Lições da Educação do Campo: um enfoque nas Casses ... · GEFIN e Aluna do Mestrado Acadêmico...

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Lições da Educação do Campo 1 : um enfoque nas Casses Multisseriadas Ana Claudia da Silva Pereira 2 RESUMO O referido texto apresenta os resultados da pesquisa de campo desenvolvida no município de Santarém, principal cidade do Oeste paraense, e no município de Marabá, localizado na região Sudeste do Pará. O estudo foi desenvolvido visando um levantamento sobre a realidade das escolas multisseriadas por meio de entrevistas semi-estruturadas com estudantes, professores, pais, mães, membros das comunidades locais e gestores das secretarias envolvidos com essas escolas. O trabalho de campo se constituiu numa pesquisa qualitativa, de abordagem descritiva e analítica considerando a escola do campo interligada com a história coletiva dos sujeitos e aos fatores estruturais mais abrangentes, evidenciando os fatores sociais, econômicos e culturais que permeiam o interior dessas escolas e de seus sujeitos. Palavras-chave: Educação do Campo e Classes Multisseriadas Introdução O presente texto pretende socializar o resultado da pesquisa de campo realizada nas comunidades rurais e ribeirinhas dos municípios de Santarém e Marabá 3 . O estudo foi realizado visando o levantamento da realidade das escolas multisseriadas, a partir das relações estabelecidas entre comunidade escolar e professores; escola e Secretaria de Educação; professor – aluno, professor e pais; dentre outros, evidenciando os fatores sociais, econômicos e culturais que permeiam o interior dessas escolas e de seus sujeitos, com o intuito de elaborar um diagnóstico sobre a realidade das mesmas nesses municípios. Para alcançar esse objetivo foram realizadas coleta de dados, observações e entrevistas junto às Secretarias Municipais de Educação e às escolas multisseriadas, envolvendo dirigentes, educadores, estudantes e comunidade escolar sobre a realidade das classes multisseriadas, objetivando elaborar um diagnóstico preliminar sobre a realidade enfrentada pelas classes 1 Passou-se a usar a expressão campo a partir da Primeira Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo realizada em Luziânia – GO, nos dias 27 a 30 de julho de 1998. 2 Licenciada Plena em Formação de professores para o Pré-escolar e 1ª a 4ª série do Ensino Fundamental pela Universidade do Estado do Pará. Licenciada Plena em Pedagogia pela Universidade Federal do Pará. Especialista em Metodologia do Ensino Superior – UEPA. Integrante do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação do Campo – GEPERUAZ, do Grupo de Estudos e Pesquisa em Gestão e Financiamento da Educação - GEFIN e Aluna do Mestrado Acadêmico em Educação do Programa de Pós-Graduação do Centro de Educação da Universidade Federal do Pará – UFPA. 3 Projeto de Pesquisa "Classes Multisseriadas: Desafios da Educação Rural no Estado do Pará/ Região Amazônica", financiado pelo CNPq na chamada de Fomento à Pesquisa do Programa Norte de Pesquisa e Pós-Graduação - PNOPG (01/2001), para ser desenvolvido no biênio 2002- 2004

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Lições da Educação do Campo1: um enfoque nas Casses Multisseriadas

Ana Claudia da Silva Pereira2

RESUMO

O referido texto apresenta os resultados da pesquisa de campo desenvolvida no município de Santarém, principal cidade do Oeste paraense, e no município de Marabá, localizado na região Sudeste do Pará. O estudo foi desenvolvido visando um levantamento sobre a realidade das escolas multisseriadas por meio de entrevistas semi-estruturadas com estudantes, professores, pais, mães, membros das comunidades locais e gestores das secretarias envolvidos com essas escolas. O trabalho de campo se constituiu numa pesquisa qualitativa, de abordagem descritiva e analítica considerando a escola do campo interligada com a história coletiva dos sujeitos e aos fatores estruturais mais abrangentes, evidenciando os fatores sociais, econômicos e culturais que permeiam o interior dessas escolas e de seus sujeitos.

Palavras-chave: Educação do Campo e Classes Multisseriadas

Introdução

O presente texto pretende socializar o resultado da pesquisa de campo realizada nas

comunidades rurais e ribeirinhas dos municípios de Santarém e Marabá3. O estudo foi realizado

visando o levantamento da realidade das escolas multisseriadas, a partir das relações

estabelecidas entre comunidade escolar e professores; escola e Secretaria de Educação; professor

– aluno, professor e pais; dentre outros, evidenciando os fatores sociais, econômicos e culturais

que permeiam o interior dessas escolas e de seus sujeitos, com o intuito de elaborar um

diagnóstico sobre a realidade das mesmas nesses municípios.

Para alcançar esse objetivo foram realizadas coleta de dados, observações e entrevistas

junto às Secretarias Municipais de Educação e às escolas multisseriadas, envolvendo dirigentes,

educadores, estudantes e comunidade escolar sobre a realidade das classes multisseriadas,

objetivando elaborar um diagnóstico preliminar sobre a realidade enfrentada pelas classes

1Passou-se a usar a expressão campo a partir da Primeira Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo realizada em Luziânia – GO, nos dias 27 a 30 de julho de 1998. 2 Licenciada Plena em Formação de professores para o Pré-escolar e 1ª a 4ª série do Ensino Fundamental pela Universidade do Estado do Pará. Licenciada Plena em Pedagogia pela Universidade Federal do Pará. Especialista em Metodologia do Ensino Superior – UEPA. Integrante do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação do Campo – GEPERUAZ, do Grupo de Estudos e Pesquisa em Gestão e Financiamento da Educação - GEFIN e Aluna do Mestrado Acadêmico em Educação do Programa de Pós-Graduação do Centro de Educação da Universidade Federal do Pará – UFPA.3 Projeto de Pesquisa "Classes Multisseriadas: Desafios da Educação Rural no Estado do Pará/ Região Amazônica", financiado pelo CNPq na chamada de Fomento à Pesquisa do Programa Norte de Pesquisa e Pós-Graduação - PNOPG (01/2001), para ser desenvolvido no biênio 2002-2004

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multisseriadas no Estado do Pará. O levantamento nos municípios foi realizado nos meses de

maio e junho de 2004.

O texto inicia com algumas questões sobre a educação do campo no Brasil enfocando seu

processo histórico e suas atuais perspectivas. Em seguida abordaremos alguns aspectos

significativos dos municípios investigados, procurando abordar as principais questões referentes à

sua origem e evolução histórica, caracterização demográfica e sócio–econômica, manifestações

culturais. Discutiremos também a importância do município frente à oferta dos serviços

educacionais sistema educacional do município. Por último, estaremos enfocando alguns fatores

que segundo os professores, gestores, pais e alunos, dos municípios pesquisados, são

responsáveis pelas maiores dificuldades enfrentadas, hoje, na educação do meio rural.

É mister ressaltar que partimos do princípio de que historicamente as escolas do campo não

estão descoladas de um contexto global e local. A existência e a necessidade dessas escolas

devem ser entendidas como formas articuladas do movimento da totalidade.

Não é a nossa intenção apontar aqui, qual seria a melhor fórmula para que a escola do

campo mudasse o perfil que, durante décadas, não sofreu transformações, pois a escola continua

ainda com as mesmas deficiências, principalmente no que diz respeito às estruturas físicas, mas

sim discutir, a partir do resultado da pesquisa, que, as escolas do campo continuam sendo

atendidas por uma educação que não leva em consideração suas especificidades.

Educação do Campo: questões e debates

Falar sobre Educação do Campo não é tarefa nada fácil. Requer, no mínimo, compreender

o processo histórico que envolve essa educação, assim como suas atuais perspectivas, quando se

passou a usar a expressão campo e não mais a expressão rural, tentando explicitar importância de

abordar o conjunto de pessoas que vivem no campo incluindo camponeses, quilombolas, nações

indígenas, entre outros.

Pautando-se nessas reflexões, pode-se dizer que compreender a Educação do Campo e seu

contexto histórico é entender a organização escolar brasileira; bem como a formação social do

seu povo, moldada num longo período de colonização, escravidão e latifúndio, onde a força de

trabalho é focalizada pela classe privilegiada como uma atividade manual sem importância, não

sendo necessária a qualificação escolar.

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Apesar de o Brasil ser um país de origem agrária, mesmo tratando-se de um sistema econômico

caracteristicamente calcado no colonialismo, no latifúndio e no trabalho escravo, a educação do campo

não é contemplada nas constituições de 1824 e 1891. Nesse panorama, a educação escolar é voltada

para os setores da sociedade que vão compor e ocupar os espaços e processos de industrialização.

Os primeiros indícios de preocupação com a educação no campo são registrados no início

do século XX, nos Anaes dos seminários e congressos rurais realizados naquele período, quando

“a difusão de novos valores urbanos se processa, desenvolve-se mais uma ideologia para

conservar e justificar o statu quo: trata-se do ruralismo” (NAGLE, 1974, p. 25). Para Nagle, o

ruralismo atuou como elemento anti-industrialista, empregando recursos para manter a

predominância do universo agrário-comercial utilizando a educação como instrumento de

controle para o crescente movimento migratório da população dos espaços rurais para os urbanos

com a promessa de elevar a produtividade no campo.

Mesmo com os seminários e congressos rurais do início do século XX, é somente a partir

dos anos 30 que começa a delinear-se um modelo de educação voltado para o campo amarrado ao

programa de governo da candidatura de Getúlio Vargas a Presidência da República, onde “a

educação aparece como um dos instrumentos apropriados para assegurar a valorização do

homem e melhorar a condição de vida dos brasileiros sob o ponto de vista moral intelectual e

econômico” (HORTA, 1994, p. 1), sendo que, o projeto de “modernização do campo”, como

ficou conhecido na época, foi patrocinado e gerido por organismos de “cooperação” norte-

americana e difundido através do sistema de assistência técnica e extensão rural.

No âmbito legal, a Constituição de 1934 traz uma abrangência maior de tratamento dos

aspectos da educação, marcada pelo Manifesto dos Pioneiros, que expressa a nova relação de

forças que se instalou na sociedade a partir das insatisfações de setores cafeicultores, intelectuais,

classe média e até massas populares urbanas. Essa Constituição assegura, mesmo que de maneira

ainda frágil, o financiamento para o atendimento escolar do campo como responsabilidade do

poder público. No entanto, Horta (1994) nos chama atenção dizendo que “o estado aproveita ao

máximo as divergências existentes, reconciliando-as e arbitrando os conflitos, para atender aos

diferentes grupos, mas que em última análise, procura colocar o sistema educacional a serviço

de sua política autoritária”.

Em 1937, é decretada a Constituição que sinaliza para a importância da educação

profissional no contexto da indústria e não traz proposições para o ensino agrícola. A

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Constituição de 1946 retoma o incremento ao ensino na zona rural contemplado na Constituição

de 1934, mas diferentemente desta transfere à empresa privada, inclusive às agrícolas, a

responsabilidade pelo custeio desse incremento; fixa como um dos princípios a serem adotados

pela legislação de ensino, a responsabilidade das empresas com a educação; retoma a

obrigatoriedade de as empresas industriais e comerciais ministrarem, em cooperação, a

aprendizagem de seus trabalhadores menores, excluindo desta obrigatoriedade as empresas

agrícolas.

O modelo escolar brasileiro, a partir da década de 40, segundo LEITE (1999) incorporou três

características:

a) Conteúdos focados no processo de urbanização e industrialização; b) Privilegiava interesses de certas classes sociais e não considerava a diversidade dos sujeitos sociais existentes no Brasil rural e urbano, a sua cultura, as suas diversas formas de organizar o trabalho e a vida e c) Privilegiava conhecimentos relativos ao mundo ocidental industrializado. (p.30,31)

Com essas características a escola foi institucionalizada no campo sem levar em conta os

seguintes aspectos: a população a quem se destinava; o contexto onde estava situada; as relações

sociais produtivas e culturais e a necessidade de formação sócio-cultural desse povo.

O mesmo se repete nas constituições de 1967 e na emenda de 1969, quando se estabelece

a obrigatoriedade das empresas convencionais agrícolas e industriais, com o ensino primário

gratuito para seus empregados e seus filhos de 7 a 14 anos.

Como podemos perceber, historicamente, o modelo de desenvolvimento brasileiro

comandado pelas elites, deixava claro, a negociação do direito de acesso e permanência na escola

para a população do campo. Partindo dessa premissa é possível entender porque o Brasil,

especialmente o meio rural, apresenta os mais baixos índices de escolaridade do mundo.

Todo este contexto ajuda a explicar porque o Estado relegou escola do campo a um plano

inferior, na maioria das regiões brasileiras, tendo transferido, até a década 1970, este seu encargo

à iniciativa de particulares e das comunidades. Da mesma forma, ajuda a entender porque o Brasil

rural apresenta, hoje, os mais baixos índices de escolaridade de toda a sociedade brasileira, como

também explica o porquê do total de trabalhadores analfabetos, nada menos do que 32,7% estão

no meio rural.

Em contrapartida a esses fatos, já no início da década de 60, os movimentos sociais,

sindicais e algumas pastorais se organizaram e passaram a desempenhar papel determinante na

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formação política de lideranças do campo e na luta pela reivindicação de direitos no acesso a

terra, água, crédito diferenciado, saúde, educação, moradia, entre outros.

A partir década de 1980 esses movimentos ganharam mais força e visibilidade entre as

pessoas comprometidas com a educação para o meio rural. Um nítido sentimento da necessidade

de uma educação diferenciada que atendesse aos anseios dos jovens rurais e suas famílias

começou a ganhar força a partir de teses defendidas por pensadores como Paulo Freire, que ao

logo da vida desenvolveu a “educação libertadora”. “Seu enfoque principal é a conscientização

do cidadão ante as pressões advindas do capitalismo exploratório e seu papel diante das

distorções histórico-sociais por ele produzidas” (LEITE, 1999). Entende-se, portanto, que a

escola não transforma a sociedade, mas pode ajudar a formar os sujeitos capazes de mudar a

situação de opressão em que vivem.

Essas articulações trouxeram a discussão sobre as características da educação do campo,

marcada não somente pela histórica precarização das escolas rurais, mas pelas especificidades de

uma realidade social, política, econômica e cultural complexa, que incorpora diferentes espaços,

formas e sujeitos. Essas especificidades devem ser respeitadas e incorporadas às políticas

públicas e no projeto político-pedagógico da educação do campo.

Como vimos ao longo da história da Educação brasileira, pouco se tem estudado sobre as

condições em que se encontram as escolas do campo. Essas escolas que historicamente funcionou

nas comunidades do interior deste Brasil encontram-se relegadas ao abandono, estigmatizadas

pelo nome de escolas isoladas sem perspectivas de mudanças.

Como um marco histórico, a Constituição de 1988 abriu caminhos para a sociedade

discutir como seria a escola, mais adequada aos interesses dos sujeitos do campo. Anos depois, a

Lei de Diretrizes e Bases (LDB – Lei Nº 9394/96) abriu a perspectiva de consolidação de um

novo modelo, no artigo 28, ao enunciar:

[...] Na oferta de educação básica para a população rural, ao sistema de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação, às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente: a) conteúdos curriculares e metodologias apropriadas à reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural; b) organização escola própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas; c) adequação à natureza do trabalho na zona rural.

Instituindo-se o direito à igualdade do acesso à educação e do respeito às diferenças,

possibilitando mudanças significativas nas constituições estaduais e a abertura de caminhos para

uma educação do campo que respeite a realidade do campo.

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Apesar de LDB pautar no seu Art. 28, sobre as adaptações necessárias na oferta de

Educação Básica para a população rural, às políticas públicas que começarem a surgir a nível

nacional4 e estadual, com o intuito de melhor direcionar a educação que deve ser desenvolvida no

meio rural, ainda são elaboradas sem levar em consideração a realidade dos sujeitos que ali

vivem.

Essas questões são importantes para serem enfocadas e debatidas porque demonstram a

importância de estarmos afirmando que o “campo está vivo”, que nele existem crianças,

adolescentes, jovens e adultos com suas culturas, conhecimentos e identidades que vem sendo

silenciados ao longo de nossa história.

Foi pensando não apenas em denunciar esse silêncio que nosso estudo foi realizado, mas

também, para destacar as possíveis conseqüências que esse silenciamento trouxe a população do

campo paraense. Enfatizando que a discussão que se segue é baseada nas observações e

entrevistas realizadas nos municípios de Marabá e Santarém, mais precisamente nas comunidades

rurais e ribeirinhas desses municípios.

Caracterização dos municípios investigados5

Os referidos municípios não foram escolhidos por um acaso, mas sim pela importância

que cada um tem dentro do Estado do Pará e de suas mesorregião. Santarém, por exemplo, é

considerado o principal município do Pólo Tapajós. O município tem 340 anos de emancipação

político – administrativa.

Em termos populacionais, Santarém encontra-se entre as maiores cidades do Estado, com

272.237 habitantes segundo a estimativa da contagem populacional do IBGE 2004. No que se

refere à comparação com a população do Estado, Santarém detêm 4,24% do número de

habitantes, com uma densidade demográfica de 10,8 habitantes por km2. Sua maior estrutura

etária se encontra entre os de 15 a 64 anos de idade com 99.671 da população.

O município oferece uma variedade de atrações turísticas, como a famosa confluente do

seu principal rio, o Tapajós, de água esverdeadas com as águas barrentas do Amazonas, o maior

rio em volume de água do mundo. A cidade vem da grande nação indígena dos Tapajós que

4 Exemplo do Plano Nacional de Educação, elaborado nos anos 90 e aprovado em 2000.5 Informações elaboradas a partir de dados contidos nos seguintes sites: www.amat.org.br/ www.pa.gov.br/ www.skorpioet.com.br.

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deixaram como herança a mais expressiva e antiga arte da Amazônia: a Cerâmica Tapajônica,

também conhecida como “Cerâmica de Santarém”.

Marabá, também é considerado um dos principais municípios da região Sudeste do

Estado do Pará, pois a cidade é cortada por várias rodovias, entre elas, a BR-230, conhecida

como Transamazônica, e a PA-150, que liga o sul e sudeste do Estado a capital, Belém. Além

disso, sua vasta extensão territorial, tem uma paisagem singular que abriga expressivos depósitos

minerais. O município tem 83 anos de amancipação política – administrativa. Sua extensão

territorial é de 15.288,16 km2.

Em termos populacionais, Marabá encontra-se entre as maiores cidades do Estado, com

191.508 habitantes segundo a estimativa da contagem populacional do IBGE em 2004. Sua

maior estrutura etária se encontra entre os de 15 a 64 anos de idade com 99.671da população.

Marabá tem um pólo econômico diversificado, que inclui a pecuária, a agricultura, a pesca e

o distrito industrial. Na pecuária destacam-se os rebanhos bovinos, bubalino, eqüino, asinino e

muar. O tipo de agricultura predominante é de subsistência, com produção de arroz, feijão,

mandioca, manga, laranja e banana. No setor pesqueiro, o excedente é destinado à exportação. A

produção de manganês, ferro, cassiterita e ouro sustentam o setor mineral.

O maior problema social do município de Marabá continua sendo o alagamento de áreas

urbanas. As famílias residentes nos bairros de Novo Planalto, Velha Marabá e parte da Nova

Marabá são duramente atingidas com enchentes, e quase sempre precisam abandonar suas casas,

perdendo tudo nas cheias do rio Tocantins. Em conseqüência, formam-se poças de água e

proliferam mosquitos transmissores de doenças como dengue.

Segundo informações dos técnicos da prefeitura do município, o problema de alagamento

nas áreas urbanas poderia ter sido evitado se o planejamento feito para a cidade tivesse sido

cumprido. Marabá possui uma planta urbana considerada padrão, mas que foi completamente

distorcida ao longo de sua ocupação. Os erros foram tão graves que fizeram com que o município

ficasse sem nenhuma área pública. É surpreendente saber que se a prefeitura precisar construir

uma escola terá de comprar um terreno porque não dispõe de um metro quadrado de sua

propriedade. A maioria das pessoas que moram nessas áreas que alagam é de migrantes da região

Nordeste que vêm até Marabá em busca de terras.

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A importância do município nas políticas educacionais

As mudanças na política educacional brasileira, sobretudo a partir dos anos 90, têm

emprestado um papel significativo às instâncias municipais, quando princípios como os da

descentralização, da democratização e da participação têm justificado novos arranjos no

reordenamento das estruturas e funcionamento dos sistemas de ensino.

Estudar as políticas educacionais a partir deste período significa também estudar os

processos de redistribuição das responsabilidades das esferas de poder no que concerne à oferta

dos serviços educacionais; significa analisar as formas como estão sendo operacionalizadas as

garantias de oportunidade de oferta para todos; assim como, atentar para as tendências do poder

público no sentido de cumprir os direitos de cidadania do homem brasileiro no que se refere à

educação seja no campo ou na cidade.

Com a implantação da LDB, o município passa a ter atribuições e responsabilidades não

experiênciadas anteriormente. Nesse sentido torna-se fundamental para o êxito da gestão

educacional o conhecimento detalhado de toda a legislação pertinente à educação e suas

conseqüentes responsabilidades.

A Lei 10.172, de janeiro de 2001, que aprovou o Plano Nacional de Educação (PNE),

também criou no seu artigo 2º, uma obrigação para que os Estado, o Distrito Federal e os

municípios: “a partir da vigência da Lei, com base no Plano Nacional de Educação, elaborasse

seus planos decenais correspondentes”.

Apesar dessa exigência, os Municípios de Santarém e Marabá ainda não possuem um

sistema de ensino legalmente criado. Todas as questões educacionais de ordem legal são tratadas

pelo Conselho Estadual de Educação. Em Santarém, encontra-se em tramitação o processo de sua

criação, assim como a aprovação de seu regimento e de órgãos necessários ao seu funcionamento,

como é o caso do Conselho Municipal de Educação que já foi criado, mas que ainda não

funciona.

Como já foi dito a partir da LDB6 a luta por uma educação do campo, pública e de

qualidade, com garantia de acesso e permanência, foi intensificada na pauta de diferentes

organizações e entidades, constituindo-se num amplo movimento nacional, que teve como um

dos resultados a I Conferência Nacional: Por uma Educação Básica do Campo, em Luziânia

(GO), nos dias 27 a 30 de julho de 1998, onde se fortaleceu o Movimento de Articulação

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Nacional por uma Educação do Campo, e que foi fundamental para a construção do referencial

das Diretrizes Operacionais para a Escola do Campo.

As Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo foram aprovadas

pela Resolução de nº l, de 3 de abril de 2002, da Câmara de Educação Básica do Conselho

Nacional de Educação, trazem um marco às políticas públicas do campo, pois ela além de ser

uma reinvidicação historica dos movimentos sociais do campo, é também um compromisso

assumido pelo Governo Federal para a construção de politicas publicas inovadoras que possam

demonstrar a impotancia do campo como espaço de inclusão social, a partir de uma nova visão de

desenvolvimento.

Um fato importante que não podemos deixar de colocar aqui, advindo também com a

LDB, é que a mesma oportuniza aos municípios poderem optar pela forma que julgar mais

adequada para a organização de seu sistema de ensino, como diz o seu Art. 23º: “A educação

Básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais. Ciclos. Alternância regular

de estudos, grupos não seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios”.

No entanto, todos os artigos da LDB que tratam da esfera municipal indicam que os

municípios devem optar por um sistema próprio, em regime de colaboração com os demais,

abrindo brechas para que se tome como referência o modelo urbano de organização curricular, ou

seja, o modelo disciplinar aplicado através da seriação, afetando diretamente a educação do

campo, onde os alunos são atendidos predominantemente via classes multisseriadas.

Partindo desse pressuposto, nosso estudo mostra que apesar do Movimento Nacional por

uma Educação do Campo e da implantação das Diretrizes Operacionais, ainda é muito grande as

causas relacionadas ao acesso e permanência dos alunos nas escolas do campo. Causas que vão

além daquelas que são comumente apontadas pelo poder público ou pelas estatísticas

educacionais.

Diríamos que para compreender a problemática atual da educação do campo e

especificamente das classes multisseriadas é necessário cruzar aspectos, tais como: a

precariedade da estrutura física das escolas; as longas distâncias percorridas pelos sujeitos

para chegar às escolas; as irregularidades com relação à merenda escola; inexistência de

material didático; descaso com a formação dos docentes; falta de acompanhamento pedagógico;

Relação Escola-Pais e Comunidade e Situações de trabalho Infanto-juvenil e o Currículo.

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É levando em consideração esses fatores, que a educação do campo, e mais

especificamente as classes multisseriadas, devem ser compreendidas e analisadas, para que não se

continue caindo no marasmo de que ela é apenas uma extensão da educação oferecida no meio

urbano.

É mister ressaltar que os fatores acima mencionados são segundo os professores, gestores

pais e alunos, dos dois municípios pesquisados, os principais responsáveis pelas maiores

dificuldades enfrentadas na educação do meio rural. Para melhor compreensão a cerca do que foi

dito pelos sujeitos envolvidos no processo investigativo, procuraremos abordar alguns desses

itens conforme foram citados.

A precariedade da estrutura física das escolas

Nossa pesquisa aponta que as escolas do campo, tanto do município de Santarém quanto

de Marabá, funcionam inicialmente em casa ou barracões cedidos por algum morador. A maioria

delas tem espaços limitados e não proporcionam um ambiente adequado para que os alunos se

acomodem no momento em que estão estudando.

Em Santarém, já existem bastantes escolas reformadas em alvenaria, cobertas com telhas

de barro com depósito, cozinha e dependências sanitárias, área para servir a merenda e uma sala

de aula. Já em Marabá, poucas são as escolas que apresentam uma infra-estrutura diferenciada,

pois praticamente todas que visitamos estavam em péssimo estado de conservação como

podemos conferir na foto e na fala das próprias professoras:

A estrutura da escola é péssima. A escola ta pra cair todas as duas. Foram os pais mesmos que fizeram as escolas. Uma é de palha, tanto que na época que eles vão por fogo na roça é aquele medo. (Professora C. C.)

Aqui em Marabá, no meio

rural, é difícil você vê uma escola bonita, porque na maioria das vezes quem constrói são os próprios moradores, e eles não têm muita noção de como se faz. Para eles, é só levantar e cobrir e já estar pronta. (Professora M.A.)

Fonte: Arquivo GEPERUAZ

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Como podemos observar as crianças se apertam em um pequeno espaço coberto por

cavacos6 e palhas, com uma estrutura muito precária, para não ficarem sem estudar. Portanto,

podemos dizer que na sua maioria, as escolas multisseriadas não possuem uma estrutura física

adequada às atividades pedagógicas, dificultando o trabalho do professor e prejudicando

consideravelmente o aprendizado dos alunos.

As longas distâncias percorridas pelos sujeitos para chegar às escolas

A maioria dos alunos vem andando, a distância é grande, são 8 km ou mais, mas eles já estão acostumados, além do mais, eles vêm brincando um com os outros. O problema só é porque eles chegam muito suados e agitados. Então eu tenho que esperar um pouquinho para começar a aula. (Professora.R. C.).

Tanto no município de Santarém quanto em Marabá para se chegar a uma escola

multisseriada é preciso percorrer uma grande distância, tanto por parte dos gestores que precisam

fazer o acompanhamento pedagógico quanto dos professores e alunos que precisam chegar até a

escola, pois, as comunidades são distantes umas das outras e a quantidade de crianças em cada

comunidade é insuficiente para que seja construída uma escola em cada uma delas.

Existem escolas tão distantes que chegam a funcionar até com 10 alunos. Isso só ocorre

porque não existem alternativas de deslocamento para outras escolas, muitas vezes a escola mais

próxima fica a 10 Km de distância como afirma um dos professores:

Para chegar até a escola é muito difícil, à estrada não é boa. Eu venho de dois transportes: um me deixa longe da escola 10km, aí eu tenho uma bicicleta que quando desço do carro venho nela, nesse eu pago mais barato. Tem outro que vem até a escola, nesse eu saio de casa de madrugada pego um carro até certa mediação lá eu desço e espero outro carro que vem me deixa aqui perto da escola, só que nesse eu pago mais caro. (Professor – D. C.).

Analisando essa dificuldade de acesso às escolas, tanto por parte dos alunos quanto dos

professores, a SEMED de Santarém disponibilizou para a região de Planalto7 a doação de 05

canoas com motor (rabeta) e aluguéis de 03 barcos e 22 ônibus, atendendo em média a 2.529

alunos. Em Marabá alguns Ônibus são usados como transporte escolar para facilitar o

deslocamento dos alunos. Esses transportes conduzem, principalmente, os alunos de 5ª a 8ª para

6 Pequenos pedaços de madeiras comumente utilizados nas comunidades paraenses para cobrir casas7 Em Santarém as escolas estão divididas em duas regiões: as dos planaltos e as dos rios.

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as escolas pólos8. Segundo informações da pessoa responsável pelo acompanhamento desses

alunos “isso não resolve, mais ameniza o problema”.

Para facilitar ainda mais, tanto em Santarém quanto em Marabá, os professores moram

quase que todos nas comunidades onde trabalham. Mesmo aqueles que são da cidade quando

assumem o trabalho em determinada comunidade a prefeitura negocia com as pessoas do local

para ceder um lugar onde esse professor possa morar, justamente para não atrapalhar o

andamento das aulas.

A questão da merenda escolar

Como sabemos o desempenho escolar está ligado a vários fatores, na educação do campo,

um dos fatores bastante citado por professores e alunos, é o caso da merenda escolar, já que está

na maioria das vezes, é a única refeição que a criança faz no dia e quando não existe a merenda

os alunos não conseguem ficar o tempo todo da aula e pedem para ir embora porque estão com

fome. Os professores dão seus depoimentos de forma emocionados, tamanha é sua preocupação

com a questão. Como podemos constatar na fala de um professor:

Eu considero que trabalhar no campo é difícil, mas não é impossível. Agora, o que me deixa pra baixo mesmo, é quando não tem merenda. Porque a merenda incentiva os alunos a virem para a escola. Eles fazem os deveres com vontade, porque vai chegar uma hora em que eles vão parar para merendar, ou melhor, para se alimentar. Porque para maioria essa é a única alimentação de todo o dia. E quando não tem a merenda é preciso andar de casa em casa atrás deles e, quando vem, não ficam até o final. Quando eu posso, trago alguma coisa para eles comerem, e quando eu não posso, sofro junto com eles. (A. M.)

Vários outros pontos foram destacados sobre a questão da merenda escolar, por exemplo, a

questão de os professores já possuírem varias funções além da docência e quando tem merenda

na escola ele precisar prepara essa merenda, tendo em vista que não tem ninguém para fazer isso.

Segundo os mesmos, o tempo que ele destina a preparação da merenda é um tempo que ele não

consegue repor em sala de aula.

Outro ponto é quanto à dificuldade da merenda chegar até as comunidade. Isso acontece

ou por falta de transporte por parte da secretaria de educação ou pelas péssimas condições das

vias de acesso às escolas que não permitem que o carro chegue até lá, coisa que é muito comum

no município de Marabá.

8 São escolas maiores localizadas em determinadas comunidades repensáveis para atender alunos de outras comunidades que ficam localizadas em uma área considerada mais próxima possível desta, onde não tem escola ou não atende a um determinado nível de ensino.

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No período do inverno é muito difícil chegar a merenda escolar, porque ela é deixada a 10km de distância da escola e a estrada fica muito ruim para trafego, e de bicicleta precisa dar varias viagens para conseguir trazer a merenda, as vezes eu pago os carroceiros das fazendas para trazerem até aqui. (Professora A . F.)

Segundo os professores para que a escola não fique sem merenda o próprio professor vai

buscar a merenda e às vezes ainda arca com as despesas de transporte. No entanto, o empenho

dos professores para que se tenha à merenda escolar é evidente, principalmente, por concordarem

que essa merenda é um fator atrativo dos alunos de baixa renda e influencia no rendimento

escolar.

Descaso com a formação dos docentes

A profissão de professor combina sistematicamente elementos teóricos com situações

práticas reais. É difícil pensar na possibilidade de educar fora de uma situação concreta e de uma

realidade definida. Por essa razão ao se pensar no professor que trabalha nas escolas do campo se

imagina que ao realizar sua formação inicial ou continuada, a ênfase tenha sido a prática como

atividade formativa e um dos aspectos centrais a ser considerado, com conseqüência decisiva

para a atuação junto aos sujeitos e a realidade que ali vivem.

No entanto, nas nossas idas e vindas ao município pesquisado, vimos e ouvimos

questionamentos constantes sobre o despreparo dos professores para atuarem nas escolas do

campo, principalmente aquelas que são multisseriadas, tendo em vista a não formação para

atuarem junto às mesmas. Como podemos ver no depoimento de uma diretora das escolas

pesquisadas:Não há uma proposta de formação para os professores que atuam nas escolas do campo e é disso que eles mais reclamam, porque na verdade, é muito complicado orientar com se trabalhar nessas escolas já que são as turmas são na sua grande maioria multisseries. Acredito que não existe nem profissionais para ensinar os professores das classes multisseriadas.

Atualmente, observamos que em boa parte dos cursos de licenciatura, a aproximação do

futuro professor a realidade escolar acontece somente nas disciplinas que enfocam a questão

prática, ou seja, o contato com a realidade que o professor ira enfrentar todos os dias enquanto

profissional da educação, ele só conhece após ter passado pela formação “teórica” tanto nas

disciplinas especificas como nas disciplinas pedagógicas.

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Acreditamos que o caminho deve ser outro, desde o ingresso dos alunos no curso de

formação é preciso integrar os conteúdos das disciplinas em situações da pratica que coloque

dilemas e situações problemáticas aos alunos e lhes possibilite experimentar soluções. Isso

significa ter a prática, ao longo do curso, como referentes diretos para comparar as situações

vivenciadas com os estudos que está fazendo e formar seus próprios conhecimentos e convicções.

Isso quer dizer que os alunos precisam conhecer o mais cedo possível os sujeitos e as situações

com que irão trabalhar.

Por conta de os cursos de formação não terem essa preocupação é, que muitos professores

ao se depararem com determinada realidade, como as peculiares da educação do campo, não

sabem como agir e acabam muitas vezes desistindo ou reproduzindo metodologias que não são

condizentes com experiências sociais e culturais dos sujeitos que vivem no campo, como diz

Mançano ao comentar sobre o parágrafo único do Art. 2º das Diretrizes Operacionais para a

Educação Básica nas Escolas do Campo9: “A identidades da escola do campo é definida pela sua

vinculação às questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes

próprios dos estudantes”, ou seja, é preciso que se conheça a realidade do campo, no sentido de

compreendê-las e desvelá-las juntamente com os sujeitos que lá vivem.

Segundo os professores de Santarém, uma das maiores dificuldades enfrentadas é a

escassez e, às vezes, a inexistência, na zona rural, de cursos de formação continuada, ou curso de

capacitação para professores que atuam nas escolas do campo.“Deveria haver um curso de

preparação somente para os professores das classes multisseriadas. A gente sente muita falta de

metodologias que ajudem a gente a trabalhar a diversidade que existe em uma classe

multisseriada”. Diz uma das professoras.

Para Nóvoa (1992), não há ensino de qualidade e inovação pedagógica, sem uma

adequada formação de professores. A formação consistente do professor, tanto inicial como

continuada, é essencial na compreensão, de forma crítica e reflexiva, das teias de relações que

fundamentam a escola.

Segundo informações dos técnicos da SEMED de Santarém, essa não preparação dos

professores para atuarem nas escolas do campo, acaba a cada inicio de ano, trazendo problemas

para eles comporem o quadro de professores que irão atuar nas mesmas. Os professores dizem

9 Contido na 2º edição do número 4 da coleção Por uma Educação do Campo – Educação do Campo: identidade e políticas públicas. 2002

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que “além de serem destacados para trabalharem nas classes multisseriadas, a localização

geográfica e a remuneração não entusiasmam ninguém”.

Apesar de os técnicos das secretarias de educação fazerem essa reclamação quanto a não

preparação dos professores, durante nossa estadia no municípios tivemos a oportunidade de

participar de uma formação continuada envolvendo todos os professores do Ensino Fundamental

e, no entanto, não vimos esforços para que se trabalhassem de forma diferenciada com os

professores das escolas do campo, pelo contrario, eles chegaram um pouco atrasados por conta do

transporte e quando chegaram às turmas já estavam lotadas e a maioria deles ficou sem participar

no primeiro dia do curso.

Ao perguntarmos - por que o planejamento não foi organizado levando em consideração

as dificuldades dos professores que atuam nas escolas do campo, não somente no que diz respeito

a dificuldade por conta do problema do transporte para chegar até a cidade, mas principalmente,

pela peculiaridade de seu que trabalho e pelas experiências que com certeza eles tem e podem

está contribuindo com os outros - a técnica da SEMED responsável pela organização do curso

me respondeu: Nós não priorizamos ninguém, assim como os outros deram o jeito de chegar, eles deveriam ter dado também. Além do mais, se fizermos uma turma somente para eles, estaremos inferiorizando o trabalho deles e não é isso que nós queremos, pelo contrário, nós queremos é que haja uma integração maior entre os nossos professores e que eles tenham a mesma formação que todos os outros.

Como podemos perceber, a discussão sobre como trabalhar o ensino-aprendizagem nas

escolas do campo não é definitivamente o interesse dos que estão gerindo a educação nesse

município. No entanto, acreditamos que é preciso sim, discutir com os professores sobre a escola

rural, é preciso ratificar a sua realidade, a dimensão dos seus sujeitos quanto à cidadania, o

processo produtivo, os saberes, as culturas. Enfim, como diz Arroyo “é preciso ver o campo

como parte do mundo e não como aquilo que sobra além das cidades”, ou seja, Os professores

que reclamam tanto que não há formação adequada para atuarem nas escolas do campo, são

intimados a fazerem um curso, que discuti toda uma metodologia para ser aplicada nas escolas

urbanas, tendo que fazer a “tal” da adaptação ao chegar em sala de aula.

A educação do campo requer compromisso social para que o processo pedagógico seja

efetivado com base em uma realidade onde atuam sujeitos históricos que tem culturas, singulares,

diferentes, mas não inferior. Como diz Mançano:

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O Campo é lugar de vida, onde as pessoas podem morar, trabalhar, estudar com dignidade de quem tem o seu lugar, a sua identidade cultural. O campo não é só lugar da produção agropecuária e agroindustrial, do latifúndio de grilagem de terras. O campo é espaço e território dos camponeses e dos quilombolas. É no campo que estão as florestas, onde vivem as diversas nações indígenas. Por isso tudo o campo é lugar de vida e sobretudo de educação (2002, p.92)

O modelo de formação inicial ou continuada que vem sendo realizada pelo município

pesquisado são incompatíveis com os princípios das Diretrizes Operacionais, com o Movimento

Nacional Por uma Educação do Campo e por todos nós que acreditamos em uma educação de

qualidade para todos, incluindo nesse todos a educação do campo e as escola multisseriada, pois

acreditamos em “[...] uma educação do campo [...] sustentada no enriquecimento das experiências

de vida, obviamente não em nome da permanência , nem da redução destas experiências, mas

em nome de uma reconstrução dos modos de vida [...]” (DIRETRIZES . 2003, p.43)

O Currículo

A palavra curriculum, de origem latina, significa o curso, a rota, o caminho da vida ou das

atividades de uma pessoa ou grupo de pessoas. Currículo, termo empregado em educação,

significa a organização de atividades escolares que serão realizadas pelo professor e seu grupo de

alunos. O currículo educacional representa a síntese de conhecimento e valores que caracterizam

um processo social expresso pelo trabalho pedagógico no espaço concreto da sala de aula, sob a

orientação de um professor.

Entendemos, portanto, que o lugar do currículo nessa na discussão é central porque é

através dele que se organiza o processo educativo na escola. É através dele que percebemos se a

escola vai ser um mero local de transmissão de conhecimentos teóricos, ou um centro de

formação humana que leve em consideração a realidade, a cultura, o conhecimento e identidade

de seus alunos, promovendo uma educação mobilizadora de forças capazes de resgatar o sonho e

a esperança dos homens, mulheres e crianças do campo.

Sobre o currículo, Leite (1999, p.106) faz a seguinte definição “currículo para nós, não é

simples elenco de conteúdo ou disciplinas, mas sim um complexo de atividades e propostas de

ações de estratégias, (...)”. Essa definição enfatiza que o currículo constitui um norteador da

prática docente.

Durante muito tempo à organização curricular vem sendo concebida como uma ação

voltada para modelar as consciências dos alunos. A educação, através da ação curricular serve

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como modo de reprodução das estruturas, normas e valores da sociedade. Essa educação reproduz

na escola a distribuição injusta de bens e serviços na sociedade.

Quando nos voltamos para a educação do campo, foco de nosso estudo, percebemos que o

currículo adotado nas escolas é um plágio da educação urbana, pois não se tem um currículo

especifico destinado a educação do campo que respeite as suas peculiaridades. Pois é mister

ressaltar que ao se pensar em currículo para a zona rural é necessário que se atente para as

peculiaridades referentes, principalmente, ao período produtivo, e ao fator climático e a questão

geográfica de cada região. Como diz o Art. 7º das Diretrizes Operacionais para a Educação

Básica nas Escolas do Campo:

É de responsabilidade dos respectivos sistemas de ensino, por meio de seus órgãos normativos, regulamentar as estratégias especificas de atendimento escolar do campo e a flexibilização da organização do calendário escolar, salvaguardo, nos diversos espaços pedagógicos e tempos de aprendizagem, os princípios da política de igualdade.

No caso de Santarém, já existe um calendário diferenciado para a região de várzea que

fica encoberta pelas águas no período que vai de dezembro a março, impossibilitando os alunos e

os professores de chegarem às escolas.

No entanto, em outras regiões do planalto santareno, assim com o em Marabá, o período

da colheita do arroz, milho, feijão, soja, entre outros, é caracterizado pelo índice de evasão, tendo

em vista que os filhos deixam a escola para prestarem auxílio aos pais na colheita desses

produtos. Os professores entrevistados alegam dificuldades para lidar com essa situação, com

enfatiza umas das professoras:

A maior dificuldade que enfrentamos aqui na escola é a questão da falta. Os alunos faltam muito, eles até vêm para a aula, mas os pais chegam e dizem:“professora licença , eu queria que a senhora deixasse o Joãozinho sair, porque a gente está cortando arroz e ele precisa me ajudar”. Então você vê que os alunos são retirados de dentro da sala de aula para trabalhar. (Professora - A .F.)

Frente a isso, a desistência na maioria das vezes acontece, pelo fato de os alunos se

ausentarem durante muitos dias da sala de aula, perdendo a vontade de retornar quando termina a

colheita. Alguns alunos, por insistência dos pais, chegam a voltar, mas acabam obtendo um

péssimo desempenho nas avaliações, levando-os a reprovação ou a dependência de estudo no

final do ano. Diante disso, é que defendemos que se adote um calendário flexível que proporcione

condições de aprendizagem ao aluno filho dos trabalhares do campo.

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Além isso, o ensino na zona rural torna-se desinteressante aos anseios dos alunos, ainda

mais quando esse currículo tenta evidenciar, entre outros argumentos, a superioridade do meio

urbano sobre o meio rural, fazendo menção ao atraso e ignorância dos que lá vivem.

Isto significa que os conteúdos curriculares das escolas do campo não responderam às

necessidades dos pais e agora dos seus filhos. Para que essas maiorias possam realizar-se como

pessoas e sejam mais eficientes e produtivas, necessitam de conhecimentos que sejam úteis e

aplicáveis para melhorar o desempenho nas ocupações majoritárias e, especialmente para que

possam desempenhar, com eficiência, outras atividades que são mais valorizadas pela sociedade e

pelo mercado de trabalho. O verniz pseudo-cultural e intelectual, tão freqüente nos nossos

obsoletos currículos, não contribui ao atingimento de nenhum desses dois objetivos.

O abismo existente entre aquilo que a escola ensina e o que os educandos realmente

necessitam aprender é simplesmente inaceitável. Ele é tão prejudicial à nossa juventude, ao setor

produtivo e ao futuro das nossas nações, que não podemos continuar aceitando inconsistentes

teorizações, justificativas e elucubrações dos que insistem em manter nos currículos o

supérfluo, em vez de substituí-lo pelo essencial. A sociedade como um todo, deve exigir que os

sistemas educativos adotem transformações radicais, corajosas e imediatas; porque as medidas

adotadas pelo referido sistema nas últimas décadas demonstraram ser mal

priorizadas/direcionadas, insuficientes e ineficazes. Os cidadãos, que através dos seus impostos

estão financiando esse anacrônico sistema de educação e pagando as conseqüências dessa má

qualidade educativa, têm todo o direito de exigi-lo; e o sistema de educação tem o dever de acatar

essa justíssima reivindicação.

Os conteúdos que a maioria dos educandos, provavelmente, nunca utilizará deverão ser

sumariamente extirpados dos currículos e substituídos por outros que tenha maior probabilidade

de ser utilizados pelos educandos no seu dia-a-dia. É necessário oferecer-lhes uma educação que

os ajude a transformar suas realidades adversas, corrigir as suas ineficiências e solucionar os seus

problemas cotidianos.

Acreditamos que o currículo adotado nas escolas do meio rural deva primar pelo

conhecimento de questões que são relevantes para a vida do aluno. Ler, escrever e contar não são

as únicas formas de conhecimento que o professor deva priorizar. As questões da realidade

devem ser colocadas na educação do campo, possibilitando ao aluno das classes multisseriadas

condições de participar da construção da sua própria história.

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Frente a essa realidade, o currículo para escola do campo deve dar conta da participação

da comunidade no processo de ensino-aprendizagem, criando espaços de discussões e debates,

promoveria uma articulação entre comunidade e alunos levando-os buscar soluções para os

problemas comuns dentro do local onde vivem.

Entendemos que o papel fundamental da educação no desenvolvimento das pessoas e das

necessidades amplia-se e aponta para a urgência de se construir uma escola voltada para a

formação de cidadãos. Isso impõe uma revisão dos currículos, que orientam o trabalho

cotidianamente realizado pelos professores das classes multisseriadas no Estado do Pará.

Considerações Finais

A educação é compromisso público e social e direito de todo cidadão como afirma a

Constituição Federal, a LDB, o Plano Nacional de Educação, as Diretrizes Operacionais para as

Escolas do Campo, enfim, as leis oficiais de nosso país. No entanto, a população da área rural

permanece em franca desvantagem em termos de qualidade e participação à educação pública.

Reverter esse quadro constitui em um desafio inadiável para corrigir as desigualdades do sistema

educacional brasileiro e assegurar o direito de todos a uma educação de qualidade.

Sabemos que a sociedade brasileira é marcada por sociais hierarquizadas e por privilégios

que reproduzem um altíssimo nível de desigualdade, injustiça e exclusão social. Na medida em

que boa parte da população não tem acesso a condições de vida digna e encontram-se excluídas

da plena participação nas decisões que determinam os rumos da vida social em nosso país.

Quando iniciamos nossa pesquisa tinha consciência dessas relações, no entanto, quando

nos deparamos com a realidade da educação oferecidas nas escolas do campo compreendemos

que a injustiça é muito maior do que não ter as condições de vida digna ou não ter participação

nas tomadas de decisões, ou melhor, chamar de injustiça, é pouco, para o que é feito com os

educandos das escolas do campo, não porque eles estudam em uma escola que tem várias séries

ou idades diferentes, pois a diversidade sempre esteve presente nas salas de aula, na formação

heterogênea das turmas, nos diferentes ritmos de aprendizagem, no contato com as várias

realidades sociais e culturais.

Os municípios investigados têm se empenhado em atender a todas as crianças em idade

escolar. Nas comunidades em que tem poucos alunos para estudar eles formam uma classe

multisseriada. O que nos preocupa é quanto a forma com que a cultura e a identidade desses

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sujeitos vem sendo aniquiladas através de um modelo de ensino disciplinar, seriado, que há muito

tempo já vem sendo considerado ultrapassado e ineficiente. A vida no campo diferencia-se da

urbana não só pelo espaço que ocupa geograficamente, mas principalmente pela ligação que as

pessoas têm com a terra e seus frutos. Nesse meio, uma educação igual à da cidade provoca

desinteresse e desistência em massa.

Conforme informações coletadas a situação educacional das escolas do campo nos

municípios investigados é crítica porque ao longo dos anos os investimentos e incentivos do

poder público na área foram insignificantes. Implicando nos seguintes desafios: adotar

calendários escolares compatíveis com as necessidades locais, implementação de programas

educativos que habilite os educadores a atuarem nessas escolas, manutenção dos transportes

escolares, criação de incentivos financeiros para os educadores destacados para trabalhar nas

regiões de difícil acesso.

Os educadores não estão qualificados para trabalhar com alunos de níveis de

escolaridade, de aprendizagem e ritmos diferentes, situações familiares complexas, idades

variadas e possibilidade ou empecilhos múltiplos. E as longas distâncias que são percorridas tanto

por educadores, quanto por educandos para participar das aulas, em locais de difícil acesso, onde

também, os meios de comunicação e transportes são precários.

Um outro fator que apesar de não ser foco específico de nosso estudo, mas que não pôde

fugir aos nossos olhos, foi quanto à questão dos gestores das escolas do campo. Considerando as

experiências vivenciadas nas escolas pesquisadas, observou-se que a predominância das

atividades do diretor de escola, caracteriza-se ainda por questões meramente administrativas e

com muito um atendimento ainda muito mais deficiente tendo em vista que o modelo de

nucleação adotado em Santarém, por exemplo, onde o diretor fica quilometro de distância do

cotidiano escolar dos alunos, evitando assim, discussões e planejamentos coletivos.

O planejamento participativo que vem sendo bastante discutido pelo fato de congregar

interesses e questões prioritárias decididas coletivamente, em nenhum momento foi mencionado

durante a entrevista ou nos diálogos com gestores e professores. O que constatamos foram

planejamentos feitos isoladamente sem a participação coletiva de todos os sujeitos envolvidos no

processo ensino-aprendizagem.

Outro ponto de extrema relevância a se considerar numa desejável reestruturação

administrativa das escolas do campo, visando a uma gestão escolar consistente, diz respeito aos

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conselhos escolares. Hoje esses conselhos quase não existem nas escolas do campo de Santarém e

Marabá. Os que existem se atêm às questões de avaliação do rendimento discente, com pelo

menos duas funções irrelevantes: A primeira consiste na avaliação do aluno, ou seja, à

verificação de seu desempenho através de provas, hipervalorizando as notas e conceitos, como se

a isso pudesse garantir a apreensão do conhecimento por parte dos mesmos. A segunda tem sido

o de reunir com os pais para jogar a culpa do fracasso escolar sobre o aluno, sob a alegação de

que este “não quer aprender”.

Fala-se muito em trabalhar a realidade dos alunos, porém, o que se vê nas salas de aula é

um projeto puramente teórico, longe do contexto da criança, transportando-a para um mundo

desconhecido e descaracterizando-a de seu mundo real. Deixando lacunas em seu aprendizado,

enfatizando a cultura urbana, esquecendo seu mundo rural.

Tomando como base nossa pesquisa podemos dizer que apesar de haver uma vasta

discussão acerca da importância da democratização da escola pública, o que se viu, foi práticas

totalmente centralizadas, mesmo que estas estejam, na maioria das vezes, camufladas em belos

discursos de cunho democrático.

Nossa pesquisa também constatou que para a maioria das famílias que vivem no campo,

o Ensino Fundamental no primeiro seguimento (da 1ª a 4ª série) é a única oportunidade em suas

vidas de adquirir maiores conhecimentos e informações. Mostra também que infelizmente, as

escolas que ali estão não estão cumprindo com esta importantíssima função, porque os seus

conteúdos e metodologias são disfuncionais e inadequados às necessidades produtivas e

familiares do meio rural.

O que vimos na maioria das escolas que visitamos e que ainda se entedia as crianças

exigindo-lhes que memorizem temas de escassa e duvidosa relevância; e não se lhes ensina de

maneira criativa, participativa e prática aquilo que realmente necessitam aprender para tornarem-

se empreendedores, mais auto-gestores e mais auto-dependentes.

São escolas que continuam agregando gerações de futuros agricultores, agricultoras, pais

e mães de família, com baixíssima auto-estima, sem os conhecimentos, sem as atitudes e sem os

valores que necessitam para serem agricultores mais eficientes, melhores educadores dos seus

filhos e solidários e atuantes em suas comunidades. Entendemos que a educação oferecida nas

escolas do campo deva formar cidadãos dotados de mais auto-confiança pessoal de modo que

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possam ser eficientes e ativos solucionadores dos problemas que ocorrem nos seus lares,

propriedades e comunidades.

Nossa pesquisa foi de fundamental importância para aprofundarmos uma discussão que

até então estava camuflada pelos dados estatísticos, tendo em vista que o Censo Escolar não

apresenta dados referentes nem as matrículas em classes ou escolas multisseriadas, avalie de

outras questões que são de fundamental importância para o sucesso de uma boa educação em

nosso país e especificamente na educação do campo como foi colocado no decorrer deste

trabalho.

Pode parecer chavão sim. Mas continuamos acreditando que uma educação voltada para a

cidadania não se resolve apenas garantindo a oferta de vagas, mas sim oferecendo um ensino de

qualidade, ministrado por professores capazes de incorporar ao seu trabalho os avanços das

pesquisas nas diferentes áreas de conhecimentos e de estar atentos às dinâmicas sociais e

culturais da realidade local e suas implicações no âmbito escolar. Uma educação que garanta as

aprendizagens essenciais para a formação de cidadãos autônomos, críticos e participativos.

Em suma, este é um caminho que pode ser percorrido por pesquisadores da área

educacional, no sentido de fomentar pesquisas e subsidiar o poder público a implantar políticas

para que se reverta o quadro e se corrija as iniqüidades do Sistema Educacional Brasileiro no

sentido de assegurar o direito de obter uma educação de qualidade para todos os cidadãos.

Nosso intuito em realizar este trabalho não foi só de socializar o que vimos, registramos e

sentimos, mas principalmente para dizer que é nesse contexto que as escolas do campo existem,

resistem e insistem, pedindo socorro, na ânsia que um novo olhar se volte para elas, um olhar que

a compreenda dentro do contexto e das condições que aqui foram colocadas.

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