Mundial. Quando finalmente encontra Alain Gerbault, este já está muito doente e debilitado. Fisicamente, Catarina é descrita com uma mulher bonita, com os pés delicados e bonitos. Mesmo querendo ter outras qualidades admiradas, são os pés que fazem a diferença. A força, contudo, faz com que Catarina fique ao lado de Alain Gerbault até a morte e depois entregue a si mesma, também à morte, pois que seu filho já não pode ser salvo, o amor que conheceu um dia, já não está mais com ela e, portanto, não encontra mais razões para viver. Embora não atuem diretamente nas lutas ou nas guerras, nem da vida política de seu povo, não vivem alheias ao que acontece, pelo contrário as personagens femininas de Luís Cardoso atuam de forma indireta, mas decisiva para a finalização do enredo, em cada romance.

OS DRAMAS MUSICAIS DE COELHO NETTO (1897-1898)

Danielle Crepaldi Carvalho (UNICAMP/FAPESP) Em agosto de 1897, o literato Henrique Maximiniano Coelho Netto (1864-1934) se preparava para levar à cena a primeira peça de teatro exclusivamente de sua lavra, Pelo Amor!, que classifica como “poema dramático”, produção com a qual objetivava combater a crise que julgava estar ocorrendo no teatro. Naquele momento, sua crítica era dirigida tanto às peças teatrais representadas nos teatros comerciais do Rio de Janeiro, quanto aos artistas que as representavam. O repertório das companhias que se apresentavam no solo da capital era composto pelos melodramas lacrimosos e especialmente pelas peças ligeiras, as quais recebiam a contribuição dos gêneros musicais populares – a exemplo do lundu e do maxixe – e colocavam em cena situações usualmente engraçadas e algumas vezes fantasiosas, através de diálogos construídos, muitas vezes, sobre duplos sentidos. Além da ausência de qualidades artísticas, Netto considerava as peças ligeiras licenciosas, já que invariavelmente buscavam conotação sexual, através dos ditos ambíguos e danças sensuais. Sendo assim, o literato propunha-se a conduzir uma regeneração nos palcos, apoiando-se, para isso, na tradição literária ocidental, de onde tirou o mote para a escritura de seu drama. E por acreditar que o elenco profissional não tinha condições intelectuais para levar à cena peças literárias, faz sua peça ser encenada por um elenco amador composto pela elite carioca. Em Pelo Amor!, Netto recua no tempo para apreender a desolação de uma condessa escocesa da baixa Idade Média frente à perda do esposo – que caíra de um precipício – e o amor que a liga a ele, responsável por fazê-la pressentir a desgraça que ocorrera ao mesmo, sentimento que acabará por causar um desfecho funesto na vida de ambos. A atmosfera lúgubre que perdura nos dois atos do drama, o qual é repleto de referências sobre as grandes histórias de amores malogrados da literatura ocidental, é glosada pela música de Leopoldo Miguez, o qual cria temas musicais para as personagens principais, e se propõe a esboçar uma interação entre elas no plano musical, através das constantes retomadas e entremeares dos temas. A influência do compositor alemão Richard Wagner é visível tanto no autor do drama quanto em seu músico. No que toca a Netto, porque o compositor havia escrito uma versão da lenda de Tristão e

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Isolda, e com relação à Miguez, porque Pelo Amor! tem temas musicais que remetem a cada personagem, e são retomados ao longo do drama, influência do leitmotiv wagneriano. A influência do músico alemão fazia parte de um esforço conjunto de trazer as suas idéias ao Brasil e abalar a hegemonia da música clássica italiana, esforço encabeçado, no plano musical, por Leopoldo Miguez, e que tem como centro irradiador o Instituto Nacional de Música – instituição de ensino oficial da capital da República, da qual ele era diretor e professor. Muito além de uma simples opção estética, a música de Wagner representava a modernidade, em contrapartida à ópera italiana, símbolo do Regime Monárquico e, conseqüentemente, de um passado que se queria apagar. A idéia não conquistou apenas adeptos. Pelo contrário, se Coelho Netto e Leopoldo Miguez ouviram entusiásticos elogios de nomes como Araripe Júnior, outros tantos criticaram ora o texto da peça, ora a relação entre ele e a música, entre os quais, Oscar Guanabarino e Arthur Azevedo – críticas esboçadas nas páginas das folhas que circulavam diariamente na capital. A questão é tornada mais complexa devido à fundação, um pouco antes, da Academia Brasileira de Letras. O fato de as cadeiras da Academia terem sido batizadas “com os nomes preclaros e saudosos da ficção”, segundo as palavras do presidente Machado de Assis, explicita a proposta da agremiação de se tornar depositária da tradição. O que, no entanto, não significava deixar de lado o “moderno”, como Machado explica noutro momento. Nesse sentido, o poema dramático de Netto, ao travar um diálogo tanto com a história literária ocidental quanto com a moderna música de Wagner, é a resposta do literato frente à proposta da Academia. No ano seguinte, o consórcio entre Netto, artistas amadores e músicos wagnerianos dá ensejo à representação de mais dois dramas musicais do literato: “Artemis” (música de Alberto Nepomuceno) e “Hóstia” (música de Delgado de Carvalho). No palco, novamente é posta em cena a relação entre a tradição e a modernidade, representadas de um lado pela apreensão e releitura das personagens da literatura ocidental, e de outro, pela reverência ao que de mais moderno se conhecia na época em matéria de música. Meu trabalho se propõe a analisar a produção teatral de Coelho Netto desse período, com o objetivo de esboçar o ideal artístico dessa figura que foi tão relevante na virada do século XIX para o XX. Para isso, me proponho a analisar as peças à luz da produção teatral e crítica da época e do que os literatos do Rio de Janeiro publicaram referente à movimentação cultural da capital.

RAUL POMPÉIA E O JORNALISMO POLÍTICO E LITERÁRIO NO SÉC. XIX

Danilo de Oliveira Nascimento (UNICAMP / UFMT) A vida intelectual e artística de Raul Pompéia (1863-1895) sempre esteve ligada à imprensa: inicia-se nas letras brasileiras com quinze anos de idade ao lançar a novela Uma Tragédia no Amazonas, na Gazeta de Notícias, e encerra sua produção literária e intelectual com 32 anos de idade, data do suicídio e da publicação da maioria das suas crônicas e artigos políticos. A imprensa revelou suas paixões – arte e política -, sua vocação para o jornalismo literário e político e para a literatura, além de consolidá-las. Raul Pompéia exerceu a função de cronista nos principais jornais de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais durante os anos de 1886 a 1892. Em suas crônicas ainda conseguimos perceber traços daquele adolescente combativo e “perigoso”, no entanto, o envolvimento com alguns jornais mais conservadores como o Jornal do Comércio revela um Pompéia mais comedido, mas não menos irônico e sarcástico. Se na adolescência seu envolvimento com ideais liberais o fez combater a Monarquia e os escravocratas, na sua juventude amadurecida, ele direcionou seu espírito combativo a outro alvo: a imprensa como empresa e as notícias como mercadoria. Sua efetivação como cronista proporcionou-lhe a observação mais direta do mundo jornalístico, seus atores e seus eventos. Não são poucas as crônicas em que percebemos um Pompéia desiludido com a imprensa, com o modo de “fazer” jornal, incomodado com suas estratégias de circulação e de venda e ressentido com seus objetivos, em algumas delas, ele critica diretamente tal estado de coisas, em outras, ele substitui o ressentimento pelo desdém e deboche. A época do jornalismo praticado por Raul Pompéia é considerada por especialistas como Marcelo Bulhões (2007) como um período importante para o desenvolvimento da imprensa jornalística e a sua feição industrial conhecida em nosso tempo, assim, seu reconhecimento “como atividade lucrativa e aparelho industrial de produção de notícias diárias dá-se apenas no final do século XIX e início do século XX”. A tradução de romances folhetins franceses, a publicação de romances folhetins brasileiros à moda dos franceses e a redação de crônicas podem ser considerados como moedas para os jornalistas nesse mercado de informações, de especulações, de publicidade e “laboratório” para os ficcionistas que necessitavam desse “mercado” para sobreviver. A postura doutrinária e combativa do escritor e jornalista não fora, portanto, apenas expressão de seu temperamento, mas reflexo desse modelo de imprensa que vigorava e adequação a ele, em cuja prática considerava bem vinda à literatura e à doutrinação política. Em suas crônicas, Raul Pompéia revelou-se sujeito que almejava o estatuto de escritor literário quanto militante político, sua ficção é, em certo período de exercício do “jornalismo político” simultâneo a ele e parte dele. As crônicas, portanto, não são apenas “laboratório” do ficcionista é matéria da sua ficção. Matéria coletada das reportagens na Rua do Ouvidor e denominada pelo cronista como Cenas do Pitoresco, as quais revelam os mais diferentes temas e assuntos explorados por Raul Pompéia: república, abolição, carestia, imigração chinesa, crimes contra a juventude, delinqüência juvenil, suicídio, publicação de romances, de livros de contos e poesia, exposição de artes. Tudo matéria de noticiário, matéria sob resguardo político e substância da ficção realista e naturalista.

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A CIRCULAÇÃO DE ROMANCES NA BIBLIOTHECA NACIONAL E

PÚBLICA DO RIO DE JANEIRO (1833-1856)

Débora Cristina Bondance Rocha (UNICAMP / FAPESP) Assim que a família real portuguesa veio para o Brasil, começou a organizar a transferência da Real Bibliotheca do Paço da Ajuda de Lisboa para esta colônia. Em 1809, chegaram os primeiros caixotes de livros, que passaram a ocupar provisoriamente o piso superior do hospital da Ordem Terceira do Carmo no Rio de Janeiro. O acervo foi reunido em novembro de 1811, quando o prédio foi totalmente desocupado pelo hospital e passou a ser reestruturado para atender às necessidades da Biblioteca. Ao longo da organização da casa, o acesso às obras era restrito àqueles que tivessem autorização real. A instituição foi aberta ao público em 1814. Com a independência do Brasil e o acordo firmado com Portugal para que a Biblioteca fosse reconhecida como patrimônio brasileiro, a instituição passou a se chamar Bibliotheca Nacional e Pública do Rio de Janeiro. Ao longo dos anos, os funcionários da referida instituição notaram que livros estavam deteriorando-se não só pelos efeitos do tempo, mas também pelas mãos de leitores, chegando até mesmo a desaparecer. Na tentativa de assegurar a integridade do acervo, em 1821 alguns funcionários elaboraram um Estatuto para “regular formas e gestos de leitura” (DE NIPOTI, 2006, p. 55.). Ainda assim, algumas obras eram danificadas ou perdidas. Visando solucionar tal problema, os funcionários da Biblioteca criaram um livro de registro, em que anotavam cotidianamente a data, o nome de cada consulente que havia freqüentado a instituição e também o título da(s) obra(s) e/ou do(s) autor(es) consultada/o(s). Esta medida vigorou de 1833 a 1856 e deu origem aos quatorze Códices de Consulta Pública da Bibliotheca Nacional e Pública do Rio de Janeiro, que estão localizados atualmente na Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional. Tendo tal documento como fonte primária, esta pesquisa busca investigar a circulação de romances, assim como traçar um perfil dos leitores deste gênero literário neste ambiente público e mediador de leitura. Além disso, estudaremos a Bibliotheca Nacional e Pública do Rio de Janeiro, com vistas a compreender as possibilidades e os limites impostos à leitura naquele contexto. O primeiro passo da investigação foi a coleta de todos os dados referentes às Belas Letras fornecidos nos Códices, com vistas a criar um parâmetro das leituras literárias realizadas na instituição, de modo que seja possível comparar a representatividade da leitura de romance naquela Biblioteca com outros gêneros. Com isto, foi possível perceber que a maior parte dos títulos é desconhecida atualmente. Assim, uma etapa essencial da pesquisa foi a identificação dos títulos (nome do autor e/ou tradutor(es), local e ano de publicação). Posterior a esta etapa, as obras de Belas Letras foram classificadas segundo critérios da época e de instituições que tiveram seus acervos doados para a Biblioteca. Os livros consultados foram divididos nas seguintes categorias: crônica, poesia, relatos de viagem, romance e teatro. O período de vinte e três anos de vigência dos Códices possibilitou acompanhar as mudanças no gosto do público. Na tentativa de reconstituir a preferência da leitura na época naquela instituição, optamos por analisar os dados anualmente. A Bibliotheca Nacional e Pública colaborou para o processo de transformação da corte e pode ser representada como uma instituição que possui “todos os saberes acumulados, todos os livros alguma vez escritos” (CHARTIER, 1990, p. 96). Tais fatores não parecem ter influenciado na canonização de autores e obras requeridos na Biblioteca, já que a maioria desses pedidos não se insere nos canonizados. Numa época em que a poesia e o teatro eram os gêneros mais prestigiados, os consulentes daquela instituição deram ao romance um papel de destaque em suas leituras. Dentre os títulos solicitados de Belas Letras, este gênero foi o mais pedido em pelo menos nove dos vinte e três anos, podendo ainda considerar que o romance tenha ocupado tal posição de destaque em outros quatro anos. A análise parcial dos dados também permitiu notar que a procura dos consulentes se voltou às produções estrangeiras, que ocupavam a maior parte do acervo da instituição. Contudo, isso não significou que as produções nacionais foram desprezadas por aqueles leitores, pois à medida que novas contribuições surgiam no cenário carioca, crescia a procura na Biblioteca. Vale ressaltar que as obras solicitadas eram tanto produções de séculos anteriores, por exemplo, Les Aventures de Télémaque, cuja primeira impressão data de 1699, em Paris, como produções recentes, como o nacional Tardes de um pintor ou intrigas de um jesuíta, de Teixeira e Sousa, impresso em 1847, ou mesmo La Gorgone, lançado em 1844 – tendo sido ambos consultados pela primeira vez em 1848. Ao término desta pesquisa, que vem sendo financiada pela FAPESP desde a iniciação científica, visamos obter contribuições para a história da leitura no Brasil, especialmente no que diz respeito ao gênero romanesco e seu público leitor na primeira biblioteca pública do Rio de Janeiro, em meados do século XIX.

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O MODELO PACE E O PRESENT PERFECT

Denilson Amade Sousa (UNICAMP)

Esta comunicação tem como objetivo apresentar e discutir os referenciais teóricos e metodológicos de uma tese em andamento na área de Ensino/Aprendizagem de inglês como língua estrangeira (L2). O trabalho consiste em verificar a eficácia de um modelo indutivo de ensino gramatical chamado PACE - Presentation, Attention, Co-Construction, Extension (Donato e Adair-Hauck, 1994), comparando-o a um ensino gramatical dedutivo. A estrutura ensinada é o Present Perfect. Há tempo, atesta-se a grande dificuldade que aprendizes e professores brasileiros de inglês encontram na aquisição e utilização do Present Perfect, pois em sua língua materna não precisam fazer a distinção entre estado, ação e estado limitado, que, em inglês, é essencial para se fazer uso adequado do aspecto perfect. El-Dash (2001, 2005) afirma que quando se limita explicitamente (através de advérbios ou locuções adverbiais) o estado atual resultante de uma ação no passado, o tempo verbal obrigatório em inglês é o Present Perfect. Quando esse limite não é de alguma forma explicitado, depende do falante querer ou não focar no estado atual; se esse for o foco, ele utilizará o Present Perfect; caso o foco seja somente a ação em si no passado, o falante utilizará o Simple Past. O modelo PACE é uma abordagem de ensino de gramática baseada na teoria sócio-cultural de Vygotsky (1931, 1934) e nas propostas sobre avaliação dinâmica de conhecimento de Tharp & Gallimore (1988). O PACE tem como objetivo promover o desenvolvimento lingüístico na L2 através da co-construção de conhecimento entre professor e aluno. Os proponentes desse modelo tentam, portanto, fazer com que o ensino de gramática se dê num ambiente de sala de aula cuja ênfase é a comunicação. A principal proposta do modelo é expor os aprendizes, de modo contextualizado, a estruturas e seus significados na L2, utilizando, para tal, estórias/narrativas, lendas, poemas, músicas, textos orais, tirinhas, receitas, entre outros. Essa exposição, contudo, deve sempre, primeiramente, se concentrar no significado, para depois chamar a atenção dos aprendizes à(s) forma(s) que se deseja ensinar. Ou seja, os tipos/gêneros de textos utilizados e as atividades propostas pelo PACE enfatizam o discurso autêntico e encorajam os aprendizes a compreender amostras discursivas mais longas e significativas desde as primeiras aulas; mostrando aos alunos, dentre outras coisas, a relevância funcional da estrutura gramatical antes de convidá-los a prestar atenção à forma. Assim, depois de utilizar vários recursos para levar os aprendizes a compreender o texto, o professor deve chamar a atenção dos mesmos a vários elementos lingüísticos do texto e, juntamente com os alunos, construir explicações para aquela forma em questão. Em relação à metodologia utilizada nesta pesquisa, optou-se por coletar dados através de tarefas de julgamento de gramaticalidade e de descrição de figuras; além de gravações de aulas em áudio e vídeo. Três turmas de inglês de nível intermediário estão participando da pesquisa e formam os três grupos que receberão, respectivamente, intervenção pedagógica baseada em PACE, intervenção pedagógica dedutiva e nenhum tratamento (controle). O desenho dos testes se caracteriza por pré-testes antes e depois das intervenções; dois pós-testes serão realizados em datas distintas. Os dados coletados serão analisados quantitativa e também qualitativamente.

CONECTIVOS ARGUMENTATIVOS E PERSUASÃO: UMA ANÁLISE DE TEXTOS DE AUTO-AJUDA

Denise Michelin Alonso (UNICAMP)

O trabalho trata da investigação de um fenômeno lingüístico compreendido tanto nas produções orais quanto nas escritas, com ênfase aqui na produção escrita: os conectivos argumentativos como elementos constitutivos da persuasão no texto. Numa interlocução teórica, com base nos pressupostos da teoria da argumentação perelmaniana e da Semântica do Acontecimento, o objeto para a análise é um texto da literatura de auto-ajuda de um autor de destaque do referido meio. Muito além de um conteúdo verificável, plausível, nota-se que a força persuasiva (o que pode ser entendido aqui como o resultado no êxito de vendas) está antes numa estrutura lingüística forjada, “pronta” do que no conteúdo propriamente dito proposto pelo autor. Quando se pensa em argumentação, é preciso considerar primeiramente o conjunto de condições em que ela se dá e os meios empregados para que se realize uma comunidade efetiva dos espíritos, pois toda a argumentação visa à adesão, que certamente pressupõe a existência de um contato entre orador e auditório (autor e público leitor). Entendendo que significação se constitui através de relações não veritativas e evidentes – de acordo com os pressupostos aqui assumidos -, do ponto de vista retórico, o campo argumentativo é o do verossímil: a retórica é um meio de produção/reprodução de conhecimento, portanto o sentido da linguagem não está numa “verdade” pré-existente nem é evidente. “Paralelamente”, do ponto de vista enunciativo, a enunciação se dá no acontecimento e conseqüentemente a significação das palavras se dá a partir da preocupação com a articulação e relação entre os vocábulos, a disposição deles no texto, a seleção prévia, ordenação e exposição das idéias, a materialidade histórica dentre outros fatores. Nessa dicotomia a análise se tece. Um sucinto exemplo da análise prévia se trata da atuação do conectivo argumentativo por excelência: mas. Nesse caso, selecionamos a forma do mas argumentativo (e não o de refutação), em que sua estrutura básica, segundo Ducrot é: p mas q. Esse conectivo tem a propriedade de ligar dois atos distintos, em que mesmo p sendo verdadeiro – o que levaria à conclusão r , o destinatário não deve “processá-lo” dessa maneira, pois a força contida em q (não-r) é

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superior a p, o que faz com que se negligencie o que foi declarado anteriormente. A respeito da existência de “partículas quânticas sub-atômicas”, Deepak Chopra afirma: “...sabemos que elas existem pelos rastros luminosos resultantes de sua passagem, que podem ser vistos e até fotografados com instrumentos sofisticados, ou aceleradores de partículas. E, é claro, se alguma coisa deixa um rastro, essa coisa existe. Mas há algo mais interessante ainda sobre essas partículas: elas só passam a existir quando queremos observá-las”. (Chopra, 2006:67 a 69) Observamos num pequeno exemplo, como a legitimidade do conteúdo é facilmente refutada só pela ínfima observação do que está sendo dito; o caráter contraditório da formulação nos leva a pensar que é imponência do mas que direciona o leitor a “aceitar” o argumento como estruturado, completo e verificável. O leitor por estar situado numa materialidade histórica – o que inclui o valor e aplicação também dos conectivos –tem um esquema interiorizado, que economiza a necessidade de raciocínio e reflexão a respeito do que está sendo dito, dissimulando sensação de entendimento. Pode-se dizer que o autor de auto-ajuda obtém sucesso de vendas (também alicerçado) pela estrutura lingüística utilizada. É interessante e pertinente verificar mais um mecanismo de persuasão (apesar de não ser pertinente neste momento a afirmação, é aqui observado como um esquema coercivo, mórbido e hipócrita) utilizado num episódio social atualíssimo de comportamento.

PROFESSOR, ALUNO, LINGUAGEM: REFLEXÕES A PARTIR DE ELEMENTOS DA PSICANÁLISE

Denise Souza Rodrigues Gasparini (UNICAMP)

O presente trabalho pretende valer-se de elementos da psicanálise para oferecer contribuições teóricas para a área da lingüística aplicada, principalmente no que concerne ao ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras. Com o objetivo de colaborar com as discussões sobre alguns conceitos e apontar outras perspectivas de considerá-los, foi escolhido um tema amplamente pesquisado pela lingüística aplicada, as crenças sobre ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras (doravante somente crenças), como suporte para nossas reflexões e contribuições. Partindo de trabalhos que tratam do tema crenças e de elementos da psicanálise, pretendo discutir a configuração de professores e alunos (chamados por mim de sujeitos) e de linguagem ali implicadas. Os textos base que nos guiarão na investigação acerca das noções de sujeito-professor, sujeito-aluno e de linguagem nas teorias sobre as crenças são quatro trabalhos acadêmicos – três dissertações de mestrado e uma tese de doutorado – elaborados no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da UNICAMP entre os anos de 2005 e 2006, que apresentam dentre suas palavras-chave os termos crenças, estudo, ensino e línguas/língua estrangeira(s). As contribuições da psicanálise serão inicialmente baseadas nos seguintes textos/obras: A psicopatologia da vida cotidiana (Freud, 1901), Cinco lições de Psicanálise (Freud, 1909), Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise (Lacan, 1953) e A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud (Lacan, 1957). As perguntas de pesquisa que norteiam este trabalho são: (i) qual é a configuração do sujeito-professor e/ou do sujeito-aluno nas teorias sobre as crenças?; (ii) qual a concepção de linguagem subjacente a estas formulações?; (iii) quais as implicações que tais visões de professor, aluno e linguagem podem acarretar para o processo de ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras?; (iv) quais as contribuições que a psicanálise pode oferecer para a discussão sobre estes conceitos e suas implicações no ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras? Já iniciadas as investigações, os conceitos de sujeito (aluno e professor) e de linguagem propostos pelas teorias das crenças já começam a se configurar. Em apreciações preliminares foi possível perceber que as discussões nos trabalhos sobre as crenças não se ocupam em definir explicitamente a noção de sujeito (professor e/ou aluno) a ela subjacente. Ao contrário, a concepção de linguagem considerada por estas teorias é, em pelo menos um dos trabalhos-fonte consultados, explicitamente determinada. O que foi possível inferir acerca do conceito de sujeito, até o presente momento, mostra um sujeito capaz de mudar suas atitudes e suas práticas em relação ao ensino e/ou aprendizagem de uma língua estrangeira a partir da reflexão consciente. Tal pressuposto é claro e recorrente nos trabalhos que servem de aporte teórico sobre as crenças. Considero possível vincular a noção de sujeito ali implícita ao que Hall (1992, p. 26) delineia como “indivíduo ‘sujeito-da-razão”, que apresenta como principais características ser pensante, consciente, capaz de modificar aspectos de sua conduta racionalmente. É interessante também observarmos que o uso da palavra indivíduo nesta noção nos remete a um ente uno, indiviso em seu interior, aspecto que também já pudemos observar em nossas investigações parciais. Em relação à noção de linguagem subjacente às teorias sobre as crenças, é pertinente indicar que língua e linguagem, além de serem apresentadas como uma só mesma noção, são definidas como meio de comunicação e interação entre indivíduos. Tal visão se alinha com a das teorias da abordagem comunicativa de ensino de línguas estrangeiras, da qual a noção e as formulações sobre as crenças são uma vertente, e a qual, por sua vez, tem bases em teorias da sociolingüística. Os aspectos das teorias sobre as crenças que vislumbro como possíveis de serem problematizados a partir de elementos da psicanálise até o presente momento são as noções de sujeito e linguagem, para as quais a psicanálise apresenta formulações bastante singulares e originais. Conforme a proposta inicial deste trabalho, considero que a psicanálise tem contribuições a oferecer para a área de ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras ao apresentar novas possibilidades de contemplar as duas concepções inerentes as teorizações sobre as crenças acima apontadas, além de

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oferecer diferentes implicações destes conceitos para o ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras, conforme pretendo discutir no decorrer desta pesquisa.

FORMAS DE RESISTÊNCIA AO LIVRO DIDÁTICO INTERNACION AL NO ENSINO DA LÍNGUA ALEMÃ

Dörthe Uphoff (UNICAMP)

A comunicação tem por objetivo apresentar as linhas gerais e os primeiros resultados da minha pesquisa de doutorado, que propõe uma reflexão sobre os materiais didáticos utilizados no ensino da língua alemã no Brasil. A pesquisa parte de algumas observações fundamentais acerca do material presente no ensino do alemão: constata-se, em primeiro lugar, o uso acentuado do livro didático internacional, produzido na Alemanha para o mercado global. Por outro lado, verifica-se uma escassez de propostas de ensino que não se apóiam nesse tipo de material. Pode-se afirmar que as duas alternativas, ao livro importado que parecem teoricamente possíveis – o emprego de um livro didático produzido no Brasil e o ensino sem livro didático, trabalhando-se apenas com materiais avulsos –, são muito pouco praticadas atualmente. Com base nessas observações, as seguintes perguntas de pesquisa são formuladas: Como se explica a presença maciça do livro didático internacional, no cenário brasileiro do ensino da língua alemã? Que livros didáticos produzidos no Brasil existem de fato? Onde há experiências de ensino sem livro didático? Que circunstâncias viabilizam essas experiências? O objetivo da pesquisa é indagar sobre as condições que possibilitam, ou não, as experiências de ensino sem adoção de um livro didático internacional, além da produção de materiais em âmbito nacional. O estudo apresenta, portanto, um perfil qualitativo e exploratório, tendo em vista que existem ainda poucas pesquisas nessa área. Pretendo analisar, no decorrer de minha pesquisa, três casos de autores brasileiros de livros didáticos para o ensino do alemão, bem como três casos de professores que optaram por lecionar sem livro didático. Para investigar os motivos da presença maciça do livro didático internacional e as condições de viabilidade de suas alternativas, proponho estabelecer um diálogo com a analítica do poder de Foucault, desenvolvida pelo filósofo durante sua fase genealógica. As noções de poder e resistência, entre outras, me parecem ferramentas conceituais valiosas para entender as motivações e os interesses subjacentes à escolha do material no ensino da língua alemã no Brasil. Foucault (1983) descreve o poder como “um modo de ação de alguns sobre outros”, e, em uma outra formulação, como “uma maneira de alguns de estruturar o campo de ação possível de outros”. O poder, compreendido dessa forma, permeia todas as relações sociais, sendo que a resistência é coextensiva a ele na medida em que todas as relações de poder pressupõem necessariamente a possibilidade da resistência. Respaldando-me nessas concepções, proponho enquadrar o livro didático de língua estrangeira como um instrumento de poder que visa a conduzir a ação do professor, ao predeterminar conteúdos e procedimentos didáticos de forma bastante rigorosa. No caso específico do livro didático de alemão, produzido na Alemanha para o mercado internacional, há de se considerar também que a orientação metodológica propagada no livro costuma ser vista, por especialistas da área, como mais diversificada e, em conseqüência, mais eficiente do que aquelas encontradas em países com culturas de ensino/aprendizagem divergentes. O livro didático internacional, por isso, é utilizado também como meio de formação para professores nesses países. As propostas de ensino sem livro didático internacional, por sua vez, são interpretadas por mim como resistências. Elas com freqüência se opõem abertamente ao emprego do livro importado, por motivos variados que precisam ser examinados para cada caso isoladamente. Defendo, nesse contexto, que a autoria de materiais, seja em forma de um livro didático ou de materiais pontuais, funciona como uma estratégia de resistência ao poder exercido pelo livro didático internacional. Para corroborar minha argumentação, pretendo discutir, durante minha comunicação, dois casos de resistência ao livro didático internacional: um caso de autoria de um livro didático regional e um exemplo de ensino mediado por materiais avulsos, produzidos em grande medida pela professora do curso.

“EX-PROFESSOR DE LATIM”, “CADUCO” E “RAMERRANEIRO”: A SÁTIRA DO PADRE CORREIA DE ALMEIDA E O ROMANTISMO EM MINAS GERAIS. (1854-1884)

Ednaldo Candido Moreira Gomes (UNICAMP / CNPq)

A crítica literária atual tem freqüentemente destacado a importância da reavaliação de autores e obras do contexto literário brasileiro. O retorno ao texto daqueles autores considerados “secundários” suscita questões valiosas para uma melhor compreensão da literatura brasileira oitocentista. Esse objetivo de reavaliação nos permitiu produzir um trabalho dissertativo que resgatou a crítica literária dispersa de Bernardo Guimarães e procurou detectar a ironia com que o autor se expressava frente às manifestações estético-literárias do romantismo brasileiro. Durante essa pesquisa, chamou-nos a atenção a forma inadequada da apresentação de algumas produções satíricas na

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historiografia literária brasileira, pois foi possível observar que as obras dotadas de uma dimensão cômica mais acentuada são colocadas à margem das “grandes” obras. Uma espécie de “convenção” da crítica não só menosprezou, mas definiu, para os textos satíricos, um lugar secundário nos manuais (SALIBA, 2002, p. 49). Esta comunicação parte de uma pesquisa em desenvolvimento e nasce da ânsia de conhecer mais detalhadamente a fase da literatura brasileira conhecida como Romantismo. Assim, procura-se preencher uma “lacuna” analítica referente à literatura satírica do século XIX, especialmente em Minas Gerais. Para a realização dessa proposta, estabelecemos um recorte temporal e um corpus literário principal. O período compreendido entre as décadas de 1854 e 1884 marcou o momento da publicação, pela editora Laemmert, de 7 volumes de poesias de José Joaquim Correia de Almeida, são eles: as Sátiras, epigramas e outras poesias. Esse corpus possui uma homogeneidade centrada em dois grandes eixos temáticos principais, quais sejam: 1) A permanência de uma tradição satírica (e, em alguns momentos, lusitana e neoclássica) no romantismo brasileiro, especialmente em Minas Gerais. 2) a opção por um estilo poético “ensaístico”, isto é, um conjunto de textos em que o epigrama e a sátira nos permitem conhecer aspectos importantes da história social, política e literária do Brasil oitocentista. Com tudo isso, a hipótese inicial faz crer que a arte literária produzida em Minas Gerais por intelectuais formados na atmosfera intelectual da década de 1820/1840, sofreu influência de uma tradição educacional escolástica com raízes em Portugal; em outras palavras, independentemente do contexto ideológico nacionalista, em Minas Gerais ocorre uma permanência de uma tradição retórico-poética anterior ao processo de “institucionalização” da literatura – descrito, por exemplo, no Império da Eloqüência de Roberto Acízelo. Portanto, o nosso interesse é mapear o alcance da poesia satírica do Padre Correia, dando ênfase aos aspectos condizentes ao diálogo estabelecido com a poesia brasileira oitocentista, no período compreendido entre os anos de 1854 a 1884. Além disso, pretende-se identificar simultaneidades e divergências desse fazer artístico frente às concepções estético-literárias de grupos hegemônicos românticos, buscando aprofundar o conhecimento do romantismo brasileiro. Por fim, pretende-se resgatar os textos satíricos representativos para uma possível edição crítica. Para o desenvolvimento da pesquisa, proceder-se-á, inicialmente, a um levantamento bibliográfico das obras raras, do contexto social, político e filosófico do século XIX brasileiro, e das teorias que relacionam as manifestações satíricas na literatura. Após a contextualização do objeto estudado e a análise detalhada das possibilidades constitutivas peculiares dessas produções literárias do século XIX, procuraremos atestar a hipótese da constituição de uma tradição satírica, durante o Romantismo brasileiro, que se colocou como uma espécie de “corretora” de vícios artísticos e de escolhas estético-ideológicas ineficientes de grupos literários hegemônicos. Ressalte-se que a abordagem da obra de Correia de Almeida e da tradição satírica mineira nos cursos de pós-graduação é rara; portanto, esta iniciativa, provavelmente, é inédita; já que os trabalhos registrados no banco de dados da Capes se resumem a três estudos apenas.

A LITERATURA BRASILEIRA DE TENDÊNCIA DESCRITIVA NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX

Eduardo Luis Araújo de Oliveira Batista (UNICAMP)

Tendo como objetivo principal de nossa tese o estudo das relações entre literatura de viagem e tradução dentro do contexto da história da literatura brasileira, identificamos uma tradição descritiva desenvolvida em nossa literatura de forma diretamente relacionada à literatura de viagem produzida por estrangeiros sobre o Brasil. Nesta comunicação, apresentamos algumas reflexões acerca da “tradição descritiva” desenvolvida por alguns escritores brasileiros no século XIX. Mostramos a ascendência do regionalismo frente ao indianismo como caracterização de um discurso nacionalista na literatura brasileira na segunda metade do século XIX, no qual a representação idealizada do indígena como identidade nacional é substituída pelo mestiço do interior, dentro da perspectiva da descrição de nosso ambiente natural e social como critério literário. Essa troca de personagens representa também um deslocamento no tempo e na definição do paradigma de nacionalidade: desloca-se a representação do índio não-civilizado para o mestiço do interior do território. Passa-se de um paradigma mítico e pretensamente recuperador de uma origem pura e intocada para um personagem contemporâneo e representante de uma nova realidade que se expande no país, a ocupação do interior e a mestiçagem étnica e cultural. A substituição também é física: são estes sertanejos que passam a ocupar os territórios anteriormente dominados pelos índios. A figura do sertanejo também traz à tona a idéia da mestiçagem, em contraposição ao purismo do índio, uma vez que sua própria origem encontra-se nas diversas misturas étnicas operadas nas diferentes regiões do interior do país. O regionalismo vai também acentuar a tendência descritiva que percorre nossa história literária. O regionalismo, na verdade, vai se apoiar com ênfase, além da figura do sertanejo e suas tradições culturais, na descrição paisagística. A paisagem ganha predominância inclusive na determinação do caráter não só do sertanejo, que tem sua vida definida pela luta contra as adversidades do clima e da geografia, como da própria literatura. Mostramos também a rejeição de Machado de Assis à tendência descritiva, através de seu famoso texto “Instinto de nacionalidade”. Machado teve sua obra desqualificada por críticos como Sílvio Romero por motivo da ausência da cor local e do caráter nacional em seus romances, sendo acusado de estrangeirismo. Nesse texto, em que apresenta sua

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própria teoria de uma literatura nacional, Machado de Assis revolta-se contra o critério nacionalista-descritivo, e estabelece um novo parâmetro na crítica literária nacional. Ao defender os árcades e relativizar o papel do indianismo e da natureza na literatura brasileira, Machado critica os que só reconhecem espírito nacional nas obras que tratam de assunto local e defende um nacionalismo que não se restrinja ao superficial da descrição exótica e pitoresca. Finalizando, discutimos ainda como outras tendências da literatura brasileira da segunda metade do século XIX, como o simbolismo e o parnasianismo, relacionam-se com a tendência descritiva. As diversas denominações dos períodos literários que se seguem ao romantismo durante a segunda metade do século XIX no Brasil, como sugerem críticos como Alfredo Bosi e Nelson Werneck Sodré, mantêm a matriz romântica e descritiva, com alterações na ênfase a determinados aspectos a serem descritos (a paisagem natural no regionalismo, e a paisagem social no naturalismo) ou alterações na forma (como o parnasianismo, que se mantém tematicamente romântico).

UM ESTUDO SOBRE PRÁTICAS DE NUMERAMENTO-LETRAMENTO DE SURDOS EM CONTEXTOS ESCOLARES E NÃO-ESCOLARES:

INVESTIGANDO QUESTÕES DE LINGUA(GEM), CULTURA(S) E IDENTIDADE(S)

Elaine Botelho Corte Fernandes (UNICAMP / CNPq)

Já há algum tempo as discussões sobre Educação Especial vêm acontecendo na academia e nos encontros, congressos e demais eventos por ela promovidos e, conseqüentemente, invadindo também sua produção literária. A própria mídia tem dedicado algum espaço ao tratamento de assuntos ligados aos chamados “deficientes” ou ainda, aos denominados “portadores de necessidades educativas especiais”. Nesse sentido, parece que a sociedade, de um modo geral, começa a perceber a existência de pessoas que, até então, estavam completamente invisibilizadas. Ainda assim, parece que muitos entraves podem ser facilmente encontrados quando o foco está na educação de tais pessoas, indicando a existência de uma infinidade de fatores que necessitam ser (re)descobertos, (re)discutidos e (re)pensados. Deste modo, diante das inúmeras possibilidades que se apresentam, este trabalho abordará o tema “surdez” e pretende discutir a participação de surdos em práticas sociais que envolvem a leitura, a escrita e os conhecimentos matemáticos. Em outras palavras, pretende-se com esse estudo conhecer melhor aquilo que se refere à pessoa surda e aos seus processos de aprendizagem, pensando principalmente no que se refere à Educação Matemática. O interesse pela pesquisa decorre de uma experiência profissional de oito anos como professora de matemática e física da rede estadual de ensino de São Paulo, o que possibilitou a constatação de que grande parte dos professores de tal rede ainda continua alheia às discussões sobre essa temática. O interesse pela pesquisa também advém de inquietações suscitadas em dois cursos de especialização – em Educação Especial e em Educação de Surdos – e ainda, dos próprios resultados da Dissertação de Mestrado. O trabalho torna-se relevante devido à preocupação com a escassez de trabalhos envolvendo o tema, visto que os conhecimentos matemáticos são pouco tomados como objeto de discussão no campo da Educação Especial, sobretudo, no campo da Surdez, onde a prática pedagógica parece indicar que a elaboração da escrita e da leitura transforma-se na maior preocupação em detrimento da matemática que é relegada a segundo plano. Sabe-se que a atual legislação sugere o atendimento preferencial de surdos na rede regular de ensino na chamada “inclusão”, porém a “escola especial” também recebe muitos surdos. Contudo, existem ainda instituições não-escolares que também desenvolvem atividades educativas com os surdos, visando uma melhor inserção destes na sociedade. Assim, sem enumerar os prós e os contras de cada uma dessas três realidades, por não ser esse o foco do estudo, mas, ao mesmo tempo, sem negar a importância de se conhecê-las, enfatiza-se que o presente trabalho buscará, principalmente, a análise de algumas práticas realizadas em um contexto escolar específico no qual a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) é a língua de comunicação e instrução. Entretanto, não pode ser excluída, momentaneamente, a possibilidade de um direcionamento para outras práticas desenvolvidas no exterior da instituição escolar, pela consideração de que o “aprender” não ocorre somente na escola e de que, mesmo em contextos não-escolares, os surdos entram em contato com conhecimentos matemáticos. É possível dizer que o presente trabalho terá como foco inicial as formas de participação dos surdos em práticas de numeramento-letramento em uma instituição escolar, podendo ainda ser expandido para as práticas dos surdos em outros contextos, com o objetivo de analisar alguns dos significados produzidos pelos surdos e por seus interlocutores, para que assim seja possível iniciar uma reflexão sobre a Educação Matemática dos mesmos. Considerando aspectos lingüísticos, políticos e sociais, o trabalho partirá de uma discussão teórica que abrigará conceitos como culturas, línguas/linguagens, identidades e representações. O trabalho fundamenta-se ainda em pressupostos teóricos que consubstanciam: o letramento, o numeramento, a Etnomatemática, e as questões sobre bilingüismos e contextos minoritários. Buscando compreender os significados que os próprios participantes da pesquisa apresentam dos fenômenos estudados, o trabalho seguirá uma abordagem qualitativa com base nas idéias de Erickson (1984, 1989). Enfim, deseja-se com essa pesquisa apresentar uma contribuição aos cursos de formação de professores (em especial, as Licenciaturas em Matemática), abordando questões ainda não muito comuns em tais cenários, com o apontamento de alguns possíveis direcionamentos, promovendo visibilização e reconhecimento desses “outros”, tentando estabelecer discussões que considerem as relações de poder presentes no processo de numeramento-letramento dos surdos.

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PROPOSTA PARA A ELABORAÇÃO DE UM COMPREENSIVO LÉXIC O DE VERBOS ÁRABE-PORTUGUÊS

Elias Mendes Gomes (USP)

Embora a lingua árabe – com a prosa e a poesia altamente desenvolvida na época da Jāhilīya – tivesse seu indiscutível lugar na Península Arábica, foi somente com o advento e expansão do Islamismo é que ela ganhou a projeção que a levou para além de suas fronteiras lingüísticas históricas. Através dos séculos, a religião continuou a desempenhar um papel primordial na expansão da língua árabe, visto ser esta a língua litúrgica do islamismo, mas, ultimamente, outros fatores têm contribuído para um interesse maior pelo idioma, pouco, porém, tem sido feito para facilitar a sua aprendizagem, especialmente entre os lusófonos. Aquelas atributos que a piori atraem as pessoas para a sua aprendizagem, ou seja, sua característica mística e ritualista, e a sua rica herança linguística, cultural e religiosa de muitos séculos, tendem a lhes repelirem com o passar do tempo. A grafia peculiar do idioma, sua natureza diglóssica, a riqueza vernacular e a falta de materiais paradidáticos inibem e desmotivam o aprendiz. Das dificuldades acima apresentadas, esta pesquisa está particularmente preocupada com a falta de apoio didático para a aprendizagem e o aprofundamento no conhecimento linguistico que, via de regra, se adquire com a leitura no idioma almejado; por isso esta pesquisa propõe a elaboração de um dicionário de verbos árabe-português. O esteio científico será a Escola de Filologia de Kufa que considerava o verbo como o “originador” do universo léxico árabe. Vários orientalistas modernos, incluindo Cowan, acreditam que, embora nem todas as palavras possam ser rastreadas a uma raiz verbal, a maioria de seus lexemas deriva-se de um verbo simples. O levantamento do corpus verbal será primordialmente baseado no trabalho de Hans Wehr (Dictionary of Modern Written Arabic) e, na existência de deficiências, cotejar-se-á outros dicionários para uma complementação do corpus. A aclamada recepção entre os orientalistas do citado dicionário corrobora essa escolha. Wehr explica palavras e expressões que fazem parte do vocabulário do universo árabe atual, isto é, os lexemas que se remontam do começo do século 20 até os nossos dias, providenciando uma referência prática e acurada dos verbetes por ele selecionados. O problema se avoluma quando se é indagado a que “língua árabe” se está sendo referido. A amplitude do idioma e os seus âmbitos de usagem levaram a uma estratificação do idioma resultando em uma diglossia. As vertentes clássica, padrão moderno e dialetal. Devido ao escopo do árabe padrão moderno, como a “lingua franca” entre todos os países árabes, e por ser esta a vertente mais usada no ensino de árabe para estrangeiros (público alvo desse léxico bilingue), escolheu-se essa variante para este trabalho. Essa variedade é uma forma modernizada do árabe clássico, e é menos complexa do que a variedade clássica no que se refere a sintaxe, fonologia e semântica. Ela é entendida, se não falada, pela maioria dos árabes. O Árabe padrão moderno é usado em situações de locuções formais, tais como palestras, noticiários e discursos e, na forma escrita, em correspondência oficiais, literatura e jornais. O árabe padrão moderno é de caráter conservativo e tende a criar e agregar neologismos ao seu banco de vocabulário partindo de combinações já existentes no árabe clássico, embora vários lexemas tenham sido emprestados de outros idiomas. As poucas diferenças lexicais são restritas a apenas algumas áreas especializadas, ajudando a manter, como no passado, a unidade linguística do mundo árabe. Este fato dá a todos os descendentes árabes um senso de identidade e uma consciência de sua herança cultural comum.

ENSINO/APRENDIZAGEM DE INGLÊS: UMA ABORDAGEM SOCIOP OLÍTICA

Elias Ribeiro da Silva (UNICAMP) Um grande número de pesquisadores da área da Educação e da Lingüística Aplicada têm se ocupado, atualmente, de questões relativas ao ensino/aprendizagem de inglês como língua estrangeira (LE). Contudo, poucos trabalhados têm focalizado os aspectos sócio-políticos do ensino dessa língua no contexto brasileiro. Inserido nessa última linha de investigação, este trabalho objetiva discutir o ensino de inglês como LE no Brasil como um caso de política lingüística. Como aponta Calvet (2007), as autoridades políticas tradicionalmente desenvolvem e implementam políticas lingüísticas. Segundo o autor, deve-se entender a política lingüística como “a determinação das grandes decisões referentes às relações entre as línguas e a sociedade” (Idem., Ibidem., p. 11). A implementação de uma política lingüística, por sua vez, recebe o nome de planejamento lingüístico. É o que ocorre, por exemplo, quando, em países plurilíngües, as autoridades elegem uma das línguas locais como língua oficial do Estado, em detrimentos das demais. Na grande maioria das vezes, a escolha de uma língua como língua oficial ou nacional deve-se ao poder econômico e político de seus falantes. No Brasil, são exemplos de política lingüística e de planejamento lingüístico a imposição do português como língua oficial do país (e a conseqüente proibição do uso de línguas indígenas) pelo Marquês de Pombal durante o Período Imperial, assim como a proibição do uso de “línguas estrangeiras” por comunidades de imigrantes durante a Era Vargas (Campos, 2006). Da mesma forma que desenvolvem políticas para as línguas locais, as autoridades político-educacionais de um país podem desenvolver uma política lingüística para as línguas ditas estrangeiras. A política lingüística da Era Vargas, mencionada acima, exemplifica esse tipo de ação do Estado. Como se sabe, o Presidente Getúlio Vargas, na esteira das campanhas de nacionalização anteriores ao seu governo (a primeira data de 1911), implementou uma série de medidas (o planejamento lingüístico) visando a expurgar do território nacional aquelas línguas que ameaçariam a unidade do Estado (a política lingüística). Em sentido

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contrário, o Estado também pode incentivar a aprendizagem de uma LE. É o que vêm acontecendo com a língua espanhola no Brasil nos últimos anos, uma vez que, tendo em vista a consolidação pelo menos parcial do Mercosul e a crescente presença de empresas espanholas e latino-americanas no Brasil, as autoridades educacionais têm incentivado a inserção da língua espanhola na grade curricular (Fernández, 2005). Alguns autores consideram que o ensino de uma língua estrangeira pode ser visto como um tipo de planejamento lingüístico do país falante daquela língua. Graddol (2006), por exemplo, destaca o crescente interesse do Estado Espanhol em incentivar a aprendizagem da língua espanhola nos países com os quais mantêm relações comerciais. Em seu livro Linguistic Imperialism, de 1992, Phillipson já apontava a “função colonizadora” do ensino de língua inglesa, via Conselho Britânico. O autor atribui a mesma função aos profissionais envolvidos com ensino de língua inglesa (particularmente aqueles patrocinados pelo Conselho Britânico) bem como à atuação de lingüistas aplicados e demais especialistas em ensino/aprendizagem de línguas. A partir das considerações desenvolvidas acima, assume-se como pressuposto desta pesquisa que as autoridades político-educacionais brasileiras formulam políticas de ensino de línguas para o país e que o ensino de inglês, como língua estrangeira no Brasil, constitui-se como uma forma de política lingüística promovida, particularmente, pela Inglaterra e os Estados Unidos (Phillipson, 1992). Assume-se, ainda, que essas políticas são expressas por meio de documentos oficiais, como, por exemplo, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), entre outros. Essas diretrizes, por sua vez, chegam à sala de aula de inglês como língua estrangeira via cursos de formação continuada para professores e materiais didáticos.

LÚCIA MIGUEL PEREIRA E OS RUMOS DA LITERATURA

Elisabete Vieira Camara (USP) O objetivo da comunicação é abordar o exercício da crítica como uma atividade fundamental na investigação literária. Para tanto, nos concentramos na literatura brasileira a partir do enfoque da conceituada crítica literária acima mencionada, cujo trabalho foi amplamente difundido através de periódicos como Boletim de Ariel, Revista do Brasil, Correio da Manhã, O Estado de São Paulo, entre outros. Analisamos a gênese e a evolução crítica literária ao longo do tempo e no contexto brasileiro desde suas origens até os dias atuais. Destacamos, então, a produção de LMP durante o período da “nova crítica”, que é examinado principalmente através de textos de Afrânio Coutinho. Propomos, em seguida, uma reflexão teórica sobre as influências na obra crítica de LMP, a partir do confronto entre as tendências literárias da época e os textos da autora que tratam da função do crítico e do escritor. Por fim, estabelecemos um questionamento do cânone e da literatura brasileira, de modo que sejam cotejados com os pressupostos literários de LMP. Até o século XIX, a crítica se preocupou com a origem da obra literária, fazendo estética e teoria da arte literária, cujo projeto ideológico visava eliminar a subjetividade crítica e atingir a objetividade. Depois, adotou-se uma nova postura metodológica voltada para a realidade intrínseca da obra: uma visão “científica”, que via na obra um fim em si mesmo. Nesse período, a imprensa teve atributos importantes para a delimitação do espaço e da natureza de sua atuação nas duas formas de apropriação predominantes: como instrumento estratégico de mobilização política e como prática de atualização, crítica e julgamento dos fatos, orientada por um ponto de vista “imparcial” correspondente a um suposto “interesse público”. Para tal objetivo, faz-se necessário um estudo da relação entre a evolução da crítica literária no Brasil e a produção jornalística na época em que LMP publicou seus textos no correio da manhã, no Rio de Janeiro. Além disso, está em andamento um levantamento sobre a situação política do país na época, no caso, do estado novo. Tal abordagem deve-se ao fato de que ele teve uma preocupação em fazer produzir, ou aproveitar para seu uso, um conjunto de princípios e idéias, pelas quais se auto-interpretava e justificava seu papel na sociedade e na história brasileiras. Em relação à prática literária no ambiente jornalístico, é importante ressaltar essa aproximação de práticas, uma vez que elas se confundiram na mesma pessoa ou que ambas compartilhavam os mesmos espaços, recursos de expressão e ideais patrióticos, e dialogavam sobre temáticas muito próximas às expectativas e experiências do crescente público-leitor, mesmo que inexpressivo em relação ao total da população brasileira. Tal pesquisa é relevante na medida em que compara o trabalho de produções literárias de duas escritoras que marcaram suas épocas e contribui para os estudos de teoria literária a partir do momento em que estabelece relações entre as chamadas sociedades do centro e da periferia. Além disso, LMP explora o conceito de crítica em alguns artigos que contribuem para uma reflexão acerca do trabalho do crítico, quando, por exemplo, o associa diretamente à inteligência, mesmo quando avalia obras emocionais, pois ao analisá-las ele é obrigado a refletir. LMP também enfocou o aspecto social e o estético, conceitos que regem a obra literária, mais especificamente, o questionamento da função social e estética do texto literário. Outro aspecto considerado pela crítica na elaboração literária é a condenação à vaidade, sempre menos importante da “simples explicação” do julgamento, uma vez que ela conclama uma convivência de diversas opiniões, ao entendimento do crítico e à introspecção, outra marca da sua produção literária. Essa mediação entre sociedade e obra literária é ligada ao fazer literário, idéias corroboradas por importantes críticos literários como Anatol Rosenfeld e Lígia Chiappini. O aspecto impressionista da autora é reiterado por outro crítico de renome, Antonio Candido que em um texto, “crítica impressionista”, de 1958, escreve que o verdadeiro crítico é erudito, inteligente “sem perder a confiança ao mesmo tempo confiança nas próprias reações”.

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Até o momento, a pesquisa está centrada nos textos críticos de LMP sobre VW e na produção crítica de LMP, uma vez que é fundamental um aprofundamento na autora brasileira para um trabalho posterior de estabelecimento de parâmetros utilizados pela autora em relação à obra de VW.

ANTOLOGIAS DE BIOGRAFIAS DE NEGROS BRASILEIROS E ES TADUNIDENSES E LIVROS DIDÁTICOS DE INGLÊS: LUGARES DE CONSTRUÇÃO DE MEMÓR IAS PARA O NEGRO

Enio de Oliveira (UNICAMP)

Este trabalho tem por objetivo expor resultados da um estudo que mapeia a prática de ensino de inglês nas escolas municipais da cidade de Campinas que oferecem o Ensino Fundamental II, a fim de determinar se há, e de que maneira, a inclusão de atividades que reflitam a cultura e a história dos negros no Brasil, tanto como uma resposta para a lei federal 10.693 de 2003, quanto para os dados étnicos produzidos pela Secretaria Municipal de Campinas, a partir de um questionário étnico aplicado aos alunos matriculados na rede municipal. Para o desenvolvimento do estudo, uma variedade de procedimentos foi empregada. Inicialmente, fizemos um recorte dos dados produzidos pelo Sistema Integre da Secretaria Municipal de Educação (SME) de Campinas, referentes às matrículas ativas por etnias. Em seguida, selecionamos as cinco maiores escolas da Rede Municipal de Campinas e aplicamos uma enquête aos alunos matriculados nessas escolas em que eles tiveram de declarar suas etnias. Em seguida, selecionamos os livros didáticos utilizados nessas escolas para saber se há, e de que forma, a inclusão de textos que abordam a cultura e história do negro. A partir dos resultados de nossas análises, esboçamos uma macro-análise de antologias de literatura negra e de antologias de biografias de negros produzidas nos Estados Unidos e no Brasil. Selecionamos as antologias pautando-nos sob os argumentos e resultados de pesquisas do grupo “Antologias Bilíngües, Ensino de Língua(s) e Práticas Letradas”, principalmente, naqueles que apontam para o fato de que as antologias funcionam como artefatos culturais onde as memórias discursivas se atualizam (Serrani, 2006, p. 98) e, também, nas determinações do National Council for the Teachers of English (NCTE, 1970, 1986, 1999), que propôs um guia de ações intitulado “Non-White Minorities in English and Language Arts Materials” preparado por uma Força Tarefa contra o Racismo e Preconceito no ensino de inglês. Após os resultados desses estudos apontarem para: a) uma ausência do ensino da cultura negra nas escolas estadunidenses; b) uma representação deturpada das contribuições e ações dos negros nos Estados Unidos; e, c) uma recusa em aceitar a influência e importância dos povos não-brancos para a sociedade estadunidense, o guia do NCTE sugeriu que as soluções para os problemas estivessem na edição e publicação de antologias que representassem as diversas contribuições das minorias não-brancas, uma vez que “as antologias apresentam muito mais que meras referências de trabalhos produzidos pelas minorias étnicas e refletem as diversidades assunto, estilo, concepções de sociedade e cultura”. (NCTE, 1970, p. 8). A partir do entrecruzamento de tais recomendações com os resultados de nossas análises, pudemos concluir que a produção de antologias de biografias de negros brasileiros e estadunidenses em inglês, pensada a partir da proposta multidimensional discursiva desenvolvida por Serrani (2005), em diálogo com os postulados do interculturalismo, configura-se como uma alternativa que, além de propiciar aos alunos um resgate dos legados culturais produzidos por negros no Brasil, bem como um acesso aos legados culturais dos negros produzidos nos Estados Unidos, os instumentalizará a reconstruírem as representações para a história e cultua dos povos negros.

OS ANAIS DE QUINTO ÊNIO (239 – CA. 169 A. C.): ESTUDO, TRADUÇÃO E NOTAS

Everton da Silva Natividade (USP) A nossa pesquisa de Mestrado, iniciada em 2005 e ora em fase final de redação, propõe como cerne do trabalho a tradução dos fragmentos supérstites do poema épico Anais de Quinto Ênio (239 – ca. 169 a. C.). Inicialmente, detivemo-nos sobre os fragmentos, traduzindo-os um a um, num esforço que se mostrou antes de capacitação lingüística, baseado nos conhecimentos do latim e do português que era necessário conjugar. Em português, dois trabalhos foram feitos, no Brasil, acerca da obra de Ênio: a tese de Vandick Londres da Nóbrega (UFRJ, 1963), A epopéia de Ênio: exegese e crítica, em que o autor se ocupou de transcrever os versos e analisar a métrica de cada um deles, além de apor-lhes breves notas e um estudo introdutório; e a de Sebastião Gonçalves de Souza (UFRJ, 1989), Fragmentos de Névio e Ênio, uma tradução incompleta e não muito confiável dos fragmentos de Ênio e Névio, acompanhada de notas de teor lingüístico, sobretudo. O resultado final da nossa dissertação, como hoje se delineia, apresentará uma seção introdutória em que se tratará de discutir o que se sabe sobre o poeta, partindo das citações dos autores antigos que a ele se referiram, um corpus variado que conta com diferentes textos, oriundos de diversos gêneros. Fará ainda parte dessa seção inicial um estudo introdutório sobre os Anais, apresentando o poema segundo as visões dos antigos e também de acordo com o que é hoje, na forma fragmentária em que chegou a nós, da qual o elemento unificador se centra no trabalho filológico de críticos de todo o mundo. O centro do trabalho, composto justamente dos 420 fragmentos tomados à edição italiana de Valmaggi (1945), traduzidos e anotados, foram comentados e analisados segundo as reflexões que nos possibilitaram os diferentes estudos a que pudemos ter acesso ao longo do percurso, dentre os quais destacamos Skutsch (1985), Steuart (1976),

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Warmington (1988) e Vahlen (1967). As anotações partem da contextualização de cada fragmento, assinalando o tema a que esteja ligado e, em seguida e como conseqüência, porque tal fragmento foi incluído no canto de que faz parte. Ocupamo-nos então de analisar o fragmento, ressaltando motivações estilísticas e empregos lingüísticos, em busca do significado do texto-fragmento, o que se faz com o uso de diferentes recursos, como o uso de diferentes dicionários, a comparação da mesma palavra em diferentes fragmentos dos Anais ou de outras obras enianas, ou ainda pelo estudo do emprego de uma palavra em contextos semelhantes de outros autores, ou em diferentes contextos de autores contemporâneos de Ênio. Como se vê, adotamos uma edição crítica do texto e nos ativemos a ela para um trabalho de tradução e comentário lingüístico-literário, escolhendo deixar que fugissem ao escopo da nossa pesquisa as questões filológicas de estabelecimento do texto e de estudos de manuscritos. Para esta comunicação, selecionamos o canto I, o mais longo, que conta com 57 fragmentos. Apresentamos o canto em breve resumo e passamos à leitura de um excerto da dissertação, que trata de comentar e analisar os fragmentos 2-9, em que se lê o sonho de Ênio com Homero, abertura do canto inicial do poema, programaticamente localizada em seguida à invocação às Musas. Na narrativa desse sonho, o poeta latino identifica uma das suas fontes inspiradoras e se afilia à tradição literária grega, antes de iniciar a narrativa épica propriamente dita.

O IMPERIO DO CRONISTA: A COLABORAÇÃO DE ARTUR AZEVE DO NO DIÁRIO DE NOTÍCIAS (1885-1886)

Esequiel Gomes da SILVA (UNESP – Assis / FAPESP)

Com este trabalho pretendemos fazer um estudo das crônicas que Artur Azevedo escreveu na seção De palanque do Diário de Notícias no período de junho de 1885 a junho de 1886, época em que a circulação desse gênero jornalístico-literário dispunha de bastante prestígio no Rio de Janeiro. O mencionado estudo será realizado com uma leitura através da qual almejamos compreender as opiniões do dramaturgo maranhense nos mais diversos campos: político, social, artístico e cultural. Para alcançarmos nosso objetivo, partiremos das crônicas originais disponíveis em coleção microfilmada no Arquivo Edgard Leuenroth, na Unicamp, e faremos a referida leitura relacionando texto e contexto histórico-cultural. O conhecimento desse contexto é importante para que possamos perceber em que medida os acontecimentos da capital do Império influenciaram na elaboração das crônicas do autor em questão. Trabalhamos também na perspectiva de mostrar que o “De palanque” representou um meio de intervenção cultural. É importante lembrar que Artur Azevedo produziu textos na imprensa desde 1873 – ano em que chegou ao Rio de Janeiro – até 1908, ano de sua morte. Como vemos, foram mais de trinta anos de colaboração em vários jornais da capital do Império. Até onde sabemos, somente a pesquisadora Larissa de Oliveira Neves (2002) realizou um trabalho focalizando aspectos da produção jornalística deste autor. No entanto, seu corpus centrou-se nos textos da seção “O teatro”, contida no periódico A Notícia entre os anos de 1894 e 1908. Essa informação nos leva à conclusão de que escapou à crítica acadêmica mais pesquisas que explorem, efetivamente, suas qualidades enquanto cronista de jornal. Eis a razão pela qual dedicamos nosso estudo às crônicas da seção “De palanque”, por ele escritas, sob o pseudônimo de Eloi, o herói, e publicadas no período já mencionado. A escolha deste corpus justifica-se também pelo fato de essas crônicas não terem ainda sido recolhidas, sendo o Diário de Notícias a única forma de acesso a elas, e também, pelo fato de tais textos não serem conhecidos em sua totalidade, visto que, tiveram apenas trechos citados em trabalhos como O carnaval das letras (1994), de Leonardo Pereira. Detalhando um pouco mais, de todas as crônicas lidas até o momento, em aproximadamente 70% delas, o redator privilegiou o mundo artístico, quer no âmbito da pintura, da escultura, do teatro ou da literatura como área de atuação. É claro que não foram esquecidos assuntos como epidemia de febre amarela, assassinatos, casos de suicídio, enchentes e falta d’água, problemas que afetavam diretamente a vida da população. Contemplando esses dois pólos – o cultural e o social – como matéria jornalística, o cronista satisfazia o gosto de dois tipos de leitores: o primeiro tipo, mais letrado e preocupado com as minúcias da vida cultural e, o tipo mais comum, com menor grau de escolaridade, mas que também se identificava com os relatos de Artur Azevedo, uma vez que via os assuntos que faziam parte de sua realidade comentados no jornal. Enfim, esses são alguns pontos que justificam nossa escolha pelas crônicas de Artur Azevedo, que pretendemos desenvolver no decorrer da nossa pesquisa. Vale ressaltar, ainda, que uma antologia desses textos é uma forma de tirá-los do esquecimento e disponibilizá-los para outros pesquisadores.

IDENTIDADES LINGÜÍSTICAS EM CONTEXTO DE FRONTEIRA: APRESENTANDO UM PROJETO DE PESQUISA

Evódia de Souza Braz (UNICAMP)

Dentre as grandes narrativas elaboradas na Modernidade, a idéia de nação tornou-se uma das invenções mais convincentes. Sendo um projeto proposital, de legitimação da soberania do Estado, a nação constitui-se em um mecanismo simbólico, ela constrói significados e representações. Para Hall (2006), a cultura nacional institui

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elementos concretos que constituem, organizam e regulamentam comportamentos generalizados, promovendo a idéia de uma cultura e uma língua homogênea. Segundo Berenblum (2003), no caso brasileiro, no momento de independência, no qual é posto em marcha o projeto nacional, esquece-se o plurilinguísmo inerente ao território brasileiro e o português passa a ser a língua oficial. Instala-se aí o mito de um país monolíngüe. Conforme Cavalcante (1999) e Maher (2007), existem atualmente no Brasil mais de 180 línguas indígenas, a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) e cerca de 30 línguas de imigrantes utilizadas cotidianamente em território brasileiro, além das línguas africanas presentes nos cânticos e orações religiosas em comunidades quilombolas. Apesar disto, o mito de o Brasil como um país monolíngüe permanece vivo. Em contextos de fronteira, esta questão coloca-se de maneira ainda mais crítica, dado o plurilingüismo que os caracterizam. A legitimidade de uma identidade nacional homogênea torna-se demasiado evidente e o rechaço às identidades destoantes é inevitável. O que se coloca agora mais fortemente, e também em regiões fronteiriças, paralelamente às representações construídas da narrativa nacional, são os processos de globalização, migração e multiculturalismo da contemporaneidade, os quais têm fraturado cada vez mais os campos sociais e acabam por fomentar a emergência de políticas identitárias que celebram a diferença, inaugurando terrenos de luta ao mesmo tempo em que fragmentam as identidades. Faz-se necessário, portanto, pensar em políticas lingüísticas que sejam capazes de, nesses contextos, acomodar as diferenças lingüísticas, contribuindo assim, para a minimização de discriminações das identidades não hegemônicas. Em contextos bi/plurilíngües, não há como se pensar em tais políticas lingüísticas sem nos determos nas próprias identidades lingüísticas, ou seja, sem levar em conta, segundo Rampton (1995), as relações que os sujeitos estabelecem com as línguas que falam. Sabemos, além disso, como afirma Hall (2002), que as identidades são constantemente construídas no interior das práticas discursivas, são produzidas em locais históricos e institucionais específicos, emergindo num jogo de poder e são sustentadas pela exclusão. Tendo como pressuposto teórico o acima exposto, pretendo, neste trabalho, apresentar o projeto de pesquisa que comporá minha dissertação de mestrado e cujo objetivo é focalizar as identidades lingüísticas em contexto de fronteira Brasil/ Venezuela. O foco específico de análise serão as interações comerciais que ocorrem, hoje, em Pacaraima, entre cidadãos brasileiros e imigrantes venezuelanos. O município de Pacaraima, localizado no Estado de Roraima, é a porta norte de entrada rodoviária do Brasil através da BR 174, a qual corta Roraima, de norte a sul, ligando-se ao Estado do Amazonas. Pacaraima limita-se ao norte com a República da Venezuela, ao sul com os municípios de Boa Vista e Amajari, ao leste, com os municípios de Normandia e Uiramutã e a oeste, com o município de Amajari. O município, criado pela Lei Estadual nº 96 de 17 de outubro de 1995, tem uma área de 8.063,9 Km2, com uma população de 6.989 habitantes (censo, 2000) e está inserido nas Reservas Indígenas Raposa Serra do Sol e São Marcos. Por ser uma cidade fronteiriça, Pacaraima promove o encontro das línguas majoritárias dos dois países, o português e o espanhol, e que naturalmente, em muitas situações, se hibridizam. A pesquisa a ser desenvolvida é de base interpretativista, de cunho etnográfico. Segundo Silva (2007), as interpretações são sempre representações de uma realidade e estas constituem a própria realidade. Pretendo, assim, apenas construir interpretações, não conclusivas, mas situadas, contextualizadas. Também farei uso da Sociolingüística Interacional para analisar as interações que comporão o corpus da investigação. Procurando dar visibilidade a contextos sociolingüísticos ainda praticamente desconhecidos pelo país e dar voz a uma parcela da população que é freqüentemente silenciada (os imigrantes venezuelanos), busco responder à seguinte pergunta: que representações os sujeitos constroem acerca de suas identidades lingüísticas, ou seja, que representações são culturalmente construídas acerca da relação que os sujeitos estabelecem com as línguas que compõem o seu repertório verbal? Esta pergunta desdobra-se em outras três: a) de que forma os sujeitos de pesquisa percebem sua relação com o espanhol? Como eles se posicionam, se é que o fazem, com relação às variantes dessa língua?; b) De que forma os sujeitos de pesquisa percebem sua relação com o português? Como eles se posicionam, se é que o fazem, com relação às variantes dessa língua?; e c) De que forma os sujeitos de pesquisa percebem sua relação com o portunhol? Que valor eles atribuem a essa forma híbrida?

MAKTUB: OS TERRITÓRIOS DO AVÔ, DO PAI E DO FILHO EM LAVOURA ARCAICA

Fabiana Abi Rached de Almeida (UNICAMP)

A proposta desse trabalho é discutir a constituição das figuras paternas, pai e avô, na obra, Lavoura Arcaica de Raduan Nassar (1975), a partir das constelações lingüísticas que pressupõem limites discursivos entre ambos e o filho. O romance Lavoura Arcaica pode ser lido como uma versão transgredida da parábola do filho pródigo. Com a mesma estrutura circular da parábola de base, o romance é divido em duas partes, uma primeira parte, mais extensa, intitulada A partida, e uma segunda parte, intitulada O retorno. No entanto, diferente do discurso bíblico, a narrativa se faz na primeira pessoa, sob o ponto de vista de André, há um movimento de retorno que percorre a narrativa tanto no sentido espacial (casa – pensão; pensão – casa) como no sentido temporal. André acorda recordações misturadas no tempo e no espaço, desordenadas do ponto de vista seqüencial, como se os relatos fossem concatenados por um processo de livre associação. Esse processo começa com a visita de Pedro, o irmão mais velho, que tem como missão devolver o filho pródigo a casa da família. A presença de Pedro suscita uma

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série de recordações que seguem desde as tardes da infância passadas num esconderijo no bosque da fazenda, de volta à pensão, para a lembrança da mãe (dos olhos da mãe), para a casa da família. Até o momento em que André revela seu amor pela irmã, Ana, e conseqüentemente a consumação do incesto, relatado no final da primeira parte do romance. A narrativa percorre esse ziguezague, colocando o leitor ora como acompanhante do processo de recordação, ora no lugar de Pedro que toma conhecimento dos fatos até então ignorados, que implicam em situações de transgressão em relação à palavra do pai. Em algum momento, os sentidos em torno das relações parentais estabelecidas são tão trabalhados, bem escritos, “posicionados” com esmero ao longo do discurso, que passam a ser extravasados e há um retorno a “forma” que subjaz o sagrado, a essência da idéia de autoridade, a estrutura da hierarquia em si. Para tanto, valemo-nos de alguns conceitos da psicanálise (Freud e Lacan) a respeito da idéia de “pai”; de construções imagéticas de líderes como Moisés, numa obra de Caravaggio. Perpassamos também pelo enigmático “maktub”, proferido pelo avô como uma metáfora que ecoa mais ou menos do meio até o final da obra e cuja função teria que ver com a mudança de fortuna e com a imbricação dos discursos dessas três figuras. Mais ainda: é uma referência a uma espécie de “autoridade literária” uma vez que o Corão (e por extensão a própria Bíblia) apresenta essa forma como algo “está escrito”, ou então, “foi escrito por Deus”. Em outro aspecto, estudamos como a imagem do pai e do avô foram traduzidas no filme homônimo Lavoura Arcaica (2001) de Luiz Fernando Carvalho, em determinados planos, por meio dos movimentos de câmera numa espécie de edificação e destruição das personagens; pelos objetos de cena que compõem os quadros; pelas referências à imagem de Moisés; pelo deslizamento da imagem do avô para a imagem do pai etc.

O CONCEITO DE CONSTRUCTIO OU SÝNTAXIS EM PRISCIANO

Fábio da Silva Fortes (UNICAMP / CNPq) O conceito de “sintaxe” já era aplicado à descrição das línguas desde a Antigüidade. Na tradição latina, Prisciano (séc. VI) foi o primeiro gramático a dedicar uma obra inteira à investigação desse tema: o De constructione (livros XVII e XVIII de suas Institutiones grammaticae), que trata da “ordenação ou construção das palavras, que os gregos chamam de sýntaxis” (XVII, 1). O conceito que está na base da constructio é a noção de ratio: Do modo que discernimos o sistema lógico [ratio] das letras, tanto pela observação da escrita, quanto pelo sentido dos ouvidos, assim também julgamos o sistema lógico do encadeamento na ordenação das palavras – se está correto ou não. Com efeito, caso esteja incoerente, estando unidos desarmoniosamente os elementos da oração, produzirá um solecismo, do mesmo modo que a desarmonia das letras ou das sílabas, ou de suas propriedades em cada uma dessas palavras, produz barbarismo. Portanto, do mesmo modo que o sistema lógico [ratio] correto da escrita ensina a junção correta das letras, assim também o sistema lógico [ratio] de ordenação revela a composição correta da oração (Prisc. Inst. gram., XVII, 6). Com a explicitação do princípio da ratio, somos levados a pensar em duas hipóteses. A primeira, a de que o conceito de constructio de que Prisciano tratará em sua obra apresentará um forte matiz “logicista”, buscando, no interior do sistema, as explicações para o ordenamento das palavras. A segunda, a de que as construções em desacordo com esse sistema lógico engendrarão uma espécie de normatização, que, em outros contextos, era comum nos tratados de retórica ou mesmo nas artes grammaticae. No entanto, seguindo a leitura, essas duas hipóteses logo encontram problemas. Os princípios teóricos apresentados pelo gramático não estão, ao longo da obra, analisados somente em sentenças bem-construídas produzidas ad hoc, do tipo Socrates albus currit bene [“O branco Sócrates corre bem”] ou Filius Socratis legit Vergilium [“O filho de Sócrates lê Virgílio”], mas também, e sobretudo, em passagens atestadas dos autores antigos, gregos e latinos. Por isso, quando a construção encontrada nos textos parece contrariar o princípio da ratio, recorre-se a uma segunda noção, igualmente relevante ao longo da obra: figura. Delineia-se, assim, já de início, a tensão que permeará a obra do gramático, entre a amplitude explicativa da ratio – a “lógica do sistema”, ou “teoria”, como traduz Baratin (1989: 437) – e as construções evidenciadas no usus – termo genérico que engloba o que é usado correntemente ou o que é atestado pelos autores, mesmo os mais antigos – essas últimas não são totalmente explicáveis pela ratio, mas podem ser consideradas assumindo-se o conceito de figura. Nesse sentido, na obra de Prisciano, figura parece incorporar-se ao seu modelo sintático, representando o conceito pelo qual se explicita a insuficiência da ratio para dar conta de todas as ocorrências do uso efetivo da língua. Em outras palavras, as figuras constituem uma espécie de “variação” [uariatio], em relação ao previsto pelo sistema, fazem parte do mecanismo da própria língua: Toda construção, que os gregos chamam de sýntaxis, deve ser expressa para o entendimento da linguagem. Assim, através de diversas figuras, que mostramos acima, os autores costumam variar os traços das palavras na construção, os quais, embora pareçam estar dispostos inadequadamente para as próprias palavras, entretanto são julgados pela lógica do sentido, como se estivessem corretissimamente ordenados (Prisc., Inst. gram., XVII, 187). Considerando-se os conceitos acima brevemente apresentados, de ratio, figura, usus e uariatio, é nosso propósito investigar o conceito maior de constructio ou sýntaxis em Prisciano: suas relações com as discussões metalingüísticas na própria Antigüidade e as repercussões desse “modelo sintático” para a constituição das teorias lingüísticas posteriores.

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LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA NUM VIÉS MULT ICULTURAL

Fernanda Costa Garcia (UNICAMP / CAPES)

O presente trabalho tem como foco a apresentação dos direcionamentos teórico-metodológicos de nossa pesquisa de mestrado, pertencente ao programa de pós-graduação em Lingüística Aplicada (IEL-UNICAMP). Iniciada em março de 2008, sob orientação da Profa. Dra. Roxane Rojo, esta pesquisa pretende fazer uma análise de livros didáticos de Língua Portuguesa (doravante LDP) destinados aos 3º e 4º ciclos do Ensino Fundamental, com a finalidade de discutir se e como o multiculturalismo é representado nestes materiais. Para tanto, utilizaremos LDPs recomendados pelo Ministério de Educação e Cultura (MEC) por meio do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), cujas orientações constam no Guia do Livro Didático 2008, bem como nos apoiaremos nas recomendações dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de 5ª a 8ª séries, fazendo frente a uma abordagem multicultural crítica (Mclaren, 2000). O corpus, composto por duas coleções de LDP, totalizando 8 volumes dentre aqueles avaliados pelo PNLD/2008, garante atualidade aos dados aqui estudados, já que as referidas obras ficarão na rede pública de ensino no período de 2008 a 2010. Pensando o LDP como o resultado de um trabalho coletivo histórico, calcado no interior de uma determinada cultura, que, por vezes, compõe-se a partir de múltiplas culturas que se entrecruzam (ou não), faz-se indispensável atentar para questões atuais de um tratamento de boa qualidade à temática do multiculturalismo em materiais didáticos no contexto da contemporaneidade. Isso, porque, muitas vezes, o livro didático acaba sendo o único material de leitura disponível na casa de grande parte dos estudantes, o que redobra a importância da qualidade e diversidade dos textos que serão fundamentais no processo de letramento desses alunos. Entretanto, é baixa a representatividade, nos materiais didáticos, de outros contextos regionais e culturais que não os de contextos urbanos e sulistas. Além disso, as variedades lingüísticas também não se encontram devidamente representadas nos textos selecionados dos LDP, sendo que pode ser observada uma decidida preferência por textos representativos da variedade padrão, norma culta e língua escrita (Rojo & Batista, 2003, p. 16). O silenciamento de vozes neste processo encaminha a pesquisa para uma revisão do conceito de poder, informado aqui a partir de Foucault (1979), como algo difuso, descentralizado e horizontal. No que tange a concepção de linguagem, esta pesquisa é baseada no entendimento de Bakthin (1988), segundo o qual a língua acontece por meio de um fenômeno social de interação e não devido a um sistema abstrato de formas. Mas, como existem normas sistêmicas na linguagem, as escolas, representantes de uma força centrípeta, se limitam a ensinar o português padrão. E, ainda, fazem isso tendo como respaldo, ou melhor, seguindo as orientações dos documentos oficiais que direcionam a educação, já que para as diretrizes e parâmetros curriculares nacionais, a língua portuguesa é “considerada a língua materna de todos habitantes deste país, sem maior consideração da complexidade sociolingüística e cultural do Brasil.” (César e Cavalcanti, 2007, p. 50) A investigação desta pesquisa é de base qualitativa interpretativa, devendo levar em consideração que a construção do conhecimento é realizada a partir da interação entre o pesquisador, as avaliações feitas pelo PNLD e o objeto de pesquisa (amostra de LDP). Assim, será pressuposto que o “acesso ao fato deve ser feito de forma indireta, através da interpretação dos vários significados que o constituem” (Moita Lopes, 1994, p. 331). São inúmeros os métodos e as abordagens classificados como pesquisa qualitativa, mas o que se destaca hoje é a busca por “relacionar a pesquisa qualitativa às esperanças, às necessidades, aos objetivos e às promessas de uma sociedade democrática livre” ( Denzin e Lincoln, 2006, p. 17).

A TIPOLOGIA DO ROMANCE POLICIAL CONTEMPORÂNEO: UMA ABORDAGEM SEMIÓTICA

Fernanda Massi (UNESP - Araraquara)

O romance policial é um gênero literário caracterizado pela presença de três sujeitos indispensáveis à trama narrativa, que existem um em função do outro: a vítima, o criminoso e o detetive. A partir da perfórmance do criminoso (crime) tem-se a vítima e o sujeito detetive é manipulado a realizar a investigação. O enfoque da narrativa policial, portanto, é o percurso do detetive, ou seja, a busca da identidade do criminoso. Esse segredo é desconhecido do leitor e das personagens, mas ambos se envolvem com o enredo na tentativa de chegar à resolução do enigma. É essa expectativa na busca da verdade que faz o romance policial prender o leitor do início ao fim. Neste trabalho selecionamos as obras mais vendidas no Brasil no período de janeiro de 2000 a fevereiro de 2007 classificadas como romances policiais. São elas:

O colecionador de ossos Jeffery Deaver Hotel Brasil Frei Betto O céu está caindo Sidney Sheldon Código Explosivo Ken Follet Uma janela em Copacabana Luiz Alfredo Garcia-Roza Morte no Seminário Phyllis Dorothy James White O vingador Frederick Forsyth Perseguido Luiz Alfredo Garcia-Roza

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O código da Vinci Dan Brown O enigma do quatro Ian Caldwell O enigma de Sally Phyllis Dorothy James White Os crimes do mosaico Giulio Leoni A rosa de Alexandria Manuel Vázquez Montalbán Mosca-Varejeira Patrícia D. Cornwell Mandrake a bíblia e a bengala Rubem Fonseca O último templário Raymond Khoury O farol Phyllis Dorothy James White Gone, baby, gone Dennis Lehane Milênio Manuel Vázquez Montalbán O homem dos círculos azuis Fred Vargas Brincando com fogo Peter Robinson

Partindo da semiótica discursiva, analisamos a constituição narrativa desses romances policiais contemporâneos e destacamos os elementos que fizeram essas obras se afastarem do modelo proposto para a narrativa policial. O romance policial tradicional se prendia exclusivamente à busca da identidade do criminoso, enfocando o percurso narrativo do detetive. Assim, questões paralelas ao crime não eram abordadas no enredo, já que nada mais interessava além da busca da verdade. No romance policial contemporâneo, por sua vez, a perfórmance do detetive não se pauta apenas na descoberta da identidade do criminoso, mas também em outros aspectos decorrentes do crime. Em nosso corpus, constatamos três tipos de romances policiais: (1) misticismo e religiosidade, que têm como nó um enigma místico ou religioso; (2) questões sociais, que se prendem a outros aspectos da narrativa além do crime, abordando temas da sociedade atual, como corrupção, violência, disputa de poder; (3) thrillers , histórias de suspense que suscitam terror e medo nos leitores. No primeiro tipo, (1) misticismo e religiosidade, o crime é apenas um motivo para que a investigação sobre algum mistério religioso ou místico seja instaurada ou, ainda, ela é conseqüência da descoberta desse mistério. Fazem parte desse grupo O código da Vinci; Os crimes do mosaico; O enigma do quatro; O último templário. No tipo (2), a narrativa gira em torno de temáticas sociais, por exemplo, a corrupção na polícia do Rio de Janeiro (Brasil), a disputa de poder em empresas de grande porte, a falta de ética de alguns médicos do Sistema Único de Saúde, etc, deixando o crime em segundo plano. Fazem parte do grupo (2) Uma janela em Copacabana; Perseguido; O céu está caindo; Hotel Brasil; Morte no Seminário; O enigma de Sally; A rosa de Alexandria;Milênio; O homem dos círculos azuis; Mandrake, a bíblia e a bengala; O farol. No tipo (3) thrillers, as características fundadoras do romance policial – criminoso, vítima e detetive – predominam, mas são enriquecidas com tecnologia e terror, e o enfoque do enredo é a perfórmance do criminoso, não mais a do detetive. Fazem parte desse grupo O colecionador de ossos; Código Explosivo; O vingador; Mosca-Varejeira; Gone, Baby, gone; Brincando com fogo. Dessa forma, muitos constituintes narrativos fizeram com que os romances policiais contemporâneos se distanciassem do modelo proposto ao gênero, embora eles não cheguem a descaracterizar a narrativa policial. O romance policial mudou porque o público leitor mudou e exigiu dele uma nova configuração, como pode ser constatado pelas temáticas abordadas. A tríade vítima, criminoso e detetive ainda prevalece, mas o papel actancial exercido por cada um desses sujeitos na narrativa e o valor atribuído a eles foi modificado, especialmente o do detetive, figura indispensável ao gênero, que deixou de ser o herói da narrativa para disputar espaço e público com o criminoso e as conseqüências do crime. Se antes o foco da narrativa policial era o detetive, agora esse sujeito deve ser competente ao realizar sua perfórmance para ganhar espaço no enredo e ser valorizado como herói.

O POETA E O IMAGINÁRIO POPULAR NO CORDEL: UMA ANÁLISE DISCURSIVA DE FOLHETOS A PARTIR DA DÉC ADA DE 40

Fernanda Moraes D Olivo (UNICAMP)

A proposta deste trabalho é realizar uma análise discursiva em cordéis, enfocando a figura dos autores dos folhetos e o imaginário popular posto em circulação nos versos desses textos. As reflexões feitas durante o processo de análise serão orientadas por duas perguntas: (i) como a representação de questões relevantes em diferentes momentos histórico-sociais brasileiros é formulada e significa na literatura de cordel; (ii) como esse processo de formulação se configura ou não em uma relação de porta-voz com a comunidade para a qual o cordel é feito. Nosso material de pesquisa é composto por folhetos produzidos a partir da década de 40 até os dias atuais. Escolhemos analisar os textos a partir dessa década porque, segundo diversos pesquisadores do assunto, essa época foi o auge das vendas dos folhetos. O corpus vem sendo constituído de maneira a abranger as diferentes temáticas tratadas nos cordéis (religiosa, política, de amor, de humor e etc), sendo que a escolha dos temas relevantes para a nossa pesquisa já se constitui em um primeiro momento analítico. As análises destes textos são sustentadas pela teoria da Análise de Discurso (AD) de perspectiva materialista, que busca compreender os efeitos de sentidos no funcionamento discursivo. Os conceitos principais da AD utilizados neste trabalho são os de condições de produção e formações imaginárias. As condições de

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produção são pontos fundamentais da teoria para as análises da pesquisa que apresentaremos pelo fato de observarmos os cordéis em diferentes épocas da história do Brasil e com diferentes interlocutores. As formações imaginárias são importantes para observarmos o funcionamento do imaginário popular e a posição discursiva do cordelista. Além disso, estes dois conceitos da AD permitem ao analista atingir a(s) formação(ões) discursiva(s) que se apresenta(m) em um texto e, através destas, chegar às formações ideológicas. Pensando nas condições de produção é interessante apresentar um breve panorama sobre o cordel, sobre a figura do cordelista e sobre o seu público tradicional e o atual. Sobre o cordel, vemos que ele é uma literatura popular originária da região nordestina brasileira (Abreu, 1999), que busca, segundo Curran (1991), no seu artigo A literatura de cordel: antes e agora, representar o imaginário do público e da sociedade onde os textos eram/são produzidos, pois os autores escreviam/escrevem seus versos sob o mesmo ponto de vista dos seus leitores. Os autores de cordel de antigamente eram homens oriundos do povo e habitavam a região do sertão nordestino, tendo recebido pouca educação formal. Escreviam diversos temas para um público tradicional, formado por habitantes do interior nordestino. Seus interlocutores eram pessoas sem nenhuma ou quase nenhuma educação formal, que entravam em contato com a literatura de cordel quando iam com toda a família para as feiras e mercados das cidades interioranas (Curran, 1991), sendo estes lugares pontos de recitação e de venda dos folhetos. A partir da década de 70, os folhetos, além de serem apreciados pelos nordestinos sertanejos, também começaram a ser lidos por “intelectuais, artistas de vários meios de expressão, estudantes de classe média, e turistas com uma curiosidade pelo folclore brasileiro” (Curran, 1991, p. 572). A sociedade também mudou: não somos regidos claramente por uma sociedade patriarcal, sendo que esta característica ainda resiste em muitas localidades do nordeste. A mulher agora trabalha, não é tão mais reprimida socialmente e as informações chegam mais rápido por meio da televisão, internet, jornais, etc. Ou seja, houve mudanças tanto na sociedade quanto nas condições de produção dos cordéis, sendo isso importante para refletirmos sobre a sociedade de antes e de agora através dos versos dos folhetos, mostrando, desta forma, a relevância do nosso trabalho.

MÍDIA JORNALÍSTICA E PRÁTICA SITUADA DE CRÍTICA CIN EMATOGRÁFICA

Fernanda Valim Côrtes Miguel (UNICAMP) Nesta comunicação, discutirei os resultados e encaminhamentos de uma pesquisa que teve como propósito investigar a prática situada de crítica cinematográfica com base na problematização dos modos como uma comunidade especializada de críticos cinematográficos concebe o papel da atividade midiático-jornalística na constituição de suas próprias produções escritas. Esta problematização foi realizada a partir de uma base documental constituída por textualizações de entrevistas por mim realizadas com cinco integrantes desta comunidade, bem como com integrantes de uma comunidade de estudantes universitários. Outras fontes textuais, orais e escritas, em circulação na internet, também constituíram a base documental da pesquisa. Meus estudos iniciais partiram do conceito de gêneros discursivos, inicialmente proposto por Bakhtin, já que algumas críticas cinematográficas sobre o filme “Olga” foram lidas por estudantes universitários e reconhecidas, num primeiro momento, como pertencentes a um gênero comum, composto por uma estrutura muito similar de composição, conteúdo temático e estilo de linguagem. No entanto, uma das críticas em especial gerou certa polêmica entre os entrevistados, pois, apesar de se pautar nas mesmas categorias dos demais textos, não foi reconhecida da mesma maneira como um texto típico daquele gênero discursivo. Minha hipótese foi a de que este texto explicitava claramente uma posição ideológica, o que causou estranheza em relação aos demais. Passei a suspeitar que a teoria dos gêneros não daria conta de explicar aquele acontecimento particular. Parti, então, para outros estudos que se mostraram mais esclarecedores diante das questões a serem por mim investigadas, chegando até alguns teóricos da atividade e perspectivas lingüístico-antropológicas da teoria da prática social. A partir desta perspectiva teórico-metodológica que vem orientando a minha investigação, venho encarando a própria crítica cinematográfica como uma prática social que pode ser realizada por diferentes pessoas em diferentes contextos situados. Quando partimos da visão da crítica como prática social, ela deixaria de ser vista apenas como produto de uma ação, como texto tipificado, escrito e de autoria única. Aqui o sistema de atividade midiático-jornalístico foi tomado por mim como centro de análise e o contexto passou a ser a própria atividade realizada por esta comunidade especializada de críticos. O enfoque da análise das entrevistas partiu da observação das regras, das normas e convenções implícitas e explícitas que regem as ações e interações desta comunidade de prática neste sistema de atividade particular. Acredito que argumentar em favor da legitimidade deste deslocamento conceitual poderia contribuir para se desafiar a visão de que existiria um único espaço social legítimo de produção de críticas. Desse modo, considerados tais ajustes conceituais, eu diria que as questões mais pontuais que problematizei neste estudo foram: 1. De que maneira uma comunidade especializada de críticos cinematográficos concebe o papel do veículo midiático na constituição de suas próprias produções escritas? 2. Os produtos culturais desta prática - isto é, as críticas - seriam sempre consensualmente vistos como pertencentes ao gênero crítica cinematográfica, quer por aqueles que integram, quer pelos que não integram a comunidade especializada de críticos cinematográficos? 3. Com base em quais critérios essas comunidades, especializadas ou não, justificariam a inclusão ou exclusão de certas críticas do domínio do gênero ‘crítica cinematográfica’? De maneira geral, todos os críticos entrevistados situaram a produção da crítica atual precisamente na atividade midiático-jornalística, como um exercício tipicamente jornalístico, ou seja, com formato, espaço e parâmetros específicos de elaboração do texto, tais como, clareza, organização e precisão nas informações de interesse para o leitor, além da inclusão de elementos analíticos e reflexivos. Para os entrevistados, o veículo midiático interfere não apenas na forma ou na composição do texto, mas também na sua função específica.

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Para alguns, a crítica estaria intimamente ligada ao lançamento das produções cinematográficas, servindo como recomendação ao consumidor de um produto de mercado, cumprindo um papel de valor de troca mercadológica. Para um dos entrevistados, a crítica feita pelos veículos de grande circulação, monopolistas e de forte caráter familiar, reforçaria o ciclo mercantil do que é a opinião pública, formada por consumidores ao invés de cidadãos. Outros entrevistados destacaram o fato de que a produção da crítica envolveria também elementos estilísticos, estéticos e reflexivos de um universo impressionista muito íntimo e pessoal.

A METÁFORA DO MAR

Fernando Góes (UNICAMP) O presente texto é parte integrante de um estudo que se realiza no romance A ostra e o vento de Moacir C. Lopes. O objetivo geral do trabalho é analisar esse romance tomando por fio condutor a metáfora do mar, procurando, desse modo, descrever o tratamento da temática marítima na obra. Neste primeiro estágio da pesquisa, busca-se realizar um estudo compreensivo da metáfora marítima, ou seja, delinear uma metáfora do mar mostrando como as imagens nascidas dessa grande extensão de água se convertem em poderosa figura de linguagem. Para se entender as metáforas do mar, ou seja, as metáforas possíveis de serem formuladas a partir das imagens oriundas do mar e da atividade imaginante do homem diante dessa enorme extensão de água salgada, é necessário, antes, buscar uma compreensão do elemento que dá corpo ao que se chama de mar, ou seja, a água. É, pois, nas imagens da água que se encontram os elementos que permitem um entendimento das metáforas marítimas. Não são muitas as obras teóricas que abordam as imagens da água e suas metáforas. Pode-se dizer que a única em que se tem um estudo profundo sobre esse assunto é A água e os sonhos do pensador francês Gaston Bachelard. É nela, portanto, que esse estudo se apóia com maior vigor, fazendo uma prospecção das imagens primordiais encerradas nesse elemento. No que tange à metáfora e ao processo de construção dessa figura de linguagem utiliza-se, sobretudo, A metáfora de Edward Lopes. Evidente que o escopo deste estudo não é a metáfora em si, mas, partindo de um conceito convencional dessa figura, demonstrar como a imaginação humana cria, a partir das imagens do mar, metáforas que condicionam, muitas vezes, a estrutura de obras literárias, seja um poema ou uma narrativa. Em A água e os sonhos são muitas as imagens desse elemento natural estudadas e descortinadas por Bachelard que parte de uma água geradora de imagens superficiais, apreendidas facilmente para imagens profundas, enraizadas no mais denso da matéria original. Contudo, deve-se frisar que este estudo não visa fazer uma análise detida das imagens aquáticas tratadas pelo pensador francês e sim utilizar aquelas que fornecem material para um entendimento das metáforas do mar. Buscando, pois, uma seleção adequada dessas imagens bachelardianas, chegou-se à possibilidade de junção dessas idéias e conseqüente divisão em quatro vias, de acordo com as quatro principais características da água quando em contato com a rede sensorial humana. As quatro vias seriam: a capacidade que tem a água de refletir, de dissolver, de refrescar e de alimentar. Com efeito, essas são as principais características desse elemento natural que fornecerão rudimentos formadores de metáforas. Praticamente todas as imagens da água tratadas por Bachelard enquadram-se em uma dessas vias Das imagens tratadas por Bachelard, pode-se dizer que as mais úteis na busca por um entendimento da metáfora marítima são, de certa forma, aquelas relacionadas às capacidades de dissolução e de refrescar presentes na água. O fato de água do mar ser salgada, ou seja, não potável, afasta essa extensão de água das metáforas alimentícias, ou seja, não há como ver na água do mar o leite materno, por exemplo. A capacidade de refletir fica também praticamente ausente nas metáforas marítimas, pois a água em excesso e a profundidade do mar torna-o quase sempre escuro, desvanecendo dessa forma o espelho cristalino. Sendo assim, grande parte do mistério que envolve as imagens do mar está relacionada ao frescor das águas e, sobretudo, ao seu poder de tudo diluir e dissolver. Essa capacidade da água é a mais próxima da morte e é a que mais se projeta das metáforas marítimas. De fato, a morte está na água de forma mais sensível que nas demais matérias, pois está relacionada ao afogamento e a inúmeros ritos fúnebres primordiais que se realizavam em rios e, em certos lugares, no mar. Nenhum outro elemento oferece funeral mais completo, nem mesmo o fogo que como vestígio ainda deixa as cinzas. A morte, portanto, está na água não apenas pelo afogamento, mas por ser a única substância capaz de realmente apagar os vestígios da existência. Procura-se agora desenvolver mais esse diálogo com a teoria de Bachelard e buscar, por fim, uma configuração das chamadas metáforas do mar. Há ainda a questão do gênero da palavra mar. Esse fato deve ser bem estudado, pois interfere e muito na formulação das metáforas marítimas. O mar de Bachelard, por exemplo, é francês, portanto feminino. Mar, no português, é masculino e não admite troca de gênero em nenhum contexto, com ocorre no espanhol. Sendo assim, há aí uma importante questão etimológica que deve ser levada em consideração neste trabalho.

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UM ESTUDO DISCURSIVO DA AFASIA INFATIL

Francine Marson Costa (UNICAMP)

Apesar dos inúmeros trabalhos que vêm sendo desenvolvidos, desde Coudry (1986), na área da Neurolingüística Discursiva, tratando direta ou indiretamente da questão dos testes-padrão, a realidade da clínica de linguagem que trata das afasias ainda pouco se alterou. E é ainda, dentro de uma a visão organicista e psicométrica de linguagem, cérebro e afasia que a neurologia continua buscando descrever e avaliar as afasias. É comum se observar em discursos e relatórios médicos, confusões teóricas básicas sobre linguagem e aprendizagem, em alguns casos, nem mesmo linguagem e fala são diferenciadas. Em decorrência disso, são inúmeros os diagnósticos equivocados que são encaminhados para terapia fonoaudiológica, sem nada saber dizer sobre o sujeito e sobre as suas reais dificuldades. O termo “Afasia infantil” é resultado da associação de um conceito já existente “afasia” à uma palavra que designa uma população mais específica “infantil” para a qual, até então, os sintomas afásicos não tinham sido observados. A partir das observações desses mesmos sintomas em crianças o termo afasia foi adjetivado para recobrir a faixa etária compreendida no período da infância. Ainda que uma nova terminologia tenha sido criada para descrever o fenômeno da afasia na infância, nota-se que a afasia do adulto ainda é utilizada como parâmetro. Sendo assim, todos problemas conceituais e teóricos sobre a semiologia e descrição das afasias se repetem e se ampliam. Ora, se entendemos por afasia alterações na linguagem de sujeitos produzida por lesões cerebrais focais adquiridas (Coudry, 1986) como podemos pensar a afasia em crianças que estão ainda em fase de aquisição de linguagem? Como diferenciar se a “falta” de determinada habilidade lingüística foi perdida ou ainda está sendo desenvolvida na criança? Questões como essas guiarão este estudo com o objetivo de discutir sobre o termo Afasia Infantil bem como o modo como ele tem sido empregado pelas disciplinas médicas como rótulo para diferentes alterações neurológicas que causam alteração de linguagem em crianças. Nota-se que nesse campo, desde os estudos mais antigos até os estudos mais recentes, a preocupação tem sido sempre a mesma: descrever os sintomas e os déficits causados pelas afasias, sem qualquer preocupação em realizar análises lingüísticas e/ou buscar compreender a relação do sujeito com sua doença e com a linguagem. Em aceite ao convite de Jakobson (1969), que convoca os lingüistas a participar das discussões sobre as afasias, busquei em meu trabalho, me familiarizar com os termos e procedimentos técnicos das disciplinas médicas e fonoaudiológicas, que tratam as afasias, para então poder refletir sobre eles e trazê-los para discussão crítica pautada nos conhecimentos da Neurolingüística Discursiva. Para tanto, foi realizada uma revisão de literatura sobre o tema, em seguida, selecionados alguns protocolos e relatórios médicos sobre crianças (em que o termo ou o diagnóstico de Afasia Infantil foi mencionado) e, por fim, foi feita uma análise e uma reiterpretação de casos clínicos de crianças, com afasias na infância, já publicados na literatura. A pesquisa, ainda em andamento, vem reiterar a relevância de um saber sobre linguagem e cérebro que oriente as práticas de avaliação, de natureza neurolingüística, de modo que revelem, de fato, tanto as alterações quanto os procedimentos terapêuticos que deverão ser conduzidos.

A REPRESENTAÇÃO DO FEMININO NAS PIADAS DE LOIRA

Gisele Maria Franchi (UNICAMP)

O objetivo deste trabalho é analisar um corpus de piadas de loira, buscando melhor compreender o funcionamento do discurso humorístico, bem como os aspectos sociais e ideológicos aí envolvidos. A fundamentação teórica será principalmente a literatura sobre o humor (Bergson, 1899; Freud, 1905) e sobre a mulher (Priore, 2007; Rago, 2007; Vieira, 2005). As bases da análise serão sustentadas pela Análise do Discurso francesa, especialmente no que se refere aos conceitos relativos às condições de produção, à ideologia, à formação discursiva e ao interdiscurso. O ponto de partida da análise proposta está na constatação de que há, no mínimo, contradições entre a situação atual da mulher e o discurso das piadas. Embora se afirme que a vida da mulher mudou, os textos humorísticos, conforme observou Possenti (2006), veiculam os seguintes discursos: i) as mulheres têm uma certa “fissura” pelo casamento; ii) elas continuam preocupadas com roupas, com compras, com beleza; iii) as mulheres desesperam-se ao saber que seu ex-namorado está com outra; iv) elas continuam fazendo sozinhas os serviços de casa, etc... Contradições como essas podem oferecer interessantes pistas acerca de como o discurso humorístico funciona. Possenti (2006) formula algumas questões: em que medida o discurso humorístico pode indicar algum “indício” de que as condições históricas e sociais da mulher não mudaram da forma como geralmente se costuma supor? Ou, pelo contrário, será que esse tipo de discurso apela a uma memória, exatamente porque a realidade mudou? No que diz respeito às piadas de loira, embora atualmente a mulher tenha conquistado sua independência social, política e econômica, tais piadas rememoram discursos machistas. Isso seria um indicativo de que há uma contradição entre as condições sociais e históricas “reais” da mulher e o que dizem os textos de humor? A nossa hipótese é que, por veicularem uma ideologia machista, as piadas de loira representariam uma forma de reação dos homens diante da atual situação social em que as mulheres se encontram. Preocupados com as conquistas que as mulheres têm alcançado principalmente nas últimas décadas, os

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discursos veiculados nessas piadas apelariam principalmente a uma certa memória que é coerente com os interesses machistas. Entretanto, se piadas como essas circulam é porque parte da sociedade ainda é de alguma forma machista. Em outras palavras, é porque há condições de produção na formação social para que haja uma ideologia machista que se materialize em um discurso que contenha marcas características dessa ideologia. Se for assim, pode-se questionar se as condições históricas e sociais da mulher realmente mudaram da forma como geralmente se costuma supor. Portanto, por mais paradoxal que possa parecer, acreditamos que as duas questões formuladas por Possenti (2006) estão corretas. Com feito, as piadas de loira parecem denotar uma relação interdiscursiva conflituosa, em que posições enunciativas diferentes se enfrentam. Elas devem ser olhadas como sendo o resultado de condições históricas de disputa. Um argumento para ratificar essa hipótese reside na questão da estereotipia. Muito provavelmente, não é à toa que a inteligência da loira e/ou sua sexualidade foram os aspectos escolhidos para serem ridicularizados – e não outros (de fato, é interessante observar que as loiras não foram estereotipadas, por exemplo, como sendo más donas-de-casa ou como péssimas cozinheiras). Assim como a circulação de um discurso hostil visa a um propósito, a veiculação de um determinado estereótipo também tem um motivo. Mas por que usar a loira como “bode espiatório”, se, como afirmamos, essas piadas pretendem “atacar” não apenas as loiras, mas as mulheres de um modo geral? Acreditamos que essa escolha também não seja à toa, uma vez que ela ajuda a “camuflar” o discurso machista, já que se pode pensar que as piadas seriam uma espécie de “vingança” das demais mulheres contra as loiras, uma vez que, no nosso imaginário, estas seriam mais bonitas, mais sensuais que as outras mulheres (com efeito, algumas ruivas e morenas costumam pintar os cabelos de loiro, mas raramente acontece o contrário). Mas, mais do que isso, as piadas parecem servir-se do fato de as loiras serem consideradas belas, atraentes, uma espécie de sex symbols, para dar ênfase ao caráter sexual, ou seja, a uma suposta disponibilidade sexual da mulher – o que o cinema hollywoodiano tanto propala, sendo, talvez, a figura de Marilyn Monroe o exemplo mais representativo.

A ESTÉTICA DO DESEJO EM HAROLDO CONTI

Giseli Cristina Tordin (UNICAMP) A obra contística de Haroldo Conti encontra fortes atrativos nas diversas maneiras de dinamizar temporalidades diferentes e redesenhar a topografia de lugares para resgatar personagens que se situam à margem de uma comunidade. Ainda pouco estudada pela crítica literária brasileira, os contos de Haroldo Conti apenas ganham uma edição à altura de seu valor literário em um volume publicado em 1994 e reeditado em 2000 e em 2005. Grande parte do material que se encontra nessa edição, cabe esclarecer, provém de revistas e de três obras publicadas em vida. Alguns fatores contribuíram para que a obra deste escritor fosse relegada a um segundo plano. O primeiro deles, como nos esclarece Ángel Rama, deve-se ao fato de ser um autor que produz a sua obra e publica-a longe da urbe e dos grandes centros editoriais. O outro subjaz no silêncio imposto pelo motor ditatorial. Talvez, estas sejam as mais expressivas justificativas para que a sua produção contística seja pouco investigada no Brasil. O objetivo deste trabalho é analisar a obra contística de Haroldo Conti e compará-la com alguns contos brasileiros – de Autran Dourado, Osman Lins e José J. Veiga – a partir de diferentes perspectivas dos narradores que buscam resgatar um modelo de identificação. O narrador elege personagens que estão à margem de uma sociedade e que lhes são exemplares. A constituição de si é realizada através da sugestão deste modelo. A relação que se forma entre o narrador, a personagem exemplar e o objeto que se almeja é triangular: os desejos dos narradores nunca são autênticos; de alguma forma, são sugeridos por este modelo. Compõem esta análise três eixos a partir dos quais se vislumbram diferentes perspectivas dos narradores na obra de Conti. As narrativas Las doce a Bragado, de Haroldo Conti, e As voltas do filho pródigo, de Autran Dourado fazem parte do primeiro eixo que analisamos. Compõem os outros dois eixos os seguintes contos: Como un León (Haroldo Conti) e A usina atrás do morro (José J. Veiga); Otra gente (Haroldo Conti) e Os gestos (Osman Lins). Procuramos entender, no primeiro eixo analisado, de que maneira a mimesis do desejo no conto de Haroldo Conti dinamiza um resgate do tempo do narrador enquanto criança por meio do encantamento em relação a seu tio, um modelo de imitação. O narrador busca inicialmente uma aproximação com tio Agustín como maneira de afastar-se de uma tristeza intrínseca ao tempo presente. A união entre narrador e tio não é direta, mas sim mediada. O tio, em um primeiro momento, é o mediador desta busca; a busca pelo objeto não deixa de ser uma busca do próprio mediador. Em contrapartida, esta mimesis desestabiliza-se quando a apreensão deste modelo encontra como obstáculo a loucura que se instaura na personagem que se deseja imitar. Já no caso de Autran Dourado, a mimesis do desejo é construída no próprio tempo das peripécias narradas; não há aqui um relato de rememoração. O narrador, adotando o olhar do menino João, busca a constituição de si através da imitação do outro; é seu tio Zózimo quem a sugere. Ele é, para João, o mediador de muitos desejos. A comparação das mediações existentes em Las doce em Bragado e As voltas do filho pródigo permite-nos entender como se estruturam as relações triangulares e como a loucura, sintoma implícito em ambos os tios e sugerido nas narrativas, é apreendida sob a ótica do desejo.

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LEITURAS DE BERTOLT BRECHT: EM BUSCA DE SUA ATUALID ADE E DE SUA UTILIDADE NO CENTENÁRIO DO SEU NASCIMENTO

Gislaine Cristina de Oliveira (UNICAMP)

Mesmo após a derrota da experiência soviética, o pensamento marxista no ocidente mostrou sinais de originalidade e vitalidade e esteve aberto para avanços em diversas áreas, principalmente nos estudos que ampliam o seu escopo do âmbito econômico para o cultural. A tentativa de responder aos problemas de nossa época fez proliferar as interpretações de vários estudos clássicos, que vão das obras originais do próprio Marx aos seus diversos intérpretes, que resultaram em contribuições inovadoras para o nosso tempo. A dificuldade a ser enfrentada, para diversos pensadores da atualidade, é justamente a de compreender o que, nessas inovações e respostas para questões outrora e ainda atuais, descaracteriza o marxismo e o que contribui efetivamente ampliando sua abrangência como compreensão do mundo. Neste contexto, Bertolt Brecht (1898-1956) se apresenta como uma figura emblemática e paradoxal: ao longo dos últimos 50 anos, Brecht, por vezes, foi visto pela esquerda de todo o mundo como um “artista revolucionário”, mas também nos meios conservadores foi reconhecido como um “artista com suas contradições”, em leituras que tentam descaracterizar o seu engajamento e “neutralizá-lo”. No Brasil, permanecemos alheios a muitos dos debates e polêmicas importantes sobre Brecht e pesa um enorme desconhecimento de sua obra, nem por isso estamos imunes ao esvaziamento das suas peças que por aqui são montadas e de seus poemas que alcançaram maior divulgação. É por se localizar em posição tão problemática – fértil de interpretações – que poderemos encontrar na obra de Brecht e nos discursos que se constroem a partir dela material interessante para discutir a atualidade e a utilidade de uma proposta de teorização e de prática artísticas fundamentadas na dialética marxista. Em se tratando de compreender a dimensão do problema em nossos tempos, o disputado conceito de pós-modernidade, no campo das ciências humanas, desempenhará papel central no recorte que propomos da recepção crítica de Brecht: o centenário de seu nascimento, comemorado no ano de 1998. Dentro desta moldura, nos será de grande importância, em especial, o ensaio O método Brecht (1998) de Fredric Jameson, cuja reflexão dialoga com a perspectiva da pós-modernidade e que, além disso, já exercia alguma influência na produção teórica brasileira mesmo antes de sua publicação no Brasil. Entre os textos produzidos por brasileiros, por ocasião ou nas proximidades do centenário, destacamos alguns que foram publicados nas edições número zero e número 01 da revista Vintém e na edição número 04 da revista Pandaemonium Germanicum. Nessas revistas estudiosos do trabalho do dramaturgo – tais como Roberto Schwarz, Fernando Peixoto, Pasta Júnior, Márcio Aurélio, Sérgio de Carvalho, Iná Camargo Costa, Gerd Bornheim, Ruth Röhl, Celeste H. M. Ribeiro de Sousa, Caco Coelho, Willi Bolle, Willy Corrêa de Oliveira, Eloá Heise – publicaram artigos em que voltam a discutir a obra brechtiana levando em consideração que as mudanças sócio-políticas mundiais podem ter reconfigurado sua leitura. Podemos verificar que os debates sobre a utilidade da obra de Brecht e a atualidade de seu trabalho marcam grande parte dos textos produzidos a seu respeito, e, por isso, elegemos como objetivo geral de nosso estudo observar e analisar o que os autores contemporâneos consideram para aferir a atualidade de Brecht, e, como objetivo específico, explicitar a que esses mesmos autores se referem quando tratam de sua utilidade. Com esse trabalho, tentamos explicitar o que os “especialistas” em Brecht nos apontam como as respostas do dramaturgo para nossos atuais dilemas. Além disso, buscamos encontrar também respostas que foram formuladas para sua própria época que não poderemos mais “aplicar” em nossos dias, mas que nos revelariam “rastros” do que poderia ter sido diferente. A partir desses rastros talvez possamos alcançar uma maior compreensão histórica. Existem condições para a sobrevivência de uma arte politizada no presente? É possível “recuperar” Brecht, não apenas no uso das técnicas teatrais que ele propunha e que já foram assimiladas? Com o "fim das ideologias" e com a cultura de massas ainda se pode falar em utilidade na arte? Essas são algumas das questões que contribuem na construção do foco de interesse desta pesquisa. Trabalhando numa perspectiva imanente à proposta brechtiana, a reafirmação do marxismo e da centralidade da dialética marxista em seu “método” talvez sejam alternativas para dar respostas às questões que dizem respeito a sua atualidade e sua utilidade. Dessa forma, seria possível contribuir para o resgate de Brecht de uma construção pós-moderna sobre sua obra e sair da defensiva quando o assunto é arte engajada.

AS (ÀS) MARGENS NA (DA) LITERATURA:

UM ESTUDO DISCURSIVO SOBRE A LITERATURA MARGINAL

Gissele Bonafé Costa (UNICAMP)

Em meu projeto de mestrado, cujo título provisório é “As (Às) margens na (da) Literatura: um estudo discursivo sobre a Literatura Marginal”, indago sobre as diferentes condições de produção que permitem o deslocamento de sentidos da palavra marginal nas produções literárias da década de 70 e aquelas que são produzidas hoje. Meu objetivo principal, nesse trabalho, é compreender os movimentos de individualização que permitem a re-configuração da Literatura Marginal da década de 70 na atualidade, questionando, principalmente, por que hoje, junto à margem, aparece também o sentido da periferia.

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Para o desenvolvimento dessa proposta, parto de uma abordagem discursivo-materialista da linguagem, tomando a obra literária como um discurso, o qual materializa o processo de constituição do saber e do esquecimento ao qual o sujeito está exposto, e a autoria como uma função da noção de sujeito, responsável pela organização do sentido e pela unidade do texto, produzindo o efeito da continuidade. Pensada como uma função da noção de sujeito, a autoria não pode ser tratada, portanto, fora de suas condições de produção. Lagazzi ressalta ainda, em relação à autoria, o papel do significante, retomando, para isso, a importância do trabalho de Lacan (2006, p. 88): “Justamente em decorrência da primazia do significante, o significado pode ser deslocado do pensamento e o texto pode ser pensado como um espaço de possibilidades relacionais, e não como um conjunto de idéias do autor”. Dessa forma, a autoria não está ligada à inspiração, mas sim ao trabalho com o significante verbal. Ainda nas palavras de Lagazzi: “A forma do dizer, o significante, é a base sobre a qual os sentidos se produzem, em diferentes condições. E por isso a inspiração deve ser entendida como um processo relacional entre significantes, e entre significantes e significados, na história. A autoria se produz, portanto, no trabalho com o significante, delimitando textos” (2006, p. 89). Partindo dessa visão discursivo-materialista da obra literária e da autoria, indagamo-nos sobre os diferentes efeitos de sentido da palavra margem em suas possíveis derivações (marginal, marginalização, marginalidade) e paráfrases (periferia, periférico, exclusão, excluído) materializadas na Literatura Marginal produzidas na década de 70 e aquela que é escrita hoje às margens, ou ainda, nas periferias. De uma forma geral, o conceito “marginal”, na década de 70, é utilizado pelos analistas que atestam, através desse termo, as condições alternativas da produção e veiculação dessa literatura. Por sua vez, a denominação ‘Literatura Marginal’, hoje, corresponde a uma forma de identificação do grupo de autores que a produzem. Nesse sentido, a marginalidade, associada à periferia, – como bem coloca o título do livro de Ferréz, Literatura Marginal: Talentos da Escrita Periférica – indicaria o lugar de onde falam esses autores. Mais do que reafirmar essas denominações, interessa-nos compreender as regras que tornam possíveis essas diferentes significações do que é marginal, explicitando os mecanismos de funcionamento dessas diferentes discursividades marcadas pelos signos da margem. Trata-se, dessa forma, de pensar esse deslize - que permite a passagem do marginal da década de 70 para o marginal de agora - não como simples apropriações distintas da mesma palavra, mas como algo constitutivo do funcionamento discursivo e, portanto, marcado pela ideologia. Propomos, nesse sentido, “uma escuta particular que tem como característica ouvir no que é dito o que é dito ali ou em outro lugar, o que não é dito e o que deve ser ouvido por sua ausência necessária” (Orlandi, 2006, p. 28). Nessa comunicação, de forma específica, apresentarei os recortes estabelecidos no corpus inicial de análise, constituído pelas poesias reunidas no livro 26 poetas hoje, organizado por Heloísa Buarque de Hollanda (1998), e aquelas reunidas no livro Literatura Marginal: Talentos da Escrita Periférica (2005), organizado por Ferréz, propondo uma discussão acerca do real e do equívoco, a partir da definição de alíngua apresentada por Pêcheux (2004).

ASPECTOS DESCRITIVOS DA ESTRUTURA SILÁBICA DA LÍNGUA NUKINI-PANO

Graziela de Jesus Gomes (UNICAMP)

Este artigo tem como objetivo apresentar os resultados de um estudo sobre a língua indígena Nukini, pertencente à família Pano. Esta família lingüística é uma das mais conhecidas da América do Sul e conta com cerca de 30 mil pessoas que habitam a Amazônia boliviana, peruana e brasileira. No contexto atual, a população da etnia Nukini é de aproximadamente 476 pessoas, divididas em 75 famílias, as quais se localizam as margens do Rio Moa, no município de Mâncio Lima, Estado do Acre, Brasil. Para a realização do trabalho, foram seguidas orientações teóricas da linha descritiva de análise lingüística, especialmente, aquelas relativas à Fonologia, haja vista que o trabalho é, essencialmente, uma proposta de descrição da estrutura silábica da referida língua, pautada nos pressupostos teóricos da Fonologia Autossegmental. Considerando, portanto, o menor nível de abstração das representações e a organização hierárquica dos segmentos, presentes na Fonologia supracitada, julgamos interessante tratarmos da estrutura silábica do Nukini bem como de alguns processos fonológicos a partir de uma abordagem baseada nos aportes dessa teoria. Procurou-se avançar, ainda, na questão se os segmentos /w/ e /j/ figuram-se como fonemas na língua. Na seqüência, seguimos com a descrição de um dos principais processos fonológicos, a ocorrência dos glides labial [w] e palatal [j] em posições de Onset e Coda. Por fim, adentramos acerca do acento. Assim sendo, os resultados do estudo lingüístico são os seguintes: no nível da fonologia, a língua Nukini possui 14 fonemas consonantais (/p/, /b/, /t/, /k/, /m/, /n/, /≠/, /|/, /ts/, /f/, /v/, /s/, /x/, /w/, /j/, e 6 vocálicos (/a/, /ã/, /i/, /î/, /u/, /û). A análise da sílaba foi restrita, especialmente porque, vale lembrar, o estudo teve por base um número bastante reduzido de dados. Todavia, apoiando-se em outros trabalhos sobre a estrutura silábica de línguas Pano, e nos dados disponíveis, postulamos que também no Nukini, a sílaba pode ser representada pela seguinte fórmula fonológica básica (C)V(C) e esta, por sua vez, resume os seguintes subtipos silábicos: V, VC, CV, CVC (Exemplos: /i.bi/ ‘pai’, /is.ti/ ‘estrela’, /na.si/ ‘vento’, /pis.ta/ ‘chuvisco’). Assim, podemos dizer que na língua Nukini há sílabas compostas por Núcleo apenas (V), por Núcleo e Coda (VC), por Onset e Núcleo (CV) e, ainda, por Onset, Núcleo e Coda (CVC). No que tange a estrutura interna, o ataque é preenchido pelos seguintes fonemas consonantais da língua, que podem ocupar a posição de ataque de sílaba, mas somente um por

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vez: /p, b, t, k, m, n, ≠, |, f, v, s, x/. O núcleo é ocupado pelos seguintes fonemas: /i, î, a, â, u, û/. A exemplo do ataque, a posição nuclear também não apresenta complexidade do ponto de vista fonológico, podendo ser preenchida por qualquer um dos fonemas vocálicos da língua. A posição de coda, como na maioria das línguas, também apresenta restrições quanto ao seu preenchimento, pois apenas dois fonemas da língua podem ocupá-la: a fricativa dental /s/ e a fricativa velar /x/. Quanto aos glides labial [w] e palatal [j], em um estudo pioneiro sobre a análise fonêmica do Nukini, tais segmentos foram reconhecidos como fonemas. Entretanto, seguindo orientações das teorias fonológicas mais atuais, questionamos se de fato [w] e [j] figuram na estrutura de base da língua como fonemas consonantais ou se apenas aparecem na estrutura superficial como realizações fonéticas de suas correspondentes vogais altas posterior /u/ e anterior /i/. No presente momento, tal questão encontra-se em aberto, porém em fase conclusiva dos nossos estudos. Sobre o acento, vale ressaltar que não se trata de um estudo aprofundado, mas apenas de uma descrição mais geral. Para tanto, a língua em estudo apresentou similaridade com outras línguas da mesma família lingüística. Os dados lexicais evidenciaram que nessa língua, à exceção dos monossilábicos, o acento recai sempre sobre a última sílaba das palavras simples. Trata-se, então, de uma manifestação previsível e que, portanto, não possui função distintiva, ou seja, não é fonêmica. Diante disso, o acento não precisa ser representado no nível fonológico. Assim, estamos interpretando que na estrutura morfológica cada uma das palavras simples entraria com o seu próprio acento. Porém, ao entrarem no processo de composição, o acento da primeira palavra tem sua proeminência reduzida na representação fonológica. Sendo assim, o elemento mais à direita leva o acento principal. O primeiro interpretamos como acento secundário, por ser menos proeminente. Enfim, esta é uma amostra dos resultados do estudo preliminar realizado sobre a língua Nukini-Pano. É preciso deixar claro que, dada à limitação do corpus de dados disponíveis, a descrição apresentada é passível de revisões futuras, mas acredita-se que, apesar do seu caráter incipiente, o estudo tem seu valor por ser uma amostra geral de aspectos fonológicos da língua, o que ainda não havia sido feito por nenhum pesquisador.

METÁFORAS DA HISTÓRIA – UMA LEITURA DOS ROMANCES DE HELDER MACEDO

Gregório F. Dantas (UNICAMP)

Desde sua estréia na ficção, com Partes de África (1991), o também poeta e crítico literário português Helder Macedo tem se destacado como um romancista empenhado em questionar, formal e tematicamente, os limites e os caminhos da ficção contemporânea. Alguns procedimentos importantes presentes em seus romances são: a fragmentação narrativa; a ficcionalização do autor como narrador e personagem dos romances; a constante e explícita intertextualidade estabelecida com autores como Almeida Garrett e Machado de Assis; o discurso metaficcional; o diálogo com formas romanescas consagradas, como o romance memorialista e o romance histórico; e a elaboração, por parte do narrador, de uma teoria da narrativa dentro dos romances, que em parte rege algumas de suas opções formais, em parte funciona como discurso irônico sobre as formas contemporâneas da ficção. Seu quarto romance, Sem nome (2005), que tem sido recebido com entusiasmo pela crítica portuguesa e brasileira, se por um lado mantém muito das linhas mestras de seus romances anteriores, também demonstra sensíveis mudanças em seu projeto literário. Uma primeira leitura atenta revela-nos que o romance alcança tal questionamento sobre o “romance possível” na contemporaneidade, levando ao limite das convenções literárias alguns temas e procedimentos consagrados pela tradição romanesca. A trama de Sem nome é relativamente simples: José Viana é um advogado português, residente em Londres desde o início da década de 70, que supostamente reencontra sua antiga namorada, Marta Bernardo, desaparecida desde antes da Revolução dos Cravos. E, detalhe incrível: ela parece não ter envelhecido um dia sequer. Mas é claro que não se trata da mesma pessoa. A jovem jornalista Júlia de Sousa foi confundida com Marta Bernardo por uma série de coincidências inverossímeis, equívoco que gera os principais conflitos do romance. Podemos dividir a trama em dois núcleos temáticos principais. O primeiro é o reencontro de José Viana com seu passado. Remexendo em papéis velhos, ele inicia um processo de recordação que coincide com a inacreditável aparição da nova Marta. Mas os romances anteriores de Helder Macedo nos ensinaram que os dramas pessoais das personagens não são destituídos de significado histórico, e se relacionam sensivelmente com os eventos recentes de Portugal. É assim desde o início de Partes de África, cujo narrador descreve como seria a reorganização de seu passado em forma de narrativa. Mergulhando em seu passado e no passado da família, Macedo estabelece uma reconstituição — mediada pela memória e pela invenção ficcional — da história portuguesa no último império. É assim também em seus outros livros: em Pedro e Paula (1998), a vida íntima das personagens não está dissociada do momento de transição entre o fim das colônias e a nova configuração política pós-Revolução dos Cravos; e, finalmente, em Vícios e virtudes (2001), o enigma que é Joana, cuja vida é espelhada em Joana da Áustria, mãe de Dom Sebastião, acarreta uma investigação ficcional sobre uma frágil noção de identidade portuguesa. O segundo núcleo temático do romance é o da criação ficcional. Júlia de Sousa se propõe a escrever um romance sobre Marta, com quem fora confundida, e, para tanto, a vida de Marta e os eventos ligados ao seu desaparecimento serão reconstruídos através de diferentes versões, tentativas ficcionais de reconstrução deste passado recente. Eis, pois, um dos padrões da ficção macediana, o jogo com as vidas possíveis de seus personagens. Em Partes de África, em que o estatuto de memória, ficção e história se confundem, o narrador nos conta que os mapas dos antigos descobridores descreviam ilhas que não existiam, e que, sabia-se, eram imaginadas. A questão é que não deixam, por isso, de constar nas cartas marítimas. Em Pedro e Paula, são reproduzidas cartas que teriam sido escritas por um

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personagem e que jamais foram enviadas aos seus destinatários, mas que, reproduzidas no livro, compõem uma possibilidade. Sem contar Joana, de Vícios e virtudes, um mosaico de “plausibilidades” cuja história conhecemos através de diferentes fontes: a versão de um admirador, a versão do narrador Helder Macedo (baseada na vida da mãe de Dom Sebastião), e a versão da própria moça, tão digna de confiança quanto as outras. Ao final, ela não é exatamente nenhuma de suas versões e, sim, a soma de todas as partes, incluindo suas possíveis contradições. Um mosaico que não significa desordem ou acaso. Nestes romances há sempre um fio condutor evidente, a voz narrativa: uma voz crítica que, ao mesmo tempo em que conduz o enredo, desenvolve uma reflexão sobre as formas possíveis do romance contemporâneo.

TEIXEIRA E SOUSA E O ROMANCE NO BRASIL .

Hebe Cristina da Silva (UNICAMP / FAPESP) Dentre os prosadores brasileiros do século XIX, Antônio Gonçalves Teixeira e Sousa figurou em algumas histórias literárias nacionais publicadas ao longo do século XX como o primeiro romancista brasileiro, título que alguns atribuíram a Joaquim Manuel de Macedo. Apesar de possuírem opiniões diferentes no que se referia à precedência do autor na produção do gênero romanesco, os historiadores em questão teceram a mesma imagem do escritor: um romancista de importância secundária que produziu narrativas carentes de qualidades estéticas e formais. Alfredo Bosi, por exemplo, não o incluiu no capítulo dedicado aos romancistas de vulto do período, como Macedo, Alencar, Bernardo Guimarães, apontando como um dos motivos a “inegável distância, em termos de valor, que o separa[va] de todos.” Um recuo no tempo, entretanto, coloca o estudioso da literatura diante de juízos críticos bastante diversos que levam a supor que, para sua época, o autor não teve um valor tão reduzido. Em seu Curso de Literatura Nacional (1862), obra utilizada no estudo secundário da época, o Cônego Fernandes Pinheiro refere-se a Teixeira e Sousa como “romancista fecundo e imaginativo” que ocupava “honroso lugar nos dípticos da nova escola” e apresentou a seguinte avaliação de suas narrativas: Nas ficções em prosa tem o nosso amigo adquirido bem merecida reputação, como fiel e desapaixonado pintor dos nossos usos e costumes. Desde o Filho do Pescador, até a Providência, o mais bem elaborado dos seus romances, descobre-se uma escala cromática de aperfeiçoamento, tanto na substância, como ainda na forma. A “merecida reputação” mencionada por Fernandes Pinheiro certamente se referia ao sucesso de vendas e à boa aceitação do público. Afinal, as edições que seus romances tiveram ao longo do século XIX, assim como os comentários elogiosos sobre suas produções e o lugar de destaque que lhe foi atribuído por alguns críticos do período, indicam que o autor teve um papel significativo na formação do romance brasileiro. Por isso, esta tese pretende discutir a formação do romance brasileiro a partir do estabelecimento de relações entre as críticas de romance divulgadas na imprensa do período, a recepção das narrativas de Teixeira e Sousa e as estratégias que ele utilizou para elaborá-las e fazê-las conhecidas pelos “homens de letras” seus contemporâneos. Para tanto, foram efetuadas pesquisas em periódicos brasileiros publicados até a década de 1860 com vistas a localizar dados que interessassem ao estudo da recepção, circulação e produção do “novo gênero” no país. As fontes encontradas, somadas aos estudos críticos sobre o tema, permitiram conhecer um pouco mais o modo como se deu a formação do romance brasileiro e os critérios utilizados para avaliar as obras em prosa. No momento em que Teixeira e Sousa publicou suas obras em prosa, as críticas de romances divulgadas pela imprensa nacional valorizavam os romances que incluíssem, em seus enredos, episódios em que explorassem a moralidade e a chamada “cor local” brasileira. Através da pesquisa em periódicos oitocentistas foram localizadas, também, informações relacionadas à vida e à obra do escritor. Esses dados, aliados aos estudos biográficos sobre o autor, permitiram reconstituir sua trajetória como “homem de letras” e abordar vários aspectos relativos à produção e à recepção de seus romances. A recepção das obras do romancista cabofriense indicava que ele soube corresponder ao gosto do público, pois suas narrativas obtiveram um número relativamente significativo de edições e, em alguns casos, foram elogiadas em textos críticos divulgados em periódicos de renome da época. Empreendemos, também, uma leitura dos romances do autor embasada na comparação entre as estratégias que ele utilizou para elaborá-los, as críticas de romance publicadas pela imprensa do período e a obras dos primeiros prosadores brasileiros. A análise da produção romanesca do autor permitiu entrever que ele investiu no trabalho com os dois elementos mais apreciados pelos críticos que divulgaram suas impressões sobre textos narrativos na imprensa da época: moralidade e “cor local”. A leitura de alguns dos textos produzidos por outros escritores que participaram da formação do romance brasileiro indicou que as estratégias de que dispôs o autor para corresponder ao gosto dos leitores seus contemporâneos eram amplamente utilizadas pelos primeiros prosadores brasileiros. Com base nesses estudos, propomos um reexame da imagem de Teixeira e Sousa que se propagou através de grande parte das histórias literárias e dos estudos críticos sobre romance brasileiro publicados ao longo do Novecentos. Sem desconsiderar os problemas perceptíveis nos romances do autor, acreditamos que os caminhos que trilhou para inserir-se na vida cultural da época, assim como as estratégias que utilizou para elaborar, divulgar e publicar suas narrativas, são exemplificativos das dificuldades e soluções encontradas pelos escritores que participaram da formação do romance brasileiro. Esta pesquisa foi desenvolvida com o financiamento da FAPESP.

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DA MULTIMODALIDADE À INTERSEMIOSE: ANÁLISE ENUNCIAT IVA-DISCURSIVA DE LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA

Heitor Gribl (UNICAMP)

A preocupação para esta apresentação é buscar definir um pouco melhor os limites e as fronteiras dos termos "multimodalidade" e "multissemiose" ao investigar materiais impressos em um enfoque enunciativo-discursivo. A apresentação é baseada na pesquisa (mestrado em andamento) de título: "Atividades de Leitura de Textos em Gêneros Multi- e Intersemióticos em Livros Didáticos de Língua Portuguesa". A proposta não é defender o uso de um ou outro termo, mas elaborar os conceitos de maneira mais precisa no contexto da investigação de materiais impressos. Consoante aos interesses da Lingüística Aplicada, as questões investigadas neste trabalho estão relacionadas à seleção da coletânea de textos das coleções voltadas à comunidade escolar e à abordagem pedagógica que os LDP oferecem nas atividades de leitura de textos multi- e intersemióticos, além da investigação das diferentes estratégias didáticas oferecidas/favorecidas nas seções de leitura desses gêneros e de seus funcionamentos. Considerando que as coleções didáticas têm utilizado maior quantidade de imagens a partir dos avanços tecnológicos referente aos recursos gráficos e, conseqüentemente, do seu barateamento na impressão em cores, é preciso investigar quais imagens têm sido escolhidas para compor os LDP e qual tem sido o uso didático destas imagens articuladas com os textos e com o aprendizado de leitura. Sabe-se que o termo “multimodalidade" está bastante difundido em trabalhos acadêmicos para referir-se aos estudos que envolvem textos verbais escritos e imagens, entretanto o termo ainda carrega consigo a herança teórica da dicotomia entre modalidades (advindas da oral-escrita, por exemplo), tendo sido ampliado seu uso pelo prefixo multi- para abordar outras formas de linguagem. Entretanto, estabelecer relações de sentido entre dois ou mais sistemas sígnicos/simbólicos pode também ser tratado como multissemiose, como alguns trabalhos fazem (Xavier, 2004, por exemplo). Para definir, assim, quais semioses e quais linguagens estão envolvidas nas coletâneas de Livros Didáticos de Língua Portuguesa, cabe discutir os prefixos uni-, multi-, inter-, baseado na tese de Buzato (2007) e para discutir modalidade e semiose, baseio-me em Barthes (1961, 1964), Santaella (2001), Kress (2000, 2003) e Lemke (2002). Nos livros didáticos impressos, estamos diante de semioses diferentes, articuladas de maneira híbrida ou intercalada (Cf. BAKHTIN, 1952-1953; FRIEDMAN, 2002), em sua forma composicional para construir o sentido do enunciado nos gêneros apresentados pelas coleções didáticas. Assim, de acordo com a maneira em que se articulam as linguagens dos gêneros discursivos presentes nas coleções didáticas, passamos a utilizar o termo multissemiose para os casos em que as diferentes semioses são apresentadas de maneira intercalada (ou em relação de ancoragem, segundo Barthes), enquanto o termo intersemiose servirá para os casos em que ocorre o processo de hibridização entre as linguagens (ou estabelecem relação de relais, segundo Barthes). A contribuição da semiótica, sobretudo na obra de Santaella (2001) acerca das linguagens híbridas, serviu para compreender melhor as relações entre os diferentes tipos de linguagens encontrados nos materiais impressos, a saber: a linguagem visual, a linguagem verbal-visual e a linguagem visual-verbal, vistas sob a perspectiva enunciativa-discursiva na construção de gêneros que utilizam diferentes aportes sígnicos em sua forma composicional. O corpus da investigação é composto por livros que participaram do PNLD/2008 (5ª a 8ª séries) e que apresentaram maior quantidade de gêneros discursivos multimodais/multissemióticos em suas coletâneas de textos. Apresentaremos, por fim, os critérios de análise utilizados para a realização das análises quantitativa e qualitativa desta pesquisa.

A LITERATURA DE VIAGEM DE MARIA GRAHAM

Isadora Eckardt da Silva (UNICAMP) A proposta de estudar a obra da viajante e escritora britânica Maria Graham (1785-1842) nasceu durante minha pesquisa de Iniciação Científica em Literatura de Viagem no meu curso de graduação em Letras (UFRGS), quando desenvolvi estudos sobre um de seus livros, Diário de uma viagem ao Brasil, que conta sua estada no Brasil durante os anos de 1821, 1822 e 1823. Como eu já vinha estudando esta autora há um certo tempo e sua obra se mostrava cada vez mais rica e interessante, decidi desenvolver ainda mais estes estudos em minha dissertação de mestrado. O enfoque da dissertação será sobre o domínio britânico exercido sobre o Brasil no século XIX e sobre como esta autora toma uma postura que defende os interesses de seu país de origem. Para o exame desta questão, estão sendo realizadas as seguintes etapas: levantamento do material bibliográfico; estudo sobre a História do Brasil referente à época em que a autora aqui esteve; análise dos referenciais teóricos; fichamento de leituras; análise sobre como os conteúdos dos livros deste corpus bibliográfico se cruzam. Como principais obras deste corpus, considerei as seguintes: Diário de uma viagem ao Brasil, de Maria Graham, o principal objeto desta pesquisa; História do Brasil, de Boris Fausto; História do Brasil, de Robert Southey; Maria, Lady Callcott, the creator of Little Arthur, de Rosamund Brunel Gotch; Os olhos do império: relatos de viagem e transculturação, de Mary Louise Pratt; e O Brasil não é longe daqui: o narrador, a viagem, de Flora Süssekind.

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A relevância desta pesquisa reside no fato de que os estudos sobre Maria Graham em geral tendem a versar sobre a riqueza subjetiva de sua narrativa, mas não analisam os aspectos políticos e históricos implicados na produção de seus textos. A autora escreveu em princípios do século XIX, um momento de ebulição política em todo o mundo. A Europa estava se recuperando das guerras napoleônicas, e se desvencilhando, de uma vez por todas, do antigo regime para adentrar a modernidade. As colônias da América do Sul, e dentre elas o Brasil, clamavam por independência. Por fim, a Inglaterra, terra natal de Graham, era a maior potência de então, e estava profundamente interessada no Brasil, a fim de ampliar seus mercados consumidores, bem como ter acesso aos portos brasileiros para também expandir suas relações comerciais. Meu principal objetivo nesta pesquisa é mostrar como este contexto aparece nos diários de viagem de Graham, com especial ênfase para o Diário de uma viagem ao Brasil, e também entender como estas circunstâncias influenciaram a produção destes textos. Tomando por base o que foi estudado até agora, já chegamos a algumas conclusões importantes. Em primeiro lugar, sendo Maria Graham proveniente de uma Europa que se modernizava com o advento do telégrafo e do melhoramento de estradas e meios de transporte terrestres e aquáticos, com idéias que se desvencilhavam da monarquia e da escravidão, isto explica porque ela via um Brasil de costumes bárbaros. Aqui não havia nada disto, ou se havia, era muito pouco se comparado com a Europa. Em segundo lugar, o Diário de uma viagem ao Brasil não foi apenas um mero passatempo da esposa de um capitão da marinha de guerra britânica durante suas viagens ao lado do marido. Maria já era uma escritora e viajante consagrada quando chegou ao Brasil em 1821, logo, seu diário era um trabalho sério de uma escritora profissional, preocupada em lucrar com seus trabalhos. Também concluímos que no modo propriamente dito de narrar os episódios do referido diário de viagem, encontramos uma divisão entre assuntos de esfera privada e de assuntos de esfera pública que organizaria as diversas camadas da narrativa, já que esta abarca muitos assuntos diferentes. No que se refere às questões políticas do diário, a pesquisa já está em andamento, mas ainda não se alcançaram conclusões sólidas a este respeito.

NARRATIVAS TUPI DE CRIAÇÃO DA LUA: UM DIÁLOGO ENTRE A SOCIOLINGÜÍSTICA E A ANÁLISE DO DISCURSO

Ivânia dos Santos Neves (UNICAMP / UNAMA)

Minha tese de doutorado é sobre a invenção do índio e as narrativas fundadoras da identidade Tupi, sob a perspectiva da análise do discurso. Meu universo de trabalho de campo compreendeu quatro diferentes grupos Tupi: os Tembé, os Suruí-Aikewára, os Asuriní do Xingu e os Mbyá-Guarani e um grupo jê, os Kaingang. Meu principal objeto de estudo são as narrativas orais destes grupos. A semelhança entre os léxicos, num primeiro momento, coloca algumas questões da sociolingüística relacionadas às variações geográficas, de que trato no início das análises. O fato das línguas indígenas pertencerem ao tronco Tupi foi meu ponto de partida. Encontrei, por exemplo, palavras muito semelhantes que denominavam lua: Zahy, Sahy, Jay, Jaci. Entendo que as línguas Tupi passaram por diferentes processos de transformações fonológicas e, naturalmente, existe historicidade nestes processos, mas, não reside neles o meu interesse. Meu trabalho é com as narrativas orais. A origem da lua é um tema bastante recorrente nas narrativas Tupi. Todos os grupos que pesquisei encontraram uma forma particular de historicizar sua origem. Para a maior parte dos grupos, a lua é um homem. Em algumas versões, as crateras lunares estão associadas às manchas de jenipapo, em outras, o herói chega ao céu por um caminho de flechas. Estas são algumas das regularidades que constituem as histórias da lua. Aqui, vou analisar discursivamente as histórias de Zahy e Sahy, respectivamente a lua para os Tembé e para os Suruí-Aikewára. Primeiro tive contato com a narrativa Tembé, cuja narrativa de origem da lua trata do incesto entre tia e sobrinho. Também conheci, pela bibliografia, narrativas de outros grupos Tupi que, guardadas algumas diferenças, explicavam a origem da lua como punição a uma relação incestuosa, às vezes de irmão e irmã, como a narrativa dos índios Jabuti. Esperava encontrar uma recorrência destas narrativas entre os Suruí. O que não aconteceu. Entre as narrativas Tembé e Suruí, há algumas recorrências, mas os Suruí não condenam o incesto, como os Tembé e outras sociedades Tupi. Depois de algum tempo entre os Suruí, conhecendo melhor a história do grupo, pude entender melhor por que as narrativas eram tão diferentes. Seria realmente estranho uma narrativa Suruí que condenasse tão abertamente as relações entre parentes. Na perspectiva discursiva, as narrativas se constituem com os diferentes processos históricos vividos pelos dois grupos. Zahy e Sahy se constituem com as diferentes histórias vividas pelos Tembé e pelos Suruí-Aikewára. Nas fronteiras do Pará, onde vivem, os Tembé e os Suruí estão sob o julgo das mesmas políticas públicas e há uma série de circunstâncias econômicas e sociais muito parecidas a que estão submetidos. Mas a forma como reagem a tudo isso não é a mesma e existem acontecimentos bem singulares em suas histórias. O processo de depopulação vivido pelos índios Suruí e a flexibilização de suas regras de parentesco se traduzem na narrativa de criação de Sahy. Entre as narrativas que analisei, há algumas recorrências e muitas dispersões. No início da pesquisa, como eram grupos de língua e tradição Tupi, acreditava que encontraria um fio condutor entre as narrativas que atravessaria as cosmologias de todos os grupos. A pesquisa me mostrou, porém, que existem vários fios constituindo estas narrativas fundadoras. Alguns atravessam algumas narrativas, outros atravessam outras, fazendo a tecitura de uma memória discursiva Tupi. Para passar de um fio a outro, também entendi que era necessário se despir de qualquer idéia de linearidade ou de sistemas fechados.

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TIPOLOGIA DE TRAÇOS LINGÜÍSTICOS DO PORTUGUÊS DO BR ASIL DOS SÉCULOS XVI, XVII E

XVIII: UMA PROPOSTA PARA CLASSIFICAÇÃO AUTOMÁTICA D E GÊNEROS TEXTUAIS

Jacqueline A. Souza (UFSCar) A partir de um corpus do português dos séculos XVI, XVII e XVIII, constituído por 2.459 textos e 7.5 milhões de palavras, obtido a partir do projeto Dicionário Histórico do Português do Brasil, inserido no programa Institutos do Milênio/CNPq, pretende-se descrever os traços lingüísticos característicos desses textos, correlacionando-os a seus respectivos gêneros, e propor uma tipologia de traços de forma que seja possível identificar o gênero de cada texto automaticamente. A importância de um trabalho que extrai traços lingüísticos de gêneros de documentos se dá primeiro pelo trabalho descritivo em si. Entretanto, o aspecto mais relevante para o contexto atual, em que se tem um enorme conjunto de documentos a serem recuperados na Internet, é que este conhecimento possibilita a construção de programas computacionais (chamados classificadores) que podem utilizar esses traços para recuperar documentos com certas características. Para tanto, essa pesquisa baseia-se nos postulados teórico-metodológicos da Lingüística de Corpus, condicionada à tecnologia que permite armazenamento, tratamento e exploração do corpus e de conceitos operacionais de gênero, tais como os propostos por Swales (1990), Biber (1995) e Marcuschi (2005). Para execução deste projeto de mestrado estão sendo realizadas as seguintes etapas metodológicas: identificação de fenômenos lingüísticos recorrentes que podem indicar traços, treinamento com classificadores automáticos e reavaliação dos traços lingüísticos identificados. Para identificar os traços lingüísticos, optou-se por aplicar uma tabela de traços do português contemporâneo, que sugere um levantamento estatístico baseado em palavras, como itens lexicais diferentes, palavras longas, assim como estatísticas baseadas no texto como um todo, como número de frases e de caracteres, tamanho do texto em palavras e outros elementos como marcadores discursivos, advérbios de lugar e tempo, preposição, artigos, determinadas expressões recorrentes, etc. Para a manipulação do corpus para análise, utilizam-se dois programas computacionais: o Philologic, que é uma ferramenta Web para buscas, recuperação e análise de corpus, seus recursos incluem um concordanciador, um gerador de colocações, um contador de freqüências e um buscador de dados de cabeçalho capaz de listar os documentos do corpus e formar subcorpus/subcorpora; e o Unitex, baseado na tecnologia autômato-orientada, permite análises nos níveis da morfologia, do léxico e da sintaxe. Apesar das variações ortográficas e outras dificuldades de pesquisar um corpus histórico, após os procedimentos mencionados acima, foi possível identificar alguns traços, os quais contemplam desde expressões até unidades lexicais. Verificou-se, por exemplo, no domínio jurídico, a ocorrência da expressão “Ano de nascimento de nosso senhor Jesus Cristo” e, especificamente nos Autos de provimento, a ocorrência da expressão “officiaes da câmara”, além do verbo prover e suas flexões. Ainda no domínio jurídico, nos Registros ocorrem as expressões “Officiaes daCamara escreveraõ a Sua Magestade”, “guarde deos a vossa magestade”, além do pronome de tratamento Vossa Magestade e Vossa Alteza. Com relação ao gênero Sermão, é fato que todos são iniciados pela expressão “Prègado na”, além de conter algumas expressões em latim como “Quam mihi”. No gênero Diário, identificou-se que as unidades lexicais “dia” e “légua” ocorrem com maior freqüência, além de a maioria dos verbos ocorrer na primeiro pessoa do plural, mais especificamente nos tempos presente do indicativo e pretérito. No gênero Carta de Sesmaria, observou-se a alta freqüência do substantivo “suplicante” e da expressão “Em sua petição atraz escrita e deClarada”. Algumas características podem ocorrer em diversos gêneros, mas de forma diferenciada, seja pela freqüência (alta ou baixa), seja pela posição em que se encontra no texto, ou ainda pela grafia que ocorre em determinado gênero como, por exemplo, “grassas a deus”, presente em Registros e “graças a deus”, presente em Sermões. No entanto, para a classificação, principalmente do ponto de vista da implementação computacional, é o conjunto de características que cada gênero possui que deverá ser considerado. Assim, com base em nossas análises preliminares, foi possível levantar um conjunto de traços lingüísticos capazes de classificar alguns gêneros textuais, o que possibilita que estes traços tornem-se insumos para o desempenho e treinamento de um classificador automático.

A QUESTÃO DA SEXUAÇÃO NA TRAJETÓRIA DA CRIANÇA PELA LINGUAGEM

Jane Ramos da Silveira (UNICAMP) O desejo de desenvolver este trabalho sobreveio do efeito causado em mim pela colocação de Cláudia Lemos, ao discorrer a respeito da angústia na infância, sobre o fato de ter Freud enunciado estar a pulsão sexual na origem do saber e, por isso, segundo a visão da autora, a Psicanálise exibir toda sua diferença em relação à Psicologia e à Filosofia que, ao definir o humano pelo conhecer e por modos de conhecer, excluem o sexual (Lemos, 2006). Tomado no efeito de sua reflexão o presente trabalho tem como objetivo refletir sobre a questão da sexuação na trajetória da criança pela linguagem, a partir de um episódio em que a sexuação incide sobre o gênero gramatical na fala da criança, produzindo erros, réplicas e correções. Assim, problematizando o apagamento do sexual no entendimento da relação sujeito-língua, no que a lingüística enquanto ciência da língua tem produzido, aponta para as seguintes questões a) ao ser interrogado pelo que é da ordem do sexual, a que impasse estaria submetido o pesquisador tendo como objeto de estudo um fenômeno inscrito no campo da lingüística? b) diante da necessidade de abordar a sexualidade, a que teorias poderia o lingüista recorrer por serem capazes de dar lugar ao sexual na constituição do sujeito na e pela linguagem? c) e por fim, que implicações teórico-metodológicas traria o reconhecimento do que é da ordem do sexual, na análise e

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descrição da fala da criança na sua relação com a língua / linguagem? A partir disso, isto é, da possibilidade de interrogar os limites da lingüística e o saber do lingüista assume uma posição de questionamento sobre o que a fala da criança revela sobre a sexuação e, ultrapassando a posição de evidência da relação entre gênero e sexo, avança na hipótese de que a sexuação, impondo uma questão para criança, interfere na sua relação com a língua, produzindo erros, réplicas e correções – manifestação do simbólico. Além de ultrapassar os limites dos pressupostos teórico-metodológicos da lingüística na apreensão do objeto de estudo desse trabalho, essa passagem permite instituir uma escuta para a questão de como a criança se situa em seu sexo, articulando ao real do corpo pulsional às incidências simbólicas e imaginárias de sua relação ao Outro. O episódio que apresentarei versará sobre o efeito que a língua produz na criança no momento em que essa se depara com a sexualidade marcada na/por propriedades estruturais da língua, mostrando que mais do que categorias gramaticais que marcam o gênero feminino e masculino o que está em questão é o reconhecimento da criança de ser falada pela língua. No encaminhamento da análise do episódio fica evidenciada a importância da negação na sustentação da criança de sua identidade sexual, implicando a hipótese do recalcamento no trabalho psíquico da criança na elaboração da diferença sexual. Configura-se, portanto, nesse trabalho um lugar em que esbarramos com o Complexo de Édipo, encontro já enunciado por Claudia Lemos (PROJETO CNPQ 2004) ao ser interrogada pela incidência da sexuação sobre o gênero gramatical na fala da criança.

O SILÊNCIO DOS MARGINAIS: UMA LEITURA DE MACABÉAS

Jaqueline Castilho Machuca (UNICAMP) A adaptação de uma obra literária para os veículos de comunicação visual, com destaque para o cinema, consiste em um processo amplamente complexo, já que os meios pelos quais as linguagens se veiculam são diversos. Além de outros fatores, a obra literária se estrutura a partir da linguagem verbal, enquanto que o cinema se faz através da linguagem visual. Com o intuito de discutir adaptações literárias para o cinema, tão freqüentes nos dias atuais e, portanto, relevantes para o campo de estudos acadêmicos, o trabalho aqui proposto procura abordar as relações, sobretudo temáticas, entre o romance A hora da estrela, de Clarice Lispector e o filme homônimo de Suzana Amaral. Para embasar tais estudos, livros como Literatura e cinema: Macunaíma do modernismo na literatura ao cinema, de Randal Johnson e Literatura, cinema e televisão, organizado por Tânia Pelegrini,o qual conta com importantes artigos da área, de Ismail Xavier, Hélio Guimarães, entre outros autores. Ainda que entre o livro e o filme estudados aqui haja diferenças substanciais, como por exemplo, a supressão do foco narrativo (Rodrigo S.M.) na obra de Amaral, ou até mesmo a ausência e/ou acréscimos de personagens em relação à obra da qual foi adaptada, fica evidente que a maior parte dos elementos propostos no romance aparece no longa metragem, incluindo o tom melancólico, tão marcante na obra Lispector. Dentre muitos signos interpretados por Suzana Amaral transpostos para o cinema, a problemática do silêncio é evidente e muito cara aos dois textos. Para tanto, o livro de Vilma Arêas, Clarice com a ponta dos dedos, foi de fundamental importância. A respeito de A hora da estrela, Rodrigo S.M diz: “este livro é um silêncio”. Como, por vezes, o silêncio “fala mais” que qualquer palavra, este romance é uma reflexão e toda reflexão demanda quietude. O romance de 1977, de Clarice Lispector, quer perturbar o leitor, pois deseja ser um texto em que a protagonista, Macabéa, incomoda. A obra quer ser ouvida pelo calar de sua heroína: nordestina, inculta, feia, datilógrafa, virgem, mulher de pouca fala, poucos amigos, pouco dinheiro, pouca alegria. Quando fala, a moça ou repete colocações da Rádio Relógio ou pronuncia frases aparentemente sem valor: “eu adoro pregos”. Paralelo à problemática da alteridade, na qual o livro se ancora, o narrador do texto constrói essa nordestina “muda” através de palavras, estas que, segundo ele, representam o material básico para se escrever não-importa-o-quê. Diz ainda que a história é feita dessas palavras que se agrupam em frases e destas se evoca um sentido secreto que ultrapassa palavras e frases. Sobre tal processo metalingüístico, o papel de Rodrigo S.M dentro da trama e sua relação com sua protagonista, o livro: Macabéa e as mil pontas de uma estrela, de Nádia Battella Gotilib, levanta hipóteses relevantes. Embora esse narrador, tão caro ao romance, não apareça no filme de Suzana Amaral, lançado em 1985, a alma, ou seja, o espírito da obra, a espinha dorsal, como afirma Amaral em entrevista, não muda. A hora da estrela de Suzana, assim como o romance de Clarice, é uma obra sensível, que leva o espectador à reflexão, através, sobretudo, do silêncio de Macabéa. Obviamente que as emoções despertadas pelo filme só existem pela boa atuação dos atores, com destaque a Marcélia Cartaxo, representando a jovem nordestina e José Dumont como seu namorado, Olímpico de Jesus. Para entendermos melhor o papel dos atores como personagens de um filme, “A personagem cinematográfica”, de Paulo Emílio Salles Gomes, presente no livro Personagem de ficção, organizado por Antonio Cândido, é de suma importância. O fato é que, fazendo uma leitura sociológica tanto do livro quanto da obra cinematográfica, temos que o sistema emudece os pobres, que se submetem aos padrões dominantes e se calam, sendo vistos, por vezes, como marginais, cujo conceito empresto do livro de Lúcio Kowarick, Capitalismo e Marginalidade na América Latina. Além de travar um embate (inconsciente) com tais padrões, para Macabéa não há tempo para se falar, é preciso trabalhar. A relação entre a protagonista e sua condição social fica explícita em artigo de Suzi Frankl Sperber: “Jovem com ferrugem”. Seja a Macabéa de Lispector ou a Macabéa de Amaral, esta personagem que tão bem representa o Brasil é um enigma, já que, além de abarcar questões sociais importantes, como a problemática da migração nordestina para o Sudeste, traz

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expressões contundentes, ressaltando que o silêncio não é apenas um recurso de “marginais” e sim de todos aqueles que necessitam “do encontro”, ainda que inconsciente, com seus próprios mistérios.

FRONTEAMENTO DE PPS EM ESTRUTURAS ENCAIXADAS DO PORTUGUÊS QUATROCENTISTA

Jaqueline Massagardi Mendes (USP) Nesta pesquisa, analisamos o fronteamento de PPs (sintagmas preposicionados) em estruturas encaixadas encontradas na Crônica de Dom Pedro de Menezes, documento da fase quatrocentista do português (PQ), que, segundo a hipótese que assumimos com Moraes de Castilho (2001), é a base da formação do PB. Para dar conta de explicar o fenômeno, acomodamos os dados dentro do arcabouço teórico da Sintaxe Gerativa em sua versão de Princípios e Parâmetros (Chomsky, 1981, 1986), sempre com a preocupação de observar e descrever a variação da posição e o comportamento sintático desses PPs. Esses sintagmas são gerados canonicamente dentro do VP (sintagma verbal), imediatamente após o constituinte que os seleciona, conforme podemos observar nos exemplos (1) e (2) abaixo:

(1) o qual vos pede por merçee que vos syrvais delle (CPM/p.199/l 599) (2) que sabem a fraqueza dos mouros (CPM/ p.212/1 947)

Essas são as posições canônicas do PP, as quais também chamaremos de posição in situ. Seguindo a estrutura frasal proposta por Martins (1994), em que se toma o clítico como fronteira entre elementos topicalizados ou interpolados, além de ocupar a posição canônica, o PP pode aparecer entre C e clítico, ou seja na posição de tópico/adjunto frasal (veja PP1), bem como pode aparecer entre clítico e verbo (PP2):

(3) C (PP1) clítico (PP2) Verbo Chamaremos PP1 de PP fronteado e PP2 de PP interpolado. Nestes casos, o PP move-se para posições mais altas da sentença, conforme mostra o exemplo (4), a seguir: (4) assynamdo allgua cousa que de muitos seja vista....(CPM/ p.186/l301) Em pesquisa anterior constatamos que, dos sécs.XIX-XXI, esses PPs deixam de frontear (ou interpolar) , salvo por razões estilísticas. A pergunta fundamental do presente trabalho é: há outras posições válidas para o PP movido? Qual a freqüência de fronteamento do PP no português quatrocentista (PQ)? Qual a correlação entre PPs e pronomes locativos? Para uma análise descritiva dos dados, seguimos a metodologia da Sociolingüística Quantitativa, pontuando fatores lingüísticos que possam condicionar a posição de PPs e paralelamente a posição dos locativos em função argumental ou de adjunto. Analisamos ainda os seguintes fatores condicionadores: tipo de preposição, categoria do elemento que seleciona o PP, e outros. Assumimos com Martins (1994), Muidine (2000) e Moraes de Castilho (2005), que os pronomes hi e ende e os PPs tenham coexistido no Português Medieval até que os últimos substituíram os primeiros a partir do séc.XV. De fato, na Crônica de Dom Pedro de Menezes, atestamos os pronomes hi e ende (bem como outros locativos) e PPs convivendo nos mesmos contextos sintáticos, mas já apresentando a vantagem dos PPs nessa disputa. De modo geral, os cálculos estatísticos têm registrado altos índices de fronteamento dos pronomes locativos, por um lado, mas baixos índices de fronteamento dos PPs, por outro. A análise interpretativa dos resultados se dá sob uma perspectiva gerativista, à luz da Teoria de Princípios e Parâmetros (Chomsky, 1981, 1986). Para analisar a estrutura de cada tipo de fronteamento observado no corpus, partimos da proposta de um CP desmembrado (Rizzi 1995, 1997) para os casos clássicos de fronteamento para o CP; bem como da estrutura de Martins (1994) para os casos de interpolação e scrambling do objeto. Alguns casos mais específicos são lidos em função da proposta de Belletti (2002), de uma periferia interna da sentença que disponibiliza posições de Tópico e Foco abaixo de IP. Além das posições identificadas em (1-4) acima, foi possível observar, graças à estrutura sentencial proposta por Belletti (2002), uma ulterior posição resultante de movimento do PP, como mostra o exemplo abaixo:

(5) e assy que vois sereis delles servido (CPM/p.195,L.498) No exemplo do PQ, acima, observa-se que o PP ocupa uma posição mais baixa que as anteriores, a saber, à direita do verbo, acima do elemento que o selecionou. O tal PP movido, denominamos PP protelado. Fica, por fim, evidente, que o fronteamento do PP no Português Quatrocentista é mais variado do que no século XIX, pois apresenta posições mais diversificadas. Dessa forma, o português oitocentista representa uma mudança quase concluída no que concerne à posição do PP, pois o fronteamento é regido por questões estilísticas. Quanto à mudança na posição do PP, assumimos que, paralelamente à categoria sigma (Martins, 1994) que teria traços V-fortes, derivando a ênclise em algumas línguas, e traços V-fracos, derivando a próclise e a interpolação em outras, o desuso do fronteamento do PP pode estar relacionado à natureza de TopP e FocoP, que teriam, segundo nossa interpretação, traços Loc-fortes ou (+Anaf) no Português Quatrocentista, traços estes que teriam enfraquecido no decorrer da história da Língua Portuguesa até cair na obsolência no PB contemporâneo. A pesquisa traria, assim, a relevância de identificar no passado uma construção em desuso no presente.

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VARIAÇÃO DIALETAL E GRAMÁTICA PEDAGÓGICA: KADIWÉU Jaqueline Silva de Souza (UNICAMP)

Embora a língua kadiwéu já esteja razoavelmente descrita, ainda não se tem muito material sobre variação dialetal nesta língua. Sabe-se que esta língua conta com variação prosódica (Sândalo, 1997b), mas outros aspectos gramaticais ainda não foram investigados para variação. No entanto, Sandalo (comunicação pessoal) notou também variação sintática (que ainda não foi devidamente investigada). Por exemplo, na fala de mulheres nobres a co-ocorrência de argumentos pronominais é agramatical, embora isso não ocorra na fala de homens nobres. Como se trata de uma sociedade estratificada socialmente (nobres, chefes, guerreiros e vassalos), espera-se que mais variação lingüística seja encontrada. O objetivo final desse trabalho é a elaboração de uma gramática pedagógica do kadiwéu com ênfase em variação sociolingüística, que contemple as variações prosódicas e as possíveis variações sintáticas. Com isso, busca-se (i) contribuir para descrição e documentação de uma língua indígena que tem poucos falantes, e, portanto está ameaçada, (ii) o amplo beneficiamento do povo indígena, já que no futuro próximo poderá usufruir de materiais didáticos, dicionários e textos na língua que terão importante papel na revitalização da língua e da cultura, bem como em uma educação indígena diferenciada. Para tanto os trabalhos de campo serão realizados na própria comunidade kadiwéu, serão usados métodos tradicionais de trabalho de campo para o levantamento de dados: gravações de áudio de elicitações e do discurso natural (narrativas, algum diálogo, etc); posteriormente os dados serão transcritos e analisados. O trabalho com cada informante conterá três partes essenciais, que ajudarão na organização e futura análise. Primeiramente serão gravadas informações pessoais e sociais de cada informante. O segundo passo será uma lista lexical de cerca de 500 palavras, especialmente selecionadas para as línguas indígenas da região do sul de Chaco, baseadas nas listas de Kaufman e Berlim (1987). A terceira parte consistirá em elicitações focando a busca de informações gramaticais, baseada em métodos de campo tal como os de Comrie e Smith (1977), Bouquiaux e Thomas (1992), e a primeira parte do questionário por Kaufman & por Berlim (1987), e Payne (1997). A gramática de Sândalo (1997) será também de crucial importância aqui, pois dados similares serão coletados com outras castas para a comparação dialetal. Os dados elicitados e as análises serão contrastados com os dados da gramática de Sândalo (1997) para identificação de variação lingüística. É importante lembrar que Sândalo (1997) baseia-se principalmente em dados de homens nobres para a elaboração da gramática. Esta foi a opção da autora, uma vez que o povo considera esta variedade como padrão, e foi uma decisão do grupo indígena tomar esta variedade como a primeira a ser estudada e registrada academicamente. No fim de cada sessão de trabalho de campo, uma análise preliminar das informações elicitadas será feita, e os dados serão incorporados em uma base de dados eletrônica. A análise mais profunda dos dados será feita com base nas análises preliminares já feitas no campo. Nas investigações referentes ao acento na língua kadiwéu, o programa Praat será utilizado para amparar as transcrições, a análise terá como principal base a Hayes (1995). A elaboração da gramática pedagógica será feita com base nos resultados dessa presente pesquisa, bem como nas anteriormente realizadas por Sandalo. O material didático terá base também, sempre que possível nos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais).

A CONSTRUÇÃO DE LIBRETOS DE ÓPERA NO BEL CANTO ITALIANO TARDIO: IL TROVATORE

José Luiz Águedo Silva (UNICAMP)

Nestes mais de quinhentos anos de ópera, muito se falou sobre o espetáculo operístico, mas principalmente no que tange à música (à composição, mais especificamente) e à sua apresentação nos palcos. Porém, um elemento essencial nesse conjunto muitas vezes foi deixado de lado: o libreto. Quando citado, o libreto é geralmente criticado, por ser considerado “menor”. Através de nossa pesquisa, que se utilizou principalmente de bibliografia publicada a partir de 1950 – quando a Libretística passou a ter força – pudemos perceber que o ato de escrever libretos não era realmente “menor”, como consideravam os críticos do passado. Operação complexa, sempre envolveu diversas variáveis – de âmbito artístico, social e político. O fazer libretístico começou com a “invenção” da ópera, no fim do século XVI. A Camerata Fiorentina (ou Camerata de’ Bardi), uma reunião de artistas e intelectuais na Florença renascentista, foi a criadora do espetáculo operístico, que tinha por objetivo um retorno ao modelo teatral da Antigüidade através da união das artes – sendo a literatura e a música as principais delas. Aqueles que escreviam libretos passaram, então, a ter cada vez mais importância no cenário lírico – tornando-se, muitas vezes, conhecidos em toda a Europa. O auge do domínio do libretista sobre os compositores se deu no século XVIII, com Metastasio (1698-1782), Poeta Cesáreo da corte austríaca. A ópera sempre teve, desde seus primórdios, uma grande importância para a sociedade, tanto como fonte de lazer como transmissora do pensamento de uma época. E era esta característica que Giuseppe Mazzini (1805-1872), o maior teórico do Risorgimento, considerava primordial: a ópera repassaria a seus ouvintes os ideais risorgimentali. Para isso, era necessário que sobretudo libretistas e compositores estivessem engajados nessa causa. Era o caso de um dos mais representativos libretistas do século XIX, Salvatore Cammarano (1801-1852), prolífico autor, que escreveu libretos para diversos compositores em quase trinta anos de carreira. Dada a sua importância para a

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História da ópera, enquanto um de seus criadores mais ativos, ele foi escolhido como o objeto principal de nossa pesquisa. Como a obra de Cammarano é bastante extensa – ele escreveu mais de trinta libretos em quase vinte anos de carreira –, decidimos tomar como estudo de caso sua obra que consideramos a síntese do período: Il Trovatore (1853), ópera em quatro atos com música de Giuseppe Verdi. Il Trovatore nos parece essencial para ir mais a fundo nas pesquisas sobre o Romantismo na Itália. Numa época em que o romance tentava se fixar – vide os esforços de Alessandro Manzoni (1785-1873) e suas diversas versões de I promessi sposi –, a ópera teve uma participação fundamental na divulgação não só dos ideais do Risorgimento, como já citado, mas também na de elementos do movimento romântico, então em voga. Na ópera, o período que coincide com o Romantismo europeu costuma ser chamado Bel Canto tardio, e são consideradas suas datas limite os anos de 1823 (quando da première da Semiramide, de Gioacchino Rossini e Gaetano Rossi) e 1853 (justamente com a Il Trovatore – sendo este mais um motivo para a escolha dessa obra). Dentre os objetivos de nossa pesquisa está o de proporcionar um estudo em português sobre o libreto, uma vez que a literatura relacionada ao assunto é escassa em nossa língua. Além disso, quisemos fazer um panorama da evolução do texto operístico com o passar do tempo, apontando diferenças e pontos de vista, culminando na última obra de Cammarano, analisada mais profundamente.

ESTUDO DISCURSIVO DA AFASIA EM SURDOS

Júlia Maria Vieira Nader (UNICAMP)

Apresentação do problema: O presente trabalho tem por intuito apresentar as análises iniciais de um estudo cujo tema – surdez - tem estado no centro das atenções de educadores, psicólogos, psico-pedagogos, e também tem sido objeto de estudo de áreas como a neuropsicologia e, mais recentemente, da neurolingüística, na qual este trabalho se inscreve. Embora tenha aumentado na literatura o número de trabalhos que se interessam por fenômenos afásicos em sujeitos com surdez, a maioria está relacionada à tentativa de se comprovar o papel de certas áreas do córtex cerebral no funcionamento da linguagem, em especial a especialização motora da área de Broca. Ainda são raros os trabalhos que procuram descrever as alterações de linguagem causadas por lesão focal no cérebro – as afasias – em sujeitos que têm como primeira língua uma língua de sinais. Além disto, há uma carência na pesquisa sobre o tema que não apenas descreva os níveis formais da articulação dos gestos e sua morfologia, mas que procure compreender as variações individuais, pragmáticas e discursivas dos sujeitos discutindo também questões relacionadas à intervenção terapêutica. Objetivos do trabalho: O objetivo do trabalho é levantar e analisar pesquisas realizadas sobre e/ou com surdos afásicos e, a partir disto refletir sobre o diagnóstico e a intervenção terapêutica com surdos que tenham afasia seguindo a perspectiva da Neurolingüística Discursiva (ND). Metodologia e corpus teórico: Foi realizada uma pesquisa qualitativa que envolveu algumas etapas, dentre as quais o levantamento bibliográfico sobre o tema da afasia em surdos, que será objeto desta apresentação. Os trabalhos encontrados até o momento são o de Rodrigues (1993), Organização Neural da Linguagem, que pesquisa indivíduos surdos com lesões cerebrais para demonstrar que a língua de sinais apresenta uma organização neural semelhante à da língua oral em relação à representação da linguagem no SNC e à especialização dos hemisférios cerebrais. Também o de Corina & McBurney (2001), The neural representation of language in users of American Sign Language, que partem do estudo da afasia nos usuários da língua de sinais e da discussão dos estudos de neurolingüística sobre a produção de parafasias em ASL (American Sign Language) para comprovar a especialização da área de Broca na produção de língua de sinais, a importância do hemisfério esquerdo na produção das estruturas lingüísticas da língua de sinais e as contribuições do hemisfério direito para o seu processamento. Emmorey, Mehta & Grabowski (2007), em The neural correlates of sign versus word production, procuram mostrar as diferenças e semelhanças nas áreas neurais envolvidas no uso da língua de sinais e na produção oral. Tanto a produção da fala como a de sinais são lateralizadas para o hemisfério esquerdo, acionam a área de Broca e a mesma área de extensão neural. Underwood & Paulson (1981), no trabalho Aphasia and congenital deafness: A case study, apresenta o caso de um homem de 57 anos, surdo congênito, que sofreu um AVC adquirindo hemiplegia direita e afasia. Os autores concluem que os processos lingüísticos fundamentais são os mesmos para surdos congênitos e para a população normal de ouvintes. Relevância, Resultados e/ou Encaminhamentos: Grande parte dos trabalhos sobre fenômenos afásicos em sujeitos com surdez está relacionada à tentativa de se comprovar o papel de certas áreas do córtex cerebral no funcionamento da linguagem, em especial a especialização motora da área de Broca. A maioria das abordagens, entretanto, enfatiza apenas aspectos biológicos e desconsidera que o funcionamento do cérebro é resultado da interação desse órgão com todas as formas sociais e históricas de inserção dos sujeitos em um mundo real. A ND fornece uma concepção de linguagem que leva em consideração a subjetividade, a heterogeneidade constitutiva do sujeito e de seu cérebro mostrando que a interação e o dialogismo são fundamentais para os processos de reorganização da linguagem e dos processos cognitivos.

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A SINTAXE DO INFINITIVO COM VERBOS CAUSATIVOS NA HISTÓRIA DO PORTUGUÊS EUROPEU

Juliana Batista Trannin (UNICAMP)

O objetivo deste trabalho é descrever e analisar a sintaxe das construções com os verbos causativos mandar, fazer e deixar com complemento infinitivo na história do Português Europeu. A escolha teórica-metodológica tem como base a Gramática Gerativa, especificamente o modelo de Regência e Ligação da Teoria dos Princípios e Parâmetros. Os dados são provenientes de vinte e seis textos de autores portugueses nascidos entre os séculos XVI e XIX, incluídos no Corpus Histórico do Português Tycho Brahe. A coleta e análise dos dados utilizarão os seguintes procedimentos: a) pesquisa em bibliografia pertinente; b) seleção do corpus; c) análise e interpretação dos dados. A partir dos trabalhos de Kayne (1975), Burzio (1986), Gonçalves (1999) e Martins (2006), serão focalizados fenômenos como marcação de Caso, posição do Sujeito e Subida de Clítico, no que diz respeito às três estruturas distintas em que os causativos podem ocorrer: fazer-Infinitivo, Marcação Excepcional de Caso (ECM) e Infinitivo flexionado. A construção fazer-Infinitivo (KAYNE, 1975) é caracterizada pela alteração da organização dos constituintes no domínio encaixado, em que o sujeito ocupa a posição final, depois do complexo verbal. A estrutura ECM, por outro lado, distingue-se pelo fato do complemento infinitivo apresentar a ordem SVO, com o sujeito precedendo o verbo infinitivo (Gonçalves, 1999). Os verbos causativos também podem selecionar orações infinitivas flexionadas, que diferem das infinitivas simples pela marcação casual: nas primeiras, o sujeito encaixado é marcado por Nominativo pelo infinitivo flexionado e nas últimas, marcado por Acusativo pelo verbo finito da oração matriz. Martins (2006) relaciona o aparecimento do infinitivo flexionado em complementos oracionais de verbos ECM com outras mudanças, como a perda da obrigatoriedade da subida do clítico e o surgimento do elemento de negação no domínio infinitivo. A autora aponta o século XVI como momento decisivo para a mudança, que envolve estruturas ambíguas provocadas por elipses em contextos de coordenação e orações infinitivas flexionadas independentes. Uma análise preliminar do corpus, no entanto, não indica uma comprovação desta hipótese. Os exemplos encontrados no que se referem às orações infinitivas flexionadas são sentenças ambíguas, que poderiam ser consideradas como estruturas ECM, pois o sujeito está na terceira pessoa e não há marcas distintivas entre as duas formas de infinitivo. É preciso considerar também a possibilidade de posposição do sujeito. Nesses casos, o sujeito do verbo matriz ocupa a posição intermediária entre os verbos e não há concordância com o infinitivo. Outra questão a ser abordada são os exemplos de constituintes marcados por Caso dativo ocupando a posição intermediária no complexo verbal, típica de construções ECM. Segundo a hipótese de Martins (2006), essas ocorrências são explicadas pela possibilidade de IP-scrambling e a existência de objetos diretos preposicionados. O propósito deste estudo é descrever as características da sintaxe dos verbos causativos que selecionam complemento infinitivo na gramática anterior à do Português Europeu Moderno (PE) e analisar as propriedades distintas da gramática que precede o PE no que se refere às construções causativas ECM, fazer-Infinitivo e Infinitivo flexionado. Além disso, pretende-se estudar, de uma perspectiva diacrônica, a evolução dessas construções para localizar uma possível mudança na gramática, comparando os resultados alcançados com outros já obtidos em relação ao PE.

O “SUPLEMENTO LITERÁRIO” DA GAZETA DE NOTÍCIAS: UM INFORMATIVO CULTURAL DE EÇA DE QUEIRÓS PARA O RI O DE JANEIRO

DO FINAL DO SÉCULO XIX.

Juliana Cristina Bonilha (UNESP / CAPES) Este trabalho tem como principal objetivo discorrer sobre a pesquisa realizada com o “Suplemento Literário” publicado pela Gazeta de Notícias no ano de 1892. O objeto de estudo, que tem como diretor o escritor Eça de Queirós, é importante fonte documental e literária. Seu conteúdo retrata a Europa do final do século XIX social e historicamente, para a elite carioca, dando um panorama cultural daquele continente aos que dele ansiavam novidades. Além de notícias sobre aquele momento histórico, o Suplemento traz, ainda, crônicas queirosianas e textos de escritores como Batalha Reis, Domício da Gama e do diretor da Gazeta, Ferreira de Araújo. Durante a exposição, será mostrado que o Suplemento entrelaçava duas realidades: a européia, com sua sociedade num momento posterior à segunda Revolução-Industrial ou Revolução Científico-Tecnológica, e a brasileira, especialmente a carioca, a qual passava por um importante momento de transformação, em decorrência da proclamação da República que se intensifica e terá seu ápice nas reformas estruturais realizadas no Rio de Janeiro por Pereira Passos. Mostrar-se-á a dependência cultural da nova sociedade carioca em relação à Europa, e que o desejo por fazer parte da “Civilização”, isto é, do mundo desenvolvido, foi um dos motivos principais para o surgimento do “Suplemento Literário”. Será mostrado que, para entender a publicação do “Suplemento Literário”, estudou-se social e historicamente a Europa e o Brasil. Em seguida, será feita uma pequena descrição desse informativo, em que serão mostradas fotos dos exemplares e serão apontados as seções e os textos que o compunham, destacando-se alguns pontos relevantes de alguns deles. Ressaltar-se-á que a publicação ocorria mensalmente e contava com a participação de articulistas famosos. Será abordada ainda a questão finalidade da escolha de jornalistas que fossem renomados.

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Falar-se-á, ainda, da tarefa dificílima a qual Eça de Queirós e seus colaboradores se propuseram ao elaborar este informativo cultural e do árduo trabalho de selecionar notícias das renomadas revistas européias para enviar dados do Velho Continente que fossem interessar aos leitores cariocas. Durante a execução do estudo do “Suplemento Literário”, notou-se a dificuldade que havia no acesso à sua leitura, pois seus seis exemplares, estavam restritos aos microfilmes da Biblioteca Nacional e do Cedap (Centro de Apoio à Pesquisa) da cidade de Assis. Dessa forma, além da análise dos textos, promoveu-se ainda a recuperação dos mesmos, por meio da digitação de todo o corpus. Encontram-se na tese, portanto, um capítulo de contextualização histórico-social, um de apresentação do “Suplemento literário” e um de descrição e análise dos textos que nele aparecem. Há ainda um anexo, com todos os textos publicados no “Suplemento” e fichas catalográficas, para que se possa encontrar os artigos com maior facilidade e deles se tenha uma pequena idéia, já que estas fichas trazem um resumo, palavras-chave e suas peculiaridades. O estudo deste corpus é original, pois nunca havia sido abordado anteriormente. Alguns dos textos nele encontrados foram destacados por estudiosos de Eça de Queirós, por se tratarem de artigos de sua autoria. As demais seções são apenas mencionadas sucintamente por alguns especialistas queirosianos, pois estes procuravam conhecer o trabalho do jornalista português como diretor, função que exerceu poucas vezes em sua carreira. A análise deste corpus pretendeu contextualizá-lo, entender o motivo de sua criação e analisá-lo integralmente, mostrar como Eça o dirigia, e ainda tornar a leitura dos textos acessível.

MACEDO PARA ALÉM DAS MOCINHAS

Juliana Maia de Queiroz (UNICAMP / FAPESP)

A presente comunicação parte da discussão em torno da imagem cristalizada do autor Joaquim Manuel de Macedo na maioria das histórias literárias do século XX a fim de colocar à mostra outra face, mais irônica e crítica, desse escritor. Em grande parte dos estudos que se voltaram para sua trajetória literária, sua importância fica atrelada, sobretudo, à inauguração da prosa romântica nacional em 1844 com o aclamado A moreninha, narrativa marcada pelo retrato de costumes da segunda metade do século XIX, bem como por divertidas peripécias amorosas. É bem verdade que o escritor de Itaboraí produziu, ao longo de sua carreira, alguns romances nos moldes daquele seu livro de estréia, mas não apenas esses. Sua produção se revela bastante eclética, com obras como Memórias do sobrinho de meu tio (1868), um romance de sátira política, passando por As vítimas algozes (1869), que aborda o tema da escravidão, até a crônica memorialística Memórias da rua do Ouvidor (1878), revelando assim que Macedo, ao contrário do que comumente se afirma, teria feito algo mais do que encontrar uma receita romântica, repetida incessantemente até o final de sua carreira. Nosso foco aqui recai especificamente sobre um de seus romances, publicado em 1855, e intitulado A carteira de meu tio. Nele, Macedo descreve uma viagem, em nada semelhante às típicas narrativas de viagens do século XIX, de uma personagem sem nome próprio – o sobrinho do tio – pelo país a fim de desvendar “as verdades políticas” da sua pátria antes de se iniciar nesta carreira. Tomando como mote a Constituição de 1824 e a falta de respeito dos políticos em relação às leis nela expressas, o narrador em primeira pessoa aproveita sua longa jornada por lugares sem especificação alguma, apenas como mote para criticar severamente o sistema político do Segundo Reinado. Em estilo bastante irônico e também engraçado, o romance em nada nos lembra aqueles mais leves ou melodramáticos, tantas vezes comentados nas Histórias Literárias. Desse modo, nossa comunicação tem como objetivo apresentar os principais aspectos do romance A carteira de meu tio (1855), cujo enredo e estilo, por exemplo, fogem às típicas narrativas de evasão romântica pelas quais ficou consagrado o autor. Além disso, procuraremos mostrar parte dos resultados obtidos até agora na pesquisa que realizamos em diversas fontes primárias, tais como anúncios de jornais, catálogos de livreiros e de bibliotecas, acerca da inserção do autor no mercado editorial carioca de meados do século XIX. Tais dados revelaram a enorme popularidade de Macedo, tanto ao lado de escritores consagrados, como José de Alencar, por exemplo, como ao lado de outros que sequer figurariam nas histórias literárias do século seguinte, como Ana Luísa de Azevedo Castro. Além disso, o acesso aos anúncios de livros, bem como aos catálogos, nos possibilitou uma melhor compreensão do movimentado e já competitivo mercado livreiro na segunda metade do século XIX no Rio de Janeiro. Os dados citados anteriormente dizem respeito aos resultados parciais obtidos na pesquisa de doutorado em andamento, financiada pela FAPESP, cujo título é “Macedo para além das mocinhas: um estudo de três romances de crítica social e política”, sob orientação da Profa. Dra. Márcia Abreu.

APONTAMENTOS SOBRE O NACIONALISMO LITERÁRIO N’ A REVISTA MODERNISTA MINEIRA

Júlio de Souza Valle Neto (UNICAMP)

Esta comunicação pretende reavaliar o primeiro órgão modernista mineiro, A Revista, discutindo em especial os textos dedicados à questão do nacionalismo literário. O periódico, cujo primeiro número publicou-se em julho de 1925, em função do empenho, sobretudo, de Carlos Drummond de Andrade, Emílio Moura, Martins de Almeida e Gregoriano Canedo, dedica especial interesse ao tema, de importância fundamental naqueles inícios do movimento em Belo Horizonte. Pretende-se discutir, por exemplo, o modo como se tratou a influência francesa, então avassaladora em todos os campos, inclusive o literário, no qual sobressaía a figura de Anatole France. O culto ao mestre francês

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começava, entretanto, a dar mostras de cansaço, na medida em que aumentava o contato com Mário de Andrade, a quem desgostava o cinismo virtualmente paralisante de France. Esta oscilação entre aceitação e recusa, no caso de Anatole e mesmo da França, comunica-se à questão do estrangeiro como um todo, conforme se depreende de outros textos publicados ao longo dos três números d’ A Revista. Esta dinâmica será comentada em artigos, respectivamente, de Carlos Drummond de Andrade, Emílio Moura e Martins de Almeida, de forma a embasar uma reavaliação da fortuna crítica sobre o assunto. No primeiro deles, o editorial do número de estréia do periódico, intitulado “Para os céticos”, Drummond opta por uma alternativa aparentemente conciliadora entre os domínios do nacional e do estrangeiro. Por outro lado, este equilíbrio é posto em xeque pela própria idéia de submissão às “correntes civilizadoras da Europa”: a ordem hierárquica subjacente à afirmação concorre para esta impressão. Já no texto de Emílio Moura, “Renascença do Nacionalismo”, embora o autor recuse o nativismo estreito do indianismo romântico exótico, não se alcança ainda uma formulação capaz de conjugar o nacional e o universal em termos pacíficos. No artigo, percebe-se claramente a concepção de que a influência estrangeira pode obliterar a formação da nacionalidade, de forma a reiterar a tensão entre ambos os domínios. Mas é nos textos de Martins de Almeida em que esta tensão, até então perceptível em surdina numa ótica declaradamente conciliadora, torna-se franca e aberta. No editorial do segundo número d’ A Revista, “Para os espíritos criadores”, Almeida refere o “perigo enorme do cosmopolitismo”. Para o autor, dever-se-ia combater firmemente o risco de “dissolução do nosso espírito”, evitando-se qualquer “permeabilidade aos produtos e detritos das civilizações estrangeiras”. Em resenha ao livro L ‘ Europe Galante, de Paul Morand, esta tendência se reafirma: “Não dou fé a uma verdade extra-pátria. Os valores internacionais merecem pouco crédito.” Desta forma, parece lícito propor uma reavaliação de certas leituras sobre o periódico modernista mineiro. Antonio Sérgio Bueno e Cecília de Lara, autores de trabalhos importantes sobre A Revista, consideram-na uma publicação em que o “universal” parece equilibrar-se com o “nacional”. Da perspectiva desta comunicação, entretanto, este equilíbrio é sempre precário. A afirmação engloba tanto aqueles textos de orientação conciliadora, como os de Carlos Drummond de Andrade e Emílio Moura, como os francamente hostis à influência estrangeira, caso das publicações de Martins de Almeida. Dito isto, convirá, nesta perspectiva, realçar o cunho de conflito – e não o de conciliação – patente nas páginas d’ A Revista.

A AVALIAÇÃO FORMATIVA E SOMATIVA EM INGLÊS (LE) E O PERFIL MOTIVACIONAL DE ALUNOS DE ALTO, MÉDIO E BAIXO RENDIMENTO NA SALA DE AULA

Jussara Azevedo Silva de Oliveira (UNICAMP)

Há várias formas de os alunos relacionarem-se afetivamente com o desempenho obtido na avaliação. De acordo com a teoria atribucional, conforme atribuem o seu desempenho a fatores externos, internos, controláveis e não controláveis, estáveis ou instáveis, a avaliação exerce sobre eles efeitos diferentes. Além da Teoria da atribuição, outros construtos motivacionais permitem levantar fatores motivacionais que interagem com a avaliação nos vários perfis de alunos: alunos de alto, médio e baixo rendimento. Em primeiro lugar, a Teoria das metas nos permite observar a orientação dos alunos à aprendizagem de inglês – língua estrangeira diante do enfoque somativo ou formativo da avaliação. Em segundo lugar, a teoria da autodeterminação descreve o envolvimento dos aprendizes de inglês desde níveis mais extrínsecos de motivação até níveis mais intrínsecos, explicando como alunos diferentes relacionam com a aprendizagem, com a avaliação de seus resultados. Finalmente, o Modelo processual da motivação para aprender a LE de Dörnyei e Ottó, levanta diversos fatores influenciadores da participação e comportamento motivado dos alunos especificamente em sala de aula de língua estrangeira e leva em conta o aspecto dinâmico e temporal da motivação. As teorias acima mencionadas nos fornecem, além de explicações sobre a relação entre a avaliação e a motivação do aluno para aprender inglês, vários subsídios para redirecionarmos as orientações motivacionais dos alunos. Além disso, as pesquisas em efeito retroativo têm ressaltado a importância atribuída ao papel do professor no processo de implementação de testes ou tipos de avaliação e sua influência na motivação dos alunos para aprender a língua estrangeira. Em pesquisa que realizamos com alunos da 7ª série / 8º ano do Ensino Fundamental em escola particular, a avaliação formativa foi gradualmente introduzida no processo de ensino e aprendizagem de inglês, visando observar em que medida a sua implementação afeta a percepção que o aluno tem da avaliação e da própria capacidade de aprender a língua estrangeira, motivando-se, dessa forma, a direcionar seus planos, esforços à aprendizagem da mesma. Por meio do levantamento das percepções que os três grupos de alunos têm do ensino e aprendizagem e da avaliação de inglês como língua estrangeira, é possível determinar que tipo de efeito a avaliação poderá exercer sobre a motivação do aprendiz para aprender inglês como LE. Ao investigarmos a percepção dos alunos dos três perfis, observamos uma grande variação nos níveis de motivação entre alunos de médio rendimento com relação à avaliação e atividades desenvolvidas no processo de ensino e aprendizagem. Os alunos de alto rendimento revelaram uma tendência à motivação intrínseca ou níveis mais internalizados de motivação extrínseca. Por outro lado, os alunos de baixo rendimento, com baixos níveis de motivação e autodeterminação seguiram com os mesmos níveis de motivação no decorrer do ano letivo, ou seja, níveis de auto-regulação baixos, mas que permitem por meio da intervenção de professores elevar tanto a auto-regulação dos alunos. Pudemos observar que os fatores motivacionais interagem com o ensino, a aprendizagem e a avaliação de forma complexa e contínua e que são concomitantes ao processo, não sendo possível determinar o seu desenvolvimento antes ou depois da nova proposta de avaliação, mas durante a implementação da mesma.

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OFENSA, INSULTO E INJÚRIA COMO PRÁTICAS LINGÜÍSTICA S DISCRIMINATÓRIAS

Karla Cristina dos Santos (UNICAMP)

No artigo 140, que define o crime de injúria no Código Penal brasileiro, o § 3° prevê o aumento da pena caso a injúria faça uso de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, origem ou à condição da pessoa idosa ou portadora de deficiência. Uma alteração do § 3° já está prevista pelo projeto de Lei nº 5003 (5003-b) de 2001, que, se aprovado pelo Senado Federal, incluirá entre os agravantes do crime de injúria a referência a elementos como gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero. Tendo isso em vista, o objetivo deste estudo é investigar como se define, no Brasil, a relação entre o ato individual de insultar alguém e a história de discriminação e opressão que certos insultos podem invocar. Para alcançar esse objetivo, será preciso investigar também como se define a referência de um ato de fala injurioso e com base em que categorias lingüísticas isso é feito. Algumas questões podem ser levantas neste ponto: por exemplo, como se define a diferença entre um insulto que utiliza esses elementos, citados pelo § 3º, e outros tipos de insulto? Como se avalia a dimensão histórica de certos insultos e o poder de reforçarem práticas discriminatórias? Qual o papel das categorias semântico-pragmáticas (como significado, referência, verdade, contexto, intenção) nessa avaliação? Tendo em vista a complexidade das noções utilizadas por teorias semânticas e pragmáticas na definição do que as palavras e expressões representam, estamos diante de um campo bastante rico em desafios para essas teorias. O primeiro grande desafio desse estudo é, portanto, pensar a relação entre a teoria da linguagem e a dimensão ético-política de nossas práticas lingüísticas. Refletir sobre a interpretação da ofensa e sobre a possibilidade de relacionar o insulto com a prática da discriminação de certos grupos sociais no Brasil pode ser uma forma de discutir como uma teoria sobre a linguagem adquire relevância social, política, ética. O desafio específico para a área de estudos pragmáticos é a reflexão sobre a forma como a teoria dos atos de fala e do performativo poderia intervir na discussão do insulto como prática discriminatória e, ao mesmo tempo, o que essa discussão pode devolver para a teoria em termos de problematização de suas principais categorias. A investigação seguirá uma abordagem qualitativa dentro do paradigma interpretativista. O corpus será composto por textos com opiniões jurídicas sobre crimes de injúria e por entrevistas com lideranças de movimentos organizados (movimento negro, organizações de mulheres, movimento GLBT, organizações de defesa da pessoa idosa e da pessoa portadora de deficiência). Ao cruzar os pontos de vista do sistema judicial e dos movimentos sociais sobre a injúria, será possível ter acesso a duas instâncias políticas de interpretação constituídas por interesses diversos e, muitas vezes, opostos. O foco inicial da análise será a separação desses atos interpretativos em dois grupos: a) interpretações da relação entre dizer e fazer e b) interpretações da relação entre convenções (dimensões históricas de uso dos termos e expressões) e atos individuais. Nas análises do primeiro grupo, o objetivo é refletir sobre a relação entre insulto e prática discriminatória. No segundo grupo, será questionada a especificidade de certos tipos de insulto, bem como a relação entre o que é dito no momento do ato de fala e o que é recuperado em termos de uma prática histórica de discriminação. O passo seguinte será a identificação das categorias semântico-pragmáticas empregadas na (re)constituição dos efeitos ofensivos do ato de fala conduzida por cada uma das instâncias políticas em questão (sistema judicial e movimentos organizados). As categorias significado, referência, verdade, contexto e intenção servirão de base para a análise, tendo em vista o papel que representam na tradição dos estudos semânticos e pragmáticos. O que se espera com essa análise é refletir sobre o papel dessas categorias na discussão das duas tensões básicas do conceito de performativo: a relação entre dizer e fazer e o conflito entre convenções e atos individuais. O entendimento dessas tensões é fundamental para a discussão da relação entre injúria e prática discriminatória.

PROCEDIMENTOS PARA AVALIAÇÃO INSTRUMENTAL DA PRONÚN CIA DO PORTUGUÊS BRASILEIRO POR CRIANÇAS DE 5 A 7 ANOS DE IDADE

Larissa Mary Rinaldi (UNICAMP)

Existem várias abordagens teóricas que podem fundamentar a terapia fonoaudiológica para queixas de pronúncia em crianças. A abordagem articulatória no sentido fisiológico reduz as questões de linguagem a perturbações musculares. A abordagem que versa sobre os desvios fonológicos, ao introduzir uma perspectiva lingüística de cunho gerativo, busca numa organização não padrão a fonte das possíveis queixas. Propõe-se neste trabalho a ótica trazida pela Fonologia Acústico-Articulatória (uma versão modificada da Fonologia Articulatória proposta por Browman e Goldtein – doravante Fonologia Gestual) que leva em conta a gradiência dos processos fônicos e propõe o uso de Análise Acústica para revelar a dinâmica articulatória. Os estudos, na área, das crianças com dificuldades de pronúncia têm utilizado uma criança sem queixas como termo de comparação. Porém, a situação ideal seria ter dados de vários sujeitos coletados com base num corpus de referência. Para possibilitar a existência desse corpus, elaborou-se uma metodologia de coleta com bases lúdicas. A metodologia é baseada em um instrumento desenvolvido pela pesquisadora. Desenvolveu-se um livro infantil, cuja estória foi baseada em 57 palavras alvo dissílabas paroxítonas que incluem sons fricativos, oclusivos, nasais e líquidos em contato com as vogais [a], [i] e [u], em posição inicial e medial. Em contraponto às palavras da estória, elaboraram-se 57 logatomas, incluindo os mesmos sons da língua, que seriam utilizados também para a avaliação. Tal cuidado permite uma comparação entre dois contextos. Um contexto

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“balanceado” (que apresenta todos os sons da língua portuguesa em posição inicial e medial) e um contexto controlado. Associados ao livrinho foram produzidos dois jogos de tabuleiro (de percurso) que geram a produção semi-espontânea das palavras alvo em contexto de frase-veículo. O primeiro jogo utiliza palavras da própria estória, seguindo no percurso do tabuleiro a mesma sequência apresentada no livrinho durante a estorinha. Já o segundo utiliza apenas o tema central da estória para gerar o jogo, onde os logatomas passam a ser nomes de poções mágicas. A partir de tal material, coletaram-se dados de fala infantil de crianças sem queixas fonoaudiológicas e realizaram-se análises preliminares sobre essa fala, visando caracterizar os sons fricativos, os oclusivos e as vogais. Os primeiros resultados indicam que a metodologia foi efetiva para coleta. O jogo associado à estória apresenta dados mais facilmente analisáveis do que o jogo de contexto controlado, uma vez que no contexto controlado os logatomas estão escritos nos rótulos das poções mágicas. Tal fato gera dificuldades, pois crianças dessa faixa etária estão também iniciando o processo de aquisição de escrita e diversas vezes tentam ler as palavras ao invés de somente enunciá-las, apresentando pausas excessivas. Os resultados parecem indicar também uma maior variabilidade na produção das vogais com relação à fala adulta. Esse aumento de variabilidade parece ocorrer não somente na comparação adulto criança, mas entre as palavras enunciadas por elas, indicando possível aumento da coarticulação. Porém, entre as crianças encontramos pequenas diferenças na produção. No caso da vogal [u] há uma maior variabilidade de F2. As outras vogais parecem variar de acordo com a consoante com a qual estão em contato. Espera-se demonstrar que a ótica dinâmica é capaz de refinar e renovar os procedimentos de avaliação de linguagem.

EFEITOS DE COPRODUÇÃO DE VOGAL A VOGAL SOBRE OS DESLOCAMENTOS DAS VOGAIS MÉDIAS NO ESPAÇO VOCÁLICO DO PORTUGUÊS BRASILEIRO

Laudino Roces Rodrigues (UNICAMP)

Nos estudos anteriores, apontamos que, nas relações de coprodução V_V, as vogais médias em posição pré-tônica assimilavam as configurações formânticas das vogais em posição tônica. Neste novo estudo, os efeitos de assimilação ocorreram não só nas vogais médias pré-tônicas, mas também nas as vogais /i,a,u/, apontadas anteriormente como mais resistentes às influências em questão. Tais assimilações na posição não acentuada são condizentes com os achados pioneiros de Fowler (1981) sobre a relação entre as posições relativas ao acento e sua maior ou menor resistência às influências coarticulatórias. Fowler sugeriu que a posição acentuada é a de maior resistência. Além disso, estudos posteriores, principalmente os referentes à coarticulação CV, (por exemplo, Farnetani, 1997) também mostraram uma maior resistência da posição tônica à coarticulação. No entanto, os trabalhos de Magen (1997) sugeriram que não havia um padrão consistente de resistência coarticulatória relacionado com a posição acentual. Os resultados do nosso mestrado mostraram, por outro lado, que as influências de coprodução V-V ocorrem tanto nas pré-tônicas como nas tônicas. Isso nos levou a criticar a idéia de resistência coarticulatória clássica tendo em vista a coprodução V-V. Classicamente, a resistência está sempre ligada à relação CV ou VC, fazendo com que a relativa independência V-V, característica da coprodução, fique em segundo plano. O trabalho de Fowler, acima citado, com o qual compartilhamos a idéia de coprodução, ou de uma relativa independência do gesto vocálico em relação ao consonantal, foi feito com trissílabos /V1bV2bV3/, e vogais /i,a,u/ nas posições V1 e V3, sendo V2 sempre o schwa. A autora examinou os efeitos perseveratórios de V1 no schwa em V2 e os efeitos antecipatórios de V3 no schwa em V2 em função do acento. Neste projeto de doutorado, os testes realizados com as vogais /i,a,u/ apontaram para uma maior quantidade de efeitos significativos quando essas vogais foram testadas em posição pré-tônica, em comparação com os testes com as mesmas na posição tônica. Tal constatação está de acordo com a previsão de Fowler. No entanto, nossos achados também mostraram que o mesmo não vale para as vogais médias, pois essas, em posição tônica, sofreram efeitos tanto no sentido de assimilar a configuração formântica da vogal precedente (F2), quanto no de dissimilar dessa configuração formântica (F1). Outro achado importante deste projeto de doutorado são os indícios de que, na posição tônica, os valores de F1 das vogais médias são menores nos dados com foco, que apresentam durações maiores, do que nos dados sem foco, com durações menores. De acordo com a literatura, uma duração maior teria, necessariamente, que ser acompanhada de uma subida no valor de F1 (para o PB, ver Arnold, 2005).

MUDANÇA DE CÓDIGO NA PRODUÇÃO ESCRITA EM SEGUNDA LÍ NGUA: ANÁLISE PRELIMINAR DE TEXTOS DE AUTORIA INDÍGENA

Lílian Abram Dos Santos (UNICAMP)

O objetivo desta comunicação é apresentar parte de minha pesquisa de doutorado cujo tema central é o ensino de português como segunda língua na educação escolar indígena. A pesquisa é de base interpretativista e está situada epistemologicamente no campo investigativo da Lingüística Aplicada, mais precisamente, a Lingüística Aplicada definida por Moita Lopes (2007) como ideológica e indisciplinar. Ideológica porque, em sua concepção, não há lugar fora da ideologia e não há conhecimento desinteressado (Moita Lopes, op. cit., p. 103) e indisciplinar porque para dar

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conta da complexidade dos fatos envolvidos com a linguagem em sala de aula, passou-se a argumentar na direção de um arcabouço teórico interdisciplinar. Isso acarretou a compreensão de que o tipo de conhecimento teórico com o qual o lingüista aplicado precisaria se envolver, para tentar teoricamente entender a questão de pesquisa com que se defrontava, atravessava outras áreas do conhecimento. Ainda de acordo com esse mesmo autor, a presente pesquisa está sendo conduzida com a perspectiva de que a LA não tenta encaminhar soluções ou resolver os problemas com que se defronta ou constrói. Ao contrário, a LA procura problematizá-los ou criar inteligibilidade sobre eles, de modo que alternativas para tais contextos de usos da linguagem possam ser vislumbradas (Ibidem, p. 20). O ensino de línguas é um dos pilares da educação escolar indígena. Duas das características que definem, oficialmente (Rcnei, 1998), essa modalidade de educação estão diretamente associadas ao ensino de línguas, a saber, o bilingüismo e a interculturalidade. Tais conceitos devem ser necessariamente levados em conta ao se planejar a educação lingüística para índios no Brasil. A maioria dos povos indígenas vive atualmente um contexto de diglossia (Maher, 1996; Hamel; Sierra, 1983). Em grande parte dos contextos em que há educação escolar indígena, a língua portuguesa é a segunda língua dos alunos e dos professores indígenas. O ensino crítico de português como segunda língua desempenha papel importante nessa atual configuração sociolingüística visto que o modo como ele é ensinado (e aprendido) deve estar de acordo com o Modelo de Enriquecimento Lingüístico em que a língua portuguesa deve ser adicionada ao repertório comunicativo do aluno, sem, contudo, deixar de se investir no aumento de competência de uso em sua língua materna (Maher, 2007). Dados do MEC indicam a existência de mais de 2.000 escolas indígenas, com a maioria dos alunos no primeiro segmento do ensino fundamental (http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/censosecad.pdf). Diante desse quadro, a reflexão sobre o ensino de português como segunda língua em contexto de minorias indígenas torna-se tão relevante quanto os estudos das línguas indígenas ou as discussões sobre quais os caminhos o ensino de LM deve tomar nas escolas dos não-índios. É no contexto amplo da educação escolar indígena e, especificamente, na formação de professores, agentes de saúde e pesquisadores wajãpi, que minha pesquisa ganhou sentido e foi planejada. Utilizando a noção de "movimento" expressa em MAHER (1996, 2007) para caracterizar a relação entre as línguas nesse contexto diglóssico, apresentarei a análise de textos de autoria wajãpi, escritos em língua portuguesa, em contexto formal, tendo como foco principal o code switching, mais especificamente, o uso de palavras em língua wajãpi na produção escrita em segunda língua. Meu objetivo será mostrar que a mudança de código pode ser interpretada como um sinal de competência lingüística na produção escrita em segunda língua, justamente porque sua ocorrência não se dá aleatoriamente, mas é motivada pelo assunto e pelo gênero do texto escrito. Entendo que traçar hipóteses sobre modos de ensinar uma segunda língua escrita prevê a compreensão dos modos como os aprendizes se inscrevem em seus textos, e estes modos estão diretamente associados ao contexto sociolingüístico no qual estão inseridos. Enquanto pesquisadora e professora de português como segunda língua para falantes de línguas indígenas – leitora em potencial de seus textos – finalizo este trabalho com as palavras de Orlandi (1999, p. 12): os sentidos de um texto estão determinados pela posição que ocupam aqueles que o produzem (os que o emitem e os que o lêem).

O ANFITRIÃO DE PLAUTO: POTENCIAL E LIMITES INTERTEXTUAIS

Lilian Nunes da Costa (UNICAMP)

A tragicomédia Anfitrião (Amphitruo) é uma das mais famosas peças do comediógrafo latino Plauto (c. 250 – 184 a.C.). Tendo sido celebrizada também pelo grande número de traduções e adaptações que recebeu, por parte de autores como Camões (Os Anfitriões) e Molière (Amphitryon), a peça plautina tem sido objeto de diversas pesquisas que a tratam como modelo para sua recepção moderna, uma perspectiva favorável à exploração de um diálogo intertextual entre o Amphitruo plautino e “Anfitriões” posteriores. Em nossa pesquisa de Mestrado (apoiada pela FAPESP, processo nº 07/57172-7), nosso interesse será, porém, tratar de possíveis leituras intertextuais de Anfitrião levando em conta o repertório com que contaria o público plautino. Mais especificamente, pretendemos abordar na referida comédia fenômenos relacionados à intertextualidade de uma obra recentemente nomeados como “paratextualidade” e “arquitextualidade” (G. Genette, 1982). Nos estudos clássicos, vêm sendo amplamente exploradas análises intertextuais grandemente embasadadas na metodologia desenvolvida por estudiosos como G. B. Conte (1996), A. Barchiesi (1997) e D. Fowler (2000). No Brasil, Vasconcellos (2001), Prata (2005), para citar apenas alguns exemplos, têm-se dedicado a análises intertextuais direcionadas ao legado da poesia augústea. Seus preceitos e resultados sustentam a idéia de que textos não são lidos isoladamente e tendem a revelar ao leitor moderno a riqueza de efeitos poéticos nos textos latinos. Resultados como tais motivam-nos a considerar a possibilidade de aplicar leituras intertextuais à comédia Anfitrião de Plauto, acerca da qual não se notam tantos exemplos dessa abordagem. Nossa exposição visa, portanto, refletir sobre essa lacuna, considerando o potencial e os limites da aplicação desta metodologia à apreciação da obra em estudo. Para tanto, a metodologia por nós empregada consiste em observação, pautada pela nossa tradução, do texto latino editado por A. Ernout (2001). A análise da linguagem e dos recursos poéticos levará em conta as associações – apontadas por comentadores, sobretudo D. Christenson (2000) – do texto plautino com outros textos de poesia e prosa antiga. Uma reflexão sobre tais associações será esboçada à luz de bibliografia secundária específica sobre Anfitrião e sobre a teoria intertextual.

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Uma leitura intertextual que contemple arquitextualidade, isto é, baseada na relação entre textos e os gêneros literários aos quais estes se filiam (cf. Genette, 1982, p. 11), parece ser bastante pertinente ao texto em estudo. Mais: parece ser necessária. Isso porque já no prólogo da peça o público plautino se vê obrigado a pensar a relação entre dois gêneros dramáticos – a tragédia (e. g. versos 51, 52 e 54) e a comédia (e. g. versos 54 e 60) – que, segundo Mercúrio, personagem que declama o prólogo, se fundiriam na ação, em forma de uma tragicocomoedia (versos 59 e 63). Diversos estudos vêm tentando identificar a pertinência da peça ao gênero cômico, ao trágico ou ao tragicômico; mas normalmente esta investigação se dá por meio de uma busca de fontes, do modelo usado pelo poeta latino. Na bibliografia consultada até o momento, raramente a discussão acerca dos gêneros é encaminhada a uma direção mais próxima à das abordagens intertexutais, centradas no efeito da alusão aos textos usados como fonte, ou melhor: ao efeito dos textos e respectivas convenções genéricas que o público reconheceria na comédia plautina. Nosso estudo vai levar em conta, na alegada tragicocomoedia, aspectos da épica (Oniga, 1985) e mesmo da lírica (Petersmann, 2000; Cardoso, 2001), os quais, embora já tenham sido notados, não foram tomados como objeto ainda, ao que saibamos, de uma contemplação sistemática sob a perspectiva intertextual. Por exemplo, é preciso ainda pensar: dado que pouquíssimo restou da época de Plauto além das comédias do próprio Plauto, como esses vocábulos são identificados como épicos pelos estudiosos? Intriga-nos constatar que se tende a levar em conta o fato de que alguns termos utilizados pelo escravo Sósia em seu discurso de batalha (v. 186 – 247 e 250 – 262) podem ser encontrados também em épica posterior a Plauto como, por exemplo, na Eneida (Aeneis) de Virgílio (70 – 19 a.C.). Na pesquisa de fontes, estudiosos têm, portanto, levado seriamente em consideração o texto posterior na avaliação do anterior, aspecto que em reflexões acerca da epistemologia dos estudos intertextuais aplicados à Antigüidade já foi denominado como “fator retroativo”. Nossa comunicação pretende desenvolver mais amplamente a exposição, aqui resumida, sobre potencial e limites intertextuais do Anfitrião plautino.

SOBRE A NEGAÇÃO SENTENCIAL NO PORTUGUÊS BRASILEIRO

Lílian Teixeira de Sousa (UNICAMP)

O presente estudo trata da negativa sentencial no Português Brasileiro (PB), cuja configuração ocorre em três formatos, a saber [Não V], [Não V Não] e [V Não]. Essa variação tem sido tratada na literatura variacionista (Schuwegler (1983); Careno e Peter (1994); Furtado da Cunha (1996); Roncarati (1997); Alkmim (2001); Ramos (2002)) como formas em competição. No entanto, segundo o trabalho desenvolvido por Schwenter (2005), considerando a pragmática, há diferenças de estatuto entre as diversas formas de se expressar a negação sentencial no PB. Segundo o autor, a negativa dupla é mais enfática que a negativa pré-verbal, uma vez que apresenta peso fonológico extra. E, ainda, propõe que a dupla negativa e a negativa final são mais sensíveis a propriedades estruturais-funcionais do discurso. Tal fato faz supor que as construções com dupla negativa (Neg2) e negativa final de sentença (Neg3) no PB se devem a outros fatores. O nosso objetivo é, portanto, demonstrar que a dupla negativa e a negativa final no PB exibem propriedades associadas com refutação de pressuposição, refletindo assim diferenças fundamentais com relação à negativa canônica (Não V). Para tanto, analisaremos contextos nos quais a incompatibilidade de Neg2/ Neg3 e da negativa canônica (Neg1) pode ser explicada por questões discursivas relacionadas a quebra de pressuposição. Há, ainda, que se considerar uma outra variação da concordância negativa no PB. Nos referimos aqui a casos em que além da dupla negativa, há quantificador negativo no interior da sentença como em (2) “A Alice não disse nada sobre o acidente da Joana não”. Em sentenças como essa, a negação da oração encaixada é enfatizada; esse fato traz evidência para a integração sintática do não-final à sentença. Essa ênfase, porém, ocorreria sobre todo o TP, uma vez que não há ocorrência de orações desse tipo em contexto de ambiente não-finito. Em nossa análise, portanto, acreditamos na hipótese da realização de uma projeção de foco para a negação no PB. Assim, vemos o aparecimento do não pós-verbal como a realização fonética do núcleo de uma projeção funcional, a saber, FocP, na região de C. Uma evidência pode ser apontada a partir do trabalho de Rizzi (1997). Segundo o esse autor, não é possível que ocorram dois elementos em foco numa sentença. Isso porque não é possível que haja uma pressuposição sobre outra pressuposição. Isso explicaria porque se apresentando uma pergunta-contexto que focalize o sujeito, o não-final não ocorreria como resposta:

(1) Quem não foi ao cinema? R. O JOÃO não foi (#não). De acordo com Freitas (1995), o foco é uma categoria sintaticamente motivada, ou seja, operações sintáticas de deslocamento que alteram a ordem canônica do enunciado já constituem recursos que tornam salientes determinados constituintes. A prosódia tenderia a sobremarcar essa saliência, atribuindo proeminência a esses constituintes. Uma vez que a prosódia parece ser um traço redundante que acompanha a distinção sintática, buscaremos realizar uma análise acústica com o objetivo de verificar traços que indiquem saliência. O corpus utilizado no estudo é composto por quatro gravações de 30 minutos cada, gravadas com informantes nascidos em Mariana/MG por Sousa (2007) no molde variacionista (Labov, 1972). A análise acústica é realizada através da análise de contorno melódico (curva de F0), de acordo com o programa de análise acústica PRAAT.

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O MEIO SOCIAL DE CAPITU: A MULHER FATAL DENTRO DE C ASA

Linda Catarina Gualda (UNESP – Assis)

No mundo sócio-cultural da segunda metade do século XIX, a figura feminina sinalizava perigo quando ambiciona deixar o espaço restrito do lar e partir para o domínio do meio exterior – espaço reservado apenas aos homens. Nesse contexto, não havia outra possibilidade para Machado de Assis a não ser condenar a mulher que circulava fora de casa e, dessa forma, afrontava o marido e a sociedade. Por isso, uma Capitu que figura ousadia, malícia e “traição” deve sair de cena podendo esperar somente pela morte. No entanto, não bastava ir buscar essa mulher na rua, era necessário que o perigo não apenas rondasse a casa, mas estivesse presente dentro dela de preferência incrustada no elemento de sustentação do sistema, Bento Santiago. Entretanto, para garantir a veracidade e conseguir o efeito catártico no leitor, era preciso caracterizar a vizinha desde a infância apelando para alguns dados que a fizesse da categoria de mulheres que destroem a vida e a reputação de um homem. Por esse motivo, não se pode esperar um happy end da relação com esse tipo de mulher, já que ela pode levar à degradação e à perda da inocência. Aliás, o perigo associado à beleza aparece em Dom Casmurro com muita força, basta notar que a figura feminina de condição social inferior é bela, misteriosa e atraente, personificando o amor juvenil, selando a afetividade tão ligada aos costumes patriarcais e aos encantos das famílias que se conhecem e se estimam. Além disso, Machado de Assis perpetua a construção da mulher dentro de um espaço restrito e lança seu olhar para comportamentos e fatos ocorridos no ambiente doméstico. Tal olhar mostra o não-estar feminino no mundo, ou seja, sua ausência no lugar social de prestígio e também o seu não-saber, sua incapacidade moral e intelectual. Nesse sentido, a mulher é vista superficialmente, já que os eventos se desenrolam num universo feminino limitado e sempre retratado como um ambiente negativo e inferior. Na obra fica evidente que a ausência da mulher no campo pertencente ao homem – o meio externo, visto como superior – detecta preconceitos que norteiam o comportamento feminino na sociedade. Podemos acrescentar que Capitu só tem possibilidade de ocupar um espaço dentro da sociedade em que vive se este lhe for reservado pela expectativa criada por uma ideologia autoritária e patriarcal, em outras palavras, não é possível sair de seu espaço fechado para investir seu desejo e suas pulsões num mundo mais amplo do trabalho e da realização pessoal. Cabe-nos ressaltar que, repetidora de um discurso alheio, essa mulher também é criada por um autor masculino que fala por elas. Nesse processo de silenciamento e exclusão, o sujeito que fala é sempre masculino e a ele são reservados os lugares de destaque tornando o homem mais visível e importante. Pensando nisso, a comunicação objetiva mostrar como Dom Casmurro revela claramente a existência de dois mundos distintos entre si, porque estes se orientam segundo normas e códigos distintos para homens e mulheres. Essa distinção é o que Toril Moi chama de patriarchal oppression. A obra, que solidifica o patriarcalismo, nos quer fazer acreditar que determinadas características são inerentes à mulher. No caso de Capitu, esses traços característicos são a dissimulação, a perfídia, a falsidade, o caráter maquiavélico, confrontando com aquilo que o narrador espera dela – doçura, meiguice, submissão, dependência. Apesar de lutar por independência e se mostrar uma mulher ativa, Capitu traz muito dessa essência feminina, definida por Julia Kristeva como feminilidade, reforçando o falocentrismo. EMBLEMAS DO CRISTAL EM BORGES E RAMÓN, SOBRE HISTORIA UNIVERSAL DE LA INFAMIA E

DOÑA JUANA LA LOCA, SUPERHISTORIA

Livia Grotto (UNICAMP) Propõe-se a leitura comparada de Historia universal de la infamia e de Doña Juana la loca, Superhistoria. Trata-se do primeiro livro de ficções de Jorge Luis Borges, publicado em 1935, e de sete novelas de Ramón Gómez de la Serna, reunidas em 1944. Os escritores se conheceram em Madrid, no período da vanguarda, e colaboraram em revistas comuns. Além disso, foram leitores recíprocos, como confirmam alguns artigos e depoimentos. Mais tarde, mantiveram contato em Buenos Aires, para onde Gómez de la Serna se mudou, fugindo da guerra civil espanhola, em 1936. O cotejo das obras tem por base a revalorização dos processos lógico-geométrico-metafísicos, descrita por Italo Calvino em Seis propostas para o próximo milênio. No mesmo livro, o autor unifica e sintetiza a produção de ambos por meio do cristal, cuja imagem coaduna regularidade espacial, forte senso estético, limpidez e claridade. Procura-se, entretanto, investigar essa aproximação, também através do estabelecimento de uma rede de oposições. As biografias ficcionais elaboradas em Historia universal e Doña Juana têm diversos aspectos em comum. Em ambos, recolhem-se relatos de vida e de morte. Desde os títulos, extrai-se o tema da história para, em seguida, rebatê-lo. Em Borges alinha-se a grandiosidade da “historia universal” e a infâmia. Em Gómez de la Serna emprega-se o termo “superhistoria”, a um só tempo preservando a referência à organização habitual dos textos históricos e marcando sua ultrapassagem. Nos dois, parte-se da totalidade – o Universo, a História – para fixar o detalhe de algumas biografias, num direcionamento ao passado que se atualiza fragmentariamente. A precisão de experiências particulares, inesperadas e finitas reordena o ponto de partida, deformando e refutando a noção de todo. Mesmo a identidade é por vezes multiplicada. Em ambos, as personagens são definidas com poucos traços. Elas se prestam a reinventar o local, recoberto por certa mitologia, pelas margens pretéritas de uma tradição remota. Embora as ficções de Gómez de la Serna retomem o passado espanhol e convoquem rainhas e princesas, a nobreza é exaltada para que as personagens sejam desmistificadas e recaiam com mais força no indigno. Sobressaem, no relato

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dessas nobres, seus codinomes depreciativos: “la loca”, “la Beltraneja”. As adjetivações ao lado do nome estariam nos títulos dos relatos de Historia universal de la infamia: “atroz redentor Lazarus Morell”, “Ching, pirata”, “proveedor de iniquidades Monk Eastman”, “asesino desinteresado Bill Harrigan”, “tintorero enmascarado Hákin de Merv”. Os protocolos, o ambiente de palácios e castelos; os guardas, capitães, soldados, cavaleiros, reis e rainhas também participam do relato de Borges “El incivil maestro de ceremonias Kotsuké no Suké”. A narrativa se direciona à infâmia do funcionário japonês, levado a retomar a ultrapassada tradição do haraquiri. Episódios como esse, em que predominam as antíteses e rupturas, cercados pela nobreza e encerrados por uma morte rebaixada e tratada ironicamente, ocorrem em Doña Juana. Assim, no leito de morte, Doña Urraca de Castilla pronuncia palavras ordinárias e patéticas. Antes de morrer, sentia-se “urraca”, grande pássaro branco e negro, bastante comum na Espanha. Os animais que parecem denotar um símbolo ou alegoria se manifestam nos relatos de Borges: dragões, um falso comércio de pássaros, gatos e pombas, braços de macaco, o pescoço curto como o de um touro de um dos protagonistas, a imagem de um leopardo. Mundos bárbaros, estampados por procedimentos formais que negam a originalidade do texto literário e destacam a literatura como artifício. A representação sabe-se mediada por outros relatos. Assim, reconfigura-se, em “El proveedor de iniquidades Monk Eastman”, a leitura de The Gangs of New York de Herbert Asbury. Em “El asesino desinteresado Bill Harrigan”, pode-se ressaltar a semelhança do protagonista com a narrativa de incontáveis variações, que circula de boca em boca, do famoso pistoleiro Billy The Kid, que matava por prazer. Além disso, ao final das sete primeiras narrativas de Historia universal, clarifica-se o jogo da autenticidade do apócrifo, quando se oferece ao leitor uma bibliografia das obras consultadas para a elaboração de cada uma delas. Todas as novelas de Gómez de la Serna, por seu turno, são reelaborações de histórias legendárias, canonizadas por séculos de tradição oral e de leitura. Do folclore espanhol, por exemplo, resgatam-se “Los Siete Infantes de Lara”, história de sete cavaleiros decaptados, que em Gómez de la Serna serão apenas seis. São narrativas de desventura que se convertem em anedotas. Portanto, ao especulativo e metafísico indicados por Calvino – elementos que uniriam as duas poéticas – soma-se o humor. Este recurso é alcançado com o tratamento inusitado do destino de todos os homens – a morte, esse instante absoluto, quando todos se nivelam. O riso é conquistado com o exagero da razão que questiona a permanência das idéias de espaço, tempo, acontecimento e inteligibilidade histórica.

UM ESTUDO SOBRE PRÁTICAS DE LETRAMENTO NUMA COMUNID ADE QUILOMBOLA DO LITORAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

Luanda Rejane Soares Sito (UNICAMP / CAPES)

Este trabalho corresponde ao nosso projeto de mestrado, o qual tem por objeto eventos de letramento vivenciados por membros de uma comunidade quilombola no âmbito de uma Associação Comunitária em um contexto de regularização fundiária. O contato com a comunidade participante desta pesquisa foi mediado pelo Instituto de Assessoria a Comunidades Remanescentes de Quilombos, que assessorava a Associação local para a titulação de suas terras com base no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988. Desde o final da década de 90, o estado do Rio Grande do Sul iniciou o processo de regularização de seus territórios remanescentes de quilombo. Com isso, essas comunidades – agora constitucionalmente chamadas quilombolas – se inseriram em contatos e disputas com novos atores representantes de entidades civis e instituições públicas, emergindo como agentes políticos. Entre elas estão o Ministério Público, na área jurídica; o INCRA, na regularização e titulação; as Universidades, na elaboração de laudos; os Movimentos Negros, na assessoria e mediação desses contatos, bem como Prefeituras locais. Devido ao processo de titulação, muitas construíram uma Associação Comunitária, organização que exigiu práticas letradas para sua administração. Este projeto utiliza dados de pesquisa realizada entre 2005 e 2006, que teve como objetivo maior entender as práticas de escrita locais num contexto de disputa por terras envolvendo identidades quilombolas. Nessa pesquisa anterior, observou-se que a visibilidade e o contato com a escrita aumentaram no âmbito da Associação, organização construída por conta do processo de titulação das terras que exigiu práticas letradas para sua administração. Junto a isso, observou-se que a exigência da ata por parte dos agentes institucionais públicos provocava tensão entre a concepção de confiança local, baseada na oralidade, e o valor de confiança dos agentes públicos externos, calcado na escrita. A análise deste projeto tem como foco o modo pelo qual as práticas de letramento no âmbito da Associação contribuem para o uso da escrita na comunidade. Seus objetivos são: i) entender a constituição dessa Associação Comunitária em uma Agência de Letramento, ii) e analisar eventos de letramento vivenciados por lideranças dessa comunidade quilombola em processo de regularização fundiária, dando enfoque para como as práticas de letramento no âmbito da Associação contribuem para a democratização do uso da escrita na comunidade. Inserida no grupo "Letramento do professor", coordenado pela Profª. Angela Kleiman, esse projeto alinha-se aos estudos sobre letramento em Lingüística Aplicada (Moita Lopes, 2006), utilizando como núcleo de análise interações que sejam mediadas e/ou se relacionem com a escrita, a partir da orientação teórica e epistemológica dos Estudos do Letramento (Heath, 1982; Kleiman, 1995), a partir de uma concepção de linguagem bakhtiniana. Também se utiliza o aporte teórico-metodológico da Sociolingüística Interacional (Ribeiro; Garcez, 2002). Em nossa investigação, que utiliza metodologia qualitativa (Denizin; Lincoln, 2006), foram empregados métodos etnográficos de observação participante e entrevistas semi-estruturadas; além de contar com dados audiovisuais de interações, o que será ampliado para a dissertação de mestrado. A singularidade desse contexto, vista

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na luta quilombola pela titulação de suas terras e na análise de uma agência de letramento em outro espaço diferente da instituição escolar, também contribuirá para os estudos sobre o letramento na sociedade brasileira. As análises prévias reorientaram o trabalho para olhar o conceito de identidade letrada.

A JORNADA DO HERÓI : JOÃO LUCAS KLAG FORMOSO, PROTA GONISTA DE MARCO ZERO?

Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior (UFMG) Nossa leitura de Marco Zero foi construída para responder a seguinte pergunta: quem é o herói ou protagonista em Marco Zero? A questão foi deixada de lado pela crítica escrita na época do livro (a chamada “crítica de rodapé”), assim como pela crítica acadêmica. As pesquisas centradas nos conceitos de romance “documental”, “coletivo” e “mural” esclarecem aspectos do romance – e por isso foram levadas em conta nesse trabalho. A partir de uma abordagem voltada para o leitor, chegamos ao questionamento acima, fundamental para que o leitor possa encontrar um ponto de identificação e ordenar a narrativa, gerando sentido. Para qualquer leitura mais abrangente que se queira fazer, é preciso esse fio narrativo; por vias das dúvidas, fizemos um mapeamento em que cada fragmento foi nomeado e numerado da mesma forma que Memórias Sentimentais de João Miramar, de forma que ficou possibilitada a chamada leitura coerente do romance. Nossa leitura, com base no mapeamento e pensando no leitor, definiu o personagem Jango como o protagonista de Marco Zero. Na leitura feita a partir dessa tese, desconstruímos as posições do autor empírico a respeito do Marco Zero, assinalando que estavam empenhadas numa conquista de público e de sedução de um leitor conservador com promessas às quais o Marco Zero não atendeu completamente. Acentuamos, através do método das passagens paralelas, as características que Marco Zero possui em comum com Miramar e Serafim: humor, paródia, trocadilho. Finalmente, buscou minorar as diferenças entre os diversos romances de Oswald de Andrade e fazer com que os volumes do Marco Zero sejam vistos enquanto obra madura, capaz de estilo engraçado e dinâmico, com uma especificidade própria: sem diminuí-los em prol de obras anteriores, obras que deveriam iluminar Marco Zero, nunca ofuscá-lo. Quando iniciamos a pesquisa sobre o romance Marco Zero, logo verifiquei o quanto, com poucas exceções, a bibliografia a respeito dele é escassa e falha, embora os dois MZ constituam o mais volumoso romance escrito por Oswald de Andrade. Quando se fala em Marco Zero, com poucas exceções, repete-se, com nova teorização, o artigo (cheio de juízos negativos) do jovem Candido. Mas eis que se reedita Marco Zero, em setembro de 2008. O romance, que tem como personagens militantes marxistas (Fabrício Rioja, Maria Parede) e um anarquista (Paco Alvaredo) e trata da revolução de 32 em São Paulo, emerge estranhamente atual. A “guerra santa do café” foi um conflito originado basicamente por um “anti-bailout” (“anti-resgate”): Vargas recusou-se a ajudar os cafeicultores paulistas a pagarem suas dívidas originadas da crise de 1929. Em plena Grande Depressão, as elites paulistas organizaram uma insurreição armada para tomar o poder. Quando se lê MZ, utilizando Jango como suposto protagonista, é possível alcançar uma relativa unidade que o romance, em suas características de “coletivo” e “mural” constituiu um problema para qualquer leitura que se queira fazer de seu conjunto. Acreditamos que, com esse fio narrativo e o mapeamento que fizemos em anexo, em que cada fragmento foi nomeado e numerado à maneira de Miramar, ficou possibilitada a chamada leitura coerente do romance. Buscamos, com nossa argumentação, afastar a hipótese de que MZ aproximou-se dos textos de Plínio Salgado (sugestão que não foi levada a sério pela crítica anterior). Como vimos acima, contrapor Miramar e MZ através das passagens paralelas foi um caminho bem mais frutífero. Na leitura feita nessa tese, desconstruímos as posições do autor empírico a respeito de MZ, assinalando que estavam empenhadas numa conquista de público e de sedução de um leitor conservador com promessas que o MZ não atendeu completamente. Mais adiante, enfrentamos uma questão que permanecia em aberto: qual seria a visão de mundo em MZ, considerando Jango como suposto protagonista? MZ ambicionou conciliar experimentalismo formal com engajamento social. Concluindo, a tese atualmente em andamento buscou minorar as diferenças entre os diversos romances de Oswald de Andrade e fazer com que os volumes do MZ sejam vistos enquanto obra madura, capaz de estilo engraçado e dinâmico, com uma especifidade própria: sem diminuí-los em prol de obras anteriores, obras que precisariam iluminar MZ, nunca ofuscá-lo.

OS AMORES DE OVÍDIO E SUA COMPOSIÇÃO INTERGENÉRICA

Lucy Ana de Bem (UNICAMP) Nossa comunicação pretende apresentar nosso projeto de pesquisa de doutorado em andamento, que é a continuidade de uma pesquisa realizada no Mestrado, a qual envolveu a tradução e o estudo do primeiro livro da obra Os Amores de Ovídio. Na ocasião, tentamos demonstrar como os poemas da obra, de “essência” tipicamente elegíaca, estão repletos de tópicas e lugares-comuns que evocam a épica. Tentamos demonstrar também como essas “apropriações” são significativas à própria constituição desta obra da elegia romana. Nossa tese pretende, portanto, desenvolver-se entre quatro objetivos: o primeiro deles é a tradução dos livros II e III que integram a obra, trabalho realizado no decorrer deste ano e que se encontra em fase de revisão. O segundo objetivo, também já parcialmente realizado, consiste na elaboração de notas explicativas, de cunho intertextual (aponta

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textos e autores que Ovídio evoca), lingüístico e histórico (elucida termos e referências mitológicas que podem ser desconhecidos do leitor contemporâneo). Mais tarde, parte desses apontamentos contidos nas notas será transformada em pequenos textos críticos (comentários) que acompanharão cada poema traduzido. O terceiro ponto é a elaboração de um estudo que contemple a questão dos gêneros que constituem a obra: Os Amores, pertencente ao gênero poético da elegia romana, contém inúmeras tópicas que evocam a épica, a tragédia, a comédia e outros gêneros poéticos gregos e latinos, como a poesia iâmbica, por exemplo. Tentaremos demonstrar que a elegia é um gênero que se constitui nesse “diálogo intergenérico” de caráter intertextual que é, na verdade, uma característica comum a toda literatura antiga. Para demonstrar que algumas tópicas que aludem à épica, à tragédia e à comédia são comuns na elegia, também traduziremos trechos de outros poetas do gênero, como Propércio e Tibulo. Neste ano, fizemos o levantamento de algumas metáforas (como a milícia do amor e a escravidão amorosa), cuja profusa presença nos versos desses poetas é significativa e se mostra relevante à própria elaboração do gênero. Já o quarto ponto é a revisão do livro I (tradução e notas), que será incorporado na tese e comentado nos moldes dos demais livros. Através de nossa experiência tradutória, podemos dizer que os livros I e II são bem semelhantes entre si (sobretudo em relação a seus temas) e que o livro III apresenta algumas peculiaridades, talvez “germes” de futuras obras do poeta, como os Fastos (poema 13). Também analisaremos com mais cuidado a “linearidade” temática da obra, em face dos livros de Propércio e Tibulo. Como atualmente temos dispensado maior atenção às traduções, tentaremos mostrar, em nossa comunicação, as dificuldades encontradas nessa atividade, assim como na elaboração das notas, sobretudo no terceiro livro, o qual, conforme dissemos, aborda temas bastante diversos, embora ainda possa ser claramente reconhecido como elegia. Também discorreremos sobre a importância de certas notas explicativas, capazes de guiar o leitor moderno através de uma realidade tão diversa da nossa. Para ilustrar tais prerrogativas, tomaremos como exemplo trechos do segundo poema do terceiro livro, que nos apresenta uma cena típica da Roma Antiga: o circo e suas corridas de cavalos. Com isso, esperamos mostrar como Ovídio, um homem e poeta de seu tempo, soube dosar questões literárias e históricas de maneira única.

NARRATIVA SOBRE NARRATIVAS: UMA INTERPRETAÇÃO SOBRE O ROMANCE E A MODERNIDADE. COM UMA LEITURA DA OBRA DE ANTÓNIO LOB O ANTUNES.

Luís Fernando Prado Telles (UNICAMP)

A pesquisa que aqui pretendemos apresentar tem como principal foco a questão da narrativa, seja ela entendida como literária ou como estratégia de um constructo teórico. Nesse sentido, nosso estudo ocupa-se da investigação do estatuto da narrativa no plano do debate sobre a teoria da modernidade, sobre a teoria do romance e, em específico, no conjunto da obra do autor português António Lobo Antunes, que foi o ponto de partida de nossa pesquisa. Curiosamente, o nosso primeiro contato com obra de António Lobo Antunes não se deu por meio de seus primeiros livros, mas pela leitura do décimo quarto dentre os que são compreendidos sob a designação de romance, intitulado Não Entres Tão Depressa Nessa Noite Escura (Lisboa: Dom Quixote, 2000). Devemos confessar que essa primeira experiência de leitura gerou um certo desconforto, visto que parecia nunca ser completada, de modo que nos provocava sempre a inquietação de não termos apreendido de maneira correta ou segura o que a narrativa dispunha. Ainda na altura desta primeira leitura, fomos levados não apenas a uma constatação da problematização das convenções formais imposta pelo modo de narrar de António Lobo Antunes, mas a perceber também que os conceitos e instrumentais oferecidos pela teoria da narrativa não se apresentavam totalmente eficazes ou suficientes quando aplicados à análise da obra. Restava sempre da leitura algo que sentíamos permanecer incompreendido. Esse ponto a que fomos conduzidos em nossas investigações levou-nos a tomar consciência do desafio que representava a narrativa de Lobo Antunes no que se refere ao processo de construção de um conhecimento sobre a sua obra. Esta, por não aceitar passivamente a aplicação dos conceitos e terminologias da teoria da narrativa, forçou-nos a um questionamento do nosso próprio discurso, de nossos princípios teóricos e metodológicos. Forçou-nos a assumir uma contínua atitude meta-discursiva, no sentido de estarmos sempre sendo levados a testar a validade de nosso discurso frente ao objeto de estudo e de tentarmos descobrir os pressupostos que o sustentavam. Assim, percebemos que tínhamos sido conduzidos, nesse momento, a uma esfera mais ampla de discussão, aquela referente aos princípios e limites da narrativa no que se refere à possibilidade de se expressar enquanto uma forma organizadora e configuradora de um conhecimento e, portanto, enquanto representação da expressão de uma subjetividade que se constitui nela própria. Podemos considerar, portanto, que, a partir daí, fomos conduzidos a um problema epistemológico de dupla face, sendo uma face a causa da outra. A primeira face, a que chamaríamos de interna, seria aquela referente à problematização do modo de conhecimento operado (ou representado) pela narrativa: o processo de fragmentação, mais especificamente. A problematização das convenções narrativas do paradigma realista seria, portanto, já em sua base, um problema de ordem epistemológica, se entendermos que a narrativa realista pretende constituir-se como um modo de conhecimento e expressa, assim, uma certa forma de construção da subjetividade (mesmo naquela dita construída por um narrador impessoal). A segunda face do problema, que poderíamos chamar de externa e que decorreria da primeira, seria aquela referente à problematização do processo de leitura e de geração de um conhecimento da narrativa de António Lobo Antunes.

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Assim, diante desse problema epistemológico de dupla face, o teor de nossas pesquisas foi sendo marcado cada vez mais pelo caráter meta-discursivo no sentido de buscar sempre uma reavaliação de nossos pressupostos e perspectivas de leituras. Essa necessidade de reavaliação a que fomos conduzidos pela obra de Lobo Antunes acabou nos levando a uma discussão teórica mais ampla no sentido de buscarmos verificar em que medida esse problema poderia ser enxergado como pertinente ao debate sobre o estatuto epistemológico da narrativa e sobre a noção de sujeito decorrente daí e que se coloca como questão central no debate teórico acerca da passagem da modernidade à pós-modernidade. Nesse sentido, em se considerando o problema epistemológico de dupla face acima referido, colocou-se a possibilidade de a narrativa de Lobo Antunes não ser apenas a expressão dos traços de uma condição pós-moderna, mas sim parte constituinte e propositora dessa condição. Desse modo, se pareceu aceitável a hipótese de que a obra de António Lobo Antunes constitui, em certo sentido, a pós-modernidade; o nosso olhar sobre ela não poderia ser outro senão o que se fizesse a partir de dentro dessa mesma condição. Assim, vimo-nos diante da tarefa de empreendermos uma discussão teórica acerca da questão do sujeito do conhecimento e sobre o lugar da narrativa no processo de constituição desse sujeito, principalmente no que se refere ao debate filosófico sobre a modernidade e a pós-modernidade, a fim de tentarmos estabelecer melhor o nosso posicionamento diante de tal debate, bem como uma nossa perspectiva de olhar sobre a obra de António Lobo Antunes que pudesse se dar a partir desse posicionamento.

A SÉRIE DE CRÔNICAS “DIÁLOGOS” DE FIGUEIREDO COIMBR A

Marcela Ferreira (UNICAMP / FAPESP) A 18 de março de 1866, no Rio de Janeiro, nasce Argemiro Gabriel de Figueiredo Coimbra, poeta, cronista, jornalista, dramaturgo, tradutor, adaptador de peças e redator. Falece jovem, com apenas 33 anos, a 23 de março de 1899, vítima de tuberculose. Metade de sua vida é dedicada ao trabalho no teatro e na imprensa. Começa a carreira literária em 1884, com a comédia A Carta Anônima, peça representada no Teatro Recreio Dramático pela companhia Dias Braga. Posteriormente, escreve O Bendegó (1889), revista de ano escrita em parceria de Oscar Pederneiras, e O mundo da Lua (1894), uma viagem-revista. O sucesso no teatro revela o talento do jovem escritor e, a partir desse momento, ele recebe convites para escrever na imprensa carioca. A Gazeta da Tarde, o Diário de Notícias, o Novidades e a Revista Teatral são alguns exemplos de periódicos, em que se encontram colaborações de Coimbra. O pintor Rodolfo Amoêdo retratou o escritor ao lado de grandes nomes da literatura brasileira como Olavo Bilac, Coelho Neto, Artur Azevedo e Raul Pompéia, dentre outros, na tela “A roda literária de 1889”. De 1894 até 1899, Coimbra colabora veementemente no vespertino A Notícia, exercendo o cargo de secretário do periódico, comentando os fatos da época e escrevendo periodicamente duas colunas de crônicas, as “Notas de um simples” e os “Diálogos” (objeto de pesquisa deste trabalho). Os “Diálogos” surgem no jornal em julho de 1895 e permanecem até janeiro de 1899, somando um total de aproximadamente 467 textos. Os textos têm como temática principal o cotidiano carioca do final do século XIX. Pretende-se analisar a estrutura desses textos, pois eles apresentam características do gênero diálogo e do teatro de revista, e mostrar como essas interferem na forma de representação do cotidiano. O corpus é constituído dos “Diálogos” publicados em 1895, que somam 134 crônicas. Essas estão sendo contextualizadas, por meio da leitura e da consulta de periódicos da época, como O País, a Gazeta de Notícias e o Diário de Notícias. A leitura do corpus revela que Coimbra utiliza o diálogo para compor suas crônicas. O diálogo é considerado um gênero literário pelos manuais didáticos do século XIX. Era comum encontrar nos jornais textos com essa estrutura, a exemplo da série “A + B” de Machado de Assis, da Gazeta de Notícias em 1886. Das características desse gênero, Coimbra resgata a maneira de “agradar instruindo”, pois o gênero é um método didático, em que veicula críticas e opiniões de forma amena. Do teatro de revista, o autor aproveita as personagens-tipo, além das convenções desse tipo de representação teatral. O humor também permeia os textos de Coimbra, com situações cômicas sobre a vida no Rio de Janeiro, com o uso de personagens tipicamente caracterizados dos cariocas daquele momento. Os assuntos expostos na série representam o cotidiano, que é a “matéria-prima” da crônica, que retrata o tempo, os fatos, observando a vida, o presente, as experiências e as reflexões humanas; dizendo as coisas mais sérias de uma maneira completamente sutil. Assim, o relato do tempo não é feito como uma simples notícia de jornal, ele passa por uma transformação e torna-se uma forma literária. As características apresentadas fundidas em cada texto da série “Diálogos” convergem para transformar a coluna em um conjunto de crônicas dialogadas. O estudo da série torna-se importante, na medida em que resgata textos literários inéditos, que retratam um período da história brasileira, além de trazer a lume Figueiredo Coimbra, um autor conhecido no período, mas que não publicou nenhum livro.

EDUCAÇÃO SEXUAL: INTERDISCURSO E GÊNESE DE DOIS POSICIONAMENTOS DISCURSIVOS

Marcela Franco Fossey (UNICAMP)

Nos últimos vinte anos, temos observado que as políticas de educação sexual têm sido cada vez mais incentivadas pelo Estado brasileiro, que, seguindo um movimento mundial, adere à idéia de que educar os cidadãos é um meio eficaz para termos uma sociedade menos preconceituosa e mais saudável. Alguns fatores relacionados às práticas sexuais dos indivíduos parecem ser os desencadeadores desta postura dos governos de muitos países: a disseminação da idéia de

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controle de natalidade como uma forma de melhorar a qualidade de vida das populações do mundo, especialmente aquelas situadas em regiões menos desenvolvidas economicamente; o início precoce da vida sexual e o aumento do número de adolescentes grávidas; e a explosão, em meados da década de 80 do século passado, dos casos de AIDS. Diante deste conjunto de fatores, muitas organizações governamentais e não-governamentais – encabeçadas especialmente pela Organização das Nações Unidas (ONU) – passaram a produzir uma grande quantidade de documentos cuja meta era – e ainda é – orientar os governos a respeito de como interferir positivamente neste cenário. Nesses documentos, propõe-se a ampla disseminação de conceitos como o de sexo seguro, reprodução controlada, controle de natalidade, métodos anticoncepcionais. O objetivo é, segundo essas organizações, possibilitar que parcelas cada vez mais amplas da população mundial tenham acesso a esse tipo de informação para que possam exercer sua sexualidade de modo seguro tanto para si quanto para a sociedade em que vivem. Desta forma, a educação sexual – seja na forma de campanhas públicas veiculadas para o grande público, seja nas escolas de ensino fundamental e médio – tem sido amplamente incentivada e introduzida em grande parte dos países, particularmente nos ocidentais. Paralelamente, a Igreja Católica começou a fazer circular documentos que também tratam da sexualidade humana, porém de outra perspectiva. Dentro da doutrina católica, o sexo está primordialmente associado à procriação – ou a geração de uma nova vida – o que está, por sua vez, associada ao conceito de família composta por um homem e uma mulher unidos pelos laços do matrimônio. Nessas condições, e apenas nessas, o sexo pode ser praticado. Assim, idéias como as de sexo seguro ou de contracepção são duramente criticadas pela Igreja, que propõe outras condutas para que as pessoas vivam sua sexualidade de maneira adequada. Em geral, os textos católicos concentram-se em disseminar os valores cristãos, reiterando a importância do matrimônio, da castidade, da abstinência sexual, da fidelidade e do respeito à vida em todas as suas formas. Foi possivelmente em reação a esse novo panorama social – fortemente pautado pela idéia de políticas sexuais – que muitos textos focados em aspectos da sexualidade humana passaram a ser produzidos pelo Vaticano a partir da década de 90 do século passado. Dentro da Igreja, o órgão oficial responsável pela produção e divulgação de materiais dedicados a orientar os católicos a respeito de sua conduta sexual e da educação sexual de seus filhos é o Pontifício Conselho para a Família. Outras questões relacionadas à sexualidade – como aborto, contracepção, sexo seguro – são também temas de textos produzidos pela Academia Pontifícia pela Vida. Assim, o que cada um desses posicionamentos – que chamaremos de laico e de cristão – entende por “sexo seguro” difere radicalmente. Outras noções fortemente relacionadas à sexualidade humana também se tornam distintas na medida em que muda o posicionamento dos enunciadores, como é o caso da noção de “família” e a da função da educação sexual e do próprio sexo. Outra diferença radical entre os dois posicionamentos é que, enquanto os textos produzidos pela Igreja se voltam quase exclusivamente para casais sem filhos (ainda) e para os pais – que seriam os responsáveis por excelência pela educação sexual de seus filhos – os textos laicos dirigem-se a diversos co-enunciadores possíveis: além dos pais, crianças e adolescentes, secretarias de educação, educadores. Há, no entanto, um aspecto que é comum tanto aos textos produzidos pelos órgãos governamentais quanto aos que são produzidos pelos eclesiásticos: a natureza normativa de seus conteúdos. Em geral, o que se busca é instruir seus “leitores” (pais, educadores ou os próprios jovens) sobre condutas sexuais adequadas. Nesta pesquisa, consideramos que existe, em nossa sociedade, um espaço discursivo (Maingueneau, 1984) em que circula uma vasta produção textual-discursiva cujo objetivo é instruir os sujeitos a respeito de uma conduta sexual sadia. Neste espaço, há, pelo menos, dois posicionamentos – um laico e um cristão – em confronto para decidir quem está mais apto a mostrar aos indivíduos as verdades sobre o sexo. Desta forma, a proposta desta pesquisa é, por meio do estudo destes dois posicionamentos – cujo relacionamento se dá, em boa medida, de modo polêmico (Maingueneau, 1984) – verificar como nossa sociedade lida com o tema da educação sexual de seus cidadãos. Tendo em vista tais considerações, neste Seminário apresentarei minha proposta de pesquisa, cujo objetivo central é estudar o funcionamento deste espaço discursivo que parece tão característico da sociedade ocidental contemporânea.

ENSINO DA ESCRITA EM FÓRUM ONLINE : NOVOS RECURSOS; OUTRAS POSSIBILIDADES?

Marcela Lima (UNICAMP) Esta comunicação pretende apresentar um projeto de pesquisa de mestrado em andamento que, inserido no campo aplicado dos estudos da linguagem, tem por objetivo descrever e analisar, sob uma perspectiva metodológica qualitativo-interpretativista, de que maneira o ensino da escrita está sendo realizado no fórum online de uma comunidade do Orkut. Considerando o crescente interesse observado nas últimas décadas pelo uso de novos recursos digitais para fins pedagógicos, este trabalho torna-se relevante por explorar como isso pode ser implementado no caso do ensino da escrita. O presente estudo dialoga, então, com pesquisas sobre o uso das novas tecnologias da informação e comunicação (NTICs) no processo de ensino-aprendizagem de língua materna (LM) e com os estudos do letramento relacionados a práticas de escritas e de ensino de escrita mediadas pelo computador em contextos não-escolares. Os dados de análise correspondem a textos (posts) escritos pelos membros de uma comunidade virtual em seu fórum online. Nesse contexto, são possíveis dois tipos de participação: 1) com objetivo de inaugurar um (novo) tópico para a discussão de algum tema relacionado à escrita; ou 2) com o objetivo de responder a um desses tópicos iniciados por um autor membro da comunidade. Criada, segundo as descrições de seu dono, com a intenção de reunir aqueles que gostam de escrever ou querem aprender a escrever como grandes autores, a comunidade em foco conta atualmente com a adesão e participação voluntárias de cerca de 5 mil e 300 membros e está em seu terceiro ano de atividades; sua criação data de 27 de janeiro de 2006. Tendo em vista que há uma média de 10 novos posts por dia no fórum da

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comunidade, a fim de alcançar os objetivos propostos, foram selecionados, inicialmente, os 50 primeiros tópicos (com suas respectivas respostas) de cada ano de atividade da comunidade, constituindo-se, dessa forma, três conjuntos de registros para análise, representantes dos demais textos trocados no fórum. Busca-se, com isso, identificar se há diferenças significativas no modo de ensinar a escrever, fazendo uso dessa ferramenta, em cada um desses três momentos selecionados. Para tanto, serão levados os seguintes aspectos em consideração: 1) com relação aos tópicos - data de criação; autor; assunto (conteúdo propriamente dito); motivação (razão pela qual um novo tópico foi iniciado); número de respostas;. 2) com relação às respostas - data de criação; autor; assunto; objetivo. As análises preliminares apontam que os tópicos iniciados no fórum não se restringem à postagem de produções escritas para serem avaliadas, comentadas e/ou corrigidas pelos membros da comunidade; assim como as respostas aos tópicos não se restringem apenas a comentar, avaliar e/ou corrigir as produções escritas ali postadas para avaliação (poemas, contos, dissertações, redações); nota-se que esse espaço é também amplamente utilizado para divulgação de links de blogs, sites, livros relacionados à escrita; além de haver grande incidência de pedidos de ajuda (e tentativas de ajuda) relacionados a alguma questão pontual, colocada por um membro, sobre gramática, técnica de composição textual, entre outras. Espera-se também compreender em que medida as diferentes ações empreendidas no fórum online dessa comunidade constituem-se ou não como formas de ensino da escrita em língua materna.

ESTUDO DA OBRA ACADÊMICA DE CLÁUDIO MANUEL DA COSTA

Marcela Verônica da Silva (UNESP – Assis) O movimento academicista que ocorreu no Brasil durante os séculos XVII, XVIII até meados do século XIX, é de grande importância para a compreensão de nossas raízes culturais, bem como de nossa historiografia literária, uma vez que foi a partir dele que surgiram muitos dos escritos produzidos no Brasil e sobre o Brasil. Recebeu influência do movimento academicista português e pode ser caracterizado como associações de eruditos que eram submetidos a rígidos estatutos. Tinham objetivos literários e culturais, e, por terem surgido em meio à manifestação e consolidação da estética barroca, possuíam influência deste estilo. Cláudio Manuel da Costa participou como acadêmico supranumerário de uma das mais importantes academias da época, a Academia Brasílica dos Renascidos da Bahia, cuja inauguração deu-se no ano de 1759 e tinha como fundador o conselheiro do Ultramar José Mascarenhas Pacheco Pereira Coelho de Melo. Apesar dos objetivos serem diferentes - uma vez que a Academia Brasílica dos Renascidos possuía um caráter mais científico propondo-se a escrever uma historiografia da América Portuguesa - a intenção da ABR era suceder uma das primeiras e mais respeitadas academias, a Academia Brasílica dos Esquecidos, de 1724, que possuía um caráter religioso e encomiástico. Além de ser sócio da Academia Brasílica dos Renascidos, Cláudio Manuel da Costa também fundou a Arcádia Ultramarina, que possuía como o próprio nome revela uma ideologia árcade baseada nos preceitos horacianos como o fugere urbem e o áurea mediocritas. A fundação da Arcádia foi a primeira atitude a propor uma revisão e uma mudança dos conceitos barrocos, tão fixados nas manifestações artísticas do Brasil. Cláudio Manuel da Costa, seguindo a linha das arcádias tradicionais (Romana e Lusitana/ Olissiponense) adotou como nome pastoril Glauceste Saturnio e a ele se uniram outros poetas que também receberam nomes árcades, como por exemplo Tomás Antonio Gonzaga, Basílio da Gama e Manuel Ignácio da Silva Alvarenga que também assumiram pseudônimos pastoris (o pseudônimo de Tomás Antônio Gonzaga era Dirceu e o de Basílio da Gama era Termindo Sipílio e o de Silva Alvarenga era Alcino Palmireno). Com base nestas informações é que se propõe nesta comunicação fazer uma exposição das pesquisas que vem sendo realizadas acerca da obra acadêmica de Cláudio Manuel da Costa. O corpus estudado é composto por algumas correspondências direcionadas a membros da Academia Brasilica dos Renascidos, como o Secretário José Gomes Ferrão Castelo Branco, aos censores João Borges de Barros e João Ferreira Betencourt e Sá e aos colegas acadêmicos; outro texto importante para estudo de um Claudio Manuel da Costa acadêmico é um termo de juramento à mesma agremiação e os Apontamentos para se unir ao Catálogo dos Acadêmicos Supranumerários que dão notícia da biografia e da produção escrita do poeta em questão, além de algumas obras poéticas na qual consta a existência da Arcádia Ultramarina, entre eles alguns sonetos e o drama O Parnaso Obsequioso. Neste sentido, pretende-se mostrar a configuração destas associações letradas dentro do contexto do Brasil do século XVIII dando especial enfoque para a obra claudiana, embasada pela retórica/oratória e poética antiga que era o referencial de escrita naquele determinado momento.

A INTERTEXTUALIDADE NA PRIMEIRA POESIA DE ROBERTO P IVA

Marcelo Antonio Milaré Veronese (UNICAMP) Este projeto pretende desenvolver um estudo da poesia de Roberto Piva (1937-), particularmente de sua fase inicial (primeira metade da década de 60), propondo uma análise intertextual pelas referências literárias presentes em sua obra, e na maneira como funcionam de matriz poética para a constituição de sua própria poesia.

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No panorama da poesia brasileira na última metade do século XX, Roberto Piva figura na Geração 60 em São Paulo, grupo de poetas que inclui, entre outros, Claudio Willer, Antonio Fernando De Franceschi, Rodrigo de Haro. A poética de Piva e suas características mais particulares sugerem uma criação sem lugar definido na tradição literária brasileira, embora a sua obra revisite e se construa justamente pelo viés da tradição de linhas e autores de tempos diversos da literatura universal (muitas vezes exemplares em relação ao cânone literário mais aceito usualmente). Esta contradição corrobora para uma análise mais específica dos procedimentos estéticos adotados por Piva, possibilitando uma melhor aproximação do que seria a dicção poética mais pessoal desse autor. Nesse sentido, este projeto de estudo se concentra na pesquisa da intertextualidade na poesia de Piva, examinando um tipo de troca de conceitos, temas ou idéias, realizada entre autores diferentes e conduzida pelo fazer-poético do autor. O corpus de poemas de Piva a serem analisados nesse estudo é: o longo poema intitulado “Ode a Fernando Pessoa”; os pequenos manifestos em prosa-poética conhecidos como “Os que viram a carcaça”; e os livros Paranóia e Piazzas. Destacam-se para o presente estudo intertextual a citação em seus poemas de autores como Mário de Andrade (“Paulicéia Desvairada”) e Allen Ginsberg (“Uivo”), principalmente, e depois também Oswald de Andrade, Jorge de Lima, Fernando Pessoa, Walt Whitman, Garcia Lorca, bem como outros autores referidos na sua obra que mereçam atenção na análise de sua poesia. O corpus total consiste no levantamento das obras dos autores com quem Piva dialoga precisamente, significativo para o presente estudo da intertextualidade. Tomando esse corpus de sua poesia e as obras dos demais autores, a análise se concentra no diálogo intertextual que se apresenta nos poemas de Piva – seja por citação (referência direta) ou alusão (referência indireta). Através da identificação de versos, expressões e passagens dos textos de Piva que remetem a outros textos e autores, busca-se construir um mapeamento, tão completo quanto possível, de “ocorrências” intertextuais de sua obra. Em resumo, as “pistas” intertextuais nos poemas de Piva, detectadas pelas suas citações e alusões a outros autores e obras, fazem parte do seu fazer poético como amplificadores de significação inter-relacionados e, ao mesmo tempo, independentes. Antes da análise do diálogo intertextual, o projeto inclui alguns apontamentos sobre a origem e utilização do termo “intertextualidade” na crítica e história literária, através de textos críticos e ensaios, entre outros de Julia Kristeva, Paulo Vasconcellos, Patrícia Prata. Para um delineamento teórico sobre a poesia de Roberto Piva, o projeto utiliza ensaios de Alcir Pécora e Cláudio Willer, basicamente (considerando a pouca crítica literária existente sobre o poeta), bem como textos de crítica literária de George Steiner e Alfonso Berardinelli, os quais discorrem em seus ensaios, entre outros assuntos, sobre poesia moderna, teoria literária, além de apontamento sobre alguns poetas destacados aqui neste estudo. A metodologia consiste em leitura da poesia de Piva e dos autores com quem dialoga intertextualmente, procurando destacar os poemas que melhor se inserem no tipo de estudo aqui proposto, para depois passar à análise dos poetas em conjunto. Este segundo momento da pesquisa definirá os temas e assuntos existentes em comum, tomando a poesia inicial de Piva em relação com os demais autores, o que permite também destacar uma carga maior de criação própria do poeta. O estudo da intertextualidade literária na poesia de Piva como procedimento particular de composição de seu texto autoral - compreendendo as interpretações através de sua dicção própria - então, proporciona uma melhor e mais ampla visão da obra do poeta brasileiro relativamente pouco estudado na história da literatura brasileira.

PROUST E VISCONTI: AFINIDADES ELETIVAS

Marcelo Mott Peccioli Paulini (UNICAMP)

Minha pesquisa de doutoramento procura algumas afinidades eletivas entre o inesgotável universo literário do escritor francês Marcel Proust e a obra cinematográfica do diretor italiano Luchino Visconti, principalmente em suas produções a partir de O Leopardo, a saber: Vagas Estrelas, Morte em Veneza, Violência e Paixão e O Inocente. Segundo Gilles Deleuze em A Imagem-Tempo (Cinema 2) , quatro pontos aproximam a obra dos dois autores: a) o mundo de uma aristocracia em decadência, cujo funcionamento se dá por regras próprias, diferentes das leis que regem o mundo da criação divina, o mundo natural, constituindo assim um mundo artificial; b) um segundo aspecto responde pela decomposição desse mundo, desse cristal artificial, decomposição que tem sua origem no próprio cerne desse mundo; c) o terceiro aspecto seria o papel da História, sempre apresentada de viés, mas que acelera a decomposição desse mundo; e por fim, d) a nítida sensação de um “tarde demais”, momento em que revelações sobre o tempo chegam quando não é mais possível recuperá-lo. Noto que, quanto ao último aspecto, encontraremos em Proust a possibilidade da recuperação do tempo perdido, tanto em relação ao tempo dissipado na ociosidade e na vida mundana quanto em relação ao tempo efetivamente passado e que transforma brutalmente os seres, rumo à inexorabilidade da morte. Em Visconti, tal possibilidade de recuperação não me parece viável, conforme mostrarei ao longo do trabalho. Após uma introdução geral às afinidades entre os autores em questão, analiso num primeiro capítulo a decadência da aristocracia em Proust e em Visconti, e a ascensão de uma burguesia sem o estofo estético e moral da primeira. Para isso, detenho-me na famosa matinée da duquesa de Guermantes, no último volume de Proust, comparando-a com a não menos conhecida sequência do Baile n’O Leopardo de Visconti. Além da decadência de uma classe, percebemos a ação do tempo nas personagens envolvidas, e como elas lidam com isso.

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Além da questão do tempo, a presença constante e o papel do artista em ambos os autores chama a atenção e merece nossa análise comparativa. Estetas ou artistas, realizados ou não, temos Swann, Charlus, Bergotte, Elstir, Vinteuil, Morel enriquecendo a galeria proustiana, além, é claro, do herói-narrador e a busca de sua vocação. Em Visconti temos o príncipe de Salina, homem de gosto refinado, Gustav Von Aschenbach, o escritor da novela de Mann transformado em músico por Visconti, o professor de Violência e Paixão, que preferiu viver entre seus quadros e livros e quando se abre para a vida real, com seres de carne e osso e paixões, verá que é tarde demais. Alguns personagens serão analisados e comparados, tanto individualmente quanto em relação à ligação que estabelecem com outros personagens. Como não ver em Aschenbach, perseguindo o jovem Tadzio nas ruas de Veneza o olhar insidioso de Charlus sobre o herói proustiano no começo de “À Sombra das Raparigas em Flor”. O mesmo Charlus que manterá uma conturbada relação com o músico Morel se desdobra na relação triangular entre o professor de Violência e Paixão, o jovem gigolô Konrad e sua protetora, a Marquesa Brumonti. A morte de Aschenbach, na praia em Veneza de alguma forma repete Bergotte contemplando o petit pan de mur jaune na sua agonia. Por fim, uma análise do roteiro escrito por Visconti e parceiros para a frustrada filmagem da sua Recherche.

FONOLOGIA E PROSÓDIA DO KAINGANG FALADO EM CACIQUE DOBLE (RS)

Marcelo Pinho De Valhery Jolkesky (UNICAMP)

O presente estudo busca estabelecer o sistema fonológico e prosódico da língua Kaingang falada na terra indígena (TI) Cacique Doble, situada no município de mesmo nome, na região do Alto Uruguai, Rio Grande Do Sul. Ali vivem aproximadamente 800 pessoas, das quais mais de 90% utilizam cotidianamente o idioma indígena. A língua Kaingang é falada por aproximadamente 30.000 falantes espalhados em 30 TIs pelos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, pertence ao sub-ramo meridional da família lingüística Jê juntamente com o Xokleng e o Kaingang Paulista – e conta com pelo menos cinco dialetos. Segundo estudos anteriores (Wiesemann, 1983) a TI Cacique Doble pertenceria dialetologicamente à subárea sudeste. Neste estudo busco averiguar a hipótese de maior diversificação lingüística nesta área desencadeada, por exemplo, por contato com os Xokleng, que em tempos antigos habitavam áreas contíguas. “Por exemplo, Inhacorá, Nonoai e Cacique Doble (e Xapecó em menor escala) viveram processos históricos que levaram à incorporação, naquelas comunidades, de bom número de falantes Xokléng. Por outro lado, as relações entre muitas dessas aldeias, que já era grande no passado, intensificou-se nos últimos 50 anos, por diversas razões (desde o esbulho de terras indígenas que obrigou a reunião de comunidades distintas no mesmo território até as novas relações possibilitadas ou facilitadas pelas articulações políticas e pelo incremento do transporte rodoviário). Tudo isso torna, por um lado, bem mais complexa a realidade lingüística, mas por outro lado, nos permitiu ver o quanto há de comum entre esses distintos dialetos.” (D'Angelis, 2008:30-31). Este estudo compreende seis partes. Apresentarei em §1 uma breve introdução sobre a língua e seus falantes, assim como dados da atual situação sociolingüística na TI em questão. Em §2 esboço os segmentos fonéticos do Kaingang de Cacique Doble. Em §3 descrevo seus fonemas vocálicos e consonantais com base nos critérios de variação livre, distribuição complementar e oposição, discriminando suas realizações nos seus diversos ambientes. Em §4 apresento (a) o padrão silábico da língua, assim como a distribuição dos fonemas em onset e em coda; (b) o padrão acentual e; (c) os processos fonológicos, incluindo vozeamento, nasalização e elisão. Este estudo fonológico apóia-se no modelo representacional da Geometria dos Traços desenvolvido por Mohanan (1982) e Clements & Hume (1995) dentre outros e adota conceitos formulados pelas teorias clássica e auto-segmental. Em §5 exponho algumas considerações sobre a prosódia da língua, baseando-me nos modelos teóricos de Nespor & Vogel (1986) e Selkirk (1984; 1995), buscando elucidar questões referentes à interface fonologia/morfossintaxe e em §6 apresento minhas considerações finais. O corpus utilizado nesta análise foi coletado entre 26 de outubro e 09 de novembro e contém os seguintes tipos de dados: elicitados (listas de palavras, questionários e construções gramaticais planejadas com o objetivo de esclarecer questões específicas da análise); produções espontâneas; diálogos; textos narrativos (lendas, anedotas biografias, relatos pessoais etc.); textos procedurais (instruções de como desenvolver atividades, etc.); textos expositores (explicações de fenômenos, conceitos, costumes). Este trabalho é parte das metas de pesquisa estabelecidas em meu projeto de dissertação intitulado: “Reconstrução do proto-Jê Meridional”, onde serão abordados comparativamente aspectos fonológicos, prosódicos, morfossintáticos e tipológicos das línguas deste sub-ramo da família lingüística Jê.

UMA ARQUEOLOGIA DO ESPAÇO: CONSTITUIÇÃO DISCURSIVA DE UM CAMPO DO SABER

Marcelo Rocha Barros Gonçalves (UFMS / UNICAMP)

Começar a questionar se o espaço pode ser discursivamente construído já é, aqui, uma tese. O dever seria menos trabalhoso, mas não mais fácil, se me propusesse um estudo quase bibliográfico do termo: como é definido na física, na ecologia, na antropologia, na lingüística, aqui, acolá. Ainda aí, iniciaríamos pelo problema do estabelecimento deste termo, espaço, enquanto lugar, território, etc..., discutindo a maneira ou forma como fora nessas distintas disciplinas construído. Contudo, o dever aqui é outro, e tão difícil quanto. Aceitar a assunção destes termos todos ali em suas disciplinas de origem, para mais tarde tentar analisar como estas definições poderiam colocar discursivamente em jogo

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o processo de constituição de um campo do saber, tal qual os ensinamentos da Arqueologia do Saber do filósofo francês Michel Foucault. Assim tomei como pressuposto o fato de que esta discussão deveria tomar uma série de textos como objeto de descrição, e colocá-los em confronto, utilizando a maneira pela qual constituem seus discursos, e a maneira pela qual constituem o discurso um dos outros. Havia a presunção, portanto, de que esta pesquisa não poderia ocorrer de outra forma, se não se apoiando em demais áreas do conhecimento humano, algo que possivelmente alguns chamariam de interdisciplinaridade, e outros, por força de análise, transdisciplinaridade (ver Wodak & Chilton, 2005). Recorri a uma breve exposição, pela física, da questão do conceito como absoluto ou como relativo, mas juro não me atrevi a levantar a discussão advinda da epistemologia da ciência, ou da filosofia da ciência. Seguem as considerações de Milton Santos, e mais tarde, com a leitura d’O Orientalismo de Edward Said, almejo uma incursão pela Geografia. As considerações de Milton Santos sobre o espaço, e a forma como hoje o conceito (e a coisa representada) se apresenta num mundo globalizado, acabou servindo de gancho para discutir as informações contidas em propagandas de roteiros turísticos, cidades, hotéis e restaurantes. Nestas propagandas, a bem da verdade quase um gênero textual a moda de Bakhtin, as relações do termo e sua capacidade de tornar-se um produto vendável dentro da nova lógica das prestações de serviço é de fato o que chama muito a atenção. Não poderiam faltar também os exemplos da discussão acadêmica em suas mais manifestas formas de apresentação: dos livros aos papers, da dêixis, pela recorrência, à retórica, sem a qual não existiria a tal “situação comunicacional”. Não tarde, a questão do método, com todos os males e benefícios que a palavra pode oferecer. Teria de fato executado um outro projeto se, após a eleição dos gêneros, contar as recorrências e marcar as diferenças tivessem sido meu carro-chefe. Há toda uma ciência Sócio-Lingüística, todo um estudo dos dêiticos, que meus esforços em reproduzir toda aquela “quantidade” não acabariam sequer em “pizzas”, para parafrasear os estogramas. Não é, por assim dizer, que as perguntas que tenho me colocado seriam respondidas de forma quantitativa. Minhas perguntas direcionavam meus estudos para um projeto de cunho estritamente qualitativo, sem o qual incorreria no risco de sequer entender a própria constituição de um conjunto de enunciados em torno de uma determinada “coleção” de compostos: um campo do saber carrega consigo informações fundamentais sobre o lugar, o tempo, os sujeitos que propalam e vivenciam estes discursos. Por isso reservei uma parte desta pesquisa à Geografia Lingüística Saussuriana, passando pela Dialetologia até Sócio Lingüística Quantitativa. Retomo neste projeto a discussão sobre discurso e enunciado; retomo aqui a possibilidade traçada por Foucault de relacionar os enunciados de tal forma a selecioná-los em grupos inteiros de enunciados, “conjuntos de enunciados”, capazes, como já ressaltei em linhas acima, de percorrer uma série de zonas de intersecção de informações cruciais sobre a enunciação: o local na qual ela se desenrola, seu tempo e os sujeitos que a vivenciam. Assim, uma tarefa da segunda etapa desta pesquisa é trabalhar em cima da concepção de método de Michel Foucault que vai fazer a construção das práticas discursivas, a partir do momento em que ele toma o discurso em seu todo como uma formação discursiva. Uma vez delineadas as quatro etapas que seriam capazes de desenterrar importantes momentos da realização de uma prática discursiva, a saber a Positividade, a Epistemologização, a Cientificidade e a Formalização, uma das metas seria a de discutir alguns dos modelos de análise na linguagem nas quais o conceito de espaço esteja no hall do desenvolvimento destas diferentes disciplinas, tratadas como campos do saber.

DIVERSIDADE LINGÜÍSTICA E SOCIOCULTURAL E FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Márcia Andréa dos Santos Fochzato (UNICAMP)

A pesquisa que ora proponho expor, trata da Formação docente em contexto de diversidade lingüística e sociocultural, investiga as representações dos professores e gestores municipais de educação sobre linguagem e cultura. Procura compreender como os profissionais da educação se relacionam com as diferenças lingüísticas e socioculturais na escola. A expectativa é que os resultados desse trabalho de investigação possam servir para avaliar a formação local para a docência e para oferecer subsídios para a construção de currículos que visem formar professores e gestores mais capazes de implementar, em seu cotidiano profissional, a construção da cidadania, a não estigmatização, a produção de relações de igualdade, a compreensão e o respeito às diferentes formas de ser/conhecer, às diferentes identidades, eixos para uma educação multicultural. O ponto de partida desse trabalho dá-se através da percepção e das dificuldades encontradas em trabalhar numa perspectiva multicultural nas escolas do campo e escola indígena no município de Palmas PR., das quais fui coordenadora pedagógica em 2005 e 2006. Quanto à escola indígena, percebia-se que havia uma grande complexidade nas relações entre os professores indígenas, gestores e professores não-indígenas, diferenças culturais e diferenças no nível de formação para o trabalho docente que estabeleciam relações desiguais de poder. As quais, muitas vezes eram mantidas, em nome dos discursos escolares de uma escola pautada na homogeneidade eurocêntrica, com seus rituais, limites e crenças. Com relação às escolas do campo, o contexto também se apresentava de forma complexa, uma vez que os professores, grande parte leiga, apresentavam vários níveis de dificuldades em trabalhar nos seus contextos educacionais. Não tinham a percepção ou visão de realizar trabalhos que aproveitassem os conhecimentos culturalmente constituídos pelos seus educandos como objetos de ensino. Faziam através de uma visão parcial e hegemônica a construção de um currículo totalmente urbano, com os mesmos objetivos, conteúdos e formas de ensinar. Os gestores da educação municipal que trabalharam com os contextos enunciados, até então, não haviam realizado ações de subsídios para uma educação que levasse em conta a cultura, o contexto cultural e as formas de realização do

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conhecimento saber/fazer das comunidades indígenas e do campo. Percebi que era premente a necessidade de estabelecer novas relações entre saberes e fazeres dessas escolas. Mas, para isso, precisaria num primeiro momento, fazê-los perceberem as diferenças e valorizá-las como um aspecto positivo, fazendo com que legitimassem os saberes culturais percebendo-os como fonte de elaboração e construção conjunta dos saberes escolares. Assim, fui construindo práticas, ações voltadas a estudos e observações da realidade, com a finalidade de desconstruir discursos e crenças estabelecidas e calcadas em um modelo hegemônico de educação, o que apresentou resultados positivos e, por outro lado, várias situações de embates, conflitos com gestores, cujas visões eram pautadas por outros princípios. Isso me fez perceber a necessidade de investigar essas visões e ações, com vistas a buscar através de uma pesquisa, perceber suas concepções a respeito do contexto cultural vivenciado, da cultura, da linguagem e das relações que esses elementos estabelecem com o currículo escolar. A geração de dados para a referida pesquisa deu-se através de um curso de formação docente, de sessenta horas, o qual elegeu temáticas que abordassem questões étnico-raciais, lingüísticas e culturais, problematizando os conceitos de língua padrão, cultura e relações entre os currículos e as realidades vivenciadas. Pretendemos, neste evento, mostrar os resultados parciais dessa pesquisa.

O DISCURSO DA E PARA A MULHER NO FUNK BRASILEIRO DE CUNHO ERÓTICO

Márcia Fonseca de Amorim (UNICAMP)

Na constituição de um discurso, não apenas o material lingüístico integra o processo, mas também tudo o que envolve os enunciadores, incluindo-se aí as condições de produção, os outros discursos com os quais inter-relaciona, o modo como esse discurso é disseminado numa dada sociedade, a ideologia evocada e/ou propagada por ele. Uma prática discursiva está diretamente articulada a uma determinada estrutura social historicamente situada por meio de movimentos de caráter político, religioso, de expressão artística, entre outros, seja para reproduzir a formação ideológica vigente, para refutá-la, ou para estabelecer uma ruptura com essa ideologia. Tendo em vista essa característica inerente às práticas discursivas, reprodução ou ruptura, procuro analisar, como base nos pressupostos teóricos da Análise do Discurso de linha francesa, alguns aspectos do movimento funk brasileiro, principalmente um segmento do funk que divulga músicas compostas por letras de cunho erótico, ou o chamado por alguns integrantes desse movimento de “Novo Funk”, cuja suposta origem remete à periferia do Rio de Janeiro. A denominação “Novo Funk” refere-se ao fato de esse movimento estar integrado à sociedade brasileira há aproximadamente trinta anos; o que é novo diz respeito ao apelo sexual disseminado por ele. A escolha da temática deste estudo se deve ao fato de haver uma grande inquietação de alguns segmentos sociais – escolas, igrejas, movimentos feministas, entre outros – em relação à participação feminina nesse movimento. Tal inquietação diz respeito ao modo como a mulher é tratada nas letras das músicas, permeadas por termos considerados por diferentes instâncias sociais como chulos, de baixo calão, e pela dança, permeada de gestos que, de acordo com essas mesmas instâncias, insinuam uma excessiva erotização e expõem o corpo da mulher de uma maneira vulgar. O corpus selecionado para análise é um tanto quanto peculiar, pois o recorte efetuado (de caráter intersemiótico) encontra-se centrado na posição ocupada pela mulher no interior do movimento funk, seja como cantora (MC – Mestre de Cerimônia/ Microphone Controler), seja como dançarina de palco ou como freqüentadora dos bailes. Com base na proposta de Courtine (1981), para quem o corpus discursivo é muito mais que um conjunto de seqüências discursivas estruturado em função das condições de produção de um determinado discurso, os dados a serem analisados foram obtidos a partir de um posicionamento da pesquisadora em relação ao movimento funk, pois, como muitos outros movimentos de cunho musical, o funk é permeado por diferentes formações discursivas que ora se aproximam, ora entram em conflito umas com as outras. Outro ponto relevante na seleção do corpus diz respeito aos materiais de cunho não lingüístico que são representativos do movimento em análise, devido ao fato de “mostrarem” a mulher em diferentes “perfomances” no funk. O modo pelo qual um discurso é produzido e o modo pólo qual é consumido encontram-se interligados, pois o dizer é legitimado pela instância na qual se encontra inscrito. Essa legitimidade se dá pela posição/atuação do sujeito na prática discursiva instaurada, da qual ele é parte constitutiva. Para a Análise do Discurso, a complexidade do sujeito está associada à posição que ele ocupa no discurso, ao caráter sócio-histórico-discursivo constitutivo dessa posição, a outras posições discursivas com as quais estabelece relações – sejam elas de proximidade, ou de distanciamento, ou, ainda, de ruptura –, e pela interpelação desse sujeito a uma determinada posição ideológica. A posição "assumida" pela mulher no funk tanto pode remeter a uma formação ideológica vigente que a trata como objeto sexual, como também estabelecer uma ruptura com essa formação ideológica ao entender que a liberdade sexual da mulher diz respeito a ela própria. O modo como a mulher é evocada nas músicas "promove" o entrecruzamento de diferentes formações discursivas: discurso machista, exploração sexual, emancipação feminina, ludismo, entre outros. Esse entrecruzamento, contudo, não se limita ao espaço discursivo do funk, mas reflete as tensões e os deslocamentos do sujeito mulher em diferentes práticas discursivas e evocam memórias de outras formações discursivas, reproduzindo-as ou refutando-as. O tratamento dado à mulher nos bailes funk e nas músicas aponta para uma construção coletiva do objeto de discurso em que a mulher se situa e é situada como um sujeito ao mesmo tempo sedutor e seduzido pelo ritmo da música e por letras que evocam sua sexualidade de um modo pouco convencional.

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FORMAÇÃO DA CRÍTICA LITERÁRIA BRASILEIRA ACADÊMICA: 1960-1990

Márcio Freire (UNESP – São José do Rio Preto) Este trabalho tem o objetivo de estudar o processo de formação institucional da primeira geração de críticos literários brasileiros acadêmicos, Roberto Schwarz, Alfredo Bosi, Luiz Costa Lima, Davi Arrigucci Jr, Silviano Santiago e outros que se formam nas faculdades de letras, publicam seus primeiros livros nos inícios dos anos 60 e atuam de maneira majoritária nas mesmas instituições acadêmicas em que se formaram, constituindo uma notável carreira acadêmica como críticos universitários, compreendendo o período de inícios dos anos 60 e fins dos anos 90 no Brasil. Objetiva, também, averiguar o papel determinante, múltiplo e complexo que a universidade brasileira desempenhou na formação de uma crítica literária brasileira acadêmica, mostrando que o exercício da crítica nos dias de hoje não se dissocia da atividade de pesquisa e ensino de literatura e, ainda, mostrar como a universidade se tornou o horizonte praticamente intransponível, quase único e universal, para todo aquele que quer exercer essa instância do saber, a crítica literária, em seus moldes acadêmicos, ou pensar as várias questões que cercam o universo crítico-literário acadêmico no Brasil, sempre a partir do que se fez e se faz na universidade. Destaca que para entender a imagem deste crítico literário brasileiro acadêmico, moderno e contemporâneo, portanto, é preciso ir à universidade. Somente a partir desta instituição é possível definir seu processo de formação, seu perfil e seu papel na sociedade brasileira com suas mais variadas funções, todas bastante complexas e amplas; em muitos aspectos, para não dizer em quase todos, nos aspectos burocrático e institucional, perfil de natureza praticamente unitária: todos têm, em comum e como pré-requisitos indispensáveis para exercerem a função, títulos de doutorado, de professor titular, livre-docente, emérito ou mesmo de professor visitante em universidades estrangeiras; todos fazem parte de/ou são diretores de institutos, membros de conselhos editoriais de revistas acadêmicas ou de grandes editoras acadêmicas e/ou comerciais; todos exerceram as funções plenas de orientadores de dissertações de mestrado e teses de doutorado; todos participam da organização de seminários e congressos e, também em comum e de maneira simultânea, paralelamente, exercem todas estas múltiplas funções a partir da universidade ou de um centro institucional – no caso mais específico, uma universidade pública. São críticos literários, historiadores da literatura, teóricos e pensadores da cultura que se notabilizaram com o manejo do objeto literário e que responderam, no plano da realização crítico-literária, plenamente, aos anseios expressos por alguns de nossos maiores intelectuais no campo dos estudos crítico-literários, Antonio Candido e Afrânio Coutinho, nos anos quarenta e cinqüenta para que no Brasil se instalasse uma crítica literária que trouxesse mais rigor ao objeto literário e que se fizesse a partir da universidade em suas faculdades de letras, eliminando os vícios de então na própria crítica literária que se fazia no rodapé dos jornais e integrando os estudos literários brasileiros no círculo maior dos estudos acadêmicos gerais no Brasil e no exterior, desenvolvendo-os plenamente. A partir daí, surge uma nova forma de entender o saber literário, especificamente expresso através da crítica, ensejando um novo modelo de se conceber a crítica literária e, o que é mais extraordinário, trazendo consigo a imposição de um novo modelo de formação, basicamente acadêmica, para o crítico literário brasileiro.

A POSIÇÃO-SUJEITO-AUTOR E AS INSTITUIÇÕES FAMÍLIA E ESCOLA EM PAIS BRILHANTES, PROFESSORES FASCINANTES

Maria Cristina Komatz Domitrovic (UNICAMP)

Pais Brilhantes, Professores Fascinantes, livro escrito por Augusto Cury, publicado em 2003, atingiu o número de 800.000 cópias vendidas em 2007 e teve uma edição comemorativa lançada em agosto do referido ano. Trata-se, portanto, de uma obra de ampla penetração e circulação em nossa sociedade, direcionada principalmente a pais e professores. Com este estudo, que se insere na perspectiva teórica da Análise de Discurso materialista, temos o objetivo de analisar a posição-sujeito discursiva do autor, enquanto ideologicamente orientada, em suas relações com as instituições família, escola e Igreja. Considerando que a própria língua funciona ideologicamente, propomo-nos em nosso gesto de interpretação, a “atravessar o efeito de transparência da linguagem e a literalidade do sentido” (Orlandi, 2005). Para tanto buscamos insumos nos textos de Eni Orlandi, Carmen Zink Bolognini, Eduardo Guimarães e Maria José Coracini entre os pesquisadores nacionais, bem como na obra de Foucault e Althusser. Pais Brilhantes, Professores Fascinantes comporá o nosso corpus de pesquisa, sendo que faremos referências a extratos sobre o livro publicados na Imprensa e aos sites do próprio autor no Brasil e em Portugal. Ao discutirmos as condições de produção destes discursos, focaremos outros discursos sobre educação entre os inúmeros que vem sendo veiculados pela imprensa no Brasil, principalmente em decorrência do baixo desempenho de alunos brasileiros em exames internacionais como o PISA. Como contraponto, traremos para nossa análise textos americanos, finlandeses e portugueses sobre educação, pois estes nos permitirão um deslocamento em direção a outras formações discursivas, e conseqüentemente a outras posições sujeito. Este projeto se justifica, portanto, na medida em que nosso posicionamento teórico nos possibilita lançar um novo olhar sobre os sentidos estabilizados que circulam em nossa sociedade, com suas instituições, entre elas a família e a escola, afetando os dizeres e os processos de identificação dos

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sujeitos e desta forma contribuindo para a manutenção destes sentidos já estabilizados (Bolognini, 2007), quando a questão educação está em pauta. A partir da problematização da “tendência à homogeneização de tudo e de todos”, poderemos levar a rupturas e deslocamentos (Coracini, 1999), que poderão, por sua vez, propiciar, principalmente a sujeitos-leitores-professores a produção de outros sentidos para os discursos circulantes sobre educação. Partimos de duas perguntas de pesquisa principais e uma secundária: 1. Qual o modo de presença (Guimarães,1995) das posições do sujeito-autor no(s) discurso(s)? 2. Como este modo de presença das posições está relacionado com as instituições? 2 a. Como os efeitos de sentidos produzidos por este(s) discurso(s) se relacionam ao processo de identificação dos sujeitos-professores? Procederemos à análise, a partir da construção de um dispositivo teórico mediador de nosso gesto de interpretação que por sua vez levará à “construção de um dispositivo analítico fundado na noção de efeito metafórico”(Orlandi 2005). Enquanto analistas do discurso, trataremos de fatos e dados (Ginzburg, 1990) da linguagem presentes no texto, em sua materialidade lingüístico-discursiva (Bolognini, 2007).

BENEDITO NUNES: PERCURSO CRÍTICO NO “SUPLEMENTO ART E LITERATURA” DO JORNAL FOLHA DO NORTE DE BELÉM DO PARÁ

Maria de Fátima do Nascimento (UNICAMP / UFPA / CAPES)

Benedito Nunes estreou como crítico literário nos jornais de Belém do Pará, na condição de colaborador do suplemento “Arte Suplemento Literatura”, do Jornal Folha do Norte, no período de 1946 a 1951. O referido suplemento teve 165 números e recebeu colaborações de grandes representantes da crítica literária brasileira, como: Antonio Candido, Aurélio Buarque de Holanda, Lúcia Miguel Pereira, Paulo Rónai, Álvaro Lins, Sérgio Milliet, Roger Bastide e Otto Maria Carpeaux, bem assim de poetas famosos, entre os quais citamos: Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Cecília Meireles e Murilo Mendes. “O Arte Suplemento Literatura” veio a constituir um dos mais importantes veículos locais de informação para os escritores principiantes, como é o caso de Nunes. Tal publicação equivalia à expressão da mentalidade de um grupo de letrados locais, que se empenhava em produzir poesia, conto, romance e crítica literária ao lado de outros artistas do Centro-Sul já consagrados. O mencionado jornal, democraticamente, destinava, todos os domingos, espaços iguais tanto para autores belenenses iniciantes, quanto para renomados expoentes modernistas dos mais diversos estados do Brasil. Essa ambiência cultural certamente contribuiu para a formação do pensador paraense, que se aventurou então na prosa romanesca, passando depois para a produção em verso, quando se deu conta, ainda no mesmo jornal, de que sua aptidão intelectual estava voltada para os estudos filosóficos, como lhe dizia o próprio coração e a voz dos amigos, conforme depoimento dele concedido ao poeta paraense Ruy Barata, que publicava poemas no mesmo periódico. Foi nos anos 50 que Benedito Nunes se integrou aos intelectuais do sudeste brasileiro, publicando artigos em jornais de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, e, nos anos 60, viu-se publicando, igualmente, livros da área de estudos literários e da área de estudos filosóficos, a exemplo dos seguintes títulos: O Mundo de Clarice Lispector, de 1966, e O Dorso do Tigre, de 1969. Esse último apresentou textos sobre Filosofia e ensaios sobre romances, contos e poesia. O primeiro número do “Suplemento Arte Literatura” da Folha do Norte surgiu em 5 de maio de 1946 e trouxe o texto de Benedito Nunes João Silvério (dividido em dois capítulos: “Menino Doente” e “Jaqueira”), constando a indicação “Capítulos de um romance”. No entanto, não houve continuidade do citado romance nos números subseqüentes do periódico, até que, no suplemento nº 3, apareceu outro texto de Nunes. Falamos, no caso, do “Poema do Solitário”. Entre 1946 e 1951, o nome Benedito Nunes foi destaque em 20 números do referido periódico, constando neles um texto em prosa, doze poemas, dois textos sobre teorização de poesia, análise de dois romances estrangeiros (A Morte de Ivan Ilitch, de Liev Tosltói e A Peste, de Albert Camus) e uma coluna intitulada Confissões do Solitário, publicada em 5 números de 1946 a 1947, constituída de uma série de aforismos, numerados de 1 a 78. Nessas máximas, surgiram os primeiros estudos de Nunes sobre teorias filosóficas. Ainda nessa série do “Arte Suplemento Literatura”, publicaram-se três notícias sobre o seu trabalho intelectual, cujo destaque já é percebido pelos seus pares, que reconheceram nele um crítico literário importante na imprensa do Pará. Assim sendo, propomos, com este trabalho, pautado por fontes primárias (textos coletados na imprensa), mostrar a trajetória crítica de Nunes no suplemento em foco, um dos jornais belenenses mais importantes daquele momento, bem como a conseqüência dessa experiência para a formação do critico literário que ele se tornou.

O ENSINO DE ESPANHOL NO BRASIL: ENTRE O PROFESSOR QUE TEMOS E O PROFESSOR QUE QUEREMOS

Maria Fernanda Grosso Lisboa (UNICAMP)

O ensino de espanhol no Brasil ganha força a partir da década de 90 com o Mercosul e com o aumento das relações do Brasil com países de língua espanhola. O espanhol passa a ser um diferencial no mercado de trabalho impulsionando, assim, a procura pelo idioma em escolas de línguas. Em 2005, é sancionada a Lei Federal nº 11.161/2005, a qual determina que, a partir de 2010, o espanhol seja oferecido em todas as séries do Ensino Médio em todo o país, embora seja facultado ao aluno cursar esse idioma. Conseqüentemente, houve um expressivo aumento na demanda por profissionais para atuar em escolas públicas e privadas. Esta pesquisa surge a partir da necessidade de se refletir sobre o professor de espanhol no Brasil, sobre o perfil do profissional que está sendo formado hoje pelas faculdades de

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Letras e qual seria o perfil adequado para atender aos objetivos do ensino de espanhol no Brasil. As Diretrizes Curriculares para os Cursos de Letras (DCL), as Diretrizes para a Formação de Professores da Educação Básica em nível superior (DFP) e os PCNs de Espanhol são documentos oficiais importantes neste trabalho, pois os PCNs direcionam os objetivos do ensino regular no país e as DCL e DFP direcionam os cursos de formação de professores nas faculdades de Letras em todo o Brasil. Ou seja, direta ou indiretamente, esses documentos sinalizam perfis de professor. Quando se pensa em perfil de professor, deve-se lembrar das competências que ele precisa desenvolver para atuar. Entre elas destaca-se a proficiência do professor de LE, que talvez seja a mais valorizada no atual contexto (Alvarenga, 1999). Mas que nível de proficiência o professor deveria atingir? O quão específica ela deve ser? Que outras competências são importantes para dar aula? Quais os objetivos do ensino de espanhol na escola regular? Os PCNs, as DCL e as DFP são coerentes entre si quanto ao perfil de professor que sinalizam? Essas e outras perguntas que ainda surgirão serão analisadas no decorrer da pesquisa em busca de um perfil “desejado” que permita assim, definir subsídios para o desenvolvimento de um exame de proficiência para professores de Espanhol no Brasil. As primeiras análises dos três documentos oficiais citados apontam para vagamente para aquilo que concerne ao perfil do profissional que está sendo formado. As DCL, por exemplo, são muito amplas ao abordar o perfil do profissional graduado em Letras. Ser professor é apenas uma das opções que esse profissional terá no mercado de trabalho, pois, segundo o documento, o futuro graduado pode ser um tradutor, intérprete, roteirista, assessor cultural entre outras profissões. Para os cursos de licenciatura em Letras, a orientação é que os cursos sejam orientados pelas DFP. Esse documento também deixa a desejar, pois traz orientações genéricas que são aplicadas a todos os cursos de Licenciatura, seja Matemática, Letras ou História. Além da análise desses documentos, será elaborado um painel com especialistas em formação de professores no intuito de delimitar que aspectos e competências devem ser considerados na formação desse profissional.

ESCOLAS INDÍGENAS COMO ESPAÇO DE FRONTEIRA: O CASO DA ESCOLA TAPIRAPÉ

Maria Gorete Neto (UNICAMP)

Um grande desafio aos interessados no processo de escolarização indígena é compreender o lugar e o papel da escola para cada povo indígena. As pesquisas acadêmicas a este respeito, embora tenham aumentado, são ainda relativamente poucas e mesmo assim, dada a complexidade do contexto, não é tarefa fácil posicionar-se, pois corre-se o risco de ou demonizar a escola ao considerá-la como o portal para a extinção da cultura e da língua; demonização esta decorrente dos impactos negativos da escola enquanto projeto colonizatório, ou, em oposição, mitificá-la ao enxergá-la como a salvação da cultura e da língua indígena, pressuposto este mais presente nos projetos de educação indígena atuais. Tassinari (2001, pp. 49-56) propõe um meio termo para evitar estas dicotomias: que a escola indígena seja tomada como espaço de fronteira. Para a autora, a escola é um espaço onde se encontram dois mundos – o ocidental e o indígena – ambos com suas formas de saber e compreender o mundo e com suas formas de ensinar e aprender. Enquanto “fronteira”, a escola é um espaço “de trânsito, articulação e troca de conhecimentos, assim como espaços de incompreensões e de redefinições identitárias dos grupos envolvidos nesse processo, índios e não-índios”. Conforme Tassinari, citada anteriormente, este conceito não é sinônimo de limite ou barreira intransponível entre culturas distintas. Fronteira aqui é vista como “um espaço de contato e intercâmbio entre populações, como espaço transitável, transponível, como situação criativa na qual conhecimentos e tradições são repensados, às vezes reforçados, às vezes rechaçados, e na qual emergem e se constroem as diferenças étnicas”. Deste modo, a noção de fronteira abre espaço para se compreender a escola não apenas como imposição do branco ou como espaço re-significado, mas como “espaço de índios e não-índios e, assim, um espaço de angústias, incertezas, mas também de oportunidades e de criatividade”. Considerando-se estes aspectos, o objetivo deste artigo é fazer uma reflexão sobre o lugar social da escola Tapirapé nos dias atuais. Os Tapirapé, de origem tupi, falam a língua Tapirapé e contam com uma população aproximada de 650 pessoas que vivem no nordeste do Mato Grosso. A discussão é baseada em análises de entrevistas gravadas com professores e lideranças Tapirapé, durante as quais eles refletem sobre a sua escola e foram gravadas em áudio, em agosto de 2006. Do total de 11 gravações, 09 foram feitas nos ‘terreiros’ das casas dos entrevistados e 03 na secretaria da escola, na presença de outras pessoas da família (cônjuges, filhos, genros, etc) ou outros membros da comunidade, possibilitando uma possível interferência na conversa caso os presentes quisessem. Os entrevistados argumentam que a escola, fundada no início da década de 70, por ocasião da demarcação da área Tapirapé-Karajá, tem impactado positiva e negativamente a vida Tapirapé. A análise mostra que a escola é um espaço de contradições. Assumir o pressuposto de escola indígena como espaço de fronteira, permite compreender tais contradições, colocar em perspectiva a escola e agir criativamente com vistas a um projeto de escola para o presente e o futuro do povo Tapirapé.

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A COMPOSIÇÃO DO “VELHO SUL” EM YOKNAPATAWPHA COUNTY

Maria Teresa Conti Vieira (UNICAMP) Para nossa dissertação propomos a análise do romance Absalom, Absalom!, de William Faulkner, escrito em 1936. Faulkner é um dos grandes nomes do Modernismo norte-americano, que havia atravessado sua primeira fase durante os anos 1910 – com o experimentalismo de Gertrude Stein – e 1920 – com a revolta contra o mercantilismo dos autores de 1920. Provido da liberdade que esses pioneiros haviam conquistado, bem como das técnicas produzidas por tantos autores antes dele (Joyce, na Europa, e Stein e Dos Passos, nos Estados Unidos, por exemplo), William Faulkner apresenta um Modernismo já mais maduro. A experimentação dá lugar para a expressão do autor, e sua técnica serve mais a propósitos relativos ao próprio romance do que a uma revolta contra os estilos literários tradicionais. Com seu primeiro livro, The marble faun, tendo sido publicado em 1924, Absalom, Absalom!, mencionado juntamente com The sound and the fury como um de seus melhores trabalhos, apresenta a maturidade do autor. Em 1936, data da publicação desse romance, Faulkner já se encontrava familiarizado com seu próprio estilo e com a população de Yoknapatawpha County, que ele havia apresentado ao público logo em 1929, com o romance Sartoris. Antes de escrever Absalom, Absalom!, Faulkner já havia empreendido seu famoso tour de force em matéria de foco narrativo, As I lay dying, de 1930, e já havia realizado seu romance mais famoso, The sound and the fury, também datado de 1929. A maturidade do autor nesse livro foi o principal motivo que nos levou a escolhê-lo, decisão em que pesou também a fama deste como um de seus melhores livros e a questão da herança cultural sulista que esse livro aborda. O que nos interessa, na pesquisa sobre esse romance, é em primeiro lugar a manifestação do Modernismo literário, no que tenha de particular como Modernismo norte-americano e como sulista e nas sofisticadas técnicas do autor. Mas também nos interessa algumas temáticas levantadas pelo livro, como a Guerra da Secessão, que serve de pano de fundo para a história da decadência da família Sutpen, e as relações familiares dos personagens, assim como suas relações sociais, que concorrem para compor o ambiente do “Sul”, que Faulkner deseja retratar na criação do condado imaginário de Yoknapatawpha, teoricamente localizado dentro do estado do Mississippi, mas que não faz parte do Mississippi real, cartográfico. O que nos leva ao que já foi alcançado em nosso trabalho de pesquisa: a composição desse ambiente sulista, a “recriação” dessa sociedade em uma outra, imaginária, mas constante e tradicional como a que a inspirou. A análise do condado de Yoknapatawpha abre qualquer reflexão sobre William Faulkner, e ela será empreendida dentro dos limites de Absalom, Absalom! Ela será realizada em duas frentes: a composição espacial, geográfica, ou do cenário de Yoknapatawpha nesse romance, e sua composição social, tão importante para a construção de um universo sulista como sua paisagem. Para tal análise utilizaremos alguns livros da fortuna crítica de William Faulkner, cuja pesquisa, neste momento, encontra-se focada nos livros e artigos sobre Yoknapatawpha. É pela crítica de Faulkner também que procuraremos compreender sua posição no Modernismo, e como este se manifesta neste autor e especialmente neste romance. A seguir, pretendemos realizar análise e reflexão de outros elementos do romance. Pontualmente, podemos adiantar a reflexão sobre a relação entre dois dos personagens, o herdeiro Henry Sutpen e o citadino Charles Bon, em que amor e amizade se confundem, por intermédio da corte de Bon à irmã de Henry. Também será feita uma análise para verificar em que medida o foco narrativo constrói a história ou a põe em jogo, uma vez que ele é constituído pelos testemunhos e conjecturas de diversos personagens, implicando numa narrativa que é irrecuperável, e portanto, especulativa. Finalmente, também está em pauta a trajetória de Thomas Sutpen, em sua ascensão e declínio como um patriarca sulista, fazendo um paralelo com o declínio do velho Sul, decorrente da derrota na Guerra da Secessão.

ENSINO DE INGLÊS INTERDISCIPLINAR

Marianne Pesci de Matos (UNICAMP) O ensino de inglês nas escolas regulares, geralmente, mostra resultados pouco satisfatórios e por isso existe a busca por novas propostas e metodologias nas instituições de ensino. O objetivo deste trabalho é analisar o letramento em inglês de um desses programas que propõe que as aulas de inglês como Língua Estrangeira (LE) seja dentro de um contexto interdisciplinar, ou seja, que o ensino da LE seja nas aulas das diversas matérias. A justificativa para tal é unir o desenvolvimento da oralidade necessária para a comunicação no cotidiano fora da escola à temática própria do cotidiano escolar, isto é, com os temas das disciplinas. Programas como esse são, em geral, adaptações de programas criados nos países de fala inglesa para ensinar a língua a imigrantes. Conhecer essas propostas, assim como os efeitos de sua implementação, é de suma importância tanto para a ampliação dos conhecimentos teóricos na área de ensino de LE, como para uma visão mais crítica dos professores de inglês com relação ao programa adotado pela instituição em que atuam. Tomando-se como base teórica as propostas dos Novos Estudos do Letramento, a associação da intenção de levar os alunos, ao longo da escolaridade, a usar o inglês em interações fora da escola, com o objetivo de a utilizarem em práticas de letramento escolares, aponta para a adoção de um modelo de letramento bastante diverso daquele que tem predominado nas escolas. Com o objetivo de analisar os conflitos gerados pela opção de modelos de letramento que

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visam associar o letramento escolar ao letramento adquirido fora da escola, o foco da análise são as tensões geradas durante as aulas conseqüentes desse modelo, a administração dessas tensões por professores e alunos. A pesquisa está sendo desenvolvida em uma escola de ensino infantil e fundamental privada chamada Beija-Flor, que fica em uma cidade do interior de São Paulo e adota a metodologia para o ensino de LE denominada Systemic, utilizada nos EUA para ensino de inglês para estrangeiros. Para a análise foram gravadas 12 aulas, dentre as quais foram selecionadas e transcritas quatro aulas de diferentes matérias dentro da classe de 4º ano do Ensino Fundamental (antiga 3ª série) que tem 12 alunos; também foram feitas anotações em campo e entrevistas. Todos os alunos já haviam tido contato com a língua inglesa, mas somente uma aluna tem domínio da mesma já que morou nos EUA. Os outros não haviam sido expostos à utilização efetiva da língua, mas somente ao aprendizado de vocabulário. Uma análise inicial dos dados aponta que os alunos vêem na aprendizagem da língua a função social de comunicação. Isso é mostrado pelo fato de eles aproveitarem qualquer oportunidade para se comunicar sobre assuntos do cotidiano. E para isso, se esforçam, com o pouco domínio que têm da língua. Entretanto, durante as aulas, não há esse esforço, preferindo eles recorrerem a colegas em busca da tradução, e não à professora. Diante desse conflito, a professora apenas permite a consulta sem interferir. Pela proposta do programa, era de se esperar que houvesse o uso da língua para a comunicação sobre as aulas, como deve ocorrer nos EUA, desenvolvendo-se, assim, simultaneamente, a fluência oral comunicativa e a aprendizagem do inglês específico para entenderem o conteúdo. Porém, o que acontece é que o conteúdo da aula de LE é, geralmente, algo que os alunos já aprenderam em português e, com isso, o objetivo de ensinar inglês para a comunicação fica perdido, já que o foco passa a ser apenas o vocabulário. Os episódios em que há um uso real da língua restringem-se a interações que não envolvem a conteúdo, como alunos pedindo para ir ao banheiro, por exemplo. Podemos afirmar, portanto, que há a adoção do modelo autônomo de letramento, semelhante ao dos programas que predominam nas escolas.

IDENTIDADE(S) LINGÜÍSTICA(S) NO ESPAÇO DIGITAL

Marisa Ganança Teixeira da Silva (UNICAMP) Sustentando-me na fundamentação teórica da Análise de Discurso sobre a constituição dos sentidos e considerando os estudos desenvolvidos no projeto da História das Idéias Lingüísticas – HIL – a respeito do desenvolvimento das metalinguagens, busco observar, nessa pesquisa, a produção de sentidos para as línguas em relação no espaço digital e refletir sobre os processos de identificação e de gramatização no espaço de comunicação virtual. Hoje, quando novos instrumentos lingüísticos são desenvolvidos, como os que são disponibilizados na informatização, os aparelhos de poder de nossa sociedade vêm se interessando cada vez mais pelas ciências que tratam da linguagem. Atualmente, com o desenvolvimento de novas tecnologias da linguagem, a questão da língua passa a interessar pelos rumos que ela pode tomar, no sentido de sua organização. A respeito do tratamento digital dos textos, Auroux (2001, p. 289) traz a questão da mecanização da linguagem como a terceira grande revolução lingüística, depois da escrita e da gramatização das línguas. Aqui, é fundamental observar que o tratamento eletrônico da informação se dá sob a forma da linguagem natural, em um processo de automatização da linguagem natural humana. Nesse sentido, o autor se refere à necessidade de os trabalhos de reflexão sobre a língua considerarem em suas análises, além dos elementos culturais, econômicos e sociais, a questão técnica. Segundo Auroux (idem, p. 290), é necessária uma reflexão filosófica sobre a questão da inteligência artificial e das “realizações técnicas no domínio do ‘Tratamento Automático das Línguas Naturais’”. Pêcheux (199, p. 55) trata também da informatização, ao mencionar o tratamento matemático e informático na leitura dos documentos textuais. Segundo o autor (idem, p.57), visando à garantia de interesses estatais ou comerciais, os arquivos textuais passam a receber um tratamento em massa para se tornarem mais facilmente comunicáveis e reproduzíveis. Nessa conjuntura, a questão da clareza e da objetividade se coloca como crucial, a ponto de a referência à ciência e à lógica matemática se impor como evidência no tratamento dos arquivos textuais. Nesse sentido, o autor (ibidem, p. 57) diz que seria muito importante que os diferentes gestos de leitura fossem estudados “a partir de seus efeitos na escritura”, com a observação das marcas “que organizam estas leituras”. Dessa forma, segundo Pêcheux (1997, p. 57), poder-se-ia criar um espaço mais polêmico de discussão a respeito das diferentes maneiras de ler os documentos tratados informaticamente. Por se inscrever em uma formação discursiva específica da informatização, a forma material lingüística que se impõe nesse lugar é diferente no seu modo de significar. Nesse sentido, o objetivo dessa pesquisa se volta para a observação do modo como se organizam e se relacionam as línguas no espaço digital. É importante observar que esse trabalho considera as línguas em sua forma material significativa na história. Ou seja, a abordagem a respeito da constituição dos sentidos e da(s) língua(s) no espaço digital é feita nesse trabalho pelo viés discursivo. Isso significa considerar os efeitos de sentidos produzidos pela(s) língua(s), na relação com o(s) sujeito(s) que a(s) fala(m) e com os fatos sociais e políticos. Dessa forma, neste trabalho, a língua é considerada como materialidade discursiva, materialização de um processo simbólico na história. Considerando a informatização como espaço de funcionamento das línguas, observo lugares possíveis em que os sentidos de uma língua fluida se constituem diante da língua sistematizada. De acordo com Orlandi (2002, p. 22), a língua fluida é aquela que não segue a determinação dos sistemas. Para refletir sobre essa questão, tomo como material de análise determinadas comunidades virtuais sobre as Línguas Portuguesa, Brasileira e Internetês, divulgadas no sítio de relacionamento Orkut. Nesse sentido, é fundamental pensar como as comunidades lingüísticas inscrevem os sujeitos em grupos sociais, em relações pelas quais eles se identificam com seu grupo, pela língua. Para essa análise,

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tomo alguns lugares de funcionamento da língua como pontos de observação. Sob o ponto de vista da semântica do acontecimento desenvolvida por Eduardo Guimarães, recortei algumas designações e caracterizações das comunidades, no sentido de observá-las como um acontecimento no qual se dá a relação do sujeito com a língua. A teoria da Análise do Discurso é a base para observar o jogo de sentidos na tradução de uma poesia proposta por uma comunidade a favor do Internetês e nos fóruns de discussão, onde as línguas estão em funcionamento no cotidiano do espaço virtual. Embora ainda em andamento, a análise possibilitou a compreensão de que a heterogeneidade lingüística é um efeito da constituição do espaço virtual da comunicação. A análise também revelou que, na configuração da sociedade atual, o processo de virtualização permitiu a constituição de um outro sistema de escrita, que se legitima pelo uso no cotidiano do espaço virtual e se materializa na “conversa grafada”, teclada pelos participantes das comunidades. Essa pesquisa permitiu acima de tudo observar a ambigüidade, a falha, o equívoco, a poesia, como constitutivos da língua.

MECANISMOS DISCURSIVOS DE AUTORIDADE: A (DES)CONSTRUÇÃO DE ESCOLAS REGULARES POR ESCOLAS DE IDIOMAS

Marla Soares dos Santos (UNICAMP)

Introdução: Neste trabalho, temos como objetivo verificar certos conceitos acerca da relação de ensino/aprendizagem de Língua Inglesa (LI) como Língua Estrangeira (LE). Para tanto, iremos nos apoiar nos estudos produzidos no âmbito da Lingüística Aplicada e nas contribuições teóricas da Análise do Discurso materialista (AD) e da Semântica Histórica da Enunciação (SHE), sobretudo de autores como Pêcheux, Orlandi, Guimarães, entre outros. Objetivos: a) Verificar certos conceitos acerca da relação de ensino/aprendizagem de Língua Inglesa (LI) como LE; b) Investigar certos aspectos discursivos constitutivos da identidade escolar brasileira a partir da influência das escolas particulares de idiomas (EI) e da relação destas com as escolas regulares (ER) de ensino fundamental e médio (tanto públicas quanto privadas). Justificativa: Podemos supor que nos encontramos em um momento de expansão em número e em participação na economia brasileira das EIs, (citamos como exemplo, a inclusão de redes de franquias de escolas de idiomas nas listas de empresas mais bem sucedidas do país em órgãos especializados como a ABF e o SEBRAE, além de publicações da mídia especializada e do que as próprias escolas divulgam em seus sites sobre os números de sua expansão). Paralelamente, temos a criação e consolidação do discurso de incapacidade de ensino por parte da Escola Regular, veiculado em propagandas dessas instituições como veremos mais adiante. Desse modo, e tendo em vista a importância do contexto histórico para o quadro teórico que embasa este estudo, entendemos como necessária a observação do processo de instalação das Escolas de Idiomas no Brasil. Além disso, percebemos a necessidade de investigar as conseqüências geradas pela presença destas instituições e seu papel constitutivo na identidade escolar nacional. Metodologia: Os dados coletados inicialmente constam de textos publicados por uma Escola de idiomas da cidade de Campinas. A metodologia de análise dos dados segue os princípios do quadro teórico do presente trabalho. Isto quer dizer que, ao trabalhar o corpus, procuramos nos deslocar e trabalhar da forma menos subjetiva possível, em um trabalho que considera a língua como o lugar de manifestação da ideologia, tomada pelo real da história. Primeiras Conclusões: Os primeiros dados analisados mostraram que muitas das formulações encontradas em anúncios publicitários da instituição analisada permitem deslizes de sentido que colocam a língua inglesa como a língua a ser estudada por alunos brasileiros, visando o acesso ao mercado de trabalho, a possibilidade de viagens ao exterior e também como a língua que dá acesso ao mundo da cultura e produção do conhecimento. Nossos estudos, ainda iniciais, apontam o uso de imperativos e da predicação em formulações tais como: belo emprego em que vemos o funcionamento de um discurso em que o sujeito é tomado pela necessidade de aprender inglês. E também em outras formulações analisadas anteriormente tais como “Você, cidadão do mudo” o discurso da globalização toma os sujeitos, colocando-os na posição discursiva daquele que deve ter por objetivo ascender no plano social e econômico, através do trabalho. Tal necessidade de se estudar a língua é, no entanto, conseqüência de inúmeras circunstâncias sócio-político-ideológicas que se delinearam ao longo dos anos.

MÚSICA POPULAR BRASILEIRA: RETRATOS DE UM PAÍS E DE SEU SONHO DE PERTENCIMENTO

Marli Rosa (UNICAMP)

Nesta comunicação, apresentarei o projeto de doutorado intitulado “Aquarelas de um país tropical: Brasil, que país é esse?”, atualmente em seu primeiro ano de realização. O objetivo central do presente projeto é investigar as condições de produção de discursos e as representações de Brasil e de brasileiro presentes em quatro letras de canções brasileiras: “Aquarela do Brasil”, de Ari Barroso; “País Tropical”, de Jorge Ben; “Que país é esse?”, de Renato Russo (banda Legião Urbana), e “Brasil”, de Cazuza.

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Essas canções foram compostas e veiculadas em momentos políticos e culturais de grande importância para a compreensão do Brasil atual, momentos em que os temas mais recorrentes giravam em torno da (re)construção ou (in)viabilidade de projetos nacionalistas e de modernização para o país. Como contribuição desse estudo - de natureza essencialmente multidisciplinar, que dialoga, especialmente, com trabalhos de autores das áreas da Sociologia da Cultura e da História da Música Popular Brasileira (MPB) -, destaco a importância de compreendermos o papel do funcionamento discursivo de letras de canções na constituição identitária do brasileiro e estudarmos de que maneira isso ocorre, especificamente nas quatro letras selecionadas, haja vista sua repercussão mundial (caso de “Aquarela do Brasil”, especialmente) e nacional (demais). Essa importância se dá na medida em que a MPB desempenhou um papel crucial na constituição do que hoje se entende por “Nação Brasileira”, tendo sido constituída, a partir das primeiras décadas do Século XX - através especificamente da atuação da indústria cultural então nascente - em nosso principal produto cultural em termos de divulgação, dentro e fora do país. Se considerarmos essa a importância do século XX para o desenvolvimento da MPB, este projeto possibilitará delinear parte significativa dessa trajetória, em especial no que concerne ao desenvolvimento da canção urbana, especificamente o samba-exaltação, o tropicalismo e o rock nacional dos anos 1980. É necessário também destacar que esses três mo(vi)mentos musicais se desenvolveram em períodos políticos de grande relevância e com desdobramentos até hoje presentes no nosso país, a saber: o Estado Novo, o regime militar e a chamada “década perdida” (que no Brasil abrange o período de redemocratização do país e subseqüente democratização política). Momentos em que as ações políticas e o desejo de seus agentes estavam voltados para a formação ou consolidação do Estado-Nação, da modernização e da economia alinhada com a globalização. Apresentarei, nesta ocasião, alguns trechos das letras que compõem o corpus da pesquisa, contextualizando o momento de sua produção e veiculação, o estilo ou movimento musical a que cada uma pertence, e propostas de leitura acerca de sua relação de sentido com o momento histórico respectivo. A partir dessa pré-análise, perceberemos de que maneira se desenvolvem diferentes dizeres sobre o Brasil e o brasileiro nessas canções. De terra de Nosso Senhor, de samba e pandeiro, de país tropical abençoado por Deus, o próprio estatuto de nação (e, conseqüentemente, de brasileiro) passa a ser questionado e resignificado como grande pátria desimportante que não mostra a sua cara, piada no exterior, terra com espaços sociais (favelas, senado) com sujeira para todo lado e brasileiros corruptos e corruptíveis. A importância desse projeto está calcada na necessidade de estudarmos e buscarmos compreender aspectos identitários de nossa brasilidade presentes em produções artísticas que estão circulando não apenas no Brasil, mas também no exterior. Analisar as letras de música aqui selecionadas significa levantar questionamentos sobre nossos processos identitários em momentos cruciais da vida política brasileira. Trata-se de trazermos à tona a nossa eterna questão (não resolvida, latente, e sempre lá) da identidade (nacional), da busca pela raiz, ou, no termo citado por Bauman (em sua obra Identidade), do “sonho de pertencimento” - que, no caso brasileiro, em específico, e latino-americano, em geral, está, certamente, mais para “pesadelo recalcado do não-pertencimento”.

GÊNERO DISCURSIVO, LEITURA E CIDADANIA: O PAPEL DO LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA NO E NSINO MÉDIO

Marly Aparecida Fernandes (UNICAMP)

Este trabalho discute a leitura nos livros didáticos de Língua Portuguesa no Ensino Médio. Esses manuais didáticos são distribuídos, anualmente nas escolas publicas brasileiras pelo PNLEM (Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio), programa implantado pelo MEC a partir de 2005. O objetivo de nosso estudo é o de analisar tanto a coletânea de textos em sua diversidade de gêneros discursivos e, conseqüentemente, suas respectivas esferas de circulação, presentes nesses manuais, bem como as atividades de leitura propostas, observando os possíveis letramentos oferecidos por esses materiais, principalmente os letramentos críticos e protagonistas, necessários e relevantes nessa etapa de escolaridade Considerando-se a escola e a Educação Básica, oferecida em contexto público – neste caso o Ensino Médio -, como um espaço tanto de construção de um sujeito social quanto de circulação de valores éticos, morais e ideológicos (Rojo, 2005), temos no material didático (livro) um importante instrumento de formação de um leitor crítico e cidadão, como pregam os documentos oficiais, por se tratar da principal fonte de leitura - senão a única – da maioria dos alunos dessa etapa de ensino (Rojo & Batista, 2003). Sendo um objeto complexo e multifacetado (Bunzen, 2005) e que está inserido na vida do professor e do aluno, além de sua presença na construção dos saberes situados em contexto escolar, orientando – ao menos em princípio – as aulas do professor de Língua Materna, os livros didáticos participam histórica e culturalmente da engrenagem escolar (Bunzen, 2005). Ressaltamos, ainda, a importância do contato do aluno e do próprio professor com o manual didático e sua diversidade genérica, configurando-se uma prática de letramento situado na qual professor e aluno participam de um evento de letramento mediado pelos textos e atividades presentes nesse material. Observamos que essa perspectiva de práticas de letramentos surge em um dos documentos oficiais de Ensino Médio, em sua versão mais recente – OCEM (Orientações Curriculares para o Ensino Médio – versão 2006) como uma preocupação e uma possibilidade de ações mediadoras de linguagem nas práticas de letramentos escolares ou não escolares, reiterando, a nosso ver, a importância dos letramentos escolares por meio dos materiais didáticos , bem como a necessidade de uma relação discursiva do aluno com esse objeto de ensino e aprendizagem. Além disso, consideramos que diante da necessidade de atender à

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demanda contemporânea de leitura e escrita para uma vida cidadã e protagonista deve-se considerar o papel do livro didático – e mesmo da escola – como elementos construtores de letramentos múltiplos. Conseqüentemente, nessa perspectiva, além de uma coletânea textual e genérica diversificadas, haveria a necessidade de atividades de leitura que permitissem o desenvolvimento de letramentos críticos e protagonistas, bem como de capacidades leitoras para a cidadania. Nossa pesquisa, portanto, por meio de suas análises, pretende contribuir não só para a visualização dessas propostas de letramento fornecidas pelos materiais didáticos distribuídos nas escolas públicas brasileiras, como também pretende contribuir para a disponibilidade de dados que facilitem futuras pesquisas acadêmicas no campo aplicado sobre esse contexto escolar – o Ensino Médio – notadamente nas questões relativas à leitura. Buscamos trazer como referencial teórico para o nosso estudo algumas concepções e teorias (Orlandi, 1988; Kleiman, 1989, 1992; Koch & Elias, 2006, dentre outros) que contribuíssem para a discussão da leitura como prática social e cultural, voltada para uma situação de interação autor-leitor, como um processo discursivo e de construção de sentidos, bem como ato de compreensão ativa e responsiva, esta última como pressupõem os estudos de Bakhtin e seu Círculo (Bakhtin,1929-30; 1952-53). Nosso percurso metodológico e os procedimentos que pretendemos utilizar na produção de dados para a nossa pesquisa e para a análise das características dos manuais didáticos escolhidos como corpus, serão respaldados por abordagens de natureza qualitativa em função dos objetivos pretendidos em nossas análises de dados e da complexidade do nosso objeto de pesquisa: o Livro Didático de Língua Portuguesa. A abordagem qualitativa tem sua relevância nas pesquisas em Lingüística Aplicada, pois focaliza o processo de construção, compreensão e interpretação dos significados e das ações do pesquisador na investigação e também acompanhando toda a sua complexidade, revelando hipóteses e estratégias de ação (Kleiman, 2004) nesse percurso. Pensamos, num primeiro momento, efetuarmos um levantamento quantitativo da natureza dos textos em cada um dos manuais de Língua Portuguesa, bem como das atividades e das abordagens de leitura (incluindo a leitura literária), efetuando-se uma macro-análise dos dados obtidos, levantando-se hipóteses e buscando-se a compreensão e a interpretação dos dados (Santos Filho & Gamboa, 2002; Nunan, 2002; Gonsalves, 2001), procedimentos característicos para este método de investigação. Além disso, destacamos que na pesquisa qualitativa não há o privilégio de uma única prática metodológica em relação à outra em função das várias atividades interpretativistas envolvidas no processo (Denzin & Lincoln, 2006).

FACES DA HARMONIA NO DIÁLOGO SENEQUEANO DE VITA BEATA

Matheus Clemente De Pietro (UNICAMP) 1. Apresentação Consideradas uma das principais fontes do estoicismo romano, as obras do filósofo Lúcio Aneu Sêneca (4 a.C.- 65 d.C) tangem um grande leque de disciplinas e gêneros literários, podendo ser encontradas na forma de tratados científicos e filosóficos, diálogos, epístolas, tragédias, e uma sátira, os quais, por sua vez, dedicam-se a temas tão diversos como política, biologia e física. De seus escritos, porém, a maior parte trata da exposição do aspecto ético da doutrina ética estóica, dentre os quais uma obra se destaca. As Epistulae morales (62-63 d.C.), consistindo em 21 livros de cartas pessoais enviadas por Sêneca a seu discípulo Lucílio, fazem jus ao nome que lhes foi atribuído: nelas podemos vislumbrar como importantes argumentos da teoria moral estóica são entremeados a assuntos comuns às correspondências entre amigos, na medida em que o gênero epistolográfico e o estilo de escrita senequeano nos permitem perceber. Durante a leitura das Epistulae, pudemos observar a presença de um deles em especial: o conceito estóico de homología (“harmonia”), simultaneamente ponto de partida e télos de todo o sistema filosófico da escola do Pórtico, é introduzido de forma inequívoca no trigésimo parágrafo da carta 74 por meio de seu equivalente latino conuenientia. Embora o vocábulo latino seja a tradução exata, proposta por Cícero, do termo técnico grego, surpreendemo-nos em constatar que ela ocorre apenas uma vez em todo o conjunto de obras de Sêneca, justamente no referido excerto das Epistulae morales. A análise realizada em nossa pesquisa de mestrado comprovou que em todas as demais passagens em que o filósofo discorre sobre a “harmonia” há o emprego de vocábulos com sentido semelhante, como, por exemplo, concordans, congruens e consonans. Estes, por sua vez, são apresentados no mesmo trecho da carta 74 como equivalentes técnicos da homología, e se constata que, de fato, sua presença geralmente indica que o assunto tratado remete, em maior ou menor grau, ao bem supremo estóico (isto é: a homología). Partindo desse ponto, nossa pesquisa em nível de Mestrado procurou compreender os diferentes modos que o filosofo emprega para expor o conceito de “harmonia” nas Epistulae, e, dentre os resultados obtidos, podemos citar dois importantes recursos de estilo: um é o uso da polissemia no tratamento de termos técnicos do estoicismo: constatamos que é freqüente o emprego de uma palavra em seu sentido, e, ao mesmo tempo, em seu sentido técnico. Outro recurso observado consiste no uso de diversos termos para a expressão de uma só idéia: como apontamos anteriormente no caso da “harmonia”, cuja tradução canônica do grego seria conuenientia, verifica-se que Sêneca se vale de inúmeras alternativas. Nossa pesquisa procurou avaliar se a opção por determinado termo (ex.: por conspirare ao invés de concordare) teria alguma relação com o argumento apresentado ou com o contexto discutido. A conclusão obtida foi que, de fato, há preferências por parte do filósofo: o verbo consentire, por exemplo, costuma ser empregado quando se discorre acerca da harmonia entre a vontade individual e o destino; concordare, por sua vez, é mais comum

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quando o tema é a harmonia social; e consonare se mostra quando Sêneca discorre acerca da harmonia da alma consigo mesma. Após a conclusão do estudo do conceito em 33 epístolas, sentimos a necessidade de expandir o corpus, no intuito de verificar não apenas como a noção de harmonia se apresenta em outras obras senequeanas, mas também de constatar se as conclusões obtidas pela análise das cartas também se aplicam àquelas. Nesse sentido, procuraremos verificar se as imagens e termos empregados mantêm o mesmo padrão que nas cartas. 2. Aspectos técnicos Nossa proposta de estudo se justifica pela surpreendente constatação de que a noção de “harmonia”, sendo fundamental ao pensamento estóico, seja tema tão pouco apreciado pelos tradutores de Sêneca, bem como pelos estudiosos do estoicismo em geral. Em relação aos tradutores, as referências ao conceito, quando existentes, são pouco desenvolvidas, e a atenção despendida as suas nuanças terminológicas é quase nula. Além disso, um outro fator, de âmbito mais geral, que sublinha a relevância de um trabalho como este, é a pouca divulgação da filosofia romana - em especial da ética estóica, que se destaca entre as outras escolas de filosofia em Roma. Acreditamos que uma tradução que focalize passagens de um tema específico, comentando sua inter-relação com outros conceitos, contribua para tornar o estoicismo romano mais conhecido. Nossa pesquisa se guia pelo propósito de contribuir para o estudo da noção de harmonia no pensamento senequeano. Para tanto, o método adotado é a tradução completa do diálogo De uita beata, acompanhada de comentários acerca dos aspectos lingüísticos, intertextuais e histórico-culturais do texto. Complementarmente à tradução, elaboraremos um texto que reflita nosso estudo acerca do referido conceito nas obras estudadas até o momento, contando, para isso, com ampla bibliografia, obtida no contato estabelecido com especialistas de diversas áreas.

IMAGISMO: ANTOLOGIA BILÍNGÜE

Max Welcman (UNICAMP) Primeiro movimento literário da vanguarda modernista em língua inglesa, o Imagismo propôs uma estética de concisão e valorização da imagem concreta que indicaria novos rumos para a poesia ocidental a partir da primeira década do século XX. A poética imagista ia de encontro ao caráter predominantemente retórico, moralizante e “oficial” que predominava na literatura da belle époque inglesa, e resultou tanto de tendências de renovação que já se encontravam em plena discussão e desenvolvimento entre determinados intelectuais de Londres, como da presença na capital inglesa de alguns poetas norte-americanos dispostos a divulgar novas formas de poesia no velho continente. Esse último aspecto faz do período aqui tratado, além de tudo, um movimento de vanguarda literária intercontinental. De fato, em 1912, quando o poeta norte-americano Ezra Pound inicia a divulgação e formulação teórica da “escola de imagens” em revistas literárias da Inglaterra e dos Estados Unidos, inaugura-se não apenas a abertura a uma nova possibilidade de criação poética, anti-romântica e classicista, na literatura de ambos os países, como também a própria modernidade nas letras anglo-americanas, em termos de grupos de poetas organizados na defesa de idéias estéticas em comum. No entanto, apesar de sua ampla influência em boa parte das tendências da poesia moderna de língua inglesa, e da alta qualidade artística de boa parte da produção literária imagista, o movimento tem sido relegado a um a nosso ver injustificável segundo plano nos estudos literários e das vanguardas européias do século XX, lacuna que a presente dissertação de mestrado pretende começar a preencher em nosso meio acadêmico. A primeira parte do trabalho consiste em um ensaio sobre o Imagismo, a partir do estudo da bibliografia nacional e internacional sobre o tema, no qual se visa investigar: suas origens históricas, desde os primeiros autores ingleses a refletirem sobre a necessidade de mudanças poéticas na tradição literária do idioma (Poets’ Club, Secession Club e a liderança de T.E. Hulme) até a nomeação e organização dos imagistes por Ezra Pound; seus aspectos teóricos fundamentais (elaborados por Ezra Pound, F.S. Flint e Amy Lowell), fases de desenvolvimento (“Pré-imagismo”, Imagisme, Imagism) e principais atores e meios de divulgação na Europa e América do Norte; sua repercussão crítica e influência reconhecida em autores e movimentos literários, tanto na época como a posteriori. Na segunda parte se apresenta uma antologia bilíngüe de 50 textos de alguns dos mais representativos autores imagistas, traduzidos pelo autor desta dissertação tanto com o objetivo de se aproximar interpretativamente dessas obras como também a fim de divulgá-las entre os leitores de língua portuguesa, para os quais a obra poética dessa vanguarda européia permanece praticamente inédita. Os autores antologizados e traduzidos são os ingleses T. E. Hulme, Richard Aldington, F. S. Flint e D. H. Lawrence; e os norte-americanos Hilda Doolittle (H.D.), Amy Lowell e John Gould Fletcher, selecionados quanto à relevância de sua participação no movimento, que é analisada juntamente a uma apresentação de cada um desses nomes. Em uma terceira parte, elabora-se a reflexão sobre o processo tradutório dos textos literários escolhidos para o trabalho, levando-se em conta uma bibliografia relevante de teoria e história da tradução e literária.

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PIEDADE, SADISMO, SEDUÇÃO: A LIBERAÇÃO DO CORPO MIS TIFICADO

Michel Gonçalves Cesarino (UNICAMP)

Havia um longo tempo que um Marquês de Croismare se afastara de Paris. Os amigos gostavam muito dele e sentiam sua falta. Souberam que se interessara pelo caso de uma religiosa, que submeteu à justiça civil o seu desejo de quebrar os votos religiosos. Ele tentou intervir em seu favor, sem o conhecimento de maiores detalhes sobre ela, tais como nome ou idade. Perdido o processo, ela permaneceu no convento. Diderot e alguns amigos decidiram trazer o Marquês de volta a Paris aproveitando-se desse evento. Empreenderam uma mistificação: escreviam cartas para o Marquês, passando-se pela religiosa, ajudada por uma senhora Madin. Perdido o seu processo, ela fugira de seu convento. Soubera que ele havia se interessado por seu caso e decidiu valer-se de sua ajuda, escrevendo-lhe. O marquês prontamente concordou, dispôs-se a recebê-la em sua propriedade, em Caen, na província, longe de Paris. Não conseguindo que o marquês se deslocasse de suas terras, e apesar de divertirem-se com a pilhéria em andamento, resolveram finalizar a mistificação fazendo com que a religiosa morresse; somente alguns anos depois ele descobriu que havia sido objeto de uma mistificação. Diderot, acreditando que o marquês não aceitaria acolher a jovem sem a conhecer melhor, escreveu as memórias da religiosa, em que esta narra tudo o que passou, desde o seu lar até a sua fuga do convento. As cartas do Marquês, da senhora Madin e da religiosa, juntamente com algumas observações de Diderot quanto à mistificação feita por ele e seus amigos, constituem um prefácio anexo, que apesar do nome de prefácio, está anexado ao fim das memórias da religiosa, juntos constituindo o romance conhecido como A Religiosa. Piedade, Sadismo, Sedução: A Liberação do Corpo Mistificado. Este título do trabalho refere-se a esse romance. Nele há três momentos, relativos às madres superioras dos conventos pelos quais Suzanne, a protagonista, passou: a primeira madre era piedosa e mística, a segunda sádica e supersticiosa, a terceira sedutora e lésbica. Trata-se de um romance cheio de tableaux a ser lido por pintores, conforme Diderot havia escrito em uma carta a um de seus conhecidos. Há uma primazia das imagens patéticas, mulheres que choram, sangram, desfazem-se em seus corpos líquidos, pertencentes a homens, à família ou ao convento. Corpos presentificados pela pantomima, por diálogos teatralizados; demonstrados, para incitar e satisfazer o desejo de ver. A expressão e satisfação dos desejos por meio do corpo estão bloqueadas, o caminho natural de liberação de energia foi submetido a regras que não estão de acordo com a natureza humana. As conseqüências são distorções no comportamento: os gestos não são exatamente a expressão das palavras e dos pensamentos que os acompanham; o convento é um ambiente de anamorfose, onde nascem manias, tais como a piedade de uma das madres ou sadismo da outra, influenciando as demais freiras, como se elas fossem engrenagens de uma máquina, movendo-se umas às outras. O movimento do convento é qualquer outra coisa do que aquilo a que se propõe, na verdade trata-se de uma máquina de perdição e destruição da natureza humana, não de salvação; produz um grande número de mulheres infelizes e loucas em relação às poucas que se diriam felizes e salvas. Os corpos permanecem à espera de uma liberação, as vidas anseiam pela liberdade.

OS SENTIDOS DA MÚSICA NA ROMA ANTIGA

Michel Mendes (UNICAMP) Existe atualmente grande dificuldade para encontrar informações seguras acerca da música na Roma Antiga. Os compêndios sobre história da música, muitas vezes, omitem fontes e apresentam conceitos contraditórios. Tal problema leva a interpretações imprecisas que podem até mesmo afetar as traduções de qualquer texto latino que aborde o tema. A própria tibia, instrumento amplamente difundido em Roma e que deriva do aulos grego, apenas para citar um exemplo, por muito tempo foi entendida como uma flauta, quando, de acordo com os registros encontrados em textos originais ou nos raros estudos mais aprofundados, trata-se de um instrumento de palheta. Outra questão é entender o cotidiano musical dos romanos. Até hoje, na maioria dos compêndios sobre história da música, encontramos a informação de que a música romana é mera cópia da grega. Novamente uma conclusão limitada. É inegável que a cultura grega influenciou e muito a civilização romana, porém, em muitos aspectos ocorreram mudanças, adaptações e até rupturas que não podem ser ignoradas. Além disso, não foram apenas os gregos que marcaram certas práticas romanas. A conhecida influência etrusca, também contribuiu para a formação do universo musical habitantes do Lácio. Se aprofundamos mais a busca, encontraremos até mesmo a influência egípcia e assíria na música ocidental da Antigüidade. Então, no caso da música, por conta das questões apresentadas, existem muitas lacunas que ainda não foram explicadas ou sequer receberam qualquer atenção por parte dos pesquisadores. Seu uso na guerra tem sido o traço mais conhecido e discutido pelos pesquisadores até o momento, porém, até mesmo aí existem problemas. Há dificuldade na classificação dos instrumentos e muitas vezes é possível perceber controvérsias quanto às formas e aplicações de cada um antes, durante e depois dos combates. Instrumentos característicos no contexto bélico, tuba, lituus, cornu e bucina são constantemente confundidos por muitos estudiosos. De fato, o acervo material dos instrumentos romanos é impossível de ser encontrado intacto. Portanto, pretendemos neste trabalho iniciar a busca nos textos originais de evidências que possam preencher a falta de informação nessa área até o momento. Para isso analisaremos vários autores como Cícero, Sêneca, Tito Lívio, Ovídio, Plauto, Júlio Cesar

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entre outros, em busca de descrições dos instrumentos, sua utilização pela sociedade romana, a imagem mitológica da música, sua relação com a poesia – principalmente quanto à métrica – e a imagem do músico na sociedade. O trabalho envolve, portanto, além de um estudo histórico, estudos filológicos, já que alguns termos ainda restam inexatos e os dicionários trazem diferenças nas definições de muitas palavras. É o caso da symphonia que consta em alguns dicionários como um instrumento musical, mas em outros, como no Oxford Latin Dictionary, principal referência do léxico latino clássico, aparece como momento de canto e dança em conjunto. Alguns autores, como Suetônio, por exemplo, trazem a informação de que Nero tocava a cythara e a tibia utricularis – espécie de gaita de fole – e além de se gabar disso ainda se apresentava em público. Obras poéticas como as Metamerfoses de Ovídio trazem trechos onde instrumentos são usados por deuses ou heróis como armas capazes de modificar os sentimentos e influenciar ações daqueles persuadidos pelos sons diversos. Boa parte desse material ainda aguarda por análises mais detalhadas. Portanto, fica evidente a importância da pesquisa no contexto de traduções e entendimento da música no mundo romano, afim de sanar algumas lacunas e permitir novos olhares sobre a relações dos romanos com essa arte.

ENTRE O APOLÍNEO E O DIONISÍACO: A ESTÉTICA TRÁGICA NA POESIA DE FLORBELA ESPANCA

Michelle Vasconcelos Oliveira do Nascimento.(UFRN)

A obra poética de Florbela Espanca (1894- 1930), produzida durante o surgimento da estética moderna em Portugal, foi e é considerada por alguns críticos ainda como obra menor. Obra de caráter feminino, em seus versos o motivo da dor é o que mais a caracteriza, além do erotismo e o rigor da forma que, somados ao preconceito da época, relegaram a poesia de Florbela a segundo plano - meros versos de mulher ainda atrelados a uma tradição com a qual a nova estética propunha romper. Entretanto, a poesia de Florbela perpassa o simples romantismo, já desgastado pela própria estética, não trata do “sofrer de amor”, como ainda foi e ainda é lida por muitos, e sim o meio pelo qual desenvolve os conflitos de sua época. O objetivo deste trabalho é identificar e analisar o motivo da dor como seu grande traço estético, a partir do qual a poetisa desenvolve os conflitos em seus versos, partindo da dor de amar, genuinamente feminina, passando pela dor presente no conflito existente no mundo moderno, tão inconstante e material que empurra o sujeito à busca de uma transcendência, “essência”, chegando à grande tensão presente em sua obra, instaurada entre a condição feminina – o ser mulher, “expulsa do paraíso”, inferior e submissa ao mundo masculino – e o fazer poético – o ser poeta, condição exclusiva do mundo masculino, que implica a racionalização dos sentimentos e a forma (harmonia). É no estabelecimento do conflito/equilíbrio entre a condição feminina e o fazer poético, entre o motivo e a forma poética, que se desenvolve a estética trágica presente nos versos florbelianos, o que faz da sua poesia uma das representações da modernidade na Literatura Portuguesa. É, então, partindo da análise da tensão entre os elementos componentes da poesia de Florbela, que se estrutura esse trabalho, em que se aponta a construção do status do poeta feminino como o estabelecimento da tensão trágica em sua poesia, tensão característica da poética moderna, do entrelaçamento dos elementos da desmedida e medida, associados, respectivamente, aos elementos dionisíaco e apolíneo da filosofia nietzschiana, já que o trágico é, segundo Nietzsche, o entrelaçamento desses dois elementos, o dionisíaco – a desmedida – e o apolíneo – a medida. E através dessa relação será construída uma rede de análise em que o motivo da dor, na poesia florbeliana, perde a posição de simples elemento confessional, romântico, e se torna um traço estético, a mola propulsora para a produção poética. É o estudo do desenvolvimento da “estética da dor” como estética trágica, a partir dos conflitos expressos através dos significantes da linguagem na poesia de Florbela, e a sua relação com a estética do trágico de Nietzsche na modernidade, que será o corpus do trabalho. O trabalho é realizado a partir do estudo sobre a estética do trágico na modernidade tanto em O Nascimento da tragédia, de Nietzsche, como em críticos de Nietzsche e da própria modernidade, associando a esta, sob devida análise, os significantes da linguagem poética de Florbela, os quais permitem identificar a presença dos elementos configuradores da sua poesia e a relação estabelecida entre eles com os elementos componentes da modernidade, em três obras de Florbela, Livro de Mágoas (1919), Livro de “Sóror Saudade” (1923) e Charneca em Flor (1931, póstuma). Esse três livros foram escolhidos devido ao fato de os dois primeiros terem sido publicados em vida, e o terceiro, embora publicação póstuma, tratar-se de um projeto acabado de publicação da poetisa.Serão analisados os constituintes lingüísticos, as imagens e símbolos, que compõem os seus poemas e que são a referência da obra da poeta, construindo uma evolução dessas imagens dentro dos três livros analisados, relacionando à mudança de valores e construção de identidades, ou seja, à construção da tensão na obra de arte moderna, o equilíbrio entre o apolíneo, a medida, e o dionisíaco, a desmedida, o humano. O reconhecimento da condição trágica, seja pela condição feminina, perceptível nos poemas através das várias imagens da mulher, seja pela dor de amar, seja pelo desejo sublimado, será o ponto de partida para a análise do elemento dionisíaco presente na obra. Em contrapartida, a medida, através desse mesmo desejo sublimado, do mundo masculino, da harmonia, do estilo, do equilíbrio - seja entre o motivo e a forma, seja na construção de uma identidade, seja pela própria limitação das palavras, dos significantes ou mesmo do próprio fazer poético – será o ponto de partida para a análise do elemento apolíneo nas referidas obras florbelianas, traçando, assim, a tensão trágica representativa da modernidade em sua obra poética.

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OS SIGNIFICADOS DA INOVAÇÃO NAS AULAS DE LÍNGUA MAT ERNA E SEUS IMPACTOS NO LETRAMENTO ESCOLAR DE ALUNOS DE QUINTA E SEXTA SÉRI ES DO ENSINO FUNDAMENTAL

Milene Bazarim (UNICAMP)

Quais são, em que consistem e quais os impactos das ações lingüístico-discursivas e metodológicas de uma professora-pesquisadora que assume as suas aulas em um contexto francamente desfavorável, com a intenção de ser “diferente” e de se contrapor a um acentuado discurso desqualificador a respeito do bairro, da escola e dos alunos? É essa ampla e complexa questão, a qual, de certa forma, começou a ser respondida no mestrado, que impulsiona o meu projeto de doutorado. As perguntas e hipóteses que lanço no projeto são, portanto, o resultado de uma (re)visita a todos os registros gerados e não totalmente utilizados em 2004. Agora, porém, com novos propósitos. Aos gerados em 2004, somam-se outros que foram acumulados até o primeiro bimestre de 2007. Nesta etapa, o meu olhar se volta na tentativa de identificar indícios do que hoje estou interpretando como inovação, a qual, suponho, foi incorporada gradativamente em minha prática via interação e modelização didática. Aqui, inovação é entendida como um processo dinâmico que conduz a transformações nas práticas cristalizadas no/pelo letramento escolar. Há uma relação de interdependência entre as práticas inovadoras e os contextos em que isso se deu, por isso os significados da inovação são sempre contextuais. Ao analisar a interação mediada pela escrita que se deu entre mim, enquanto professora, e meus alunos, pude perceber que ser “diferente” naquele contexto significou criar um novo espaço interacional via escrita. Tudo aquilo que, dadas as características interacionais do grupo, não era possível ser dito (inclusive orientações sobre o andamento da aula), passou a ser escrito. Foi possível perceber que quanto mais instrucional o gênero utilizado, mais assimétrica a interação entre os interlocutores e que essa assimetria entre professora-alunos diminui na medida em que são utilizados gêneros que não possuem a função instrutiva. Além do novo espaço interacional, a escrita possibilitou a emergência de um novo papel interacional, o de interlocutor interessado, o qual foi assumido tanto pela professora quanto pelos alunos. As análises preliminares revelam ainda que a inovação se deu também na seleção dos objetos de ensino. Em 2004, os objetos selecionados eram tópicos da gramática tradicional (conceito de letra, fonema, vogal, semivogal, dígrafo, sílaba, frase etc.); a partir de 2005, esses objetos desaparecem e em seu lugar emergiram as estratégias de leitura e escrita dos gêneros tais como: contos de fadas, fábulas, reportagem, cartaz e artigo de opinião. A construção desses objetos, a partir de 2005, no entanto, não parece estável. Esta é uma pesquisa-ação, uma metodologia de base qualitativo-interpretativista, aberta à complexidade do real e à interdisciplinaridade, o que a torna compatível com o campo de investigação da Lingüística Aplicada. O corpus é composto por registros gerados de 2004 a 2007. Além dos documentos (planejamento, caderno e atividades de alunos, roteiro de aula, diário de campo), há aulas gravadas em áudio e duas aulas em vídeo. Até este momento, as análises estão sendo informadas, principalmente, pela sociolingüística interacional, pelas concepções de língua/gem e gênero bakhtinianas, de ensino-aprendizagem neovygotskyanas e de objeto de ensino do grupo de Genebra.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE UM ESTILO MELODRAMÁTIC O COMPARTILHADO EM J’ACCUSE E NA REVISTA DO BRAZIL”

Milene Suzano de Almeida (UNICAMP)

Tanto pensado como fruto de um momento histórico em Peter Brooks ou como impulso para dramatização em Eric Bentley, o gênero melodrama – que aparece principalmente a partir do teatro francês da primeira metade do século XIX – fornece alguns elementos que auxiliam a pensar a existência de um estilo compartilhado entre público e escritor durante todo o correr deste século. No intuito de traduzir em estilo os preceitos do gênero, Brooks busca compreender este modo melodramático em função de algumas características próprias e de uma retórica peculiar, uma retórica do étonnement. Em J’accuse, carta aberta escrita em 1898 por Émile Zola, durante os acontecimentos do caso Dreyfus (um capitão judeu, Alfred Dreyfus, é acusado injustamente de traição à pátria), este estilo revela não somente a forma de organização de uma espécie de motor ficcional (motor dramático), como também a apreciação do estilo auxilia na compreensão das limitações desta estética lida por um leitor contemporâneo, cuja ênfase reside justamente no posicionamento crítico e de leitura nas entrelinhas, diametralmente oposto ao estilo expressionista presente no estilo melodramático. Também no estudo da recepção, as mesmas características propostas por Brooks saltam aos olhos, particularmente em um artigo publicado na Revista do Brazil, de julho/agosto de 1898, assinada por Cunha Mendes, também diretor da revista e autor de poema publicado na mesma edição. Nele, Mendes transcreve um discurso proferido na Polytheama (muito provavelmente, alusão ao Teatro Polytheama, em Salvador, fundado em 1883) em homenagem à esposa do capitão francês, Lucie Dreyfus, caracterizando, como uma linguagem eloqüente, uma personalidade frágil porém persistente. Tanto o signo da virtude, na figura do généreux em Zola, como o signo da inocência em Lucie Dreyfus são os elementos chaves da personalização e caracterização de figuras símbolos que agem em ambos os contextos como entidades supra-individuais que re-ordenam o mundo caótico em categorizações simples e facilmente apreensíveis.

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Lidos de uma perspectiva crítica, ambos os signos são indícios de uma relação de dominação que ultrapassa o estilo e a ficção. Outro elemento presente também em ambos os casos é o que Brooks denomina de “text of muteness”, tanto na incomunicabilidade de Dreyfus traduzida por Zola, como na fragilidade da voz de Lucie, característica repetida inúmeras vezes por Cunha Mendes. Na mudez, ou na ausência de possibilidade de expressão, figuram novamente os dois personagens vitimados, o judeu e a mulher. É ainda no recontar das duas história, recriadas em J’accuse e no Discurso, que se pode perceber um itinerário característico do estilo melodramático: o percurso do reconhecimento de uma suposta vítima inocente. Diferentemente da personalidade revelada no contexto trágico, com é o caso clássico em Édipo, no melodrama o percurso de revelação caminha em direção ao reconhecimento do signo da virtude e da inocência, a partir de uma situação imposta por um traidor ou inimigo durante o correr da peça ou do romance. Por fim, uma última característica, desta vez somente afeita ao contexto nacional, deve ser distinguida. Diz respeito a um certo tom bacharelesco na escrita de Cunha Mendes. Aqui, é interessante notar a distinção de contextos: enquanto Zola se aproxima das massas ao falar num estilo simplificado e compartilhado, a escrita de Cunha Mendes parece exercer um efeito oposto, distingue-se de um falar compreensível a muitos para se ater a uma forma rebuscada e, desta forma, diferenciada. Talvez na esteira da “praga do bacharelismo” da qual fala Sérgio Buarque de Holanda. Resta ainda acrescentar o caráter limiar deste trabalho, no sentido de se voltar para um universo que está sempre a dialogar entre literatura e política, escritor e jornalista, estilo e gênero e, no seu próprio objeto de estudo, entre a vida corrente e o impulso para a ficcionalização.

ANÁLISE DO BILINGÜISMO NA ESCRITA EM LÍNGUA PORTUGU ESA DE SOCIEDADES INDÍGENAS KAINGANG

Moana de Lima e Silva (UNICAMP)

Os povos indígenas têm sido, desde a chegada dos colonizadores europeus, vítimas de preconceito. Suas características são ignoradas e eles são tratados como se todos os povos falassem a mesma língua, partilhassem as mesmas experiências históricas, enfim, como se houvesse uma única “cultura indígena”. Temos hoje no Brasil cerca de 227 povos indígenas, falando 180 línguas diferentes, vivendo nas mais diversas regiões do nosso país. Mas, mesmo apresentando números que a primeira vista nos impressionam, certamente são números bastante reduzidos se comparado à época da chegada dos portugueses. Como estes povos indígenas representam cerca de 0,2% da população total brasileira (portanto, uma minoria social), eles ficam à margem de direitos fundamentais a todos os cidadãos e de seus direitos específicos, previstos na constituição. A idéia de Brasil como país monolingüe ainda é extremamente veiculada, seja pela escola, seja pelas instituições sociais, políticas ou religiosas, seja pela mídia. A aceitação de um Brasil monolingüe gera um grave problema, “pois na medida em que não se reconhecem os problemas de comunicação entre falantes de diferentes variedades da língua, nada se faz também para resolvê-los” (Bortoni-Ricardo, 1984, p. 9). Por fim, não são consideradas todas as variantes lingüísticas do português, sejam regionais ou sociais. Ainda dá status falar “corretamente”, na idéia ingênua de que a língua dita culta é uma ponte para a ascensão social. Essa variante padrão, no entanto, é reservada a uma pequena parte da população brasileira (a mesma que detém o poder econômico e político). Não é difícil perceber que o modo de falar “correto” é aquele dessa elite e que o modo “errado” é vinculado a grupos de desprestígio social. No Brasil do século XVI o número de povos indígenas seguramente passava de mil (cf. Rodrigues, 1993), cada qual com sua cultura, costumes, crenças, tradições e, principalmente, sua língua própria. O processo de invasão, ocupação e colonização que começou naquele século trouxe-lhes, além de toda violência e destruição física, uma grande carga de imposição cultural e lingüística. A imposição da Língua Portuguesa, no início minoritária, viria e ser um dos elementos da nacionalidade. A partir do século XVIII, com a crescente hegemonia da língua dos colonizadores, reduziu-se drasticamente a pluralidade ou diversidade lingüística no país, marcando a obrigatoriedade do uso da língua oficial, o Português (Teve papel importante nesse processo o Diretório Pombalino - 1757).Os Kaingang, por questões históricas de dominação e inserção em uma sociedade dominante, são um povo que se apoderou da Língua Portuguesa, tanto na oralidade quanto na escrita, fazendo uso desta em vários contextos. Em algumas comunidades esse processo tem mais de século, enquanto em outras não chega a cinqüenta anos. Embora dominando a língua oficial de nosso de país, o uso da língua materna em contexto escolar e doméstico é relevante, pois para essa sociedade a Língua Kaingang foi definida como um dos marcadores de sua identidade étnica. Visto que há um uso de duas línguas nas mesmas comunidades – no caso, os Kaingang falam sua língua materna e a Língua Portuguesa –, estamos diante de uma situação que caracteriza o que se convencionou chamar de Bilingüismo. Pelo uso relevante que a língua portuguesa também tem na vida desse povo, inclusive na escrita, podemos classificar os Kaingang como um povo bilíngüe (D’Angelis, 2002, também caracteriza os Kaingang como um povo ‘letrado’). No intuito de tentar compreender esse processo de bilingüismo vivido pelos Kaingang, o presente trabalho volta-se para as situações de contato interétnico e de uso do Português por falantes nativos de língua Kaingang. Com isso, visa contribuir – fornecendo subsídios, tanto no plano teórico quanto social – para a valorização e o fortalecimento da língua Kaingang, e ao reconhecimento da variedade de língua Portuguesa falada e escrita nas comunidades dessa sociedade indígena do Sul do Brasil.

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CRIME, PECADO OU CASTIGO? UMA ANÁLISE DOS DISCURSOS SOBRE O SUICÍDIO QUE CIRCULAM NO ORKUT

Monica Vasconcellos Cruvinel (UNICAMP)

O Orkut é uma plataforma de administração de comunidades virtuais. Um site de relacionamentos criado em 2004, pelo analista de sistemas da Google, Orkut Buyukkokten. Uma cidade virtual estruturada a partir de uma concepção norte americana de vida urbana, onde o lema é conectar-se a uma rede de amigos e ampliar cada vez mais esta rede através de interações rápidas, com padrões de sociabilidade que nos remetem aos encontros em locais públicos. Para participar desta Cidade Azul, basta acessar a página inicial do site, que disponibiliza uma entrada para novos membros, criar um perfil, associar-se a algumas comunidades, adicionar amigos e depois... “bisbilhotar” a vida e a morte alheia. Um espaço arquitetonicamente construído para olhar, vigiar, observar e controlar. Um dispositivo tecnológico “panóptico”, com a diferença de que todos os usuários, ao mesmo tempo em que vigiam, são também vigiados por todos. Atualmente, 51,19% dos usuários do Orkut são brasileiros, seguidos pelos americanos com 17,49% e pelos indianos com 17,38%. Com 58.400 membros, a comunidade “Profiles de Gente Morta” está entre as comunidades mais visitadas do site. Criada em dezembro de 2004 por um brasileiro; seu objetivo é pesquisar na rede pessoas que já morreram e que possuem profiles ativos. Os membros da comunidade postam tópicos indicando endereços de perfis de pessoas mortas (descobertos através de obtuários, reportagens e/ou informações de conhecidos das pessoas que morreram) e, a partir daí, iniciam um verdadeiro trabalho de investigação: partem em busca dos scraps postados pelos falecidos nas comunidades as quais pertenciam e nos murais de recados de sua rede de relacionamentos. É uma caça por rastros virtuais que esta pessoa deixou antes de morrer, indícios que podem revelar o percurso do discurso deste sujeito no período curto que antecedeu sua morte. O objetivo deste trabalho é analisar, na Profiles de Gente Morta, os enunciados que alguns membros da comunidade postaram em dois tópicos que tinham como tema o suicídio. Debruçar-se sobre os dizeres desses jovens, nos espaços virtuais da internet, pode revelar muito do que já foi dito sobre o suicídio ao longo da história do Ocidente e como este dito se repete e se atualiza nas vozes desses internautas. É possível, através da análise destes acontecimentos enunciativos, verificar que memória discursiva é colocada em funcionamento nos discursos proferidos sobre a morte voluntária no Orkut e que outras discursividades emergem no momento da enunciação. Pretende-se identificar que outras vozes e que outros discursos falam (antes e alhures) nos enunciados que aparecem nas discussões sobre o suicídio na comunidade Profiles de Gente Morta, utilizando-se como ferramentas de análise os conceitos de memória discursiva e dialogia. Considerando-se que o suicídio é um fenômeno multi-determinado por aspectos biológicos, psicológicos, sociais, históricos e culturais, a análise discursiva de uma amostra dos discursos que circulam sobre o suicídio nos espaços virtuais da internet, contribui para as pesquisas sobre o tema em outras áreas do saber e nos mostra que há diferenças entre o que é dito e o que é silenciado nas esferas do “real” e do “virtual”.

ASPECTOS FONOLÓGICOS DA LÍNGUA TAPAJÚNA-GORONÃ

Nayara da Silva Camargo (UNICAMP)

Segundo Monte (2000, p. 183), cerca de 400 línguas indígenas são faladas na América Latina, destas aproximadamente 50% são faladas no Brasil, principalmente na região Amazônica, que apresenta uma grande diversidade lingüística. Apesar desta diversidade, as línguas apresentam uma distribuição de poucos falantes por língua, definindo, assim, a situação de minoria lingüística de muitos povos. A preocupação com a perda da diversidade lingüística e com o processo de descaracterização cultural reflete-se nos estudos de documentação e descrição deste patrimônio feito por lingüistas e recentemente pelos próprios índios, que passam a tomar consciência de sua importância no cenário cultural e social brasileiro. Por este motivo é imprescindível um trabalho de descrição dessas línguas, pois a diversidade lingüística presente em nosso país corre o risco de desaparecer sem deixar documentos e informações ricas para o mundo acadêmico. A língua Tapajúna-Goronã faz parte do tronco lingüístico Macro Jê, da família Jê, juntamente com a línguas: Suyá, Mebengokrê (mais conhecida como Kayapó), Timbira, Panará, Apinajé, Xokléng. É falada, atualmente, apenas na aldeia Metyktire pelos índios Tapajúna-Goronã, esta aldeia localiza-se ao Norte do Mato Grosso, sendo fronteiriça com o estado do Pará. A língua é considerada, por alguns estudiosos, como um dialeto do Suyá ou até mesmo uma forma mais antiga da língua supracitada, que por sua vez, também, faz parte da família Jê pertencente ao tronco Macro-Jê, a qual foi estudada por Santos (1998). Existem alguns estudos esparsos sobre o Tapajúna-Goronã como o de Santos (1994), já citado, em que se verifica um breve estudo da fonologia da língua; o de Seki (1989), que apresenta um estudo diacrônico comparando dados da língua Tapajúna-Goronã com dados do Suyá aos do Proto Jê, reconstruídos por Davis (1966). Além de relatos históricos realizados por missionários em meados de 1967. Outros estudos existentes são: o artigo de Pereira, publicado na revista de antropologia entre 1967 e 1968, estudos realizados por Bossi (1863) que dizem respeito às tribos que se encontram no Mato Grosso, Segeer (1980) realizou estudos sobre as sociedades tribais brasileiras, entre outros de cunho antropológico. A língua Tapajúna-Goronã não possui uma descrição de sua gramática, Santos (1994) iniciou o estudo nesta língua organizando

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alguns dados propondo hipóteses para um inventário fonético/fonológico tendo como material os dados coletados em suas pesquisas de campo. Todavia ele não continuou com os estudos na língua. Por este motivo temos como principal objetivo da pesquisa a descrição de aspectos da fonologia da língua Tapajúna-Goronã para que possamos contribuir para um entendimento mais detalhado sobre a fonologia da língua o que irá oferecer subsídios para a classificação da língua dentro do tronco lingüístico Jê, além de permitir estudos mais seguros sobre o funcionamento interno das estruturas gramaticais da língua, tais como aspectos morfológicos, sintáticos e pragmáticos. A pesquisa insere-se na área de estudo de línguas indígenas, mas especificamente na análise, descrição e documentação das línguas naturais e apresenta a metodologia a ser seguida no trabalho de campo e as orientações teóricas que serão utilizadas na análise e interpretação dos dados coletados, objetivando o máximo rigor com a especificação de cada etapa para que haja consistência na análise dos dados coletados. Portanto, verifica-se que a pesquisa realizada com a língua Tapajúna-Goronã é necessária para que possamos descrever e documentar a língua tendo assim um melhor entendimento da grande diversidade lingüística e cultural presentes no Brasil, além disso, vemos que o estudo da fonologia de uma língua é primordial para uma seqüência de pesquisa da gramática de qualquer língua, pois proporciona subsídios para a realização de estudos mais abrangentes, no que diz respeito à fonética-fonologia, morfologia, sintaxe, semântica, pragmática.

REPRESENTAÇÕES DE IDENTIDADES DE GÊNERO NOS DISCURSOS DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO INFANTIL

Nilsandra Castro (UNICAMP)

O presente trabalho tem por objetivo entender como são representadas, nos discursos de um grupo de professores e professoras de Educação Infantil da rede pública do interior do Estado de São Paulo, as identidades de gênero. Mais especificamente, interessa examinar as relações entre as identidades de gênero e identidades profissionais e as identidades de gênero e as práticas pedagógicas estabelecidas pelos sujeitos de pesquisa. A pesquisa em questão é de base qualitativa, interpretativista e se insere no campo dos estudos da Lingüística Aplicada. A geração dos registros foi dividida em duas fases. A primeira fase corresponde ao curso de formação de professoras de Educação Infantil que aconteceu no primeiro semestre de 2008. Mesmo a proposta do curso sendo a discussão a respeito de temas como gênero, identidade, representação e seus impactos no processo de ensino-aprendizagem na primeira infância, não havia na turma nenhum professor, apenas professoras. A segunda fase compreende a ida a algumas escolas de educação infantil a fim de entrevistar professoras que participaram do curso e discutiram a questão do gênero em seus trabalhos finais de curso. Além disso, pretende-se também entrevistar os profissionais do sexo masculino que trabalham nas mesmas unidades escolares com o objetivo de identificar o modo como percebem sua própria entrada/permanência nessas escolas. Assim, a fim de que possa ser feita a triangulação dos dados, nosso corpus será composto de registros de diversas naturezas: gravações em áudio das aulas no curso de especialização; questionários respondidos pelas professoras; diversos textos, inclusive os trabalhos de final de curso produzidos pelas professoras, entrevistas, anotações em diário de campo. Nossa pesquisa está ligada aos Estudos Culturais cujas reflexões auxiliam na compreensão das representações das identidades de gênero no espaço escolar. Valemo-nos, mais especificamente, da noção de “crise de identidade” na pós-modernidade (Hall, 1997). Ainda nos valemos dos PCNs, principalmente no que esse documento afirma sobre os temas transversais, para que possamos entender a necessidade da chegada desses conceitos às escolas. Em análise preliminar dos dados gerados até o momento, pudemos notar que há um amadurecimento teórico das professoras, sujeitos de pesquisa, em relação à questão do gênero. No entanto, notamos também que seus discursos sobre essa questão, por mais esclarecidos que pareçam ser, são, por vezes, contraditórios: embora não desejem mais ser vistas como “boas mãezinhas”, e sim serem reconhecidas como profissionais da educação, a chegada do profissional do sexo masculino à Educação Infantil faz com que essas professoras enfrentem conflitos identitários. De certo modo, elas percebem a entrada do homem em seu ambiente de trabalho como um fator que irá, por um lado, valorizar essa profissão e ajudá-las a ter o devido reconhecimento diante da sociedade no que diz respeito à questão salarial. Por outro lado, muitas delas não se sentem confortáveis com a presença masculina, pois o homem não teria o “cuidado” necessário para lidar com uma criança pequena. Mas, se esse temor transparece nos discursos das professoras, eles também revelam, contraditoriamente, uma outra representação: a de que a presença masculina na Educação Infantil é necessária nessa fase de vida das crianças, pois ela “impõe firmeza“ e remete à “figura paterna”. Enfim, podemos perceber, nesse cenário, o modo como novas identidades são constantemente desafiadas, reconstruídas. A expectativa é que essa investigação contribuirá para aumentar nossa compreensão acerca do modo como às questões relativas a gênero afetam o ensino realizado na primeira infância.

ALFABETIZAÇÃO DE CRIANÇAS COREANAS: O USO DA ESCRITA ESPONTÂNEA EM PORTUGUÊS – LÍNGUA ESTRANGEIRA

Noemia Fumi Sakaguchi (UNICAMP)

Visamos à apresentação de algumas reflexões sobre nosso trabalho de alfabetização em português de crianças coreanas conduzido no transcorrer do ano letivo de 2007. A alfabetização de crianças estrangeiras, em geral, é um tema que vem sendo negligenciado e “contornado” com o ensino informal, por professores particulares que, na falta de

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alternativas no mercado, recorrem ao uso do tradicional ‘método da cartilha’. Este era o caso de nossos alunos coreanos, que, além das referidas aulas particulares, freqüentavam nossas aulas de apoio, oferecidas pela escola em que estudavam, como parte de sua política lingüística. Imediatamente após a chegada ao Brasil, foram submetidos à “alfabetização cartilhesca”, em outras palavras, o contato imediato com a língua portuguesa (doravante LP) é sob a forma de cópias de palavras aleatórias e sob a orientação de “decorá-las” – justificada pela exigência da “escrita perfeita”, o que é uma brutalidade. Procedimentos como estes justificam o “medo de escrever” e a aversão à escrita fortemente presente nesses alunos. Além disso, sua concepção de escrita com o alfabeto latino consistia essencialmente na cópia passiva, ou seja, sem atribuição de significado à mesma, fato que os caracterizava como “alunos copiadores”. Estes alunos, assim como muitas outras crianças estrangeiras – e brasileiras –, sofrem as conseqüências da problemática gerada pelo uso exclusivo das cartilhas no processo de alfabetização. Nosso propósito maior era, portanto, reverter esta situação, alterando a relação das crianças coreanas com a escrita, transformando-os em sujeitos que refletem e atuam sobre o objeto lingüístico, capazes, assim, de atribuir uma função social à sua escrita. Para isto, propomos o uso da escrita espontânea (Ferreiro, Teberosky, 1985) em atividades norteadas pelo “alfabetizar letrando” (Soares, 2006), ponderando, portanto, a complexidade do contexto no qual se enquadravam os alunos. A diferença do contexto de alfabetização não pode ser descartada. O aluno estrangeiro se encontra em desvantagem por não possuir o domínio oral da LP, que lhe permitiria tomar este conhecimento como ponto de referência para elaborar hipóteses sobre a escrita em L2 (Cf. Abaurre, 1986). Ademais, paralelamente ao processo de alfabetização, os alunos se vêem diante de compromissos escolares – que certamente envolvem a escrita –, bem como da tarefa – não menos árdua – de adquirir a língua oral em português para funções comunicativas interpessoais exigidas no contexto escolar. Por conseguinte, estão sempre defasados frente aos demais alunos, fato que também reforça o sentimento de “incapacidade” já imbuído pelo ‘método da cartilha’. Ademais, sabemos que qualquer contexto que envolva alunos estrangeiros infere uma intricada combinação de backgrounds lingüísticos, educacionais, sociais e culturais, por vezes, distintos aos nossos. Acreditamos que a contribuição deste estudo de caso ao campo da Lingüística Aplicada está em oferecer algumas reflexões teóricas e práticas sobre este contexto de alfabetização tão delicado, que, se ignorado, pode acarretar em conseqüências desastrosas para a formação escolar e psicológica dessas crianças coreanas (e estrangeiras de modo geral). Ainda que não seja esta uma solução definitiva para a questão, acreditamos ter obtido alguns resultados bastante expressivos que, combinados à metodologia de análise orientada pelo paradigma indiciário de investigação (Cf. Abaurre, Fiad, Mayrink-Sabinson, 1997), mostraram-se reveladores de inúmeros aspectos que, certamente, não seriam obtidos por meio do uso de cartilhas.

DA PRESENÇA DOS ROMANCES EM FORTALEZA DO OITOCENTOS : CIRCULAÇÃO, COMÉRCIO E SINTONIA

Ozângela de Arruda Silva (UNICAMP)

Pretendemos examinar a circulação e venda de romances em Fortaleza a partir da observação do comércio livreiro, analisando, sobretudo, as atividades desenvolvidas pelos livreiros Joaquim José de Oliveira e Gualter Rodrigues Silva, comerciantes de livros com maior atividade na segunda metade do século. A pesquisa tenta destacar os seguintes aspectos: a) análise dos inventários dos livreiros, observando o balanço das livrarias e os títulos de prosa ficcional à venda no final do XIX b) verificação das listas de livros publicadas nos anúncios dos jornais cearenses visando identificar os romances em circulação nas décadas de 1870 a 1890 c) mapeamento dos autores e títulos de prosa ficcional que circularam em Fortaleza entre as décadas de 1870 a 1890. Procuramos observar os lugares de venda de livros, os livreiros, suas atividades e o contato com as obras. Para isso, é necessário também entender a cidade e suas transformações no decorrer das últimas décadas do oitocentos e as relações da sociedade com o gênero naquele período. Como se sabe, o século XIX, principalmente a segunda metade, está marcado pelas grandes transformações que aceleraram o cotidiano das cidades. Um agrupamento de fatores, dentre eles o crescimento urbano-comercial atrelado ao novo momento do capitalismo promoveu, entre outras coisas, uma expansão do processo de integração mundial por meio do desenvolvimento de novas técnicas. Entre as décadas de 1840 a 1870 as mais remotas partes do mundo estavam interligadas pela chamada tríade dos meios de comunicação: navio a vapor, telégrafo e estradas de ferro. As transformações, advindas da expansão do comércio e dos meios de comunicação, alargavam a possibilidade de circulação de livros. Tais mudanças se atrelavam a um crescimento demográfico, a emergência da classe média e a formação de um grupo de trabalhadores urbanos, consequentemente esse novo cenário estabelecia um aumento no percentual de pessoas com um maior perfil de consumo e um desenvolvimento nas relações de instrução e alfabetização, acarretadas pelos ideais de civilidade e modernidade. Mesmo atingindo diversas áreas de maneira desigual, tal processo facilitou o escoamento de mercadorias pelo mundo. Juntamente às remessas de mercadorias, os livros, enquanto objetos comerciais, passaram a escoar de forma mais rápida e em maior quantidade. Outro fator fundamental para o alargamento da circulação de livros foi o processo de popularização da leitura que, ao longo do XIX, por meio de técnicas de barateamento na produção das obras e atrelado ao contexto comercial do período expandiu a publicação de um maior número de edições de baixo custo. O alargamento na produção e circulação das obras, com maior intensidade nas três últimas décadas do século, apresentava novas possibilidades aos livreiros e aos leitores. É interessante considerar que os romances tiveram grande repercussão no país na década de 1870. É o momento de grande divulgação e expansão do gênero no Brasil. Não foi diferente em Fortaleza. Percebemos que a aparição constante dos títulos de romances nas seções dos jornais sinaliza para uma aceitação do público e/ou uma

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preocupação dos redatores em informar a seus leitores sobre as novidades publicadas para além da província. As indicações de leituras de prosa ficcional poderiam ser encontradas com facilidade em algumas seções dos jornais: tanto nas páginas do noticiário, quanto nas grandes listas de livros veiculadas na seção de anúncios. Os livreiros, manuseando suas várias estratégias comercias, utilizavam os jornais como uma espécie de catálogo para a exposição e venda de livros, e, com maior freqüência, preferiam dar destaque aos romances. Além disso, a interação com livreiros do Rio de Janeiro e da Europa propiciavam uma sintonia de vendas. As mudanças obtidas pelo novo momento das comunicações facilitavam o acesso às obras e tornavam o comércio das letras mais dinâmico. Os leitores e compradores de livros de Fortaleza podiam ter acesso aos últimos lançamentos publicados no Rio de Janeiro e na Europa, devido à interação mantida por livreiros locais com vendedores de livros e editores de outras regiões, demonstrando a conexão existente entre a capital do país e as províncias. Nesse contexto, circularam muitos títulos de Enrique Perez Escrich, Paul de Kock, Eugenie Sue, Ponson du Terrail, Verne e Zola, além de Camilo Castelo Branco, Julio Diniz, Alencar, Macedo e etc, alguns bastante conhecidos na atualidade e outros esquecidos no decorrer das décadas. O mapeamento da circulação dos romances possibilita mostrar um leque de obras que estavam disponíveis ao mercado consumidor/leitor do período. Fica evidente que as obras dispostas não equivalem às obras compradas/consumidas, mas nos apresentam a exigência do consumidor/leitor, já que os livreiros, por atuarem como comerciantes, estavam atentos ao lucro apostando em obras que possuíam saída e conseqüente ganho para seus estabelecimentos. Assim, a observação do escoamento dos romances na cidade, por meio das livrarias, propicia-nos perceber as ofertas a partir das quais os leitores oitocentistas poderiam fazer suas escolhas.

“SUJEITO, LINGUAGEM E ESCRITO: UM ESTUDO NEUROLINGU ÍSTICO”

Paloma Rocha Navarro (UNICAMP)

A presente pesquisa é realizada a partir do estudo de caso de dois garotos, MO de 18 anos e DC de 16 anos, ambos encaminhados pela mesma professora para o Laboratório de Neurolingüística (LABONE/IEL/UNICAMP). MO foi encaminhado com a queixa de que não saber ler e nem escrever; e DC foi encaminhado porque seus professores pensavam que ele tinha problemas auditivos, já que dormia muito e não falava nada na escola. Desde fevereiro de 2007 MO está em atendimento fonoaudiológico e psicológico, semanais e individuais. O foco do primeiro atendimento são questões lingüísticas e fonoaudiológicas envolvidas no estado atual desse processo que incidem na relação do sujeito com a fala, linguagem e o escrito, com vistas a sua evolução; o foco do segundo são questões do sujeito com escrito que indiquem caminhos de sua inscrição no simbólico. MO desistiu do acompanhamento em maio de 2008, pois havia entrado em um curso técnico de informática e não podia faltar para vir à UNICAMP. Esse curso, segundo ele e a avó, é diário e ocorre durante o dia, sendo que continuaria freqüentando, por um lado, a escola no período noturno e, por outro, MO o curso de informática, que lhe dá oportunidade de lidar diretamente com a leitura/escrita. DC está em atendimento fonoaudiológico desde março de 2008 sendo que foi atendido pela fonoaudióloga Isb durante o primeiro semestre, que começou trabalhando a leitura e escrita pelo sentido que essa faz para ele diante de todos os problemas familiares que DC enfrenta em sua casa, procedimento que tem dado certo. O que se pode perceber é que ele lê e escreve as palavras com mais facilidade, mas não compreende o conteúdo do que lê. Falta-lhe do signo lingüístico a face do significado, o que corresponde à matriz semântica (Luria, 1995) a partir da qual compreendemos palavras, sentenças, textos e o próprio mundo. Essa pesquisa está baseada no quadro teórico da Neurolingüística Discursiva, desenvolvida no Instituto de Estudos da Linguagem, comprometida com a visão sócio-histórica de linguagem (Franchi, 1977) e compatível com a teorização sobre cérebro proposta por (Luria, 1981; 1979) em seus estudos sobre afasia. Este projeto também se compromete a desenvolver uma análise crítica da visão de linguagem como um código e à hegemonia da função de comunicação em detrimento de outras, imbricadas no funcionamento da linguagem, como mostra Jakobson (1972). Os objetivos da pesquisa são: (i) o estudo de questões que envolvem o processo de aquisição e uso da leitura/escrita junto aos sujeitos; (ii) compreender a relação de MO e de DC com a fala, o exercício da linguagem e o escrito/lido com base na sua história de vida, e escolar, para conduzir o acompanhamento longitudinal fonoaudiológico – material de análise desta pesquisa. Para tanto, são realizadas comparações entre seus escritos na escola (material escaneado de cadernos escolares) e seus escritos em sessões fonoaudiológicas individuais (material transcrito e escaneado) com a finalidade de mostrar o estado e o andamento do processo de aquisição e uso da leitura/escrita, com suas especificidades próprias da relação que estabeleceram com a linguagem (fala e escrita/leitura) e com a que podem vir a (re)estabelecer, dado o cuidado terapêutico a eles dedicado. Assim como milhares de crianças e adolescentes, MO e DC são vítimas do ensino no Brasil, em que a escola trata seus alunos como se todos fossem iguais, ou seja, o aluno é visto como padrão, um igual a todos os outros, mesmo que diferente. A escola supõe uma prática pautada na repetição, memorização de itens, cópia, ditados, supervalorização da ortografia e dos erros. Essa pesquisa, portanto, por assumir uma visão de linguagem e cérebro diferente da tradicionalmente aceita pela escola e pelos diferentes profissionais da saúde (médicos, psicólogos, fonoaudiólogos, etc) - em que sempre que a criança apresenta qualquer dificuldade para aprender, tais profissionais julgam que o problema está na criança e nas suas famílias, isto é, ela apresenta algum problema físico e/ou mental que acarretaria no fracasso escolar – é de extrema importância para demonstrar que a partir da visão lingüística no modo de conceber o processo de aquisição da

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escrita, do que decorre a posição que se tem a respeito da relação normal/patológico, é possível “(...) voltar à atenção aos sujeitos reais e suas histórias individuais de relação com a linguagem, isto é, passam a interessar os indivíduos que preenchem esses papéis discursivos, em situações de interlocução historicamente situadas" (Abaurre & Coudry, a sair). Será possível também mostrar aos profissionais da saúde e professores uma nova direção na tentativa de conhecer esses sujeitos mais profundamente na tentativa de (re)interpretar dados antes vistos como “erros” como hipóteses e relações que a criança/jovem elabora sobre a escrita.

A REVISTA DO CENTRO DE CIÊNCIAS, LETRAS E ARTES DE CAMPINAS

Patrícia Michele Gomes (UNICAMP)

O primeiro contato com a Revista do Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas deu-se em 2001. Neste momento, nosso objetivo era familiarizar-se com a publicação campineira e assim o fizemos através da bibliografia existente acerca deste periódico e da elaboração de um índice geral classificatório por assunto. As leituras nos possibilitaram compreender sua função e gênese: a Revista do Centro fora publicado pela primeira vez em outubro de 1902, com o propósito de exteriorizar, em suas páginas, a atmosfera científica, intelectual e artística do Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas (CCLA). Após sete décadas de publicações, seu último número vem a lume em 31 de outubro de 1976, perfazendo-se, assim, uma coleção de sessenta e seis números. O longo período de publicação e as transformações enfrentadas pelo Centro encarregam-se de infligir drásticas modificações ao periódico: a periodicidade trimensal fora respeitada, não sem falhas, até o 1916, a partir desta data, a publicação enfrentará longos períodos de suspensão; a Revista, que surge com um montante de cento e quarenta e oito páginas, a partir do número vinte e quatro, apresentará acentuadas oscilações e alterações em sua extensão. A classificação metódica e completa da Revista nos permitiu um olhar sistematizado para o seu conteúdo, habilitando a identificação das produções significativas. Para conhecer o periódico, buscar seu perfil e delimitar o objetivo de suas publicações, reconheceríamos que era imprescindível detalhar o que era veiculado pela Revista e é neste trabalho de conhecimento mais significativo que este estudo tem sua finalidade. Todavia, um estudo que abarcasse a completa coleção da Revista era inviável por sua extensão e irregularidade. Era, assim, necessário delimitar um período para o estudo e assim o fizemos: o presente trabalho contempla a Revista do Centro desde sua fundação (1902) até sua primeira grande interrupção, ocorrida em 1916. Buscando detalhar os quarenta e cinco números iniciais do periódico campineiro, absorvemos destes e encontramos uma revista que se destinava às sínteses de estudos, discussões e palestras referentes às letras, às ciências e às artes, mas que também veiculava uma produção institucional, tais como atas, listas de sócios, periódicos recebidos pela agremiação, discursos e relatórios informantes da atividade do instituto. Mediante a esta disposição, um caminho para o estudo da Revista do Centro nos pareceu claro: para compreendermos o que os redatores (sócios do Centro de Ciências) entendiam como ciências, letras e artes, era necessário nos debruçarmos sobre as matérias destinadas a tais campos, todavia para conhecermos este periódico, bem como sua instituição (ou a representação que dela se fazia), era necessário trabalharmos com os relatórios, com os discursos proferidos nas sessões do Centro e transcritos para a Revista e com as demais produções que nos possibilitassem este conhecimento. Seguindo esta divisão, lançamos-nos à leitura de relatórios e discursos, que dividimos, a priori, em dois pólos conteudísticos: ora os discursos se destinavam a louvar o próprio Centro de Ciências e, em especial, eram proferidos no natalício de sua fundação, ora se detinham no elogio de personalidades, qualificadas como egrégias, que de alguma maneira tinham suas vidas atreladas à agremiação e/ou à cidade de Campinas. Ao elogiarem a agremiação, relatórios e discursos nos possibilitam conhecer as representações construídas acerca da cidade de Campinas, do Centro de Ciências, de sócios fundadores e mantenedores que o tornaram possível, bem como da Revista da agremiação. Quando os discursos destinam-se a louvar personalidades ilustres, conhecemos quem são os homens elogiados e por que o são, quais os atributos que estes apresentam que os tornam merecedores de louvor na Revista do Centro e os constituem-se em exemplos a serem seguidos. O trabalho fora dividido, então, em três segmentos. O primeiro busca analisar as representações construídas do Centro de Ciências e de seus segmentos; para isso utilizamos os conceitos de Roger Chartier (1990), para quem as representações são entendidas como classificações e divisões que organizam a apreensão do mundo social como categorias de percepção do real. O segundo objetiva trabalhar com a retórica exemplar dos discursos epidíticos presentes na Revista; o estudo desses textos fora realizado à luz da Retórica de Aristóteles e das considerações de Olivier Reboul (1998). Definidas as bases teóricas, passamos a esquadrinhar nos discursos e nas biografias as virtudes que compunham os elogiados e vimos surgir das páginas da Revista um homem exemplar, o egrégio que se faz modelo e deve ser seguido. O terceiro destina-se às produções científicas, literárias e artísticas para compreender o que a Revista do Centro, imersa em uma atmosfera de forte apelo cientificista, entendia e veiculava por ciências, letras e artes.

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PROJETO CENÁRIO XXI NO JORNAL CORREIO POPULAR. ANÁLISE DA DIVULGAÇÃO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA PARA CAMPINAS E REGIÃO.

Patrícia Nunes da Silva Mariuzzo (UNICAMP)

Esta pesquisa pretende fazer um estudo de divulgação científica e das relações da ciência com a sociedade por meio de um estudo de caso: o projeto Cenário XXI, Conhecimento, Tecnologia e Inovação. Este projeto inaugurou no ano de 2003, no jornal Correio Popular, de Campinas, a publicação sistemática de temas relacionados à ciência, tecnologia e inovação. A intenção é investigar se este projeto seria um exemplo das novas dimensões que se configuram nas relações entre ciência, mídia e sociedade. Nestas novas redes, a ciência não pode sobreviver isolada de outras esferas da sociedade, ao contrário, muito além do trabalho do cientista, vários atores, entre eles, o governo, instituições científicas, organizações não governamentais e também a mídia, entram no processo de fazer ciência. Em primeiro lugar a pesquisa buscará entender as motivações para criação e implantação do projeto Cenário XXI em 2003. Em seguida tentaremos analisar as razões porque o projeto não se sustentou em seus moldes iniciais: cadernos especiais aos domingos. Quais as principais dificuldades, qual a influência no formato do projeto, da dificuldade de prospectar patrocínio para o projeto? Acreditamos ainda ser importante detectar a importância do projeto dentro das instituições sócias da Fundação Fórum Campinas, parceira da RAC no projeto Cenário XXI e que foram tema dos doze cadernos especiais publicados pelo Correio Popular ao longo de 2003. As instituições a serem trabalhadas são: Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP; Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUC-Campinas; Instituto de Zootecnia - IZ; Instituto de Tecnologia de Alimentos - ITAL; Instituto Biológico - IB; Instituto Agronômico de Campinas - IAC; Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA; Coordenadoria de Assistência Técnica Integral - CATI; Centro de Pesquisas Renato Archer - CenPRA; Centro de Pesquisas e Desenvolvimento em Telecomunicações – CPqD e Laboratório Nacional de Luz Síncrotron - LNLS. Finalmente tentaremos entender como o projeto migrou de seu formato original para o formato atual, isto é, uma página por semana, publicada às sextas feiras. Quais são os novos objetivos do projeto e por que, mesmo com o relativo fracasso do projeto inicial, o jornal manteve a pauta de ciência e tecnologia no projeto editorial. Enquanto nos anos 1950 a divulgação de ciência era tarefa de uns poucos cientistas apaixonados pela divulgação de suas pesquisas ou de jornalistas que se identificavam com o tema e tentavam convencer seus editores a gastar tempo e dinheiro com isso, hoje é possível perceber uma necessidade intrínseca ou institucional de comunicar ciência. O Projeto Cenário XXI, Conhecimento, Tecnologia e Inovação pode ser um exemplo local, de uma transformação que está acontecendo mundialmente nas relações entre ciência, mídia e sociedade. Pode ser um indicador de estruturas e características mais gerais. Esperamos detectar se o Projeto Cenário XXI é, ou não, um exemplo das novas configurações da ciência, bem como identificar os atores chave da rede envolvida no fazer ciência: jornalistas científicos, cientistas, profissionais de marketing, instituições de ciência, assessorias de imprensa etc. Além da leitura de bibliografia específica, a pesquisa abrangerá entrevistas com os diversos atores envolvidos no projeto Cenário XXI: jornalistas, editores, profissionais da área de marketing do jornal, cientistas das instituições alvo da divulgação pelo jornal Correio Popular e ainda representantes da Fundação Fórum Campinas.

CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES PROFISSIONAIS DE PROFESSORES: IMPLICAÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS DE UMA PESQUISA TRANSDISCIPLINAR EM L A

Paula Baracat De Grande (UNICAMP)

Este trabalho pretende apresentar as linhas teórico-metodológicas de minha pesquisa de mestrado intitulada “Processos de formação da identidade profissional de professores em formação continuada”, iniciada em março de 2008, no programa de pós-graduação em Lingüística Aplicada (IEL-UNICAMP), orientada pela Profa. Dra. Angela Kleiman. O objetivo geral da pesquisa é analisar o processo de construção identitária do professor com base em suas filiações teóricas, tal qual evidenciadas nas interações em aula entre formadores e professores alfabetizadores, durante um curso de formação continuada. Com a pesquisa, pretendo contribuir para os estudos sobre as identidades profissionais dos professores e para a reflexão sobre sua formação, principalmente a continuada. O corpus da pesquisa - composto por gravações e transcrições de aulas, textos de formadores e professores e anotações de diário de campo - foi gerado em um curso de formação continuada em que realizei observação participante de junho a novembro de 2006, na Unicamp. Este também é composto por entrevistas realizadas posteriormente com alguns professores alfabetizadores participantes do curso. O conceito de identidade que informa essa pesquisa é tomado a partir de Hall (1998), o qual afirma que as identidades na modernidade tardia – ou pós-modernidade – estão sendo “descentradas” (deslocadas ou fragmentadas). Hall defende que não há mais uma identidade fixa e, assim, prefere falar em processos de identificação, pois a multiplicação dos sistemas de significação e representação cultural possibilita múltiplas identidades. A partir do conceito de identidades múltiplas, considero-as um construto dinâmico que são construídas e reconstruídas nas interações (Antaki e Widdicombre, 1998; Kleiman, 1998; Moita Lopes, 1998). A identidade é considerada como o resultado de um esforço de co-construção conjunta entre os interlocutores (Mckinlay e Dunnet, 1998). Conforme apontam os estudos nas vertentes da sociolinguística interancional (Kleiman, 1998, p.271), considero também que as

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identidades são produções sociais nem inteiramente livres das relações de poder que se reproduzem nas microinterações, nem totalmente determinadas por estas relações por força do caráter construtivo, criador de nossos contextos de interação. Nas interações que serão analisadas, a orientação dos participantes para uma ou outra identidade – a deles e a dos outros – pode ser considerada uma ligação crucial entre a interação em ocasiões concretas e a ordem social circundante (Zimmerman, 1998, p.88). Outro referencial teórico importante é a perspectiva sócio-cultural dos Estudos do Letramento, que defende que as práticas de letramento (como as realizadas no curso de formação continuada observado) são constitutivas de identidades profissionais dos professores, pois diferentes formas de leitura e escrita que aprendemos e usamos estão associadas, entre outros fatores, a identidades e expectativas sociais acerca de modelos de ação e papéis que desempenhamos (Street, 2006). A terceira vertente teórica que informa este trabalho de pesquisa é a concepção de linguagem em seus usos reais como dialógica e interativa com base nos estudos do Círculo de Bakhtin. As relações dialógicas não podem ser restritas a idéia de diálogo face a face, pois todo enunciado é dialógico em seu interior, é constituído pelos discursos dos outros. Dessa forma, um enunciado é sempre uma resposta e, ao mesmo tempo, uma antecipação e uma demanda de uma resposta. A metodologia adotada nessa pesquisa se situa dentro do paradigma qualitativo de pesquisa (Densin e Lincoln, 2006; Mason, 1998; Moita Lopes, 1994). Inserida na perspectiva transdisciplinar da Lingüística Aplicada (Fabrício, 2006; Signorini e Cavalcanti, 1998), a metodologia traz implicações para a pesquisa e para o pesquisador, os quais serão discutidos neste trabalho, bem como outras implicações advindas do embasamento teórico na perspectiva sócio-cultural do letramento (Vóvio e Souza, 2005) e na abordagem sócio-histórica do Círculo de Bakhtin (Amorim, 2003).

PIERRE LOUŸS: O IDÍLIO DE UMA GRÉCIA SENSUALISTA

Paula Gomes Macário (UNICAMP) França, reta final do séc.XIX, período chamado de belle époque. O escritor Pierre Louÿs (1870 – 1925) tinha como particularidade de sua produção a freqüente abordagem temática da antiguidade grega. No que diz respeito à simbologia de seus mitos e também a sua sociedade – bem entendida como uma projeção histórica daquela civilização. Dois de seus mais conhecidos livros, o romance Aphrodite e o volume de poemas Les chansons de Bilitis, apresentam como protagonistas duas mulheres do antigo mundo grego. Duas devotas da deusa Afrodite. Duas cortesãs que representam em primeira instância ícones de beleza e sensualidade. Porém, mais do que isto, o que o escritor desejou foi construir duas peças lapidares e exemplares. Frutos de uma civilização idealizada como um território de liberalidade sexual e sublimidade estética. Tanto mais sublime quanto mais afastado da noção de pecado, advinda juntamente com o cristianismo, que subtrairia a beleza e o potencial artístico dos corpos e do ato amoroso. É esta a Grécia de Louÿs. E é esta sua maneira mais sutil e poética de afrontar a moralidade vigente em sua sociedade. O embate com o lado mais severo e puritano da tradição moral cristã é exercício constante deste escritor. Haja vista sua talvez menos conhecida obra de caráter obsceno em que ao lado de construções eróticas fortes e pouco convencionais, lê-se ataque frontal aos recalques e hipocrisias da moralidade. Produção de caráter bastante subversivo e escandaloso, especialmente vinda da parte de um esteta renomado e influente artista como foi Louÿs em seu período. Os especialistas Jean-Paul Goujon e Gordan Millan apontam sua relação literária com nomes como Mallarmé, Paul Valéry e Oscar Wilde. Leon Vallas tem um estudo de sua parceria com Debussy, da qual frutificaram as preciosas peças musicais chamadas homonimamente Les chansons de Bilitis. Trabalho pelo qual o escritor é freqüentemente, e não raro exclusivamente, lembrado. Pierre Louÿs não é, portanto, nem um esteta preciosista, nem um convencional pornógrafo. A alcunha de “intelectual provocador”, dada por Emmanuel Dazin, é a que talvez mais ricamente nos apresente o escritor. E o caráter mais marcante de seu ideário é o combate ao moralismo em nome de uma arte e uma existência mais belas, poéticas e hedonistas. Este posicionamento entre libertino e libertário ganha contornos especiais quando envolvido na atmosfera de sensibilidade e elegância que o autor consegue extrair de uma recriada antiguidade helênica. Assim, a referencia à divindade Afrodite – significante mais poderoso da naturalidade e da sacralidade que o escritor quer conceder ao sensualismo – aparece como inspiração do modo de vida das cortesãs antigas. Não um modo de vida depreciado pela mácula da prostituição, mas devotado à beleza e ao prazer, elementos sagrados naquele contexto. Mas Pierre Louÿs não atém suas criações a uma referência embalsamada. Reclama esta efígie da cortesã antiga para o comportamento da mulher de seu tempo e, sobretudo, a visualiza plenamente realizada em tempos vindouros. Não faltando ao idílio antigo um forte dado de modernidade, uma vez que seu ideal de um sexo encarado com mais naturalidade, principalmente para a mulher, tomaria corpo apenas em período bem posterior ao do escritor.

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HIPERTEXTO DIGITAL: UM GÊNERO DISCURSIVO NA FORMAÇÃO DE TÉCNICOS EM WEB DESIGN

Paula Renata Galli (UNICAMP)

Estamos convivendo com um renascimento dos cursos técnicos profissionalizantes tanto na rede Estadual de Ensino, como na Particular e, recentemente, na Rede Federal de Ensino, pela inclusão do curso profissionalizante nas Leis de Diretrizes e Bases. Dentro desta esfera de Educação nasce uma preocupação com a formação dos profissionais técnicos que trabalharão com linguagens e as novas tecnologias, no caso específico desta pesquisa, os profissionais técnicos em Web Design. O programa curricular do curso de Web Design mantém uma parte considerável de disciplinas específicas para a área, contra algumas poucas de ensino de língua, fato que não deveria ocorrer, uma vez que se trata de um curso que está vinculado à área de comunicação. Neste âmbito, a presente pesquisa de Mestrado tem como intenção analisar o uso da língua na produção e na leitura de websites produzidos por alunos de curso técnico de nível médio. Como esta pesquisa se insere na área de Lingüística Aplicada, buscou-se estruturar um arcabouço teórico que conciliasse pareceres das áreas de Tecnologia, de Educação, de Lingüística e de Semiótica, a fim de estruturar uma análise transdisciplinar do objeto da pesquisa, fundamentando as observações nas seguintes teorias e estudos: Teoria Semiótica da Hipermodalidade, Teoria Semiótica Social, estudos sobre o Hipertexto nas áreas da Computação, estudos sobre gênero discursivo e estudos sobre a língua como prática social . Dessa forma, o objeto de pesquisa — os websites produzidos pelos alunos do curso — foi analisado como Hipertexto Digital e este como gênero discursivo. O enfoque que direciona a investigação em relação à língua é a prática social, então a abordagem da produção e da leitura do gênero discursivo Hipertexto Digital é situada nas esferas de produção e de circulação. As questões da pesquisa são: Como é o sistema de escrita dos hipertextos digitais, tendo em vista que é uma atividade de comunicação? Quais elementos são priorizados e quais são menosprezados na produção? Por quê? Como são utilizados os recursos hipermídia na produção do sistema escrito, tendo como foco a comunicação? A metodologia utilizada é de cunho etnográfico, para a qual foram disponibilizados diferentes recursos de coleta de dados, tais como: gravação em áudio de conversas com os alunos e professores sobre a produção dos hipertextos, gravação em vídeo da apresentação dos hipertextos como trabalho de conclusão de curso, observações de aulas, análise de documentos (currículo do curso, programas das disciplinas e do curso, trabalho escrito da produção dos hipertextos) O contexto da pesquisa é constituído por um curso de três semestres, com início em agosto de 2006 e final em dezembro de 2007, uma turma de 30 alunos participantes, maioria adolescentes, em término de Ensino Médio, ou com esta etapa já concluída. Em novembro de 2007, os alunos apresentaram os hipertextos digitais produzidos como Trabalho de Conclusão de Curso. Há, neste momento da pesquisa, alguns resultados obtidos. Primeiramente, foram percebidas algumas divergências entre as nomeações de links de menu de página inicial e os nós a que estão sendo direcionados. Estas observações foram feitas por sujeitos-usuários em situação de navegação no hipertexto. Outra observação feita é em relação ao currículo: dentre as várias disciplinas técnicas, apenas uma é de ensino da língua - Linguagens, Tecnologia e Trabalho - e, neste caso, o direcionamento do conteúdo programático não é o da língua na prática social. Assim, se consideramos o hipertexto digital como uma atividade de comunicação, mas não trabalhamos os conteúdos necessários para a capacitação do sujeito nas diferentes esferas sociais, então o trabalho realizado está capacitando o profissional técnico em apenas uma habilidade, a área técnica, mas ainda o aprisiona no que tange ao uso da língua nas práticas sociais.

NÃO PODER SABER SOBRE O POÉTICO

Paulo Sérgio de Souza Júnior (UNICAMP) Este trabalho consiste em uma breve análise sobre a posição da lingüística moderna com relação ao fenômeno do poético; e sobre em que consiste a particularidade da obra de Roman Jakobson a esse respeito. Os efeitos da postura jakobsoniana, tal qual veremos adiante, suscitarão discutir a própria vinculação da lingüística com a ciência. Então, amparados pela obra de Jean-Claude Milner, inicialmente percorreremos discussões mais gerais a respeito das especificidades relacionadas a uma abordagem científica da linguagem — e, dada a própria filiação teórica do autor [Milner], a respeito do que a psicanálise pode, aí, nos dizer. A psicanálise, sobretudo no que é relativo à visada lacaniana da obra de Sigmund Freud, é entendida como um campo que não se saberia constituir sem relação com a ciência, tampouco sem relação com a linguagem — todavia, que guarda em si uma heterogeneidade frente à primeira; e um estatuto bastante específico, em seu arcabouço teórico, no entendimento da segunda. Desse lugar característico, pois, a obra de Milner nos permite refletir sobre a possibilidade vista por Jakobson de teorização da poesia pela lingüística. Poderemos, então, a partir daí, nos aproximar um pouco

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mais do entendimento das “(não-)relações” da ciência lingüística com a própria psicanálise, bem como do que representaria a presença do poético no interior de uma abordagem científica da linguagem. Voltaremos, em seguida, à tentativa de Jakobson de integrar a Poética à lingüística, e procuraremos depreender: i) em que medida o gesto jakobsoniano pode ser tomado como um “fracasso bem sucedido” — como descreve Claudia Lemos (1998); ii) por que se pode defender que esse fracasso tem origem no próprio lugar ocupado pela lingüística frente a seu objeto. Ao repudiar a indiferença pelo poético — “se existem alguns críticos que ainda duvidam da competência da lingüística para abarcar o campo da Poética, tenho para mim que a incompetência poética de alguns lingüistas intolerantes tenha sido tomada por uma incapacidade da própria ciência lingüística” (Jakobson, 1960, p. 162) — e enxergar estrutura e estruturação na poesia, Jakobson aponta, de dentro da ciência que o legitima, para a psicanálise. Aí, então, que podemos entender o investimento de Jakobson como “um fracasso exemplar, [...] um fracasso bem sucedido [...] na medida em que permite elaborar a necessidade de um movimento [...] na direção da psicanálise. O que quero dizer com isso? Que a lingüística, sem a psicanálise, não dá conta do poético”. (Lemos, 1998) Insistimos, contudo, que não se trata de uma injunção a fim de que a lingüística tome para si as preocupações psicanalíticas com relação à linguagem; a fim de que vise à lingüisteria lacaniana; ou, ainda, que psicanálise e lingüística se complementem de alguma forma: não é nada disso. O fracasso de Jakobson mostra, sim, que a ciência, em matéria de língua, não apenas pode faltar no sentido de que, eventualmente, pode ser que ela falte. Esse “movimento na direção da psicanálise” chamaria a psicanálise a responder exatamente do lugar em que ela está: assegurando que a ciência, com relação à língua, possa — tenha o direito — de faltar: ou seja, nem tudo, aí, lhe cabe.

A PALAVRA PROSÓDICA EM PORTUGUÊS BRASILEIRO: O ESTATUTO PROSÓDICO DAS PALAVRAS FUNCIONAIS

Priscila Marques Toneli (UNICAMP)

Nas línguas, há vários elementos que são difíceis de classificar, principalmente no que se refere ao seu estatuto prosódico, e as palavras funcionais são um desses elementos, pois enquanto as palavras lexicais são sempre palavras prosódicas, já formadas no componente lexical, pois recebem acento lexical, as palavras funcionais exibem um padrão variável entre as línguas, podendo se apresentar como clíticas ou como palavras prosódicas (cf. Selkirk 1984, 1995; Inkelas & Zec 1993; Peperkamp 1997; Zec 2005; Bisol 2005; entre outros). No caso do Português Brasileiro (doravante PB), não parece ser diferente, pois as palavras monossilábicas não formam um pé na maioria dos casos, não recebendo acento primário. Entretanto há palavras funcionais dissilábicas e até trissilábicas que preenchem essa condição e, portanto recebem acento primário. Segundo Selkirk (1995), as diferentes prosodizações dos elementos funcionais vêm de diferenças nas propriedades morfossintáticas e no ranqueamento de restrições específicas de cada língua. Para a autora, as palavras funcionais do inglês podem ser prosodizadas como palavras prosódicas independentes em três situações: (i) pronunciadas isoladamente; (ii) em posição final de sintagma; e (iii) estão focalizadas, pois recebem pitch accent nesses casos. Para Vigário, no PE, somente os complementizadores podem ser palavras prosódicas independentes, quando em posição final de sintagma entoacional (doravante I), pois recebem a proeminência desse domínio. Em ambas as línguas, nos demais casos, as palavras funcionais serão formas ‘fracas’, portanto, clíticos. Embora haja algumas discussões sobre os clíticos no PB (Cf. Bisol 2000, 2005; Brisolara 2004, 2008), até o momento não encontramos trabalhos que tratem sistematicamente do comportamento prosódico das palavras funcionais com dados empíricos nesta variedade estudada. Em virtude disso, o presente trabalho propôs investigar as diferentes prosodizações das palavras funcionais (preposições, artigos, conjunções e pronomes clíticos) e o modo como são integradas à estrutura prosódica do PB, particularmente na variedade falada na região de Campinas-SP, em um corpus de fala experimental constituído de 127 sentenças dentro de contextos específicos, considerando a hipótese de que dependendo da posição em I, podem ser prosodizadas ora como clítico, ora como palavra prosódica independente, formando, no caso de serem clíticos, o Grupo de Palavra Prosódica, de acordo com a proposta de Vigário (2003). Esse trabalho tem o objetivo maior de contribuir com os estudos do domínio da Palavra Prosódica no PB. Para alcançar nossos objetivos, observamos as seguintes variáveis: (i) o contexto em que as palavras funcionais ocorrem (contexto neutro e de focalização); (ii) posição da palavra funcional dentro de I (início, meio ou fim); (iii) a constituição particular (formação de pés), por exemplo, se a palavra funcional é formada por, no mínimo, um pé, pode receber acento e é considerada como palavra prosódica; (iv) os correlatos acústicos do acento, tal como duração e acento tonal; e (v) a ocorrência de processos fonológicos, como a redução da vogal, pois essa regra ocorre somente em vogais átonas, entre outros. As evidências consideradas para que a palavra funcional seja uma palavra prosódica ou um clítico são o acento e seus correlatos acústicos, e a ocorrência de redução da vogal. Com relação ao acento, seja ele de caráter lexical ou pós-lexical, verificamos duas de suas evidências acústicas, como a duração, e a atribuição de acento tonal (pitch accent), pois somente palavras acentuadas recebem pitch accent (cf. Selkirk 1995; Vigário 1999). No que se refere aos processos fonológicos, a principal evidência do comportamento prosódico das palavras funcionais é a regra de redução da vogal, a qual só ocorre em vogais átonas. Entretanto, observamos a ocorrência de processos de sândi externo tal como a Degeminação, Ditongação e Elisão, pois além do fato de alguns deles só ocorrerem em vogais átonas, eles

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corroboram a afirmação de que o clítico juntamente com o hospedeiro, que sempre é uma palavra prosódica, formam o Grupo de Palavra Prosódica. Nossos resultados parecem corroborar nossa hipótese em alguns casos, pois quando as palavras funcionais do PB se encontram em posição inicial e medial de I, não são realizadas como acentuadas, pois apresentam uma duração inferior à posição final em I em contexto neutro e em contexto foco, e também não apresentam nenhuma alteração relevante na curva entoacional que possam ser evidência de proeminência pós-lexical. Neste caso, elas se adjungem a um hospedeiro lexical seguinte no nível pós-lexical, funcionando como um clítico livre e formando o que Vigário denomina de Palavra Prosódica Mínima. Por outro lado, em posição final de I em contexto neutro, e em contexto de focalização em qualquer posição de I, apresentam uma duração maior do que em relação à posição inicial e medial em contexto neutro, e evento tonal L*+H em contexto de foco, e H+L em posição final, o que é tomado como evidência de uma prosodização diferente, configurando-se como palavras prosódicas independentes.

DISCURSO DE PRESIDENTE: A CONSTRUÇÃO DE UMA IMAGEM DE LÍNGUA POLÍTICA IDEAL

Raquel Noronha Siqueira (UNICAMP)

A partir dos pressupostos teóricos da Análise do Discurso materialista francesa, analisamos as enunciações presidenciais do período de 1995 a 2008 que compreende os governos dos presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Nosso objetivo é observar a construção de uma enunciação política ideal que corresponderia à uma inscrição adequada no lugar social de presidente. Nosso interesse corresponde ao fato que a maneira de falar dos presidentes passou a ser uma questão a partir da eleição de Lula. Com efeito, passou-se a discutir se a enunciação política de Lula era de fato adequada uma vez que ele falava do lugar de presidente, tendo, assim, que falar como presidente. Ora, essa pergunta só cabe se existe um imaginário acerca do discurso político presidencial que produz uma expectativa em relação não só àquilo que um presidente pode dizer, mas também sobre como ele pode/ deve dizer. Assim, no presente trabalho, vamos observar o impacto da transição de um governo para outro no que concerne ao funcionamento do discurso político presidencial e a constituição de uma imagem de enunciação política ideal. Não pretendemos analisar a matriz sociológica das diferenças entre a maneira de falar de um e outro presidente, mas os efeitos delas na construção da relação entre representantes (presidentes) e representados. Em outras palavras, interessa-nos investigar, se essa relação é de continuidade (isto é, se, a palavra do presidente “exprime” a palavra do povo, de forma que o presidente ocupa a posição de mandatário do povo), ou de descontinuidade (caso em que o presidente falaria em nome do povo, ocupando a posição de líder). Para tanto, analisaremos os sintagmas que constroem, nos discursos político presidenciais, o lugar social de representante e o de representados. Nossas análises permite-nos dizer que o discurso Fernando Henrique, que chamaremos daqui em diante DFH, constitui, predominantemente, uma posição de sujeito que configura a imagem de um líder; e o discurso Lula, que chamaremos DL, por sua vez, constitui, predominantemente, uma posição de sujeito que configura a imagem de um mandatário, cuja enunciação é legitimada a partir da proximidade com o povo. A partir de Guilhaumou (1989, La langue politique et la Revolution Française), podemos pensar a constituição de uma língua/ enunciação política que funciona para o lugar social de presidente e que determina o modo pelo qual se pode/ deve dizer daquele lugar. Para depreendermos o estatuto da palavra dos presidentes, analisaremos a constituição dessa(s) língua(s) política(s) a partir de modos de dizer (Augustini, 2007, A estilística no discurso da gramática). Observaremos os modos de dizer que configuram o DFH e o DL para analisarmos a configuração de um modo de dizer que seria próprio para o lugar social de presidente. Para analisar a configuração de uma língua política ideal, interessa-nos também observar como o discurso político presidencial é posto em circulação. Com esse intuito, analisaremos os discursos jornalísticos da mídia impressa, mais especificamente do jornal Folha de São Paulo e da revista Veja. Ao colocar em circulação o discurso político presidencial, esses meios projetam uma expectativa de como um presidente pode e deve falar, que influem na constituição imaginária de uma língua política ideal, uma vez que o contato com os discursos políticos é majoritariamente mediado pela mídia.

O HAVANA DE LORD BYRON: UM ESTUDO SOBRE O CHARUTO NO ROMANTISMO BRASILEIRO

Raquel Ripari Neger (UNICAMP)

A presente pesquisa visa empreender um estudo sobre o charuto, mapeando e compreendendo os significados que o mesmo adquire no cerne da produção literária romântica. Para tanto, parte do princípio de que o charuto possui uma tradição, história, e glamour indissociáveis da produção literária nacional e do processo de ‘reeuropeização’ de costumes e hábitos verificados no Brasil a partir de sua Independência. Vício inquebrantável dos mais ilustres políticos e poetas, o charuto tornar-se-ia nos cafés, nos salões, nas agremiações e óperas do século XIX, emblema de uma classe boêmia, intelectual e transgressora. Nesse período o tabaco se consolida como pedra angular da economia e política brasileiras, norteando não só sua pauta de exportações como seus temas literários. Com a invasão dos charutos nos

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clubes sociais, confeitarias, livrarias e cafés-concerto, enquanto ícone da modernidade e sofisticação burguesa, o consumo de rapé entraria em declínio, perdendo a sua antiga áurea de nobreza e prestígio. Logo, um cisma partidário dividiria os adeptos do fumo em dois grupos distintos: os tabaquistas, defensores do rapé e os fumistas, enaltecedores do charuto. Uma arrebatadora e apaixonada disputa entre ambos ganharia as ruas, saraus e sociedades literárias do Rio de Janeiro, cada qual alardeando a supremacia e preponderância de suas idéias acerca do tabaco. Os mais renomados poetas e escritores da época entrariam na briga, defendendo os atributos de um ou de outro em artigos de jornal, romances, crônicas, poesia, peças de teatro e folhetins. Mais do que mera rixa ideológica, tal rivalidade se consolidaria antes como uma disputa entre gerações. Enquanto o charuto personificava a mocidade cosmopolita e urbana que aflorava no Segundo Reinado; o rapé, por sua vez, se afirmava como o emblema máximo de uma aristocracia ‘ultrapassada’, colonial, representada por senhores de idade já provecta. Mas seria na poesia que o enaltecimento ao charuto iria se consolidar de forma mais consistente, rica e apaixonada, sobretudo pela segunda geração romântica. Nela, ele aparece de modo sistemático, recorrente e incisivo; ora como objeto de exaltação, ora como metáfora do amor, cantado menos em função de seu caráter político e ideológico do que de seu lirismo vaporoso. Neste sentido, o charuto ocupa lugar de destaque na literatura brasileira, não só como reflexo do embate entre distintas gerações (tabaquistas x fumistas), como expressão máxima do ‘spleen’ e do ultra-romantismo. Na pauta da produção poética o charuto possui uma dimensão e significados que ultrapassam o mero caráter ilustrativo, decorativo ou aleatório de sua evocação. Ele ocupa antes um lugar de destaque no discurso romântico, enquanto metáfora do amor e ‘medo de amar’, expressão da efemeridade, do místico e do onírico. Na presente pesquisa procurar-se-á deslindar a relação afetiva estabelecida entre os românticos e o charuto. Qual a sua importância no processo de escrita e inspiração do poeta? Que dimensões adquirem em sua vida pessoal? Em que medida constitui fonte de amparo, escapismo ou sublimação de desejos? Qual a sua ligação com o mundo exterior e o ‘universo íntimo’ do poeta? Neste contexto, a brasa incandescente e formato fálico do charuto remetem ao fogo lúbrico das paixões, sua fumaça etérea e efêmera traz à tona o rosto da mulher amada, seu aroma inebriante transporta o apreciador a uma esfera divina e mística e assim por diante. Nas poesias de Álvares de Azevedo, Fagundes Varela e Bernardo Guimarães, mais do que simples recurso estilístico, o charuto define-se como uma filosofia de vida. A escolha de seu formato, tipo ou tamanho torna-se para os poetas algo tão íntimo e passional quanto à escolha da musa inspiradora ou da mulher amada. Assim como as propriedades do solo, o clima, a qualidade da semente, a seleção e a escolha da matéria-prima influem na qualidade do charuto; também a inspiração, os recursos estilísticos, as rimas e a simetria influem na excelência da poesia. O blend e o bouquet de um charuto equivalem entre os românticos à métrica e lirismo de um poema. Despindo-se de sua função decorativa e utilitária, o charuto incorpora-se, funde-se e confunde-se com a proposta da segunda geração romântica, sendo indissociável dos grandes temas de subjetividade que os perpassa.

IMAGENS DA HISTÓRIA DO ROMANCE: ANÚNCIOS DE JORNAL

Regiane Mançano (UNICAMP / FAPESP) A imprensa periódica foi amplamente utilizada ao longo do século XIX no Rio de Janeiro como meio de divulgação da atividade comercial exercida na Corte. Os fluminenses ofertavam e, ao mesmo tempo, procuravam por toda sorte de mercadorias: animais de carga e transporte; embarcações; escravos; iguarias; moradias; roupas sapatos e, especialmente livros. Nos prelos da recém-criada Impressão Régia passou a ser impressa, em 1808, a Gazeta do Rio de Janeiro, periódico que possuía um espaço exclusivo para a publicação de anúncios, o “Quadro de Avizos” onde, mediante pagamento, os comerciantes podiam divulgar seus produtos. Entre tais negociantes, estavam os livreiros, que não pouparam réis para que o público tomasse conhecimento das obras disponíveis em suas prateleiras. Entre os anunciantes, destacou-se a figura de Paulo Martin, como um dos mercadores de livros de maior atuação de início do Oitocentos. Os leitores que também se interessassem pelos estoques dos livreiros europeus, poderiam se inteirar lendo o Correio Braziliense ou Armazém Literário (W. Lewis. Londres: 1808-1822), a folha importada trazia informes sobre as mais recentes publicações das casas impressoras da Inglaterra e, principalmente, de Lisboa, na coluna “Literatura e Sciencias” espaço exclusivamente reservado por Hipólito da Costa, editor do periódico, à divulgação das letras e das ciências. Posteriormente, no Império, surgiram folhas que se dedicavam majoritariamente à propagação de matérias de interesse do setor comercial, como o movimento dos portos, a carga dos navios e os valores correntes de compra e venda de todo tipo de mercadoria. Entre estes periódicos estava o Jornal do Comércio (Pierre Plancher. Rio de Janeiro: 1827-1870), que além de tratar das matérias ordinárias às folhas comercias, tinha na publicação de anúncios seu principal filão. Sendo assim, os comerciantes fluminenses – e entre eles, os livreiros – passaram a ter no jornal de Pierre Plancher um grande aliado na divulgação de seus negócios e atração da clientela. Entre os reclames de livrarias, o leitor que procurasse por ofertas de livros provavelmente se sentiria atraído para os romances, já que o discurso utilizado pelos livreiros, enquanto estratégia de venda, buscava suprir a aparente ausência de críticas ao gênero nos jornais, convencendo o comprador a se aventurar pela prosa romanesca ora por suas qualidades moralizantes, ora pelas horas de diversão que aquela leitura proporcionaria. Além disso, segundo os anunciantes, todos os romances eram de bons autores, bem encadernados e ainda podiam ser comprados por preços módicos.

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É de interesse verificar como os anúncios de romance se comportam desde inícios do Oitocentos, momento em que ainda não há produção nacional do gênero, e o terceiro quartel do século quando autores nacionais já imprimiam suas obras. Neste mesmo víeis, será observado o discurso dos anunciantes enquanto o romance ainda conquista leitores e, posteriormente, quando já era um sucesso de público. O objetivo desta comunicação é, portanto, demonstrar como a publicidade do gênero pode revelar elementos indispensáveis para a compreensão da história de sua ascensão no Brasil. Quais sejam, os títulos que estavam à disposição do público, seus preços, materialidade e o discurso que se empregava para conferir valor ao romance, bem como a imagem feita pelos anunciantes dos leitores do gênero romanesco, tanto em sua fase de consolidação, quanto de consagração. Os dados referentes à pesquisa foram recolhidos junto ao Arquivo Edgard Leuenroth (IFCH/Unicamp) e à Biblioteca Central Cesar Lattes (Unicamp), no período de 1808, quando a imprensa se estabeleceu no Brasil e os romances ainda eram uma leitura de menor prestígio entre os homens de letras, a 1870, época em que o gênero já ganhava as graças do público e da crítica. Este trabalho é financiado pela FAPESP.

A AVALIAÇÃO DA PRODUÇÃO ESCRITA NO ENSINO MÉDIO E A CONTRATAÇÃO DE CORRETORES: UM ESTUDO SOBRE O EFEITO RETROATIVO DA PROVA DE REDAÇÃO DO

VESTIBULAR UNICAMP

Renata Andrea Silva (UNICAMP) A COMVEST (Comissão Permanente para os Vestibulares, da Universidade Estadual de Campinas – doravante Unicamp) afirma, em uma de suas publicações (COMVEST, 2001), que a obrigatoriedade da prova de redação no concurso vestibular da instituição tem produzido alterações nas atividades escolares de alguns estabelecimentos de ensino particular. Desse modo, a comissão aponta que muitos colégios tentam reproduzir, através de simulados, o modelo da prova de redação do vestibular Unicamp e que contratam monitores – ou “corretores de redações” - com a função específica de corrigir e comentar as produções escritas dos alunos. Diante disso, nosso projeto de pesquisa, que exporemos neste trabalho, buscou, primeiramente, verificar a validade dessas afirmações divulgadas pela COMVEST. Desse modo, contatamos os coordenadores de algumas escolas particulares de Ensino Médio - localizadas na Região Metropolitana de Campinas -, com a finalidade de investigar se os simulados aplicados reproduzem o modelo de redação do vestibular Unicamp, bem como se há a contratação de monitores para corrigir tais simulados. Em boa parte dos colégios contatados, a resposta às nossas perguntas foi afirmativa. Entretanto, o que nos chamou a atenção, em relação a algumas escolas, foi o fato de constatarmos que qualquer produção escrita feita pelos alunos – seja em situação de vestibular simulado ou em situação de ensino/aprendizagem – é avaliada, pelos monitores, segundo os critérios estabelecidos pela banca elaboradora da prova de redação da Unicamp. Observamos, portanto, que, nessas instituições de ensino, a avaliação da produção escrita não é mais realizada pelo professor, mas por corretores de redação, e que a correção de tais atividades é orientada à preparação de estudantes ao vestibular da Unicamp. Segundo Scaramucci (2005), existem diversas categorias de avaliações, que variam de acordo com o uso que se faz de seus resultados e que, por isso, pressupõem procedimentos distintos de elaboração. Assim, uma avaliação de rendimento, cuja meta é verificar o processo de ensino/aprendizagem em sala de aula, de acordo com objetivos de ensino previamente delineados, difere-se da avaliação de acesso, que pretende selecionar candidatos com perfil pré-estabelecido para o ingresso à universidade. No entanto, como averiguamos, algumas escolas têm utilizado a avaliação de acesso em situações de avaliação de ensino e aprendizagem, o que, segundo Wachowicz et al. (2003), é uma incongruência, visto que a avaliação de redações em contexto de vestibular possui concepção teórica e postura metodológica diferentes da avaliação da produção escrita de alunos em sala de aula. Destarte, nossa pesquisa de mestrado tem como objetivos (i) verificar como corretores de redação operacionalizam, em situação de ensino/aprendizagem, o construto (concepções teóricas e posturas metodológicas) da prova de redação do concurso vestibular da Unicamp e (ii) analisar qual é o impacto – ou efeito retroativo - que a referida prova causa nos processos de ensino/aprendizagem nos contextos analisados. Nossos sujeitos de pesquisa serão cinco corretores de redação, que trabalham em escolas particulares de Ensino Médio, na Região Metropolitana de Campinas. Logo, optamos por realizar uma pesquisa de natureza qualitativa, através do estudo de caso coletivo (Chizzotti, 2006). Confiamos que a análise minuciosa de cada sujeito de pesquisa nos auxiliará a compreender melhor o efeito retroativo que a prova de redação do exame vestibular Unicamp exerce em contextos de ensino. Para olharmos nossos objetos de estudo sob diversas perspectivas, geraremos dados a partir de quatro diferentes instrumentos: entrevista, questionário, análise de documentos e análise das redações corrigidas. Além disso, a revisão da literatura produzida, nacional e internacionalmente, sobre o efeito retroativo de avaliações será essencial para compreendermos o fenômeno em nossos cenários de pesquisa. Outros estudos, que abordem a questão da avaliação da linguagem, serão cruciais para que entendamos conceitos como o da validade de testes ou como se constroem as concepções teóricas e posturas metodológicas de avaliações. Também revisaremos vasta bibliografia que trata as implicações, de diversas naturezas, da inserção da prova de redação em exames vestibulares. Por fim, julgamos fundamental conhecer a literatura que discorre sobre a correção de redações na escola e no vestibular, a fim de que entendamos suas diferenças e finalidades.

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Acreditamos que nossa proposta de estudo visa a preencher a lacuna existente nas pesquisas sobre o efeito retroativo, tanto no Brasil como no exterior, ao propor uma investigação do impacto que um exame de grande relevância, como o da Universidade Estadual de Campinas, exerce no ensino da Língua Portuguesa como Língua Materna. Além do mais, ao entendermos melhor os mecanismos de avaliação da produção escrita em determinados contextos, poderemos oferecer subsídios para a formação do professor nessa área, ainda negligenciada em grande parte das instituições de ensino superior de nosso país.

DÊIXIS, ANÁFORA E 'ISSO' ANAFÓRICO

Renato Miguel Basso (UNICAMP / FAPESP) As relações entre dêixis e anáfora são o tema de longos e profundos debates em semântica, pragmática e filosofia da linguagem. No âmbito da lingüística, há, a depender da escola teórica em questão, diferentes posições sobre essas relações. Para os funcionalistas, os fenômenos são distintos na medida em que operam diferentemente na manutenção e controle do fluxo informacional; em linhas gerais, diz-se que somente a dêixis pode dar saliências a referentes, enquanto que a anáfora pressupõem tal saliência, e retoma apenas referentes (maximalmente) salientes. Por outro lado, para os formalistas, ambos os fenômenos são dois lados de uma mesma moeda: o preenchimento de variáveis. Ora, termos anafóricos contribuem, em geral, com descrições na qual uma variável deve ser preenchida, e isso pode ser feito através de ostensão (dêixis) ou de recuperação de material informacional lingüístico (anáfora) Contudo, num nível abstrato, trata-se do mesmo processo, dado que fenômenos como saliência não fazem parte do aparato explicativo da semântica formal. Essa última posição é explicitamente defendida por Heim e Kratzer (1998), Recanati (2005) e muitos outros, apesar de encontrar críticas entre os próprios formalistas (cf. Evans, 1977). Adotando a posição formalista (i.e., não há diferença fundamental entre dêixis e anáfora), deveríamos esperar um mesmo comportamento de termos indexicais quando se trata de um ou outro fenômeno. É exatamente isso que encontramos ao pensar nas diferentes maneiras de entender uma sentença como 'Ele chegou'. O pronome 'ele' pode ser entendido como uma descrição definida, que tem na posição do primeiro predicado as propriedades 'ser masculino' e 'ser singular' (e talvez outras); o segundo predicado, no caso, é 'chegar'; em linguagem semi-formal, teríamos: existe um x que é masculino e singular, apenas um x no contexto, e x chegou. Para sabermos a que 'x' se refere, podemos tanto apontar para alguém, quanto recuperar alguém do contexto lingüístico próximo. Contudo, ao considerarmos os usos do pronome 'isso', nos deparemos com um quadro diferente. 'Isso' pode ser usado para se referir deiticamente a eventos (1) e objetos concretos (2), mas quando é usado anaforicamente, não pode retomar objetos concretos (3) ou os retoma apenas em condições muito especiais (4), ao passo que retoma eventos (5) e entidades abstratas sem tais restrições (6):

(1) (João entra correndo em casa e bate a porta com força, causando um grande estrondo; sua mãe aponta para a porta e diz:)

Detesto quando ele faz isso! (2) (João aponta para um chave de fenda e diz:) Pegue isso pra mim, por favor. (3) Eu comprei um caderno novinho. Ele / # Isso custou 5 reais. (4a) Vamos para a Praia Brava! Ah não... isso fica lá no norte da ilha... (4b) vamos para a Praia Brava! Ah não... não quero nadar nela / # nisso. (5) João caiu de bicicleta. Isso deixou sua mãe preocupada. (6a) João foi demitido. (6b) Eu não acredito nisso! (proposição) (6c) Isso não é nada bom... (fato) (6d) Isso é uma mentira! (ato de fala) (6e) Isso é um jeito estranho de descrever o que realmente aconteceu. (dictum) Concedendo, por um lado, que dêixis e anáfora são duas faces de uma mesmo fenômeno, e, por outro, que 'isso' é um tipo de descrição definida, os resultadas acima são inesperados. Por que 'isso' não retoma objetos concretos anaforicamente? Essa impossibilidade reflete especificidades de 'isso' ou uma dessemelhança maior entre dêixis e anáfora? Uma primeira hipótese pode ser considerar 'isso' como um seletor de entidades em relação ao processo referencial em jogo: quando se trata de dêixis, 'isso' retoma qualquer tipo de entidade; quando se trata de anáfora, 'isso' retoma apenas entidades abstratas. Uma evidência em favor de tal hipótese são a ausência total de concordância de 'isso'. Contudo, tal hipótese é refutado por sentenças como: (7) Maria viu [a chegada de João]1. ? Pedro também viu [isso]1. Dado que a nominalização 'a chegada de João' refere-se a um evento, deveríamos esperar, de acordo com a hipótese acima, que a sentença (7) fosse aceitável. Sua inaceitabilidade aponta para uma segunda hipótese, que leva em conta a estrutura superficial dos antecedentes de 'isso'. Os dados acima favorecem a hipótese de que o 'isso' tem preferencialmente como antecedente estrutura que não DPs, independentemente do tipo de entidade em questão.

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Assim sendo, a preferência do 'isso' por entidades abstratas deriva do fato de que por vezes essas entidades são veiculadas por estruturas que não são DPs. Exploraremos neste trabalho as conseqüências desta segunda hipótese. Abordaremos essas questões ancorados em versões de semânticas dinâmicas como as de Heim (1982), Kamp e Reyle (1993) e Asher (1993).

BAUDELAIRE NO BRASIL: TRADUÇÕES

Ricardo Meirelles (USP) É notório o fato de que, dentro da prática habitual da produção poética contemporânea (que seja desde a década de 1950), o exercício da tradução sempre teve um lugar privilegiado e significativo na reflexão, orientação e formação do poeta brasileiro. Tendo em vista que a tradução é formadora e constitutiva do próprio pensamento humano e que seu processo é elemento significativo da formação de uma cultura, procuro discutir seu papel dentro da história da Literatura Brasileira, à partir da reunião das traduções dos poemas do livro francês Les Fleurs du mal, de Charles Baudelaire; em seguida, coloco-me a suscitar questões à respeito da gênese da tradução poética e a tentar obter respostas junto à algumas teorias da tradução em discussão, observando as traduções de vários tradutores ao longo do tempo, e elaborando traduções próprias, sempre levando em conta aspectos lingüísticos, históricos e culturais que poderiam vir a ser depreendidos de cada texto. O livro escolhido, de 1857, verdadeiro marco da literatura ocidental, foi traduzido por mais de sessenta poetas brasileiros - alguns traduzindo apenas um poema, outros (na verdade, apenas três), o livro todo. Sendo a tradução brasileira mais antiga datada de 1871, vislumbro não uma evolução, mas uma diferenciação entre as abordagens tradutórias, construídas sempre dentro de seu momento ideológico, ou seja, poder-se-ia dizer que os tradutores românticos, como Luiz Delfino, fizeram traduções que soassem dentro do espírito do Romantismo; já os tradutores parnasianos, como Olavo Bilac, fizeram traduções parnasianas dos poemas franceses; simbolistas, como Eduardo Guimarães, traduções simbolistas; modernistas, como Guilherme de Almeida, fizeram traduções modernistas; e assim por diante. Dentro dessa diversidade de tradutores, alguns se destacam por suas qualidades estéticas ou sua relevância literária. Observa-se, neste momento em particular, a poetisa e tradutora carioca Ana Cristina César, como expressão significante dessa recepção, e sua tradução do poema Le Cygne (O cisne), escolhido unicamente por ela e publicada em 1985. Além de tratar do tema do exílio, o poema é mais um retrato de outro momento ou acontecimento urbano inusitado, assim como os outros dezenove poemas do mesmo conjunto Tableaux parisiens, vislumbrado e recriado pelo poeta por meio de sua arte, que ainda busca um possível ideal dentro do sentimento de total melancolia. Note-se ainda que o poema é dedicado a Victor Hugo, na época,exilado. Ana Cristina César, influenciada pelas tendências contemporâneas, mostra em sua tradução, assim como em sua produção original, que sofre um processo quase que de “transcriação” daquilo que se observa, visto que, como já foi dito, às vezes fica difícil dizer que o seu poema é mesmo uma tradução do poema francês. Como em suas próprias poesias, sua tradução também parte de um certo sentimento esquizofrênico, que faz referência a algo inexistente, ou simplesmente fora do contexto possível manipulado pelo leitor, uma impossibilidade de conexões com a história, uma situação à beira do abismo. Observo ainda que tradução é uma tarefa significativa dentro das relações intelectuais, sendo peça importante dentro da formação de uma cultura nacional, agindo não mais como mera imitação, mas como identificação e interação com o outro, fazendo dele parte de si mesmo, sendo o tradutor, na sua essência, um leitor privilegiado. Posso apontar já algumas considerações: não há tradução perfeita, absolutamente correta, eterna e unanimemente aceitável; a fidelidade ao texto diz respeito a uma interpretação do texto de partida, que será sempre produto da língua, da cultura e da subjetividade do tradutor; a tradução é sempre uma recriação.

PALCO, POLÍTICA E O APRENDIZADO DO CRONISTA: MACHADO DE ASSIS E A “REVISTA DE TEATROS”.

Rodrigo Camargo de Godoi (UNICAMP / CAPES)

Margot Berthold, no prefácio de sua História mundial do teatro, afirma que “como uma vela, o teatro consome a si mesmo no próprio ato de criar a luz”, ou seja, para a historiadora, ao contrário de outras formas concretas de arte, o espetáculo teatral, tão logo derribado o pano, “desaparece imediatamente no passado” (2006, p. 11). Entretanto, ainda é possível, por intermédio do estudo da crítica teatral, a reconstituição desta bruxuleante chama, sobretudo, quando temos diante de nós críticos generosos como o jovem Machado de Assis que em sua Revista de teatros – série composta por dezessete crônicas teatrais, publicadas de 11 de setembro de 1859 a 1 de janeiro de 1860, n’O Espelho “revista semanal de literatura, modas, indústrias e artes” de F. Eleutério de Sousa –, tão bem documentou a vida teatral do Rio de Janeiro nos últimos meses de 1859.

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A importância da atuação de Machado como crítico teatral, e conseqüentemente desses textos, foi indicada mais de uma vez por estudiosos do teatro brasileiro. Nesse sentido, Décio de Almeida Prado, em sua História concisa do teatro brasileiro, afiança ser Machado de Assis, no que se refere ao período Realista do nosso teatro, “o ponto de referência crítica sobre as coisas do palco” (2003, p. 86). Igualmente João Roberto Faria, em sua Idéias teatrais (2001, p. 108), assevera que Machado nessa série foi “um crítico teatral preocupado com todos os aspectos do espetáculo”, portanto, seus comentários não se restringiam apenas ao texto dramático, mas também à cenografia, figurinos, atuações, entre outros aspectos da cena. Ao lado da matéria genuinamente teatral, temos também o ângulo de abordagem literária da série. É por meio da Revista de teatros que Machado inicia suas atividades como cronista, gênero que, como sabemos, será cultivado por toda a sua longa carreira literária. Sonia Brayner (1992, p. 410-411), nesse ponto, afirma que “o folhetinista novato vai testar seus recursos de linguagem nessa faina constate, aprendendo a difícil arte de controlar um leitor de atenção arisca, a organizar transições contínuas entre assuntos díspares, a ser inteligente e sagaz sem aborrecer por impertinência”. Deste modo, também podemos observar nesses textos, de forma semelhante às pesquisas de Lúcia Granja (2000; 2008) que abordam a atuação de Machado no Diário do Rio de Janeiro a partir de 1860, o desenvolvimento do estilo literário do jovem cronista. Contudo, há um terceiro aspecto que surge das crônicas, que, por seu turno, tem sido pouco considerado, tanto por historiadores e estudiosos do teatro, bem como por críticos literários, ou seja, às idéias políticas subjacentes a essas críticas teatrais. Ilustremos nossa afirmação, com a Revista publicada a 25 de dezembro de 1859, onde Machado analisa o drama “O escravo fiel”, encenado há poucos dias no Teatro de São Pedro. De acordo com o jovem crítico, o drama “mesmo não merecendo a estima do corpo literário” por “não ter um desenvolvimento a par com o pensamente capital”, ainda valia pelas “tendências liberais do autor” que, ao cabo, “salvaram o pensamento que tanto peca pela manifestação”. Pesquisas recentes, como a já referida de Lúcia Granja (2000; 2008), salientam os aspectos políticos das crônicas do jovem Machado de Assis, sobretudo a partir de 1860, quando, logo após sua colaboração n’O Espelho, o autor inicia suas atividades no Diário do Rio de Janeiro, folha ligada ao partido liberal. Porém, temos observado que princípios político-liberais já se confundiam a princípios estéticos em textos machadianos anteriores a esse período, incluindo-se aí suas primeiras crônicas teatrais. Acreditamos ainda que esses mesmos princípios são logo transpostos para a ficção do autor, que, por esse período, já publicava seus primeiros contos na Marmota de Paula Brito e, principalmente, iniciava sua atividade como comediógrafo. Assim sendo, nesta comunicação abordaremos a série Revista de teatros, salientado, ao lado dos estudiosos do teatro brasileiro, seus aspectos teatrais e, ao lado dos críticos literários, os aspectos que denotam a formação do cronista Machado de Assis. Todavia, ao reacendermos as velas, buscaremos principalmente iluminar a faceta política característica desses mesmos textos.

JORNAL ESCOLAR: LETRAMENTO E FORMAÇÃO

Rosana Cristina da Cunha (UNICAMP) Quando a realização de uma atividade linguajeira é o objetivo final e único, como acontece comumente na escola, devido ao processo de naturalização que a escrita sofre nesse ambiente e ao caráter teleológico das atividades escolares visando ao domínio da escrita, a atividade se transforma na aplicação de um modelo cuja funcionalidade cessa quando a atividade acaba, pela ausência de sentido e de funções fora da sala de aula para a escrita (Kleiman, 2006). Diferentemente da concepção de projetos, o ensino de gêneros diversificados propalados nos Livros Didáticos continua a estimular a produção de redações para o professor, uma vez que, conforme lembram Marcuschi & Cavalcanti (2005, p. 245), “o texto deixa de ser inserido em um circuito sócio-interacional efetivo”, fazendo com que o aluno continue a ter “raras oportunidades de aprender a se dirigir a uma audiência situada fora do contexto escolar, a um público que não se restrinja ao professor e aos colegas”. Esse mesmo aspecto já era criticado pelo educador francês Celestin Freinet quando, na década de 30, já alertava para o fato de que a redação escolar é um texto artificial, sem sentido e com nenhum propósito além do de ser avaliado (Freinet, 1976). Sob inspiração de Freinet, considerado um dos maiores idealizadores e divulgadores do jornal escolar, elegemos, nesta pesquisa, a produção do jornal escolar como “utensílio de trabalho” (Freinet, 1976), partindo do entendimento de que um projeto de letramento dessa natureza apresenta-se como uma dessas “raras oportunidades”, capazes de tornar significativo e “real” o ato de escrever. Assim, partindo do entendimento de que é a prática social que deve ser tomada como ponto de partida para o desenvolvimento das atividades de ensino-aprendizagem na sala de aula (Kleiman, 2006; Bazerman, 2005; 2006), adotamos, durante nossa pesquisa de campo, uma sistemática de trabalho em que os próprios alunos iam delineando e construindo - a partir de questões que viviam, viam, ou sobre as quais liam, ficavam sabendo ou tinham interesse - os objetos de suas reportagens, notícias, entrevistas, artigo de opinião, charges etc. Ao lado do letramento do aluno, estivemos voltados desde o início do projeto de produção do jornal escolar, para um enfoque em que se pudesse abarcar o desenvolvimento do seu senso crítico bem como de sua formação cidadã. Assim, com base nos Novos Estudos do Letramento (Street, 1984; Tfouni, 1995; Kleiman, 1995, 2001, 2006a, 2006b), na Pedagogia de Projetos (Dewey, 1997; Hernandez & Ventura, 1998), no ensino de gêneros (Bakhtin, 2000; Dolz & Schneuwly, 2004, Bazerman, 2005; 2006); no Dialogismo (Bakhtin, 2002; Bakhtin/Volochinov, 1995, Knoeller, 2004); na pedagogia crítica e nos usos conscientes da linguagem (Fairclough, 1992, Bazerman, 2006, Canagarajah,

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2000, Freire, 2001, Certeau etc), entre outras teorias basilares para este estudo, esta pesquisa tem como objetivo geral analisar em que consiste o Jornal Escolar, enquanto material didático, e quais interesses e finalidades podem ser promovidos por meio dele no processo de ensino-aprendizagem, ao se tomar como ponto de partida para esse processo as práticas sociais em que estão envolvidos alunos e professores. Os dados foram gerados entre agosto de 2006 e dezembro de 2007 e, durante estes 18 meses, a pesquisa revestiu-se de um cunho eminentemente qualitativo e colaborativo, com um viés notadamente etnográfico. Os dados coletados/gerados consistem de gravações em áudio e/ou em vídeo de: aulas, debates e entrevistas; notas de campo, questionários, entrevistas, diário da professora, textos publicados no jornal, além de outros textos e documentos produzidos nesse processo. Utilizando o método da triangulação, que consiste “no uso de diferentes métodos e uma variedade de instrumentos de pesquisa” (Cançado, 1994, p. 57), estamos cruzando, na análise, todos os dados obtidos, a fim de “assegurar que a teoria está sendo testada em mais de uma maneira” (Cançado, 1994, p.58).

LEITURA E LEITORES DE ROMANCES NA REVISTA ILLUSTRADA

Rubiana de Souza Barreiros (UNICAMP) Este trabalho tem como objetivo discutir a forma de como são divulgadas certas representações sobre o gênero romance presentes nos textos da Revista Illustrada, periódico editado por Angelo Agostini, na cidade do Rio de Janeiro. À Revista Illustrada costuma-se atribuir prestígio sobre a forma criativa com que abordava temas artísticos ou literários, políticos, sociais, isto é, à maneira como transitava em várias áreas da esfera social na segunda metade do século XIX. Era um periódico semanal composto de quatro páginas tipografadas com textos e quatro litografas contendo ilustrações e inseriu-se no vasto campo dos periódicos ilustrados, sobretudo, pela imagem já reconhecida pela imprensa de seu idealizador, o italiano Angelo Agostini. O artista lançou-se na imprensa paulistana, em setembro de 1864, com o periódico ilustrado e de caricaturas o “Diabo Coxo” e, dois anos mais tarde, editou “O Cabrião”. Mudou-se para a Corte, em 1867, onde publicou alguns trabalhos no O Arlequim e na Vida Fluminense, periódico em que desenvolve “As aventuras de Nho Quim”, considerada a primeira história em quadrinhos de longa duração publicada no Brasil. Também merece destaque em sua trajetória profissional, a passagem pelo periódico O Mosquito, no qual permanece até final de 1875, quando, em 1º de janeiro de 1876, dá início ao seu trabalho de maior reconhecimento: a Revista Ilustrada. A Revista Ilustrada mantinha seções artísticas e literárias e dentre as seções mais duradouras, destaca-se “Livro da Porta”, que ocupava um espaço no canto superior da página, contendo sob forma de tópicos, a resposta a algumas correspondências encaminhadas à folha. Analisando mais atentamente esta seção, verifica-se na escolha dos livros comentados e na maneira como estes comentários eram feitos, uma importante informação para remontarmos uma prática de leitura especifica, principalmente referente à leitura, divulgação e circulação de romances, deste período. De modo geral, é nesta seção que Agostini e seus companheiros de editoração se sentem à vontade para discorrerem sobre obras que lhes eram remetem, ora de maneira sucinta, ora destacando inúmeras características que mais lhe agradam ou as que mais lhe desagradam. Portanto, o modo como a obra é apresentada se fazia de variadas maneiras.Há momentos em que apenas salienta-se o nome de quem ofereceu a obra, o que por várias vezes, observa-se acontecer com os livros publicados por Garnier, como em 5 de fevereiro de 1876, por exemplo, em que não se faz qualquer menção ao autor do romance, e sim ao editor: “Ao Sr. B. L. Garnier – o 2º vol do Sertanejo, que se dignou remetter-nos, foi recebido com maior satisfação e reconhecimento.” Outras vezes, além do editor, também se faz referência ao autor da obra como ocorre em 4 de março do mesmo ano, sobre o romance Descobrimentos prodigioso, de Julio Verne. Em alguns momentos, transcreve-se outras informações sobre a obra como a menção ao tradutor, como nos os trechos do dia 20 de maio e 19 de agosto de 1876, respectivamente: “Flammarond e Os dous irmãos, romances de George Sand, traducção do Sr. Aristides Serpa e edição do Sr. B. L. Garnier” e “O joven Telêmaco – Zarzuela, traducção do Sr. Garnier, edição do Sr. Serafim José Alves.” Por diversas vezes, a referência diz respeito somente ao título e ao autor, mas em outras há uma descrição da obra, salientando algumas das características atribuídas e ela, como ocorre neste trecho publicado no ano de 1877, sobre a obra de Aluízio Azevedo, Casa de Pensão: “Na Casa de Pensão que acaba enfim de apparecer em edição completa, conta-nos o Sr. Aluízio Azevedo a história ou antes o triste romance d’um maranhense na Corte. Um compromisso do autor, que é assassinado aqui na Corte. E os fluminenses vão recordar talvez no romance do intelligente romancista, um trsite facto que não há muito tempo, se produzio na capital do império. Creio todavia que assim não é. Há typos bem observados no livro do Sr. Aluízio, e o estylo bom e ligeiro.” Enfim, essas diferentes formas de se divulgar o romance, as referências aos editores e autores, os comentários sobre determinado enredo e, sobretudo, as impressões nas páginas da Revista Illustrada nos revelam uma prática social relacionada à leitura e aos leitores de romances de um determinado período e local, ao mesmo tempo em que nos permitem observar as relações que constroem o sistema que constitui essa mesma prática.

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O OBJETO NULO EM PB: SINTAXE E AQUISIÇÃO

Sabrina Casagrande (UNICAMP)

Nesse trabalho investigo questões relacionadas ao objeto nulo (ON) em Português Brasileiro (PB) e sua possível relação com aspecto. Cyrino (1994) apontou que a alternância entre objeto nulo e pronome lexical em posição de objeto direto anafórico é determinada pelos traços semânticos de animacidade e especificidade do antecedente. Segundo ela, a regra geral seria que antecedentes [-animado] são retomados pelo ON (cf. (1)), enquanto antecedentes [+animado] seriam retomados pelo pronome lexical (cf. (2)).

(1) Comprei a calça depois que experimentei [ ] (2) Encontrei o João no shopping e vi ele no cinema

No entanto, recentemente apliquei, a falantes adultos do PB, alguns testes por meio dos quais se verificou um quadro diferente. O teste apresentava um par de sentenças que possuíam o mesmo antecedente; foram testados antecedentes inanimados [+/- específicos] e animados [+/-específicos] e o informante deveria escolher qual a melhor forma de retomar o antecedente, se pelo pronome ou pelo nulo. Dos casos testados, os únicos em que o ON apresentou predominância de retomada em posição de ODA estão abaixo:

(3) a. Eu não compro um pastor alemão porque meu pai detesta [ ] b. Policiais corruptos insultam presos antes de prender [ ] c. Eu adoro aquela novela, tanto que assisto [ ] todos os dias

Diante desse quadro, o que parece que temos é uma diminuição dos contextos em que o ON é opção preferencial em PB (quando comparamos esses dados com os de Cyrino), restringindo-se a casos como (3) e (4):

(4) Tenho vendido muitos sushis, porque os dekassegui querem continuar comendo [ ] depois que voltam ao Brasil. (Jornal de Londrina, 2002) (Cyrino, 2006, p. 15)

Nos exemplos (3) e (4), os antecedentes são DPs [-específicos], exceto exemplo (3c), e, mais do que isso, o verbo que permite a retomada desse antecedente se encontra na forma imperfectiva (inclusive em (3c)). Lopes (2007), trabalhando com a aquisição do objeto nulo em interação com aspecto, e Cyrino (2006), trabalhando com objeto nulo e elipse de VP em PB, já haviam chamado atenção para o fato de que talvez o ON do PB estivesse sendo licenciado por um núcleo aspectual, razão pela qual, segundo Cyrino (2006), temos uma sentença como (4). O ON do PB parece, então, ser uma opção forte para a retomada em posição de ODA quando seu antecedente é [-específico] e o aspecto verbal é imperfectivo. Temos evidências translingüísticas de que essa restrição aspectual não é uma exclusividade do PB. Segundo Tsimpli & Papadopoulou (2006), o grego permite ON quando a leitura é não específica e quando não há antecedente; o nulo é permitido com verbos no perfectivo e no imperfectivo, mas a preferência é quando estão no imperfectivo. Além do grego, em russo, segundo Babko-Malaya (1999) apud T&P (op.cit.) e Basilico (2008), os objetos nulos só são possíveis com verbos no imperfectivo; impossíveis com o perfectivo. Lopes & Souza (2005), analisando a aquisição de aspecto em dados de produção espontânea da criança AC, mostraram que as formas imperfectivas (pretérito imperfeito, presente e passado contínuo) só entram na produção dessa criança com 2;3. Segundo elas, até esta fase a criança produz apenas formas perfectivas e, somente com 2;3, começa a diferenciar formas perfectivas de imperfectivas. Lopes (2007) afirma que, diante destes dados, temos evidência que o núcleo aspectual é projetado desde cedo, mas teria um traço incialmente default [+perfectivo], uma vez que os dados mostram que as formas imperfectivas só entram na aquisição de AC com 2;3. Em Casagrande (2007b) analisei qualitativamente os dados da criança G em relação a aspecto e observei os mesmos padrões dos dados de AC. Ao mesmo tempo em que AC e G produzem pela primeira vez formas imperfectivas, com 2;3, segundo Casagrande (2007a), elas produzem seus primeiros pronomes lexicais retomando antecedentes animados em posição de ODA, e seus nulos, que inicialmente eram predominantemente dêiticos, passam a ser em maioria anafóricos. Uma possível relação entre objeto nulo e aspecto pode ser dada nos seguintes termos: enquanto a criança não diferencia perfectivo de imperfectivo ela tem em mãos apenas uma estrutura para aspecto que é default [+perfectivo], segundo Lopes (2007), ou seja, derivacionalmente ela não está “precisando” realizar nenhum cálculo entre aspecto e traços semânticos. A partir do momento em que a criança passa a produzir verbos no imperfectivo, além do perfectivo, a derivação da sentença precisa levar em conta as diferenças de perfectividade do verbo. Além disso, a criança terá também que “prestar atenção” nos traços semânticos do antecedente, que também terão que ser levados em conta para se derivar, juntamente com aspecto, as condições em que o nulo poderá ocorrer. A discussão dos dados adulto e infantil nos indica uma direção de pesquisa que precisa ser mais detalhadamente analisada. Para se confirmar essa relação entre objeto nulo e aspecto na aquisição da linguagem será preciso realizar testes experimentais que nos proporcionem resultados mais precisos

SYLVIA PLATH - RETORNO À POESIA

Sérgio Aparecido do Carmo (UNICAMP)

O cineasta John Ford já dissera que “quando a lenda é mais interessante que a realidade, publique-se a lenda” e é dessa forma, lendária, que a poeta americana Sylvia Plath insere-se dentro da cultura popular, principalmente como uma

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mártir do feminismo, e entre os críticos, ora como alguém que se arrisca tanto na poesia a ponto desta lhe tirar a própria vida, ora pensando o contrário, ou seja, encontrar nos poemas propriedades terapêuticas que poderiam salvar-lhe do inimigo sempre à espreita, entre outras mitificações. Com certeza tais visões são interessantes para manter a sua obra perene, vender estudos críticos variados, uma grande quantidade de biografias e qualquer coisa que estiver associada a sua imagem, enfim nada incomum com relação as celebridades de Hollywood, mas o problema é que estamos lidando com uma escritora, que tem um percurso bastante interessante e mesmo certas escolhas que pareciam indicar quais seriam os rumos que ela pretendia tomar, não fosse a morte prematura. Assim apresenta-se para o crítico um problema interessante que consiste em investigar a obra dessa poeta, principalmente seu livro de poemas final, “Ariel”, em uma perspectiva diferente, não determinada pelo trinômio morte/loucura/traição que tem dominado quase tudo o que se escreve sobre Sylvia, inclusive teses produzidas no Brasil, e levar em conta aspectos poucos cortejados: a cultura na qual está inserida Sylvia Plath: princípio dos anos 60, e a posição bastante ácida que ela deixa transparecer em seus poemas. Esse trabalho busca um diálogo com os principais trabalhos feitos sobre Sylvia, que incluem a leitura mítica de Judith Kroll, a feminista de Susan Van Dyne e os vários trabalhos relacionando “poesia e morte/suicídio/loucura”, recorre também a aqueles críticos, como Harold Bloom, que vão na contramão destes discursos e escrevem coisas que desagradam os leitores militantes de Sylvia, mas centra-se principalmente naquilo que a própria poeta deixa transparecer em suas cartas, diários, entrevistas, contos e poemas, e o contexto histórico-social em que a poeta e suas obras estão inseridos. É um estudo importante devido a tentativa de escrever algo desafiador e arriscado, com certa dose de iconoclastia diante de uma obra tão interessante e, como podemos perceber na análise, paradigmática dos conflitos culturais e sociais que se desenham no final dos anos 50 que põem em cheque a própria existência e relevância da poesia moderna. Desse trabalho tem cada vez mais emergido uma Sylvia Plath diferente dos estereótipos já tão cristalizados, há uma mulher preocupada com os rumos da política mundial, que tem posicionamentos bastante claros e críticos quanto a militarização do mundo e a destruição da natureza. Mais crítica porém, é sua posição quanto aos rumos que a poesia tomava em seus dias. Sylvia, que pele maioria é hoje considerada uma “confessionalista”, ataca justamente a essa tendência confessional que, encontrou grande expressão na obra de sua colega Anne Sexton, e ridilicularizando-a em um de seus “greatest-hits”, o poema “Lady Lazarus” tenta, assim como Hemingway havia feito, com suas touradas, e Ingmar Bergman com seu mundo medieval e o silêncio de Deus, levar sua poesia aos primórdios, as questões básicas e universais do ser humano: mostra a mãe e seu comovente amor por seus filhos bebês, a preocupação com a verdade na linguagem poética até as sociedades primitivas, matriarcais e heréticas.

TEMPO, ASPECTO E MODO NA LÍNGUA KAINGANG DO SUL (JÊ ): UMA DISCUSSÃO INICIAL EM CONTEXTOS DISCURSIVOS

Solange Aparecida Gonçalves (UNICAMP / CNPq)

Em meu projeto de Doutorado (IEL, Unicamp - início 2007) minha proposta é descrever o funcionamento das categorias Tempo, Aspecto e Modo na língua Kaingang do Sul (Família Jê, Tronco Macro-Jê) a partir da observação de seu emprego em contextos discursivos, ou seja, em textos orais e escritos. O Kaingang é uma língua indígena falada no Brasil Meridional em uma população de cerca de 30 mil pessoas. Dentre as línguas da família Jê, o Kaingang é particularmente simples em sua morfologia, de maneira que as complexidades semânticas se apóiam sobretudo na sintaxe e, nessa, a expressão das categorias Tempo, Aspecto e Modo se mostra de uma altíssima relevância para o entendimento dos sentidos pretendidos pelos falantes. Assume-se que a expressão lexical dessas categorias só pode ser adequadamente aferida no uso corrente da língua, ou seja, no discurso fluente e conhecidas suas condições de produção. Na minha pesquisa anterior, focada em uma das categorias mencionadas acima – “Aspecto no Kaingang” (Dissertação de Mestrado, IEL /Unicamp, 2007) – evidenciaram-se duas características de extrema importância para compreensão e análise do funcionamento sintático do Kaingang: (i) as relações muito próximas e, às vezes, aparentemente inextrincáveis das três categorias que se quer estudar nesse projeto; (ii) o papel fundamental das categorias Aspecto e Modo na construção do sentido na frase Kaingang. Por outro lado, apresentaram-se dificuldades e problemas com as frases eliciadas, tanto pela insegurança na caracterização dos sentidos pretendidos, como pela dificuldade de precisar os contextos. Tais dificuldades revelaram as limitações da metodologia empregada para dar conta, efetivamente, de fenômenos tão complexos. No entanto, não invalidaram a importância da pesquisa realizada, que de todo modo trouxe à luz, pistas importantes para o desenvolvimento de outras pesquisas sobre o tema (em uma área, aliás, em que há pouquíssimos estudos específicos em línguas indígenas brasileiras). Aliando-se às dificuldades arroladas acima, a grande maioria dos estudos na língua Kaingang mantém-se na área de fonologia, e algumas áreas da lingüística ainda não foram investigadas em uma perspectiva mais profunda. Tânia Clemente (1991, p. 9) chama a atenção, em seu trabalho sobre a língua Bakairi, que os estudos das línguas indígenas têm sido feitos sob uma “ótica tão atomizada que a língua parece bastante fragmentada”. Segundo sua

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crítica, o material lingüístico é muitas vezes tratado isoladamente e os fatos da língua não são pensados em termos mais amplos. Nesse tipo de análise, a produção lingüística é isolada dos contextos sociais e históricos. Assim, em razão dessas várias questões levantadas a respeito de pesquisa calcada em questionários e em frases eliciadas, estabeleceu-se a necessidade imperiosa de constituir, para a presente pesquisa, um corpus de textos, orais e escritos, produzidos de forma espontânea, querendo significar, produzidos originalmente em Kaingang, sem ter por referência ou modelo uma frase ou um texto produzido primeiramente em Português. A descrição e análise do funcionamento das categorias Tempo, Aspecto e Modo em Kaingang seguirá, em primeira aproximação, as práticas e procedimentos dos estudos tipológicos e funcionais. Serão catalogadas e agrupadas todas as ocorrências de um mesmo marcador aspectual ou de modo, e serão analisadas as combinações possíveis e as combinações preferenciais entre diferentes marcadores e diferentes funções no domínio de um mesmo texto. Para o recolhimento de textos já foram realizadas duas viagens de campo ao Rio Grande do Sul (1º e 2º semestres de 2008) e neste momento estou sistematizando o material obtido em campo. Nesta comunicação farei, então, a apresentação de alguns exemplos do emprego dos marcadores presentes nestes dados atuais relacionando-os às informações obtidas anteriormente. Adianto, porém, que outras verificações e análises ainda serão necessárias para maior elucidação destes resultados parciais. Por fim, destaque-se que o resultado desta pesquisa pretende ser útil aos próprios cursos de formação de professores, significando um retorno de conhecimento lingüístico para que os professores Kaingang possam utilizá-lo em suas reflexões lingüísticas, sendo também, pois, de auxílio na produção de materiais que poderão ser usados nas salas de aula (os textos produzidos durante a pesquisa, por exemplo), como material didático e no auxílio do ensino da língua nas escolas. Nesse sentido, buscar a compreensão dos fenômenos associados a Tempo, Aspecto e Modo em contextos discursivos na língua Kaingang visa contribuir e fornecer subsídios no plano teórico, na valorização e no fortalecimento da língua e nas reflexões teóricas acerca dos processos de gramatização e das relações entre oralidade e escrita.

A AÇORIANIDADE NA NARRATIVA DE FICÇÃO DE VITORINO N EMÉSIO

Simone Nacaguma (UNICAMP) Em 1932, em comemoração aos quinhentos anos dos Açores, Vitorino Nemésio (1901-1978), poeta e ficcionista açoriano, cunhou o neologismo açorianidade a fim de expressar a singularidade da existência do homem açoriano profundamente marcado pela condição de ilhéu.Tanto na sua poesia, quanto na sua prosa, a açorianidade nemesiana se revela, segundo Maria Helena Garcez, como “cárcere e exclusão” e expressa a angústia deste ser que se vê, diante da sua sensação de “confinamento”, compelido a partir, a emigrar, “seja por razões de extrema pobreza”, por questões profissionais, ou pelo desejo de estudar. “Açoriano de treze gerações” da Ilha Terceira, é da sua infância nas ilhas que Nemésio extrai imagens arquetípicas em que habitam as suas personagens: as imagens “naturais”, como o mar, e as imagens “sociais” (MOURÃO-FERREIRA, 1987, p.5) dos vários círculos que compunham a sociedade açoriana, os quais se organizam a partir da família, expandindo-se para “a vizinhança”, para a escola e para a igreja. O gosto pelas letras surge-lhe cedo, ainda no liceu, Nemésio dirige um semanário literário, cujo editor publica Canto Matinal (1916), os primeiros versos que compõem ainda a sua fase imatura; a outra tem início em 1924, quando já em Coimbra, publica Paço do Milhafre, seus primeiros contos, entretanto, em 1923, com a morte de seu pai, retorna à Praia da Vitória onde se desenrola um episódio amoroso frustrado de que, segundo a crítica, resultará Varanda de Pilatos (1926) e as “teias sentimentais” de Mau Tempo no Canal (1944). Em 1931, decide concluir o curso de Filologia Românica na Universidade de Lisboa, doutora-se no ano seguinte, segue para Montpellier, leciona na Universidade de Bruxelas e, em 1940, torna-se professor catedrático da Faculdade de Letras de Lisboa. Assim, a experiência de inúmeras partidas, o ofício de professor, o interesse pelos estudos sociais e pela geografia exprimem-se flagrantemente em toda sua produção múltipla, cuja diversidade se deveu ao cultivo dedicado de cada gênero e sub-gênero, nos seus intercâmbios e nas suas recriações. Ora, a multiplicidade de estilos em Paço do Milhafre basta para concluirmos que nele coexistem vários ficcionistas. Além disso, há, segundo Mourão-Ferreira (1987), o crítico (Relações Francesas do Romantismo Português), o filósofo da cultura (Sob os Signos de Agora), o biógrafo (Isabel de Aragão, Rainha Santa), o historiador (Portugal e Brasil na História Universal) e o cronista que escreveu em inúmeros jornais e participou de programas radiofônicos. Em razão, portanto, do volume da produção literária de Nemésio, constitui o cerne de nosso trabalho a análise da açorianidade em Mau Tempo no Canal (1944), seu último romance, nele explicitando não apenas os símbolos em que se sustenta esse conceito e que configuram uma literatura insular, mas também os elementos romanescos que lhes servem de assento. Para isso, no entanto, partiremos da análise de seu primeiro romance, Varanda de Pilatos, explicitando elementos que caracterizariam a sua açorianidade, que, a nosso ver, expressam-se por meio das condições sociais que caracterizam a vida dos moradores de uma pequena vila e que se contrapõem às condições da “cidade” e pelas relações pessoais circunscritas na angústia decorrente da necessidade de partir. Tal necessidade se revela, contudo, imprescindível ao universo masculino e, inibitória ao feminino que preserva em seu bojo a imobilidade e a permanência associadas à esfericidade e à centralidade, cuja simbologia, neste romance, funda-se numa perspectiva cosmogônica e teogônica, o que constituiria uma via possível de reflexão acerca do conceito de açorianidade. Assim, nesse primeiro romance de 1926, anterior, pois, à divulgação do neologismo, o conceito se antecipa em relação

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ao termo e se concretiza por meio dessa via interpretativa do fenômeno migratório açoriano ligado às condições de gênero, as quais se legitimariam, ao mesmo tempo, no plano social e mítico. Logo, se, por um lado, a teogonia constituiria uma via de justificação mítica para o fenômeno da açorianidade, conduzindo-o ao âmbito do universal; por outro lado, revelaria que a açorianidade de Vitorino Nemésio não tem como ponto de chegada apenas a condição insular do ser açoriano, mas aprofunda essa questão ao pensar, distintamente, os lugares do feminino e do masculino nesse contexto insular, o que conduz, necessariamente, à reflexão acerca das relações pessoais e sociais insulares. Seja em razão desta última, portanto, que, talvez, possamos pensar em uma “literatura insular lusófona”. Em seguida, analisaremos as novelas de A Casa Fechada (1937) a fim de nelas levantarmos também os símbolos da açorianidade, não só relacionando-os aos já analisados no primeiro romance, mas também associando-os aos que emergem em Mau Tempo no Canal para que, por meio desse percurso, possamos pensar a açorianidade enquanto elemento “organizador”, ou não, de uma identidade açoriana (insular), num contexto de contínua fragmentação, desagregação e de deslocamentos do sujeito moderno, verificando, ainda, como a questão da açorianidade/identidade se apresenta sob o ponto de vista da narrativa moderna.

SECOND LIFE: UM [NOVO] MUNDO (DES)VIRTUALIZADO

Taís Aparecida Lima (UNICAMP) O presente resumo tem como objetivo apresentar o projeto de pesquisa em andamento intitulado “Second Life: um [novo] mundo (des)virtualizado”. Este trabalho filia-se à Análise do discurso de linha francesa, mais especificamente a sub-área Linguagem e tecnologia. O projeto aqui apresentado surge do interesse em investigar a (pós) modernidade e, diante das infinitas possibilidades, escolhemos o ambiente virtual, uma vez que ele configura-se como instrumento privilegiado para analisar este momento de descentramentos, além disso, porque a virtualidade é um espaço de enunciação que reforça a característica fluida dos sujeitos, sempre fazendo apelo à criação de identidades outras, possibilitadas por esse “novo” mundo. Este trabalho parte do pressuposto que a virtualidade transformou o mundo, tornando-o outro, essa idéia que compõem o imaginário acerca da virtualidade é defendida por alguns autores, dentre eles destaco Lévy (1999, pp 15-75), que freqüentemente em seus textos faz referência a um “novo universo”, “novo mundo” [supostamente] possibilitado pelo ambiente virtual. Para tal, assume-se a hipótese que no mundo virtual, apesar da busca por outros modos de subjetivação, traços da chamada vida real (re)aparecem, não possibilitando, portanto, afirmar que é um mundo novo, mas ocorre no que Derrida (2001/2004, pp. 33-34) chama de “différance”, ou seja, é o mesmo e o diferente. As perguntas de pesquisa que permearão o trabalho são: i) Os traços da chamada vida real e da vida virtual coincidem?; ii) Quais traços são coincidentes?; iii) Como outros modos de subjetivação são possibilitados pelo ambiente virtual, mais especificamente pelo Second Life? Assumem-se como objetivos de pesquisa: 1) (Re)pensar o que é “vida”, “real”, “virtual”, conceitos estes já cristalizados; 2) Problematizar a afirmação que a virtualidade criou um novo mundo 3) Refletir acerca desse [novo] mundo; 4) Identificar os regimes de verdade, as relações de poder-saber que atravessam o mundo “real” e o mundo virtual. Na tentativa de alcançar esses objetivos, foi escolhido como corpus o “Second Life” – um software de entretenimento por isso mesmo, muitas vezes - é considerado como um jogo - podendo ser encarado também como um simulador, um meio de comércio virtual, ou ainda, uma rede social. Esta escolha surge desse caráter multifacetado do programa, que o permite receber o status de “segunda vida” (tradução literal) possibilitada pela virtualidade, além disso, funciona como uma representação da (pós) modernidade, por tornar cada vez mais opacas as fronteiras existentes entre o mundo real e o virtual, nas palavras de Andrade (2007, p. 01): o Second Life, “é o mais representativo paradigma da modernidade líquida, marcado pelo franqueamento da fronteira entre mundo real e virtual”. Podemos ainda justificar a escolha deste corpus por seu forte apelo à criação de uma vida [outra], nesse ambiente virtual, enfatizando as inúmeras possibilidades que o programa oferece, a maior parte delas, impossíveis, ou “indevidas” na chamada vida real. Também por ser um o software que conta com grande número de usuários registrados, cerca de 15 milhões em todo mundo. Para compor a fundamentação teórica do trabalho, serão abordados os conceitos de (pós)modernidade, virtualidade, real, modos de subjetivação, regimes de verdade, relações de poder-saber, entre outros, usar-se-ão como subsídios obras dos seguintes autores: Derrida, Foucault, Lipovetsky, Bauman, Baudrillard, Maffesoli, Sibilia, Castells, Lévy, Melman, etc. Quanto à metodologia de pesquisa: primeiramente, será feita a observação do ambiente Second Life, com a finalidade de traçar uma “topografia” desse ambiente virtual, compreender seu funcionamento, suas regras, as relações de poder saber e o regimes de verdade que atravessam este [novo] mundo. Serão colhidos relatos de usuários do programa, nos quais serão abordados os seguintes temas: o porquê da simulação; qual o interesse em criar uma vida diferente da chamada vida real; a necessidade de (re)criar um eu, as diferenças e semelhanças com a chamada vida real. Acredita-se na relevância desse trabalho, uma vez que o ambiente escolhido para compor o corpus não foi foco de análise à luz da Análise do Discurso e a questão dos modos de subjetivação tem relevância dentro dessa “nova economia psíquica” possibilitada [ou não] pelo virtual.

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CULTURA DE ALMANAQUE OU UTOPIAS QUE CONSOLAM?

Tatiane Milene Torres (USP) Tendo em vista a forte influência da cultura francesa no Almanaque Brasileiro Garnier, publicado entre 1903 a 1914, visto ter sido concebido sob um modelo francês e produzido por uma das últimas filiais francesas estabelecidas no Rio de Janeiro, propomos um estudo comparativo com o Almanach Hachette que esteve em circulação entre 1894 a 1939 na França. No entanto, é importante salientar que o Almanaque Brasileiro Garnier faz parte de uma proposta autenticamente brasileira e não apenas uma reprodução do modelo francês, posto que cada um a seu modo apresenta todo um arsenal de informações que visa à resolução das dificuldades e dos problemas de seu povo, conseqüentemente o seu desenvolvimento por meio de uma atmosfera repleta de temáticas utópicas proveniente de um universo que une magia, medicina alternativa, astrologia, apreciação estética, entre outros. Nesse ambiente quimérico, as utopias protegem o ser humano das intempéries corriqueiras, bem como proporcionam uma certa organização do tempo e do espaço, ou melhor, tentam aprisioná-los, o que cria cidades utópicas, a Paris e o Rio de Janeiro onde se tem o controle de tudo. Nesse ambiente cujas temáticas utópicas consolam o leitor dos almanaques, há também a questão da literatura dita culta estar imersa em meio a todo um universo popular. Desse modo, nessa miscelânea do erudito com o popular, observamos que a literatura é divulgada em meio a: Festas Religiosas Móveis e Fixas, Festas Nacionais, Estaduais e de Países Estrangeiros, Calendários – Perpétuo, Gregoriano, Eclesiástico, Necrológios do Ano, Páginas de Retratos, Regulamento de Consumo d’Água, Enterros – Empresas funerárias, Eclipses para o Ano, Aspectos do Céu – Constelações, Dias dos Santos e Festas da Igreja, Geografia, Doenças, Terremotos e Tragédias, A Lavoura, etc. É o que ocorre no Almanach Hachette , posto que a literatura também é apresentada interligada a toda uma atmosfera popular: Fêtes Móbiles, Fêtes Légales, Autres Fêtes Nationales Étrangères, Calendrier Pérpetuel, Le Calendrier Romain ou Julien, Modes d’Été, Modes d’Hiver, L’Année Nécrologique, Les Eclipses, Description Du Ciel, Mois de l’Année (Saints), Géographie, Les Maladies, Accidents, Agriculture, entre outros. Nesse viés, a literatura observada nos almanaques está classificada anualmente como: O Ano Literário e Année Littéraire. No Garnier, há toda uma relação de sugestão de autores com seus respectivos livros para leitura, poesias diversas (versos castelhanos, poesia do Japão, poesias populares), Crítica Literária, Teatros – com os croquis indicando as ruas e os respectivos concertos e peças. O mesmo ocorre no Almanach Hachette, pois no Année Littéraire a literatura é divulgada da seguinte forma: Les Principaux Livres de L’Année, Les Chefs d’Oeuvres de La Littérature Alemande, Le Prix de La Pensée – Gains des Écrivains de Jadis et d’Aujourd’hui, Poésie. Também, observa-se a presença de croquis de vários teatros de Paris, com seus respectivos concertos e peças. Assim, como no Garnier, a literatura está mesclada ao popular, visto que no almanaque há ainda conselhos de auto-ajuda e de como deve ser a biblioteca de um homem íntegro. Dessa forma, a execução desse projeto busca proporcionar um maior conhecimento e aprofundamento literário no âmbito dos estudos comparados, além de enriquecer a pesquisa no tocante ao exame do acervo da Littérature de Colportage e da Literatura Popular Brasileira.

A TRAJETÓRIA DE MONTEIRO LOBATO NA ARGENTINA.

Thaís de Mattos Albieri (UNICAMP / FAPESP) A relação entre Monteiro Lobato (1882-1948) e intelectuais e artistas argentinos contemplada pela pesquisa de doutorado financiada pela FAPESP (05/50530-0) foi construída entre os anos de 1919 até 1946 e se deu de diversas maneiras: através de cartas, artigos publicados de e sobre o brasileiro e de e sobre os argentinos, que circulavam tanto no Brasil quanto na região do Prata, através de editores, críticos literários e, sobretudo, de livros lobatianos e argentinos traduzidos, respectivamente, para o espanhol e para o português. O material ora analisado provém de quatro instituições e se detém em cartas e artigos: CEDAE/IEL/Unicamp – Fundo Monteiro Lobato (cartas), Biblioteca Infanto-Juvenil Monteiro Lobato / São Paulo – Acervo Monteiro Lobato (cartas e documentos), Biblioteca do IEL (Revista do Brasil, da qual foram retirados os anúncios e artigos), Academia Argentina de Letras (Fundo Manuel Gálvez). As cartas foram digitalizadas e transcritas, tal como aparecem na versão original; os textos, digitalizados. O trabalho desenvolvido com as cartas, além da transcrição e da digitalização, envolveu a inserção de notas de rodapé, pois muitas referências, dada a época da correspondência, exigiam a recuperação de situações e pessoas mencionadas pelos remetentes. No que se refere às cartas de Monteiro Lobato para os argentinos, é importante ressaltar que a pesquisa se restringiu à correspondência de ordem Ativa e Passiva, já que a de Terceiros é posterior a 1948, ano da morte do escritor. Sendo assim, as cartas, os artigos e os livros expostos ao longo do trabalho pretendem construir, a partir das informações neles contidas, uma imagem de como ocorreram as relações literárias entre Monteiro Lobato e diferentes setores da cultura Argentina, no período que se estende de 1919, data da suposta primeira carta escrita por um argentino, até 1946, quando o escritor passou a viver em Buenos Aires.

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Deste modo, o início das relações entre Monteiro Lobato e os escritores argentinos – Manuel Gálvez e Horácio Quiroga – deu-se a partir de cartas das quais resultaram – efetivamente – textos, artigos e livros publicados e divulgados na imprensa do Brasil e da Argentina. Mas estas trocas não passaram apenas pela correspondência e pelas publicações em suas variadas formas nos dois países; elas se consolidam através de algumas figuras, responsáveis pela circulação de textos e de influências nos dois países. Nesse sentido, o tradutor argentino Benjamin de Garay teve fundamental importância: ele foi responsável pela tradução e divulgação da literatura lobatiana no Prata; sua importância também se manifestou no sentido oposto em relação à literatura produzida na Argentina, pois Garay intermediou a divulgação de alguns escritores argentinos no Brasil. Tendo em vista estas trocas e os processos de divulgação da literatura nelas envolvidos, foi necessário construir uma imagem de escritor na Argentina e no Brasil. A idéia central consistiu em observar como as noções de autoria estavam relacionadas aos assuntos políticos, sociais, econômicos, e, sobretudo, culturais dos dois países. Isto possibilita compreender como a produção de livros e periódicos foi afetada por estes fatores, colaborando, deste modo, para a construção de um sistema literário tal como propõe Antonio Candido (CANDIDO: 2000) em seu livro A Formação da Literatura Brasileira.. A partir deste resgate, pode-se notar que a imprensa – jornais e revistas – foi fundamental na consolidação da imagem dos escritores no Brasil e na Argentina, em detrimento da publicação de livros – muito cara e pouco menos significativa em termos de alcance do público. Além disso, a colaboração em revistas literárias permitiu aos escritores a publicação de livros e a divulgação de seus nomes para além das fronteiras de seus respectivos países; é na esteira deste movimento que Lobato, dono da Revista do Brasil desde 1918, vai apostar no intercâmbio das relações com diversos setores da cultura argentina, nos anos 1920, o que lhe possibilitou transitar em diferentes universos: o de Manuel Gálvez, editor e escritor; o de Horácio Quiroga, também escritor e diplomata; o de Quirós, artista plástico e o de Benjamin de Garay, tradutor. Este trânsito, por sua vez, garantiu a tradução para o espanhol, em 1921, de Urupês; tal fato, que assegura a divulgação do nome de Monteiro Lobato em outra língua, torna oportuno o estabelecimento de uma história editorial do livro, que envolve o processo de tradução, seleção dos textos, maneiras de divulgação da obra, número de edições e tiragens. Diante das relações construídas por Lobato através de cartas e de ações para a publicação e divulgação de seu nome na Argentina e do nome de argentinos no Brasil, pode-se pensar na configuração de um sistema literário latino-americano.

“DIDO, RAINHA DE CARTAGO: UMA PROPOSTA DE TRADUÇÃO PARA A OBRA DE CHRISTOPHER MARLOWE”

Thais Maria Giammarco (UNICAMP)

Quando se discute a literatura inglesa do século XVI, o primeiro nome que nos vem à mente é o de William Shakespeare, considerado não somente por grande parte dos críticos literários, bem como – e principalmente –, pelo público leitor, como o príncipe do teatro elisabetano. No entanto, poucos têm conhecimento a respeito dos antecessores de Shakespeare, que, de certa forma, lhe prepararam o caminho e influenciaram de maneira expressiva seu legado literário. Entre tais figuras encontramos Christopher Marlowe. Nascidos no mesmo ano (1564), acredita-se que Marlowe e Shakespeare tenham chegado a conviver durante algum tempo na Londres elisabetana e influenciado um ao outro em sua dramaturgia. Há, por vezes, frases inteiras de Marlowe em algumas peças de Shakespeare. Outras vezes, essa influência, que pode ser comprovada principalmente nos dramas históricos shakespeareanos, é mais discreta, mas não pode deixar de ser notada. Há também indícios de que tenham escrito algumas peças em conjunto, embora a comprovação de tal fato seja virtualmente impossível. Visto pelos críticos como o mais moderno dos dramaturgos elisabetanos e como um homem à frente de seu tempo, tratando de temas que causam polêmica até os nossos dias, como homossexualismo, ateísmo e anti-semitismo, Marlowe confundiu seus contemporâneos – que dividiam opiniões extremamente favoráveis a ele, como George Peele, que o descreveu como “protegido pelas musas”, e altamente opositoras, como Thomas Kyd, que o acusou de ateísmo e denunciou à rainha – e continua despertando admiração e curiosidade até hoje. Sua figura subversiva tem dado origem a inúmeros mitos a seu respeito, que se fortalecem em virtude de sua dificuldade de comprovação, dada a época remota em que viveu. Controvérsias à parte, a colaboração de Marlowe para o teatro elisabetano e para a literatura inglesa em geral é inegável. O fato de ter introduzido novas ‘tonalidades’ ao verso branco (verso sem rimas em pentâmetro iâmbico) e de distanciar cada vez mais o verso dramático do ritmo do verso em rima constitui sua maior inovação. Eliot afirma que o verso de Marlowe é um dos derivados mais antigos do verso branco e que possui características não repetidas em nenhum tipo de verso branco encontrado posteriormente. Fator de peso para o “desconhecimento” do autor e de sua obra no Brasil é o fato de que há uma única peça traduzida e publicada em português (Brasil): The Tragical History of Doctor Faustus. Assim sendo, este projeto tem o objetivo de realizar um estudo da obra de Christopher Marlowe dentro da literatura inglesa do século XVI, bem como uma proposta de tradução da peça Dido, Queen of Carthage. Com relação à tradução, é relevante salientar as dificuldades apresentadas tanto pelo pentâmetro iâmbico quanto pelo verso branco. Os sistemas poéticos do português e do inglês são incompatíveis e tornam impossível a reprodução, em

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português, dos acentos do verso inglês. Embora ciente da não correspondência dos sistemas poéticos inglês e português e quiçá almejando o impossível, optei pelo verso decassílabo branco em português para traduzir o pentâmetro iâmbico branco. Este trabalho apresentará algumas das dificuldades encontradas bem como soluções propostas para amenizar esse problema. Em vista da dificuldade de reproduzir também a força discursiva e a beleza das imagens poéticas do drama marloviano, ressalto que minha tradução tem por objetivo tão-somente a disponibilização da obra do dramaturgo em português, à qual o acesso se faz dificultoso tanto por barreiras lingüísticas quanto pela dificuldade que o texto do autor impõe mesmo ao leitor experimentado na leitura em língua inglesa, devido à época remota em que sua obra foi composta.

LÍNGUA E CIDADANIA: UMA DEMOCRACIA CONSENSUAL?

Thiago Manchini de Campos (UNICAMP / FAPESP)

A sociedade brasileira é permeada e perpassada por instituições que têm, entre suas funções, legitimar e veicular discursos por parte do Estado, sendo que estes discursos são caracterizados por slogans que prezam pelo ideal democrático, afirmando que todos nós somos cidadãos com os mesmos direitos e deveres. A aparente estabilização da instituição democrática na última década constitui condições de produção a partir das quais surgem discursos de cunho positivista, marcados pelo movimento em busca da homogeneização. Assim sendo, o planejamento das políticas públicas passa a ter, como ponto de partida, a instauração do discurso consensual, caracterizado pela busca do melhor para “todos”. No âmbito do discurso político educacional, observa-se a crescente importância de educar para o mercado de trabalho, sendo a escola um lugar onde as aptidões do aluno são sondadas e desenvolvidas, de forma a constituí-lo em um trabalhador, um indivíduo produtivo com condições de contribuir para com o crescimento da sociedade. Observa-se também o enfoque nas questões que tratam do direito à liberdade e do exercer a cidadania. Aqui a escola aparece como um local onde o aluno entra em contato e aprende a respeitar o multicultural, sendo a “Língua Nacional” o elo que une e que dá conta de representar o plural. Através da escolarização, os alunos são constituídos “cidadãos”, cientes de seus direitos e deveres, possibilitando um “viver em sociedade” estável. Em última instância, encontram-se nos discursos de cunho político educacional práticas ideológicas que têm como principal objetivo a formação do consenso. Entretanto, intrínseco ao processo de produção do consenso se encontra um processo de marginalização, escamoteando e silenciando as diferenças, excluindo para incluir. Desta forma, partimos do pressuposto que a democracia é a condução de um litígio, sendo então a idéia de democracia consensual uma contradição que opera ao nível do ideológico, mas que se materializa discursivamente em nossa sociedade. Assim sendo, nosso objetivo é explicitar o funcionamento destes discursos, mostrando seus possíveis sentidos, qual o papel que têm na construção da subjetividade e identidade do brasileiro, e sua incidência nas formas de sociabilidade instituídas por parte do Estado. Para tal, fazendo uso de algumas ferramentas da Análise de Discurso propostas por Pêcheux e Courtine, iremos analisar alguns trechos das Constituições Federais de 1946, 1967 e 1988, no que dizem respeito ao direito à educação, às noções de cidadania e nacionalidade e ao conceito de língua nacional. As questões que orientam a análise são as seguintes: Será a cidadania um direito de nascença ou algo a ser alcançado via educação escolar? Qual o papel da língua portuguesa na constituição do cidadão? Em última instância, somos, ou não, “cidadãos brasileiros”? A análise parcial do texto das Constituições Federais tem mostrado que a cidadania ora é um direito de nascença, ora é algo a ser aprendido via educação escolar, sendo fatores importantes para o exercer da cidadania a inserção no mercado de trabalho e o saber “ler, escrever e se comunicar” em “Língua Nacional”. Este fato atesta a característica móvel e fluída das fronteiras que constituem as Formações Discursivas, o que, por sua vez, caracteriza heterogeneamente “o que pode e deve ser dito”, originando tensões que muitas vezes são silenciadas, mas não deixam de significar. Esta pesquisa pretende assim contribuir para com o melhor entendimento do discurso político educacional e planejamento das políticas públicas, desmistificando o consenso e trazendo à tona regiões cinzentas e saturadas, às quais o indivíduo muitas vezes não tem acesso, mas que não deixam de interpelá-lo, significando-o.

O TESTEMUNHO DE UM SOBREVIVENTE HOMOSSEXUAL

Tiago Elídio da Silva (UNICAMP)

Este trabalho analisa o livro Moi, Pierre Seel, déporté homosexuel (Eu, Pierre Seel, deportado homossexual, sem tradução para o português), testemunho do único francês homossexual a falar abertamente sobre sua experiência de deportado durante a Segunda Guerra Mundial e de prisioneiro do campo de concentração nazista. Fazendo uso da Teoria do Testemunho, que estuda os diversos tipos de testemunhos feitos após a Segunda Guerra, sobre situação de violência e eventos-limite, o foco deste trabalho é observar as questões referentes a esse tipo de produção do ponto de vista de um homossexual. Busca-se fazer uma análise do que esse relato tem de peculiar, além de estudar a relação entre nazismo e homossexualidade, usando também a teoria queer, que questiona as categorias fixas de identidade sexual e os paradigmas gerados pela ideologia sexual normativa. Para esse trabalho, utilizaremos a edição original, Moi, Pierre Seel, déporté homosexuel, em francês, bem como sua versão em espanhol, Deportado Homosexual. A metodologia é composta inicialmente de organização de informações

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existentes e leitura orientada da bibliografia já pesquisada; depois, levantamento de material bibliográfico, com o intuito de ampliar a bibliografia, composta por livros e artigos que abordam a literatura de testemunho e a teoria queer. O século XX foi um período marcado por grandes catástrofes e genocídios, sendo um dos mais marcantes a morte de milhares de pessoas pelo regime nazista. Após o término da Segunda Guerra, muitas narrativas sobre essa situação começaram a aparecer. Pessoas que haviam passado por esses acontecimentos trágicos sentiam a necessidade de escrever suas memórias. Isso se dava pela junção de vários motivos. Um deles, muito importante, é o da denúncia. Outro ponto importante é a necessidade de contar para esquecer, desabafar, livrar-se desse trauma vivido. Portanto, é fundamental que tal literatura seja objeto de estudo. Principalmente um campo que é ainda muito pouco pesquisado, como o relacionado à perseguição e execução dos homossexuais por parte dos nazistas. Por isso, estudar o livro de Pierre Seel é uma tarefa necessária. Não somente por recuperar a memória de um passado de repressão, mas, sobretudo, pelo que ele pode trazer para o âmbito da literatura de testemunho. Percebemos que a autobiografia de Seel é uma obra onde podemos encontrar as principais características referentes à literatura de testemunho, como a questão da violência sofrida, das torturas, da memória fragmentada, da síndrome do sobrevivente etc. Além disso, Pierre Seel aborda a homossexualidade de maneira muito completa. Mas há duas questões que são muito importantes e se destacam: o medo e o silêncio. Vemos que o testemunho de Pierre Seel é a voz de um grupo, o dos homossexuais, que foram brutalmente perseguidos e assassinados pelos nazistas. Através da leitura de sua obra, associada à análise do contexto no qual foi produzida, pode-se obter uma visão das condições sociais, culturais e políticas do período, e uma análise de tal livro nos permite vislumbrar uma contribuição para o campo da literatura, para o campo da teoria queer, e, mais especificamente, para o campo da literatura de testemunho.

A CRÍTICA E OS DRAMAS DE HENRIK IBSEN NO BRASIL NOS ANOS 1890

Vanessa Cristina Monteiro (UNICAMP / FAPESP) Os dramas do norueguês Henrik Ibsen (1828-1906) começaram a ser encenados no Brasil no ano de 1895, por iniciativa de companhias dramáticas estrangeiras que freqüentemente se encontravam em tournée pela América do Sul. A leitura dos principais jornais fluminenses (como O País, Jornal do Comércio, Gazeta de Notícias), que circulavam na última década do século XIX, revela que Ibsen era o autor dramático mais polêmico e comentado na Europa. Na época, várias peças de sua autoria já tinham sido representadas nos teatros do velho continente, suscitando controvérsias e calorosos debates. Ibsen foi considerado um reformador da literatura dramática, por trazer inovações em seus textos teatrais, as quais iam de encontro a princípios e preceitos defendidos pelo “teatro tradicional” (romântico e realista), que, até aquele momento, dominara os palcos europeus, sobretudo franceses, do século XIX. As polêmicas e as discussões giravam em torno de temas, de recursos e de técnicas utilizadas pelo dramaturgo norueguês para produzir suas obras. O que chamou a atenção dos críticos, em especial dos admiradores e defensores do escritor, foi o fato de os dramas ibsenianos, os que integram a fase realista/naturalista de Ibsen, trazerem um “teatro de idéias”, que visava, a partir da representação cênica do texto, a incitar o espectador a refletir e, com isso, realizar mudanças significativas e profundas em sua vida. Nessa perspectiva, Ibsen privilegiou, em suas peças polêmicas, lançadas a partir dos anos 1870, temas atuais e pragmáticos, como os que se mostram embutidos nos dramas Casa de Boneca (1879) e Os Espectros (1881). Essas duas peças foram representadas no Brasil e marcaram profundamente o movimento teatral nacional. O drama Os Espectros subiu à cena brasileira pela primeira vez no dia 15 junho de 1895, no Teatro Lírico do Rio de Janeiro, por meio da Companhia Dramática Italiana do renomado artista Ermete Novelli (1851-1919). A montagem suscitou muitos comentários, sendo eles registrados na imprensa jornalística fluminense. Críticos teatrais importantes, como Artur Azevedo (1855-1908) e Olavo Bilac (1865-1918), vieram a público para expor suas opiniões acerca do dramaturgo reformador Ibsen e de sua obra. O drama traz à luz o tema do atavismo: Oswald herda terríveis vícios do falecido pai, o capitão Alving, e, por essa razão, os espectros, os fantasmas do falecido voltam a atormentar Helena Alving, esposa do capitão e mãe de Oswald. A questão temporal apresenta-se de maneira bem curiosa nesse drama: o tempo passado relaciona-se com o presente, com a sobreposição do primeiro ao segundo. Casa de Boneca foi outra peça ibseniana encenada na década de 1890. A montagem foi realizada no final de maio de 1899, pela Companhia Dramática Portuguesa de Lucinda Simões e Cristiano de Souza, no Teatro Santana (RJ). Por abordar o debatido tema da emancipação da mulher, o drama gerou discussões em todos os países onde foi representado. No Brasil, as discussões foram intensas na imprensa jornalística. Grande parte dos críticos teatrais não entendeu o entrecho da obra, sobretudo a resolução que Ibsen deu à ação dramática. A peça termina com Nora, a protagonista, abandonando o lar (marido e filhos), com o intuito de viver a sua vida e se ver livre para realizar suas vontades e desejos. Esse final foi contestado e contrariado pelo cronista Artur Azevedo, o que impulsionou a germinação de uma saborosa troca de argumentos entre ele e o crítico teatral e musical Luís de Castro (1863-1920), da Gazeta de Notícias. Outros críticos, como Oscar Guanabarino (1851-1937), além de críticos anônimos, também escreveram suas opiniões acerca desse drama ibseniano. Com base nesses dados, é relevante frisar que a montagem dos dramas de Ibsen anunciava o início de uma nova dramaturgia, a qual nortearia o teatro do século XX. O drama tradicional, pertencente ao teatro das convenções, ou melhor, ao “velho teatro” romântico e realista, entrava em “crise”. Trata-se da “crise do drama”, na fórmula cunhada por Peter Szondi. Assim, esta comunicação visa a tratar desse conturbado período de transição de uma dramaturgia

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tradicional para uma mais “moderna”, iniciado desde o final dos anos 1870 com o naturalismo teatral e que se reforçou com as representações de Os Espectros e Casa de Boneca. Uma nova dramaturgia florescia na virada do século XIX para o XX.

IDENTIDADES LINGÜÍSTICO-CULTURAIS EM LARES BILÍNGÜE S: INDÍCIOS DE POLÍTICAS FAMILIARES DE PRESERVAÇÃO OU ERRADICAÇÃO DA DIVERSI DADE?

Verônica Maria de Gouveia Coelho (UNICAMP)

Embora as políticas lingüísticas públicas hoje não sejam claramente repressivas no país – ao contrário, elas começam a acolher as minorias lingüísticas (línguas indígenas e Libras), as políticas familiares de bilingüismo são definidas por cada família a depender das línguas envolvidas (língua de prestígio ou não), do cônjuge falante dessa língua em oposição ao cônjuge falante da língua majoritária (pai ou mãe) e do contexto no qual a criança é/será criada. Há contextos em que a língua minoritária é negada em função de descriminação sócio-político-cultural. No caso de casamentos interétnicos, a questão da transmissão da língua materna do cônjuge imigrante se torna ainda mais complexa (Arnberg, 1987; Grosjean, 1982; Harding & Riley, 1988; Romaine, 1995), já que não há garantia de que a língua de interação entre o casal e com os filhos seja a língua minoritária no país em que residem. Sem uma intervenção mais consciente, sem uma política familiar bem planejada, o fato de o(a) parceiro(a) ser falante nativo(a) da língua dominante, da língua nacional, pode levar ao uso exclusivo ou predominante dessa língua no ambiente familiar e ao conseqüente desencorajamento do bilingüismo familiar. Assim, o objetivo geral da presente pesquisa é conhecer os fatores que tendem a impedir ou promover uma política familiar de manutenção e/ou transmissão da língua materna em situações de casamentos interétnicos, com o cônjuge imigrante residindo no Brasil. Para realizarmos o exame a respeito das representações (Hall, 1997; 1998; 2000; 2003; Bauman, 2003; 2005) que os sujeitos da pesquisa constroem acerca de sua identidade lingüística (Rampton, 1995) e de sua cultura (Hall, 2006; Silva, 2000), partimos das seguintes questões: a) Qual é o papel da identidade lingüística nesses processos? b) O status da língua materna - LM é percebido como um fator importante ou determinante dessa política? c) O status da LM minoritária no Brasil é percebido como um fator importante? d) A vinculação a grupos sociais (escolas bilíngües, igrejas, clubes, etc.) organizados por imigrantes – ou seus descendentes – é um fator importante para a promoção da LM minoritária? e) O vínculo com as redes familiares de origem é um fator importante?. Espera-se, assim, levantarmos questionamentos que nos permitam compreender as representações e identidades lingüístico-culturais que tendem a levar ao estabelecimento, ou não, de políticas familiares de bilingüismo em famílias bilíngües. Constitui-se em uma pesquisa interpretativista de cunho etnográfico (Erickson, 1986; Moita Lopes, 1994), na qual lançamos mão da perspectiva de Schwandt (2006), que aponta como objetivo do pesquisador interpretativista a reconstrução das auto-compreensões dos atores engajados em determinadas ações. Os registros desta pesquisa foram gerados em Campinas – SP, entre novembro de 2007 e novembro de 2008. Foram entrevistados 12 sujeitos (número de participantes da pesquisa, bem como suas línguas maternas ainda não é definitivo) falantes nativos de inglês, espanhol, filipino, árabe, alemão, indiano, holandês, coreano e português. Para atingir o objetivo desta pesquisa, a análise e discussão dos registros gerados estão sendo realizadas com base nos pressupostos teóricos norteadores deste estudo, referentes às categorias (as categorias aqui apresentadas estão sujeitas a alterações que possam ocorrer durante a análise das mesmas, ainda em andamento): (1) identificação de suas identidades linguístico-culturais (pergunta a); (2) identificação das identidades linguístico-culturais do cônjuge (pergunta a); (3) estabelecimento das relações entre suas identidades lingüísticas e culturais e a língua falada pelo cônjuge (perguntas b & c); (4) estabelecimento de referências ao status (majoritário ou minoritário) das línguas faladas pelo casal (perguntas b & c ); (5) estabelecimento de referências à vinculação a grupos sociais (escolas bilíngües, igrejas, clubes, etc.) organizados por imigrantes – ou seus descendentes (pergunta d); (6) estabelecimento de referências ao vínculo com as redes familiares de origem (pergunta e). Do ponto de vista teórico, a expectativa é que os resultados deste estudo possam servir de subsídio para se pensar políticas familiares de promoção da aquisição da língua materna do cônjuge imigrante e da subseqüente garantia do bilingüismo familiar, pautados pela compreensão das representações de língua e cultura que os sujeitos desta pesquisa nos oferecem acerca da relação entre língua e identidade, em contexto de casamentos interétnicos.

EXÍLIO, LAR E CIDADE: A ARQUITETURA DA IRLANDA DO N ORTE EM DUAS GERAÇÕES POÉTICAS

Viviane Carvalho da Annunciação (USP)

O objetivo deste trabalho é dar continuidade à nossa pesquisa de Iniciação Científica, que deu origem a de Mestrado intitulada “Seamus Heaney: Polifonia (da) Poética do Exílio” (ambas contempladas com bolsa FAPESP de dois anos), onde concluímos que o poeta desestabiliza a noção de subjetividade à medida que se afasta de seu lugar de origem. Rompendo com as noções lineares de espaço e tempo, Heaney compõe uma poética do exílio, fruto de uma consciência polifônica, em que a atividade poética depende das personae que fizeram parte de sua constituição artística, da culpa de ter-se exilado e do desejo de liberdade. A partir dessa consciência, proveniente de uma não-conformação a um espaço delimitado, surge uma pergunta: é possível que essa visão esteja igualmente presente nas

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gerações poéticas da Irlanda do Norte, uma vez que essa foi separada da República da Irlanda no acordo de independência? Se para Edna Longley (2005) a intertextualidade e a auto-reflexividade são constituintes da lírica do Norte, no exame dos poetas mais significativos, encontramos um tema recorrente: a distância e proximidade do lar, através do qual esses re-imaginam a arquitetura de suas cidades enquanto em ambiente estrangeiro. Acreditamos que estaria no limiar subjetivo de um não-lugar, ou na alienação de um lar, a fonte da pluralidade de visões impulsionadas pela dialética colonial. Nesse ponto também se instaura a consciência contrapontística do exílio (SAID: 2003, p. 59) em que um espaço de simultaneidades, produtor de imagens díspares, porém sobrepostas, desestabiliza as estruturas artísticas centralizadas até dado ponto em que não haja mais distinções entre consciência e inconsciência, exterior e interior e sujeito e objeto. Partindo do pressuposto que o material à disposição do poeta são as palavras, e de que determinado uso dessas, ao contrário de destruir a utopia platônica, confere significados e poder a específicos grupos sociais, pretendemos descrever como os poetas do Norte da Irlanda buscam uma cidade onde histórias são apagadas e reescritas continuamente. Entendemos, portanto, que é necessário revelar a planta de uma Irlanda do Norte arquitetada por artistas marcados por embates sectários e violência, mas, os quais, nos dias atuais, buscam meios para re- significar sua terra de origem, devido a uma liberdade que lhe foi concedida após noventa anos de lutas de independência. Desta maneira, “o poeta... erra pela cidade catando resto de rimas... [assim como] o trapeiro que, a todo instante, pára no seu percurso, lendo, selecionando e catando o lixo que encontra” (BENJAMIN: 1985, p. 122). Embora nessa passagem Walter Benjamin esteja se referindo às distintas imagens de Baudelaire, o crítico alemão, igualmente, considera tal atitude como proveniente de um exílio: enquanto Baudelaire se ausenta da atmosfera elitista de Paris, recolhendo-se a uma vida de pobreza e cindida da sociedade, Victor Hugo, retira-se de Paris de modo a denunciar o seu horror com o golpe imperialista de Luis Napoleão Bonaparte III. Desse fato, portanto, provém o seu diálogo com espectros e com o sobrenatural: um antídoto e denúncia contra um mundo em que a própria poesia não “alcançaria ressonância européia” (BENJAMIN: 1980, p. 55). Nesse ponto nos questionamos, seria negativa essa falta de alcance? Por que a poesia do Norte da Irlanda, lugar descentrado do próprio centro europeu, resistiu até o presente e atuou de forma participante nos bombardeios terroristas das décadas de sessenta e setenta? Do que é constituída essa lírica de guerra cuja pintura da cidade torna-se um quadro de aterrorizante placidez ? Seria na exploração do tema cidade e exílio o gancho que nos faz, seguindo os passos de Benjamin, descobrir como isso ocorre na poesia do Norte da Irlanda. Talvez não e comentada quanto a Paris do Segundo Império, mas instigante e produtora de múltiplas visões sobre a cidade, a Irlanda do Norte oferece inquietantes retratos citadinos, que podem revelar as contradições do espaço em que habitamos. De modo a efetivarmos nosso percurso de análise, pretendemos dividir os autores em dois grandes blocos: enquanto o primeiro será dedicado à concepção pré ou modernista de Louis MacNeice, o segundo se voltará à herança dos modernistas tardios, ou pós-modernistas Derek Mahon e Ciaran Carson. Dentro da nossa temática, surge a necessidade de se averiguar a natureza dos materiais artísticos da arquitetura da cidade por meio da linguagem poética. Nesse ponto, devemos nos indagar se é possível que esses lugares sejam pintados com tintas vanguardistas, principalmente porque, devido aos manifestos Cubistas, Futuristas e Surrealistas, a poesia deixa seu afluente etéreo para desembocar no caos cosmopolita. No caso dos poetas que pretendemos estudar, temos subjetividades cindidas tentando reconstruir lares que, ao serem formalmente arquitetados pela linguagem poética revelam tensões psicológicas e históricas. Assim, sua linguagem é mais mediada, quanto mais os conflitos se desenvolvem culturalmente.

OS CONCEITOS DE CRÍTICA DE ARTE E DE REFLEXÃO NA FO RMAÇÃO DO PENSAMENTO DE

WALTER BENJAMIN

Wagner de Ávila Quevedo (UNICAMP) A proposta do texto da presente comunicação pertence a um projeto de dissertação que estuda a tese de Walter Benjamin sobre o primeiro romantismo alemão, para compreender como ela mesma é essencial na formação de seu pensamento. Os passos da pesquisa são os seguintes: 1. compreender o contexto de formação da teoria romântica da arte, a partir da constituição do círculo de autores denominados primeiros românticos (Frühromantiker) em Iena, durante a última década do século XVIII; 2. compreender a influência dos desdobramentos da filosofia teórica de Kant (Crítica da Razão Pura, 1787) e de Fichte (A Doutrina da Ciência, 1794) no pensamento dos românticos, especialmente com foco no conceito de reflexão em ambos os autores; 3. com base nos passos anteriores, o terceiro momento busca analisar a tese de doutorado de Walter Benjamin, O conceito de crítica de arte no romantismo alemão (1919), que parte precisamente dos conceitos de crítica de arte e de reflexão desenvolvidos pelos primeiros românticos durante os anos da revista Athenäum (1797-1800), editada pelos irmãos August e Friedrich Schlegel; 4. o último passo procura compreender a relevância destes conceitos na formulação dos escritos de Benjamin, tendo em vista as afinidades de sua tese com o tratado sobre o drama barroco, Origem do drama barroco alemão (1925), cujo prefácio, articulado em torno dos conceitos de exposição (Darstellung) e de Idéia (Idee), remonta a suas investigações acerca dos pressupostos epistemológicos dos românticos. Alguns aspectos dessa influência romântica, como a teoria da linguagem e a crítica literária, serão considerados numa leitura de seus ensaios Sobre linguagem em geral e sobre a linguagem do homem (1916) e As afinidades eletivas de Goethe (1922). Como foco central do pensamento de Benjamin, o livro sobre o drama barroco será ora considerado como importante documento de uma teoria benjaminiana do conhecimento como “constelação conceitual”, a qual Benjamin utiliza largamente em seus escritos

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posteriores, assim como Adorno dela se valerá ao analisar a sociedade moderna (A atualidade da filosofia, 1931, Dialética do Esclarecimento, 1947 e Dialética Negativa, 1966). No estado atual da pesquisa, esta comunicação pretende abordar a formação da teoria romântica da arte na esteira da constituição de uma poesia romântica ou poesia universal progressiva nos fragmentos críticos de Friedrich Schlegel (Athenäum, 116), privilegiados na análise de Benjamin. No entanto, procura-se aqui apresentar um contexto imediatamente anterior, em que o conceito de poesia sentimental de Friedrich Schiller é decisivo para uma nova teoria da arte que começa a tomar forma em fins do século XVIII, na medida em que empreende uma justificação do moderno diante da arte dos antigos. Seu tratado Sobre poesia ingênua e sentimental (1795-6) é um primeiro documento teórico de convergência entre a recepção do clássico como modelo e a constituição do moderno como anseio pelo Ideal, em direção ao romântico. A teoria da arte esboçada quase ao mesmo tempo por Friedrich Schlegel, em Sobre o estudo da poesia grega (1795), define a poesia dos modernos como interessante, e sofrerá modificações a partir da influência de Schiller, como reconhecerá Schlegel no prefácio ao estudo, escrito em 1796. Para ele, o tratado de Schiller teria ampliado a compreensão das poesias clássica e moderna, de modo que isto será decisivo na constituição do romântico, como desenvolvido nos fragmentos críticos: Lyceum (1797), Athenäum (1798) e Idéias (1800), além de em Conversa sobre a poesia (1800), sendo estes últimos os textos a partir dos quais Benjamin elabora sua tese. Em vista dessas afinidades, propõe-se aqui um caminho de compreensão do primeiro romantismo: [1] primeiro, deve-se ler a importante contribuição de Schiller sobre o ingênuo e o sentimental como uma elaboração teórica da profunda transformação cultural européia após a recepção da cultura grega antiga, pois com ela se coloca a necessidade de teorizar a arte e a literatura modernas; [2] com este decisivo passo, a leitura de Schlegel, inicialmente preocupada em definir os antigos em seu valor objetivo, distinguindo os modernos através de conceitos como amaneiramento e poesia interessante, acaba se transformando a ponto de poder recolocar o problema da valorização do interessante em termos de uma arte de aproximação infinita de um Ideal; [3] por fim, dessas elaborações resulta o conceito de poesia romântica, que Schlegel distingue do de poesia moderna, na medida em que aquela não se define somente como artificialidade contraposta à naturalidade dos antigos, mas pretende como princípio supremo dar à humanidade a sua expressão, o que está implícito também no conceito de poesia universal progressiva.

VOZES DO RISONHO CAVALO DO PRÍNCIPE: ESTILO, ESTÉTI CA E ENSINO

Wladimir Stempniak Mesko (UNICAMP) Como livros de texto literário se transformam em objetos de ensino? Essa questão será enfocada no contexto dos ciclos finais do Ensino Fundamental, etapa da escolarização em que atuam os especialistas de Língua Portuguesa. Atualmente, pode-se dizer que este período de ensino não se caracteriza por uma política coesa de consumo de livros de texto literário na sala de aula. Do ponto de vista da formulação de currículos sensíveis a esta questão, podemos perceber dois movimentos de maior vulto: o primeiro, responsável por uma valorização do leitor (paralelo à defesa do usuário da língua na desmistificação da gramática da década de 80), propondo o fim de atividades tipicamente escolares com os livros: cobrar, avaliar, encaminhar para tarefas...; o segundo, sugerindo abordagens genéricas para o trabalho com livros (então fornecidos às escolas), sem aprofundar uma reflexão sobre o problema da modelização didática da leitura de romances específicos pelo público infanto-juvenil. Atualmente, a perspectiva do letramento literário traz à pauta a formação do leitor literário e sugere desafios para uma adequada escolarização desta leitura, como propõe Magda Soares. Este trabalho apresentará uma proposta de análise d’ O Risonho Cavalo do Príncipe − livro ganhador do prêmio Jabuti de 1993, escrito por José J. Veiga – num diálogo com a perspectiva da escolarização de sua leitura, elegendo como objeto de ensino a apreciação do estilo. Esta escolha metodológica pretende contribuir para o outro pólo das tarefas que o trabalho escolar com o letramento literário se propõe: a criação da atividade de leitura de um texto específico. Neste caso, o desafio é maior, pois se trata de considerar o espaço-tempo da aula e as interações que despertam e demandam o objeto livro, que não são iguais aos textos curtos presentes (por esta razão) nos livros didáticos. Porém, para os propósitos desta apresentação, delimitaremos nossa discussão a um aspecto deste texto literário − a construção da voz do narrador – levantando alguns pontos de vista sobre questões de estética e estilo em gêneros do discurso. A escolha de nosso texto de análise é em parte arbitrária, pois haveria inúmeras outras possibilidades no panorama contemporâneo da literatura, mas é também fruto de uma experiência concreta com este livro em sala de aula. O trabalho diferenciado de Veiga com a linguagem, que em nada lembra um texto ‘facilitado’ ao público escolar (aliás, trata-se de uma obra a ser enquadrada como ‘literatura infanto-juvenil’?), sugere o desafio de se abordar as construções estilísticas do autor de uma forma ao mesmo tempo criteriosa, sem se transformar numa análise (pseudo) gramatical ou abstratamente estrutural, e aberta às contra-palavras de um leitor responsivo, como quer Bakhtin. Na construção de um ponto de vista teórico atual, não se poderia deixar de lado as contribuições sobre os estudos dos gêneros do discurso em relação à estética do texto literário, nomeadamente as contribuições tanto do chamado Círculo de Bakhtin quanto as profícuas relações estabelecidas por Maingueneau neste campo. Portanto, nosso diálogo será com estes autores em nossa proposta de análise de um dos aspectos do livro abordado – a voz do narrador – e em nossa proposta de modelização didática e de um dos aspectos da leitura literária – a apreciação do estilo.