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UNIBAN UNIVERSIDADE BANDEIRANTE DE SÃO PAULO CONSELHO DA PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA DOUTORADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA GLORIA MARIA ALVES RAMOS UMA HISTÓRIA DO ENSINO DA MATEMÁTICA NAS SÉRIES INICIAIS DO COLÉGIO PEDRO II (1984 2009) São Paulo 2012

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UNIBAN UNIVERSIDADE BANDEIRANTE DE SÃO PAULO

CONSELHO DA PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

GLORIA MARIA ALVES RAMOS

UMA HISTÓRIA DO ENSINO DA MATEMÁTICA NAS SÉRIES INICIAIS DO COLÉGIO PEDRO II

(1984 – 2009)

São Paulo 2012

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R143h Ramos, Glória Maria Alves

Uma história da matemática nas séries iniciais do Colégio Pedro II (1984 –

2009). /Glória Maria Alves Ramos. - São Paulo, 2012.

212 f.: il.; 30 cm.

Tese (Doutorado - Área de concentração; História da matemática) –

Universidade Bandeirante de São Paulo / Anhanguera Educacional. Programa

de Pós-Graduação em Educação Matemática.

Orientação: Professor Dr. Ubiratan D’Ambrosio

1. Educação matemática. 2. História da Educação matemática. 3. Ensino

primário I. Título.

CDD: 372.7

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GLORIA MARIA ALVES RAMOS

UMA HISTÓRIA DO ENSINO DA MATEMÁTICA NAS SÉRIES INICIAIS DO COLÉGIO PEDRO II

(1984 – 2009)

Tese apresentada como exigência parcial à Banca Examinadora da Universidade Bandeirante de São Paulo – UNIBAN, para obtenção de título de Doutor em Educação Matemática, sob a orientação do Prof. Dr. Ubiratan D’Ambrosio.

São Paulo 2012

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FOLHA DE APROVAÇÃO

RAMOS, Gloria Maria Alves.

UMA HISTÓRIA DO ENSINO DA MATEMÁTICA NAS SÉRIES INICIAIS DO

COLÉGIO PEDRO II (1984 – 2009)

Tese apresentada no Programa de Pós Graduação

em Educação Matemática da

Universidade Bandeirantes de São Paulo

para a obtenção do Título de Doutor(a)

em Educação Matemática.

Aprovada em: .......... / ......... / .........

Banca Examinadora

Prof. Dr................................................ Instituição .................................................

Julgamento: ....................................... Assinatura ................................................

Prof. Dr................................................ Instituição .................................................

Julgamento: ....................................... Assinatura ................................................

Prof. Dr................................................ Instituição .................................................

Julgamento: ....................................... Assinatura ................................................

Prof. Dr................................................ Instituição .................................................

Julgamento: ....................................... Assinatura ................................................

Prof. Dr................................................ Instituição .................................................

Julgamento: ....................................... Assinatura ................................................

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Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta tese por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a OLODUMARÊ e Meus Ancestrais Benditos por chegar aqui e poder compartilhar essa data querida com gente igualmente querida.

Daria uma outra tese, com muitos capítulos de história e muitas referências guardadas em muitos anos de amizade, o que teria para escrever aqui para a minha Amiga, Irmã, Companheira, Parceira e Cúmplice, Alma Irmanada nessa vida e na outra <DENISE MEDINA>.

Denise, de tão amiga que foi, é e será para sempre, que nossa amizade é carregada em nosso DNA.

Nossas Mães se tocam, Nossas filhas também carregam esse gene da amizade.

Essa amizade é tão transcendente, que sua família, mãe, marido, filho e filha, sogro, tias e outros agregados podem ser incluídos neste abraço de gratidão.

Janete, Marcos, Isabela e Lucas, esse título que me honra e me enche de orgulho e engrandece a mim e a minha família, é Nosso. Eu o devo muito a vocês que me acolheram e me fortaleceram nesses quatro anos dessa dura e importante jornada.

À Professora Diva Noronha pela sua acolhida e oportunidade de fazer um encantador resgate desta rica história que é razão dessa narrativa.

Aos Amigos e Amigas, Colegas dessa “viagem”. Obrigado a vocês por fazerem-na comigo acreditando e fortalecendo cada um dos meus passos. Obrigado por participarem de uma parte tão importante da minha vida.

Olhando daqui, agora, passou relativamente rápido, mas cada viagem foi intensa.

Obrigado a Todos e Todas. À Beth Monteiro, Beatriz Boclin, Vera Cabana e Geraldo Vieira, colegas do CP II que me receberam no NUDOM sempre com muita atenção e gentileza, colaborando para o sucesso de muitas teses.

Aos Querido(a)s Mestres da Uniban que também me acolheram com calor e simpatia.

Aos funcionário(a)s pela atenção e cuidado.

Por fim à Minha Família. Filhos, Filha,

À Mãe e Irmãs com quem eu dividi, entreguei, confiei meus bens mais preciosos, pelos quais tudo isso valeu muito a pena. E eu só, humildemente porém orgulhosamente, agradeço às Minhas Crianças pela força e compreensão.

A banca que muito me honrou com sua preciosa disponibilidade, atenção e valorosas contribuições.

A Todos e Todas pelo respeito e fortalecimento nessa viagem tensa e intensa para um elevado patamar da minha trajetória profissional: “Tornar-se Doutora”.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho às Mulheres, Afrodescendentes, Mães, Amigas, Companheiras que por quaisquer motivos ainda não alcançaram a zona de conforto. É também por Nós que eu empenho minha Energia, Força, Luz Fé! E por isso eu também luto.

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In Memorian

Em memória de Juçara Roque Carrapateiro, Colega da primeira turma

de Professoras do Pedrinho, uma das criadoras do SOE, atual SESOP, que sempre brincava conosco dizendo: “Piaget mandou lembranças.”

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RESUMO

RAMOS, G. M. A. Uma história do ensino da matemática nas séries iniciais do

Colégio Pedro II (1984 – 2009). 218f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-

Graduação em Educação Matemática, Universidade Bandeirantes de São Paulo,

São Paulo, 2012.

Esse estudo pretende apresentar para apreciação uma história sobre o processo de

construção e implantação da proposta de ensino de Matemática nas séries iniciais

do Colégio Pedro II no período compreendido entre 1984 e 2009, no marco de seus

25 anos. Traça também a trajetória de construção do 1º segmento e de sua proposta

inovadora para o Colégio que inaugurava as séries iniciais, bem como a formação

das professoras, trazendo a tona suas lutas de representação. Para tanto opta por

produzir uma narrativa que ajude compreender algumas indagações, a saber: o que

representou a proposta do ensino para Matemática no 1º segmento do Colégio

Pedro II, os seus efeitos sobre o Colégio e o impacto na criação do 1º segmento?;

qual a abordagem dada ao ensino das atividades de Matemática lecionadas nos

Pedrinhos, suas possibilidades e as principais influências teórico metodológicas,

desmembrando a proposta em três partes: onde foram feitas, por quem foram feitas,

como foram feitas além de buscar compreender os efeitos dessa produção. Aliado a

isso pretende-se identificar e destacar como foi feita a proposta curricular

recuperando as principais influências que incidiram sobre ela entre as quais as

contribuições da equipe do Laboratório de Currículos do Estado do Rio de Janeiro

na elaboração, organização e execução do guia de orientação curricular, que foi a

base da proposta de formação em serviço das professoras do 1º segmento do CP II,

suas características. O estudo em tela aporta-se no campo da história da educação

matemática e para tanto ancora-se em referencias teórico e metodológicas da

história da educação e da história da educação matemática, tomando para conduzir-

nos com as prerrogativas da produção histórica princípios apontados por Marc Bloch

e a indicação do uso de técnicas recomendado por Michel De Certeau. O estudo irá

passar pela história do ensino primário (1824 a 1996) através dos principais marcos

legislativos nacionais, pela história da educação matemática com ênfase na reforma

da matemática ocorrida no Colégio Pedro II e pela história da educação tomando

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como marco histórico a fundação do Colégio Pedro II com intuito de interceptar

esses eventos no programa de ensino de matemática no primário do CP II. A

narrativa que virá a ser produzida apresentará as principais protagonistas destes

eventos no Colégio. São as Professoras primárias/polivalentes e para compreender

essa produção lançamos mão aportes de Michel de Foucault, no que se refere aos

discursos enunciados por esse corpo docente, por entender o programa de ensino

de matemática como um discurso. O lugar onde se passa esta narrativa que merece

destaque no texto, para tanto será descrito o Pedrão - CP II - Fundamental II e

ensino médio (antigos ginásio e colegial), em apresenta-se o Pedrinho abordando

porque, como, quando foi criado e qual seu impacto na comunidade escolar interna.

O estudo em tela se diferencia ao trazer um olhar da história do Colégio que

embalou a trajetória do 1º segmento. A RELEVÂNCIA desse estudo se detém a

alguns aspectos: 1.Na sua área de concentração que é História da Educação

Matemática; 2. Em construir suas referências na história da educação, com ênfase

na história e construção do ensino primário no país e no Colégio buscando seus

vestígios desde o início da construção de um sistema de educação para o país a fim

de compreender e explicar como este segmento de ensino se encontra nos dias

atuais. Esse estudo é uma das oportunidades ímpares de começar a elaborar a

memória viva do Pedrinho com muitos olhares sobre a criação do primário no

Colégio.

Palavras-chave: Educação Matemática. História da Educação Matemática. Ensino

Primário.

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ABSTRACT

RAMOS, G. M. A. A history of mathematics teaching in the early grades of the

College Pedro II (1984 - 2009). 218f. Thesis (Ph.D.) - Graduate Program in

Mathematics Education, Bandeirantes University of São Paulo, São Paulo,

2012.

This study intends to submit for consideration a story about the process of

construction and implementation of the proposed teaching of mathematics in the

early grades of Colegio Pedro II in the period between 1984 and 2009, as part of its

25 years. It also draws the path of construction of 1st segment and its innovative

proposal to the College that inaugurated the early grades, as well as training of

teachers, bringing out their struggles representation. For that chooses to produce a

narrative that helps understand some questions, namely: what accounted for the

proposed school for Mathematics in the 1st segment of the Colegio Pedro II, its

effects on the College and the impact on the creation of the 1st segment?, Which

approach to the teaching of mathematics activities taught us Pedrinhos, its

possibilities and the main theoretical influences methodological dismembering the

proposal into three parts: where they were made, by whom they were made, were

made as well as seeking to understand the effects of this production. Allied to this is

intended to identify and highlight how the proposed curriculum was made recovering

the major influences that have focused on it including the contributions of the staff of

the Laboratory Curriculum of the State of Rio de Janeiro in the preparation,

organization and implementation of the guidance curriculum, which was the basis of

the proposed in-service training of teachers of the 1st segment of the CP II, its

characteristics. The study on the screen brings up the story in the field of

mathematics education and is anchored in both theoretical and methodological

references the history of education and history of mathematics education, taking to

lead us with the prerogatives of historical production principles pointed out by Marc

Bloch and the indication of the use of techniques recommended by Michel De

Certeau. The study will go through the history of primary education (1824 to 1996)

through the main national legislative frameworks, the history of mathematics

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education with emphasis on the reform of mathematics occurred in the Colegio Pedro

II and the history of education taking as the foundation of the landmark College

Pedro II in order to intercept these events in the program of teaching mathematics in

primary CP II. The narrative that will be produced to present the main protagonists of

these events at the College. Teachers are the primary / polyvalent and understand

this production we used injections of Michel Foucault, in relation to speeches

enunciated by this faculty to understand the teaching program as a mathematical

discourse. The place where this story goes that deserves mention in the text, both

will be described for the Pedrão - CP II - II Elementary and middle school (old high

school and collegiate), is presented in Pedrinho addressing the why, how, when it

was created and which impact on internal school community. The study differs in

screen to bring a look of history of the College that cradled the trajectory of the 1st

segment. The relevance of this study has some issues: 1.Na their area of

concentration is the History of Mathematics Education, 2. In building their references

in the history of education, with an emphasis on history and construction of primary

education in the country and the College seeking its vestiges from the start of

construction of an education system for the country in order to understand and

explain how this segment of education is today. This study is one of the unique

opportunities to begin to develop the living memory of many looks with Pedrinho

about the creation of the Primary School.

Keywords: Mathematics Education. History of Mathematics Education. Primary

Education.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABE – Associação Brasileira de Educação

APE – Assessoria de Projetos Especiais

C.A. – Classe de alfabetização

CECIERJ - Centro de Ciências do Estado do Rio de Janeiro

CECIGUA – Centro de Ciências do Estado da Guanabara

CECIMIG - Centro de Ciências do Estado de Minas Gerais

CEIAA – Colégio Estadual Ignácio Azevedo do Amaral

CEN – Centro Educacional de Niterói

COC – Conselho de Classe

CP II – Colégio Pedro II

DOU – Diário Oficial da União

FAB – Força Aérea Brasileira

FACTA – Publicação interna ao Colégio Pedro II que trazia os atos normativos

oficiais da Direção Geral

GEPEM – Grupo de Estudos e Pesquisas de Educação Matemática

IESAE_FGV - Instituto Superior de Administração e Economia / Fundação Getúlio

Vargas

IREM - I.R.E.M. - Institut de Recherches pour l'enseignement de Mathemátique, de

Lyon

LDB – Lei de Diretrizes e Bases

LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MEC – Ministério da Educação

NUDOM – Núcleo de Documentação e Memória

Pedrão - Unidades de 2º Segmento do Ensino Fundamental e Ensino Médio

Pedrinho – Unidades de 1º Segmento do Ensino Fundamental

PGE – Plano Geral de Ensino

PPP – Projeto Político Pedagógico

PREMEM_MEC – Programa de Expansão e Melhoria do Ensino do Ministério da

Educação

PUC-Rio – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

SBEM – Sociedade Brasileira de Educação Matemática

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SEEduc RJ – Secretaria de Estado de Educação do Estado do Rio de Janeiro

SME_PCRJ – Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura da Cidade do Rio de

Janeiro

SOE – Setor de Orientação Educacional

SESOP – Setor de Supervisão e Orientação Pedagógica

STEA – Setor Técnico de Ensino e Avaliação

UE EN II – Unidade Escolar Engenho Novo II

UEHI – Unidade Escolar Humaitá I

UE SC – Unidade Escolar São Cristóvão

UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro

UNIBAN – Universidade Bandeirante de São Paulo

UNICAMP – Universidade de Campinas

USU – Universidade Santa Úrsula

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SUMÁRIO

Introdução 18

Memorial 18

CAPÍTULO 1.

1.1 Apresentação do tema

Questão central

Objetivos gerais do estudo

23

23

23

1.2 Os Efeitos 34

1.3 Como se construiu a proposta para o ensino de Matemática do 1º

segmento do ensino Fundamental (Antigo Primário) do CP II

38

CAPÍTULO 2.

Colégio Pedro II 42

2.1 Colégio Pedro II: O Potencial de suas Diferenças e Contradições. 45

2.1.1 Elementos Constituintes dessa história 49

2.1.2 A Conjuntura Nacional

A Conjuntura Educacional – O Colégio Pedro II do século XX

(1971 – 1984)

54

55

2.2 Remissões à História do Ensino Primário

Estrutura e Funcionamento

56

64

2.2.1 O Governo de Getúlio Vargas e a educação 66

2.3 A tradição, a modernização e o conservadorismo.

O conservadorismo de Almeida Lisboa

1932 – O Manifesto dos Pioneiros

73

76

78

2.4 A Reforma Capanema -1942

A legislação educacional de 1946 a 1996 – A Lei orgânica de 1946

82

86

Reformas Educacionais / Ensino Primário / Colégio Pedro II –

Preparando o Pedrinho

91

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CAPÍTULO 3

3.1

3.2

A Implantação das séries iniciais do ensino fundamental no

Colégio Pedro II – Os Pedrinhos

Breve apresentação dos Pedrinhos

94

96

3.3 CP II e a Reforma interna 103

CAPÍTULO 4.

4.1 Corpo Docente 111

4.2 A invenção da Professora das séries iniciais no CP II 112

4.3 A Professoras das séries inicias do CP II: Ser Mulher – Professora

Primária no CP II

118

4.4 O que a Professora Primária sabe de Matemática

O que fizeram / o que vieram fazer / para que vieram

Os efeitos

O que representaram as Professoras Primárias no CP II

121

124

124

127

4.5 O Ideário, as Crenças e a Vontade de Verdade sobre o ensino da

Matemática no CP II

132

Reconhecendo Euclides Roxo 136

CAPÍTULO 5.

5.1 O Programa de ensino para a Matemática das séries iniciais do

Colégio Pedro II

A Proposta de ensino de Matemática que veio a ser praticada no

CP II

139

140

5.2 Buscando características da proposta 142

As Influências

Revisitando os Guias de Orientação Curricular do Laboratório de

Currículos da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro

Conhecendo Diva Noronha

147

149

151

Os Guias de orientação curricular – materiais de apoio didático

157

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5.3

Características da Proposta 161

O Programa de Matemática escrito por Diva Maria de Bretas

Noronha / 1986

163

O Sistema de Numeração no programa de Matemática das séries

iniciais

167

5.4 A Implantação: Como foi desenvolvida a proposta

Como foi idealizada a proposta: o programa de formação

174

180

CAPÍTULO 6

Considerações finais 186

Referências 196

Anexos

ANEXO 1 – Homenagem ao Pedrinho pela passagem do seu

Jubileo de Prata 25 Anos/ 1984- 2009

ANEXO 2 – Plano de noções espaciais (Leila Alcure)

Colégio Pedro II / Unidade Humaitá II - Proposta para o estudo de

Espaço (1988)

207

ANEXO 3 - Fundamentação Teórico – Metodológica apresentada

no PGE _ 1º segmento / 1996/7

208

ANEXO 4 _ CP II – UH II / Ano 1991

Plano Bimestral de 1ª série – 2º Bimestre / Coordenação de

Matemática (1º turno)

212

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INTRODUÇÃO

MEMORIAL

Para compreender os processos educativos que se põem entre a tradição e a

modernidade no Colégio Pedro II, é mister saber que o “Colégio Pedro II vem do

fundo do tempo e a sua história se confunde com a história da educação no Brasil”.

Esta é uma citação emblemática do Professor Wilson Choeri1 que traduz, mais do

que uma constatação, um sentimento de ex- aluno e professor daquela casa,

compartilhado por muitos ex-aluna(o)s e servidores da mesma, dos quais as

histórias de vida se confundem, porque se misturam em longos períodos com

passagens significativas da trajetória deste Colégio.

Assim é o meu caso. Tal como Euclides Roxo2, Tito Urbano3 e Wilson Choeri,

personagens fundamentais desta narrativa, EU também sou ex-aluna deste Colégio.

Entrei no Colégio Pedro II através do concurso de admissão em 1970. Fiz o curso

ginasial na Unidade Humaitá II, que na época se chamava Seção Sul – Externato

Bernardo de Vasconcelos4. Neste Colégio fiz o curso ginasial – entrei na transição

para a nova Lei de 1971, ingressei na 1ª série ginasial em 1970 e saí na 8ª série em

1973. Saí para fazer o curso normal, curso de formação de professoras de 1ª a 4ª

série no Colégio Estadual Ignácio Azevedo do Amaral (CEIAA _ 1974/76) em sua

nova sede na Rua Jardim Botânico na zona sul do Rio de Janeiro.

Como filha de família pobre, a opção era me profissionalizar no científico,

clássico, 2º grau, ensino médio, o mais rápido possível para poder me inserir no

1 Wilson Choeri, ex – aluno do Colégio, Professor de Física , Estatística, Foi Professor da UEG

(Universidade do Estado da Guanabara), atual UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Fora designado para exercer a função de Secretário de Ensino. (Facta, março/abril de 1982, p.9) e mais tarde foi Diretor Geral (1994/ 2008). Seu legado foi a criação das unidades descentralizadas de ensino médio que levaram o Colégio a outros municípios. 2

Euclides de Medeiros Guimarães Roxo, foi ex-aluno do Colégio, Professor de Matemática do Colégio Pedro II e Diretor da instituição de 1925 a 1935 (1925/30 no externato e 1930 a 1935, internato), seu legado foi a reforma que unificou os ramos da matemática que é praticada até hoje. 3 Tito Urbano da Silveira, ex-aluno do Colégio, Professor de Química da casa, foi Diretor Geral de

1971 a 1991, ano de seu falecimento deixou como legado a criação das unidades de 1º segmento do CP II – os Pedrinhos. 4 Externato Bernardo de Vasconcelos - as unidades escolares do Colégio eram designadas seções. A

seção Sul, hoje Unidade Humaitá era denominada Seção Bernardo de Vasconcelos. A seção Norte, no Engenho Novo era Frei Guadalupe.

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mercado de trabalho e ajudar na composição de renda da família composta por mãe

e cinco filhas – a casa das seis mulheres, sete na verdade, pois ainda tínhamos a

Vovó Marieta. Família afrodescendente, uma geração ainda próxima de

descendentes de africanos escravizados.

Meu pai era militar da FAB. Foi aluno do internato do CP II na atual Unidade

São Cristóvão (antigo externato Frei Guadalupe). Era filho único e vivia com a mãe.

Certamente, foi contemporâneo do Prof. Choeri. Meu pai estudou no internato e o

Prof. Choeri, no externato, na atual Unidade Centro. Na época havia uma diferença

de status entre quem estudava no internato e no externato, era uma disputa entre os

membros do corpo discente. O internato era só para meninos, e era também para os

alunos pobres, órfãos e estudantes de outros estados, trazendo parte da tradição

dos Órfãos de São Joaquim.

Minha irmã mais velha também foi aluna do clássico na Unidade Humaitá –

seção sul – Externato Bernardo de Vasconcelos de 1971 a 1973. Eu fiz somente o

ginasial e ela fez somente o clássico. Interessante é que em 1972 e 1973 tivemos a

mesma professora de Português. Eu estudava no turno da tarde e ela, à noite.

Assim sendo a relação que eu tenho com o Colégio Pedro II é também do

fundo do meu tempo histórico, vem da minha infância. Com 9/10 anos, eu

freqüentava um cursinho de admissão para o Colégio com a Professora Terezinha e

o seu marido Frid (Frederico). Ele também era ex-aluno e nos falava sobre a

importância do Colégio e o orgulho de ter sido aluno. Com ele eu ouvi, pela primeira

vez, a expressão “Colégio Padrão do Brasil”. Era interessante que, com esta pouca

idade, eu não sabia o que era padrão, e achava que ele estava falando errado, que

era Colégio Pedrão do Brasil. Na minha história padrão, Pedrão e Pedrinho têm

muito significado e fazem parte do fundo do tempo onde essa história começou a ser

produzida.

Fiz o CP II de 1970 a 1973. Não fiz o científico no Colégio, mas me formei

Professora Primária, no antigo curso normal. Com a bagagem que eu tinha do

ginásio em Matemática e Desenho, pois eu era boa aluna nessas disciplinas,

acreditei que teria sucesso escolar e profissional sendo Professora de Matemática.

Eu já resistia, nessa época, à “naturalização” do encaminhamento das normalistas

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para carreiras das ciências humanas, principalmente pedagogia. Eu já era contra

esses congelamentos identitários.

Prestei vestibular para Matemática e cursei licenciatura na UFRJ (1977/80).

Trabalhei três anos em escola particular como professora de Matemática e Física

(1981/83), e a partir daí comecei a voltar para o CP II. Nossa trajetória de vida voltou

a se cruzar e, desta vez para sempre. Neste ponto a minha família e a família CP II

passam a ser uma só. Essa relação em certa medida, em grande medida interferiu

tanto no mestrado, quanto no doutoramento, no processo de descentração da

protagonista, para a da pesquisadora.

Com toda a isenção possível pretendida todo o CP II habita a minha

existência e a da minha família – pai, irmã, três filhos e um sobrinho estudaram no

Colégio e, como é dito no hino,

“. . . estudaram aqui, brasileiros de um enorme e seguido valor/ seu exemplo segui, companheiros/ não deixemos o antigo esplendor . . .

5

É impossível apartar a emoção e o orgulho de pertencer a esta casa, ter o

privilégio e a honra de puxar a tabuada e de produzir uma narrativa sobre o mais

jovem segmento desta instituição, o Pedrinho, além de ser sua sócia fundadora.

Tenho muito orgulho de tudo isso, pois tudo isso me trouxe aqui!

Em 1984, passei a integrar a primeira turma de professoras do 1º segmento

do 1º grau6. Foi aí que eu voltei como Professora desta casa que me deu - e que me

dá - “régua e compasso”, literal e simbolicamente, pois como aluna, eu era da caixa

escolar e recebia todo o material: livros, cadernos, material de desenho, além de

complemento ao uniforme – casaco. Tenho muito orgulho de tudo isso, pois tudo

isso me trouxe aqui!

Como Professora, fui regente de classe, coordenadora administrativa (o que

correspondia a vice-diretora); coordenadora pedagógica de Matemática, chefe de

departamento do 1º segmento do 1º grau; supervisora chefe da seção técnica de

ensino e avaliação – STEA; supervisora do projeto de implantação do ensino médio

5 Trecho do Hino do Colégio Pedro II, com música do maestro Francisco Braga e letra do bacharel do

externato, Hamilton Elia, composto em 1937, ano do centenário do Colégio. 6 A nomenclatura 1º segmento do 1º grau foi a designação dada ao antigo curso primário a partir da

Lei 5692/71.

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na UE ENII; assessora de projetos especiais da Secretaria de Ensino e assessora

da direção UE ENII (Unidade Escolar Engenho Novo II), nessa época, então, me

afastei para a realização do curso de doutorado.

Toda a minha carreira no CP II está pautada pela atuação no 1º segmento,

antigo primário. Fui Professora também da rede estadual do Rio de Janeiro onde

atuei como professora de Matemática e Metodologia e Didática do Ensino da

Matemática no curso de formação de professoras na mesma escola onde me formei,

o CEIAA.

Construí uma carreira significativa que hoje me permite problematizar

algumas permanências que vivenciei nessa trajetória profissional de trinta anos de

magistério. Buscar compreender essas permanências e quem sabe contribuir para

que se mantenha a excelência no ensino e a qualidade socialmente referenciada

para toda a comunidade desta escola e que esta possa ser mais amplamente

socializada é o que pretendo com este texto.

Este memorial inscrito acima tem por objetivo inserir a pesquisadora em um

lugar bem marcado de fala - de onde ela se apresenta para ser

pesquisadora/historiadora que pretende problematizar e produzir uma escrita

histórica sobre a construção da proposta pedagógica para o ensino de matemática

no primário do Colégio Pedro II, e de certa forma explica ou justifica a importância

que tem este tema na sua vida profissional, não só do ponto de vista afetivo.

Contudo, certamente o aspecto afetivo impulsiona o desejo de aprofundar e revelar

essa história, porém a opção não foi discorrer sobre memórias do primário do CP II,

mas sim produzir uma narrativa profissional e acadêmica sobre a construção de

uma proposta de ensino de matemática no primário do CP II. Três chaves pessoais

que a pesquisadora pretende compartilhar, de modo que a experiência possa

alcançar outras professore(a)s ou outro(a)s estudioso(a)s que se interessem por

essas chaves – ensino de matemática; ensino primário e Colégio Pedro II.

Para dar esse tom acadêmico de modo a contribuir na produção de outros

conhecimentos sobre as práticas pedagógicas no interior do Colégio, apresentando

mais história do que memória a pesquisadora opta por inserir-se num programa de

pesquisa e pós graduação, alinhando-se ao Programa de pós graduação em

Educação Matemática da UNIBAN_SP, especificamente na linha de pesquisa da

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História da Educação Matemática, assim encontrando a oportunidade de conhecer

pesquisadore(a)s da área bem como o que foi produzido.

Devido ao fato de a autora ser professora primária, professora de Matemática

e professora do 1º segmento do Colégio, ou seja, ser ao mesmo tempo a

pesquisadora e fazer parte do coletivo do estudo houve a necessidade de

estabelecer-se, de maneira bem marcada, como historiadora, a fim de exercer, com

efeito, este ofício, tal como Marc Bloch7 aponta para esse fim, bem como situar-se

para o leitor em um lugar social explicitado, tomando como base De Certeau8

quando diz que, para a escrita da história, é necessário que o autor se posicione

num lugar. Foi necessário também um exercício bastante didático,

metódico/metodológico para essa localização, pois a partir desse ponto é que a

pesquisa, a seleção da coleção de fontes, as análises foram pautadas. A partir

desse lugar, desse ponto de vista foram feitas as escolhas, as seleções e as

exclusões. Daí em diante, foi possível, agregar um conjunto de técnicas para análise

dos conteúdos selecionados e do conjunto de documentos que revelam e validam o

texto produzido nesta narrativa bem como sustentam o seu desenrolar.

7 Marc Léopold Benjamim Bloch (Lyon, 6 de julho de 1886 — Saint Didier de Formans, 16 de junho de

1944) foi um historiador francês notório por ser um dos fundadores da Escola dos Annales e morto pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial é considerado o maior medievalista de todos os tempos. Foi um dos grandes responsáveis por importantes inovações no pensamento histórico. Defendeu o abandono de sequências pouco úteis de nomes e datas e estimulou uma maior reflexão sobre a relação entre homem, sociedade e tempo na construção da História. Tornou-se célebre a sua resposta a questão "O que é a História?": "É a ciência dos Homens no transcurso tempo. http://pt.wikipedia.org/wiki/Marc_Bloch. acesso em 25/07/2012 8

Michel De Certeau (Chambéry, (França), 1925 - Paris, 9 de janeiro de 1986) foi um historiador e erudito francês. Intelectual jesuíta, De Certeau tornou-se um dos fundadores da revista Christus, com a qual ele estaria ativamente envolvido durante boa parte de sua vida. Tornou-se conhecido após publicar um artigo relacionado com os eventos da revolta estudantil de Maio de 1968 na França. http://pt.wikipedia.org/wiki/Michel_de_Certeau. acesso em 25/07/2012

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CAPÍTULO 1

1.1 APRESENTAÇÃO DO TEMA

Não deixa de ser menos verdade que, face à imensa e confusa realidade, o historiador é necessariamente levado a nela recortar o ponto particular de suas ferramentas; em conseqüência, a nela fazer uma escolha (...). (Bloch, 1997, p. 52)

QUESTÃO CENTRAL

O que representou a proposta do ensino para Matemática no 1º segmento do

Colégio Pedro II, a abordagem dada ao ensino de Matemática lecionadas nos

Pedrinhos9, suas possibilidades e as principais influências teórico metodológicas,

seus efeitos sobre o Colégio e o impacto na criação do 1º segmento?

OBJETIVOS GERAIS DO ESTUDO

O estudo visa a compreender a construção da proposta do ensino para

Matemática no 1º segmento, a abordagem dada ao ensino das atividades de

Matemática lecionadas nos Pedrinhos, suas possibilidades e as principais

influências teórico-metodológicas, desmembrando a proposta em três campos: onde

foram feitas, por quem foram feitas e como foram feitas, além de buscar

compreender os efeitos dessa produção. Aliado a isso, pretende-se identificar e

destacar como foi feita a proposta curricular recuperando as principais influências

que incidiram sobre ela entre as quais as contribuições da equipe do Laboratório de

Currículos do Estado do Rio de Janeiro na elaboração, organização e execução do

guia de orientação curricular, que foi a base da proposta de formação em serviço

das professoras do 1º segmento do CP II, suas características; buscar a articulação

entre a formação inicial das professoras através do que se aprende nessa formação

9

As Unidades Escolares onde é ministrado o ensino às séries iniciais foi “carinhosamente” batizadas de “Pedrinho” e assim também serão tratadas ao longo desse estudo. E as unidades escolares onde é ministrado o segundo segmento do ensino fundamental e o ensino médio ficaram denominadas “Pedrão” e assim também serão designadas ao longo desse estudo.

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em relação ao ensino de matemática com o que deveria ser ensinado no primário e

com a proposta que seria desenvolvida no Pedrinho para o ensino de matemática.

O referencial teórico-metodológico utilizado para responder às questões deste

trabalho será elaborado a partir do conhecimento da metodologia que nos impõe

prerrogativas da produção histórica. É um trabalho para ser feito por historiadores.

Sendo assim este estudo se constituirá numa produção histórica sobre o ensino da

Matemática no 1º segmento do Ensino Fundamental no Colégio Pedro II. As

questões propostas situam o estudo no campo da história da Educação Matemática,

com enfoque na história cultural trazida no corpo teórico dos autores/pesquisadores,

tais como Bloch (2003) que nos recomenda que “produzir esta narrativa em sua

perspectiva histórica significa analisar mais profundamente, a cerrar mais de perto

os problemas a pensar, ousaria dizer, menos barato”.

A formulação, implantação e desenvolvimento deste plano vai trazer também

como aporte teórico as contribuições de Certeau (2004) para discutir as estratégias

e táticas para a configuração de um plano pedagógico para o ensino de Matemática

no primário, no que me permite entender o “saber matemática” como o poder de

saber – ter a capacidade de transformar as incertezas em espaços legíveis e nesse

sentido estabelecer relações de poder em torno de “saber matemática”, um tipo de

saber que sustenta e determina o poder de conquistar para si um lugar próprio”

(CERTEAU, 2004, p.100). É onde se pretende aportar a Matemática e os sujeitos

que detém os saberes escolares desta disciplina.

No desenvolvimento deste trabalho serão apresentadas as principais

referências teóricas e metodológicas que serviram para a construção da proposta de

conhecimentos escolares que permitiu aos estudantes prosseguirem seus estudos

com sucesso no ensino fundamental II do CP II, bem como localizá-la e caracterizá-

la no cenário da Educação Matemática sob os aspectos /pressupostos que são

utilizados para o desenvolvimento dos trabalhos nas séries iniciais, tendo como

referência principal a teoria de Jean Piaget que afirmando que: “As estruturas são

estritamente lógicas ou matemáticas . . .” (CHIARROTINO, 1972, p.84), nos remete

às estruturas matemáticas em analogia às estruturas mãe dos Bourbaki, com intuito

de observar o caráter da proposta e suas aproximações com o ensino de

Matemática praticado nas séries iniciais do Colégio Pedro II.

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Piaget cria um modelo de estrutura. A esse modelo deu o nome de AGRUPAMENTOS pela sua analogia com a estrutura de grupo matemático. (...). (CHIARROTINO, 1972, p.25) Piaget observou o comportamento da criança e descobriu subjacente a esse comportamento, estruturas que se constituíam numa verdadeira lógica das ações que (...) se inicia no período sensorial motor para se cristalizar no período que chamou de operatório. (CHIARROTINO, 1972, p.78)

O período operatório coincide com a faixa etária em que as crianças cursam

as séries iniciais.

Mas qual é o conceito de estrutura para Piaget, quando fala de uma lógica de ações? Se atentarmos bem para as suas descrições, veremos que aqui o conceito de estrutura está muito próximo do conceito de estrutura lógica matemática, tanto assim que ele próprio estabeleceu o famoso paralelo entre as estruturas que descobriu e as estruturas matemáticas dos Bourbaki. (Chiarrotino, 1972, p.78) Estruturas fundamentais: 1) Estruturas algébricas cujo protótipo é o grupo, caracterizado pelo fato de que dois elementos do conjunto, compostos entre si, resulta um terceiro elemento do conjunto. Além disso, há associatividade, o elemento neutro e, e a inversão:

x x = e. (p.79) A realização bourbakista interessou a Piaget pelo recurso à noção de estrutura que propõe a questão de uma possível comparação com as estruturas mentais e pela idéia de uma filiação matemática das estruturas que sugere uma comparação com as filiações genéticas. Mas, além disso, Piaget acreditou que, apesar do formalismo, pelo emprego do método axiomático, as “formas” que ela estabelece são comparáveis a um organismo em desenvolvimento. (CHIARROTINO, 1972, p.80)

O 1º segmento do 1º grau, atual 1º segmento do ensino fundamental, séries

iniciais, anos iniciais será tratado daqui por diante como primário com o intuito

narrativo de reportar o leitor aos primeiros tempos, ao fundo do tempo do ensino

elementar, que veio a ser o ensino para crianças no Brasil – ensino primário que se

dedicava ao ensino elementar, ensino das primeiras letras, afim de marcar ao longo

do tempo as alterações em sua denominação, para que juntos, autora e leitor(a),

possam vir delineando a dimensão das alterações e em que medida estas

alterações produziram diferenças, quais foram que permitiram acontecer o Pedrinho

e sua proposta para o ensino da Matemática.

No capítulo 2 será descrito onde se passa esta narrativa. É um lugar que

merece destaque no texto, pois será descrito o Pedrão - CP II - Fundamental II e

ensino médio (antigos ginásio e colegial), e se apresenta o Pedrinho, abordando

porque, como, quando foi criado e qual seu impacto na comunidade escolar interna.

O Colégio Pedro II é um espaço de memória, como enuncia Andrade (1999) e

está registrado também no primeiro capítulo do Projeto Político Pedagógico - PPP

(2001). No Colégio respira-se história. É uma casa antiga e como já foi dito, “sua

história se confunde com a história da educação neste país”, um espaço onde há um

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apelo primordial à memória, aos seus legados e o Pedrinho em todos os seus

aspectos e sentidos, já é um legado que merece ser pesquisado, por isso esta peça

irá transcorrer sobre alguns elementos da história do ensino de matemática no

primário do CP II, articulando elementos desde a criação do Colégio, sua

composição e organização administrativa e pedagógica, sua presença no cenário da

educação no Brasil com intuito de traçar em paralelo a trajetória do ensino primário

afim de compará-los a título de prioridade na educação nacional até chegarmos a

criação do curso primário no Colégio.

Existe no Colégio um Núcleo de Documentação e Memória do Colégio Pedro

II – NUDOM – CP II que guarda um acervo que revela a trajetória do Colégio através

de vários documentos, registros, atas, exames, uniformes, fotos que preservam a

sua memória, assim como uma crescente produção acadêmica realizada por

servidore(a)s da casa, é um importante espaço de pesquisa onde foi possível

encontrar informações sobre pesquisas feitas sobre o Colégio, sua história e

trabalhos sobre o 1º segmento.

Sobre o 1º segmento, num colégio que tem 17210 anos, é bem menor a

produção que inscreve o Pedrinho nessa memória.

O NUDOM11 guarda em seu acervo a produção sobre a história do Colégio

que foi realizada por vários pesquisadores. Essa história é produzida sobre muitos

olhares e recortes. Encontramos neste acervo trabalhos sobre o Colégio, sobre a

história de disciplinas do Colégio, em diferentes períodos e escritos por diferentes

atores sociais, não somente por historiadores. Existem trabalhos feitos por

servidore(a)s da casa e sobre o Colégio e por não servidores também sobre

Colégio. Na busca feita no NUDOM esta pesquisa foi beneficiada por documentos

que tratavam especificamente do Pedrinho, por estudos que apresentavam o

10

O período que encerra essa pesquisa vai de 1984 a 2009, por esse motivo contamos a data da instituição até o ano de 2009 (1837 – 2009 (172 anos)). 11

NUDOM – O Núcleo de Documentação e Memória – NUDOM foi criado em 1995 sendo definido como um núcleo institucional de pesquisa interdepartamental cuja meta é resgatar, organizar e divulgar o acervo manuscrito, iconográfico e documental da História e Memória do Colégio Pedro II. Os objetivos gerais são: 1.1 Preservar, tratar e divulgar o acervo histórico do Colégio Pedro II; 1.2 Estimular o trabalho de pesquisa na comunidade escolar; 1.3 Apoiar o trabalho de pesquisa de graduação e pós-graduação; e específicos: Levantamento, Catalogação, Classificação e Análise das fontes primárias ou diretas e das fontes secundárias ou indiretas relativas à História e à Memória do Colégio Pedro II, existentes nas Coleções de Memória e Acervo Antigo da Instituição. Fica na Unidade mais antiga, no Centro, na Rua Marechal Floriano, antiga Rua Larga.

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Colégio. Nessa seleção foram priorizados os textos feitos por Professore(a)s da casa

e preferencialmente as do 1º segmento. A história do Colégio que será relatada

neste estudo parte, prioritariamente, dos textos dirigidos ao 1º segmento e feito por

professoras deste segmento.

Sobre o Colégio destaco as produções das duas últimas décadas realizadas

por Professore(a)s do Colégio. A escolha deste período se deu porque podemos

considerar que a partir de 1990 o Pedrinho já poderia estar suficientemente

conhecido para ter uma história a ser produzida sobre ele e o(a)s autore(a)s sendo

professore(a)s da casa teriam mais e melhores possibilidades de fazê-lo.

Boa parte dos trabalhos até agora produzidos concentram- se na história do

ensino secundário até a primeira metade do século XX. Destaco os trabalhos de

Andrade (1999), Massunaga (1989), Carlos Fernando (2008), esses trabalhos estão

catalogados no NUDOM e foram realizados por professore(a)s do Colégio, nem

todo(a)s professore(a)s de história, não se referem na história do educandário ao

primeiro segmento, se detem à história do ensino secundário em diferentes

períodos. Focalizam o Colégio, notadamente, no campo da história da educação e

alguns discorrem sobre a organização e trajetória do Colégio e outros abordam o

tratamento de algumas disciplinas escolares dos cursos ginasial e científico na

instituição.

Na primeira década deste século (XXI) já podemos verificar um número

crescente de produção de Professoras do Pedrinho que pesquisam as práticas

escolares do 1º segmento do Colégio.

A partir de 2004 há uma crescente busca à pós-graduação stricto sensu por

parte das professoras do Pedrinho, em grande medida, motivadas por um

beneficiamento pecuniário dado por titulação previsto no plano de carreira. Nem

todos os trabalhos sobre a história do 1º segmento produzidos pelas professoras do

Pedrinho estão arquivados no NUDOM. A história e a produção histórica sobre o

Pedrinho é bastante recente, porém muito rica e valorosa e como pertencente a um

lugar de memória necessita ser registrada. Embora o texto de Andrade (1999) não

aborde o 1º segmento, constitui-se em uma importante referência da qual não se

pode deixar de comentar em se tratando desse importante espaço de memória, além

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de outros textos consultados que trazem uma história do Colégio como ensino

secundário.

Somente as Professoras do Pedrinho trazem alguma configuração histórica

do 1º segmento. Alguns desses trabalhos se aproximam deste estudo porque tocam

a história da criação do 1º segmento, a criação das unidades, e nesse sentido vale a

pena citar os trabalhos de Duque (2010), Chamarelli (2010), Rocha (2010) e França

(2009). Todas professoras do 1º segmento. Nenhuma delas trata, especificamente,

da proposta de ensino de matemática para este nível, apesar de, entre as citadas,

algumas serem graduadas em Matemática. Destaco o trabalho de Duque (2010) que

em certa medida se aproxima do estudo em tela pois aborda a trajetória e história do

ensino de Ciências no 1º segmento do Colégio apresentando também a presença da

equipe do Laboratório de Currículos e suas contribuições.

O estudo em tela se diferencia ao trazer um olhar da história do Colégio que

embalou a trajetória do 1º segmento. A história contada a partir de Tito Urbano

descrita em seu plano de ensino (1986), diferencia esse estudo porque se detem a

alguns aspectos: 1.Na sua área de concentração que é História da Educação

Matemática; 2. Em construir suas referências na história da educação, com ênfase

na história e construção do ensino primário no país e no Colégio buscando seus

vestígios desde o início da construção de um sistema de educação para o país afim

de compreender e explicar como este segmento de ensino se encontra nos dias

atuais; 3. Em buscar aproximar, de certa maneira, do vanguardismo de Euclides

Roxo com a proposta de ensino de matemática apresentada para o Pedrinho e pelo

tratamento que dá ao conjunto de Professoras Polivalentes, buscando revelar o que

se passava nas relações estabelecidas no Colégio através da abordagem dada ao

ensino de Matemática expressas nos textos dos programas escolares de

matemática nesse segmento. Contudo, tem uma coisa importante em comum, o fato

de as pesquisadoras que escrevem sobre o Pedrinho serem agentes e por vezes

responsáveis por parte do que vai ser tratado nos estudos elaborados, é um dado

relevante. Até agora só escreveu sobre o Pedrinho quem é do Pedrinho, talvez

venha ser um dado que justifique a pesquisa sobre as práticas escolares por quem

as realiza. Outras professoras do Pedrinho escreveram sobre outros temas, mas

sobre o Pedrinho somente as que lecionaram nesse segmento.

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Esse estudo é uma das oportunidades ímpares de começar a elaborar a

memória viva do Pedrinho com muitos olhares sobre a criação do primário no

Colégio.

Será feita uma apresentação do Colégio Pedro II, que constitui parte do

cenário político, social e histórico onde é criado o 1º segmento – Pedrinho, a fim de

traçar o pano de fundo onde as relações que serão tratadas neste estudo se

estabelecem e sob que parâmetros, passando pela conjuntura educacional, nacional

e estadual e do Colégio especificamente.

O Colégio será desenhado a partir do seu berço, que é um jovem país

independente, para mostrar a juventude da educação brasileira num país igualmente

jovem e dentro deste país traçar a trajetória do CP II, afim de estabelecer seu papel

de destaque no cenário da educação brasileira, visualizando um Colégio que vem do

fundo do tempo da educação nacional. Para tanto traçaremos como marco a

primeira carta de identidade do Brasil independente, a constituição de 1824 e daí

buscamos os traços do que viria a ser o sistema de educação no Brasil. Essa busca

foi feita através das constituições, decretos e leis que versaram sobre educação/

instrução/ensino. Nesta coleção de documentos escolhi aqueles que tratavam do

ensino primário e também sobre o CP II. Entendendo documentos, no caso as

legislações educacionais, como referências importantes enquanto dispositivo de

conformação do campo e de práticas pedagógicas (FARIA FILHO, 1998), bem como

discuti-las como mediação entre o poder e a sociedade. No caso dos Planos de

ensino importa-nos sinalizar o lugar onde eles podem ser encontrados, o

favorecimento ao seu acesso, leitura, debate e compreensão. A forma como os

documentos estão organizados, no caso, dispersos e desorganizados, ausentes ou

apresentando lacunas, fazem com que sua busca se torne bastante desafiadora às

pesquisas, como é no caso o FACTA12. As lacunas do FACTA que é um documento

que registra e registrava os atos administrativos oficiais da Direção Geral, guarda

impressões de quem o produz. Ao anunciar o 1º segmento no Colégio Pedro II não

se preocupa em registrar esses atos com relação a todos os atos administrativos

12

FACTA: Publicação interna ao Colégio que trazia os atos administrativos oficiais da Direção Geral, como portarias administrativas e/ou pedagógicas de movimentação do(a)s servidore(a)s e outros eventos relacionados com a vida funcional da autarquia. Este documento é publicado desde 1971.

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que concorrem para essa criação, como as portarias, que o documento as registra

de forma aleatória.

Passando em 1931, data da criação do Ministério da educação e da saúde

pública, esta análise irá dedicar-se um pouco à conjuntura nacional, era Vargas, que

traz marcos regulatórios para educação através das reformas Campos13 e parte da

reforma Capanema14.

Neste mesmo período da história da educação no Brasil vem acontecendo no

CP II um movimento de reforma/modernização da matemática liderado por Euclides

Roxo, presença que comentaremos para inserir a história da educação matemática a

partir do Colégio Pedro II e abordaremos as concepções acerca das representações

sobre o ensino da matemática no Colégio antes da criação do Pedrinho, o que

chamarei de ideário. Foi necessário compreender o que se passava na Matemática

do Colégio para compreender os possíveis efeitos da construção de uma proposta

pedagógica para o ensino da matemática no Colégio, mas para outro segmento.

Pode-se pensar em princípio que seria uma outra matemática e a partir daí buscar,

então, caracterizá-la.

Outro marcador que merece ser mencionado pois revela o movimento de

renovação da educação é o Manifesto dos Pioneiros (1932) que marca o movimento

escolanovista no Brasil. Esse Manifesto foi escolhido como marco inicial por tratar-se

da síntese do pensamento de um plano de reconstrução educacional nacional, com

ênfase na educação nova que sustenta o ideário da reforma, com princípios mais

democráticos, com mais inclusão e oportunidades.

Ora, se a educação está intimamente vinculada à filosofia de cada época, que lhe define o caráter, rasgando sempre novas perspectivas ao pensamento pedagógico, a educação nova não pode deixar de ser uma

13

Reforma Campos. DECRETO N. 19.890 - DE 18 DE ABRIL DE 1931. Dispõe sobre a organização do ensino secundário. Primeira reforma educacional de caráter nacional, realizada pelo então Ministro da Educação e Saúde Francisco Campos (1931) A reforma deu uma estrutura orgânica ao ensino secundário, comercial e superior. http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/fontes_escritas/5_Gov_Vargas/decretonº19.890-1931 reformafranciscocampos.htm ; http://www.helb.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=88:a-reforma-francisco-de-campos&catid=1015:1931&Itemid=2) acesso em 25/09/2011. 14

Reforma Capanema . Foi o nome dado ao conjunto de transformações projetadas no sistema educacional brasileiro realizado através de um conjunto de leis orgânicas, a partir de 1942, durante a Era Vargas, liderada pelo então Ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema. http://www.helb.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=63:reforma-capanema-pico-na-oferta-de-linguas&catid=1016:1942&Itemid=2. acesso em 25/09/2011

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reação categórica, intencional e sistemática contra a velha estrutura do serviço educacional, artificial e verbalista, montada para uma concepção vencida. (...) A educação nova, alargando a sua finalidade para além dos limites das classes, assume, com uma feição mais humana, a sua verdadeira função social, preparando-se para formar "a hierarquia democrática" pela "hierarquia das capacidades", recrutadas em todos os grupos sociais, a que se abrem as mesmas oportunidades de educação. Ela tem, por objeto, organizar e desenvolver os meios de ação durável com o fim de "dirigir o desenvolvimento natural e integral do ser humano em cada uma das etapas de seu crescimento", de acordo com uma certa concepção do mundo. (Manifesto dos Pioneiros, 1932)

Esta escolha dá-se também pelo fato de que este manifesto planta o espírito

de muitas outras transformações pelas quais passou e vem passando a educação

brasileira e sem dúvida impactou e foi impactado também pelos movimentos de

renovação pedagógica.

aos que tomaram posição na vanguarda de renovação educacional cabia o dever de formular (. . .) as bases e diretrizes do movimento que souberam provocar, definindo, perante o público e o governo, a posição que conquistaram e vêm mantendo desde o início das hostilidades contra escolas tradicionais. (Manifesto dos Pioneiros, 1932)

Como o movimento escolanovista trazido no manifesto anunciava uma

perspectiva mais avançada e preocupada com a educação de crianças, pode-se

perceber que o campo para a expansão, crescimento e valorização da educação

traduzido na sua conceituação e fundamentação da educação nova na

implementação de um outro processo educativo já se projetava as séries iniciais e

anos mais tarde no CP II se concretizou com a criação do 1º segmento.

... e transfere para a criança e para o respeito de sua personalidade o eixo da escola e o centro de gravidade do problema da educação. Considerando os processos mentais, como "funções vitais" e não como "processos em si mesmos", ela os subordina à vida, como meio de utilizá-la e de satisfazer as suas múltiplas necessidades materiais e espirituais. A escola, vista desse ângulo novo que nos dá o conceito funcional da educação, deve oferecer à criança um meio vivo e natural, "favorável ao intercâmbio de reações e experiências", em que ela, vivendo a sua vida própria, generosa e bela de criança, seja levada "ao trabalho e à ação por meios naturais que a vida suscita quando o trabalho e a ação convém aos seus interesses e às suas necessidades". (Manifesto dos Pioneiros, 1932).

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Em seguida, a promulgação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da

educação nacional de 196115 que pode ser considerada um outro marco regulatório

após a criação Ministério da educação e as LDBs seguintes.

A partir daí buscar-se-á acompanhar as alterações mais sistemáticas

referentes ao trato do ensino primário desde a Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional 4024 de 1961 até a Lei 5692 de 1971, que vinham apontando

um cenário favorável a educação de crianças de 6 a 10 anos, o que favorece a

criação do primário no CP II, que será abordado neste estudo, com base nas

pontuações do campo da história da educação.

Após essa remissão, começa-se a desenhar a gestação, criação e

implantação do Pedrinho para a qual será utilizada uma outra coleção de fontes,

entre as quais, as normativas para o ensino desde 1971 até 1996. Em 1984, o

Pedrinho é criado sob a égide da Lei 5692/71 e suas normativas. Para apresentar

este contexto mais interno, lança-se mão, ainda, de legislação educacional e

também de normativas próprias do Colégio encontradas no FACTA.

Na caracterização do Pedrinho será discutida a construção do seu projeto e a

materialização desta idéia, apresentando a sua estrutura pedagógica, organização e

caracterização do quadro discente e formas de acesso. O quadro docente será

destacado em capítulo específico.

Como nasce este segmento: Quando e porque nasce o Pedrinho? – este

ponto será explorado a partir da gestão de Tito Urbano da Silveira no período de

1979 a 1991, um período que se inicia junto aos movimentos de democratização do

país. Tito Urbano torna-se Diretor Geral do Colégio Pedro II em 1979 quando a

educação no país é regida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei

5692 de 1971 e a partir daí uma série de eventos educacionais nacionais e internos

ao Colégio propiciam a criação do Pedrinho em 1984.

A criação do Pedrinho produziu um importante elenco de reformas nas

práticas pedagógicas e também administrativas no Colégio e para o ensino da

Matemática revelou-se como uma grande oportunidade do Colégio rever-se,

15

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de agosto de 1961 – A primeira LDB para educação do Brasil, tramitou durante 13 anos e foi homologada pelo Presidente João Goulart e Ministro da Educação e do Desporto Antonio Ferreira de Oliveira Brito.

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revisitar-se. Surge assim a necessidade e oportunidade de produzir uma narrativa

sobre como foi a construção de proposta pedagógica para o ensino da matemática

no Colégio.

Em capítulo seguinte a ênfase é dada à caracterização do quadro docente e

suas lutas de representação na escola, os conflitos e contradições na afirmação de

sua identidade como professoras primárias do CP II.

Instaurado o Pedrinho, nos detemos em apresentar a constituição do corpo

docente corroborando com o que diz Bloch (2003) sobre a presença dos sujeitos na

realização dos atos que constroem as histórias. São homens, neste caso específico

do Pedrinho, são as mulheres as protagonistas desta história, por isso o corpo

docente é um organismo que se desloca, se movimenta e que se inventa e se

transforma nesta história da construção e desenvolvimento da proposta de ensino de

Matemática no primário do Colégio Pedro II. Porém essas mulheres trazem consigo

várias características que operam diferenciações no quadro docente da instituição,

uma diferenciação se situa na formação inicial das professoras, entre as professoras

do Colégio que lecionam matemática no Pedrinho e as professoras que lecionam

matemática no Pedrão. Esta diferenciação que também se expressa numa

hierarquização, passava pelo grau de escolaridade destas professoras, o que me

leva a tocar em aspectos da sua formação, dando ênfase na produção pedagógica

legada por este grupo. Neste sentido buscarei caracterizar a professora do Pedrinho

dentro do contexto que considero um embate ideológico e para tanto buscarei apoio

nos aportes de Foucault16 no que aborda à “ordem do discurso”, às interdições e em

De Certeau (2004) no que aborda a questão das “crenças”.

Será traçada uma caracterização da professora do 1º segmento no que diz

respeito a sua formação, a forma de acesso ao quadro permanente do Colégio

através dos editais, como elas foram instaladas no cotidiano administrativo,

organizativo e pedagógico do Colégio, suas condições de trabalho e carreira, pois

16

Foucault, Michel. Poitiers, 15 de outubro de 1926 — Paris, 25 de junho de 1984, foi um importante filósofo e professor da cátedra de História dos Sistemas de Pensamento no Collège de France desde 1970 a 1984. Todo o seu trabalho foi desenvolvido em uma arqueologia do saber filosófico, da experiência literária e da análise do discurso. Seu trabalho também se concentrou sobre a relação entre poder e governamentalidade, e das práticas de subjetivação.

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trata-se de um grupo particular de professoras, uma vez que o CP II era a única

escola federal de educação básica, durante o período que será analisado.

Este corpo docente que constituía o primeiro segmento era também único no

país, localizado em uma escola que apresentava um quadro de diferenças bem

marcado e é dentro deste quadro que se pretende destacar qual o lugar que a

professora primária/ polivalente ocupou e o que ela representou, pois estas

professoras foram preparadas para executar a proposta matemática marcada por

teorias que buscavam alterar o quadro do ensino de matemática não só no Brasil,

como veremos ao longo deste estudo, e assim buscar compreender como foram

vistas no Colégio estas professoras que “anunciavam” um discurso de um outro

lugar – a partir das escolas normais com muitos problemas referentes aos níveis de

aprofundamento dos conteúdos de matemática que são ensinados a essas futuras

profissionais.

1.2 OS EFEITOS

Entendido que há diferenças entre o corpo docente que atua no Pedrão e o

corpo docente que vai atuar no Pedrinho, cabe nesse estudo buscar compreender

quais são essas diferenças e investigar os efeitos que elas podem ter na

constituição dos processos escolares advindos da criação deste novo segmento, da

mesma forma que deverá buscar também os efeitos de discursos diferenciados pelo

lugar de atuação destas professoras a partir da sua formação inicial com base nas

construções curriculares, ou seja, dos planos de ensino. O CP II tem uma

organização bastante hierarquizada, há diferenças bem marcadas e valorativas.

Estas diferenciações interferem nos processos escolares sendo explicitadas através

de culturas escolares também diferenciadas.

A entrada do “novo” suscitou a possibilidade e a necessidade dessa pesquisa,

considerando como novo o fato da inserção do 1º segmento no CP II. Uma vez que

escolas com o ensino fundamental completo e que funcionavam no mesmo prédio já

existiam, a novidade que se atribui à criação do Pedrinho pode ser entendida pelo

fato de ser especificamente novo no CP II. No conjunto destas “coisas novas” esta

pesquisa pretende inovar focalizando o corpo docente do Pedrinho e a construção

da proposta pedagógica para o ensino de matemática, desembocando-a ou

localizando-a no campo da história da educação matemática.

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Para investigar a problemática que envolve o corpo docente do primário do

CP II – em particular as professoras que lecionam matemática no 1º segmento, no

que envolve a formação de professoras articulada a elaboração da proposta

curricular, apoio em Foucault, pois nos permite entender esta relação sob a ótica das

relações de poder traduzidas no campo discursivo das práticas curriculares e estas

contribuições de Foucault passam pela ordem do discurso, permitindo analisar os

enunciados, quem os faz e os caminhos que passa esta enunciação. O que é

necessário para exercer a palavra? Essa é a questão que deveria ser respondida

para compreender o que aconteceu com a palavra enunciada pelas professoras

primárias com relação ao texto escrito e as práticas para o desenvolvimento de um

programa de ensino de matemática para o primário do CP II.

Essa resposta pode ser encontrada em boa medida em aportes de Foucault,

1996, em matéria onde ele discorre sobre os elementos que aparecem na questão

da enunciação – no exercício da palavra e como esta palavra é legitimada ou

deslegitimada, passando pela problematização do autor, no caso autoras, as

professoras polivalentes, aquelas que enunciam. Busca-se compreender porque a

palavra é autorizada ou desautorizada e em se tratando de autorização e de

legitimidade são atos envolvidos na problemática do poder. Nessa problemática de

poder apresentada neste estudo estão relacionadas à professora polivalente e à

professora especialista, através da construção de um programa de ensino de

matemática para o primário do CP II, numa disputa que se trava pela hegemonia

sobre esse texto que virá a ser construído, acerca de quem viria a deter o poder

sobre o que seria ensinado de matemática no primário do Colégio. Nesse sentido a

pesquisa ensaia desordenar a lógica da análise sobre os saberes docentes

acrescentando a problemática da disputa pelo poder, problematizando os

mecanismos de poder presentes ou ausentes em torno desses saberes que vem

ajudar a reforçar as diferenças dentro da categoria docente, através das suas

diferentes localizações no interior da escola, gerando mais uma: a professora

regente do 2º segmento e a professora regente do 1º segmento.

Assim esta “palavra” fica sujeita a ser observada, caracterizada, ordenada,

classificada e por fim incluída ou excluída, autorizada ou desautorizada para

prosseguir seu caminho de enunciação legitimada, afirmada como “verdade” para o

ensino de matemática no primário do CP II.

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A problemática identificada como uma disputa no campo discursivo foi

vivenciada pela pesquisadora em tela, posto que a mesma é professora primária

(polivalente) e professora de matemática (especialista), o que a fez buscar

compreender a relação entre as professoras do Colégio através da diferença na

formação e no público atendido.

Neste capítulo foi possível pensar como a professora polivalente se posiciona

diante do debate em torno da afirmação de uma proposta de ensino por ela

construída com o objetivo de ser a base, o início e portanto deveria ser acolhida e

continuada por professoras especialistas pois daria sustentação a trajetória

curricular dos aluno(a)s em matemática. Neste embate será possível apreender as

relações de poder e a disputa por se manter as “verdades” históricas para o ensino

de matemática a partir de um ideário considerado conservador frente a uma outra

proposta considerada inovadora uma vez que trazia uma visão mais democrática,

acessível, popular, inclusiva de matemática.

Assim sendo, busca-se compreender o problema que reside na relação das

professoras polivalentes com as professoras especialistas, contextualizando esta

luta de representação e hegemonia através do programa do ensino de matemática

do CP II.

Considera-se que a Professora Primária do CP II seja a protagonista de uma

disputa que tem como objeto o programa do ensino de matemática do primário do

CP II. Assim sendo, conhecê-la é parte fundamental desse estudo. O que relaciona

a professora polivalente ao programa, que será o objeto desse estudo, sendo o fio

que conduz essa narrativa, é o discurso enunciado por esta professora e é traduzido

no programa, o que coloca, então, esse discurso como elemento condutor dessa

trama, pois será através dele que buscaremos compreender quem o produz e o que

significa esta produção. Para apreendê-lo serão analisados documentos, em

capítulo destinado para esse fim. Importa-nos, nesse trecho, a relação entre o texto

produzido e as professoras que o produziram. É necessário entendê-las, conhecê-

las e conhecer os efeitos desta produção, afim de compreender como este produto –

o programa de ensino de matemática para o primário do CP II, afetou a inserção

destas professoras no Colégio. Para afirmar este texto, as professoras tiveram que

se apresentar, expor suas identidades através de um elenco de características que

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levantamos neste terceiro capítulo e assim capturamos essa professora e

conhecemos estas atrizes.

Para o entendimento desta relação, lança-se mão da representação do

discurso e da forma como ele pode ser considerado por seus interlocutores,

buscando uma analogia ao “louco”, bem como a criança e, ou o ignorante

considerados por Foucault (1996) na ordem do discurso, com relação às sujeições a

que são submetidos os seus discursos.

O estudo vai sinalizar para uma questão que creio que poderá ser muito

preciosa para professoras polivalentes num próximo estudo, que traz a tona o que

se faz do ideário em torno do ensino da matemática e seus programas enquanto

prática discursiva, o que certamente valerá a pena complementar trabalhos

subseqüentes nesse sentido.

Pretendo fazer a análise desses elementos dentro do Colégio Pedro II, por

onde é possível crer que passam todas essas questões de forma potencializada. A

escolha do Colégio se dá pelo fato de a pesquisadora em tela ser ex-aluna e

professora desta casa, o que me permite realizar esta pesquisa de um lugar

privilegiado, apesar de incorrer em outras situações que necessitarão um exercício

de descentração, ao incorporar o papel de pesquisadora da linha de história da

educação matemática e exercer o ofício de historiadora.

Conhecidas as protagonistas e seu papel no colégio, partimos para o capítulo

seguinte onde haverá um panorama da proposta de ensino de matemática para o

primário do CP II, no qual analisar-se-á quais os argumentos, a sustentação teórica

e metodológica que permitiram ao texto – programa, se constituir como uma

“verdade” legitima para o ensino primário, identificando as operações pelas quais a

produção do discurso foi submetida a fim de verificar se estavam no campo dos

saberes ou localizados fundamentalmente na disputa pelo espaço de construção da

proposta e das assessorias.

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1.3 COMO SE CONSTRUIU A PROPOSTA DE ENSINO DE MATEMÁTICA DO 1º

SEGMENTO DO ENSINO FUNDAMENTAL (ANTIGO PRIMÁRIO) DO COLÉGIO

PEDRO II?

Não vejo exatamente o ensino de história em crise porém vejo-o passando permanentemente por atualizações inconsistentes, duvidando de si próprio e num momento propício e maduro para interrogar seu passado a fim de compreender as opções que pautam sua trajetória para ser o futuro. (Bloch, 2003)

Essa idéia foi trazida por Bloch para o tratamento da história e pode-se dizer o

mesmo para o ensino da matemática no primário e que as ferramentas

disponibilizadas para uma abordagem no campo da história do ensino da

matemática já são suficientes para compreender as atualizações pelas quais tem

passado esta atividade no ensino primário.

Uma a frase emblemática “bendita a juventude que ousa.”17 ajuda a ilustrar

parte da trajetória do “jovem Pedrinho”, e com ela é possível traçar um comentário

sobre o Futuro Velho Colégio, pois sempre esteve a frente de seu tempo mesmo

quando tradicional e como se opôs às vanguardas guardando com excelência suas

contradições, com ousadia, assim como foi feito inaugurando-se um novo segmento

no Colégio.

Para falar sobre o ensino da Matemática no 1º segmento do Colégio é

necessário conhecer alguns elementos sobre a história do ensino da Matemática no

Colégio, as tendências, orientações, reformulações e fundamentalmente sobre o

contexto sócio, político e educacional onde se situavam os formuladores, afim de

entender de que forma veio a ser construído um novo plano no colégio.

Nesse estudo pretende-se articular o que foi produzido para o ensino de

matemática no primário do CP II ancorados no “porto” da história cultural;

compreender como foi a trajetória da construção da proposta para o ensino de

Matemática no 1º segmento, como esta escola se comportou frente ao novo desafio,

identificando seus limites, possibilidades, permanências, conflitos e contradições, a

partir também de suas consígnias explicitadas em seus planos de ensino que

mostram como se atualizaram determinados princípios que inicialmente eram um

17

Frase do Prof. Wilson Choeri era usada nos convites de formatura referindo-se aos estudantes que concluíam o ensino fundamental ou médio.

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pouco mais afeitos à tradição e verificar se nesta construção podem ser identificados

vestígios da re-orientação curricular para o ensino da Matemática a partir do

processo de implantação das séries iniciais no CP II e como isto se traduziu nos

planos de construção da proposta pedagógica e estabelecer uma relação com a

formação de professoras do 1º segmento inicial e em serviço feita no Colégio nos

anos de 1985/86.

Acredita-se que para responder a questão da pesquisa será necessário

buscarmos as características do programa de ensino da Matemática para o ensino

primário, bem como as educadoras que trouxeram as influências e orientações que

atravessaram a proposta para o plano. Este plano que surge em uma determinada

conjuntura educacional do país, do estado e por último do Colégio foi construído a

partir da soma de saberes dentro de uma certa correlação de forças político

pedagógicas.

No programa de formação foi possível experimentar as propostas do

Laboratório de Currículos da Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro

(1976/1983) que influenciaram em grande medida a proposta pedagógica para o

ensino, de modo geral, no 1º segmento, bem marcada por teorias de vanguarda que

vamos verificar ao longo deste estudo.

Os planos de ensino foram considerados como textos / discursos curriculares,

palavra enunciada pela professora polivalente, que compõem e consolidam o novo

ideário, por meio dos programas do Departamento do Departamento do 1º

Segmento do Ensino Fundamental desde 1984 até 2009, a fim de identificar o que

foi proposto, se foram produzidas mudanças e quais foram na re-orientação

curricular para o ensino da Matemática a partir do processo de implantação das

séries iniciais no CP II e o plano de formação de professoras feito no Colégio.

Pretende-se, como já foi sinalizado, discutir as formulações dos planos sob a

ótica da questão da construção discursiva em torno da proposta de ensino-

aprendizagem de Matemática, no que se refere a quem leciona esta

atividade/disciplina nas séries iniciais – as professoras primárias referente à

afirmação de preconceitos e estereótipos que discriminam e excluem boa parte da

população escolar bem como não favorece o fortalecimento da identidade das

professoras que lecionam Matemática no primário.

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Neste ponto, da análise do programa para o ensino de matemática no

primário é considerado como um campo discursivo e a disputa pela hegemonia

sobre este texto que se insere a partir de um discurso proferido por diferentes

atores, portadore(a)s de diferentes saberes e diferentemente localizados acerca do

ensino de matem ática posta entre o velho e o futuro CP II e como se comportou

este colégio observando através do embate entre Pedrão – em particular o

departamento de Matemática em relação a este novo corpo docente que se instituiu

no “velho CP II” – o departamento do 1º segmento que materializará o futuro CP II.

No Pedrinho e com o Pedrinho vai nascer o futuro Pedrão.

O ensino da matemática e outras práticas do “Futuro Velho Colégio Pedro II”

seriam determinados nessa relação que encerra poderes instituídos e engedra um

novo texto para o Colégio que viverá este futuro que entrou no século XXI.

Também será também necessário para a análise do processo da construção

da proposta curricular de Matemática do ensino fundamental no CP II buscar apoio

em pesquisadore(a)s do campo da história da educação matemática no momento

em que se busca estabelecer relações internas à Matemática a partir do legado de

Euclides Roxo e estreitando com os movimentos de renovação da educação e de

reforma da Matemática, e neste sentido poderemos contar com as contribuições de

Valente (1999, 2003, 2007).

A proposta para o ensino de matemática no primário pertence ao conjunto de

proposições para todo o ensino primário descritas, basicamente, nos guias de

orientação curricular do Estado do Rio de Janeiro, produzidos pela equipe do

Laboratório de currículos da SEEduc/RJ no período de 1976 a 1983. Esses guias

foram os documentos norteadores que marcam a presença da Profª Diva Maria de

Bretas Noronha e a partir desta presença podemos identificar as influências, outras

contribuições e também as resistências. Este fato ilustra que, mesmo sendo a escola

federal, os aportes pedagógicos que fundamentaram a sua proposta foram trazidos

da rede estadual do Rio de Janeiro que possuía mais acúmulo no tratamento deste

segmento. O que faz também com que a proposta seja inovadora no Colégio mas

não no estado e nem no país.

Os documentos analisados neste trecho serão os planos de ensino que serão

considerados manuais curriculares ou os livros didáticos das professoras, bem como

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os guias de orientação curriculares do Laboratório de Currículos da SEEDuc_RJ. O

material que será examinado serão os Planos Gerais de Ensino produzidos para

orientação curricular Departamento do 1º segmento do Colégio. Esses planos foram

editados em 1984; 1986/88; 1995/96 e por último o PPP_2001, o Projeto Político

Pedagógico e a coleção da proposta do Laboratório de Currículos do Estado do Rio

de Janeiro, que embasaram a construção e implantação da proposta curricular para

o ensino da Matemática no 1º segmento e os planos bimestrais e um conjunto de

exercícios e atividades de Matemática do primeiro segmento do CP II foram

coletados do arquivo pessoal da Professora Glorya Ramos. Estas atividades foram

produzidas, estudadas e copiados para a confecção, implantação e desenvolvimento

da proposta, para auxiliar na identificação das bases teóricas e metodológicas que

fundamentaram as professoras nesta construção.

Para esta análise terá como um dos apoiadores importantes Choppin (2004)

que descreve as funções do livro didático permitindo que se destaque a função

ideológica de alguns desses materiais que permitiram garantir a unidade

metodológica da proposta.

O conteúdo da proposta escolhido para a análise, com mais ênfase, foi o

sistema de numeração, posto que seu desenvolvimento trouxe grande impacto para

a proposta, uma vez que sua metodologia foi bem diferenciada e mobilizadora.

Finalizando, são apresentadas considerações sobre algumas inovações que o

Pedrão incorporou para ajustar-se ao Pedrinho no intuito de obter uma unidade

pedagógica para todo o Colégio.

Esta história atravessa o século (XX/XXI), pois é inscrita no período de 1984 a

2009, quando o Pedrinho completa 25 anos, sendo ainda cedo para considerá-la

consolidada.

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CAPÍTULO 2

COLÉGIO PEDRO II

Para tratar da construção da proposta para o ensino de matemática no

primário do CP II é necessário localizar o Colégio no cenário educacional nacional.

Em 2009, o CP II completou 172 anos. Foi o presente dado ao Imperador Dom

Pedro II no seu aniversário em 2 de dezembro de 1837, data de sua fundação. O

Colégio durante a sua trajetória foi considerado centro de referência em educação

de qualidade sendo chamado “Colégio Padrão do Brasil”. Houve um tempo em que

seu programa de ensino constituía o currículo oficial18 do Brasil. Era o único colégio

de educação básica que constava do organograma do MEC e tem este fato

garantido na Constituição (abaixo).

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Art.242. O princípio do art. 206, IV, não se aplica às instituições educacionais oficiais criadas por lei estadual ou municipal e existentes na data da promulgação desta Constituição, que não sejam total ou preponderantemente mantidas com recursos públicos. §1º - O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro. §2º - O Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na órbita federal

19

Durante sua sesquicentenária trajetória sofreu vários revezes, mas seus

ilustres ex-aluno(a)s e professore(a)s em todos os tempos garantiram seu bom

nome.

Existem diversos caminhos para construir uma síntese da história do Colégio

e de como o Pedrinho foi criado no berço de Tito Urbano e, dessa maneira, foi

18

Durante a Reforma Campos o Colégio que, sempre acompanhou todo desenvolvimento do processo educacional do país, chegou a ser pólo irradiador das políticas (currículos e programas) educacionais, por isso era considerado Colégio Padrão do Brasil. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Colégio_Pedro_II. Acesso em 13/09/2012) 19

Da Constituição de 1988 – artigo que garante o CP II na esfera federal. https://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/viwTodos. acesso em 15/11/2011)

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embalado ouvindo as histórias a partir do protagonismo desse “Pai”/ Mestre. Segue

um resumo com essa marca:

O COLÉGIO PEDRO II é muito antigo e tradicional. Já faz parte da História do Brasil, pela contribuição relevante que a ele deram seus ex-alunos e professores tanto no passado quanto no presente. Em 1739, fundava-se o Colégio dos Órfãos de São Pedro por inspiração de D. Antônio de Guadalupe, 4º Bispo do Rio de Janeiro. Em 1766, ganhou novas instalações na Capela de São Joaquim, aproximadamente no local onde se encontra o COLÉGIO PEDRO II – Unidade Centro. Transformou-se, então, no Seminário de São Joaquim, dando continuidade à atividade moral, religiosa e intelectual anteriormente iniciada. Por ato de D. João VI, foi arbitrariamente extinto, em 1818. O Príncipe Regente, o futuro D. Pedro I, em 1821 o restabeleceria. Dez anos depois, em 1831, foi remodelado e passou a ser administrado pelo Governo Imperial. Em 1837, Bernardo Pereira de Vasconcelos, grande ministro do Império, apresentou à assinatura do Regente Pedro de Araújo Lima o decreto que reorganizava completamente o Seminário de São Joaquim que recebeu o nome de COLÉGIO PEDRO II, em homenagem ao Imperador – menino, no dia de seu aniversário – 2 de dezembro. O primeiro Reitor do Colégio foi Antônio de Arrábide, Bispo de Anemúria. Foi inaugurado com a presença do Imperador, das princesas, suas irmãs, de todo o Ministério, do Regente e de outros dignatários do Império. Ao entregar o Regulamento do Colégio, Bernardo Pereira de Vasconcelos fez uma previsão: “Anima, sobretudo, a certeza da poderosa proteção do Príncipe, cujo nome honra esta instituição e cuja generosidade para com ela, gosto e aplicação afiançam que o culto das letras e das ciências será um dos principais títulos de glória de seu reinado.” Mais do que isto, o COLÉGIO PEDRO II, ultrapassando os limites cronológicos dessa feliz previsão, é, na verdade, uma glória para o Brasil. Deve-se a Bernardo de Vasconcelos ainda a criação do grau e diploma de Bacharel em Ciências e Letras pelo Colégio, que tanto dignifica aqueles que o possuem. O Colégio passou por várias reformas até a época da República, sem que, entretanto, visse diminuídos os privilégios legais que merecidamente havia conquistado. Em 1857, dividiu-se o Colégio em duas seções: Externato e Internato. Em 1858, o Internato começou a funcionar na Chácara do Engenho Velho, na Rua São Francisco Xavier, próximo ao Largo da Segunda-Feira, na Tijuca. De lá, em 1888, transferiu-se para o Campo de São Cristóvão, onde se encontram, hoje, as modernas instalações da Direção Geral e as unidades escolares São Cristóvão. As antigas instalações do Internato foram destruídas por um incêndio em 1961. Com a Proclamação da República, em 1889, o Colégio teve seu nome mudado. Passou a denominar-se Instituto Nacional de Instrução Secundária, e, posteriormente, Ginásio Nacional. Em 1911, voltou a ter seu glorioso nome de origem – COLÉGIO PEDRO II. Por seus bancos escolares, passaram ilustres alunos, como: Álvares de Azevedo, Joaquim Nabuco, Paulino José Soares de Souza, Antônio Ferreira Vianna, o Barão Ramiz Galvão, o Barão do Rio Branco, o Visconde de Taunay, Vieira Fazenda, Washington Luis, Rodrigues Alves, Nilo Peçanha, Hermes da Fonseca, Paulo de Frontin, Carlos de Laet, Raul Pederneiras, Jônatas Serrano, Antenor Nascentes, Manuel Bandeira, Souza da Silveira,

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Vicente Licínio Cardoso, Henrique Santos Dumont, Everardo Backeuser, Herbert Moses, José Eduardo Prado Kelly, Hahnemann Guimarães, Filadelfo de Azevedo, Afonso Arinos de Melo Franco, Maurício Joppert, Prudente de Morais Neto, Alfredo Trajan, Pedro Nava, Augusto Hahnemann Rademacker Grunewald, Otávio Costa, Heitor Beltrão, Hélio Beltrão, Carlos Dunshee de Abrantes e tantos outros. Não podemos deixar de destacar também a constelação de seus professores: Justiniano José da Rocha, Joaquim Caetano Fagundes Ribeiro, Joaquim Manuel de Macedo, Antônio Gonçalves Dias, Araújo Porto Alegre, Gonçalves de Magalhães, Barão de Tautphoeus, Barão Homem de Melo, Pacheco Junior, Barão do Rio Branco, Capistrano de Abreu, Euclides da Cunha, Farias de Brito, Fausto Barreto, Carlos de Laet, Sílvio Romero, João Ribeiro, Agliberto Xavier, Eugênio de Raja Gabaglia, Manuel Said Ali Ida, Escrangnole Dória, Amaro Cavalcanti, Buarque de Macedo, José Veríssimo, José Oiticica, Antenor Nascentes, Álvaro Lins, Manuel Bandeira, Waldemiro Potsch, Delgado de Carvalho, Jônatas Serrano, Joaquim Inácio de Almeida Lisboa, Abgar Renault, Pedro Calmon, etc . . . Por esses nomes, aos quais poderiam ser acrescentados muitos outros, se reconhece no COLÉGIO PEDRO II uma oficina permanente de grandes personalidades, o que demonstra o alto padrão de seu ensino. Hoje, como ontem, o magistério, o corpo administrativo e os alunos deste Colégio dão continuidade sempre renovada ao espírito de seriedade e de grandeza que presidiu a sua fundação, visando ao progresso moral, cívico, cultural e intelectual do Brasil. A história do COLÉGIO PEDRO II é um livro aberto a você, prezado Professor, a quem cabe a honra de escrever, no presente, o futuro desta monumental tradição. (Nótula Histórica de Aloysio Jorge do Rio Monteiro, no PGE, 1986)

Com essas palavras sobre o Colégio abre-se o Plano Geral de Ensino (PGE)

do 1º segmento, era o documento de identidade do Pedrinho. Não era o primeiro

plano pois o primeiro plano de 1984 não trazia uma apresentação do Colégio, o que

só acontece neste plano de 1986, mas o que explicitava e garantia a proposta

pedagógica que é objeto deste estudo. Por isso a opção por esse fragmento de

história que é divulgado em um documento distribuído a todas as professoras deste

jovem segmento que em 1987, já funcionava plenamente. Esse documento tem

outras edições com algumas alterações.

Pode-se notar que a base de sustentação do ideário desse grande Colégio foi

construído por homens que, pelo fato de terem passado por essa casa, recebem

hoje o título de ilustres. A história que agora se apresenta já traz, a partir daí, outra

grande marca dessa mesma grande escola, ainda um educandário de importante

tradição, só que protagonizada no primeiro segmento, pode-se dizer, (quase)

exclusivamente por mulheres.

Nesse sentido, essa produção se ancora em pressupostos de uma história

cultural que nos permite outras histórias de agentes que, embora sem o status dos

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grandes homens, são pessoas que igualmente sustentam o ideário da casa e que

pertencem às ditas “minorias” historicamente excluídas e nesta produção afirmam

suas identidades na sociedade e, na maior parte dos casos, estão invisíveis nos

textos que apresentam o Colégio Pedro II: as mulheres.

2.1 Colégio Pedro II: o potencial de suas diferenças e de contradições.

É importante localizar o Colégio Pedro II no tempo e no espaço e, para tanto,

o ponto de referência e o seu mais novo “documento de identidade”, o Projeto

Político Pedagógico (PPP), documento que introduz o Colégio no século XXI. O PPP

começou a ser produzido no ano de 1998 por determinação da LDB 9.394/96 e

distribuído em 2001. É com esse texto que o Colégio se apresenta ao terceiro

milênio.

O PPP está dividido em sete capítulos que representam espaços constituintes

de 1. Memória; 2. Diferenças; 3. Contradições; 4. Cidadania; 5. Conhecimento; 6.

Organização e 7. Inclusão. Esses espaços trazem uma caracterização atualizada do

CP II com relação à sua história, rede física, corpos docente e discente, proposta e

pressupostos filosóficos, organização curricular, relação de competências que

devem ser desenvolvidas através de conteúdos e atividades; formas de acesso;

procedimentos de avaliação; extensão escolar e outros eventos pedagógicos que

fazem a diferença do CP II. Ao longo do texto pode-se verificar que o Colégio tem

uma identidade essencializada que faz com que ele continue a manter o seu padrão

de qualidade (RAMOS, 2006).

O estudo ora apresentado lança mão desta apresentação do Colégio sobre o

que faz com que ele busque caracterizar-se como instituição de excelência no

ensino, em toda a sua proposta curricular. A ênfase recairá sobre o ensino da

matemática no primário. Será apresentada um pouco da diversidade no que toca às

proposições curriculares dessa atividade/disciplina e os sujeitos diferenciados que

se relacionam através delas com suas identidades plurais e o potencial de riquezas

de suas contribuições.

O PPP, que foi elaborado com a participação de toda a comunidade escolar,

apresenta características peculiares que denotam um ensino ministrado de forma

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diferenciada, de modo a garantir-lhe a qualidade. Em um dos trechos, ele revela o

Colégio para o conjunto da sociedade:

O Colégio Pedro II – CPII – é um complexo educacional composto, atualmente, de treze Unidades Escolares: Centro; Engenho Novo I e II; Humaitá I e II; São Cristóvão I, II e III; Tijuca I e II, Realengo e as Unidades Descentralizadas Duque de Caxias e Niterói e uma unidade administrativa. As Unidades Escolares I ministram ensino da Classe de Alfabetização até o 5º ano do Ensino Fundamental; as Unidades Escolares II oferecem ao alunado ensino do 6º ao 9º ano e o Ensino Médio; a Unidade Escolar III, componente do Complexo Escolar São Cristóvão, a Unidade Realengo e as Unidades Descentralizadas, oferecem, especificamente, Ensino Médio. A Unidade Escolar Centro é a mais antiga. No Colégio Pedro II, o Ensino Fundamental funciona em dois turnos, com uma carga horária ampla – cinco horas diárias, incluindo aulas aos sábados a partir da 5ª série. O Ensino Médio oferece ainda, em três Unidades Escolares, a opção do 3º turno (noturno). O Currículo Pleno do Ensino Fundamental inclui atividades de Informática, Laboratório de Ciências, Educação Física, Educação Artística, Educação Musical e Sala de Leitura, desde a Classe de Alfabetização, além das áreas de conhecimentos regulares. No 2º segmento, os alunos também recebem aulas de Desenho, Inglês e Francês. No Ensino Médio, além das disciplinas regulares, são oferecidas aulas de Sociologia, Filosofia, Desenho, Espanhol e Arte. Por suas características tão peculiares e por ministrar ensino público de qualidade, o Colégio Pedro II torna-se altamente disputado pelas famílias de crianças e jovens de diversas localidades da cidade do Rio de Janeiro e, até mesmo, de municípios vizinhos. O Colégio possui uma estrutura departamental que abriga todos os docentes (mesmo aqueles que se encontram em funções de Direção, Chefias e Assessorias), de acordo com sua formação, nos respectivos Departamentos. Atualmente, conta com 16 (dezesseis) Departamentos Pedagógicos, alguns encarregados de mais de uma disciplina. O Colégio Pedro II conta com quatro unidades escolares que ministram o ensino das séries iniciais do Ensino Fundamental, da Classe de Alfabetização - 1º ao 5º ano. As quatro Unidades Escolares I, carinhosamente chamadas de “PEDRINHOS”, atendem atualmente a um total de cerca de 2.500 alunos. Dando continuidade às primeiras séries do Ensino Fundamental, o Colégio Pedro II conta também com o segmento do 6º ao 9º ano. Atualmente, o Colégio abriga 133 turmas de alunos nessa fase intermediária de escolaridade. Em prosseguimento às últimas séries do ensino fundamental o CP II oferece o ensino Médio em todas as suas Unidades.

O ingresso dos alunos para as últimas séries do Ensino Fundamental, o Colégio Pedro II oferece o Ensino classes de alfabetização é feito através de sorteio público para o qual a única exigência é com relação à faixa etária do candidato, cujo limite está previsto em edital. (PPP, 2001, p. 33 a 36)

Para diferenciar as unidades escolares são usadas algumas características

que por fim as classificam: diferença espacial de cada unidade escolar em diferentes

bairros; horários de funcionamento (unidades de dois turnos e três turnos);

atendimento por segmento de ensino; currículo enriquecido, atividades extraclasse e

as formas de acesso. (RAMOS, 2006).

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Ao mesmo tempo em apresenta o Colégio, o PPP traz a tona uma

problematização que demanda este estudo, que é ver o Colégio como espaço de

Contradição (cap. 3 – Análise da realidade), espaço onde se caracteriza a

comunidade escolar, perfis docente e discente.

O PPP recupera algumas características: marcas da aristocracia, do Império,

(“habitado pela nobreza nos tempos do Império”) e a convivência com a cultura,

compondo o espaço de memória e de tradição da cidade com imenso valor cultural

agregado e de fácil acesso. Espaço também de memória, corredor cultural de

acesso a zonas turísticas, espaço de atração da cidade, cultura e natureza mais

uma vez aliados (PPP, 2001, p.33).

Talvez uma das contradições seja uma escola pública se qualificar como

espaço de inclusão, admitir em um texto que as suas formas de acesso possam

estar incluídas em suas contradições. Essas modalidades são, provavelmente,

determinantes na configuração dos perfis de alunos e alunas, pois fazem do Colégio

um caldeirão cultural de sujeitos de diferentes segmentos sociais, étnico-raciais, o

que não seria de se estranhar numa escola pública. Como o Colégio era uma

instituição que tradicionalmente não se dedicava à educação mais popular, a

convivência de duas formas de ingresso, o sorteio20 e o exame de admissão

produzem conflitos em seu interior, conflitos que demandaram alterações na cultura

escolar, muitas delas modernizadoras e mais adequadas aos propósitos de uma

educação com caráter mais universal.

O CP II reproduz os conflitos e contradições da própria sociedade, mais

especificamente, quando busca aliar tradição e modernidade, aspectos que habitam

em seu interior disputando espaços. Este quadro é apresentado para localizar onde

foi criado o Pedrinho e porque o seu processo de implantação foi, de certa forma,

tensionado. Essa tensão será destacada considerando sua configuração em torno

20

O ingresso dos alunos para as classes de alfabetização é feito através de sorteio público, para o qual a única exigência é com relação à faixa etária do candidato, cujo limite está previsto em edital. O ingresso do alunado no 6º ano realiza-se através de acesso natural para alunos provenientes do 5º ano do Colégio e concurso de seleção para alunos não pertencentes ao Colégio. O ingresso do alunado no Ensino Médio, realiza-se através de acesso natural pela promoção do 9º ano do próprio Colégio e concurso de seleção para alunos não pertencentes ao Colégio. (PPP, 2001, p.36)

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da disputa pela hegemonia dos textos curriculares definidos para o 1º segmento e os

discursos, questões que serão abordados mais adiante, com ênfase no que toca ao

ensino da Matemática.

Existe contradição quando as diferenças admitidas em espaços educacionais

são problematizadas numa visão mais plural. A contradição posta no texto traduz o

entendimento que a comunidade que escreve e ao mesmo tempo se inscreve no

PPP, tem com relação às diferenças. A ideia de uma escola que preparava a elite

nacional, frente à escola que preparava quaisquer sujeitos para pertencer à elite, é

um fator que alimenta o ideário do Colégio como um elevador social, exatamente por

estarmos num país onde ainda persiste alta a taxa de analfabetismo. Assim sendo,

o/a aluno/a que concluísse o curso básico no CP II haveria - e ainda há - de ser

considerado(a) um membro da elite deste país.

O PPP nos informa sobre a orientação da LDB, segundo a qual “as escolas

deveriam definir o seu projeto político-pedagógico em conjunto com a comunidade

escolar.”21 (PPP, 2001:48), e a complementa: “conhecer quem é esta comunidade,

estabelecer um diálogo com todos os sujeitos sociais participantes do processo de

escolarização nesta instituição tornou-se urgente, principalmente em um tempo

marcado por mudanças profundas na sociedade” (PPP, 2001: 48). Esta necessidade

também é mais uma motivadora da escrita dessa história sobre os processos de

escolarização praticados no 1º segmento do Colégio e também justifica a relevância

desta pesquisa que apontará um ponto de inflexão para um estudo atualizado sobre

a demanda que se materializou com o ingresso das professoras22 primárias no

Colégio, fazendo com que as orientações para o ensino contemplassem outros

saberes. Neste sentido, surgem outras questões como: De onde vêm esses saberes,

por quem são referenciados e quem os comunica à comunidade? De onde vêm as

protagonistas? Qual o respaldo político, teórico e metodológico de suas práticas

pedagógicas? Tal problematização será debatida em capítulo que disserta sobre as

Professoras Primárias do CP II.

21

Baseado na LDB 9394/96, Art. 12. Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de: I - elaborar e executar sua proposta pedagógica. 22

Longe de ser uma discriminação às avessas, a referência de gênero – feminino – a partir daqui (quando se referir ao corpo docente do primeiro segmento) apenas reflete a realidade do Colégio, que tem em seus quadros de Ensino Básico apenas professoras. (Nota da autora)

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Nesse espaço de contradição, que na realidade é um espaço de

caracterização da comunidade escolar, parece que a única realidade que merece

ser considerada com ênfase é a do(a)s aluno(a)s (sem citar a riqueza trazida nas

diferentes formações do corpo docente e a vivência de um novo corpo técnico-

administrativo que inventam o novo segmento). Pode estar implícito no texto que, no

CP II, entende-se por contradição o que deveria ser entendido como diferença. A

diferença que constitui as identidades múltiplas e plurais. Sem abordar questões

relativas à diferença, o Colégio não dá a perceber, em seu “documento de

identidade”, a diversidade no espaço escolar, nem as formas como a pluralidade de

marcadores invade a escola, trazida pelas mudanças conjunturais que vão

demandar processos de formação de professores com potenciais mais plurais, a fim

de prepará-los para refletir sobre os impactos das mudanças políticas, históricas,

sociais, econômicas e, especificamente, educacionais que impactam a escola. No

que se refere à identidade do professor nesse espaço, trata-se de identidades que

são negadas, silenciadas, sendo omitidas as vozes e presenças do restante da

comunidade escolar, como também o são, o/as técnico/as administrativo/as. Esses

conflitos possíveis e potenciais no Colégio ensejam o debate sobre as professoras

polivalentes do Pedrinho, a nova metodologia que veio a ser implantada no 1º

segmento e as relações travadas por ocasião desse “encontro de culturas”.

2.1.1 ELEMENTOS CONSTITUINTES DESSA HISTÓRIA

“Buscar conhecer melhor, por conseguinte, uma coisa em movimento.” (Bloch,2003, p. 46)

O CP II é o lugar onde se passaram os eventos trazidos nesta narrativa e o

Pedrinho é a invenção que se produziu nesse tradicional Colégio. A criação do

Pedrinho foi favorecida por um contexto nacional aliado à uma configuração interna

ao CP II. O trecho seguinte levará o leitor para dentro do Pedrinho, sua organização

e estruturação administrativa, técnica e pedagógica a partir do Pedrão de Tito

Urbano, o “Pai do Pedrinho”, uma vez que este será o espaço que vai abrigar a

proposta que será analisada mais à frente.

Para efeito desse estudo, a história do CP II será apresentada da seguinte

maneira: de 1837 a 1889, século XIX, data de sua fundação até a Proclamação da

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República. Veremos como o Colégio se constituiu e como foi projetada sua

identidade de excelência. Da República Velha até 1971, quando o Colégio

atravessou períodos em que sua identidade foi abalada, mas foi mantido seu

propósito. O fim da Monarquia trouxe impactos sobre a instituição e, a partir daí, o

Colégio passou por crises, revezes, até 1971, quando enfrentou o que podemos

chamar de a mais expressiva crise institucional do século XX pois implicou em sua

diminuição. Finalmente, será analisado o período de 1971 a 1984 e, para este

estudo especificamente de 1984 a 2009.

A partir de 1837 vemos um CP II se constituindo com a missão de ser a

escola que prepararia a elite dirigente da jovem nação independente.

O Colégio Pedro II, fundado em 2 de dezembro de 1837, localizado no Rio de Janeiro, constitui-se hoje em uma autarquia federal do MEC, cuja missão é ministrar ensino público e gratuito nos níveis Fundamental e Médio. A história do Colégio Pedro II confunde-se com a própria história da Educação brasileira, especialmente no que diz respeito ao ensino público. Suas raízes remontam ao século XVIII. (...) O Imperial Colégio Pedro II foi criado para servir de modelo às “aulas avulsas” e a outros estabelecimentos de ensino do Município da Corte e das Províncias. O Colégio foi dividido, em 1857, em duas seções: Externato e Internato. A criação do Internato teve como objetivo ampliar o número de vagas do Colégio, contribuindo para a necessária formação cultural dos representantes das elites regionais. E acrescenta o Professor Aluísio Jorge do Rio Barbosa: “Em 1858, o Internato começou a funcionar na Chácara do Engenho Velho, na rua São Francisco Xavier, próximo ao Largo da Segunda-Feira, na Tijuca. De lá, em 1888, transferiu-se para o Campo de São Cristóvão, onde se encontram, hoje, as modernas instalações da Direção-Geral e as Unidades Escolares de São Cristóvão. As antigas instalações de Internato foram destruídas por um incêndio em 1961. (PPP, 2001, p.29)

Ao longo de sua trajetória o CP II passou por vários revezes; mudou de nome

para apagar as marcas do Império, mas não se afastou de sua finalidade.

Esses revezes, que vem a ser tratados como “cones de sombra” também

configuram “tempos de crise e de conflitos em que podemos captar melhor o

funcionamento real das finalidades atribuídas à escola.” na visão de JULIA, 2001.

Estes cones de sombra se repetiram no século XX e uma das passagens

importantes e atuais mostra a capacidade do Colégio de superá-los traduzindo-se

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como uma oportunidade de inventar uma saída importante que foi a criação do

Pedrinho. Serão destacados três importantes cones de sombra.

De acordo com Andrade (1999), o primeiro cone de sombra surgiu por

ocasião da reforma que tirou a prerrogativa dos alunos do Colégio de ingressarem

direto em cursos superiores. O Colégio continuou a outorgar o título de Bacharel em

Ciências e Letras, mas esse título não contemplava mais a sua prerrogativa inicial.

Houve, em conseqüência uma leve perda de status para o corpo discente do

Colégio, mas que foi superado pela manutenção da qualidade que era a marca do

ensino.

Ainda de acordo com a mesma autora, um segundo cone de sombra abalou o

colégio em 1964 com algumas das “medidas tomadas no governo Castelo Branco

entre as quais estava o fim dos professores catedráticos. Naquela época, apenas o

CP II, o Colégio Militar e o Instituto de Educação tinham cátedras”. Depois do fim

das cátedras foram criados os departamentos pedagógicos e o Colégio passou a ter

uma estrutura departamentalizada como a das universidades. Cada departamento

pedagógico correspondia a uma disciplina do curso fundamental e médio.

O terceiro cone de sombra foi por volta 1979, devido à alteração que afetou

de modo significativo a dinâmica do Colégio e acabou por motivar este estudo: a

integração dos antigos cursos primário e ginasial, instituindo o 1º grau composto por

oito séries, previsto na Lei 5.692/71, que pôs fim aos exames de seleção/admissão

do primário para o ginásio, concorrendo com todos os movimentos de reforma do

ensino que promovessem a inclusão de maior parte da população infantil e

adolescente no sistema público escolar.

A alteração na estrutura do ensino trazida pela Lei 5.692/71 apresenta, dentre as mudanças (...) a ampliação da obrigatoriedade escolar para 8 anos, ou seja, para a faixa etária que vai dos 7 aos 14 anos (. . . ). No plano vertical esta mudança se faz com a junção do curso primário e do curso ginasial num só curso fundamental de 8 anos. Com isso, eliminou-se um dos pontos de estrangulamento do nosso antigo sistema representado pela passagem do primário para o ginásio feita mediante os exames de admissão. Com a eliminação desses que eram um dos agentes responsáveis pela seletividade, foi eliminado legalmente, em consequência, um instrumento de marginalização de boa parte da população que concluía o primário. (ROMANELLI, 1986, p.156)

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A nova legislação alterou a dinâmica do ingresso de alunos e alunas ao

Colégio. Até 1970, quando havia a prova de seleção para o curso ginasial, os

estudantes se preparavam para iniciar a primeira série do curso, que era feito em

quatro anos. Com o fim do exame de admissão, que veio configurar o terceiro cone

de sombra que representou uma crise institucional provocada pela recente Lei e a

criação dos chamados 1º e 2º graus, terminava a possibilidade de acesso ao curso

ginasial do Colégio, pois já não haveria como recompor o quadro discente do antigo

curso ginasial e a tendência do quadro discente do Colégio era de diminuir até a

extinção. Assim, de acordo com CHOERI, 2006, “... o colégio chegou, no fim dos

anos 1970, com cerca de 3,8 mil alunos, sem nenhuma turma de 5a a 7a série e

poucas de 8a série. Nessa época, o Pedro II ainda não tinha o primeiro segmento do

ensino fundamental”. A criação do 1º segmento representa a virada que foi dada no

Colégio em 1979 na gestão de Tito Urbano.

Esta foi a crise que efetivamente caracterizou o terceiro cone de sombra,

quando “o Colégio começou a entrar no cone de sombra e se dirigir,

inexoravelmente, para o eclipse total. Eclipse que se traduziu na estagnação, na

queda de seu efetivo discente e desencanto de seus professores . . . , ainda de

acordo com Choeri, PGE, 1991/92.

Mas, desta vez, o revés não foi sentido com pesar, pois a reversão desse

quadro alavancou o Colégio e permitiu-lhe muitos avanços. Daí esse período de

sombras ser melhor lembrado como “a virada de 1979”:

Por mais longa e mais escura que seja a noite, há sempre o clarinar de uma nova aurora. Ela surgiu em 1979, as trevas foram espantadas e uma plêiade de educadores experimentados conseguiu vencer obstáculos, incompreensões e levar o Colégio a retomar sua trajetória ascencional, interrompida em virtude de fatores intrínsecos e extrínsecos que envolveram o educandário. (CHOERI, PGE, 1991/92)

A reversão começou quando o Prof. Tito Urbano da Silveira, ex-aluno do

Colégio e professor de Química, foi nomeado diretor convidou o Professor Choeri

para ser o chefe da recém criada Divisão de Ensino, atualmente Secretaria, setor

que passa a ser responsável pelos processos escolares no Colégio referentes à

partes técnica e pedagógica do ensino. Nesta gestão a Direção Geral promoveu

importantes mudanças no plano organizacional do Colégio, sendo que uma delas

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oportunizou uma saída importante, que foi a criação do Pedrinho, cuja gestação

levou treze anos a contar da promulgação da LDB de 1971.

O Colégio ressurgiu, então, se recuperando e retornando a seu lugar de

destaque no cenário educacional do estado e do país. Voltou a crescer, sem

prejuízo da sua natureza de manter ensino de qualidade, agregando tradição à

modernidade, e dessa maneira, ainda segundo Choeri,

Foi possível, em 8 anos, o Colégio passar de menos de 4000 alunos e atingir o marco de 15.000 alunos; ampliar seu espectro de abrangência, criando 4 novas Unidades destinadas ao ensino do1 em regime de trabalho de 40 horas segmento do 1 Grau; colocar 4/5 de seus professores semanais; aumentar a carga curricular de 20 horas semanais para 32 horas. (PGE 1991/92).

Para conseguir restabelecer o ensino no segundo segmento do ensino

fundamental sem ferir a proibição do governo federal referente à realização de

exames de admissão, o Prof. Tito firmou convênio, em 1982, um convênio com a

Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro (SME/PCRJ) que assegurava

aos alunos da rede com conceito “A” o acesso direto ao Colégio, uma espécie de

transferência. Essa alternativa encontrou problemas na medida em que mesmo os

alunos com conceito “A” não estavam “preparados” para o “ginásio” do CP II ( 5ª

série e atual 6º ano).

Para atenuar as dificuldades de adaptação, o acordo criou o Programa de

Complementação de Estudos. Os alunos “transferidos”, antes de iniciar a 5ª série,

faziam uma reciclagem de Português e de Matemática.

Essa determinação da lei, que unificou o primário e o ginásio transformando—

os num único nível de ensino, o 1º grau, atual ensino fundamental, pode ser tratada

como apenas uma reforma semântica, uma vez que permanece uma lacuna ainda

perceptível na passagem do 5º para o 6º ano. A alteração, na verdade efetivamente

só resultou efetivamente na continuidade dos estudos de 7 aos 14 anos, num

segmento regular e contínuo de oito anos. A Lei unifica o primário com o ginásio –

este é um dos princípios desta lei que se realiza através de uma reforma nas

escolas, alterando, segundo JULIA, 2001, as finalidades da escola implicando em

alterações nas normas escolares, na formação do(a)s professore(a)s, neste primeiro

momento, sem tocar os conteúdos escolares que também serão modificados. Enfim

este princípio da reforma implica alguns elementos que compõem a cultura escolar:

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as normas e finalidades; formação de professore(a)s e praticas escolares (JULIA,

2001). Com este tratamento dado à cultura escolar podemos caracterizar a reforma

como uma crise. Essa crise, então, que gerou o terceiro cone de sombra e

evidenciou limites, possibilidades e os novos desafios para o Colégio. Contudo, a

cultura da fragmentação desses dois níveis de ensino prevalece, como pode se

perceber no tratamento dado: às professoras polivalentes; como nas expressões

usadas para nomear o ensino fundamental: séries iniciais, primeiro segmento, e

ainda há os que persistem na nomenclatura primário e ginásio, posto que a

diferenciação ainda permanece na prática. O tratamento diferenciado persiste na

formação das professoras que atuam nos dois segmentos do ensino fundamental

em todas as redes de ensino e nas escolas particulares. Há também uma diferença

salarial23 entre as professoras do ensino fundamental que ainda hoje são

“polivalentes”, podendo lecionar todas as atividades do 1º segmento. Essa diferença

associa um desvalor a esse(a)s docentes.

2.1.2 A CONJUNTURA NACIONAL

A situação política no final da década de 1970, início da década de 1980,

apontava para o fim do regime militar, o fim da ditadura e o início do processo de

abertura e redemocratização do país. Ampliava-se o processo de anistia permitindo

que retornassem ao Brasil importantes lideranças e voltava a circular um

pensamento de liberdade, ampliação de direitos, desenvolvimento social e mais

democracia. Foi neste cenário que o Prof. Tito Urbano assumiu a Direção Geral do

CP II.

O Colégio criou uma Secretaria de Ensino que funcionava como uma

secretaria de educação; constituiu uma estrutura pedagógica e administrativa esta

última própria de uma autarquia federal, correspondente à administração de uma

prefeitura com oito unidades escolares, movimentando cerca de 750 servidores

23

No CP II, porém, a questão pecuniária não afeta o corpo docente no CP II, pois a remuneração é baseada na titulação, independente do segmento em que a professora leciona. O que existe no Colégio é uma diferenciação hierarquizante com relação à formação e ao nível de conhecimento das professoras que atuam nos diferentes segmentos. (Nota da autora)

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técnico-administrativos e 750 servidores docentes e aproximadamente treze mil

alunos e alunas.

Esta história encontra-se imersa na cultura escolar de exames de seleção,

tendo como universo a história da educação no Brasil, que contém a história do

ensino primário, a história do CP II e a história da educação matemática - estas três

últimas se interceptam compondo a história do ensino da matemática no primário do

CP II. Esta intersecção é o objeto desta pesquisa.

A CONJUNTURA EDUCACIONAL: O CP II DO SÉCULO XX – 1971/1984

A educação nacional era regulada pela Lei 5.692/71 que unificou o primário e

o ginásio criando um segmento integrado – o 1º grau com 8 anos e regulando a

idade escolar obrigatória dos 7 aos 14 anos, quando o Pedrinho foi criado.

O CP II teve o regime de internato até o ano de 1968 e só possuía o curso

ginasial de 4 anos (atual fundamental II do 6º ao 9º ano), e o científico nas

modalidades clássico e científico, atual ensino médio. Essas nomenclaturas foram

sendo modificadas com as legislações. A Lei 5.692/71 trouxe inovações

educacionais que impactaram muito os sistemas de ensino, alterou o formato e a

finalidade do curso científico transformando-o todo em ensino profissionalizante.

Muitas escolas não cumpriram o que estava previsto na lei, pois a reforma se

apresentava sem garantir condições para sua implementação, mas a integração do

ensino fundamental foi uma marca deixada por essa legislação.

A conjuntura educacional postulada na Constituição de 1967 e na LDB

5.692/71 foi resultado de reformas políticas e educacionais, disputas de diversos

setores da sociedade e interesses internacionais que vieram a criar um momento

favorável à criação do ensino primário no CP II.

Por entender que a ampliação da oferta de vagas no ensino fundamental era

um processo em curso, será feita, a partir daqui uma recuperação das ideias e

eventos que antecederam a criação do 1º segmento no Colégio. Este resgate

histórico busca construir uma articulação na história da política e da educação

brasileira com elementos que concorreram para que fosse criado o Pedrinho tal

como se configurou nesses 25 anos.

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2.2 REMISSÕES À HISTÓRIA DO ENSINO PRIMÁRIO

Para entender o ensino primário tal como ele se configurou até os dias de

hoje chegando ao CP II, buscar-se-á analisar sua trajetória destacando a presença

deste segmento de ensino na Conjuntura Educacional e Nacional. Neste tópico

serão apresentando os elementos políticos, sociais e históricos que movimentaram a

educação através de uma investigação na trajetória do ensino primário através das

constituições brasileiras e reformas educacionais nacionais que concorreram para a

criação do Pedrinho.

A legislação sobre a instrução pública, segundo Faria Filho (1998), pode ser

útil como fonte para o estudo de questões candentes na história da educação. No

caso deste estudo, será importante acompanhar a história da educação primária no

Município da Corte e a trajetória do ensino no CP II, definido como colégio padrão

para o ensino secundário. Ainda de acordo com o autor, a legislação nos permite

compreender sua dinâmica de realizações como estratégia de ordenamento das

relações socioculturais e ideológicas, revelando aspectos dos costumes sociais, no

caso, a manutenção na esfera do ensino dos privilégios da classe e o caráter

ideológico das proposituras legais. É possível, através dessas normativas, visualizar

o papel do estado e, neste sentido perceber a ênfase dada ao ensino secundário

frente ao ensino primário. Esse conjunto de leis, em sua maior parte, foi produzido

para garantir o controle da qualidade do ensino secundário, tomando como

referência o Colégio Pedro II. Apesar de emanadas pelo poder público, essas

normativas estavam sujeitas a alterações e, ao longo do período estudado, serão

analisadas as principais reformas que afetaram mais diretamente o Colégio e as que

se ocuparam em estruturar o ensino primário.

Serão também estudadas as constituições brasileiras e reformas

educacionais nacionais, entre elas as que hoje se constituem em leis de diretrizes e

bases da educação nacional - que revelam traços da construção do ensino primário

desde suas primeiras letras até o que vem a ser hoje o 1º segmento do ensino

fundamental - e de que modo a trajetória deste segmento de ensino se interpõe na

trajetória do CP II, por considerar que são aspectos componentes de uma trama que

teceu um cenário favorável à criação do 1º segmento no CP II.

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Para enfocar as questões históricas e políticas acerca do ensino primário, que

podem favorecer o entendimento da construção deste que vem a ser hoje o primeiro

segmento, podemos recorrer a dois elementos oficiais: um que veio a organizar a

vida social e política da nação e outro que veio a definir as diretrizes e bases da

educação. Convém registrar que esses documentos oficiais não contabilizam nem

duzentos anos, o que mostra que a organização social, política e educacional do

país é muito recente. A organização de forma mais sistemática da educação data de

1961, ocasião da primeira lei de diretrizes e bases para a educação nacional.

O estudo foi realizado através de uma pesquisa utilizando as constituições,

textos das principais reformas educacionais e as recentes LDBs, para ao final ser

possível destacar o caminho e analisar o conjunto de ações, das políticas e dos

fatos que projetaram o ensino primário e concorreram para a configuração deste

segmento ao longo da história.

Para isso, o marco inicial temporal estabelecido foi o século XIX quando a

educação brasileira passou a ser regulada por um conjunto de leis que tinham por

finalidade criar, organizar, elaborar um elenco de atribuições e tarefas dos

professores, dar provimento, designar, localizar, estabelecer formas de acesso e

definir público alvo do que viria a ser, no futuro, o sistema educacional brasileiro.

Pode-se considerar para efeito deste estudo que a organização da educação

e da sociedade partia de determinações que começaram a ser articuladas a partir de

1824, com a primeira Constituição que é considerada como a carta de identidade do

Brasil independente. O CP II foi criado 13 anos depois e protagonizou boa parte da

história da educação deste jovem país independente. A Independência, a primeira

Carta constitucional e a criação do CP II se tornarão os marcos referenciais para a

busca e compreensão de como se delineou o ensino primário voltado

exclusivamente para crianças em nosso país.

Pretende-se projetar neste trabalho um resumo do que vinha/vem sendo

traçado como primeira fase da escolarização, coletando referências históricas sobre

a constituição deste segmento que não foi tratado como prioridade durante muitos

anos na educação brasileira.

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Assim, este breve resgate servirá para a análise da sua trajetória educacional,

ajudará a compreender o contexto em que foi implantado no CP II e o que ele

representava/representa na educação nacional. Será possível também perceber em

que momento o ensino primário, com ênfase nas crianças como seu público

preferencial, emergiu no cenário nacional e as lutas de representação para afirmá-lo

no Colégio.

A busca nessa coleção de documentos foi realizada com o intuito de destacar

os eventos que delinearam a estrutura do ensino primário, conectado com a política

educacional que vinha se desenhando para o país, através das constituições que

traçaram o desenho de fundo, da conjuntura nacional onde se delineava um plano

de educação para o país. Dessas normativas nacionais foram destacadas a

presença do CP II e as deliberações que tocaram à instrução primária, ensino

primário no Município da Corte, Distrito Federal, Estado do Rio de Janeiro e, por fim,

Município do Rio de Janeiro onde se localizam o CP II e os Pedrinhos.

Através desses documentos foi possível: identificar como se desenvolveu a

educação oficial brasileira no que tange à sua organização, do ponto de vista

administrativo, curricular/pedagógico e referente aos seus recursos e provimento;

identificar como foi se configurando a estruturação do sistema educacional brasileiro

ao que toca o ensino primário, hoje o primeiro segmento do ensino fundamental/

anos iniciais; verificar como se deram as bases de sua implantação em conexão

com o contexto político de cada período em que se operam as reformas. Registrar e

analisar os documentos explicitando as preocupações nacionais expressas em

documentos oficiais sobre educação, com relação ao ensino primário.

Para produzir a história do ensino de matemática no CP II é necessário localizar

o curso primário (atual 1º segmento do ensino fundamental) enquanto produto do

que veio a ser a instrução pública e o ensino primário no Brasil, no Rio de Janeiro e,

especificamente, no CP II.

Atualmente tratado como anos iniciais, o ensino primário já foi denominado 1º

segmento do 1º grau, 1º segmento do ensino fundamental, 1ª à 4ª série, C.A (Classe

de Alfabetização) à 4ª série, antigo primário, séries iniciais. Todas essas

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denominações designam o nível de ensino que se destina a escolarizar crianças de

6 a 10 anos.

No século XIX foram criadas as escola de primeiras letras (1822/23); a

primeira Escola Normal (1835), em Niterói, e o CP II (1837). Essas três referências

são importantes na medida em que articularam ensino primário: instrução primária,

escola de primeiras letras; a Escola normal, local onde se forjam as Professoras

Primárias, mostrando que havia uma escola exclusiva que tratava da formação de

professores, os profissionais de educação e o Colégio Pedro II – locus preferencial

onde discorre esta narrativa.

Assim verifica-se, ainda no Império, no que tange à criação do que viria a ser

um quadro educacional para o país, uma determinação que criava uma escola

destinada a iniciar os cidadãos nas primeiras letras, ainda no Império. Era o embrião

da primeira fase da escolaridade e prescrevia-se oficialmente seu método de ensino:

o método Lancaster24, que servia para suprir a carência de professores.

Passaram a existir, complementando esses fatos, uma série de documentos

que delineariam como se desenvolveria a educação oficial brasileira em relação à

sua organização, do ponto de vista administrativo, curricular/pedagógico e referente

aos seus recursos e provimento.

Nesse processo legislativo, pode-se observar algumas orientações que

conduziram o CP II e o ensino primário, tomando como marco regulatório a

Constituição de 1824, que nos apresentava a obrigatoriedade e a gratuidade da

instrução pública para todos, elementos que se tornaram bandeiras históricas nas

lutas pela educação nacional. A Constituição, outorgada pela Assembleia

Constituinte, dizia, no seu artigo 179, XXXII: “A instrucção primaria é gratuita a todos

os cidadãos.”

24 Em 1823, na tentativa de se suprir a falta de professores institui-se o Método Lancaster, ou do "ensino mútuo", onde um aluno treinado (decurião) ensina um grupo de dez alunos (decúria) sob a rígida vigilância de um inspetor. http://pt.wikipedia.org/wiki/Metodo_Lancaster. acesso em 23/09/2012

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Em 1826 um projeto25 organizou o ensino em graus de ensino e as escolas

primárias passaram a ser chamadas pedagogias. Esse projeto instituiu outros graus

de instrução: Liceus, Ginásios e Academias. Deste projeto resultou em 1827, uma

“Lei Geral, de 15 de outubro”, que dispunha sobre as escolas de primeiras letras,

fixando-lhes o currículo e instituindo o “ensino primário para o sexo feminino”. Essa

lei estabeleceu ainda os princípios nos quais se pauta a educação pública brasileira:

a obrigatoriedade, a gratuidade e a laicidade. Observe-se que a lei explicitou a

inclusão das meninas, mas não garantiu uma distribuição de saberes igualitária

entre os sexos. De acordo com Correa, 2006,

A primeira contribuição da Lei de 15 de outubro de 1827 foi a de determinar, no seu artigo 1º, que as Escolas de Primeiras Letras (hoje, ensino fundamental) deveriam ensinar, para os meninos, a leitura, a escrita, as quatro operações de cálculo e as noções mais gerais de geometria prática. Às meninas, sem qualquer embasamento pedagógico, estavam excluídas as noções de geometria. Aprenderiam, sim, as prendas (costurar, bordar, cozinhar etc) para a economia doméstica.

Art. 6º Os professores ensinarão a ler, escrever, as quatro operações de aritmética, prática de quebrados, decimais e proporções, as noções mais gerais de geometria prática, a gramática de língua nacional, e os princípios de moral cristã e da doutrina da religião católica e apostólica romana, proporcionados à compreensão dos meninos; preferindo para as leituras a Constituição do Império e a História do Brasil.

Art. 12. As Mestras, além do declarado no Art. 6º, com exclusão das noções de geometria e limitado a instrução de aritmética só as suas quatro operações, ensinarão também as prendas que servem à economia doméstica; e serão nomeadas pelos Presidentes em Conselho, aquelas mulheres, que sendo brasileiras e de reconhecida honestidade, se mostrarem com mais conhecimento nos exames feitos na forma do Art. 7º.

Contudo, busca ampliar a oferta ao mandar criar escolas de primeiras letras

em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos do Império:

Art. 4º As escolas serão do ensino mútuo nas capitais das províncias; e serão também nas cidades, vilas e lugares populosos delas, em que for possível estabelecerem-se.

Art. 11. Haverá escolas de meninas nas cidades e vilas mais populosas, em que os Presidentes em Conselho julgarem necessário este estabelecimento.

25

A Comissão de Instrução apresentou à Câmara dos Deputados dois projetos. O primeiro denominado “Projeto Januário da Cunha Barbosa”, apresentado em 16 de junho de 1826, propunha que a instrução pública no Império fosse organizada em quatro graus: Pedagogias, Liceus, Ginásios e Academias, abrangendo desde a escola primária, passando pelo ensino profissional e científico, até chegar ao ensino superior. Esse projeto não chegou a entrar em discussão e não se encontrou qualquer justificativa para esse abandono. O ENSINO DE PRIMEIRAS LETRAS NO GRÃO – PARÁ NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX, Maria do Perpétuo Socorro G. de S. Avelino de França.

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No ano de 1834, a administração passou a ser descentralizada através de Ato

Adicional da reforma constitucional, que não era um instrumento da educação, ou

seja, não era uma legislação educacional, mas trazia indicações que afetaram o que

podemos chamar de “sistema de ensino” da época. Dispunha o documento que cada

província trataria de dar provimento ao seu sistema, desincompatibilizando o

governo da metrópole para este fim, dizia que a educação primária e a secundária

ficariam a cargo das províncias, restando à administração nacional o ensino

superior. Por esse ato já se percebe mais explicitamente, a gradação do ensino nos

níveis primário e secundário e uma orientação bem definida sobre a administração

desses níveis de ensino a encargo das províncias, no caso, descentralizadas. Por

outro lado, o documento garantiu que o padrão do ensino secundário fosse

preservado, tomando como modelo o Colégio Pedro II, (...) o ensino secundário tinha

um padrão nacional a ser seguido: o Colégio Pedro II, “guia de civilidade” para ser

copiado pelas instituições congêneres nas províncias após sua criação em 1837.

(SOUZA, 2008).

O Colégio Pedro II foi criado no Rio de Janeiro, em 1837, com o objetivo de

se tornar um modelo pedagógico para o curso secundário, como um “padrão ideal”

para os colégios secundários do Império para ser modelo nacional de ensino

secundário, estava destinado a formar a elite da jovem nação independente.

O Colégio Pedro II era freqüentado pela aristocracia. Oferecia o melhor

ensino, a melhor cultura, com o objetivo de formar as elites dirigentes. O diploma

conferido pelo CP II, de Bacharel em Ciências e Letras, era título suficiente para que

seus alunos ingressassem numa das recém criadas Faculdades do Império: de

Direito preferencialmente, ou de Medicina,

(...) sendo o Colégio de Pedro II o único colégio a conferir o Grau de Bacharel em Letras (Decreto de 1843) a seus formandos, passaporte de ingresso direto nos cursos superiores sem a prestação dos exames das matérias preparatórias.

26.

Aqui começa a nossa história que, “. . . vem do fundo do tempo e se confunde

com a história da educação do Brasil.” O Colégio iniciou suas atividades em 25 de

26

HISTÓRICO DO COLÉGIO PEDRO II: http://www.cp2centro.net/historia/historia/historia.asp?data=2/11/2011

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março de 1838, data que ainda hoje, recupera a cerimônia da aula magna em que

são entregues títulos a ex-aluno(a)s eminentes.

Como já foi visto, pelo Ato de 1834, os ensinos primário e secundário ficaram

a cargo das províncias e o ensino superior foi mantido pelo governo central.

Contudo, esse mesmo poder não abriu mão do controle ideológico e organizativo

sobre o ensino secundário e o fez através de normativas designadas para e pelo CP

II. Desta maneira, foram elaboradas algumas reformas no intuito de organizar a

estrutura de um sistema de ensino no Brasil com foco no Colégio. Entre as principais

reformas27 estão:

a reforma Couto Vaz, formulada através do Decreto 1331A, de 17 de fevereiro

de 1854, que tinha os objetivos de tornar mais rígida e controlada a

organização do ensino no CP II, reformular os ensinos primário e secundário,

exigir professores credenciados e a volta da fiscalização oficial; criou a

Inspetoria Geral da Instrução Primária e Secundária, buscando com isso

formas de controlar mais de perto a instrução. Essa inspetoria é um traço do

futuro Ministério da Educação e da Saúde, que foi criado quase cem anos

depois, em 1931;

a reforma Paulino de Souza (1870), que:

pretendia imprimir, aos estudos realizados no Colégio Pedro II, um caráter formativo, habilitando os alunos não só para os estudos superiores, mas para a vida, além da instituição ser capaz de competir com os estabelecimentos particulares no aliciamento de candidatos às Academias.

e deu ao ensino um caráter mais geral e menos erudito e propedêutico. Nessa

ocasião podemos ver que o CP II tomou vulto no cenário nacional, o que não é de se

estranhar de uma escola localizada na sede da metrópole com a missão de formar a

elite brasileira;

a reforma de Leôncio de Carvalho, em 1878, que estendeu as prerrogativas

do CP II para outras instituições de ensino. Em seu artigo 8º lê-se que o

governo poderá:

Conceder as prerrogativas de que goza o Imperial Collegio de Pedro Il aos estabelecimentos de instrucção secundaria que seguirem o mesmo

27

Os dados que compõem a síntese destas reformas foram extraídos basicamente das referências em Correa, 2006, Lima, s/d, Peres, 2005.

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programma de estudos e, havendo funccionado regularmente por mais de 7 annos, apresentarem pelo menos 60 alumnos graduados com o bacharelado em letras”.

Em seguida, o parecer de Rui Barbosa de 1883, versou sobre o ensino

secundário do Brasil interferindo na dinâmica escolar do CP II sem alterar seu

status. Foi o documento a última peça educativa do período imperial.

Com relação aos profissionais da educação, pode-se verificar que o

nascimento do Brasil republicano trouxe consigo a preocupação com o

ensino/instrução referente à formação dos professores e com a necessidade de criar

um órgão destinado à educação, tratada à época como instrução pública. Percebe-

se isso através de um pronunciamento de Ferreira Viana, Ministro do Império, que

dizia ser fundamental formar "professores com a necessária instrução científica e

profissional" e pedia empenho para a criação de um ministério destinado aos

negócios da Instrução Pública (LIMA, s/d). Assim em 1890, foi criado o Ministério da

Instrução Pública, Correios e Telégrafos. Com a Proclamação da República, no

Governo Provisório do Marechal Deodoro da Fonseca e Benjamin Constant Botelho

de Magalhães, foi nomeado o primeiro ministro desta recém-criada pasta (LIMA,

s/d). Benjamim Constant já operou sua primeira reforma através de um decreto que

organizou as escolas primárias em graus de ensino. Destaque-se dessa normativa o

que diz respeito ao ensino primário e ao CP II.

Approva o Regulamento da Instrucção Primaria e Secundaria do Districto Federal: Decreto n. 981 - de 8 de novembro de 1890 Regulamento da Instrucção Primaria e Secundaria do Districto Federal, a que se refere o decreto desta data.

TITULO I Principios geraes da instrucção primaria e secundaria Art. 1º. É completamente livre aos particulares, no Districto Federal, o

ensino primario e secundario, sob as condições de moralidade, hygiene e estatistica definidas nesta lei.

TITULO II Das escolas primarias, suas categorias e regimen Art. 2º. A instrucção primaria, livre, gratuita e leiga, será dada no

Districto Federal em escolas publicas de duas categorias: 1ª escolas primarias do 1º gráo; 2ª escolas primarias do 2ª gráo. § 1º As escolas do 1º gráo admittirão alumnós de 7 a 13 annos de

idade, e as do 2º gráo, de 13 a 15 annos. Umas e outras serão distinctas para cada sexo, porém meninos até 8 annos poderão frequentar as escolas do 1º gráo do sexo feminino.

§ 2º Nenhum alumno será admittido á frequencia das escolas do 2º gráo sem exhibir o certificado de estudos primarios do gráo precedente. (Decreto n. 981 - de 8 de novembro de 1890)

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A reforma proposta por Benjamim Constant, de 8 de novembro de 1890, após

a expulsão dos jesuítas, foi considerada pela primeira vez uma diretriz educacional

que abrangia todos aspectos da educação e todos os níveis de ensino, mas, ainda

assim priorizava, como muitas outras reformas, os ensinos secundário e superior.

Tal fato indicava a permanência de problemas na estrutura do ensino “... como, por

exemplo, a integração educativa da nação, o ensino primário, a formação dos

professores e o objetivo do ensino secundário”, na visão de Marcílio (2005).

A reforma caiu principalmente sobre o CP II alterando seu currículo. O ensino

secundário foi o mais atingido, pois a reforma impôs o rompimento com a tradição do

currículo clássico jesuítico e impôs a seriação obrigatória. A reforma de Benjamin

Constant (1890) extinguiu os preparatórios, aos quais o Colégio havia se resumido,

que habilitavam o aluno ao ensino superior. A reforma também fez o CP II, nessa

ocasião chamado de Ginásio Nacional, distanciar-se das marcas do Império, mas

mantendo o padrão do ensino secundário a ser seguido por todo o país.

Depois desta reforma foi promulgada a Constituição de 1891, que é deficitária

com relação à educação. Ela toca o ensino superior em dois artigos,

Art 34. Compete privativamente ao Congresso Nacional: 30º) legislar sobre a organização municipal do Distrito Federal bem como sobre a polícia, o ensino superior e os demais serviços que na capital forem reservados para o Governo da União; (Das Atribuições do Congresso) Art 35. 3º) criar instituições de ensino superior e secundário nos Estados; 4º) prover a instrução secundária no Distrito Federal.

e a instrução primária quando lhe garante a laicidade, no “§ 6º - Será leigo o ensino

ministrado nos estabelecimentos públicos”. (SEÇÃO II: Declaração de Direitos , Art

72, 1891).

Estrutura e funcionamento.

De acordo com Correa (2006), Lima (s/d) e Peres (2005), podemos apreender

algumas orientações das reformas da nova república (1901 a 1915) para visualizar a

como a ordenação legislativa vem desenhando para a educação na república. Dessa

maneira podemos perceber que: a seriação do curso secundário e a organização

dos estudos sofreram alterações a cada reforma, a duração do curso secundário é

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mantida nas três reformas citadas em seis anos. Algumas leis que tocam à

organização do ensino estabelecem o período em que deve ser realizado o curso

ginasial. Este segmento não foi sempre de quatro anos como conhecemos, já houve

períodos em que foi de cinco e de seis anos. A estrutura seriada de ensino foi

marcada por uma lei do início do século XX, (1901). As reformas desse período

deram prioridade, como de costume, ao ensino secundário, apesar de tratarem

também do ensino primário. Sob a perspectiva da Reforma de Epitácio Pessoa

(1901)28 a educação nacional deveria priorizar a formação secundária, visando a

consolidar a estrutura seriada do modelo educacional, (...) prevalecendo os exames

preparatórios; a Reforma Rivadávia (1911), segundo Correa (2006) desoficializou o

ensino, descomprometendo o Estado, parecendo reeditar com mais propriedade o

Ato Adicional de 1834, o que reforça a presença da iniciativa privada na educação

por falta da iniciativa o poder público, propondo a retirada de toda intervenção do

Estado na educação e a Reforma Maximiliano (1915) busca dar uma ordem ao

ensino brasileiro tornando obrigatória a seriação dos estudos; nessa reforma o curso

ginasial passa a ser ministrado em cinco anos.

Entre essas reformas algumas foram referentes ao ensino primário e outras

regulamentaram o ensino no CP II, bem como especificamente a administração

deste ensino, no caso, somente o secundário. O que aconteceu no ensino primário

durante muito tempo teve pouco impacto na educação pública e era tratado com

baixa prioridade, na medida em que, para ingressar no Colégio, era necessário o

exame de seleção. Analisando a valorização do status do CP II pode-se mensurar o

que foi implantar o ensino primário no Colégio, ou seja, como instalar um curso com

pouco status se insere num valoroso colégio. O curso primário, historicamente,

gozava de pouco prestigio social e não figurava entre as prioridades educacionais.

Esse baixo prestígio, com o tempo, veio a ser estendido aos profissionais que

atuavam neste segmento, em particular, às suas professoras. Esse conjunto veio

aportar em um colégio tradicionalmente bem situado no cenário da educação

brasileira.

Depois da Reforma Maximiliano, chegou-se a um fértil período da história do

Brasil e da história da educação no Brasil, que foi o governo de Getúlio Vargas.

28

Decreto nº 3.890, de 1 de janeiro “Approva o Codigo dos Institutos Officiaes de Ensino Superior e Secundario, dependentes do Ministério da Justiça e Negocios Interiores”.

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Nesse período temos as importantes reformas Campos (1931) e Capanema (1942),

que se tornaram importantes marcadores da primeira metade do século XX.

2.2.1 O GOVERNO DE GETÚLIO VARGAS

Este período foi marcado pela entrada no Estado Novo e para a educação a

criação do Ministério da Educação e da Saúde Pública, através do Decreto 19.402,

tendo como ministros no governo Getúlio Vargas: Francisco Luiz da Silva Campos,

Belizário Augusto de Oliveira Pena, Washington Ferreira Pires e Gustavo

Capanema.

Ano 1931, com menos de 50 anos após a Proclamação da República, Getúlio

Dorneles Vargas assumiu, em governo provisório, o comando do Estado Brasileiro,

intitulando-se presidente, embora o Estado Novo só tenha sido adotado em 1935.

Getúlio foi o 14º dirigente do Brasil.

Vale chamar a atenção para o estado de onde Getúlio veio para aquele onde

ele aportou, pois no Rio Grande do Sul (RS) não havia predominância das marcas

da escravidão; havia lá uma presença negra diminuída, pois recebeu relativo

contingente de imigrantes europeus depois das duas guerras mundiais.

Pode-se inferir daí que havia uma diferença, por exemplo, entre um Distrito

Federal, onde historicamente, a instrução era destinada à formação da elite, e um

Rio Grande do Sul, onde a instrução foi projetada para a formação do povo imigrante

que, na ocasião se instalava no país. Então, a educação e a saúde, pode-se

imaginar, eram pensadas para os seus. Esse fato permite considerar que foram

esses princípios que acompanharam Getúlio até o Rio de Janeiro/DF. Com isso,

logo nasceu o Ministério da Educação e da Saúde Pública, sem esquecer a

demanda desenvolvimentista que já pressionava por mais educação e saúde

pública.

Com um processo de industrialização em curso e uma corrida mundial

desenvolvimentista em franca consolidação e afirmação do capitalismo, viveu-se um

momento de tratar o mercado de trabalho através da qualificação dos trabalhadores

e, para tanto, havia que se educar o povo para absorver avanços. O povo deveria

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produzir, demandar, consumir, trabalhar e alimentar esse circuito capital.

Era um momento muito fecundo para romper de uma vez com a tradição

colonialista, com suas marcas escravocratas e excludentes, mas o país não seguiu o

caminho da emancipação e da inclusão de fato. No avanço do capital, o fosso de

desigualdade também marcada pelo aceso, permanência e sucesso na educação se

aprofundou. A população majoritariamente negra e analfabeta, uma classe popular

pobre e branca estrangeira, todos buscavam educação e trabalho. A educação foi se

universalizando e o trabalho, branqueando.

A educação e trabalho foram ficando mais acessíveis, mas não era para

todos; formou-se um exército de mão-de-obra de reserva, produzindo dois sistemas

educacionais: um para a elite e outro para o povo.

Surgiram novas demandas; lutas também se desenrolam no campo da

disputa entre os modelos socialista e capitalista, o que acarretou o acirramento das

ditaduras; então viveu-se aqui a ditadura Vargas e depois a ditadura civil-militar.

Contudo, essas disputas produziram verdadeiras revoluções populares, grandes

mobilizações na cultura, na educação e em vários outros setores da sociedade,

mobilizações mundiais que impactaram toda a sociedade brasileira. No Rio de

Janeiro, em 31 de maio de 1931, foi criado o Sindicato dos Professores do Município

do Rio de Janeiro, atual Sinpro-Rio; e, em 1932, foi lançado o Manifesto dos

Pioneiros. A sociedade civil se organizou contra as ditaduras, as tradições e o

conservadorismo que iam perpetuando as desigualdades e exclusões. Os

intelectuais da educação traduziram estas vozes organizando-se também e

escutando o que ocorria no Brasil e no mundo sobre mais acesso à educação para o

povo e uma educação que garantisse a permanência do estudante na escola com

uma proposta educacional viável e inclusiva.

Na Era Vargas, foram materializadas as lutas de representação, a(s)

ditadura(s) e as resistências. Duras ditaduras que não dissimulavam, matavam, não

“douravam a pílula”, davam o veneno sem açúcar, e afeto?... nem pensar...

Ditadura dura que não dava suspiro à resistência e sabia que ela era

igualmente dura. A resistência sabia o que queria, ainda que não soubesse bem

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como faria, pois contava com pouco(a)s. Ainda assim, resistiu!

O país atravessou uma conjuntura perversa nos períodos de 1931/1945 e

1954/1964. Contudo os efeitos: castigos, punições, violências, atentados aos direitos

hoje não são mais permitidos da forma “naturalizada” e impune como acontecia. A

resistência continua, as ditaduras também, ambas de forma difusa, dispersa, ruim

para a resistência. As ditaduras dão seu jeito, elas têm recursos para se

sustentarem em muitos lugares. Ambas hoje operam, em diferentes medidas, de

forma mais abrangente através da mídia que se constitui num “quarto poder”, quase

o mais poderoso. A leitura desse marco histórico, a Era Vargas, serve para destacar,

salientar alguns dos caminhos por onde se deve caminhar e o que se deve buscar

para revelar e compreender a íntima relação da política com a educação e vice

versa, como Paulo Freire destacou: “educar é uma ação política”. É um bom

momento para pensar no que houve para projetar o que poderá vir a ser...

A conjuntura getulista foi importante para a educação. A política determinou a

educação e ainda o faz. Está também na hora de a educação armar uma ordem

política para fazer educação, buscar formular outras estratégias considerando a

atual conjuntura política buscando inspiração nos intelectuais revolucionários Paulo

Freire para a educação e Ubiratan D’Ambrósio para educação matemática;

recuperar, ativar e verificar seus ensinamentos.

A passagem por esse tempo histórico de Getúlio é importante para trazer à

tona, com luz e força, espíritos revolucionários, tal como são os espíritos das

professoras primárias que aportaram no CP II. Muitas não têm plena consciência

disso, pois o “império”, a ditadura, sempre ataca e opera no esvaziamento da alma,

no apagamento do brilho do olhar, aposta na burocratização, na despolitização, na

sistemática fechada da avaliação, na competição, no rankeamento. O “império” mora

nos Estados Unidos, mora aqui, mora ali, está na sombra, assombra - o poder não

deixa ler Paulo Freire nem Ubiratan D’Ambrósio no CP II, não fala nem em Euclides

Roxo.

Euclides Roxo, catedrático, intelectual de seu tempo, professor de

Matemática em atividade nos primeiros tempos da era Vargas sinalizou para

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alterações que deveriam ser produzidas no ensino da Matemática que foram

absorvidas no projeto educacional deste período e se tornaram de extrema

importância, o que nos permite considerar Euclides Roxo um dos primeiros

educadores matemáticos do Brasil. Sua proposição sugeria, numa perspectiva de

vanguarda do ensino, que o ensino secundário deveria vincular-se mais ao ensino

primário do que ao ensino superior e admitia contribuições da psicologia para o

entendimento e apoio às questões da educação e do ensino.

Getúlio Vargas projetou o Brasil, impulsionando com medidas importantes a

industrialização “consolidando” empresas nacionais, criando a CSN, a Vale do Rio

Doce, concedendo medidas protecionistas aos trabalhadores, criando o Ministério da

Educação e da Saúde, mas trouxe em seu governo marcas franco-fascistas e,

apesar dos muitos avanços, foi um ditador. Nada é perfeito. Um dos efeitos disso é

que o país avançou, mas guardou profundas desigualdades e muitos avanços da era

Vargas acabaram na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso, que foi um

retrocesso e impôs grandes perdas aos trabalhadores, principalmente, aos

educadores e profissionais da educação.

No período varguista em que se avançava para universalização da educação

havia que se pensar que o currículo seria praticado a fim de dar conta das

demandas científicas e tecnológicas e da diversidade que passaria a habitar no

espaço escolar. O ensino da matemática estava sendo discutido no mundo inteiro.

Que matemática seria ensinada diante de tanta mobilização e demanda social,

mundial, política, educacional e científica que desse conta de um processo de

industrialização com outras e novas perspectivas para o trabalho e com um grande

contingente de imigrantes nacionais e estrangeiros? O Brasil estava mudando,

realmente, de cara. Ocorreu uma mudança substantiva nos modos de produção,

houve um grande esvaziamento/deslocamento do campo, das áreas de atividades

rurais para as áreas urbanas. As cidades periféricas foram crescendo, inchando

alterando sua infraestrutura. A república foi se consolidando com muitos conflitos e

contradições. O povo sempre pedindo inclusão, participação, justiça e igualdade. As

ditaduras no mundo também foram imperando e disputando desigualmente com o

povo. Ainda assim, mesmo com significativa influência européia na sociedade

brasileira, os Estados Unidos afirmaram-se como império bélico mundial e tornaram-

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se nosso imperador e credor, ficamos fortemente submetidos às suas influências e

nos tornamos quase totalmente dependentes deles financeiramente.

O Brasil dependia de fato, não se desamarrava das influências europeias

para a elite e norte-americanas para a educação popular e assim, ainda que

tivéssemos notados avanços a educação brasileira não se desenvolveu com e para

o povo brasileiro, vivemos durante muito tempo de modelos importados.

Em 1932, o Manifesto dos Pioneiros trouxe influências da escola nova29 para

a educação em geral. Também tivemos a influência norte-americana para a

Matemática. O modelo de ensino para a matemática que foi executado no Brasil, em

grande medida, com ferramentas e aportes metodológicos europeus. Apesar de ser

norte americano o modelo tecnicista de organização curricular a teoria e metodologia

que fundamentava o ensino da matemática era europeu marcado pelas influências

de Piaget, Papy e Dienes.

As constituições brasileiras também revelaram influências estrangeiras, bem

como as nossas reformas educacionais e isso permanece até nas nossas Leis de

Diretrizes e Bases. Fomos afetados pelo mundo, mas durante muito tempo essa

afetação se traduziria numa atitude subserviente, de alma colonizada. Em 509 anos

de Brasil, 187 anos da Independência, 172 anos do CP II, 121 de Abolição, 120 de

República30, vivemos apenas 21 anos de democracia mais plena, a contar da última

constituição datada de 1988, que consagra eleições diretas para todos os cargos

públicos parlamentares; ainda não completamos um jubileu de prata de democracia

e até mesmo a independência, de fato, ainda engatinha.

29

A Escola nova, também chamada de Escola Ativa ou Escola Progressiva, foi um movimento de renovação do ensino, que surgiu no fim do século XIX e ganhou força na primeira metade do século XX. Nascido a Europa e América do Norte, chegou ao Brasil em 1882, pelas mãos de Rui Barbosa, e exerceu grande influência nas mudanças promovidas no ensino na década de 1920, quando o país passava por uma série de transformações sociais, políticas e econômicas. Inspirados nas idéias político-filosóficas de igualdade entre os homens e do direito de todos à educação, esses intelectuais viam num sistema estatal de ensino público, livre e aberto, o único meio efetivo de combate às desigualdades sociais da nação. O movimento ganhou impulso na década de 1930, após a divulgação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932). Nesse documento, defendia-se a universalização da escola pública, laica e gratuita. http://pt.wikipedia.org/wiki/Escola_Nova. acesso em 10/09/2012. 30

Essas datas tomam como referencia o período abordado nesse estudo que vai até 2009. (Nota da autora)

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O Colégio Pedro II é mais antigo do que muitas das instituições brasileiras, só

não é mais antigo do que o advento da Independência, mas é mais velho do que a

República e certamente do que a democracia brasileira. O Brasil é jovem na

constituição do regime e da própria sociedade, que veio a se configurar tal como é

hoje a partir da primeira guerra, quando começaram a se movimentar grandes

blocos de imigração mundial.

Em matemática, os intelectuais e catedráticos brasileiros foram influenciados

por Klein (Alemanha)31 e Breslich (USA)32, pelo SMSG (EUA)33 e, no auge da

ditadura, pelos acordos MEC-USAID34. As ditaduras estrangeiras financiaram a

ditadura nacional. Financiaram os golpes contra a democracia e até hoje buscam

financiar o desmonte da estrutura e soberania brasileiras. Só que as ditaduras vão

sendo desmascaradas, desmanteladas e, vez por outra, se desmancham no ar...

31

Klein, Felix Christian (1849 — 1925) Foi um matemático alemão. Seu trabalho incidiu na geometria não-euclidiana e nas interligações entre a teoria dos grupos e a geometria. Em 1908 criou a Comissão Internacional de Instrução Matemática, e trabalhou de 1908 até os anos 1920, em uma pesquisa cujo objeto era a evolução da Educação Matemática em diversos países do mundo. Foi editor da revista de matemática Mathematische Annalen, tendo conseguido torná-la na principal publicação da época. http://pt.wikipedia.org/wiki/Felix_Klein. acessado em 32

Breslich, Ernst R. Breslich, Ernst R. Nasceu em 1874, na Alemanha, tornando-se cidadão americano em 1896. Em 1900, recebeu o título de Mestre pela Universidade de Chicago. Foi o autor que mais influenciou Euclides Roxo na elaboração do seu programa através do livro didático Senior Mathematics Book I. Ernst Breslich começou sua ascensão quando Charles Hubbard Judd assume a presidência do Departamento de Educação da Universidade de Chicago, em 1909, O fato mais marcante no didático escrito por Breslich era a sua preocupação em dar “ênfase na Geometria”. Em algumas afirmações escrevera que seu curso desenvolveria a “imaginação espacial e pictórica”, “intuição funcional”, “pensamento apurado e poder de concentração”. A criação do Curso de Mathematica Elementar: um guia para a condução da nova disciplina, um manual didático inovador. REVISTA DON DOMÊNICO Revista Eletrônica de Divulgação Científica da Faculdade Don Domênico 6ª Edição – setembro de 2012 - ISSN 2177-4641. Acessado em 27/09/2012 33

SMSG - A School Mathematics Study Group (SMSG), Escola de Grupo de Estudos de Matemática foi uma organização de pesquisas acadêmicas americana focado no tema da reforma na educação matemática . Dirigido por Edward G. Begle e financiado pela National Science Foundation, o grupo foi criado na esteira da crise do Sputnik , em 1958, com a tarefa de criação e implementação de matemática nos currículos para primário e secundário, o que fez até o seu término em 1977. Os esforços da SMSG renderam uma reforma na educação matemática conhecida como nova matemática, que foi promulgada em uma série de relatórios, que culminou com uma série publicada pela Random House chamado de Nova Biblioteca de Matemática. http://en.wikipedia.org/wiki/School_Mathematics_Study_Group. acessado em 27/09/2012 34

Os chamados acordos MEC – USAID. Série de acordos produzidos nos anos de 1960, entre o MEC e a United States Agency for International Development (USAID), nos Estados Unidos, que visavam estabelecer convênios de assistência técnica e cooperação financeira ao sistema educacional brasileiro. Entre junho de 1964 e janeiro de 1968, período de maior intensidade nos acordos, foram firmados 12, abrangendo desde a educação primária ao ensino superior. E último dos acordos firmados foi no ano de 1976. http://pt.wikipedia.org/wiki/Acordos_MEC-USAID. acessado em 27/09/2012

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As reformas, até 1930, deram ênfase no curso secundário. A Reforma

Francisco Campos35 em 1931, dispôs sobre a organização do ensino secundário. O

ensino primário não era prioridade, bem como toda a educação infantil e o próprio

tratamento da infância. Contudo vale ressaltar que o CP II na sua estrutura e

funcionamento, sempre acompanhou todo o desenvolvimento do processo

educacional do país chegando mesmo ao ponto de ser o centro irradiador das

políticas (currículos e programas) educacionais nacionais. Por isso era considerado

o Colégio Padrão do Brasil. A reforma de 1931, declaradamente elitista, equiparou

todos os colégios secundários oficiais ao CP II, mediante a inspeção federal, e deu a

mesma oportunidade às escolas particulares para que se organizassem, segundo o

decreto, e se submetessem à mesma inspeção. Não deu ênfase ao ensino primário

ou aos problemas da educação popular.

Do período em que Francisco Campos foi ministro vale ressaltar a importância

de Euclides Roxo no quadro dos formuladores da “política educacional” que se

desenhava para o Brasil. Neste período Euclides Roxo esteve presente em

comissões36 que elaboravam os currículos e programas de ensino para as escolas

brasileiras.

A partir do início do século XX começa a tomar corpo no Brasil um movimento

renovador visando transformar as condições de ensino. Esse movimento, que se

chamou Escola Nova37, era liderado por educadores renomados nos principais

estados da federação.

O ministério da Educação e da Saúde Pública foi criado no início do Estado

Novo, um período de autoritarismo no país. No entanto, logo em 1932, foi publicado

o Manifesto dos Pioneiros. Mais adiante será visto que, contraditoriamente nesse

período tenso, tivemos os mais fortes indícios de modernização na educação e o CP

II, mais uma vez teve seu protagonismo. Nesse mesmo momento estava em curso,

no CP II, a reforma da Matemática proposta por Euclides Roxo.

35

Reforma Francisco Campos: idem p. 61 36

Em 1937, após ter sido Diretor de Colégio Pedro II, foi nomeado Diretor do Ensino Secundário do Ministério da Educação e Saúde, foi membro do Conselho Diretor da Associação Brasileira de Educação (ABE), fez parte da comissão de ensino secundário da mesma associação e foi Presidente da Comissão Nacional do Livro Didático. (Pitombeira, 2003, p.87)

37 Ver pag. 67

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2.3TRADIÇÃO, A MODERNIZAÇÃO E O CONSERVADORISMO.

Componentes do ideário sobre a Matemática e o ensino de Matemática no CP II

(1929/1930).

O ensino de matemática no CP II era enunciado por uma concepção e ensino

dessa ciência marcados por atos e atitudes de seus numens tutelares – os

catedráticos, de modo geral, e os de matemática, em particular. Dentre eles, a figura

ilustre mais emblemática foi Euclides de Medeiros Guimarães Roxo. Tratar da

história da educação, do ensino e da reforma da matemática, passando pelo CP II

sem trazer à cena o Prof. Euclides Roxo, deixaria uma grande lacuna no estudo da

trajetória da educação matemática no Brasil. Ele não veio sozinho, veio na trilha de

outro ilustre Professor, Eugênio de Barros Raja Gabaglia38, professor de matemática

e ex- diretor geral do Colégio.

Para compreender o que ocorreu especificamente com o ensino da

matemática, no CP II numa época em que havia muita mobilização em torno da

educação, é preciso começar com o que o Prof. Raja Gabaglia pensava sobre o

assunto. Ele compreendia o descompasso entre os alunos e a matéria e, para tanto,

tinha a seguinte concepção:

Gabaglia era um herdeiro da tradição. A matemática, em seus vários ramos, representava a lógica, a formação do espírito pelo desenvolvimento do raciocínio dedutivo, dos problemas a partir das premissas, pelas demonstrações, pela elegância do encadeamento da resolução dos problemas a partir das premissas Observando os alunos, ante as dificuldades que encontram nos exercícios, o professor disserta e tenta convencer o inspetor que isso não é algo próprio de seus discípulos, é da raça, da raça latina: “Tem mais aptidão para o raciocínio indutivo do que para o dedutivo. (. . . ) O raciocínio abstrato é a grande barreira a que ficam sujeitos os jovens de tenra idade. (Valente, 2003, p.48, 49)

38

Bacharel em Ciências Físicas e Matemáticas. Além disso era versado em Francês, Inglês, Italiano, Espanhol, Latim e Alemão. Ainda estudante, estreou no magistério lecionando Matemática no curso regular na própria Escola Politécnica. Em 1896, ainda na Escola Politécnica, assumiu as cátedras de Direito, Economia Política e Portos de Mar. Foi professor substituto de Matemática e de História no Colégio Pedro II, tendo vindo a dirigir o externato e o internato no período de Novembro de 1912 a 1914. Em 1912 viajou para a Inglaterra para participar, como delegado do Brasil, no V Congresso Internacional de Matemática. Nessa qualidade, afirmou, à época, que o seu país tinha interesse "no aperfeiçoamento da organização do ensino de Matemática". http://pt.wikipedia.org/wiki/Eugenio_de_Barros_Raja_Gabaglia. acessado em 12/09/2012

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Para resolver a questão o Professor Raja Gabaglia crê que para resolver esse mal, há necessidade de muito trabalhar com a decoração das regras da aritmética e da álgebra. (apud Alexander, 1908, in Valente, 2003, p.49)

Essa era uma idéia discriminatória, racista, que trouxe as marcas do seu

tempo histórico, pois discriminava a raça latina que se produziu fora do continente

europeu, lugar de origem de Gabaglia, que era italiano. Gabaglia defendia o ideário

que hierarquizava indivíduos a partir da habilidade em lidar com a dedução e a

indução no pensamento lógico matemático, desconsiderando como o sujeito está

pensando. De certa maneira toda trajetória educacional sesquicentenária deste

Colégio era ancorada numa prática discriminatória que sustenta um ensino de

excelência destinado a formar a elite sem prestar atenção aos jovens dessa própria

elite, pois não bastava pertencer a ela; eles não poderiam ser da “raça latina”,

segundo acreditava Gabaglia.

A presença de Euclides Roxo no CP II veio marcar um período em que o

Colégio atravessava e era atravessado por um movimento internacional de

modernização do ensino da matemática com vistas a “promover, ao lado das

humanidades literárias, as humanidades científicas, fundadas sobre o ensino da

realidade, levando o aluno a aprender, a raciocinar partindo do concreto,

promovendo, assim, a ruptura com o antigo, dogmático e abstrato modo de pensar

o ensino de ciências”. (Belhoste apud Valente 2003, p.65). Os reformadores incluiam

também a tarefa de reorganizar os programas de ensino que consideravam

sobrecarregados. Euclides Roxo compartilhava desse ideário mais avançado.

Raja Gabaglia, que expressava a tradição, representou oficialmente o Brasil

nos mais importantes congressos que discutiam na época a modernização do ensino

da matemática. Ele “foi um representante oficial, político, pouco interessado em

novidades que viessem a alterar o ensino tradicional e bem assentado da

matemática no Pedro II”, (Valente, 2003, p.58) e não entrou para a história da

educação no Brasil por não ter desenvolvido, com a energia necessária, o debate

sobre a modernização do ensino da matemática que corria o mundo. O CP II perdeu

outra oportunidade no século XX: a de protagonizar esse debate em torno da

modernização de matemática (Choeri, s/d; Valente, 2003). Este estudo tem a

intenção de contribuir para que o mesmo não ocorra no século XXI e que o Colégio

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recupere a ousadia e sua capacidade de protagonizar o debate sobre a educação

matemática.

Roxo veio substituir Raja Gabaglia na cátedra em 1919, por ocasião de sua

morte, frente a uma acirrada disputa que veio a vencer contra o Prof. Arthur Thiré.

Outro personagem que merece ser citado no percurso do ensino da

matemática no Colégio junto com Euclides Roxo é o Prof. Joaquim Inácio Almeida

Lisboa exatamente por seu antagonismo às ideias modernizadoras de Roxo.

Almeida é visto em textos como um matemático de alta estirpe, como no caso,

Joaquim Inácio de Almeida Lisboa estava totalmente deslocado no Colégio Pedro II ao ministrar aulas a adolescentes. O seu lugar deveria ser na Congregação da Politécnica, era um matemático puro e de alta estirpe, seus escritos o comprovam . . . (Choeri, s/d, p. 20).

Tal citação pode não corresponder à realidade dos fatos, contudo essa idéia

de alta estirpe permeia esse ideário e compõe as representações do senso comum

da comunidade escolar em torno do ensino da matemática através de seus agentes.

Pode-se detectar na mobilização em favor da reforma da matemática dois

movimentos: o de unificação das matemáticas e o de aproximação do ensino

secundário com o ensino primário, no caminho oposto ao que transitava até então.

Historicamente o ensino secundário estava mais ligado ao ensino superior. Roxo

sinalizava na defesa de suas idéias, para um outro caminho: pensar pelo viés da

psicologia do sujeito compartilhando com as linhas gerais do plano proposto no

Manifesto dos Pioneiros que trazia o ideário da escola nova:

A escola primária, que se estende sobre as instituições das escolas maternais e dos jardins de infância e constitui o problema fundamental das democracias, deve, pois, articular-se rigorosamente com a educação secundária unificada (...). (Manifesto dos Pioneiros, 1932)

Entendo que modernizar a educação passa também, fundamentalmente, por

modernizar o ensino de matemática ao ponto de, praticamente, não poder distinguir

em que ordem isso deveria se dar, ou seja, o que vem antes. Ainda mais se

considerarmos que, grandes avanços são provocados pelas ciências que tem como

base a matemática e também considerando todos os conceitos e preconceitos que

giram em torno desta disciplina.Assim sendo, relacionar Euclides Roxo aos

Pioneiros através de sua trajetória pode que ele seja considerado o primeiro

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educador matemático do Brasil e admitir como o seu espírito renovador da

matemática permaneceu silente e latente todo esse tempo sem que outros

educadores tivessem muita consciência disso.

Roxo iniciou um texto afirmando: “O ensino da matemática esteve até as

últimas décadas do século passado39, sob a influência quase exclusiva de

preconceitos de organização excessiva lógica e sistemática.” (Roxo, 1937)

Ainda no que diz respeito ao ideário sobre o ensino de matemática do

Colégio, Euclides Roxo já havia dado grandes contribuições para o debate. Contudo

a disputa pela hegemonia do discurso entre um texto conservador e um texto

moderno sobre o ensino da matemática ainda prevalece em pleno século XXI.

Nessa ocasião um opositor às idéias de Roxo era um professor também do CP II

que destacava-se nas críticas públicas que fazia a Euclides Roxo.

O CONSERVADORISMO DE ALMEIDA LISBOA

Em crítica a um livro40 de Euclides Roxo, Almeida Lisboa acusou-o de

pretender “banalizar a matemática, torná-la simples “lição das coisas”. O que não

era verdade, pois Euclides Roxo em momento algum descuidou (...) de manter um

nível adequado e amplo de conhecimentos de matemática na distribuição dos

conteúdos. (Pitombeira, 2003, p.127).

A reforma da matemática no Colégio Pedro II proposta por Euclides Roxo em

1929 afirma a necessidade de unificar os ramos da matemática. O tema suscitou

intenso debate, o que possibilitou a explicitação das idéias em torno da disciplina e

também permitiu visualizar o que representava a matemática e seu ensino no

Colégio. Ao final a proposta foi acolhida e homologada pela congregação.

Lisboa criticou a reforma feita por Roxo, mostrando–se frontalmente contrário

às suas orientações. Declarou expressamente que:

Na qualidade de mais antigo professor catedrático de Matemática do Colégio Pedro II, declaro não ter colaborado, nem de leve, nos seus atuais programas de Matemática.

39

No texto a expressão “século passado” refere-se ao século XIX, porém a afirmativa é viva e plena ainda no curso do século XX. 40

Um dos livros de Roxo criticados por Almeida Lisboa “A Matemática na Educação Secundária”, 5º ano, 1940.

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Sou fundamentalmente contra eles; não os considero sequer programas de ensino, porque tudo destroem. Desde 1902, nos já distantes tempos em que fiz concurso, sempre fui partidário de uma reforma completa do ensino a Matemática, mas em moldes opostos à atual. Desejava o desenvolvimento da matéria e o aumento do número de anos de estudo. (Lisboa apud Pitombeira, 2003, p.130). E continua, expondo o que acha de errado na reforma feita por Euclides Roxo: O professor Euclides Roxo quis dar ao ensino da Matemática um caráter utilitário e essencialmente prático. Julgo que não atingiu esse objetivo. A mocidade sacrifica longos anos roubados aos folguedos naturais da idade para, em troca, lhe ministrarmos conhecimentos reais, cultivando seu espírito, desenvolvendo suas qualidades intelectuais. Não é Matemática para jardineiro analfabeto que ela vem procurar nos cursos secundários. O professor Roxo esqueceu qual a verdadeira finalidade da Matemática na escola secundária. Seu principal destino não é uma colheita mais ou menos abundante de conhecimentos isolados. A Matemática é uma disciplina do espírito, uma inimitável e insubstituível educadora do raciocínio a que a mocidade deve ser submetida. Se a reduzirmos às banalidades de agora, por que não suprimiremos também o estudo da História Universal, da literatura e da própria gramática, que não apresentam as utilidades práticas tão admiradas pelo professor Roxo? Estamos formando uma geração de ignorantes. Vai desaparecendo, entre nós, o ensino da Matemática. Os programas são ridículos, tão ridículos quanto nossa miserável literatura matemática. (...) As noções rudimentares da Matemática exigida pelos programas atuais do Pedro II poderão servir no máximo para as escolas primárias. (...). (Pitombeira, 2003, p.131)

Nesse trecho é possível detectar como é vista, por um segmento liderado por

Lisboa, dentro do Colégio a iniciativa da reforma da matemática e seus efeitos.

Ficam evidentes o tamanho da contrariedade expressa pelo Prof. Lisboa e a critica

do que entende ser o “caráter utilitário da matemática”. É certo que Lisboa

encontrou adeptos. Assim, apesar da vitoriosa reforma de Roxo, a família Lisboa

ainda esteve no Colégio por um bom tempo influenciando as tendências no ensino

da matemática.

Euclides Roxo foi um professor que se projetou, destacando-se no cenário da

educação nacional, mas as ideias que permaneceram no Colégio após sua morte

foram de retrocesso, contrárias em grande medida às suas posições de vanguarda.

No entanto suas idéias tiveram alcance nacional e exerceram grande influência

sobre o ensino da matemática no país, dada a conjuntura de um regime

extremamente autoritário, mas cujas autoridades Roxo era ligado por conta do seu

cargo. Ele desfrutava do respeito e trânsito junto aos Ministros da Educação,

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Campos e Capanema. Em 1931, “Francisco Campos adotou, em sua reforma quase

todos os pontos de vista sobre o ensino de matemática difundidos por Euclides

Roxo. (Miorim apud Pitombeira, 2003, p. 125). Apesar desse suporte, Euclides Roxo

foi um catedrático que enfrentou brava resistência por parte dos conservadores

avessos à reforma.

1932 – MANIFESTO DOS PIONEIROS

O Manifesto dos Pioneiros (1932) não foi uma lei, mas um documento

relevante, posto que traduzia a síntese de um plano de reconstrução educacional

nacional, com ênfase na educação nova que sustentava o ideário da reforma, com

princípios mais democráticos, com mais inclusão e oportunidades. Ele apresentava

enquanto carta de princípios, a formulação dos principais intelectuais da educação.

No elenco de proposições abordava:

A reconstrução educacional – ao povo e ao governo Movimento de renovação educacional; Diretrizes que esclarecem; Reformas e a reforma; Finalidades da educação Valores mutáveis e valores permanentes; O Estado em face da educação: a) A educação, uma função essencialmente pública; b) A questão da escola única; c) A laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e coeducação; A função educacional a) A unidade da função educacional b) A autonomia da função educacional c) Descentralização: “Unidade não significa uniformidade” O processo educativo O conceito fundamental da educação nova. Nessa nova concepção da escola, que é uma reação contra as tendências exclusivamente passivas, intelectualistas e verbalistas da escola tradicional, a atividade que está na base de todos os seus trabalhos, é a atividade espontânea, alegre e fecunda, dirigida à satisfação das necessidades do próprio indivíduo. (Manifesto, 1932), Plano de reconstrução educacional a) As linhas gerais do plano b) O ponto nevrálgico da questão A estrutura do plano educacional corresponde, na hierarquia de suas instituições escolares (escola infantil ou pré-primária; primária; secundária e superior ou universitária) aos quatro grandes períodos que apresenta o desenvolvimento natural do ser humano. É uma reforma integral da organização e dos métodos de toda a educação nacional, dentro do mesmo espírito que substitui o conceito estático do ensino por um conceito dinâmico, fazendo um apelo, dos jardins de infância à Universidade, não à receptividade, mas à atividade criadora do aluno. A partir da escola infantil (4 a 6 anos) à Universidade, com escala pela educação primária (7 a 12) e pela secundária (12 a 18 anos), a "continuação ininterrupta de esforços criadores" deve levar à formação da personalidade integral do aluno e ao

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desenvolvimento de sua faculdade produtora e de seu poder criador, pela aplicação, na escola, para a aquisição ativa de conhecimentos, dos mesmos métodos (observação, pesquisa, e experiência), que segue o espírito maduro, nas investigações científicas. (Manifesto, 1932), c) O conceito moderno de universidade e o problema universitário brasileiro d) O problema dos melhores A unidade de formação de professores e a unidade de espírito O papel da escola na vida e a sua função social A democracia – um programa de longos deveres.

Essa é a estrutura do documento que trouxe muitas contribuições e

sistematizou em grandes linhas um plano para a educação nacional, tratando de

seus principais problemas e apresentando perspectivas modernas para pensar a

educação sob um novo paradigma.

Ora, se a educação está intimamente vinculada à filosofia de cada época, que lhe define o caráter, rasgando sempre novas perspectivas ao pensamento pedagógico, a educação nova não pode deixar de ser uma reação categórica, intencional e sistemática contra a velha estrutura do serviço educacional, artificial e verbalista, montada para uma concepção vencida. (Manifesto, 1932).

Essa escolha dá-se também pelo fato de que esse manifesto planta o espírito

de muitas outras transformações pelas quais passou e vem passando a educação

brasileira. Ele, sem dúvida, impactou e foi impactado também pelos movimentos de

renovação pedagógica, fundamentalmente a educação para crianças

A nova doutrina, que não considera a função educacional como uma função de superposição ou de acréscimo, segundo a qual o educando é "modelado exteriormente" (escola tradicional), mas uma função complexa de ações e reações em que o espírito cresce de "dentro para fora", substitui o mecanismo pela vida (atividade funcional) e transfere para a criança e para o respeito de sua personalidade o eixo da escola e o centro de gravidade do problema da educação. Considerando os processos mentais, como "funções vitais" e não como "processos em si mesmos", ela os subordina à vida, como meio de utilizá-la e de satisfazer as suas múltiplas necessidades materiais e espirituais. A escola, vista desse ângulo novo que nos dá o conceito funcional da educação, deve oferecer à criança um meio vivo e natural, "favorável ao intercâmbio de reações e experiências", em que ela, vivendo a sua vida própria, generosa e bela vida de criança, seja levada "ao trabalho e à ação por meios naturais que a vida suscita quando o trabalho e a ação convém aos seus interesses e às suas necessidades". (Manifesto, 1932)

Assim, podemos perceber que para a criação do Pedrinho e a construção da

sua proposta pedagógica mais avançada, já vinha sendo preparado o terreno

através de movimentos e demandas populares/sociais trazidas nas vozes de

intelectuais formuladores, como é dito no texto do manifesto:

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... aos que tomaram posição na vanguarda de renovação educacional cabia o dever de formular (. . .) as bases e diretrizes do movimento que souberam provocar, definindo, perante o público e o governo, a posição que conquistaram e vêm mantendo desde o início das hostilidades contra escolas tradicionais. (Manifesto, 1932)

A história, de certa maneira, se (re)escreve e se (re)inscreve de tempos em

tempos, pois os formuladores, os idealizadores sempre encontram hostilidade entre

os conservadores. Assim foi com Euclides Roxo (CP II/1930) ao implantar uma

reforma para o ensino de matemática e o mesmo ocorreu com Tito, Dalva, Cláudia e

Diva41 (CP II/1986) ao sustentarem a implantação, no 1º segmento do Colégio, de

uma outra proposta pedagógica, mais uma vez, tocando à matemática. A diferença

nas reformas que ocorreram produzindo algumas rupturas no Colégio foi que a

reforma de Euclides Roxo Fo imposta tornando-se uma normativa enunciada a partir

do novo ministério e as alterações implantadas para o novo segmento do CP II

foram construídas de forma compartilhada, contudo as duas reformas fizeram parte

das estratégias determinadas a partir de um sujeito de querer e de poder .capaz de

produzir, impor outros ou novos modelos, produção que é organizada pelo postulado

de um lugar de poder (De Certeau, 2004, p.101). Decerto não foram pioneiros em

sua manifestação por uma transformação no curso dos currículos e programas

praticados no CP II, mas, sem dúvida, tal como os pioneiros de 1932, foram

aquele(a)s que ousaram.

Tomar o Manifesto como marco, contudo, exige que em sua análise crítica

note-se o tom um tanto iluminista, nacionalista, quase religioso, no sentido da fé na

renovação. Mais relevante, a permanência das suas bandeiras de luta por mais

democracia e questões que alimentam os discursos mais atuais – a obrigatoriedade,

a qualidade e a laicidade da escola pública. Vale observar também o traçado crítico

feito sobre a educação nacional na época, principalmente, ao que diz respeito ao

conservadorismo, à elitização, à exclusão das camadas populares através da

seleção e da pouca oferta, quando diz que “. . . a educação deixa de constituir um

privilégio determinado pela condição social e econômica do indivíduo ( . . . )”

(Manifesto, 1932). Outro aspecto importante tratado no Manifesto é o interesse

41

Tito Urbano da Silveira, Diretor Geral do Colégio Pedro II (1979-1989); Dalva da Mota, primeira Diretora da primeira unidade do Pedrinho e coautora do projeto de criação das unidades de 1º segmento; Cláudia Benvenuto, primeira chefe de Departamento do primeiro segmento (1986 a 1989) e Diva Noronha, Assessora Pedagógica de Matemática (1986 a 1987)

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explicitado pela educação das crianças. O ensino primário estava bem projetado e

esse dado favorecia as iniciativas que se voltassem para esse nível de ensino. A

partir do manifesto foram tomadas outras iniciativas com vistas a incluir mais

crianças nas escolas, tendo um projeto educacional que realmente as acolhesse. É

nesse sentido que a educação brasileira e o CP II tem traçado sua trajetória.

O Brasil ganhava uma nova Constituição promulgada em 16 de julho de 1934,

em que a Assembléia Nacional Constituinte confirmava Getúlio Vargas na

Presidência. Ela foi redigida, segundo o próprio preâmbulo, "para organizar um

regime democrático, que assegure à Nação a unidade, a liberdade, a justiça e o

bem-estar social e econômico”. Essa nova carta magna (a segunda da República)

dispõe, pela primeira vez, que a educação é direito de todos, devendo ser ministrada

pela família e pelos Poderes Públicos, e apresenta avanços sociais tais como a

proibição do trabalho infantil.

Além de destacar as medidas políticas sobre educação nas reformas, esse

trabalho vai traçar um roteiro sobre a presença da educação, principalmente o

ensino primário, nas constituições. Na carta de 1824 é garantida a gratuidade a

todos os cidadãos na instrução primária. A carta de 1891 faz referência ao ensino

secundário e superior, mas não faz alusão à instrução primária.

Começa-se a ver uma projeção da educação a partir da Constituição de 1934,

no período do Estado Novo, quando já existia também o Ministério da Educação e

da Saúde Pública. É a primeira a dedicar espaço significativo à educação. Nas

disposições preliminares, expressas em seu artigo 5º, XIV – “Compete

privativamente à União: XIV - traçar as diretrizes da educação nacional”. Em seguida

há um capítulo destinado à educação e cultura, em que a educação passa a figurar

como “direito de todos”, devendo ser ministrada pela família e pelos poderes

públicos (art. 149). Mais adiante, a gratuidade do ensino primário, que já constava

na carta de 1824, é reafirmada em parágrafo único: “a) ensino primário integral

gratuito e de freqüência obrigatória extensivo aos adultos”. No entanto para os níveis

ulteriores ao ensino primário a gratuidade fica sujeita a critérios.

Na Constituição de 1937, e nas seguintes, a União se compromete a legislar

sobre as diretrizes da educação nacional:

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Art 16 - Compete privativamente à União o poder de legislar sobre as seguintes matérias: XXIV - diretrizes de educação nacional;

DA EDUCAÇÃO E DA CULTURA

Art 129 - A infância e a juventude, a que faltarem os recursos necessários à educação em instituições particulares, é dever da Nação, dos Estados e dos Municípios assegurar, pela fundação de instituições públicas de ensino em todos os seus graus, a possibilidade de receber uma educação adequada às suas faculdades, aptidões e tendências vocacionais.

Essa carta também trouxe um capítulo sobre educação e cultura. As

constituições de 34 e 37 foram promulgadas em plena era Vargas. Nelas a

educação ganhou destaque em nível nacional. Apesar da carta de 1937 não ter

afirmado a educação como direito universal, pode-se notar avanços no que se refere

ao ensino primário nos textos. A carta de 37 reforçou a gratuidade e a

obrigatoriedade do ensino primário.

Art 130. O ensino primário é obrigatório e gratuito. A gratuidade, porém, não exclui o dever de solidariedade dos menos para com os mais necessitados; assim, por ocasião da matrícula, será exigida aos que não alegarem, ou notoriamente não puderem alegar escassez de recursos, uma contribuição módica e mensal para a caixa escolar.

O Ministério da Educação e da Saúde Pública sob a gestão de Gustavo

Capanema lançou, ainda no período do Estado Novo, uma reforma educacional que

foi elaborada entre as constituições de 1937 e 1946, através de um conjunto de Leis,

chamadas Leis orgânicas que deram início à chamada Reforma Capanema. Dessas

leis orgânicas, interessam particularmente a este estudo as leis que abordaram o

ensino primário, o ensino normal e o ensino secundário, pois consolidaram a

estrutura com que o CP II iria se apresentar e se garantir frente à moderna

organização do ensino no país.

2.4 A REFORMA CAPANEMA: 1942

O interesse em destacar essa lei é porque ela nos mostra de onde vem a

matriz organizativa do CP II com a qual ele chegou, com algumas variações

pequenas ou apenas semânticas, a 1984. Dessa maneira, encontrava-se o Colégio

com curso ginasial de 4 anos e colegial de 3 anos, não havia mais o clássico ou

científico, que passaram a se chamar 2º grau, mas mantendo a mesma estrutura do

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secundário em 7 anos. Ainda havia o exame de admissão para a comunidade

externa, como ainda há até hoje com vistas a selecionar o alunado, uma vez que é

muito pequeno o número de vagas oferecido frente à demanda da rede pública.

A Reforma Capanema se constituiu de um conjunto de leis orgânicas. Este

estudo vai observar três dessas leis, apesar de terem sido seis os decretos-lei que

ordenavam o ensino primário, secundário, industrial, comercial, normal e agrícola.

Serão analisadas as que tratam do ensino secundário (1942), do ensino normal e do

ensino primário (1946), a fim de relacioná-las ao CP II no que se refere à estrutura e

funcionamento do ensino antes das LDBs, à formação das professoras e sobre

como era praticado o ensino primário antes do Pedrinho.

A Lei orgânica do ensino secundário apresenta-o ensino secundário como

prosseguimento do ensino primário, mas não fala da obrigatoriedade da

escolarização em nível primário. É possível não perceber na lei o caráter obrigatório

do ensino primário neste trecho que fala em “prosseguimento de estudos”:

Art. 1º. O ensino secundário tem as seguintes finalidades: 1. Formar, em prosseguimento da obra educativa do ensino primário, a personalidade integral dos adolescentes.

Em seguida quando trata dos exames de admissão como forma oficial de

acesso ao secundário o próprio documento anuncia:

Art. 32. O candidato à matrícula no curso ginasial deverá ainda satisfazer as seguintes condições: a) ter pelo menos onze anos, completos ou por completar, até o dia 30 de junho; b) ter recebido satisfatória educação primária; c) ter revelado, em exames de admissão, aptidão intelectual para os estudos secundários.

Implicando que o importante é a idade e a aptidão revelada em exames,

pode-se inferir uma recomendação da instrução de grau primário, mas não há

indicação de como será feita nem de quem é responsável por ela. Ainda que a

Constituição de 1937 tenha dito em seu artigo 130: “O ensino primário é obrigatório

e gratuito”. O curso secundário foi reestruturado de acordo com o artigo 32, um

primeiro ciclo que se chamava ginasial e um segundo ciclo, subdividido em clássico

e científico.

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Foi assim que, basicamente, a estrutura escolar do CP II foi organizada.

Pode-se dizer que as leis subsequentes mudaram o nome, mas não alteraram a

estrutura dos segmentos que funcionavam no colégio, o que mostra a estrutura de

ensino foi sofrendo alterações superficiais, conservando a sua matriz. As reformas

que afetaram o ensino secundário foram semânticas, mudaram os nomes dos ciclos;

no entanto ainda encontramos pessoas que os tratam da mesma maneira. De certa

forma, é interessante acompanhar essas modificações para avaliar seu real impacto.

Essa lei redimensionou o ensino secundário em favor do desenvolvimento

industrial. Havia, em curso, uma política de construir um projeto educacional voltado

para o desenvolvimento científico, para a crescente industrialização e que atendesse

também as demandas internacionais de educação e preparação para o mercado de

trabalho. Então, caracterizou o público-alvo a que se destinava o curso secundário –

os adolescentes. Definiu a duração do curso ginasial, denominado 1º ciclo, em 4

anos; e o colegial (científico ou clássico) denominado 2º ciclo, em 3 anos,

perfazendo um curso secundário de 7 anos. Esses ciclos eram oferecidos em dois

tipos de estabelecimento: um destinado para ao 1º ciclo, chamava-se ginásio; e

outro, destinado ao 2º ciclo, que chamava-se colegial. Não foi mais com esses

nomes que encontramos o colegial, uma vez que as LDBs modificaram a

nomenclatura, mas como já foi dito não alteraram a estrutura. A lei ainda citava os

exames admissão e a idade como condições para o acesso ao curso secundário.

Fechando a era Vargas, com a retomada da democracia, foi promulgada uma

nova constituição em 1946, que manteve a gratuidade e a obrigatoriedade do ensino

primário. Nessa carta a educação ganhou espaço e consistência. Ainda em 1946 foi

lançado um outro conjunto de leis orgânicas para o ensino primário e para o ensino

normal. Essas leis sustentaram, impulsionaram e normatizaram o sistema

educacional, mantendo a competência da União no que dizia respeito à educação.

TÍTULO I : Da Organização Federal CAPÍTULO I - Disposições Preliminares Art 5º. Compete à União: XV - legislar sobre: d) diretrizes e bases da educação nacional;

E no capítulo da educação e da cultura:

TÍTULO VI Da Família, da Educação e da Cultura

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CAPÍTULO II Da Educação e da Cultura Art 166 - A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola. Deve inspirar-se nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana. Art 168 - A legislação do ensino adotará os seguintes princípios: I - o ensino primário é obrigatório e só será dado na língua nacional; II - o ensino primário oficial é gratuito para todos; o ensino oficial ulterior ao primário sê-lo-á para quantos provarem falta ou insuficiência de recursos; III - as empresas industriais, comerciais e agrícolas, em que trabalhem mais de cem pessoas, são obrigadas a manter ensino primário gratuito para os seus servidores e os filhos desses.

A lei orgânica do ensino normal tratava das bases da organização do ensino

normal, grau de ensino correspondente ao colegial, atual ensino médio, porém com

finalidade própria, a de prover a formação do pessoal docente necessário às escolas

primárias. O ensino normal era ministrado em dois ciclos e para admissão em

qualquer deles era exigida habilitação em exames de admissão.

O primeiro ciclo, curso normal regional, que formava regentes de ensino

primário em 4 anos, correspondia ao curso ginasial e estava articulado ao curso

primário. Deveria ser oferecido em estabelecimento destinado a ministrar somente o

primeiro ciclo de ensino normal. Para ingressar nele era necessário prova de

conclusão dos estudos primários e idade mínima de treze anos.

O segundo ciclo, curso de formação de professores primários, era realizado

em três anos, correspondia ao colegial e estava articulado ao curso ginasial. Deveria

ser oferecido em escola normal, estabelecimento destinado a “dar o curso de

segundo ciclo desse ensino, e ciclo ginasial do ensino secundário”. (Art4º, §2º)42.

Para ingressar no segundo ciclo, era necessário o certificado de conclusão de

primeiro ciclo ou certificado do curso ginasial, além da idade mínima de quinze anos.

O Instituto de Educação era o estabelecimento que, além dos cursos próprios

da Escola Normal, ministrava ensino de especialização do magistério e de

habilitação para administradores escolares do grau primário. As alunas que

concluíssem o segundo ciclo do ensino normal teriam assegurado o direito de

42

DECRETO-LEI N. 8.530 – DE 2 DE JANEIRO DE 1946, Lei Orgânica do Ensino Normal

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ingressar em cursos da faculdade de Filosofia, ressalvadas, em cada caso, as

exigências peculiares à matrícula. (Art4º, §3º)43.

LEGISLAÇÃO DE 1946 a 1996

Lei Orgânica do Ensino Primário44: 1946

Das bases de organização do ensino primário e em seu capítulo I e podemos

destacar entre suas finalidades: “oferecer de modo especial, às crianças de sete a

doze anos, as condições de equilibrada formação e desenvolvimento da

personalidade”. (Art. 1º, b);

O ensino primário seria organizado em duas categorias de ensino: a) o ensino primário fundamental, destinado às crianças de sete a doze anos;

O ensino primário fundamental seria ministrado em dois cursos sucessivos; o elementar e o complementar.

O ensino primário supletivo terá um só curso, o supletivo. (Arts. 2º, 3º e 4º)

Não é o caso do primário do CPII, que tinha caráter regular e era destinado a

crianças.

A duração do curso primário elementar seria de quatro anos de estudos e compreenderia: I. Leitura e linguagem oral e escrita; II. Iniciação matemática; III. Geografia e história do Brasil; IV. Conhecimentos gerais aplicados à vida social, à educação para a saúde e ao trabalho; V. Desenho e trabalhos manuais; VI. Canto orfeônico e VII. Educação física (Art. 7º).

Pode-se notar que guarda semelhança a esta organização a grade curricular

do Pedrinho, que tinha Iniciação às Ciências, Literatura e Educação Musical.

“O curso primário complementar, de um ano, correspondia ao admissão. As

alunas desse curso aprenderiam, ainda, noções de economia doméstica e de

puericultura”. (Parágrafo único). Nota-se a distinção de gênero desde as séries

iniciais, como também acontecia nas escolas de primeiras letras, só que elas teriam

essas atividades ao invés de geometria.

43

DECRETO-LEI N. 8.530 – DE 2 DE JANEIRO DE 1946, Lei Orgânica do Ensino Normal 44

DECRETO-LEI N. 8.529 – DE 2 DE JANEIRO DE 1946 - Lei Orgânica do Ensino Primário.

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As condições para ingresso no curso primário eram: para matrícula na

primeira série do curso elementar as crianças analfabetas, de sete anos de idade, o

critério era a idade com pequenas variações. O mesmo ocorre, ainda hoje, no

sorteio para o Pedrinho. De modo geral, não há ingresso nas séries intermediárias

no CP II.

Para a primeira série do curso complementar só seriam admitidas as crianças

que tivessem obtido aprovação final no curso elementar. (Art. 17.)

Importante destacar, nessa legislação a obrigatoriedade do ensino primário

registrada em seu Art. 41: “O ensino primário elementar é obrigatório para todas as

crianças nas idades de sete a doze anos, tanto no que se refere à matrícula como

no que diz respeito à frequência regular às aulas e exercícios escolares”. Previa

também penalidade aos responsáveis que descumprissem a lei, conforme

determinava o Art. 43: “Os pais ou responsáveis pelos menores de sete a doze anos

que infringirem os preceitos da obrigatoriedade escolar, estarão sujeitos às penas

constantes do Art. 246, do Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1840 (Código

Penal).”

A Constituição de 1946, portanto, reafirmou o direito universal à educação, a

obrigatoriedade, a gratuidade, e salientou o compromisso, no campo privado com o

provimento da educação, além de outras leis orgânicas.

Em 1959, os intelectuais elaboraram um novo manifesto, que foi construído e

assinado por 161 intelectuais. Após mais essa mobilização em torno da educação,

surgiu a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), a Lei

4024 de dezembro de 1961. Essa lei foi fruto de muitas lutas, de décadas de lutas e

demandas em torno da organização de um projeto de educação nacional, num

campo de disputa em que se exerciam forças políticas e educacionais

conservadoras e populares, grupos que desejavam a modernização da educação

contra grupos que investiam em uma educação ainda diferenciada entre a elite e o

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povo45, e grupos de defensores do ensino público de um lado e incentivadores do

ensino privado de outro.

Na LDB o ensino primário também não foi prestigiado na medida necessária,

ele continuou sendo sustentado por um exame de seleção que, na prática

estimulava os preparatórios em detrimento de uma educação primária que permita

aos cidadãos e cidadãs de avançarem no seu processo educacional. Os exames de

seleção ainda se configuravam como um gargalo no processo educativo, encerrando

aí, antes de entrar no ginásio muitas carreiras estudantis. Existiam exames de

seleção para o ginásio, para o colegial e para o superior. Nesse contexto, o CP II

funcionava com a estrutura que foi apresentada na LDB, com ensino ginasial de

quatro anos, correspondente a quatro séries, e o científico de três anos,

correspondente a três séries.

A LDB ainda estabeleceu um currículo básico para todo o território nacional e

manteve a estrutura tradicional de ensino das legislações anteriores, mas a sua

contribuição foi a estruturação da educação primária, que até então a política

educacional do país não havia considerado com clareza, ou seja, não havia traçado

planos e diretrizes para esse nível de ensino.

Art. 36. O ingresso na primeira série do 1° ciclo dos cursos de ensino médio depende de aprovação em exame de admissão, em que fique demonstrada satisfatória educação primária, desde que o educando tenha onze anos completos ou venha a alcançar essa idade no correr do ano letivo. (LDB 4024/61)

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN_4024/61) esteve

13 anos em disputa, tendo sido apresentada para o início dos debates em torno da

sua construção em 1948. O processo para a sua construção foi marcado pela gestão

de vários presidentes. Passou por Gaspar Dutra (1946/51), Getúlio Vargas

(1951/54); Café Filho (1954/55); Nereu Ramos (1955/56); Juscelino Kubitschek

(1956/1961); Jânio Quadros (1961) e, por fim, João Goulart (1961/63), que a

homologou.

45

A concepção privatista e excludente da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN 4024/61: uma análise introdutória. http://www.espacoacademico.com.br/076/76santos.htm. Data de acesso: 21/09/2011

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A lei seguinte, Lei 5.692, de 1971 foi determinante para a invenção do

Pedrinho. O fato de ter integrado o curso primário ao ginasial, fazendo desses

cursos um só de 8 anos, chamado de 1º grau, foi decisivo. Era necessário dar uma

resposta mais inteligente ao que a sociedade demandava: a universalização do

ensino público, com mais crianças na escola.

O CP II poderia estabelecer-se como escola de 2º grau, como as escolas

técnicas, mas a opção foi ampliá-lo através da integração do primário com o ginásio

ao invés de extingui-lo. Com isso ficou resolvida também a crise interna que levaria

à extinção do curso ginasial devido ao fim dos exames de admissão. Os alunos do

Colégio completariam o curso básico, fundamental e médio com acesso direto aos

dois segmentos, mas Colégio manteve os exames de admissão do 1º para o 2º

segmento e do fundamental para o médio para vagas externas, como se houvesse

um excedente de vagas a serem oferecidas para a comunidade externa,

possibilitando assim diferentes oportunidades de acesso em diferentes momentos da

escolarização.

O antigo primário se faz hoje, oficialmente, num período de cinco anos

explicitado numa das alterações à última LDB no seu artigo 32:

Art. 3º. O art. 32 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação: "Art. 32. O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão. (Lei nº 11.274, de 6 de fevereiro de 2006.)

Ensino Fundamental

Anos iniciais Anos finais

1º ano 2º ano 3º ano 4º ano 5º ano 6º ano 7º ano 8º ano 9º ano

Quadro 1: Nomenclatura atualizada do Ensino Fundamental a partir de 2007, com este nível de escolarização realizado 9 anos

Em 2009, o 1º segmento foi agraciado com a Medalha Pedro Ernesto, a maior

honraria concedida pela Câmara de Vereadores da Cidade do Rio de Janeiro em

comemoração aos 25 anos da criação do Pedrinho – o seu Jubileu de Prata. Para o

evento foi publicado o seguinte registro nos anais dessa Casa Legistativa:

O 1º Segmento do Ensino Fundamental do Colégio Pedro II merece o reconhecimento e a homenagem da Câmara Municipal do Rio de Janeiro como exemplo de que é verdade que a Educação, em todos

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os seus aspectos profissionais, trabalhistas, políticos e pedagógicos, é um motor que tem muita força para construir “um outro mundo possível”. (Texto integral, anexo 2)

A Educação nas constituições

Principais legislações para a educação nacional

Império 1824

1827 – Lei de 15 de Outubro

1854 - Criação da Inspetoria Geral da Instrução Primária e Secundária

Estado Novo 1931- Criação do Ministério da Educação e Saúde Pública Reforma Francisco Campos (1931)

1932 – Manifesto dos Pioneiros

1934

1937

1942 – Reforma Capanema Lei Orgânica do Ensino Secundário

1946 Lei Orgânica do Ensino Primário

1959 – Novo Manifesto dos Intelectuais

1961- LDBEN / 4.021

Período da Ditadura

1967

1971 – LDBEN / 5.692

1984 – Criação do 1º SEGMENTO

Democratização 1988

1996 – LDBEN / 9.394

Quadro 2: Principais legislações para a educação nacional (1824 – 1996)

No início do processo de escolarização no Brasil havia poucas escolas. Elas

eram particulares e traziam marcas de exclusão na medida em que se destinavam a

atender uma pequena elite. Na estrutura do ensino brasileiro era dada ênfase aos

exames de admissão ao ensino secundário, que era a porta de acesso ao ensino

superior.

A educação reproduzia o que ocorria na educação nacional e traduzia seus

efeitos na pouca ênfase que era dada ao ensino primário durante longo período da

história do Brasil – do Brasil independente, que está recortada nesse trecho, o que

fez com que a escolarização primária ficasse durante muito tempo desorganizada,

desestruturada, uma vez que não era requisito para acessar o ensino superior, este

sim, importante. Pode-se verificar a diferença de tratamento dado ao ensino primário

e ao ensino secundário em diferentes documentos. A organização do ensino

secundário é bem mais destacada em muitos desses documentos e, nesses

destaques, há referências ao CP II como instituição modelo. O ensino primário, por

sua vez, era menos citado; era referido apenas no nível da sua organização

administrativa e ordem curricular. Pode-se perceber o quanto é recente, em se

tratando de tempo histórico, a preocupação com a educação primária dedicada à

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criança e suas especificidades quanto ao ensino. Esse olhar para o que hoje se

entende por educação infantil, séries iniciais, toma contornos maiores no século XX.

A educação primária não tem cem anos e a instituição desse segmento apresentou

muitos problemas, constituiu-se de forma frágil, passando pela desregulamentação,

descentralização de recursos e carência de recursos humanos e financeiros.

Verifica-se que o ensino primário não era tratado como prioridade, tal como

era o ensino secundário, sua configuração foi traçada de maneira vagarosa e frágil,

tal fato torna-se evidente, dentro de um país que carece de um sistema educacional

organizado, quando comparamos com as orientações emanadas para o ensino

secundário, por exemplo.

Esse ideário acompanha as políticas educacionais até os dias de hoje.

Porém, como em todo o tempo, pode-se perceber também que as lutas pela

qualidade de educação, vida e bem estar social protagonizadas pelas camadas

populares, nunca deixaram de mobilizar as elites no sentido de fazê-las ceder de

uma forma ou de outra e permitir muitos avanços. A universalização do ensino

público é quase completa e vem avançando com a luta pela qualidade, gratuidade e

laicidade do ensino público são históricas e permanentes. As crianças vêm se

tornando prioridade no cenário da educação, de tal modo que podemos vê-las

citadas em textos oficiais, tais como na ampliação da oferta de educação inicial para

crianças mais novas, a inclusão da educação infantil no sistema de educação e o

aumento do período do ensino fundamental, de 8 para 9 anos.

REFORMAS EDUCACIONAIS / ENSINO PRIMÁRIO / COLÉGIO PEDRO II

“PREPARANDO O PEDRINHO”

Este panorama organizativo que traz as legislações da educação nacional

serve para ilustrar a trajetória do ensino primário, de forma breve, desde as primeiras

letras (1822 e 1827), que vem a ser hoje o 1º segmento do ensino fundamental,

assim como a presença e importância do CP II na história da educação brasileira.

Nesse levantamento documental foi selecionado um conjunto de leis e

decretos que trataram da instrução/ensino. Foram destacados aqueles que

apresentavam informações sobre o ensino primário e sobre o CP II. A partir deles

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pode-se verificar a relação com o ensino primário: a organização, a faixa etária, o

regime seriado, a presença de meninas, a exigência do certificado de estudos para

prosseguir para outros níveis, a exigência do exame de admissão para o curso

ginasial, o fim da mesma e a preocupação para formar professores para este nível

de ensino.

Pode-se verificar que em 1984 encontra-se um CP II que reproduz um

desenho que foi projetado em 1942, um Colégio com ginásio de 4 anos e colegial de

3 anos, tal como foi estruturado pela lei orgânica de 1942, que organizou o ensino

secundário de 7 anos. Não havia mais o científico e o clássico, mas também não

havia o curso profissionalizante do 2º grau ordenado pela Lei 5.692/71. Encontra-se

uma escola que pratica o desligamento de aluno(a)s que repetem duas vezes a

mesma série, o que é chamado de “jubilação”, e que é, na verdade é a expulsão –

prática ordenada pela Lei 4.024/61, revogada pela lei seguinte mas mantida pela

tradição do Colégio sem nenhuma sustentação legal. O mesmo ocorre com a

concessão do título de Bacharel em Ciências e Letras, que só se sustenta na

tradição, sem contudo conferir o direito histórico desse ato, que era o acesso direto a

alguns cursos superiores. Encontra-se ainda um curso colegial preparatório para o

ensino superior mantendo um caráter eminentemente propedêutico que não

correspondia ao que era determinado pela Lei 5.692/71 em vigor, que estabelecia

um ensino fundamental em 8 anos.

O Colégio ainda funcionava com a estrutura do ensino secundário, expresso

na lei orgânica de 1942, com breves alterações postas pela legislação que não

determinou alterações significativas na estrutura de ensino desse período. Parecia

que ele estava congelado no tempo.

Em virtude das poucas alterações trazidas com as novas legislações o

Colégio estava diante de uma situação que o colocava frente a duas opções: ou

ajustava a estrutura do sistema implantando as séries iniciais ou encolhia e

mantinha apenas o curso colegial, funcionando como as escolas técnicas que,

apesar de terem outra finalidade, só possuíam o 2º grau na modalidade

profissionalizante/técnica.

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Vale ressaltar se falou de um segmento de ensino, o primário, totalmente

desregulamentado e de pouca importância no cenário educacional até pouco tempo

atrás, apesar de podermos registrar em MARCÍLIO, 2005, investimentos e avanços

em alguns estados da federação. O ensino primário podia ser ministrado em casa. A

educação infantil poderia ser oferecida pelo Estado, mas também poderia ser

provida pelas famílias que no caso das mais abastadas o faziam por sua conta. O

acesso ao ensino secundário era feito através de exames de admissão. O

desempenho nos exames era a condição para a admissão ao curso secundário,

ginásio ou colegial.

Não era condição que o aluno tivesse cursado alguma escola. Daí, identifica-

se a pouca importância oficial dada à educação de crianças no nível primário. Levou

algum tempo para esse quadro ser alterado.

No período em que o Pedrinho foi implantado, havia 50 anos que o Estado

assumira em seu plano político, a educação nacional. As Constituições de 1934 e

1937 traziam os primeiros indícios de que a educação era um direito de todos e

dever da família e do Estado. O processo de universalização da educação dava

sinais de avanços a fim de atender às expectativas emergentes da população e às

demandas mundiais de qualificação para o trabalho. Portanto, havia necessidade de

mais educação, de um povo com mais escolaridade e esta deveria ser garantida

desde a infância. Por isso vê-se a gradativa diminuição da idade para o acesso à

escola fundamental, atualmente 6 anos, bem como o aumento do período do curso

fundamental, 9 anos.

Assim o Colégio inaugurou o jovem Pedrinho, dentro da perspectiva de

atender às crianças e produzir um conjunto de conteúdos adequados que permitisse

aos estudantes desse segmento obterem sucesso escolar e ainda, com isso,

garantir que fosse mantida a qualidade do ensino, marca histórica do Colégio. Nesse

sentido, qual seria a matemática adequada às crianças da faixa desse segmento?

Por que inovar, alterar o estilo que rendeu ao Colégio o padrão de qualidade?

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CAPÍTULO 3

3.1 A IMPLANTAÇÃO DAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL NO

COLÉGIO PEDRO II _ OS PEDRINHOS

Falar da história do CP II é “falar do fundo do tempo”, que traduz com

propriedade a arte do ofício de historiar a trajetória desta sesquicentenária

instituição. Mesmo o Pedrinho sendo tão jovem, com 25 anos frente aos 172 de

existência do CP II, e tal como se configurou nesses anos já vinha sendo

possibilitado através de um contexto, como vimos acima, expresso nas legislações

educacionais nacionais que vinham projetando a educação e a educação para

crianças, ainda que possamos verificar certas deficiências e fragilidades, contudo o

primário no CP II já vinha sendo propiciado, gestado há mais tempo. Vou localizar

seu embrião a partir do Manifesto dos Pioneiros e colocar o CP II como cenário de

importantes transformações na educação brasileira.

Em 1984 foi criado o ensino fundamental I, antigo primário, no CP II. A

presença do 1º segmento vem sendo sinalizada em documentos internos, a saber,

FACTA. Na edição de nº 48, p.11, é anunciado: “O Colégio vai ministrar curso

primário” e na seguinte Facta 50, p. 3: Esta edição registra que a administração de

Tio Urbano completa 5 anos e também anuncia a inauguração do Pedrinho que

aparece pela primeira vez nesta publicação sendo mencionada a Unidade São

Cristóvão II46 e a sua Diretora Dalva da Mota Chaves. Neste ínterim nada se

comenta sobre o processo de criação do Pedrinho, não é registrado do edital para

concurso de professore(a)s ou ingresso de aluno(a)s. Sendo este um documento

que registra as ações administrativas oficiais da Direção da autarquia, pode-se notar

que o editor faz uma seleção em que não estabelece critérios sobre quais os

documentos ou atos serão publicados, fazendo com que a presença oficial do

Pedrinho através de seus documentos apresente lacunas e o FACTA não cumpre

com seu objetivo.

46

Em ato de número 53 registrado no Facta 50, p.21 registra-se a portaria que cria o Pedrinho em 20 de fevereiro de 1984, mas não há registro de editais de concurso de seleção de professoras ou de ingresso de aluno(a)s, comenta-se que um projeto foi entregue ao MEC. Podemos notar a presença oficial do 1º segmento através de portarias de movimentação de servidore(a)s docentes e técnico(a)s administrativo(a)s.

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Nessa ocasião, o tradicional Colégio já contava com 147 anos e uma longa e

consolidada tradição, reconhecida nacionalmente, de ministrar ensino de qualidade.

As unidades criadas para ministrar o ensino das séries iniciais são chamadas de

Pedrinhos. O CP II não tinha tradição neste novo segmento. Seu novo corpo

docente e discente que se formou a partir de então, possuía especificidades que

teriam que ser consideradas e a partir daí construir-se uma prática pedagógica com

qualidade que, em princípio, seria referenciada por estas novas professoras. Todos

os princípios pedagógicos e metodológicos deveriam concorrer e estar adequados à

qualidade e excelência do 2º segmento que já era tradicional.

É assim que seu idealizador, e maior apoiador, Tito Urbano da Silveira,

apresenta-o à sociedade em seu plano:

PALAVRAS DO DIRETOR – GERAL Na Nova República surge a Nova Educação, uma Educação para Todos cujo princípio basilar deve ser o de que até os menos dotados não se sentirão inferiores aos mais inteligentes ou aplicados ao estudo. Se assim não fosse, estar-se-ia praticando uma Educação antidemocrática, elitista. As proclamadas “diferenças individuais”, no ensino, hão de ser disfarçadas nos vários níveis, uma vez que à escola acorrem crianças desigualadas pela sociedade, mas que deveriam ser incentivadas, sem preconceitos , a se tornarem tão boas e tão fortes quanto as outras, e todas terão a mesma oportunidade para se igualarem. Assim tem sido e haverá de ser a Educação Democrática do Colégio Pedro II, no passado como agora, e no futuro como sempre, segundo atesta a presença nas páginas da História Nacional de uma plêiade de seus Antigos Alunos e conforme haverão de comprovar ad infinitum os seus atuais discentes, herdeiros e cultores de uma tradição mais-que-secular na evolução social brasileira. Ao assumir, em 1979, a Direção Geral do Colégio de minha juventude, encontrei-o em fase crítica na implantação de uma nova concepção de ensino médio contida no bojo da Lei nº 5.692/71. Impedia sobre ele a ameaça de ser apenas um Estabelecimento de Ensino de 2º grau, reduzindo-se a três séries somente. Foi possível, logo de início, restaurar as antigas quatro séries finais do Ensino de 1º grau. Ingressando na 5ª série, os alunos voltariam a ter, pelo menos, sete anos de formação humanística neste Colégio. Aproveitando, ainda, aspectos positivos da polêmica Reforma Passarinho, e aceito o desafio de manter, também, as quatro séries de escolarização inicial correspondentes ao antigo Curso Primário, nasceram os Pedrinhos. Neste 1986, os liames de uma sequência de onze séries estão atados e se completa o ciclo fundamental de ensino no Colégio Pedro II. As primeiras turmas de 4ª série já deverão preludiar o novo perfil do aluno do Pedro II. Aquela tendência de se reduzir o tempo de permanência do aluno no Colégio Pedro II foi revertida. Houve sonho e decisão, houve esforço e amor à causa, houve afeição e a cooperação mútuas. Dentre tantas contribuições destaca-se a da Professora Dalva da Mota Chaves, que planejou e executou, como especialista em educação incansável e resoluta, aquilo que os céticos desdenharam e hoje louvam, À Direção Geral coube simplesmente captar os ideais dessa colega mais nova e dar-lhe o merecido apoio.

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Ao abrir este Plano Geral de Ensino, pode-se afirmar que os passos mais difíceis na arrancada para a Educação do Futuro, o Colégio Pedro II já deu. Cabem encômios à dedicação e competência de jovens professores que vieram aliar-se aos colegas mais velhos e, sob a bandeira de “todos juntos”, haveremos de contribuir para a grandeza desta extremada Pátria. TITO URBANO DA SILVEIRA Diretor Geral do Colégio Pedro II (PGE, 1984)

Com essas palavras o Diretor Geral apresentou o Pedrinho à comunidade e o

entrega em documento oficial para ser pilotado por suas jovens professoras e neste

momento podemos identificar, concordando com JULIA, 2001: “a redefinição das

finalidades da escola que elimina cada vez mais as fronteiras da escola primária e

do Colégio, (...) prolongando a obrigatoriedade escolar desembocando ao mesmo

tempo, em um prolongamento dos estudos gerais e no desenvolvimento das

formações profissionais, na instituição escolar, também implica conflitos, confrontos

e debates relacionados à manutenção dos valores e finalidades antecedentes”.

O Pedrinho tem toda uma constituição particular que o difere do Pedrão. O

ingresso da(o)s aluna(o)s e, seguramente, durante cerca de vinte anos, o ingresso

das professoras, que inicialmente poderiam ser para portadoras de diploma de curso

normal de nível médio. O sistema de avaliação também era diferente, tendo uma

diretriz de avaliação só para o 1º segmento.

3.2 BREVE APRESENTAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DOS PEDRINHOS

O corpo discente do 1º segmento foi constituído através de sorteio público, uma

vez que o número de vagas era bem limitado. O único requisito para a primeira série

era a idade. Cada Unidade começou com a entrada de aluno(a)s na 1ª e 2ª séries.

Aquele(a) que concluísse com sucesso esse segmento teria acesso direto da 4ª

para a 5ª série. Com isso, o Colégio se adequava aos termos da Lei, implantando o

ensino fundamental de oito 8 anos. Os exames de admissão vigoraram até 1970

quando foi promulgada a LDB 5.692/71.

O concurso para ingresso de alunos e alunas no Colégio, no passado, era tão

rigoroso e concorrido quanto o de professores e era feito através de exames de

seleção. Os aluno(a)s faziam verdadeiros “pré-vestibulinhos”, preparando-se para a

prova. Contudo, a partir de 1987, os aluno(a)s que haviam ingressado no Pedrinho

tinham acesso direto ao Pedrão e o acesso ao Pedrinho era feito por sorteio

público, bastando para tanto que o aluno comprovasse a idade para o ingresso (é

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assim até hoje). Mesmo com o Pedrinho, há uma oferta de vagas externas para o

ingresso no 6º ano do ensino fundamental e para a 1ª série do ensino médio, mas o

número de vagas foi bem reduzido; dessa forma, a histórica seleção por exames de

admissão ainda permanece.

Com essa diferença na modalidade de acesso, instalou-se a questão no Colégio

acerca de quem prepararia os alunos para o ginásio do Colégio, uma problemática já

experimentada por ocasião de convênio com o município, que não frutificou por

causa da formação dos alunos. A alegação era que esses aluno(a)s, que não faziam

os vestibulinhos, chegavam despreparados; portanto não eram considerados aptos

a enfrentar o segundo segmento do 1º grau, atual ensino fundamental do Colégio.

No entanto surgiu outra realidade: os alunos e alunas que eram promovidos no

Pedrinho vinham do mesmo CP II. Então essa história começou a tomar mais

concretude no ensino da matemática. Quem definiria o programa que prepararia os

alunos e alunas para o ginásio do Colégio, uma vez que ele/as não precisariam

passar pela seleção? Quando só havia acesso por seleção na 5ª série, somente as

professoras licenciadas em matemática é que diziam, através do programa para os

exames, para todos e todas aluno(a)s inscritos(as) o que eles deveriam saber para

ingressar no CP II. De fato, acontecia que os alunos deveriam saber conteúdos de 5ª

série para concorrerem a uma vaga na 5ª série. Dessa forma, ingressavam os

alunos que tinham sido adestrados nesses conteúdos, e chegavam com pouca coisa

nova para ser aprendida na 5ª série propriamente. Assim, esses eram os alunos e

alunas que compunham o quadro discente de excelência do Colégio até o fim do

exame de admissão, normativa imposta pela Lei 5.692/71, fato que propiciou a

criação do Pedrinho, alterando de maneira substantiva o alunado do Colégio.

Depois do Pedrinho, os aluno(a)s que saíam das séries iniciais para o Pedrão, já

eram alunos do CP II desde os seis anos de idade e não precisavam competir por

uma vaga na 5ª série. Porém, qual era a matemática que eles sabiam?

Essa demanda de acesso e a forma de atendimento a ela permitem hoje que as

identidades “aristocráticas”, de características mais homogêneas e perfil mais

elitizado, entrem em contradição e em choque com a realidade populacional que

passou a habitar o universo escolar.

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Os estudantes têm três oportunidades para ingressar no colégio, em três etapas47

bem marcadas da trajetória escolar. Essas formas distintas de ingresso em tempos

distintos permitem o acesso de diferentes atores para o interior da escola.

Diferentes, e talvez contraditórios, porque dessa forma pode-se admitir que tenham

trazido o conflito de interesses e expectativas para seu interior.

Dessa forma, o Colégio permite o acesso de uma clientela bastante heterogênea, o que garante a riqueza do corpo discente. Essas duas formas de ingresso possibilitam uma clientela heterogênea, tanto no que se refere ao nível sócioeconômico quanto à área geográfica de proveniência. (PPP, 2001, p.68 )

Em termos da necessidade de a escola responder à pluralidade diante desse

quadro, cabe a pergunta: Por que a presença de um corpo discente composto por

alunos e alunas com idade média de 6 a 10 anos, que ingressam no Colégio através

de sorteio, numa escola pública está inscrito no seu PPP no capítulo que trata de

contradições? Qual a contradição em absorver a diversidade em uma escola pública,

laica, gratuita e de qualidade socialmente referenciada?

Por causa do ingresso por sorteio, o segmento docente mais conservador do

Colégio anunciava a queda do nível do ensino, movido por preconceito e também

por não estarem dispostos a lidar com tamanha diversidade quando historicamente

as turmas que ingressavam no ginásio eram homogeneizadas através do concurso

de seleção, o que faz parte dos conflitos, confrontos e debates enunciados em

JULIA, 2001, referente ao debate dos valores e das finalidades passíveis de serem

problematizadas numa reforma, pois nesse sentido, ainda de acordo com este autor,

trata-se de uma operação que implica a cultura escolar no que tange às suas

normas e finalidades.

As unidades de 1º segmento foram construídas a partir de um somatório de

experiências e inexperiências de professoras que tinham em comum o fato de serem

todas professoras de 1ª a 4ª série, dentro de um grande colégio tradicional que

inaugurava o 1º segmento. Nessa ocasião o CP II já completara 147 anos e a

grande tarefa e preocupação de toda a comunidade educacional era de que esse

segmento que era inaugurado deveria manter o padrão de qualidade e esta tarefa foi

atribuída a jovens professoras primárias.

47

São três as oportunidades oficiais que o(a)s estudantes tem para ingressar no Colégio Pedro II são: por sorteio nas séries iniciais (1º segmento), através de exames de seleção – concurso para vagas oferecidas à comunidade externa na 5ª série (atual 6º ano) e na 1ª série do ensino médio.

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Pode-se verificar o início da consolidação de um projeto que passou pela

vontade política com formulação e apoio a ações institucionais que garantissem às

professoras recursos para pensar a sua prática pedagógica e em que condições ela

se desenvolve.

O CP II mudou. Há 25 anos (1984-2009) o Colégio tem o ensino fundamental

desde as séries iniciais. É uma escola federal, a única de educação básica que

constava no organograma do MEC. O Colégio alterou sua estrutura pedagógica e

incluiu o 1º segmento à sua estrutura com status de departamento pedagógico.

O Pedrinho começou em 1984 com as 1ª e 2ª séries. A 1ª série dividia-se em

1ª série alfabetizada e 1ª série não alfabetizada, pois o fundamental só era permitido

por lei em oito anos. Posteriormente, essa 1ª série não alfabetizada foi chamada de

classe de alfabetização (C.A). Dessa maneira, ao incorporar o 1º segmento, o

Colégio alterou a estrutura organizativa e pedagógica e passou a praticar desde

então o ensino fundamental em nove anos, razão pela qual sofreu muitas pressões.

A criação das duas últimas unidades, até então, datava de 1952; eram as

Unidades: Engenho Novo e Humaitá. Em 1984, para incorporar-se ao que vinha

sendo demandado pela LDB, o Diretor Geral da época, Prof. Tito Urbano, optou por

tornar a expandir o Colégio criando o 1º segmento e, com isso, mais quatro unidades

escolares para ministrar o ensino do 1º segmento.

Essa opção trouxe à tona questões referentes à modernização do ensino para

atender uma clientela extremamente diversificada (uma vez que era constituída

através de sorteio público) e um corpo docente com uma formação bem variada,

contudo mais afeita aos aspectos da pedagogia do que aos conteúdos específicos

das disciplinas propriamente.

Instalado o 1º segmento do ensino fundamental, destinado a ministrar o

ensino de 1ª a 4ª série no colégio, foram inauguradas unidades para esse fim, que

passaram a ser chamadas informalmente de Pedrinhos; as unidades que

ministravam o ensino de 5ª série em diante passaram a se chamar Pedrão. A

primeira unidade do Pedrinho foi a de São Cristóvão criada em 1984. Em seguida

surgiram as unidades Humaitá (1985), Engenho Novo (1986) e Tijuca (1987), em

prédios anexos aos que já existiam. Só existiam quatro unidades escolares “UM” –

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Pedrinhos / UE 1. O Colégio tem as seguintes Unidades Escolares: Centro;

Engenho Novo I e II, Humaitá I e II; São Cristóvão I, II e III; Tijuca I e II; além das

mais novas: Realengo e as unidades descentralizadas Duque de Caxias e Niterói.

Essas últimas, a exemplo de São Cristóvão III, só ministram aulas para o ensino

médio nas modalidades Geral, Integrado e Proeja. As Unidades II e Centro

ministram ensino fundamental II e ensino médio também na modalidade ensino

médio integrado.

O currículo era desenvolvido por atividades. Assim eram tratadas as

disciplinas no 1º grau de acordo com o parecer 853/7148. Inicialmente na estrutura

curricular do Pedrinho constavam as atividades de Língua Portuguesa, Matemática,

Ciências e Estudos Sociais, complementadas com Literatura, Artes, Educação

Musical e Educação Física.

O primeiro segmento se estruturou da seguinte maneira, em cada unidade

escolar havia uma diretora; uma equipe administrativa e uma equipe pedagógica. A

equipe administrativa tinha uma coordenadora de registro escolar, que tinha

atribuições de diretora adjunta e tratava dos assentamentos do(a)s servidore(a)s e

do(a)s aluno(a)s, além de administrar o dia a dia da unidade. A equipe pedagógica

tinha a supervisão escolar, a orientação educacional e a equipe de professoras

polivalentes, regentes de turma.

Com o crescimento do 1º segmento e a opção pedagógica feita, foi

necessário criar as coordenações pedagógicas por atividade/disciplina. Os

Pedrinhos passaram a ter uma chefia de departamento, reproduzindo a estrutura

disciplinarizada do Pedrão. Foi criada a função de coordenador pedagógico de

atividade, a exemplo da coordenação pedagógica das disciplinas do Pedrão.

Passaram a existir as coordenações de Língua Portuguesa, Matemática, Estudos

Sociais, Ciências, Artes e Literatura, sendo esse grupo de coordenadoras composto

por professoras primárias do 1º segmento e as coordenações de Educação Física e

de Educação Musical por professore(a)s que prestavam concurso para os

respectivos departamentos, mas que poderiam (como até hoje) dar aula para os três

segmentos da escola. Assim sendo, para lecionar essas atividades/disciplinas em

48

Parecer do Conselho Federal de Educação de 1971, que estabelece a doutrina do currículo na Lei 5692. Ele determina e define o núcleo comum e apresenta referenciais teóricos.

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todo o fundamental do Colégio era necessário ter habilitação específica em nível

superior.

Quando o Pedrinho constituiu sua coordenação pedagógica, conseguiu ter

entre as coordenadoras de matemática do 1º segmento professoras polivalentes,

como todas e que possuíam também licenciaturas, diferentes, mas graduadas. A

dupla formação poderia facilitar um pouco o diálogo entre as professoras dos dois

segmentos de ensino, pois havia de forma institucional porém sutil, velado e negado,

certo preconceito com relação à professora primária, pois o corpo docente trazia

uma formação bem variada e mais afeita aos aspectos da pedagogia do que os

específicos da disciplina propriamente dita, marca forte daquele(a)s que possuem o

curso de formação de professoras, antigo curso normal, o que lhes fazia ter um

domínio de um saber referenciado ao campo da pedagogia e da metodologia e

menos das disciplinas específicas, ao contrário das professoras licenciadas em

Matemática que dominavam um campo do conhecimento matemático mais

ampliado. Esse fenômeno acentuou uma ruptura histórica entre o “primário” e o

“ginásio”, sendo que dessa vez, potencializado e inédito dentro do Colégio, tendo

provocado de certa maneira, um desencontro entre as professoras de Matemática

do 2º segmento do ensino fundamental e as professoras de 1ª a 4ª que lecionavam

Matemática principalmente nas 3ª e 4ª séries (atual 4º e 5º anos). Considerando que

“a mudança de público impõe frequentemente a mudança dos conteúdos

ensinados”. O público pode ser o corpo discente ou o corpo docente e o conteúdo,

as matemáticas lecionadas nos dois segmentos. Tanto o público professore(a)s ou

estudantes são objetos da cultura escolar mobilizados nesta reforma, que acusam

sua mobilização, através de conflitos e confrontos provocados no interior dessa

cultura (JULIA, 2001).

O projeto para o 1º segmento de uma escola pública foi criado para “não ser

melhor e nem pior do que ninguém, apenas uma escola diferente”49, pois havia

espaço e a escola poderia inovar, como de fato foi feito.

A entrada no Pedrinho já era o passaporte de 13 anos de educação básica,

sendo que no início, o Pedrinho e o Pedrão eram escolas marcadas por muitas

49

O lema da Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro _RJ

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diferenças, o que fazia com que essa caminhada pela escola básica fosse feita com

muitas contradições.

Em 1985, quando foi criada a unidade Humaitá, as aulas começaram em abril

com turmas de 1ª série alfabetizada, 1ª série não alfabetizada e 2ª série. A unidade

foi inaugurada com 8 turmas, 4 turmas em cada turno. Humaitá é uma unidade

pequena como Engenho Novo e Tijuca. A maior é São Cristóvão, que corresponde

ao dobro das outras. É a partir da Unidade Humaitá, que serviu de base para a

experiência no ensino de matemática, que se constroi este estudo.

Destaca-se, da criação do ensino primário no CP II, o ensino da matemática,

porque trouxe novas questões para o interior desta sesquicentenária instituição.

Com a implantação do 1º segmento do ensino fundamental, houve um grande

impacto sobre o processo de admissão de aluno(a)s na 5ª série (atual 6º ano);

surgiu a necessidade de pensar o processo de integração do 1º para o 2º segmento

do fundamental, ou melhor, construir um ensino fundamental integrado e a relação

entre as professoras “primárias” e as professoras “especialistas” também foi

problematizada.

A criação dos Pedrinhos trouxe a necessidade de se pensar uma proposta de

ensino da matemática produzido por um determinado segmento docente

(professoras do 1º ao 5º ano) que deveria ser recebido por um outro segmento

docente (professoras do 6º ao 9º ano). Essa proposta de ensino, escrita para o

Pedrinho seria também para um novo segmento discente que passava a integrar o

Colégio, alunas e alunos de 6 a 10 anos.

Dessa maneira, o surgimento dos Pedrinhos foi um projeto que trouxe para o

Colégio também a constituição de um quadro docente e discente mais plural. Com a

criação dos Pedrinhos, as “atividades” de matemática passaram a ser formuladas,

orientadas e desenvolvidas por professoras primárias sem graduação em

matemática, necessariamente.

Assim, deu-se início à construção de uma proposta pedagógica para o

Pedrinho a partir do que se pode considerar uma política para a formação das

professoras desse segmento, pois previa um programa de formação continuada, em

serviço para as professoras do 1º segmento. Para esse programa foi contratada uma

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103

equipe de assessoras. As professoras regentes e coordenadoras de Departamento

do 1º segmento participaram por um processo amplo e profundo de formação em

serviço durante os anos de 1985 a 1987, foi uma decisão determinante que a médio

prazo fez com que a Matemática praticada no CP II passasse por uma reorientação.

Com essa concepção de formação continuada, houve a necessidade de

ampliação dos quadros da equipe técnico-pedagógica e de uma interação entre os

departamentos 1º segmento e departamento de Matemática. Este diálogo não foi

fácil.

3.3 COLÉGIO PEDRO II E A REFORMA INTERNA

Sob a ótica da cultura escolar - a(s) reforma(s)

O CP II, não somente por causa da criação do Pedrinho, mas

fundamentalmente a partir daí, não pode ser chamado de uma escola única. Existem

vários CPs II dentro do CP II, em razão das diferenças em cada unidade escolar, em

cada segmento, em cada departamento pedagógico e em cada grupo da

comunidade escolar: professore(a)s, aluno(a)s, técnico(a)s e responsáveis. Dessa

maneira,

afirmar que a escola, entendido este termo no seu sentido amplo, é uma instituição, eis algo óbvio. Igualmente é óbvio dizer que existe uma cultura escolar. Precisamente porque a escola é uma instituição, podemos falar de cultura escolar, e vice-versa. Mais difícil é se pôr de acordo sobre o que implica a escola ser uma instituição e sobre o que seja a tal cultura escolar – ou se não seria preferível falar, no plural, de culturas escolares” (Viñao Frago, 1995, p. 68).

Cada agrupamento desses tem uma demanda para o Colégio e cada uma

tem uma forma própria de lidar. O que se busca apreender neste estudo é o que

impactou, de maneira geral, o Colégio todo e alterou sua dinâmica geral por força

dos movimentos de resistência ou de aceitação ocorridos no interior da escola. É o

que aqui se chama de reformas internas que impactaram os elementos que

constituem a cultura escolar, alterando suas normas, finalidades, formação de

professore(a)s, conteúdos ensinados e práticas escolares como veremos.

A criação do Pedrinho produziu um importante elenco de reformas nas

práticas pedagógicas e também administrativas do Colégio. Essas reformas

ocorreram na cultura escolar do Colégio e serão aqui analisadas porque propiciaram

que a proposta pedagógica do novo segmento se implantasse, apresentando

algumas resistências, mas incorporando-se e alterando a dinâmica escolar.

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104

Deseja-se analisar o que havia de diferente da cultura/história tradicional do

Pedrão que foi banido, problematizado ou incorporado à cultura do Pedrinho, e

nesse trânsito, o que poderia ter sido considerado como “uma outra cultura”, com

relação à cultura tradicional do Pedrão.

O que aconteceu no CP II com a criação do Pedrinho foi uma autêntica

reforma de fundo, organizativa e curricular (Viñao, 2002, p.8), na qual se destacaram

algumas alterações importantes na relação Pedrinho x Pedrão.

Na organização do Colégio foi criado um novo departamento – o

Departamento do 1º segmento do Ensino Fundamental, impondo a

departamentalização/disciplinarização das séries iniciais; o ensino fundamental

passou a ser praticado em nove anos desde a criação do Pedrinho. O antigo

primário que hoje, oficialmente, se faz num período de cinco anos, o que está

explicitado numa das alterações à última LDB no seu artigo 3250:

As autênticas reformas se processaram num tempo mais amplo – médio e

longo prazos - como foi no caso da criação do Pedrinho, que na realidade veio a ser

a implementação do que estava posto na LDB 5.692/71, que, tratava do fim dos

exames de admissão e a criação do ensino fundamental de 8 (oito) anos, posto que

implantava as séries iniciais no Colégio que tradicionalmente promovia o curso

ginasial – segundo segmento do ensino fundamental , atual 6º ao 9º ano e colegial,

atual ensino médio. O fato de ser praticado no Pedrinho o fundamental I de 5 (cinco)

anos fez com que o CP II praticasse, desde 1985, o ensino fundamental em nove

anos, o que não estava previsto nas leis 5.692/71 e nem na 9.394/96 na sua versão

inicial. Tendo sido o CP II pioneiro nessa prática que só veio a ser referenciada em

2007 em âmbito nacional, essa “reformulação” da lei foi muito bem aceita no Colégio

e em todo o território nacional, pois só veio ratificar um anseio da comunidade

escolar, a expansão do tempo escolar com a entrada das crianças com seis anos, o

Estado garantindo a escolarização fundamental dos 6 aos 14 anos, propiciando mais

tempo de convívio escolar, mais tempo para desenvolver os processos escolares de

ensino e aprendizagem.

Por que o Pedrinho teve nove anos, quando a LDB determinava o mínimo de

8 anos? O fato de as crianças ingressarem no Colégio por sorteio público permitia 50

Ver p.92

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105

que fossem encontradas, com a mesma idade, crianças alfabetizadas e não

alfabetizadas, crianças que haviam passado por alguns anos de escolaridade pré-

escolar e outras não. Houve então a necessidade de agrupá-las em turmas

diferentes e elas foram distribuídas em classes de 1ª série alfabetizada e 1ª série

não alfabetizada, (mais tarde chamadas de C.A). Houve também a necessidade de

se oficializar um segmento com 5 anos de escolaridade. Como, além desses fatos, a

tradição do Colégio era recomendar aos estudantes uma formação mais sólida, ele

veio consolidando um primeiro segmento em nove anos, incorporando um ano da

pré-escola que durante muitos anos foi designado como classe de alfabetização -

C.A. Essa jornada escolar ampliada correspondeu, na ocasião, e assim é até hoje, a

um segmento com cinco anos e jornada diária de 5horas por turno (e a experiência

das turmas do convênio CP II/Município)

Foram criadas novas funções administrativas e técnico-pedagógicas. As

professoras ingressavam num regime de 20horas, mas logo se verificou que esta

carga horária não satisfazia à jornada diária e semanal para o trabalho específico

desse segmento. Vinte horas equivaliam a um regime de 4 horas diárias, mas o

Pedrinho iniciava com a mesma carga horária diária do Pedrão, de 5horas nos

turnos da manhã e da tarde. No início, foi necessário fazer adaptações, como a

instituição de um turno de trabalho docente de 2h 30 (equivalente a três tempos de

aula em um turno), o que correspondia a meio dia de trabalho, equivalendo a uma

redução da jornada da professora em sala de aula, até que entendida a

especificidade do trabalho nesse segmento não ser por hora-aula, mas sim por

jornadas diárias contínuas de trabalho de acordo com o já era praticado nas redes

que, tradicionalmente, ministravam o ensino das séries iniciais. Assim, por força da

demanda, foi concedido o regime de 40 horas semanais às professoras do Pedrinho,

que foram as primeiras a fazerem jus a essa mudança que, em seguida, veio a ser

estendida a todos e todas as professoras e professores que pudessem e

desejassem essa alteração de carga horária.

A criação do 1º segmento apresentava-se como uma mudança estrutural-

organizativa imposta por esta reformulação advinda com a criação do 1º segmento.

Como também nos caracteriza Viñao (2002), essa alteração foi bem diluída na

cultura escolar, pois veio ratificar uma demanda das professoras para o atendimento

dos estudantes desse segmento.

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106

Algumas mudanças de ordem interna guardam relações com aspectos

externos, a Lei 5.692/71 terminara com o exame de admissão e instituía o ensino

fundamental em 8 anos, integrando os antigos ensino primário e ginasial.

Essa foi uma reforma, uma alteração pedagógica e administrativa de fundo

que deu ao CP II uma nova configuração, de modo a justificar o seu projeto do

“Futuro Velho CP II”. Uma equipe técnico pedagógica mobilizada por Tito Urbano e

Wilson Choeri preparou o Velho CP II para ingressar no futuro, no século XXI.

Não foram mudanças superficiais ou passageiras, elas vieram se

processando e se afirmando, às vezes se alterando, mas consolidando um processo

permanente, de um ensino mais democrático e participativo, seguramente com a

criação dos Pedrinhos na década de 80.

O sistema de avaliação e seus processos também foram alterados (vide

PGEs e suas alterações). Antes do Pedrinho, o Colégio avaliava seus alunos através

de estudo de casos, onde só eram analisados os casos dos alunos e alunas com

baixo rendimento escolar e com problemas para aprovação. A partir da criação do

Pedrinho foi necessário pensar em outro processo de avaliação, pois não cabiam as

provas únicas para as séries iniciais. Ao final de cada período de provas passou-se

a ter um Conselho de Classe (COC) o que veio a ser estendido ao Pedrão.

Esta reforma, em grande medida, trouxe inovações concretas e aceitas sem

muitas resistências ou impasses e foram de boa difusão, posto que coincidiram com

os interesses corporativos. No caso da oficialização do COC, limitou-se a reconhecer

uma necessidade e generalizá-la (Viñao, 2002, p. 9).

Abaixo registra-se num quadro alguns elementos administrativos e

pedagógicos da cultura escolar que foram impactados com a reforma e revelam

também o quanto houve a adequação ou incorporação dos novos valores,

finalidades, normas e práticas escolares. O estabelecimento dessa nova escola

primária não se realizou pacificamente, mas o debate produziu um elenco de

alterações na cultura escolar permitindo atualizações.

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107

O que foi encontrado O que foi feito no Pedrinho O que se alterou

Inspetores de alunos;

Disciplina rigorosa;

Alunos em forma para

cantar o hino e o pelotão da

bandeira.

A vigilância e o controle de

disciplina ainda bem

marcados.

Admitiu-se o mesmo ritual de

hastear a bandeira

periodicamente.

Instituiu-se o pelotão da

bandeira e a forma para

cantar os hinos.

Currículo diversificado e

enriquecido.

Incorporação do currículo

enriquecido – um dos

primeiros passos da

integração Pedrinho/Pedrão.

Uniforme formal e

indispensável

(uniformização como

homogeneização).

Adoção do uniforme igual ao

do Pedrão, a partir da 1ª

série, na C.A. houve uma

flexibilização, as crianças

usavam o uniforme de

educação física e, nos dias

de frio, podiam usar calça

comprida de helanca ou

moleton (o que não ocorria

no Pedrão, onde, as crianças

usavam calça de brim ou

tergal azul marinho.

Sistema de avaliação rígido,

não flexível e rigoroso.

Média alta para passar de

ano, sem provas finais.

Sistema de notas de zero a

dez.

O sistema de avaliação foi

problematizado e alterado,

apresentando avanços e

recuos; e representa, ainda,

no Colégio um cenário de

lutas de representação (vide

diretrizes de avaliação).

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Avaliação bimestral e

prova final.

Provas bimestrais

Provas únicas .

Provas de

recuperação e Vista

de provas.

Avaliação: provas

bimestrais.

No início

problematizou e não

fez as provas únicas.

Provas

trimestrais.

Atualmente

aplicam-se

provas únicas,

denominadas

provas

institucionais

Jubilação. Adotou-se a jubilação com

reservas, através de uma

avaliação mais criteriosa que

considerava mais do que as

notas pura e simplesmente.

Estudo de casos

(avaliação).

Implantação dos Conselhos

de Classe (COCs).

O Pedrão assimilou

os COCs.

Provas finais, muitas provas

só a nota das provas era

considerada, o que

implicava um grande peso

dado às notas.

Ainda são muitas

provas determinadas

em calendário.

Disciplinas de dias

pares e de dias

ímpares.

Carência de

formação em serviço.

Por força da

organização

curricular, o Pedrão

tem aulas aos

sábados.

Unidades de três

turnos.

O Pedrinho não tem aula aos

sábados.

A formação em

serviço foi

problematizada,

alterada; mostrou

avanços e recuos (a

venda de férias / a

presença de

educadore(a)s no

Colégio / o papel da

APE (Assessoria de

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Projetos Especiais).

Estrutura

departamentalizada.

Currículo por disciplinas.

Fraca integração

departamental.

Poucos encontros de

professores.

O Pedrinho é assumido na

estrutura departamentalizada

Institui-se a disciplinarização

da polivalência.

Há o fortalecimento da

integração departamental

com a criação do

departamento do 1º

segmento.

Utilização do livro didático

como suporte.

O Pedrinho não adotou

inicialmente um livro didático,

as atividades eram dadas em

apostilas e folhas de

exercícios.

Adoção de livro

didático e

manutenção das

folhas de exercícios

em pastas.

Administrativamente

Plano de carreira

carga horária

Admitiu-se a Professora

Primária.

A carga horária precisou ser

adequada em função dos

termos da admissão de 20

horas semanais.

Mesma carga horária

para professore(a)s.

Encontro de professores

Já foi criado com a disposição

de espaços para encontros

entre as professoras.

Ampliação dos

espaços de integração

e planejamento.

Equipe técnico-

pedagógica.

Consolida-se o fortalecimento

das equipes técnicas SOE e

STEA.

Atualmente integrados

no SESOP.

Cada unidade escolar tem

um diretor(a).

Cada unidade tem uma

diretora, como havia também

um(a) diretor(a) em cada

unidade de Pedrão.

Ao longo desse anos houve

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alterações funcionais no

status das direções do

Pedrinho, mas não houve

comprometimento de fundo na

organização administrativa e

pedagógica.

Houve diminuição de pessoal

e alteração no status e na

remuneração, mas a estrutura

organizacional foi preservada

até a instituição do SESOP,

que é a fusão do SOE e

STEA.

Representação dos

segmentos da unidade

escolar.

Invenção das associações de

docentes, de técnicos

administrativos e de pais e

responsáveis.

Quadro 3: Elementos da Cultura escolar que foram impactados com a reforma.

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111

CAPÍTULO 4

4.1 CORPO DOCENTE

Como professoras pensamos, resistimos e formulamos. Sem o quê, por quais razões teríamos escolhido esse ofício? (Bloch, 2003)

51

O CP II já completava 147 anos oferecendo os antigos cursos ginasial e

colegial, atuais fundamental /2º segmento e médio quando o Pedrinho foi

inaugurado. A tarefa das jovens professoras do Pedrinho era motivo de preocupação

de toda a comunidade educacional do CP II, já que o 1º segmento recém

inaugurado, deveria manter o tradicional padrão de qualidade do Colégio seria

elaborar e escrever uma proposta para o ensino de Matemática nas séries iniciais.

Estas professoras teriam que assentar sua prática sobre uma representação

tradicional em torno da disciplina, cabendo a elas formular uma proposta. A opção

do jovem colegiado foi produzí-la com autonomia e relativa independência. Com

isso não buscaram a tutela das professoras regentes do Departamento de

Matemática que já pertenciam ao quadro docente do Colégio.

Dentro do sistema de ensino a grande vilã da exclusão, repetência e baixos índices de desempenho é a Matemática. (RAMOS, 2012)

Este é um trecho que muito mobiliza a autora deste trabalho, por fazer parte

desse coletivo como “professora primária/polivalente” do Pedrinho. Aqui busca-se

fazer um exercício interessante de deslocamento de protagonista (professora do

Pedrinho, que foi coordenadora de Matemática e chefe de departamento) para a

pesquisadora/ historiadora de Educação Matemática. O objetivo é buscar

compreender como se deu o processo de ensino da matemática no 1º segmento, a

partir da sua formulação.

51

Relembrando: a referência de gênero – feminino -, quando se refere ao corpo docente do primeiro segmento do CP II, longe de ser uma discriminação às avessas, apenas reflete a realidade do Colégio, que tem em seus quadros de Ensino Básico apenas professoras, embora os editais de concursos públicos se estendam a todos os professores.

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O quadro docente das unidades de 1º segmento foi constituído por um

conjunto de professoras que tinham em comum o fato de serem todas professoras

de 1ª a 4ª série que trouxeram um somatório de experiências e inexperiências para

dentro de um grande colégio tradicional que inaugurava o 1º segmento.

4.2 A INVENÇÃO DA PROFESSORA DAS SÉRIES INICIAIS NO CP II

Como não havia nesse lugar, CP II, um curso primário, o curso foi inventado,

bem como as professoras que lecionariam nesse segmento. Quem é do CP II,

aluno(a) ou professor(a), tem status, lugares historicamente diferenciados na

sociedade, por exemplo, no que diz respeito à escolarização, assim o lugar onde se

transcreve essa narrativa também é determinante dessa cultura escolar. As

professoras do CP II se diferenciam enquanto Professoras do Pedrinho e

Professoras do Pedrão. Pedrinho e Pedrão são “lugares” socialmente diferenciados

em que, apesar de cohabitarem o mesmo espaço escolar, as séries ou anos iniciais

fazem parte de um segmento historicamente menos valorizado. Caberia às

professoras primárias buscarem seu espaço de importância nesse cenário

conservador e tradicional. O caso não era romper com a tradição de ensino de

qualidade ministrado no Colégio “padrão”, mas inserir-se nessa cena de prestígio

social com outro discurso, com um discurso de inclusão, de democratização do

acesso.

Ao levantar-se o debate em torno da invenção da professora das séries

iniciais do Colégio, outras questões emergem, tais como: O que era necessário para

lecionar Matemática no primário do CP II? Como se posicionar? Qual seria o lugar

dessa nova professora ante a tradição e o ideário em torno da disciplina? O que

ocorreu em torno da definição do currículo/programa?

Com a criação do Pedrinho, surgiram novas questões e novos atores na cena

do Colégio. Definiu-se, para o novo segmento, um elenco de características que

estabeleceriam o que veio a se constituir em traços da identidade das novas

Professoras, a partir de leis que foram referendadas em editais onde se ordenava

basicamente, que a Professora habilitada para prestar concurso para lecionar nas

séries iniciais das escolas públicas no Brasil deveria ter como pré-requisitos mínimos

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idade igual ou superior a dezoito anos e ter concluído o curso de formação de

Professoras de 1ª a 4ª série – antigo Curso Normal. O corpo docente do primeiro

segmento foi composto através de concurso público com essas exigências.

Tomando como base os editais dos concursos para o provimento de vagas

para o quadro docente, pode-se verificar as diferenças nas exigências e as

alterações que foram impostas pelas novas legislações educacionais e trabalhistas.

O concurso de 1991 foi realizado somente para o provimento de cargos docentes

para o ensino fundamental II e o ensino médio. Foi um processo seletivo para

contratação de professor substituto / ensino de 1º e 2º graus. Nesse ano não houve

concurso para o 1º segmento, pois o edital, no tópico referente à documentação

solicitava a “fotocópia autenticada de diploma de curso de licenciatura plena para o

exercício do magistério de 1º e 2º graus ou de registro no Ministério da Educação na

disciplina a que se candidata”(edital nº 01, de 26 de agosto de 1991).

O edital nº 3, de 15 de junho de 1994, lançou um concurso para preencher

vagas no Pedrinho. Foi um “concurso público destinado a selecionar candidatos com

vistas ao provimento de cargos públicos (...) no cargo de Professor de 1º e 2º graus”.

Na especificação dos cargos encontrava-se um elenco de disciplinas para designar

as vagas disponíveis. O artigo 1.2.2 referia-se ao 1º segmento do 1º grau para

disciplinas pertencentes ao que era chamado de Núcleo Comum. No parágrafo 3

foram descritas as condições para inscrição: “(d) possuir certidão de licenciatura

plena, no caso de candidato ao cargo de Professor de 1º e 2º graus nas disciplinas a

que se refere o item 1.2.1” (referia-se às disciplinas do ensino fundamental II); e (e)

possuir certidão de curso normal ou equivalente, no caso de candidato ao cargo de

Professor de 1º e 2º graus nas disciplinas a que se refere o item 1.2.2” (referia-se às

disciplinas do ensino fundamental I).

Em 1996, houve “concurso público destinado a selecionar candidatos com

vistas ao provimento de cargos de Professor de ensino fundamental (1º grau) e

Médio (2º grau)”. O edital nº 3/96 publicado no DOU em 4 de março de 1996,

indicava que esse concurso fora convocado antes da promulgação da LDB de 1996.

Das vagas oferecidas havia uma quantidade destinada às seguintes áreas e

disciplinas: “(a) de Ensino de 1º segmento do ensino fundamental, Núcleo comum;

(b) de Ensino de 2º segmento do ensino fundamental e ensino médio”.

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Esses registros, extraídos dos diários oficiais da União, servem para

demonstrar como os docentes eram diferenciados administrativamente nos

segmentos. As exigências eram colocadas nos tópicos referentes aos requisitos

para a validade de participação no concurso: 2.1.5 – possuir certidão de conclusão

ou diploma de: curso de formação de professor de 1ª a 4ª série ou equivalente, para

os candidatos às vagas descritas no item 1.3(A)”. Isso dizia respeito às candidatas

que quisessem lecionar no 1º segmento. A Licenciatura Plena na disciplina seria

requisito para os candidatos às vagas descritas no item 1.3(B).

Ressalte-se que uma das exigências estabelecidas nos editais anteriores a

1991 para concorrer a uma vaga para lecionar de 1ª a 4ª série era o(a) candidato(a)

ter feito o curso de formação de professore(a)s, antigo Curso Normal, um curso de

nível médio. Portanto o(a) professor(a) que desejasse lecionar no 1º segmento do

ensino fundamental no Colégio Pedro II deveria ter sido aprovado(a) em concurso

público onde era exigido o certidão de conclusão do curso de formação de

professore(a)s de 1ª a 4ª série, antigo Curso Normal e ter idade mínima de 18 anos.

Essas determinações constituíram características comuns a todas as professoras

que vieram compor o quadro docente do 1º segmento desenhado através de

documentos oficiais e que, portanto, limitou-se a seguir determinações legais.

O ensino primário era definido, na ocasião, por atividades. As professoras

poderiam ministrar aulas de qualquer atividade, dessa maneira, o grupo de

professoras que construiu o programa de matemática não precisava ter

necessariamente, graduação em Matemática. Contudo, mesmo sem essa exigência,

foi possível perceber que para lecionar nesse segmento não era bastante ter

domínio somente dos aspectos pedagógicos. O conhecimento de matemática e o

conhecimento da pedagogia precisavam ser integrados, talvez mais do que isso ,

eles precisavam constituir uma unidade sem divisões.

A definição do quadro docente para o 1º segmento do CP II foi institucional,

na medida em que os critérios adotados foram extraídos de normativas públicas

oficiais e divulgadas em editais – documentos que têm for,a de lei. Dessa maneira, a

composição desse coletivo fez parte das estratégias institucionais de implementação

de uma política de expansão e reforma, a fim de incorporar ao Colégio as exigências

da Lei 5.692/71, que determinava que o ensino fundamental fosse realizado em 8

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anos. Para cumpri-la o Colégio optou por criar o ensino primário, assumindo suas

especificidades.

Depois da LDB 9.394/96, pode-se notar algumas alterações nos editais no

que diz respeito às condições de inscrição. Como esse estudo aborda o período de

1984 a 2009, serão tomados como base os concursos de 2002, 2004, 2007, 2008 e

2009. Houve mais concursos depois de 2009, mas com poucas alterações. O

concurso de 2002 foi estabelecido no edital nº6, de 9 de dezembro de 2002 com a

chamada:

Concurso público de provas e títulos para preenchimento de vagas do cargo de professor do Colégio Pedro II, em que torna pública a abertura das inscrições para concurso público de provas e títulos destinado a selecionar candidatos com vistas ao provimento de cargos de Professor de Ensino Fundamental e Médio.

Foram oferecidas vagas para as disciplinas e/ou áreas do Núcleo Comum do

1º segmento do ensino fundamental. Os requisitos para a validade de participação

no concurso eram curso de formação de professores de 1ª a 4ª série, em nível

médio, (Curso Normal), ou curso superior de formação de professores de 1ª a 4ª

série. Um fato interessante é que em concursos em que havia vagas para

Informática Educativa, poderiam concorrer professore(a)s com curso de formação

de professores de 1ª a 4ª série, em nível médio, (Curso Normal), ou licenciatura

plena em disciplina do currículo do ensino fundamental ou médio, além de requisitos

referentes à matéria especificados em itens à parte sobre as especializações em

Informática Educativa. Para o preenchimento das outras vagas era necessário, no

mínimo, licenciatura plena.

Em 2007, 2008 e 2009 foram convocados concursos com vagas

discriminadas por área de atuação/conhecimento. Aí se encontrava o 1º segmento

do ensino fundamental. A formação aparece em quadro junto com as disciplinas, e

não mais nas inscrições, condições ou requisitos. Diz o quadro: “formação de

professor de 1ª a 4ª série do ensino fundamental, em nível médio, ou normal

superior, ou curso superior de Pedagogia, com habilitação em magistério para as

séries iniciais”.

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Em 2007 (edital nº 16/07), ainda aparecia o ou (conjunção adversativa) e

tratava-se o primeiro segmento por séries.

Área de atuação/

conhecimento

Formação vagas

1º segmento do

ensino

fundamental

Formação de professor de 1ª a 4ª série do

ensino, em nível médio, OU

Normal Superior OU

Curso Superior de Pedagogia com habilitação em

magistério para as séries iniciais.

Quadro 4: Recorte do edital nº 16/07

Em 2008 (edital nº 08/08) e 2009 (edital nº 10/09), há uma alteração

significativa para a formação das candidatas a vagas para o 1º segmento. A partir

desse edital não se admite mais que a candidata tenha apenas o curso de formação

de professores de 1ª a 4ª série, em nível médio, (Curso Normal). A condição do

curso de formação de nível médio vem agregada necessariamente à graduação.

Área de atuação/

conhecimento

Formação vagas

1º segmento do

ensino

fundamental

Normal Superior; OU

Curso Superior de Pedagogia com habilitação em

magistério para as séries iniciais, OU

Formação de professor de 1ª a 4ª série, em nível

médio E Licenciatura Plena, OU

Formação de professor de 1ª a 4ª série, em nível

médio E Curso Superior de Pedagogia.

Quadro 5: Recorte dos editais nº 08/08 e nº 10/09

Observar a dinâmica desses editais permite apreciar a alteração nos

requisitos que estabeleceram a formação do(a)s professore(a)s que concorreram ao

“preenchimento de vagas para o cargo de professor do Colégio Pedro II”- e que

ainda estão em vigor. A categoria docente ainda é tratada no masculino. A exigência

da formação, desde 2008, se dá exclusivamente com a habilitação em curso

superior, não sendo mais possível um(a) professor(a) primária formada em nível

médio concorrer a uma vaga, o que implica também, em uma média de idade mais

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alta do conjunto que tem acesso ao quadro docente. Em 1984, três professoras que

possuíam apenas o antigo curso normal foram aprovadas, mas tiveram que esperar

completar 18 anos para assumirem o cargo, porque assim exigia o edital. Hoje a

formação em nível superior exige necessariamente mais idade, o que pode e/ou

deve também significar mais maturidade. Contudo, no que diz respeito às exigências

para lecionar matemática no 1º segmento, o aumento grau de escolarização e na

idade não garantem, em princípio, nada. É necessário, principalmente, verificar o

que aconteceu no currículo de matemática nesses cursos de formação.

Essa alteração não foi determinada propriamente por força da lei ou demanda

pedagógica. Ela se deu em função de alteração no quadro funcional da carreira

docente. Até 2007, os docentes pertenciam a cinco classes no plano de carreira: Ä”,

“B”, “C”, “D” e “E”. Na classe “A” estariam as professoras com formação em nível

médio; na classe “B”, o(a)s de formação em nível médio com estudos adicionais que

permitissem lecionar nas duas séries iniciais do ginásio; na classe “C”, estariam

o(a)s portadore(a)s do diploma de licenciatura, independente do segmento de ensino

que atuassem; na classe “D”, o(a)s portadore(a)s de diploma de pós-graduação lato

sensu e, por fim , na classe “E”, o(a)s portadore(a)s de diploma de pós-graduação

stricto sensu.

O(A)s professore(a)s também poderiam alcançar esses níveis em

progressões por tempo de serviço. A cada cinco anos mudava de letra referente a

um subnível dessa progressão e em 25 anos um(a) professor(a) da classe “A”

chegaria à classe “E”. A partir de 2007, esse plano de carreira mudou, foram extintas

as classes “A”e “B”. Mudaram as categorias para ascenção funcional do quadro

docente, o primeiro nível da carreira passou a exigir graduação completa.

Atualmente, a composição do quadro docente continua sendo feita através de

concurso público aberto, sempre muito rigoroso. Na década de 1990, as bancas

examinadoras para o 1º segmento passaram a contar com professoras do Pedrinho

e do Pedrão, o que modificou, de maneira importante, a concepção da prova para

o(a)s candidato(a)s. Vale destacar que essa composição integrada também ocorre

nos concursos de admissão para o 2º segmento.

Nos antigos concursos, com o objetivo de gerar excelência, era reproduzida

uma orientação pedagógica pautada na seleção que era muito conservadora, em

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certos casos excludente. O modelo passou por variações apresentando tendências

modernizadoras com a incorporação de algumas práticas realizadas no Pedrinho,

além do que as professoras do Pedrinho que participam da banca dos exames são

especialistas, no caso, em Matemática. As professoras polivalentes do quadro

permanente possuíam um diferencial, por terem prestado concurso público, tendo

estabilidade o que lhes conferia um status no magistério em âmbito nacional. As

diferenças trabalhistas dentro da categoria docente do Colégio implicam nas outras

diferenças dentro comunidade. São segmentos, disciplinas, formações, unidades,

público alvo diferentes dentro de uma mesma escola que deveriam estar sujeitas à

análise para o entendimento dessa nova realidade com a qual o Colégio entrou no

novo milênio.

4.3 AS PROFESSORAS PRIMÁRIAS DAS SÉRIES INICIAIS DO CP II

SER MULHER – PROFESSORA PRIMÁRIA NO CP II

Para produzir história é preciso encontrar o sujeito (Bloch, 2003) que está

envolvido nos acontecimentos que virão a ser narrados e que foram “inventados”

pelas professoras do Pedrinho. Os sujeitos dessa história, em particular, são

mulheres, muitas mulheres que produziram, que protagonizaram as ações que se

desenrolam nesta narrativa. São as Professoras do Pedrinho.

O fato de serem mulheres deve ser destacado pois a questão de gênero não

será invisibilizada neste texto. Ao contrário, será alvo de destaque no tratamento

feminino dado às protagonistas das ações de implantação do 1º segmento e sua

proposta pedagógica, que são as Professoras primárias/polivalentes do CP II,

tratadas carinhosamente por PEDRITAS. O gênero – feminino – é uma variável

importante que entra na composição do quadro do magistério em geral e no CP II,

em particular, no quadro docente do 1º segmento.

Deve-se dizer que nesse conjunto havia rapazes52 mas que desde a criação

do Pedrinho não passaram de oito. Vale lembrar que esse departamento já contou

52

De acordo com as nominatas apresentadas nos planos gerais de ensino do 1º segmento contamos com a presença de oito rapazes durante o período desse estudo. Foram professores efetivos que lecionaram nas séries iniciais, concursados para o departamento. No plano de 1984 constam na listagem somente Professoras, os Professores passam a constar no plano de 1986 quando já contamos com mais unidades escolares de Pedrinhos. Eles são: Ednilson Amorim, José Gonçalves Gondra, José Maria Lopes Jr; Luiz Carlos Nicácio, Marcelo Campos, Mário Bruno, Roberto Pires de Oliveira Jr., Sergio Ricardo Aboud. Walter Tadeu Nogueira. Essas presenças foram registradas em

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com 294 Professoras (PGE, 1988) em atividade. Por esse motivo, dentre outros, as

protagonistas desta história serão tratadas no feminino.

Em todas as contratações temporárias, desde 1997, não se admitiu nenhum

homem e não ingressou nenhum concursado depois de 2000. Seria no mínimo

incoerente tratar essas personagens no masculino, seria mais do que invisibilidade.

Lecionar no primeiro segmento significa ser mulher, professora primária. Muitas das

relações institucionais que interferem na construção da proposta pedagógica nos

aspectos teóricos e metodológicos passaram por debates, e de certa forma, os

embates protagonizados pelos corpos docentes que, além de viverem as diferenças

ordenadas por suas disciplinas, agora teriam que adaptar-se às diferenças

determinadas por segmentos de ensino operados por outra cultura escolar bem

delineada inclusive por outra delimitação dos espaços de intervenção e atuação. As

variáveis que compõem essa equação que envolvem também ser mulher no CP II e

são de grande relevância para analisar e produzir histórias sobre o ensino nas séries

iniciais desse Colégio e que deverão merecer no futuro estudos e pesquisas muito

importantes.

Os departamentos pedagógicos eram herdeiros das cátedras tradicionais e

históricas que foram extintas. As cátedras eram exercidas historicamente somente

por homens, e os departamentos criados depois seguiram essa tradição, tendo ao

longo da sua história bem poucas mulheres à sua frente. Pode-se observar que uma

pequena presença feminina veio a ocorrer nos departamentos somente após a

entrada do Prof. Tito Urbano, no início da década de 1980. Quando foi criado o

Departamento do 1º Segmento do Ensino Fundamental em 1986, uma mulher foi

chefiá-lo. No entanto, a conversa de integração interdepartamental foi com homens,

embora o corpo docente que compunha o departamento, no caso de matemática

fosse composto por um bom número de mulheres. Para se ter uma idéia: em

1991/92 eram 64 professore(a)s sendo 36 mulheres e 28 homens (PGE de

Matemática, 1991/92).

A relação que se estabelece e que faz prevalecer o ideário a partir do olhar do

homem não é quantitativa, mais homens do que mulheres, pois, ao contrário

encontramos mais mulheres do que homens. Afinal, esse embate é travado no

diferentes planos. Atualmente nenhum deles encontra-se lecionando nas unidades de 1º segmento. Apenas o Prof. Walter ainda se encontra lecionando no Colégio, mas para o ensino médio.

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campo do magistério, mas as construções discursivas, os enunciados ditados e

reeditados neste Colégio são de cunho machista, são discriminatórios e excludentes,

marcados por fortes preconceitos que encarceraram, sem grades, as mulheres e

que, ainda hoje, pairam sobre a cabeça das professoras primárias.

É bom lembrar que essa diferenciação se dá em todas as redes e escolas,

sendo que, no CP II, é bem potencializada devido à história do Colégio o que

fomenta a relevância de pensar aspectos da Educação Matemática passando pela

ótica da diferenciação. A análise da proposta não será feita apenas sob essa

perspectiva de gênero, mas o fato de muitas dessas mulheres terem matriculado

seus e suas filho(a)s no Colégio, desde o início, agregou valores afetivos na

construção e trajetória da instituição. O fato merece ser ressaltado, pois implica num

outro olhar e numa outra procedência sobre a elite discente que se estabelece neste

educandário. Cuidar da qualidade do Pedrinho passou também pelo cuidado de

mães para com seus/suas filho(a)s.

A temática de gênero deve ser, no mínimo, apontada na problematização em

torno do corpo docente do Pedrinho, na medida em que trata de preconceito,

hierarquização e desautorização de discurso (Foucault, 1996), pois no que diz

respeito à interdição do discurso do louco, da criança e do ignorante, podemos

também considerar, em diferente contexto, no caso no CP II, o discurso da mulher,

da professora primária polivalente. E é nesse sentido que será tratado o texto - o

programa de ensino de matemática produzido por essa “personagem”.

As professoras que lecionavam matemática de 1ª a 4ª série tinham formação

heterogênea. O quadro de professoras do Pedrinho revela as professoras que : 1.

tinham somente o curso normal e não possuíam licenciatura ou qualquer outra

graduação; 2. possuíam o curso normal e já haviam se licenciado em diferentes

disciplinas; 3. estavam cursando algum curso de graduação. Entre aquelas que

tinham graduação, no caso, licenciatura plena, havia as que possuíam Licenciatura

Plena em Matemática.

Ainda nesse conjunto, havia professoras com e sem experiência em qualquer

segmento de ensino, além de professoras com experiência profissional em lecionar

matemática em todas as séries do fundamental; porém, todas com habilitação em

magistério de 1ª a 4ª série, curso de formação de professores, antigo Curso Normal.

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4.4 O QUE A PROFESSORA PRIMÁRIA SABE DE MATEMÁTICA

O que caracteriza as Professoras que lecionam Matemática no ensino

fundamental está em boa medida nos conteúdos que elas aprendem na sua

formação inicial. Qual a diferença entre essas matemáticas?

As Professoras que compuseram o quadro docente do Pedrinho vieram, na

grande maioria das escolas normais estaduais: Instituto de Educação do Rio de

Janeiro (Tijuca); Colégio Estadual Ignácio Azevedo do Amaral (Jardim Botânico);

Colégio Heitor Lyra (Penha); Colégio Estadual Carmela Dutra – (Madureira); Instituto

de Educação Sarah Kubitschek (Campo Grande); Colégio Estadual Júlia Kubitschek

(Centro). Em boa parte do período inicial focalizado por este estudo essas escolas

mantinham o curso de formação de Professoras de 1ª a 4ª série, antigo curso

normal.

Após a lei 9.394/96, a exigência para a formação inicial vem mudando,

indicando que a formação inicial de professores para atuar nas séries iniciais deveria

ser feita em nível superior (graduação). Isso implicou em mudanças nos editais para

o concurso de professores, com uma alteração na faixa etária de ingresso e também

na ampliação no tempo de estudo. Contudo, como se poderá ver, esse tempo maior

para a formação não implicou, necessariamente, em mais matemática na grade

desses cursos. Tome-se como exemplo um programa de um curso de Pedagogia

que forma professoras para as séries iniciais:

Quadro 6 - Programa de Matemática no curso de Pedagogia / UFRJ/1995 A Matemática no Curso de Pedagogia da UFRJ/ Ano 1995 Manual do Estudante - Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade de Educação Grade Curricular Habilitação A: Magistério das séries iniciais do 1º grau 5º período

Código Disciplinas obrigatórias Horas Créditos

EDD 352 Construção do conhecimento de matemática do 1º grau

60 4

Ementa: As representações sociais que o cidadão e a sociedade tem da Matemática. Os processos histórico e social da construção do conhecimento matemático. Os códigos dos sistemas de numeração e os diferentes níveis de complexidade matemática e epistemológica da sua construção. Pesquisa sobre o ensino de matemática em revistas especiais e em obras existentes sobre educa,ao matemática

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6º período

Codigo Disciplinas obrigatórias Horas Créditos

EDD 362 Construção do conhecimento de matemática do 1º grau II

60 4

Ementa: Aspectos culturais e cognitivos e pedagógicos da construção do conhecimento matemático. O ensino da matemática tradicional, o da matemática moderna e tendências atuais. Uso de material concreto em atividades sobre os conteúdos do 1º grau. Criação de novos materiais.

Ementa: Apresentação de metodologias de ensino de matemática por meio de situações problema vivenciadas. Habilitação B: Pré Escolar 5º período

codigo Disciplinas Complementares Horas créditos

EDD 354 Iniciação à matemática na Pré - Escola 60 4

Ementa: Pesquisa sobre as questões de como a criança constrói o conhecimento matemático na pré-escola, em especial o campo conceitual do número. Representações das relações: quantitativas, de equivalência e de ordem, de espaço e tempo que a criança estabelece com o real. O papel do lúdico e do jogo no ensino da matemática. Habilitação C: Magistério das Disciplinas Pedagógicas do Ensino Normal 6º período

Código Disciplinas Complementares Horas Créditos

EDD 176 Construção do conhecimento matemática e das ciências físicas e biológicas.

60 4

A realidade social do aluno de CA a 4ª série de 1º grau e o ensino de matemática e Ciências. A criatividade, o lúdico e o uso de material concreto no ensino de Matemática e Ciências. O desenvolvimento do raciocínio e o método científico: adequação ao nível de desenvolvimento do raciocínio mental do aluno. Organização de atividades de matemática e ciências.

Esse é um programa para formação de professores polivalentes em nível

superior. Poderia ter sido apresentado outro, mas esse, proposto para formação

superior com 60 horas, apresenta conteúdos de matemática muito elementares. Na

verdade, é uma repetição do que as professorandas já sabem. As ementas são

superficiais, não têm conteúdos básicos específicos de matemática para que se

conheça um pouco mais da matéria. Diga-se: noções básicas de álgebra no que se

refere a grupos, conjuntos e propriedades que, articuladas, dão origem a estruturas

matemáticas que são a base do relacionamento da matemática, psicologia e

Codigo Disciplinas Complementares Horas Créditos

EDD 638 Oficina de matemática (P) EDD 352

45 2

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pedagogia, que são explorados de forma subliminar nos programas das séries

iniciais, especialmente no programa do CP II.

Outras diferenças são determinadas, fundamentalmente, a partir do público-

alvo: os estudantes das séries iniciais – as crianças de 5,5 a 10 anos – e, no 2º

segmento, os adolescentes de 11 a 15 anos, na exata correspondência idade/série.

A idade do estudante e seu grau de maturidade para compreensão de determinados

conteúdos escolares indicam que essas matemáticas devem diferir.

O programa de matemática das escolas de formação de professores era

composto por conteúdos do curso primário - sem maiores aprofundamentos. O

professor repetia, no ensino médio, o que os alunos tinham aprendido no primário.

Por isso, a matemática era mais fácil e permitia o sucesso escolar de muitos jovens

que tinham dificuldade na disciplina, fato que, em boa medida, orientava a escolha

de estudantes normalistas.

Um aspecto a ser destacado quanto à formação profissional e acadêmica

inicial e continuada dos professores que ensinavam matemática nas séries iniciais, é

que eles não precisavam, e ainda hoje não precisam, ter qualquer formação

específica em matemática. Quando os professores possuem alguma graduação,

pode ser em qualquer disciplina. Além disso, os cursos de Pedagogia que formam

professores para as séries iniciais ainda têm formado professores polivalentes.

Pode-se observar que o quadro de professoras que lidava com o ensino de

matemática no CP II até a criação do Pedrinho era constituído somente por

graduadas em Licenciatura Plena em Matemática. Se havia algum debate sobre o

ensino da disciplina, era nesse campo, e com a profundidade que a disciplina exigia,

pois todas tinham a mesma graduação.

Pode-se dizer que uma das consequências iniciais dessa diversidade que

aportou no Colégio foi o desencontro entre as professoras de matemática do

fundamental II e as professoras de 1º ao 5º ano que lecionavam matemática,

principalmente, no 4º e 5º anos. Isso pode ser explicado pela formação inicial. As

professoras do Pedrinho dominavam um saber mais afeito ao campo da pedagogia e

da metodologia, e menos das disciplinas específicas; porém, as professoras

licenciadas em Matemática tinham um campo de conhecimento mais completo na

especificidade da disciplina.

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O QUE FIZERAM / o que vieram fazer, para que vieram

As professoras primárias polivalentes lecionavam atividades, conforme dizia o

Parecer 853/71. Não lecionavam disciplinas; portanto, não precisavam ser

especialistas. De um modo geral, tinham formação com prevalência em didática e

metodologias (como ensinar). O fato de lidar com crianças de 6 a 10 anos as

aproximava de uma relação familiar próxima à primeira infância, o que sugere um

tratamento de tom materno. Os anos iniciais da educação infantil eram tratados

como maternal e jardim da infância. E nas séries iniciais, o curso primário ainda lida

com a primeira infância. Todo esse tempo de infância em que as crianças precisam

de muita atenção e cuidado está relacionado com o nível de atuação da professora

primária que trabalha com atividades infantis, jogos e também brincadeiras. Dessa

forma, quem não quer ver a seriedade, o valor e a importância do aspecto lúdico do

qual devem se revestir as atividades nesse segmento acaba por reduzir o trabalho

da professora primária a simples brincadeira. Algumas professoras do CP II

lecionavam em outras escolas públicas municipais ou estaduais e também em

escolas particulares. Com isso, traziam experiências. Algumas também lecionavam

em diferentes segmentos e diferentes disciplinas no fundamental II e médio. Outras

traziam essas experiências no ensino de matemática porque eram licenciadas na

disciplina e outras mais ingressavam no magistério pela primeira vez, tendo o CP II

como seu primeiro e único emprego.

OS EFEITOS

Com vistas à compreensão de como foi o relacionamento entre professoras

que lecionavam na mesma escola, mas em segmentos diferentes, pode-se

investigar o que toca aos aspectos que promovem essa diferenciação - que

entendemos como preconceito porque discrimina, segrega e desvaloriza. Quando a

primeira turma do Pedrinho chegou ao Pedrão (1987) na unidade escolar São

Cristóvão (UESC), as professoras do Pedrão pediam que os aluno(a)s do Pedrinho

se identificassem e, como num esquema de classificação, discriminavam aluno(a)s

oriundos do Pedrinho e alunos vindos da seleção. Identificados, a professora dizia:

“A partir de agora, acabou a brincadeira!”. Isso porque nas salas havia dois grupos

de aluno(a)s: os que vinham do Pedrinho e os que entravam no Colégio através de

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concurso de seleção, tendo se preparado em cursos “pré-vestibulinhos”. Tal fato

gerou muito desconforto no Colégio entre as duas categorias de professoras que,

naquele momento, explicitavam seus posicionamentos ante o trabalho do novo

segmento. Ficava evidente que havia duas categorias de Professoras, duas

categorias de alunos e alunas em dois Colégios. Qual seria a identidade dos corpos

docente e discente do CP II enunciada a partir dos planos de matemática praticados

no ensino fundamental?

Estava posto um desafio: a disputa pela hegemonia do discurso sobre o qual

a proposta de ensino de matemática viria a ser praticado no Colégio, uma vez que

as atividades de matemática passariam a ser definidas e desenvolvidas por

Professoras sem formação específica na matéria.

O prestígio das professoras primárias no CP II foi garantido por uma

“blindagem” obtida pela força política que o Diretor Geral Tito Urbano deu às

professoras do Pedrinho, o que causou um impacto que poderia ser caracterizado

como “sinal de ciúmes” entre as professoras mais antigas do Pedrão. Porém ao

historiador não cabe julgar (Bloch, 2001), mas sim averiguar os fatos e investigar os

fatores determinantes do que se poderia chamar de choque de concepções e de

culturas. De todo modo, foi necessário administrar algumas idiossincrasias.

A disputa pelo poder no campo discursivo que se dava no Colégio era sobre

quem iria formular as orientações teóricas e metodológicas na matemática do ensino

fundamental. Seriam os docentes do departamento de matemática histórico com

discurso conservador e elitista, ou as professoras do Departamento do 1º Segmento

do Ensino Fundamental, ainda sem história consolidada ou com bem pouca história,

chefiado por mulheres, que toda a comunidade escolar chamava de Pedritas, com

outro discurso, ainda uma página em construção? O discurso foi construído por

Professoras primárias, polivalentes, não especialistas em matemática.

Essa diferenciação aponta para o lugar social em que se situam a Professora

Primária e a Professora especialista, notadamente em matemática, do lugar social,

do status no campo do magistério em geral e, em particular no CP II. Esse

tratamento guarda semelhança com questões em que estão em pauta as relações

de poder e os discursos que constituem as identidades, no caso, dessas professoras

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que se diferenciam por serem polivalentes ou especialistas, pelo segmento de

atuação e, portanto, a faixa etária dos alunos e alunas com quem trabalham.

Há outra situação a ser analisada: das professoras especialistas quando

recebiam os alunos do Pedrinho (anos iniciais). Após a criação do Pedrinho, em

1987, as unidades II – Pedrão passaram a receber alunos e alunas do Pedrinho que

passavam para o 2º segmento (anos finais) sem passar pelo tradicional exame de

seleção. Esses alunos vinham direto, sem outra seleção senão as provas regulares

aplicadas no 1º segmento. As Professoras especialistas do Pedrão pediam que os

alunos se identificassem e diziam para o grupo identificado de alunos do Pedrinho, e

numa fala preconceituosa desqualificavam o trabalho anterior tratando a brincadeira

como se fosse algo inconveniente ou inadequado. Neste ponto concentra-se a

incoerência, conflito e contradição. Os alunos e alunas do Pedrinho aprovados sem

seleção e também todo(a)s o(a)s outro(a)s que prestavam o exame de seleção

ainda eram crianças. É bem verdade que muitos dos alunos que ingressavam no

Colégio através do exame de seleção haviam passado por cursinhos preparatórios

para concursos, os pré-vestibulinhos e com isso vinham mais “adestrados” e com

mais conteúdo; porém, não vinham menos infantis. Talvez um pouco mais

disciplinados, apenas talvez. Nessa ocasião, o conjunto de especialistas explicitava,

de forma inequívoca em sua maioria o fato de não gostarem de trabalhar com a

antiga 5ª série (atual 6º ano), pois dava trabalho demais e status de menos.

Nos programas de 4ª e 5ª séries, (atuais 5º e 6º anos) pode-se notar, em um

bom número de casos, que a matéria da 5ª série era em grande medida uma

repetição da matéria da 4ª série, o que registrava o traço de uma corrida para

antecipar conteúdos da série seguinte. Por isso os cursos preparatórios para as

seleções de 4ª e 5ª séries terem sido chamados de minivestibulares – ou

“vestibulinhos”.

Por que isso acontece? Com o que se está lidando? Para buscar a história

desses acontecimentos para compreender o que justifica essas atitudes frente ao

ensino da Matemática, deve-se entender o que as professoras (primárias ou

especialistas) representaram e, a partir daí, traçar algumas relações que possam

compor um cenário, um quadro que revele essa cena e dê um pano de fundo para

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buscar a compreensão. Essas professoras operam através de um conjunto de

práticas que envolvem um discurso e um método.

O QUE REPRESENTARAM AS PROFESSORAS PRIMÁRIAS DO CP II

“Mas, o que há, enfim, de tão perigoso no fato de as pessoas falarem e de seus discursos proliferarem indefinidamente? Onde afinal está o perigo? (Foucault, 1996, p.8)

Buscar encontrar esses “perigos”, essas ameaças, esse desconforto é uma

possibilidade de desvelar uma chave que revele as motivações que provocavam as

interdições nos discursos sobre o ensino da matemática produzidos pelas

professoras do Pedrinho e as do Pedrão bem como descobrir por que ocorriam e

quais eram. Foi identificada uma disputa travada pela hegemonia sobre o texto da

matemática que viria a ser produzido no ensino fundamental do Colégio com a

criação do Pedrinho. Também porque o CP II passou a construir outro ideário de

qualidade tendo como âncora o 1º segmento pois com isso passou a ser uma escola

completa na atualidade. Esse novo Colégio veio trazendo de novo o movimento de

vanguarda da educação tal como ocorrera em 1929/30, com a atenção ao ensino

primário com ênfase na educação de crianças dos 7 aos 14 anos, considerando o

aluno(a) como centro do processo de ensino-aprendizagem. O movimento de

atualização/reforma do ensino da matemática encontrou uma nova porta de entrada

no Colégio, a porta do Pedrinho e pelas mãos das professoras primárias. Que

problema que pode haver no fato de as mudanças para a matemática serem

propostas por suas usuárias e não por suas formuladoras? “O discurso não é

simplesmente aquilo que traduz as lutas ou sistemas de dominação, mas aquilo por

que, pelo que se luta, o poder do qual queremos nos apoderar”. (Foucault, 1996,

p.10).

O que aconteceu – e acontece - no Colégio com relação ao que

inicialmente será tratado como diferença de metodologia para o ensino da

matemática no 1° e no 2° segmento do CP II, passava pelo desejo de apropriar-se,

empoderar-se e, por fim, apoderar-se desse texto que alterou a narrativa da história

do ensino da matemática no CP II - o que se pode ver nos planos de matemática

das séries finais, através de um texto em que também se apresentam referencias

baseadas na teoria de Jean Piaget. Quais seriam os atores a protagonizar esta outra

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história e que história seria essa, é o que se busca discutir trazendo à tona algumas

possibilidades para a reflexão e indicando alguns traços dessa trama constituída

com a proposição de um modelo para o ensino da matemática que, apesar de estar

contido no movimento de reforma, atualização e democratização do ensino dessa

disciplina/atividade, não era praticado no Pedrão da mesma forma como foi previsto

para o Pedrinho.

Desde a alta idade Média, o louco é aquele cujo discurso não pode circular como o dos outros: pode ocorrer que a sua palavra seja considerada nula ou não seja acolhida, não tendo verdade nem importância, não podendo testemunhar na justiça, não podendo autenticar um contrato. (Foucault, 1996, pp. 10/11)

Como se pode buscar compreender a palavra da professora primária no CP

II, uma profissional de formação precária (MARCÍLIO, 2005), como podem seus

saberes, seu discurso, sua produção validar um programa de ensino, “ ... autenticar

um contrato”, o programa de ensino do CP II, ainda que sendo no primário? Como

pode uma docente submetida a uma formação que vem sendo sistematicamente

deteriorada, como afirma Marcílio, ser portadora ou ter um discurso que comporte “

estranhos poderes, o de dizer uma verdade escondida, o de pronunciar o futuro, o

de enxergar com toda ingenuidade aquilo que a sabedoria dos outros não pode

perceber?" (Foucault, 1996, p.11).

Como poderia a professora primária apresentar-se dominando e praticando

uma matemática, pois não importa qual matemática, a quem está dirigida, em que

fase, se a matemática era historicamente domínio das expertises. Assim a palavra

da professora primária do CP II poderia ser equiparada a palavra do Louco

(Foucault, 1996, p.11), “a palavra que não era ouvida (...) ou caía no nada, rejeitada

tão logo proferida; ou então nela se decifrava uma razão ingênua ou astuciosa, uma

razão mais razoável do que a das pessoas razoáveis.” De qualquer modo, excluída

ou secretamente investida pela razão, no sentido restrito, ela não existia. “Era

através de suas palavras que se reconhecia a loucura do Louco; elas eram o

LUGAR onde se exercia a separação, mas não eram nunca recolhidas ou

escutadas”. (Foucault, 1996, p.11)

Esse destaque em Foucault oferece uma oportunidade para compreender o

que aconteceu no início da trajetória do curso primário no CP II, especificamente no

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que se refere à construção da proposta de ensino de matemática para o 1°

segmento. Ficam definidos simbólica e fisicamente os lugares de cada discurso. As

unidades escolares, os departamentos pedagógicos, os Pedrinhos, o Pedrão e a fala

das “Pedritas”.

Jamais antes fim do século XVIII, um médico teve a ideia de saber o que era dito (como era dito, por que era dito) nessa palavra que, contudo, fazia diferença. Todo esse imenso discurso do Louco retornava ao ruído; a palavra só lhe era dada simbolicamente, no teatro onde ele se apresentava desarmado e reconciliado, visto que representava aí o papel de verdade mascarada. (Foucault, 1996, pp.11/12 )

Demorou-se muito a pensar em estudar o que estava por trás da

matemática ensinada no primário, que era uma reprodução ligeira do que se dava

aos jovens e adultos, ou, quando feita para crianças não passava de brincadeira de

fazer contas com muitos desenhos. Talvez, em função disso, as professoras peçam

que em programas de capacitação que se lhes apresente uma maneira de fazer a

matemática mais prazerosa, e pedem para saber de onde vem e para onde vai a

matemática que é vista no primário. O que são as tais estruturas algébricas? Isso

não é perguntado. Diante do fato de essas professoras virem a hegemonizar esse

texto, qual seria a estratégia para disputá-lo? Interditá-las, “Ignorar, não dar retorno,

fingir que não houve / ouve . . .” (Foucault, 1996, p.14), através da interdição do seu

texto, do seu discurso, desqualificando seus saberes por não conterem mais

matemática. “Se é necessário o silêncio da razão para curar os monstros, basta que

o silêncio esteja alerta, e eis que a separação permanece.” (Foucault, 1996, p.13)

O difícil diálogo na prática das teorias de aprendizagem, os princípios

teóricos e metodológicos com os conteúdos de matemática explicitam, talvez, o

impedimento dessas escutas. Contudo os conteúdos de matemática apresentados

no único programa sistemático de formação realizado no CP II após a criação do

Pedrinho não foram aprofundados, mas a parte teórica e metodológica convenceu

de tal forma o grupo de professoras que garantiu que essa proposta fosse parâmetro

e alterasse em certa medida o texto do programa de matemática do Pedrão, ainda

que a incorporação das mudanças tenha acontecido de forma desigual entre os

segmentos. Contudo, pode-se perceber certa permeabilização no trecho do PGE de

Matemática de 1991 nas suas considerações preliminares:

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O desenvolvimento de conceitos na criança deve, procedendo do modelo físico, passar pelo simbólico e atingir o abstrato. O desenvolvimento da linguagem matemática é processo gradual que envolve capacidade de descrição e de retenção ao longo de vários estágios. (PGE de Matemática, 1991)

O Pedrão permite-se em seu discurso insinuar as contribuições das teorias da

aprendizagem e em sua estratégia didático pedagógica para a 5ª e 6ª séries prevê:

1. Desenvolver o ensino intuitivo dentro de uma estrutura didática, para possibilitar a percepção sensível e o pensamento; 2. Recorrer à intuição, de forma viva e concreta, para interpretar a essência do que foi ministrado e relacionar o universo da matemática com os problemas do mundo real. 3. Evitar permanentemente raciocinar pelo educando, deixando-o concluir, por si mesmo, determinadas fases da exposição, através do raciocínio intuitivo.

Na medida em que a instituição admite a hierarquização em seu interior, a

partir das práticas discursivas de seus atores, quando pretende manter a hegemonia

sobre o discurso deve considerar que essa hierarquização não se dá sem pressão,

sem violência (os autoritarismos) e sem resistência. Uma resistência que provoca

um tensionamento que faz emergir uma falsa oposição (Foucault, 1996): razão

(Pedrão) entendida como uma fala de quem sabe x loucura (Pedrinho), um discurso

não autorizado de quem não sabe matemática.

No CP II os investimentos sobre o ensino da matemática foram determinantes

à compreensão deste quadro. As professoras primárias foram as novas

protagonistas que passaram a atuar no Colégio, a partir de 1984. Elas foram

tratadas como “filhas” por sua juventude, daí o tratamento que sempre justificou-se

como carinhoso de “Pedritas” (em referência à filha da família Flinstone). Filhas de

Pedro... Pedritas. Ser professora do CP II significava ter sido aprovada em concurso

público bastante concorrido para ingressar no quadro docente dessa tradicional

escola. Entrar era apenas a primeira parte. Atuar, intervir era o que dava sentido a

ser professora no CP II.

O ensino de matemática, como discurso de verdade, dá sustentação à

exclusão baseado na ideia de que somente alguns são capazes de saber

matemática; matemática não é para todos, e isso é legitimado por um suporte

institucional apoiado por uma vontade de verdade (Foucault, 1996), na medida em

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que é quase natural ou já se espera que um grande número de alunos fiquem para a

prova final ou mesmo que repitam o ano por causa da matemática.

Quem problematiza esse discurso de verdade através de sua própria

contradição, e também conflito, é a professora primária, que é a base de

sustentação da educação básica, atua em todas as escolas públicas e particulares e

confessa, em grande parte, que tem “problemas” com a matemática.

Em função disto sua palavra é proibida, interditada e quando passa os

estudantes aos cuidados da professora especialista, o que na educação básica

corresponde a 7 anos, esta última tenta desqualificar o trabalho anterior,

menosprezando o que o ensino primário tem de precioso, que é aliar aprendizagem

e ludicidade. Ao tratar a brincadeira como algo não sério, não merecedor de

atenção, como coisa de criança, sem consequência porque não atende, ignorando o

formalismo, o rigor da matemática. Quem assume a atitude de desqualificar a

brincadeira mostra ignorar que formalismo e rigor são bastante impróprios e

improdutivos nesse segmento.

Para as especialistas em matemática que atuam no 2º segmento e no ensino

médio, de maneira geral, a matemática deveria ser rigorosa, e não necessariamente

prazerosa. Nesse sentido a Professora Primária encarnaria a louca, a criança, a

ignorante de Foucault, e teria seu discurso proibido, interditado nos anos finais e no

ensino médio da escolarização básica. Isso acontecia de forma bastante acentuada

logo que o Pedrinho foi criado, mas esse cenário foi se tornando permeável às

alterações na cultura escolar em seu interior; porém, as alterações ocorreram no

sentido de o Pedrinho ir perdendo sua identidade mais autêntica, o conteúdo da

proposta foi um pouco esvaziado.

Observando algumas fichas técnicas de livros didáticos para os anos iniciais é

possível verificar que as professoras/autoras não se apresentam como professoras

primárias/polivalentes, e sim como pedagogas e/ou licenciadas. Isso pode nos levar

a crer que o título de Professora Primária num livro de matemática, ainda que seja

para o 1º segmento, não confere status às autoras, mesmo sabendo que o melhor

da experiência que agrega os melhores e mais preciosos valores ao livro vem da

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experiência em lecionar nas séries iniciais, portanto devido à sua habilitação de nível

médio para lecionar de 1ª a 4ª série.

Contudo, esse velho discurso da verdade, da matemática para poucos, que

há bastante tempo vem sofrendo um grande desgaste, ainda encontra alguma

sustentação que o mantém na medida em que pouco se alteram os currículos de

formação de Professoras no sentido de incluir mais conteúdos pedagógicos ou da

filosofia e psicologia de educação Matemática. Constata-se que ainda é dada muita

ênfase aos conteúdos matemáticos estritos como se a Matemática não passasse

disso. Para compreender o que se passa vale recorrer a outro questionamento

apresentado por Foucault:

E a razão disso é talvez esta : é que se o discurso verdadeiro não é mais, com efeito, desde os gregos, aquele que responde ao desejo ou aquele que exerce poder na vontade de verdade, na vontade de dizer esse discurso verdadeiro, o que está em jogo, senão o desejo e o poder? (Foucault,1996, p.20)

4.5 O IDEÁRIO, as crenças e a vontade de verdade

sobre o ensino da Matemática no CP II.

Raja Gabaglia, Euclides Roxo e Almeida Lisboa

Vontade de verdade: apoiada sobre um suporte e uma distribuição institucional tende a exercer sobre os outros discursos (...) uma espécie de pressão e como um poder de coerção. (Foucault, 1996, p.18)

Entre o Pedrinho e o Pedrão existia uma lacuna produzida pela diferença

entre o discurso historicamente elaborado sobre o ensino de matemática e o novo

texto que foi trazido pelas professoras primárias. Existia uma dissonância inicial

entre as concepções, ideias com relação ao ensino da Matemática, à metodologia e

a orientação teórica sobre a construção do conhecimento em Matemática. Uma

questão que mobilizava as professoras do 2º segmento do fundamental referia-se ao

fato de que a sistematização e uso de símbolos não eram prioridades nessa

concepção curricular predominante entre as professoras do 1º segmento.

De onde vinham essas diferentes concepções? Esse é um problema que a

discussão sobre esse ideário ajudará a compreender, mostrando vestígios sobre as

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matemáticas praticadas no Colégio e estabelecendo uma relação com o que veio a

afetar a formação continuada das professoras.

As lutas de representação em torno de ser professora do CP II, não

importando o segmento e a disputa pela hegemonia do que viria a ser o ensino da

matemática no curso fundamental, haveriam de passar, transpor ou transformar o

que era estabelecido sobre a matemática no Colégio para dialogar sobre esse texto

e, enfrentá-lo, entendendo que: “A realidade está em permanente transformação

através da nossa ação criativa. (...) Introduzindo novos fatos, produto de nossa ação

individual ou de uma ação comum”. (D’Ambrosio, 2001, p.118).

Essa narrativa vem buscando capturar essas ações individuais e coletivas

para responder a questão central e mais uma vez precisa encontrar os homens

dentro do CP II e num tempo mais adiante, as mulheres, como vimos.

Nesse sentido procuramos ver como funcionava o ensino de matemática no

colégio num tempo de transformação, conhecer o ideário e encontramos educadores

matemáticos que, por pouco não colocaram o CP II como um grande pólo de

educação matemática desde o início do século XX, mas ainda assim,

protagonizaram e mesmo estabeleceram importantes transformações como no caso

Euclides Roxo, reconhecido e citado em análise crítica ao colégio, Choeri (s/d)

comenta comparando o potencial dos professores do colégio com os da escola

politécnica (Escola de Engenharia):

Os professores Lisboa da Cunha, Euclides Roxo, Josué da Fonseca, José Carlos de Melo e Souza e Julio Cesar de Melo e Souza, Jorge Kubrusly, Lauro Pastor, José Buarque de Santa Maria se distinguiram na docência sem, no entanto, introduzirem grandes inovações metodológicas. (Choeri, s/d, p. 20).

Esse texto sobre o “ideário” é composto por crenças e vontade de verdade em

torno da tradição, modernização e conservadorismo. Para representar esse ideário

serão destacados os professores de matemática, catedráticos, Raja Gabaglia,

Euclides Roxo e Almeida Lisboa.

Discurso verdadeiro – pelo qual se tinha respeito e terror (...) era o discurso pronunciado por quem de direito e conforme o ritual requerido.” (...) era discurso que profetizava o futuro, não somente anunciava o que ia se

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passar, mas contribuía para a sua realização, suscitava a adesão dos homens e se tramava assim com o destino. (Foucault, 1996, p.15)

Em matemática pode-se constatar isso através da firmeza ou da fragilidade

em torno de alguns enunciados.

Através de citações de Gabaglia pode-se capturar a tradição, já com Thiré e,

notadamente com Roxo, vislumbra-se a modernidade; e com Almeida Lisboa capta-

se o conservadorismo. A partir daí localiza-se a disputa pela hegemonia do discurso

sobre o ensino de matemática que será praticado no Colégio.

Sobre o que se passava dentro do Colégio com relação ao ensino de

Matemática – o ideário e a transformação dessas crenças, merecem citações

extraídas de Valente (2003), sobre as influências sobre o ensino da matemática, que

perpassavam os enunciados ditados pelos seus catedráticos e professores ditos

ilustres pelo fato de exercerem suas atividades docentes no Colégio. Esse ideário

atravessou o século XX e foi em meio a este texto atravessado pela tradição,

conservadorismo e modernidade que a proposta do Pedrinho veio a ser lançada.

Pode-se dizer que esse era um dos enunciados que compunham o ideário

sobre a matemática no CP II no final do século XX, quando foi criado o Pedrinho,

em1984. Eles foram, de certa maneira, reeditados e reeditá-los foi o desafio da

equipe que operou a matemática no primário do Colégio.

Caminhou-se desde Euclides Roxo através de suas ponderações para

verificar como se encontrava o Colégio em 1984, a fim de entender as permanências

do discurso e onde se poderia dialogar e avançar no sentido de consolidar e

aprofundar, ou mesmo dar continuidade, ao movimento de reforma da matemática

que passava por uma reedição após um momento de refluxo. “Tão exagerada

preocupação de prematura organização lógica deu ao ensino um cunho quase

inacessível à maioria dos jovens. A dificuldade no estudo da matemática tornou-se

por assim dizer, proverbial” (Valente apud Roxo, 1937, p.160).

Tal situação não poderia deixar de despertar a atenção daqueles que,

primeiro, passaram a não considerar exclusivamente o objeto de ensino (a disciplina

ou matéria a ser ensinada) passando a dar um pouco de atenção ao sujeito, o ser

humano, que deve receber o ensino.

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Um debate em torno da tradição, modernidade e conservadorismo, permitiu e

permite ainda hoje elencar que se trata aqui por crenças, e refletir sobre como

ensinar matemática no CP II e debater o conflito provocado a partir dessas crenças.

É possível ainda detectar algumas permanências nas ideias que sustentavam

o ensino de matemática no Colégio por ocasião da criação do Pedrinho e o que as

professoras primárias tiveram que enfrentar, questões que estavam explicitadas no

ideário conservador de Lisboa. O debate das ideias em favor da

reforma/modernização do ensino de matemática e das posições

contrárias/conservadoras era travado entre professores de matemática do próprio

Colégio. A afirmativa de Lisboa “estamos formando uma geração de ignorantes” foi

reverberada veladamente/subliminarmente em vários contextos de reuniões de

professore(a)s do CP II, a tal ponto de se aplicar prova aos aluno(a)s oriundo(a)s do

Pedrinho, especificamente, quando há muito tempo não havia mais o exame de

seleção interna.

No Pedrinho de 1984/87 essa disputa foi de certa maneira revisitada, com a

diferença de que a disputa pela hegemonia do texto sobre o currículo da matemática

se dava entre catedráticos, homens de mesma formação, contemporâneos que,

apesar de terem diferenças mesmo em algumas concepções para o ensino, tinham

a mesma base comum e atuavam no mesmo segmento de ensino e contexto

educacional. Eles falavam do mesmo lugar já afirmado. O debate tinha o mesmo

princípio pois tratava-se do embate entre o conservadorismo e a modernização.

No Pedrinho, os sujeitos que disputavam falavam de lugares sociais distintos,

da escola normal de nível médio e das licenciaturas (nível superior). Eram

professoras polivalentes, professoras primárias versus professoras especialistas. A

fala do Pedrão – padrão, tradicional versus a fala do Pedrinho, uma página em

construção.

O discurso conservador não havia mudado muito, era difícil aceitar que a

matemática deveria estar ao alcance de todos e todas. Facilitar o acesso à

matemática significava descaracterizá-la, rebaixá-la, baixar o nível do ensino. Ouviu-

se a mesma ideia em 1984/87. Ouviu-se um discurso com a crença na educação da

elite, para se manter elite e, para tanto, havia de se criar mecanismos de seleção e

exclusão. Dessa forma estaria a serviço da classe dominante, entendida como a vilã.

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RECONHECENDO EUCLIDES ROXO53:

Delgado de Carvalho, seguido de Euclides Roxo, quando dirigiram o Colégio Pedro II, tentaram ambos, imbuídos e entusiasmados pelas idéias de Jonh Dewey, implantar modificações na estrutura educacional do educandário e sob a influência das teses defendidas pela Escola Nova, foram mal sucedidos . . . Bloqueados ... (Choeri, s/d, p. 21,22).

1929 – Reforma do e3nsino da Matemática no CP II

1929/31 – Presença de Roxo na ABE fazendo parte da comissão do ensino

secundário

1931 – As ideias de Euclides Roxo foram adotadas na reforma Campos

1932 – Lançamento do Manifesto dos Pioneiros. Roxo diretor do CP II. Certamente

teve posições frente às ideias desses intelectuais escolanovistas.

Movimento Escola Nova: deu ênfase aos “métodos ativos” de ensino aprendizagem;

importância à liberdade da criança e aos interesses dos estudantes, adotando-se

métodos de trabalho de grupo.

1935 – Terminou a gestão de Roxo como Diretor Geral do CP II, cargo que exercia

desde 1925. Foi diretor do internato e do externato.

1937 - Nomeado Diretor de Ensino Secundário do Ministério da Educação e Saúde.

Fez parte de comissão com essa finalidade na ABE.

1942 – Roxo também desempenhou papel de destaque na reforma Capanema

(1942 – Lei Orgânica do Ensino Secundário).

1950 – Morreu jovem, aos sessenta anos (1890/1950), deixando seu legado para o

ensino da matemática no Brasil. Suas ideias foram polêmicas, produziram

acalorados debates públicos, foram firmemente criticadas por colegas do CP II. O

Colégio apresentou traços de realmente ter em seu interior espaços de contradição

que ajudaram a caracterizá-lo desde os idos de 1929/30, quando em meio a um

período autoritário ele conseguiu conduzir o debate em torno de idéias

53

Síntese e comentários para um breve reconhecimento da figura do Professor Euclides Roxo organizada a partir dos textos in Valente, 2003.

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modernizadoras, sendo ele mesmo um antirrevolucionário. É interessante verificar o

destaque que Roxo atribuiu à visão psicológica na educação, o que no Pedrinho

correspondeu à ênfase aos aspectos ligados à psicologia genética baseada em

Piaget que vinham sendo debatidos, aprofundados e serviam de referência a muitos

textos usados no 1º segmento nas décadas de 1980/90.

Aqui, essas ideias trazidas por Roxo, em 1937, podem remeter às interdições

ao discurso no que toca à distribuição da informação, à divulgação. Foi observado

que pouco se falou de Euclides Roxo associado à educação dentro do CP II em um

momento em que o discurso da modernização do ensino da matemática voltou ao

Colégio nos encontros dos departamentos do 1º segmento e de matemática.

Debateu-se Piaget, encontrou-se muita resistência, mas não se falou de Roxo, pois

este, sendo ele um professor de matemática, na verdade, um educador matemático

não estaria acessível às professoras primárias. Elas não o compreenderiam . . .,

Porém as ideias de Roxo eram as que, em grande medida, davam sustentação aos

princípios trazidos na proposta para o ensino de matemática no Pedrinho, mas as

contribuições de Euclides Roxo não foram trazidas à pauta dos debates sobre o

ensino da matemática em 1984.

O que se pode dizer sobre esse apagamento das idéias dentro do Colégio?

As professoras primárias não tinham argumentos ou informações suficientes para

esse enfrentamento nesses termos; as licenciadas também não. Não houve tempo?

Talvez, quem sabe, ou até interesse de se aprofundar estudos sobre educação e

educadore(a)s matemático(a)s. Fato é que foi perdida uma ótima oportunidade na

ocasião de trazer essas contribuições, que não foram poucas, para o debate,

atualizando-o.

“A vontade de verdade como outros mecanismos de exclusão, apoia-se no suporte

institucional garantido por um conjunto de práticas (as provas). (Foucault, 1996,

p.17)

Os investimentos sobre o discurso que sustentavam o ideário sobre a

qualidade do ensino de matemática era sustentado pela chancela do nome do

Colégio e pelo fato de o grande educador matemático, um ícone do movimento da

reforma da matemática no país, especialmente no CP II, ter sido diretor geral do

Colégio e membro do Conselho de Educação nos idos de 1930. Além do fato de os

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professores do Colégio protagonizarem importantes debates sobre educação

matemática no período das primeiras reformas educacionais, mais notadamente nas

reformas Campos e Capanema. O Prof. Euclides Roxo, catedrático e diretor geral do

Colégio, influenciou as orientações para o ensino da matemática no país. Seus

argumentos ensejaram acalorados debates o que também contribuiu para a sua

projeção no cenário educacional do país.

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CAPÍTULO 5

O PROGRAMA DE ENSINO DE MATEMÁTICA PARA AS SÉRIES INICIAIS

DO COLÉGIO PEDRO II

Figura 1: Esquema de Encadeamento dos Conceitos (PGE1986) Esquema original, manuscrito apresentado pela autora da proposta Profa Diva Noronha

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5.1 A PROPOSTA PARA O ENSINO DE MATEMÁTICA QUE VEIO A SER

PRATICADA NO PRIMÁRIO DO COLÉGIO PEDRO II

Tudo o que o homem diz ou escreve, tudo o que ele fabrica, tudo o que ele toca, pode e deve informar sobre ele. (Bloch, 2003, p. 79)

O ensino de matemática elaborado para seu jovem curso primário não fugiu a

consígnia de protagonista das alterações em educação e trouxe sua contribuição

projetando-o mais uma vez. Para efeito desse estudo consideraremos que a

proposta foi um texto, um discurso que constrói e alicerça relações de poder entre

quem sabe e quem “não sabe” matemática e a partir daí, será tratado como um

importante campo de disputa discursiva no CP II, em torno da hegemonia desse

texto. Para compor esta análise serão considerados os sujeitos e as relações que se

estabelecem a partir da constituição deste discurso com relação às interdições

impostas para a apropriação do mesmo, uma vez que quem detinha o poder de

enunciá-lo e anunciá-lo no CP II antes da criação do Pedrinho, quem hegemonizava

esse texto, eram aquelas Professoras que possuíam Licenciatura Plena em

Matemática e assim foram durante muito tempo.

A proposta apresentada para análise foi descrita em planos gerais de ensino

oficiais que vieram a guiar o processo de ensino e aprendizagem de matemática

para o recém inaugurado 1º segmento no CP II. Este Plano era o PGE – Plano Geral

de ensino, uma publicação de circulação interna ao Colégio, que apresentava

princípios, objetivos e programa de ensino, plano de curso que deveria ser seguido

por todo e cada departamento pedagógico.

Os PGEs eram apostilas de páginas espiraladas, destinada aos professores e

professoras do departamento do 1º segmento, e desta maneira funcionavam como

guia de orientação curricular que continha a proposta programática para o curso de

cada disciplina no Colégio e que conduziam e regulavam todo processo de ensino,

aprendizagem e avaliação de alunas e alunos em todos os departamentos

pedagógicos do Colégio.

Esses planos tinham uma parte geral comum destinada a todos os

Departamentos e a apresentação geral do Colégio, da estrutura, dos princípios

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gerais, caracteriza os setores SOE e STEA e tratava do sistema de avaliação. Em

seguida vinha a parte específica com as diretrizes do departamento e que discorria

sobre os conteúdos programáticos de cada departamento.

Os planos de ensino disponibilizados para esta pesquisa, abriam com créditos

que demonstravam a estreita relação do Colégio com o Ministério da Educação, em

seguida vinha a relação do staff que compunha a direção administrativa e

pedagógica do Colégio, diretore(a)s de unidade, secretário de ensino, chefe de

departamento, membros da congregação e conselho de curadores, mais adiante

uma apresentação geral do Colégio, logo após a apresentação do Pedrinho feita

pelo Diretor Geral e no final da abertura, as “palavras da chefe de departamento”.

Essas aberturas tiveram alterações em diferentes edições. Nos PGEs havia uma

parte comum que falava do Colégio como um todo e uma parte específica com as

diretrizes do departamento. O texto inicial era de caráter ideológico e unificador que

fazia a apresentação à comunidade do Colégio e à sociedade, a estrutura técnico-

pedagógica, a sistemática de avaliação e o texto de cada disciplina que consolidava

o ideário em cada proposta de programa de ensino com a relação de conteúdos

programáticos. No plano também constava uma nominata da(o)s docentes do

departamento. Cada departamento elaborava seu plano e com base nele

desenvolvia seu programa de ensino. Os planos de ensino eram/são feitos pelos

respectivos Departamentos, mas está previsto para sua elaboração reuniões para

integração dos conteúdos.

Os PGEs eram reeditados quando havia alguma alteração significativa no

programa, havendo sempre uma atualização, ou quando um novo grupo de

professore(a)s chegava ao departamento. O plano do Pedrinho foi sendo reimpresso

e atualizado para cada conjunto de professoras que chegavam, mas nas versões

diferentes que foram apreciadas, não havia data de reimpressão.

A proposta de ensino para o primário do CP II foi editada em quatro PGEs.

Foram planos de ensino que resultaram do trabalho da equipe de professoras ao

qual foi incorporado um grupo de assessoras. Houve uma edição para guiar o

processo pedagógico no ano em que o 1º segmento iniciava, que vigorou em

1984/85, em seguida a edição de 1988 já com a idéia de construir uma proposta que

conferisse organicidade e identidade pedagógica ao segmento quando já

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funcionavam as primeiras quatro unidades de 1º segmento e uma turma de

aluno(a)s do primário já saía para o Pedrão, depois em 1996/97 uma terceira edição

foi lançada quando começou a mudar o formato do plano, sendo editado um livro

para cada segmento contendo por nível todas as atividades/disciplinas. Por último foi

editado o Projeto Político Pedagógico PPP_2001, que foi elaborado por

determinação da LDB 9394/96.

O PPP tinha uma disposição e uma materialidade diferente que alterou de

maneira mais significativa o formato dos PGEs, apresentando todos os planos juntos

em um único plano onde, ao invés de objetivos a serem alcançados, havia uma

relação de competências e habilidades a serem mobilizadas, com o intuito de

promover a construção de um programa interdisciplinar, uma vez que este plano

passou a conter todas as propostas e o conjunto da programação pedagógica de

todas as disciplinas em um só documento, o que pode significar a consolidação de

uma unidade político pedagógica na organização curricular do Colégio e favorecer a

construção da interdisciplinaridade. Esse projeto vem sendo atualizado

periodicamente nas suas propostas curriculares. O texto do PPP pode ser

considerado a carta de identidade pedagógica do Colégio.

Pode-se dizer algo sobre os planos, a partir do lugar onde foram encontrados.

Poucas pessoas têm todos esses planos, não havia uma cópia de todas as edições

no NUDOM, nem foi achado nas unidades escolares. Foi encontrada uma cópia no

arquivo do departamento, outra na secretaria de ensino e outras nos arquivos

pessoais de professoras, de modo que este material ainda não está disponível para

ser facilmente acessado por todo(a)s interessado(a)s.

5.2 BUSCANDO CARACTERÍSTICAS DA PROPOSTA

Os departamentos pedagógicos eram responsáveis por ordenar a elaboração

da estrutura curricular das disciplinas através de um documento, o Plano Geral de

ensino – PGE, esses documentos faziam parte de uma série iniciada em 1981. O

plano era definido com chefe de departamento e o/as coordenadore/as de cada

disciplina nas unidades escolares, após ouvirem o/as professore/as.

A história produzida através desses documentos é a história dos referenciais

que foram utilizados de forma sistemática na elaboração da proposta de ensino do

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primário do CP II. Os PGEs e outros guias e materiais utilizados serviram para

unificar a proposta curricular do Departamento, tendo sido também usados no

processo de formação das professoras.

Os planos gerais de ensino constituíram importantes instrumentos de

unificação didático-pedagógica e porque não dizer também ideológica (Choppin,

2005), porque em certa medida foram objeto de regulamentação da proposta que

veio a ser desenvolvida em todo o Departamento.

Dos planos de ensino do 1º segmento destacaremos a apresentação e

objetivos gerais, o programa de matemática e vamos nos deter a título de

exemplificação a maneira com que foi tratado o conteúdo “sistema de numeração”.

Em 1984 foi necessário elaborar uma proposta de ensino para o 1º segmento

que naquele momento estava se estruturando e ainda não era um departamento. Foi

feito, então, um primeiro plano PGE/1984 pela equipe de professores, como

podemos ver na transcrição de alguns trechos.

MEC – COLÉGIO PEDRO II DIRETORIA GERAL UNIDADE SÃO CRISTÓVÀO II EQUIPE DE PROFESSORES OBJETIVOS EDUCACIONAIS NO 1º SEGMENTO DO 1º GRAU Currículo Comunicação e Expressão: Língua Portuguesa, Teatro, Música, Biblioteca, Artes Plásticas e Educação Física Integração Social Iniciação à Ciência Iniciação à Matemática (PGE_ 1984)

Este primeiro plano não continha palavras de abertura do Diretor Geral, que

apresentassem este novo segmento do Colégio à comunidade, mas podemos

verificar os objetivos propostos para o segmento.

OBJETIVOS EDUCACIONAIS NO 1º SEGMENTO DO 1º GRAU A prática educativa do Colégio Pedro II será orientada de modo a levar a criança a reinventar o conhecimento e, encorajada pelo Professor, encontrar por si mesma os modos de resolver problemas que desafiem sua curiosidade e que estimulem sua reflexão. Nesse contexto, o Educador deixa de ser um mero transmissor de conhecimentos e passa a ser aquele que proporciona à criança a oportunidade de: Ver e compreender a realidade Expressar a realidade e expressar-se

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Descobrir e assumir a realidade de ele mesmo ser elemento de mudança da realidade. Com a ajuda dos Professores, as crianças irão desenvolvê-lo, localizando-se com adequação no tempo e nas circunstâncias em que se vive, para chegarem a ser verdadeiramente pessoas, isto é: indivíduos capazes de criar e transformar a realidade em comunhão com seus semelhantes. (PGE, 1984)

Era apresentada a programação curricular estabelecida nessa ocasião

apenas para duas séries (1ª e 2ª séries), pois as unidades escolares do Pedrinho

começavam somente com as duas séries e o curso ia se completando anualmente.

Destacamos deste plano inicial que havia somente uma unidade escolar com uma

pequena estrutura com uma Direção e cinco equipes de coordenação: uma de turno,

uma didático pedagógica, registro escolar, apoio administrativo e a equipe de

regentes. Todas essas equipes eram compostas por Professoras Polivalentes a

exceção da equipe de apoio administrativo que era composta por servidore(a)s não

docentes pertencentes ao quadro administrativo do Colégio.

No que concerne aos objetivos educacionais do 1º segmento destacamos o

trecho abaixo, que diz respeito à Matemática inicialmente inscrita como Iniciação à

Matemática e mais adiante tratada somente por Matemática:

Matemática O ensino de Matemática tem como objetivo: Proporcionar à criança a oportunidade de vivenciar experiências concretas para, através delas, ser capaz de: - Comparar – descobrir semelhanças e diferenças - Estabelecer relações - Concluir - Avaliar Desenvolver o pensamento lógico, através do reconhecimento das estruturas comuns a diversas experiências tanto qualitativas quanto quantitativas. Desenvolver o pensamento lógico, através de experiências no plano concreto, chegar progressivamente às operações no plano abstrato. Promover oportunidade de experiências que assegurem à criança a possibilidade de aplicar processos quantitativos em situações de vida, dentro e fora da escola. Propor atividades tais que, permitam que a criança descubra o gosto de pensar e de usar seu raciocínio para descobrir conceitos ou resolver situações apresentadas. (PGE, 1984)

O primeiro plano (1984) abordava também a metodologia de trabalho

desenvolvida no 1º segmento do 1º grau e nesse trecho podemos notar

marcadamente a orientação do parecer 853/71 e uma preocupação em trabalhar no

sentido de garantir a diversificação, respeitadas as diferenças e observar o aspecto

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lúdico, apresentando jogos, materiais didáticos buscando desenvolver o trabalho

escolar de forma prazerosa, bem adequada ao ensino deste segmento marcando a

diferenciação que se inseria no Colégio.

A metodologia que acreditamos ser a mais adequada para atingir tais metas, deverá valorizar o sentido lúdico das atividades curriculares, colocando o aluno como sujeito do processo ensino aprendizagem. 1. Criar oportunidades para que os alunos discriminem semelhanças e diferenças que possibilitem a classificação e o estabelecimento das relações entre diferentes seres, objetos e situações; Possibilitar a vivência de situações que envolvam a organização espacial e temporal, estabelecendo relações de ordem, sequência e simultaneidade entre diferentes seres, objetos e acontecimentos. (PGE_ 1984 – grifos meus)

A proposta para o ensino de matemática das séries iniciais do CP II foi

apresentada em quatro PGE’s. Os planos de ensino resultaram do trabalho da

equipe de professore(a)s e a esta equipe foi incorporado um grupo de assessoras

em 1986, que desenvolveram um programa de formação continuada em serviço

Em 1985, com a primeira expansão do segmento já havia a idéia de se

construir uma proposta que unificasse os princípios pedagógicos do departamento

criado em 1986 e uma nova edição foi elaborada em 1986/7, produzido pelas

professoras do Pedrinho já contando com auxílio das assessoras que faziam a

formação das professoras. Este plano será o material que dará suporte a análise da

proposta, podendo ser considerado a primeira orientação curricular unificada para

este segmento no Colégio e deu as primeiras diretrizes para o desenvolvimento do

processo de ensino da Matemática do Pedrinho. Este plano de Matemática foi

elaborado por/com a Profª Diva Noronha – assessora pedagógica de Matemática.

Em 1996/7 foi lançada uma edição comemorativa dos dez anos do Departamento,

com atualizações significativas aos planos anteriores. Encontramos este trecho no

plano de 1988 que explicita alguns pressupostos que pautaram a proposta de

matemática.

PLANO DE CURSO Área MATEMÁTICA 1988 APRESENTAÇÃO A orientação a ser dada à educação matemática depende, naturalmente, da interpretação adotada para o desenvolvimento psicológico ou de aquisição de operações e estruturas lógico – matemáticas. Acredita-se que existe, na função do desenvolvimento da inteligência como um todo, uma gradual e espontânea construção das estruturas lógico –

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matemáticas elementares e, também, que a lógica não provem da linguagem, mas de fonte mais profunda, podendo ser encontrada na coordenação geral das ações. De fato, antes de qualquer linguagem, num nível puramente sensório – motor, as ações são suscetíveis de repetições e a generalizações constrói, assim, o que se pode chamar de “esquemas de assimilação”. Esses esquemas se organizam de acordo com certas leis e seria impossível negar a relação entre estas e as leis da lógica. Concluindo, seria um grande erro, particularmente em educação matemática, negligenciar o papel das ações e permanecer em nível da linguagem(*). Assim, apresenta-se um programa de educação matemática onde o aluno é colocado como agente da própria aprendizagem. Ao professor, cabe o papel de organizador e de orientador das atividades desenvolvidas pelo aluno, promovendo a reflexão sobre essa ação, necessária à tomada de consciência dos esquemas utilizados. Ao elaborar este trabalho, houve a maior preocupação em transmitir ao professor uma orientação prática e mais clara possível de como utilizá-lo, do que em preservar uma linguagem técnica, na maioria das vezes inacessível ao não especialista da disciplina. Considerando que o desenvolvimento mental do indivíduo depende não só de sua faixa etária, mas também das experiências por ele vivenciadas e, portanto, do meio sócio – econômico - cultural em que vive, optou-se por não fazer um seccionamento dos esquemas a serem desenvolvidos, o que parece artificial. Deixa-se por conta do corpo docente, em face de uma avaliação dos alunos de cada turma e das reações desses alunos durante o processo, o encargo de delimitar o programa de cada série. Num “mapeamento” inicial, procura-se explicitar o encadeamento dos conceitos a serem construídos. Essa construção, atendendo ao nível presumível de desenvolvimento da inteligência dos alunos de 1ª a 4ª séries do 1º grau, parte sempre de situações concretas. Situações que envolvam ações sobre: 1º) os próprios alunos; 2º) materiais concretos (manipuláveis); 3º) relatos de situações familiares ao aluno (concreto – imaginário). É importante observar que, neste processo, a nomenclatura e a notação matemática só devem ser introduzidas após o conceito assimilado. São objetivos gerais da educação matemática: Desenvolver os esquemas lógico – matemáticos próprios da faixa etária do aluno Desenvolver a capacidade de refletir quantitativamente sobre as situações de sua própria vida. --------------------------- (*) Piaget, Jean. Comentários sobre educação matemática. Conferência (PGE_ed. 1988)

Podemos dizer que os planos também cumpriram uma função ideológica

considerando como ideologia a linha teórico metodológica que dava sustentação ao

construtivismo com base na teoria de J.Piaget. Esses materiais eram instrumentos

privilegiados de construção da proposta pedagógica até porque parte do grupo de

professoras que assessoravam o Departamento divulgavam–na. Ao mesmo tempo

faziam parte da estratégia (CERTEAU, 2004) na medida em que eram responsáveis

por difundir o discurso do então criado Departamento, um discurso centralizador.

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AS INFLUÊNCIAS

É importante destacar um momento no Estado do Rio de Janeiro, a partir do

ano de 1975, quando se dá a fusão54 no estado, sob a intervenção do governo

militar, com o Presidente Geisel. Nesta fusão é promovida a junção dos estados da

Guanabara com o estado do Rio de Janeiro. Na organização deste novo estado a

Professora Myrthes Wenzel foi nomeada Secretária de Educação e sua

administração deixa marcas e influências que também participaram da história do

CP II, particularmente no Pedrinho.

A Professora Myrthes de Luca Wenzel, foi a primeira Secretária de Educação

e Cultura do Estado do Rio de Janeiro, tendo sido convidada pelo Governador Faria

Lima para coordenar os trabalhos da equipe encarregada de planejar a pasta da

Educação e Cultura. Ela também foi fundadora da Fundação Centro Educacional de

Niterói - CEN.

D. Myrthes, como era tratada, inicia o seu magistério, convocada por D.

Hélder Câmara, na segunda metade da década de trinta, personagem cuja influência

foi decisiva na sua vida profissional e de acordo com Lobo, 2005, “Vale destacar,

ainda, a criação de uma das mais importantes instituições da administração Myrthes

Wenzel, o Laboratório de Currículos, responsável pela implantação de escolas

experimentais.”

Na UDF, estabelece relações com um grupo de colegas que, juntas, seguirão

tentando implantar “uma escola diferente”. Trata-se do grupo que, sob a direção da

educadora Henriette de Holanda Amado55, reúne-se na recém inaugurada Escola

Brigadeiro Schörtch, em Jacarepaguá, na zona oeste do Rio de Janeiro. Algumas

propostas inovadoras nesta escola diferente pareciam indicar a influência de

54

Em 1º de julho de 1974, o Presidente Ernesto Geisel sanciona a Lei Complementar n º 20 que regula a criação de novos Estados e Territórios e fixa disposições para a fusão dos Estados da Guanabara e Rio de Janeiro. Os dois Estados passam a se constituir em um só, com o nome de Estado do Rio de Janeiro, a partir de 15 de março de 1975. http://pt.wikipedia.org/wiki/Guanabara. acesso em 16/01/2012 55

Henriette Amado de Holanda – educadora - figura das mais representativas e combativas na luta pela escola pública, desde a época do antigo estado da Guanabara, tinha idéias educacionais inspiradas pela filosofia de Célestin Freinet que serviram de base para a criação do Centro Educacional de Niterói por D. Myrthes. (Lobo, 2005)

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Celestin Freinet, que D. Myrthes assimilou no Centro Educacional de Niterói e com

tudo que aprendeu criou também o Laboratório de Currículos, como nos aponta o

trecho abaixo:

(...) a disseminação de princípios de uma teoria da educação fundamentada na liberdade do aluno e do professor (que pode experimentar propostas curriculares alternativas) e no caráter progressista e libertário da escola (que D. Myrthes chamou de "Escola aberta"), que se consolida no modelo do Centro Educacional de Niterói e que orientará, nos anos setenta, a proposta do Laboratório de Currículo da Secretaria Estadual de Educação do novo Estado do Rio de Janeiro na gestão Myrthes De Luca Wenzel. (Lobo, 2005)

D. Mythes permaneceu à frente da Secretaria de Educação e Cultura por todo

o período do Governo Faria Lima, mas o Laboratório de Currículos continuou um

pouco mais. O Laboratório de Currículos, este foi o nome dado ao setor que fez

parte da SEEduc_RJ e à equipe de Professoras e Professores que trabalharam sob

a orientação da Professora Circe Navarro Rivas, que teve por tarefa elaborar Guias

de Reformulação Curricular para o Estado do Rio de Janeiro. Boa parte do material

produzido por esta secretaria foi referência para o programa de ensino do primário

do CP II.

Foi elaborada uma proposta de vanguarda para o ensino da Matemática no 1º

segmento contando com o apoio teórico e prático de educadoras que atuavam na

elaboração de programas de orientação curricular e na formação de professoras do

Estado do Rio de Janeiro. Para desenvolver o processo de formação em serviço

contamos com a participação de professoras que organizaram a proposta da

SEEDUC_RJ através do Laboratório de Currículos.

Para o ensino de Matemática, a formação foi inicialmente conduzida pela

Profª Diva Noronha e depois pela Profª Leila Alcure. Tivemos também a contribuição

das Profªs Regina Benevides, Tânia Baldino e em outro momento contamos com a

participação da Professora Manhucia Libermann.

A aproximação com a equipe do Laboratório de Currículos nos colocou dentro

de uma proposta de abordagem estruturalista baseada na Teoria de Piaget, visto

que seus guias apresentavam orientações que nos aproximavam da teoria de Piaget

em quase todas as atividades das séries iniciais neste período.

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Revisitando os guias de orientação curricular do Laboratório de Currículos da

Secretaria Estadual de Educação do Estado do Rio de Janeiro.

“Somente o fim de uma época permite enunciar o que a fez viver, como se ela precisasse morrer para tornar-se um livro”. (p. 300)

56

Este material constituiu o que podemos chamar de referenciais curriculares

para o ensino primário no Estado do Rio de Janeiro no período de 1976 a 1983. Em

1985 a equipe do 1º Segmento do Ensino Fundamental do CP II contratou a

assessoria de algumas professoras que participaram da elaboração desta proposta.

Para alfabetização e Língua Portuguesa, foi a Profª Heloisa Villas Boas; para

Matemática, a Profª Diva Noronha e depois a Profª Leila Alcure veio substituí-la; em

Ciências a Profª Maria Antonia e Estudos Sociais, a Profª Tomoko Yida Paganelli.

Para a fundamentação teórica, a Profª Zuleika Abreu. Este grupo foi apresentado

pela Profª Claudia Benvenuto57 que foi uma das formuladoras deste projeto de

caráter pedagógico trazendo uma inovação teórico e metodológica que foi a marca

do ensino primário no CP II durante muitos dos seus 25 anos.

56

Citação sem referência consta em De Certeau, Michel. A Invenção do Cotidiano. p.9. 57

Claudia Benvenuto, professora do 1º segmento do CP II, ingressou no colégio no primeiro concurso para o Pedrinho. Foi a primeira chefe deste novo departamento. Na ocasião era professora da rede municipal de onde trouxe também muitas influências.

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Figura 2: Capa da Proposta Curricular, documento produzido pela equipe do Laboratório de Currículos. Deste volume foi reproduzida a apresentação da Professora Circe Navarro.

O trecho abaixo é a apresentação da Professora Circe58 em um volume (1º

Grau _volume 4/ 4ª série_1978) do guia de orientação curricular feito pela equipe

coordenada por ela, para apresentar o Laboratório de Currículos.

58

Circe Navarro - Diretora do Laboratório de Currículos, professora do programa de pós-graduação do Instituto de Estudos Superiores Avançados em Educação (IESAE-FGV) convidada por D. Myrthes para dirigir o Laboratório de Currículos.

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APRESENTAÇÃO O Laboratório de Currículos apresenta uma proposta metodológica com o principal objetivo de colaborar na melhoria da qualidade do processo educacional. A proposta está referida à organização interna e ao contexto educativo da escola, que são os verdadeiros pontos de partida para a análise crítica daquele processo. Baseia-se em pressupostos teóricos, que levam ao estudo das estruturas lingüísticas, lógico matemáticas, espácio temporais e vivenciais. Esse recorte teórico foi escolhido, por considerar – se que a necessidade de desenvolvimento dessas estruturas é condição de aprendizagem. Não é a aprendizagem que promove o desenvolvimento, mas é o desenvolvimento das estruturas que possibilita a aprendizagem. Decorre daí uma reavaliação do processo educativo, e que a psicologia do desenvolvimento cognitivo e afetivo, a linguagem e o meio social do educando deverão ser enfrentados pela escola, numa ação conjunta, desde o ensino pré escolar. Pretende-se que a proposta sirva para dar origem a um universo de possibilidades, a um novo conjunto de alvos e de problemas. Esses devem levar a outras criações ou construções que propiciem novas significações no campo da Educação. Circe Navarro Rivas Diretora do Laboratório de Currículos

É deste setor que vem a equipe que participa de maneira determinante da

elaboração da proposta de ensino de matemática do 1º segmento do CP II.

Passando então pelas influências trazidas pela equipe do Laboratório de Currículos,

é necessário evidenciar a presença da Professora de matemática Diva Maria de

Bretas Noronha, pois sua influência carrega marcas importantes para levantar as

características presentes na proposta original, portanto conhecer um pouco mais

esta profissional é parte do empenho para identificar as características do programa

elaborado para o ensino de matemática no primário do CP II.

CONHECENDO DIVA NORONHA59.

Nascida em família de classe média, moradora do bairro Tijuca no Rio de

Janeiro. A menina mais velha de uma família de doze filhos e filhas. Era a sexta

filha.

Criada em família e num contexto social machista num importante

patriarcado, ela conviveu bem próxima a pessoas importantes da sociedade o que a

faz discorrer com desenvoltura sobre fatos da sociedade carioca e mineira, das

cidades mineiras de Belo Horizonte e Oliveira, no período da sua juventude e idade

adulta. Conheceu grandes personagens que protagonizaram a história política e

social do Estado da Guanabara e Rio de Janeiro.

59

Este relato faz parte da síntese da entrevista feita com a Professora Diva em julho de 2011.

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Para quem conhece sua trajetória e personalidade não se surpreende com

sua passagem marcante e influente pelo magistério do Estado do Rio de Janeiro.

Sua formação começa pode-se dizer quando ela faz seu primeiro exame de

admissão (1943) para o curso ginasial do Colégio onde cursava o primário, Colégio

Santa Teresa de Jesus

Era a prática, costumava-se, nesta escola premiar as alunas com medalhas.

As medalhas com fita amarela eram dadas para quem tinha bom comportamento e

as medalhas com fita verde eram as medalhas recebidas por bom desempenho

escolar, havia medalhas com fita verde e amarelo que significavam bom

desempenho e bom comportamento. Diva era aluna que por muitas vezes recebera

a medalha com a fita verde e amarela. Assim podemos acreditar tratar-se de uma

boa aluna de bom desempenho escolar. Todos se orgulhavam dela e havia uma

expectativa bastante positiva com relação ao seu sucesso escolar. Eis que por

ocasião do seu primeiro exame de admissão para o curso ginasial a aluna em tela é

reprovada em Matemática. Tal fato representou uma grande decepção que marcou a

aluna colocando-a diante da seguinte questão: se ela era tão boa aluna, o que todos

acreditavam ser, inclusive e principalmente ela, como não ser aprovada? Uma das

possíveis respostas era de que a professora não haveria lhe ensinado o conteúdo

necessário para realizar os exames, por não querer ou mesmo por não saber ou não

achar importante fazê-lo. Nesta época os exames eram feitos (pelo Ministério da

Educação) fora da escola e eram aplicados por uma inspetora pública. A aluna

insistiu em fazer novos exames no ano seguinte, mas não queria cursar a mesma

escola, pois acreditava que se tivesse os mesmos ensinamentos, com a mesma

professora, que seria o caso, ela obteria o mesmo resultado nos exames. No ano

seguinte a aluna teve uma professora particular e apenas preparou-se para os

exames fora da escola, desta maneira foi aprovada no segundo exame ao qual se

submetera. Este fato marcou a trajetória desta educadora de forma bastante

significativa pelo fato de a sua mãe concordar com a sua argumentação e desejo de

não ficar na escola com a mesma professora, o que demonstra certo respeito a uma

criança e também aponta um descompasso entre o que e como se trabalha na

escola e o que se pede em exames pela vida afora. Ouvir o que a criança tem a

dizer e dar atenção à forma como a criança pensa pautaram a vida desta educadora.

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Esta passagem ocorreu pelos idos dos anos 40, tempo em que a educação

das mulheres encontrava muitos entraves para sua plena realização. Foi neste

cenário que Diva Noronha prossegue estudos e consegue chegar a universidade.

Ela teve que esperar completar a maioridade para que não precisasse da

autorização do responsável para continuar os estudos.

Contrariando algumas expectativas sociais e enfrentando barreiras familiares,

do grande protecionismo paterno aliado ao machismo da época, Diva entra na

universidade. Ela é aprovada em vestibular na PUC-Rio para estudar na Faculdade

de Filosofia Ciências e Letras que era o centro que abrigava a faculdade de

Matemática. Na faculdade ela entra em contato com ilustres professores de

Matemática. Um deles na cadeira de Análise lhe apresentou a Teoria dos Conjuntos

– Prof. Rios. Quando Diva cursou a faculdade na PUC-Rio houve uma situação

peculiar. O curso de Matemática foi extinto na PUC-Rio e os alunos e alunas foram

realocados em outras universidades. Diva foi encaminhada a Universidade Santa

Úrsula. Houve nesta ocasião uma certa “parceria” como dizemos hoje. O seu

diploma registra este evento.

Na faculdade Santa Úrsula ela conheceu os Professores Roberto Peixoto,

Dacorso Neto60 e Pierre Henry Lucy, este último teve grande influencia na sua

trajetória acadêmica e profissional, eles trabalharam juntos um longo tempo. A

aproximação com Haroldo Lisboa61 foi no Pedro II, após concluir a graduação.

Havia um intercâmbio entre universidades católicas do mundo em que a USU

e a PUC participavam. Eram concedidas bolsas de estudos para universidades

católicas na Europa para alunos que tivessem bom desempenho. Outra premiação

por mérito a qual Diva fez jus por seu bom desempenho acadêmico com o qual

chamava atenção de seus mestres, sendo com esta bolsa agraciada (1961) e que a

levou para um intercambio na Universidade de Louvain na Bélgica. Por ocasião da

realização deste curso ela teve a oportunidade de visitar o Centro de Pesquisa onde

Papy desenvolvia seus estudos.

60

Citados entre insignes e competentes professores Haroldo Lisboa da Cunha, Dacorso Neto, Euclides Roxo, Melo e Souza e Roberto Peixoto, in Choeri, Wilson. Colégio Pedro II de Ontem, Hoje e Futuro.s/d, p. 23. 61

Citado entre insignes e competentes professores Haroldo Lisboa da Cunha, Dacorso Neto, Euclides Roxo, Melo e Souza e Roberto Peixoto, in Choeri, Wilson. Colégio Pedro II de Ontem, Hoje e Futuro.s/d, p. 23.

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Com uma sólida formação acadêmica realizada nas melhores escolas no

Brasil e na Bélgica, a então Professora Diva inicia sua trajetória profissional, tendo

estudado com expoentes no ensino da Matemática.

Sua trajetória profissional passa por escolas particulares, há uma breve

passagem como professora no Colégio Pedro II convidada pelo Prof. Haroldo

Lisboa. Nesta ocasião ela foi contratada como professora horista e não ficou muito

tempo, pois logo em seguida foi aprovada em concurso para professora da rede do

Estado da Guanabara onde, depois de uma segunda bolsa conferida pelo governo

francês para estagiar no IREM de Lyon62, foi lotada no Instituto de Pesquisas. Sua

vida profissional foi exercida com duas matrículas de professora na rede estadual do

Rio de Janeiro, onde foi professora regente, coordenadora e consultora de projetos.

Sua trajetória profissional e acadêmica pode ser brevemente assim descrita, Diva

Maria Brêtas de Noronha, formada como Bacharel e licenciada em Matemática pela

Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Santa Úrsula, entre os anos de 1960/61.

Realizou Curso de Extensão na Faculté de Sciences de l`Université Catholique de

Louvain _ Bélgica (1961/1962), como bolsista de Estudos concedida pela USU -

1961/1962; Estágio no I.R.E.M. de Lyon (1972/1973). como bolsista de Estudos

concedida pelo Governo Francês -1972/1973 .

Também como bolsista do PREMEN/MEC -1977 torna-se Mestre em Ensino

de Matemática e Ciências pela UNICAMP. Neste curso ela é aluna do Prof. Dr.

Ubiratan D’Ambrosio.

Destacamos algumas referências principais do currículo de Diva que a

aproximam do ideário da reforma da matemática e do CP II.

Foi convidada para ser professora do Colégio Pedro II, tendo lecionado de

1965 a 1968, devido a conhecimentos com Professores que lecionavam no CP II e

haviam sido seus professores na USU. Na rede estadual, onde também lecionou, foi

responsável por turmas no curso "Matemática de 5ª à 8ª série" do Projeto 3 do Plano

Setorial de Educação – 1973 e 1974 .

Realizou o curso de atualização em "Conteúdos e Métodos de Matemática" e

acompanhamento da atuação dos professores de C.A. à 4ª série do Colégio Pedro II

62

I.R.E.M. - Institut de Recherches pour l'enseignement de Mathemátique, de Lyon (1972/1973).

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(1985/1986). Foi na execução deste curso que Diva elaborou o plano geral de

ensino de matemática do primário do Colégio.

Também atuou como Pesquisadora-Docente do Centro de Ciências do

Estado do Rio de Janeiro - CECIERJ, de onde trouxe muitas contribuições para o

programa do Pedrinho.

Produziu artigos publicados no boletim mensal editado pela Fundação

Cesgranrio CONTACTO sobre nº 2 - "A Lógica e a linguagem dos conjuntos, "As

Relações; "Equivalência e Ordem" em diferentes números. Como membro do

Laboratório de Currículos, foi co-autora da "Proposta Metodológica para o Ensino de

1o Grau" [6 volumes] - Editada pela Imprensa Nacional em 1978, além de ter

elaborado Material Concreto para construção do Conceito e das Operações com

Frações - CAIXA DE FRAÇÕES (Figura 2) - Acompanhada de texto com sugestões de

atividades -1984. Este material foi muito usado e reproduzido no CP II nas unidades

de Pedrinho.

Figura 3: Caixa de Frações. Um dos materiais usados para desenvolver o conceito de fração e equivalência de frações.

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Lecionou como Professora do Colégio André Maurois que foi uma escola de

referência durante o período mais duro da ditadura militar. Nesta escola trabalharam

grandes professores e professoras da rede estadual, como a diretora Profª. Henriette

Amado, já citada, que se projetaram na sua militância, resistência, participação em

greves e na luta por defender bandeiras históricas pela educação nas escolas

públicas. Neste colégio ela conheceu a Professora Maria Helena Silveira

coordenadora do Projeto 3, e trabalhou também com o Professor de Matemática

Arago de Carvalho Bacx.

Podemos acreditar que pode ser neste contexto que localizamos no tempo e

espaço a expressiva trajetória de Diva Noronha pela Educação Matemática no Rio

de Janeiro e no CP II. Do Projeto 3 ela vai para o Centro de Ciências do Estado da

Guanabara _ CECIGUA e em seguida é convidada por Circe Navarro Rivas, outra

grande educadora que tivemos no Estado do Rio de Janeiro, para compor a equipe

do Laboratório de Currículos do Estado do Rio de Janeiro. Este convite foi sugerido

pelo Prof. Luis Antonio Garcia outro educador matemático que fez também parte

desta equipe. Esses eventos ocorrem próximo ao período da fusão63 do Estado da

Guanabara, quando o Estado carece de nova estrutura administrativa e as

secretarias vão se habilitando durante o processo de consolidação da fusão. Este é

o início do tempo de Mirthes Wenzel, na Secretária de Estado de Educação que na

sua gestão constitui o Laboratório de Currículos do Estado do Rio de Janeiro e para

coordená-lo convida a Professora/ Psicóloga Circe (Navarro Rivas) Maria Vital Brasil

que monta sua equipe.

A equipe de Matemática era formada por Luis Antonio Garcia, Diva Noronha e

Leila Alcure entre outros poucos. Esses três se destacam por sua formação em

instituições na Europa onde se estudava a Matemática que veio a influenciar de

maneira fundamental as práticas para o ensino desta atividade/disciplina,

marcadamente nas décadas de 1970 e 1980.

As professoras de matemática que atuavam no Pedrinho tinham mais ou

menos a mesma idade, tendo com isso cursado o normal e a graduação,

aproximadamente, ao mesmo tempo, aproximadamente, ainda que em escolas

63

Ver p. 150.

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diferentes. Os cursos de licenciatura eram feitos no esquema 3+1, descolando a

formação em Matemática da formação pedagógica. Podemos então inferir que

tenham feito licenciatura entre 1977 e 1981/2, neste período o GEPEM64 exercia

bastante influência no Rio de Janeiro e a educação matemática contava com um

elenco de profissionais muito atuantes na área, entre ele(a)s podemos citar Estela

Kauffman, Arago Backx, Roberto Baldino, Luis Antonio Garcia, Jose Guilherme

Barbosa; Diva Noronha, Leila Alcure65 e vários outros e a maior parte deles compôs

a equipe do Laboratório de Currículos. Todo(a)s participaram e deixaram suas

marcas na organização curricular do Estado do Rio de Janeiro. Atuaram na rede

pública municipal e estadual e em muitas escolas particulares, formaram muitos

outro(a)s professore(a)s de matemática através de programas de atualização para o

ensino da disciplina dentro de outros programas maiores para o ensino de ciências.

Eram também membros do CECIGUA/CECIERJ66 e do Laboratório de Currículos.

Algun(ma)s estudaram na França com outro(a)s educadore(a)s matemáticos do

Brasil formando uma rede nacional e estiveram próximos a SBEM desde a sua

fundação.

Os Guias de Orientação Curricular: materiais de apoio didático.

Referências como as do Laboratório de Currículos nos associam também às

recomendações do Parecer 853/7167 que traz em suas normativas, orientações

baseadas na teoria de aprendizagem de Piaget:

O Parecer 853/71 da Lei 569/71 utiliza a teoria psicogenética de Jean Piaget para delimitar as ‘séries’ do ensino de 1

o grau em séries inicial e

final. Para essa diferenciação, o Parecer classifica os estágios do

64

No Rio de Janeiro além do GEPEM – Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Matemática liderado por Estela Kauffman, houve outros grupos e espaços de formação, estudos e pesquisas em educação matemática: o Roberto Baldino (G-Rio), o CECIERJ com Diva Noronha e posteriormente o Atelier de matemática com Manuel Teixeira, foram responsáveis por programas de atualização em educação matemática por todo o estado, seguidos pelo Projeto Fundão identificados à Lucia Tinoco e Lilian Nasser. 65

Trata-se de uma relação de educadore(a)s matemático(a)s que atuaram no Estado do Rio de Janeiro na equipe do Laboratório de Currículos, como Professore(a)s atuavam na rede municipal e estadual e também faziam parte do CECIGUA/CECIERJ. Alguns estudaram na Bélgica com educadores matemáticos de onde trouxeram importantes influências para a configuração da proposta de ensino de matemática nas redes do estado. 66

CECIGUA/CECIERJ – Centro de Ciências do Estado da Guanabara/ Centro de Ciências do Estado do Rio de Janeiro 67

Parecer 853/71. Ordena a doutrina do currículo na Lei 5692/71. Fixa o núcleo comum para o currículo do ensino de 1º e 2º graus. http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/fontes_escritas/7_Gov_Militar/parecer nº 853-1971.

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desenvolvimento mental em períodos de ‘operações concretas’ e ‘operações formais’. O Parecer cita Piaget como referência e utiliza suas pesquisas para justificar a idealização das categorias curriculares:

A velha marcha ‘do concreto para o abstrato’ apresenta-se hoje - na Psicologia Genética de Piaget, por exemplo - sob a forma tríplice de um período ‘sensório motor’, seguido de uma fase de ‘operações concretas’ que leva, na adolescência, às ‘operações formais ... móveis e reversíveis’. Se em nenhum momento cogitamos de uma correspondência simétrica entre esses três períodos e aquela tríplice classificação curricular, também não deixamos de considerar o que deles já se fez evidência no dia-a-dia da vida escolar: a montagem a partir do concreto e do mais para o menos amplo, do genérico para o específico ou, na classificação sempre atual de Claparède, da ‘generalização inconsciente’ para a ‘generalização consciente’. (CORRÊA, 2006)

Os guias de orientação curricular comportaram-se na qualidade de manuais

cumpriram, a exemplo dos livros didáticos a função referencial, curricular ou

programática (CHOPPIN, 2004), pois comportaram-se como o livro didático das

professoras e nesta qualidade foram guias curriculares, propriamente, e as

atividades foram copiadas fielmente de livros didáticos e exercícios avulsos, que

tiveram, para as professoras – suas consumidoras no caso, a função instrumental,

pois alguns desses documentos davam orientações práticas de como fazer os

exercícios e como apresentá-los aos estudantes. Eles também conviviam com outros

instrumentos para a formação: revistas, livros, livros didáticos, jogos educativos e

apostilas. Esses materiais foram todos utilizados pelas professoras, os jogos eram

utilizados pelas professoras e pelos alunos e alunas. Os textos e os jogos ajudavam

a produzir os planos semanais, bimestrais das séries e apoiaram a elaboração de

exercícios e provas e neles estava prevista a utilização de jogos.

No início dos trabalhos no Pedrinho nenhum livro didático foi adotado

para os alunos e alunas do 1º segmento. As professoras produziam seus próprios

materiais. Criavam, copiavam ou compilavam muitos exercícios trazidos de várias

fontes. Para o desenvolvimento das noções e relações topológicas foram usados os

livros do PREMEM_MEC, da UNICAMP aproveitados para o desenvolvimento de

vários conceitos fundamentais em Matemática. Foram usadas também apostilas do

CECIERJ (Figura 3) e o CECIMIG que eram apresentadas nos encontros de

assessoria e outros materiais foram sendo adaptados.

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Figura 4: Atividade feita em oficina de formação continuada das Professoras do CP II – 198768

68

SECT/RJ – CENTRO DE CIÊNCIAS E SEE/RJ – ECE 1 – PMM/SPEC; Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia; SEE Secretaria Estadual de Educação.

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Entre alguns materiais que serviram também de apoio didático, podemos citar

os textos do Prof. Lauro de Oliveira Lima sobre a prática escolar baseada na teoria

de Piaget e os livros de Zoltan Dienes, “Primeiros Passos em Matemática”. Outra

assessora que teve uma breve, porém marcante, passagem foi a Profª Manhucia

Perelman Liberman, sua coleção para o ensino de 1ª a 4ª série foi muito usada e

copiada assim como seu livro Grueminha da Classe de Alfabetização. Os materiais

concretos sugeridos nos livros de Dienes e outros foram adquiridos69.

A equipe do Laboratório defendia uma mesma corrente de pensamento que

sustentava o ideário da Educação Matemática e tinham a mesma pauta de se

contrapor a uma Matemática conteudista, afeita a um rigor simbólico e que

valorizava a decoreba e a abstração. Procurava-se com essa proposta desenvolvida

nos Pedrinhos apresentar conteúdos significativos e próximos à realidade de alunos

e alunas de 6 a 10 anos.

A matemática enquanto prática discursiva pode ser entendida como um

elemento que guarda a possibilidade de hierarquizar os sujeitos escolares -

professore(a)s, a partir da relação que este(a)s tem com a disciplina escolar. O efeito

dessa possível hierarquização e que formam-se grupos segregados de acordo com

as seguintes características: aquele(a)s que sabem matemática; que não sabem

matemática; que gostam de matemática e dos que não gostam de matemática,

sendo que essa caracterização, a partir da relação que se tem com a disciplina,

inclui, exclui, dá voz e as vezes silencia atores que habitam o interior da escola,

fazendo com que histórias de preconceito e de exclusão se repitam, apenas

mudando de lugar. Para estabelecer relações entre a disciplina matemática e o

discurso parece-nos ser necessário enredar a constituição da disciplina/atividade, a

formação de professore(a)s, abordar questões referentes à identidade das

professoras polivalentes, no caso, e as relações de poder.

69

Alguns materiais eram adquiridos fábrica Gepeto em Porto Alegre (blocos lógicos, Trimath, Quadrimath, Multibase; Material Cuisinaire, Caixa de Frações, o baralho de múltiplos e divisores (Grossi. E), o material dourado, outros do GEEMPA.

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5.3 CARACTERÍSTICAS DA PROPOSTA

Piaget estudou também a conservação de substâncias ou quantidades contínuas e a de quantidades descontínuas, como base fundamental para a construção do conceito de número. A partir dessa conservação e da construção do conceito de reversibilidade, a criança passa a operar matematicamente. (PGE 1996/7)

Algumas passagens pelo pensamento de Piaget ajudam a localizar esse

plano numa linha teórica que foi inovadora no seu início. Contudo, apesar do seu

caráter inovador, teve que se inserir em uma sistemática já existente no Colégio,

assumindo alguns elementos, marcando a “permeabilização” da cultura escolar, por

exemplo, a disciplinarização/departamentalização dos conteúdos, a seriação dos

conteúdos, a avaliação, por isso os objetivos dos planos foram determinantes para

compreensão da sua proposta e assim foram inicialmente expressos:

Objetivos Gerais: Nortear as atividades didático-pedagógicas que serão desenvolvidas em suas unidades escolares. Princípios: “Buscando o novo não pela novidade, mas pela exigência de se utilizar . . . Que aluno: “produtivo, consciente, crítico e criativo, portanto apto a enfrentar a vida . . . :” (PGE, 1984)

Já traz indícios da centralidade na figura do educando, pois já carrega marcas

da Lei 5692/71. A avaliação no Colégio era bimestral para todos os níveis de ensino,

contudo, mas havia um diferencial no 1º segmento para as classes de alfabetização

e para a avaliação das atividades complementares (Artes, Literatura, Educação

Musical e Educação Física), que eram avaliadas através de fichas de

observação/avaliação e não com provas e não se atribuía notas e sim conceitos

expressos por letras. Mantem-se por força da legislação, os estudos de recuperação

paralela. E a apuração da assiduidade.

No plano de 1986/7, já com apoio pedagógico das assessorias, os objetivos

foram atualizados e apontam melhor e mais explicitamente o que se pretendia que

fosse uma unidade teórico-metodológica do Departamento:

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO COLÉGIO PEDRO II DIRETORIA GERAL DEPARTAMENTO DO 1º SEGMENTO DO 1º GRAU

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OBJETIVOS GERAIS NO 1º SEGMENTO DO 1º GRAU O processo educativo a ser desenvolvido no 1º segmento do 1º grau do Colégio Pedro II terá por objetivo fundamental: Desenvolver no aluno a capacidade de interagir com a realidade que vive, identificando seus aspectos positivos e negativos, tornando-se capaz de criticá-la e transformá-la de forma coerente e organizada. Para atingir tal objetivo, faz-se necessário desenvolver atividades e experiências em que o aluno tenha possibilidades de: 1. Identificar e criticar normas e regras que regem o grupo social da sua turma e da sua escola; 2. Criar normas e regras para diferentes grupos dos quais participa na escola; 3. Identificar e criticar normas e regras do mundo que o cerca; 4. Trabalhar de maneira independente, tornando-se sujeito autônomo na resolução de diferentes problemas; 5. Trabalhar de forma cooperativa, criando, assim, o sentimento de solidariedade; 6. Desenvolver-se intelectualmente, pelo conhecimento de conteúdos importantes, que se tornarão instrumentos fundamentais para a compreensão da realidade que o cerca; 7. Desenvolver intelectual, artística e efetivamente seu potencial criativo, favorecendo a descoberta de novas formas de atuação perante a realidade; 8. Estabelecer relações sócio - afetivas com os membros da comunidade escola, reconhecendo-se parte dela, criando-se, assim, um ambiente favorável ao desenvolvimento dos demais objetivos. A metodologia que acreditamos ser a mais adequada para atingir tais metas, deverá valorizar o sentido lúdico das atividades curriculares, colocando o aluno como sujeito do processo ensino aprendizagem. Essa metodologia parte de pressupostos das Ciências Humanas que propiciam o desenvolvimento das estruturas cognitivas e lingüísticas e do potencial sócio – afetivo do aluno, a partir da realidade em que se encontra inserido. Neste sentido, faz-se necessário: 2. Aceitar diferentes dialetos sociais ou regionais, usados pelos alunos em sua fala cotidiana, valorizando-os e partindo desse desempenho lingüístico para enriquecer sua linguagem oral e escrita; 3. Reconhecer e utilizar as vivencias do aluno, respeitando as diferenças entre elas no trabalho com os diversos conteúdos; 4. Desenvolver o esquema corporal e a psicomotricidade do aluno usando a percepção e a memória auditiva, visual, tátil e gustativa, coordenando-as entre si; 5. Criar oportunidades para que os alunos discriminem semelhanças e diferenças que possibilitem a classificação e o estabelecimento das relações entre diferentes seres, objetos e situações; 6. Possibilitar a vivência de situações que envolvam a organização espacial e temporal, estabelecendo relações de ordem, sequência e simultaneidade entre diferentes seres, objetos e acontecimentos. 7. Criar, na escola, um espaço para o aluno expressar-se espontaneamente, empregando o próprio corpo, instrumento do ambiente, a língua falada e escrita ou qualquer outra forma de expressão. (grifos meus) (PGE, 1988)

O programa do Pedrinho tomado aqui como referência, o plano de 1987/88,

apresentava-se de forma não seriada com conteúdos, objetivos específicos e

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etapas/estratégias da construção dos conceitos por atividade que deveriam ser

distribuídos pelos cinco anos, de acordo com a dinâmica escolar e não de forma

apriorística. Nas outras atividades essa coluna correspondia a sugestões de

atividades e/ou estratégias que eram passos /etapas que deveriam ser executadas

para que se adquirisse os conceitos desejados. Não era uma relação de conteúdos

pura e simples, significava que para desenvolver determinado conteúdo, era

necessário realizar uma sequência de atividades. Os conteúdos eram distribuídos

em Números, Lógica/Conjuntos/Relação e Espaço, aqui percebemos vestígios das

recomendações a partir dos livros de Dienes.

Em Números trabalhava-se com a construção do número, sistemas de

numeração, algoritmos e medidas; em Lógica/Conjuntos/Relação eram trabalhadas

as estruturas lógico-matemáticas usando conjuntos e relações e em Espaço,

começa-se com as noções e relações topológicas. É o início do que viria a ser

tratado por geometria na escola a partir da 5ª série, atual 6º ano.

O PROGRAMA DE MATEMÁTICA ESCRITO POR DIVA MARIA DE BRETAS

NORONHA / 1986

Um dos documentos oficiais que dão base ao estudo em tela é o Plano Geral

de Ensino publicado em 1986/7. Neste plano está registrada a proposta original do

programa de ensino de matemática para o primário do CP II.

Essa versão foi construída com o grupo de professoras que participava das

assessorias de Matemática. Neste período na USC havia turma de 1ª, 2ª, 3ª e 4ª

séries, na UH1, havia 1ª, 2ª e 3ª séries e neste ano inaugurava-se a UEEN1.

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CONTEÚDOS OBJETIVOS

ESPECÍFICOS ETAPAS DA CONSTRUÇÃO (OU ESTRATÉGIAS)

Classificação Classificar conjuntos de

objetos

Classificar conjuntos de

conjuntos

Desenvolver a noção intuitiva de

cardinal

1º) Separar os elementos de um conjunto de objetos que possuem um determinado valor de determinado atributo.

2º) Identificar a propriedade característica de uma classe.

3º) Distribuir todos os elementos de um conjunto de objetos em diversas classes, usando como critério 1 atributo.

4º) Identificar o critério usado para classificar um conjunto de objetos.

5º) Separar os elementos de um conjunto de objetos, usando como critério 2 ou mais atributos conjugados.

6º) Separar os conjunto que possuam 1 determinado elemento.

7º) Separar os conjuntos, segundo características de um determinado objeto.

8º) Identificar o critério usado para classificar um conjunto de conjuntos.

9º) Separar os conjuntos, segundo o número de objetos que possuam.

NOTA: Em todas as etapas é importante colocar “etiquetas” explicitando a propriedade característica da (s) classe(s) determinada(s).

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ME

RO

S

Seriação

NÚMERO NATURAL

Desenvolver a noção intuitiva de ordem

Desenvolver a noção intuitiva de sucessor

Construir a reversibilidade

Construir o número natural

1º) Formar filas de objetos, usando como critério um único atributo (cor, forma, espessura, idade, . . . )

2º) Identificar o critério usado para formar determinada fila.

3º) Formar filas de objetos, usando como critério 2 ou mais atributos conjugados.

4º) Formar filas de com conjuntos de objetos, usando como critério os atributos de um dos objetos pertencentes a esses conjuntos.

5º) Formar filas de com conjuntos de objetos, usando como critério a quantidade de objetos de cada conjunto.

6º) Identificar o(s) critério(s) usado(s) para formar essas filas.

1º) Reproduzir uma sequência de objetos.

2º) Completar uma sequência de objetos iniciada.

3º) Descobrir qual o objeto que está faltando entre 2 elementos de uma sequência.

NOTA: Vencidas as etapas anteriores, o aluno terá construído o conceito de Número Natural.

Quadro 7: Plano Geral de Ensino – PGE 1988 Apresentação dos Conteúdos que precedem a construção do conceito de Número Natural

Entendia-se que a criança precisava de situações diversificadas em

quantidade suficiente para que ela se conscientizasse do conceito, podemos

associar a prática instituída nesse plano ao programa de Dienes (1969) e isto não

poderia estar atrelado ao tempo, não pode estar intimamente ligado à progressão do

conteúdo e à prova/aprovação, uma vez que não há como mensurar de maneira

ótima a maturação do conceito em cada indivíduo. As vezes mesmo na 4ª série é

necessário recuperar as inclusões hierárquicas apresentadas na 1ª ou 2ª série e que

são trabalhadas também em outras atividades,como Estudos Sociais e Ciências, a

fim de revisitá-las de vez em quando. Partindo desse princípio o plano original da

proposta não apresentava os conteúdos seriados, a seriação veio acontecer no

plano de 1996, aproximando a proposta do Pedrinho às práticas do Pedrão através

da seriação e disciplinarização.

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Buscou-se também recuperar os planos bimestrais ou semanais e exercícios

que pudessem dar “musculatura” a pesquisa aproximando-a da prática cotidiana

estabelecendo alguns níveis de visualização, observando a proposta geral em nível

mais amplo procurando chegar ao nível mais específico através de exercícios diários

e provas que revelassem o desdobramento da proposta. Os documentos usados,

para essa finalidade, fazem parte do arquivo pessoal da Professora Glorya Ramos

que está em fase de catalogação.

Encontramos nos planos de ensino traços da influência de Piaget, mais

explicitamente e de Dienes na prática, sem referências escritas. As influências de

Dienes verificamos ao analisar e interpretar a metodologia que norteava a proposta.

As práticas estabelecidas a partir deste “novo ideário”, que podemos considerar

como mudanças educacionais (Viñao, 2008), foram reformas, na concepção do

ensino da matemática que vigorava no Colégio que não se ocupava da atividade do

aluno como “sujeito ativo”. O conjunto de práticas escolares foi adaptado de modo a

permitir a incorporação de outros comportamentos (Julia, 2001). Podemos dizer,

então, que o que ocorreu nas salas de aula do Pedrinho foi de tal forma

diferenciado, posto que trazia a proposta de ensino de matemática para crianças e

essas no centro do processo de ensino e aprendizagem, que ensejou essa pesquisa

no campo da história do ensino da matemática.

Em nenhum desses planos, das décadas de 1980 e 1990, há referências

bibliográficas. De todos eles, o PPP mantém um caráter mais inovador modificando

o tratamento das atividades/disciplinas ao tratá-las como componentes curriculares e

aos objetivos passando a referir-se a competências e habilidades, apontando uma

nítida alteração nos referenciais teóricos. Esses atuais referenciais situam o plano

numa metodologia centrada numa linha neotecnicista70.

70

Entendendo uma linha neotecnicista como uma corrente que incorpora os processos escolares à dinâmica referenciada sob a ótica do mercado deslocando os princípios pedagógicos por um viés mercadológigo, tendo como expoente na educação o intelectual Philippe Perrenoud (2001).

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OS SISTEMAS DE NUMERAÇÃO NO PROGRAMA DE MATEMÁTICA DAS

SÉRIES INICIAIS

Dos planos gerais foi destacado o conteúdo referente ao sistema de

numeração.

A matemática praticada no 1º segmento do CP II descrita em seu plano de

ensino e desenvolvidas na suas atividades cotidianas apresentava as características

de um ensino estruturado e seqüenciado. Tomemos como parâmetro para análise o

sistema de numeração que começava na 1ª série/ 2º ano, da contagem de 1 a 10,

em seguida da estruturação do sistema em ordens e classes desde a simples até a

do milhão, distribuindo sua apresentação pelas séries. Cada classe do sistema era

tocada com mais ênfase em uma série e buscava-se fazer com que a criança

compreendesse a mudança de ordens e classes a partir da noção de ordem:

sucessor (+1) e antecessor (-1). Procurava-se que a criança compreendesse quando

se dá essa mudança e que tal fato segue a mesma estrutura em diferentes bases,

dando-se ênfase à base 10 no início da primeira série atual 2º ano.

O fato de buscar a compreensão das características do plano usando como

estratégia a construção dos sistemas de numeração em diferentes bases deve-se a

idéia de que, para a criança compreender, alcançando a abstração do conceito era

importante ter atenção ao que Dienes (1969) trata por “concretizações numerosas”,

o que significa a necessidade de partir de concretizações numerosas e variadas

para chegar a abstração do conceito, que certamente varia entre os indivíduos.

Encontrar as orientações de Dienes subsidiando esses trabalhos nos remete a

Piaget e ratifica a influência que Diva Noronha trouxe através de sua própria

formação.

Podemos apreender que as idéias defendidas nos planos, escritos no século

passado, tem como base a Epistemologia Genética de Jean Piaget bastante

explicitada com aportes metodológicos de Dienes (1969) que insere o uso de

materiais concretos com finalidade específica para o ensino de matemática.

Para desenvolver a construção do sistema de numeração utilizamos, por força da

influência das assessoras, o princípio variabilidade perceptiva (Dienes, 1970, p.50)

que recomenda o uso de “outro material que deve parecer bem diferente mas

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mantendo a mesma estrutura matemática, para que a criança perceba a

semelhança da estrutura, semelhança essa que é a estrutura matemática, o que

justifica a diversidade de jogos a serem utilizados em sala.

No plano (PGE/1988) era recomendado que a apresentação do sistema de

numeração fosse realizada em bases não decimais e a base decimal fosse tratada

como mais uma base de numeração que obedecia a mesma estrutura de construção

de ordens e classes – o princípio multiplicativo. Assim foi feita a construção do

sistema de numeração, usando diferentes bases, durante algum tempo. Neste tópico

algumas concepções que sustentavam o uso de tal metodologia tinham como base o

programa de Dienes (1969) que defendia que era necessário trabalhar com

diferentes bases de numeração para entender a estrutura dos sistemas de

numeração dando ênfase à base 10.

Em matemática, um conceito pode ser aprendido em diversos níveis de generalidade. Por exemplo: pode-se estudar o essencial da numeração de posição na base (10) apenas (como se fazia tradicionalmente) ou em muitas bases simultaneamente (como se recomenda cada vez mais). (Dienes, 1969)

Do conteúdo propriamente será dado destaque a apresentação do sistema de

numeração nos planos, aliados a apresentação de alguns desdobramentos em

planos periódicos, exercícios e provas a fim de perceber sua efetivação na prática.

As atividades para a construção do sistema de numeração começavam de

forma sistemática na 1ª série (atual 2º ano). As atividades tinham a finalidade de

construir o sistema de numeração e ao final sistematizar a construção do sistema

decimal de numeração e com base nesse sistema, operar. Na Classe de

alfabetização era desenvolvido o conceito e construção do número. A opção por

fazer os sistemas de numeração em outras bases era com o objetivo de poder

manipular, por exemplo, até a quarta ordem com pequenas quantidades que as

crianças pudessem manipular, facilitando a contagem, permitindo a visualização e

concretização.

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Conteúdo Objetivos Etapas da Construção (Estratégias)

Sistema de Numeração

Construir os sistemas de numeração nas bases 3, 4 e 5.

Identificar os princípios dos sistemas de numeração construídos.

Construir o sistema decimal de numeração.

Representar um número como a adição dos valores relativos dos seus algarismos.

1º) Ensacar diferentes números de objetos na mesma base (3, 4 e 5)

2º) Ensacar a mesma quantidade de objetos em diferentes bases.

3º) Verificar o número de objetos contidos num

conjunto de objetos ensacados em determinada base.

4º) Construir um conjunto de objetos agrupados, segundo um registro dado em determinada base.

5º) Repetir os itens anteriores, incluindo a base 10.

Quadro 8 – PGE_1988

A título de exemplo, a unidade de milhar, é uma unidade de quarta ordem

equivale a dez ao cubo (103). As crianças entendem a mudança de ordem,

entendem que 10 x 10 x 10= 1.000, mas quando trabalhamos as potências de 10,

normalmente não se retorna aos sistemas de numeração, produzindo dessa maneira

uma desconexão entre os conteúdos de matemática. Talvez isso ocorra porque a

professora primária não tenha consciência do alcance que tem os conteúdos de

matemática dados no 1º segmento.

Não se admitia pular etapas, não se alterava a ordem e a sequência de

apresentação dos conteúdos.

No 1º segmento não se abordam as propriedades: fechamento,

associatividade, elemento neutro enquanto propriedades das estruturas

matemáticas, as mesmas que abordamos na classificação. Aposta-se na

dissociação dos conteúdos, “. . . talvez isso ocorra porque a professora primária não

tenha consciência do alcance que tem os conteúdos de matemática dados no 1º

segmento.”

Assim quando a proposta era dita construtivista ela estava associada a Piaget

– construtivismo de base piagetiana, como se identificar-se construtivista não

implicasse também em saber matemática, como por exemplo, construir caminhos

para o entendimento das estruturas matemáticas tais como monóides, subgrupos e

grupos, só para citarmos as principais, e que Dienes tem atividades previstas para o

desenvolvimento desses conceitos que poderiam ser aplicadas nas primeiras séries

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da escolarização e eram sugeridas no volume 9 destinado Matemática para o

segundo segmento, nos guias de programação do Laboratório de Currículos71

(1982).

Quem sabe se as estruturas algébricas básicas, fossem abordadas nos

cursos de formação de professoras ainda que, de forma simplificada, sem trazer

exceções ou casos contudo na sua forma “elegante” poderia ser uma recomendável

aproximação.

A proposta teve como base o estruturalismo e foi usada a teoria dos conjuntos

para abordar o tópico lógica/conjuntos e relações principalmente como estratégia

para a construção conceito de número. Para o desenvolvimento de atividades para a

construção do conceito de números, trabalhou-se com os materiais do conjunto

apresentado por Dienes, blocos lógicos e réguas de Cuisinaire.

Algumas atividades desenvolvidas com aluno(a)s eram copiadas de materiais

do CECIERJ trazidas pela Profa Diva Noronha. Tais exercícios reproduziam a

preocupação de Dienes (1969) em desenvolver uma metodologia focada na

construção cognitiva do aluno(a). Trabalhar de acordo com esses parâmetros

evidenciava que o trabalho optava por uma proposta de vanguarda, mas não nova.

Era uma alternativa contra o excesso de formalismo, pois se entendia ser mais

adequada ao ensino para crianças.

A proposta do Laboratório de Currículos que foi a referência no programa de

ensino das séries iniciais do CP II tornou explícitas em muitas referências as

influências da Psicologia da aprendizagem com Piaget no que toca à gradação e

distribuição de conteúdos, de acordo com as fases de amadurecimento cognitivo da

criança e com uma metodologia diferenciada, marcada pela presença de textos e

atividades propostas em livros de Dienes que possibilitava atender às necessidades

de docentes e discentes para a execução da proposta da pedagogia. A

fundamentação dos aportes de Piaget e Dienes justificavam as inovações na

71

Após a gestão de Myrthes Wenzel, o Prof. Arnaldo Niskier, assumiu a Secretária de Educação e manteve a estrutura e proposta do Laboratório de Currículos, alterando alguns quadros e aos poucos parte de seus propósitos. A equipe de Matemática foi mantida ainda com Diva Noronha em seus quadros. Os guias da proposta curricular foram reeditados e no volume 9, encontramos um capítulo que trata de Grupos (p.65), introduzindo a noção de grupo. Verificamos também as obras de Dienes, Piaget, Papy, Lydia Lamparelli e Lucília Bechara na bibliografia.

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metodologia, na estruturação e distribuição dos conteúdos. No início do processo de

implantação do programa, as professoras aprendiam junto com o/as aluno/as.

Buscar entender o programa de ensino de matemática proposto para as

séries iniciais do CP II através dos planos de ensino, nos permite entender a

resposta dada quando perguntava-se como era a proposta de ensino das séries

iniciais do CP II, respondia-se, de modo geral, que a proposta era construtivista de

base piagetiana. Mas o que significava essa resposta mais especificamente? O que

era ser construtivista de base piagetiana e elaborar uma proposta para o ensino de

matemática para as séries iniciais com este referencial, o que significava isso?

Significava construir um programa fortemente influenciado pelo estruturalismo e de

prática construtivista pautada nos fundamentos epistemológicos da Teoria de Jean

Piaget em quase todas as atividades das séries iniciais, rompendo com o modelo

estabelecido que sustentava o ensino de Matemática no Colégio e com as

representações sobre como era vista a Matemática, suas professoras e sua

formação com uma plataforma estruturalista que passava pela compreensão das

estruturas–mãe definidas pelos Bourbaki72 e assumidas por Piaget como modelo de

inteligência e com essa concepção desenvolver atividades sob uma metodologia

proposta por Dienes que concordava no modelo de desenvolvimento aprendizagem

oferecido por Piaget que identifica no comportamento inicial das crianças pequenas

as estruturas mãe dos Bourbakis (estruturas algébricas ou de encaixe; estruturas e

ordem ou de sucessão e as estruturas topológicas que vão gerar as geometrias

(Lauro, s/d). Pode-se então entender que a ideia sobre o desenvolvimento da

inteligência, a fabricação das estruturas de ação segue os mesmos modelos que os

matemáticos identificam foi assumida como pressuposto teórico nos planos e

representados nas atividades escolares cotidianas.

72

Nicolas Bourbaki é uma personagem inventada. O grupo Bourbaki é oficialmente conhecido como a Associação dos colaboradores de Nicolas Bourbaki, que é o pseudônimo coletivo sob o qual um grupo de matemáticos, majoritariamente franceses, escreveram uma série de livros que expunham a matemática avançada moderna, que começaram a ser editados em 1935. Com o objetivo de fundamentar toda a matemática na teoria dos conjuntos, o grupo lutou por mais rigor e simplicidade, criando uma nova terminologia e conceitos ao longo dos tempos. Os cinco membros fundadores do grupo foram Henri Cartan, Claude Chevalley, Jean Delsarte, Jean Dieudonné e André Weil. http://pt.wikipedia.org/wiki/Nicolas_Bourbaki. acessado em 25/07/2012

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Algumas professoras do Pedrinho que atuaram na Coordenação de

Matemática tinham licenciatura Plena em Matemática. Essa dupla formação agregou

segurança, competência acadêmica o que dava confiança ao grupo e permitiu que o

projeto se consolidasse durante um tempo, pois aliavam a sua experiência em salas

de aula dos dois segmentos. O fato de conhecerem matemática permitia que

tivessem uma visão em diferentes escalas dos conteúdos da disciplina e o fato de

algumas terem experiência em outros segmentos implicava em saber como abordar

alunos em diferentes fases de escolarização.

O PPP, este último plano, não faz alusão à grade, pois afirma seu propósito

de construir a interdisciplinaridade através do desenvolvimento de competências e

nessa perspectiva altera a organização temporal do currículo e para este processo,

divide o 1º segmento em duas partes: 1º e 2º ciclos.

Os quadros abaixo mostram como foi sendo apresentado o conteúdo Número

a partir do PPP_2001. O conteúdo é tratado como tema e não é feita nenhuma

alusão à construção do sistema de numeração a começar por bases não decimais.

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1º período 2º período 3º período

TEMA 1º ano / 2010

ME

RO

S

Quantificar elementos de uma coleção utilizando diferentes estratégias: contagem, pareamento, estimativa e correspondência de agrupamentos. Identificar números em situação que envolvem contagem, numeração e medida. Comparar e ordenar coleções pela quantidade de elementos. Ler, escrever, comparar e ordenar números até 10.

Quantificar elementos de uma coleção utilizando diferentes estratégias: contagem, pareamento, estimativa e correspondência de agrupamentos. Ler, escrever, comparar e ordenar números até 10. Contar em escalas ascendentes e descendentes de um em um e de dois em dois.

Formular hipóteses sobre a grandeza numérica, pela identificação da quantidade de algarismos e a posição ocupada por eles na escrita numérica. Ler e escrever, comparar e ordenar números até 99 . Identificar regularidades na série numérica para nomear, ler e escrever números menos freqüentes. Contar em escalas ascendentes e descendentes de um em um, de dois em dois e de dez em dez.

2º ano / 2010

Quantificar elementos de uma coleção utilizando contagem, estimativa e agrupamentos. Ler e escrever números até 199. Contar em escalas ascendentes e descendentes de um em um, de dois em dois e de 10 em 10.

Agrupar quantidades segundo diferentes critérios: duplas, trincas, quinas e dezenas. Identificar dezena como um agrupamento de 10 elementos. Ler, escrever, comparar e ordenar números até 599. Contar em escalas ascendentes e descendentes de 1 em 1, de 2 em 2, de 5 em 5, de 10 em 10 e de 100 em 100.

Identificar a centena como um agrupamento de 10 dezenas. Ler, escrever, comparar e ordenar números até 999. Contar em escalas ascendentes e descendentes de 1 em 1, de 2 em 2, de 5 em 5, de 10 em 10 e de 100 em 100, a partir de um número qualquer.

3º ano / 2010

Agrupar quantidades segundo diferentes critérios: duplas, trincas, quinas, dezenas e centenas. Ler, escrever, comparar e ordenar números até 999. Compor e decompor esses números. Contar em escalas ascendentes e descendentes de 1 em 1, de 2 em 2, de 5 em 5, de 10 em 10 e de 100 em 100.

Identificar o milhar como um agrupamento de 10 centenas. Ler, escrever, comparar e ordenar números até 9.999. Compor e decompor esses números. Contar em escalas ascendentes e descendentes de 1 em 1, de 2 em 2, de 5 em 5, de 10 em 10 e de 100 em 100.

Ler, escrever, comparar e ordenar números até 9.999. Compor e decompor esses números. Contar em escalas ascendentes e descendentes de 1 em 1, de 2 em 2, de 5 em 5, de 10 em 10 , de 100 em 100 e de 1.000 em 1.000 a partir de um número dado.

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4º ano / 2010

Reconhece números naturais e racionais no contexto diário Le, escreve, compara e ordena números de qualquer ordem ou grandeza, utilizando as regras do sistema de numeração decimal. Compõe e decompõe esses números pela interpretação do valor posicional de cada uma das ordens.

Reconhece números naturais e racionais no contexto diário Le, escreve, compara e ordena números de qualquer ordem ou grandeza, utilizando as regras do sistema de numeração decimal. Compõe e decompõe esses número pela interpretação do valor posicional de cada uma das ordens.

Reconhece números naturais e racionais no contexto diário Le, escreve, compara e ordena números de qualquer ordem ou grandeza, utilizando as regras do sistema de numeração decimal. Compõe e decompõe esses número pela interpretação do valor posicional de cada uma das ordens.

5º ano / 2010

Reconhece números naturais e racionais no contexto diário Lê, escreve, compara e ordena números de qualquer ordem ou grandeza, utilizando as regras do sistema de numeração decimal.

Reconhece números naturais e racionais no contexto diário Lê, escreve, compara e ordena números de qualquer ordem ou grandeza, utilizando as regras do sistema de numeração decimal.

Quadro 9: Desdobramento do plano de ensino apresentado no PPP_2001 Colégio Pedro II / Unidade Escolar Humaitá I - Plano Anual de Matemática

5.4 A IMPLANTAÇÃO: COMO FOI DESENVOLVIDA A PROPOSTA

As orientações do curso eram para ser desdobradas em planos bimestrais,

mensais, semanais e por fim planos de aula. Também seriam realizados encontros

entre a coordenação de matemática e as professoras regentes. Nesses encontros o

plano era dividido, eram discutidas as sugestões de atividades que cumprissem com

as etapas. Neste momento surgia o debate sobre a metodologia, no que se

abordava o fechamento, a conclusão, a fixação dos conteúdos e a avaliação.

Fixação e avaliação eram dois pontos bem polêmicos. Parte significativa do grupo

de professoras não acreditava em listagem de exercícios para memorização, porque

poderia reproduzir a decoreba, não se recomendava o uso convencional da tabuada

e não eram adotados livros didáticos.

O desdobramento em atividades era feito através de adaptações dos

exercícios usados nas oficinas com as professoras (Figura 3), ou seja, o material da

formação era pouco diferente do material dado aos alunos, o que evidenciava que

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as atividades dadas às professoras não avançavam ou aprofundavam conteúdos de

matemática e assim eram bem facilmente adaptado aos alunos e alunas.

Figura 5: Atividade73

dada aos aluno(a)s da 1ª série 1989

73

Figura 3: Ilustração: atividades sobre bases não decimais nos exercícios escolares 1987, do arquivo pessoal da Professora Glorya Ramos (em fase de catalogação).

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Os conteúdos como teoria dos conjuntos ou conceito de grupo que talvez

pudessem ampliar a compreensão das professoras sobre a matemática

propriamente, como na abordagem que Dienes (1977) dá a grupos, com as

sugestões de atividades74 não eram abordados para fundamentar a proposta. Talvez

por este motivo as professoras polivalentes tivessem seus discursos interditados em

seus argumentos sobre os conteúdos de matemática em favor de uma reformulação,

uma vez que elas não possuíam conhecimentos específicos de qualquer

matemática, a não ser a elementar, a mesma do(a)s aluno(a)s para compreender o

que estava envolvido, por exemplo, nos sistemas de numeração, nas operações

com outras bases e mesmo com relação às propriedades das operações. Havia

compreensão no mesmo nível do(a) aluno(a) e o entendimento das estruturas

mobilizadas, mas não se explicitava a integração, articulação com os conhecimentos

matemáticos específicos que estavam por trás deste ou daquele conteúdo da

matemática. Por essa lacuna, pode-se dizer que o fato de haver entre as

coordenadoras de matemática do Pedrinho, professoras primárias com licenciatura

plena em matemática ajudou a sustentar a proposta.

Para efetivar esse programa precisava de planejamento e organização das

atividades pedagógicas, o que demandou a ampliação de quadros docentes

especializados e, por isso, foram criadas as coordenações pedagógicas,

coordenações de série, supervisão educacional. Isto nos proporcionava uma base

organizacional tecnicista para viabilizar um processo de divulgação, centralidade e

garantir a identidade e unidade no processo de ensino aprendizagem de

matemática, de acordo com princípios teóricos e metodológicos, permitindo a

participação de alunos e alunas trazidos mais ao centro da cena, do que o(a)

professor(a) como de costume, numa perspectiva democrática para o acesso aos

saberes da matemática mais bem distribuídos. Ainda com relação ao aumento do

staff, aumentou-se também a duração da jornada de trabalho, de 20 horas para 40

horas. As professoras prestavam concurso para uma jornada de 20 horas semanais

e logo depois de admitidas o regime de trabalho mudava para 40 horas semanais. A

partir de 1995/6 passou a ser possível optar pelo regime de dedicação exclusiva.

74

Atividades recomendadas no livro: Primeiros Passos em Matemática, nos três volumes e Geometria pela transformações (vol.1) ambos de Dienes – Golding, 1977.

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O planejamento teórico e prático do programa de formação não teve a

participação de todas as professoras. Apenas um grupo deliberou sobre o programa,

contudo o plano definido contou com quase todas na sua execução. O plano de

matemática foi escrito pela Professora Diva Noronha e poucas alterações foram

feitas ao seu texto original. Havia uma grande preocupação, de que uma vez

trazendo crianças para o CP II, essas deveriam ter condições de obterem sucesso

na escola e certamente para isso precisavam de uma matemática que fosse

adequada e integrada à disciplina no 2º segmento.

O programa foi inovador no CP II exatamente por ser pilotado de maneira

organizada e sistemática num Colégio de tradição, por professoras primárias

acompanhadas por assessoria prestada por educadoras da redes estadual e

municipal que assim agregava valores à equipe de assessoras e às professoras que

inauguravam a matemática do Pedrinho. Uma vez que no início não foi adotado

nenhum livro didático, os exercícios eram elaborados pelas próprias professoras.

Era feita cópia e troca de material entre as unidades. Os alunos e alunas desde a

C.A tinham e ainda têm pastas de cores diferentes, uma para cada atividade. As

fichas das atividades em sua maioria eram numeradas ou datadas e a pasta era

esvaziada a cada bimestre. Apesar de não ter sido adotado livro didático durante

muitos anos, algumas professoras montaram apostilas para suas turmas. Na

unidade Humaitá, por exemplo, no período de 1994/96 a coordenação elaborou uma

coleção de apostilas de matemática (Figura 4) que entre outros objetivos visava

facilitar, em todas as séries, a dinâmica das pastas de exercícios avulsos, pois a

proposta de organização do material escolar previa a autonomia, disciplina e

organização dos alunos e alunas e isso não acontecia igualmente para todos e todas

e para alguns se tornava mais um fator para o mau relacionamento com a atividade.

Havia alunos e alunas que esqueciam as pastas, os exercícios e com as apostilas

esses problemas eram diminuídos. Dessa coleção de apostilas, no volume da 4ª

série, no tópico sobre frações era praticamente uma repetição das atividades de

fração do Projeto Fundão75. Outras professore(a)s de outras unidades também

75

Desde 1982, a equipe do Setor Matemática do Projeto Fundão realiza atividades de formação continuada de professores de Matemática, com grande aceitação em todo país. Realiza também pesquisa na área de Educação Matemática reconhecida internacionalmente. Sua experiência foi institucionalizada no Instituto de Matemática da UFRJ. http://www.projetofundao.ufrj.br/matematica/index.php?option=com_content&task=view&id=1&Itemid=47 acessado em 23/09/2012

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elaboraram apostilas, houve uma produção do Prof. Walter Tadeu e na Unidade

Tijuca da Professora Yara Barreiros. Apesar da proposta não enfatizar ou

recomendar a fixação de conteúdos, mas sim a compreensão dos conceitos feitos

através de atividades com material concreto, isto não era consenso entre todas as

professoras. Havia no grupo de professoras algumas mais tradicionais que

acreditavam no modelo de fixação através de muitos exercícios em provas. O

conjunto de professoras do Pedrinho não era homogêneo no que dizia respeito à

compreensão e aceitação da metodologia e a absorção da proposta. Não se pode

dizer que houve resistência ostensiva ou uma oposição, mas foi necessária uma

sensibilização longa para a incorporação da proposta.

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Figura 6: Capa de uma das apostilas de exercícios produzidas por Professoras das Unidades escolares de 1º segmento. Unidade Humaitá 1996.

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COMO FOI IDEALIZADA A PROPOSTA:

O PROGRAMA DE FORMAÇÃO

O trabalho com esse tipo de metodologia requer, sem dúvida, o conhecimento genérico desses pressupostos. Mas requer, principalmente, a compreensão por parte do professor de que apontar para a construção do conhecimento implica uma mudança de postura, de valores. (PGE 1996/7)

Este programa foi desenvolvido com o apoio de especialistas da SEEDuc_RJ,

contratadas. Essas professoras articulavam com competência e habilidade, teoria e

prática, integrando os aspectos pedagógicos referentes aos conteúdos. Essa parte

ficava mais “palatável” às professoras de 1ª a 4ª série, pois existia um saber mais

próximo da pedagogia e da metodologia, de como a criança pode aprender, do que

ela deve aprender, que conteúdos, tudo feito de forma adequada, dinâmica e

participativa. Essa abordagem era bem mais familiar às professoras. O que fazia

diferença era o nível de aprofundamento dos conteúdos escolares de Matemática

principalmente no que se referia aos conteúdos de 3ª e 4ª séries, atuais 4º e 5º

anos. Não houve um programa de atualização para professoras o Pedrão e essas

por sua vez, apesar de dominarem os conteúdos escolares de Matemática,

precisavam integrar os conteúdos escolares de Matemática principalmente no que

se referia aos conteúdos de 3ª e 4ª séries, atuais 4º e 5º anos com relação aos

aspectos pedagógicos e metodológicos e também se situavam pouco a vontade com

relação aos aspectos pedagógicos e metodológicos.

Podemos considerar que este programa foi uma estratégia, para a formação

das professoras deste segmento, na medida em que a formulação do programa e

seu desenvolvimento foi feito do lugar do poder. Forças foram mobilizadas para

garantir a implantação do programa, a ponto do 1º segmento ser “blindado” e estar

no início diretamente vinculado à Direção Geral sem passar pela Secretaria de

Ensino. Com essa estratégia foi possível transformar as incertezas instaladas sobre

o Pedrinho em espaços legíveis (Certeau, 1994). A equipe do Pedrinho construiu

uma proposta pedagógica para o ensino de Matemática com independência e

autonomia com relação ao Departamento de Matemática do Pedrão. Foi uma

proposta de vanguarda para o ensino da Matemática no 1º segmento, contando com

o apoio teórico e prático de grandes educadoras que atuavam na formação de

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professores do Estado do Rio de Janeiro. Não foi original, mas continha elementos

que iam de encontro ao que era praticado no Pedrão. O que nos permite dizer que a

qualidade do ensino proposta para e pelo CP II tinha como matriz o programa de

ensino oficial do Estado do Rio de Janeiro e foi implantada com o apoio de

educadores que lecionavam nas redes estadual e municipal. Podemos dizer que o

programa desenvolvido na escola federal foi elaborado por professoras que não

pertenciam a essa rede. Este plano foi importado e adaptado da proposta curricular

da rede estadual e municipal do Rio de Janeiro, o que implica também em dizer que

o movimento de reforma da matemática que se movia em curso silencioso mas

permanente teve mais uma oportunidade de instalar-se novamente dentro do CP II,

desenvolver-se e buscar consolidar-se configurando uma proposta própria com a

tradicional qualidade de ensino do Colégio.

O programa foi elaborado para as séries iniciais e esteve sujeito a críticas e

pressões por projetar um ensino de Matemática para crianças sem que tivesse o

caráter terminal, e sim de continuidade, pois elas continuariam na mesma escola, e

que não fosse preparatório para concursos de admissão, pois elas não precisariam

mais passar por isto, uma vez que estava garantida a continuidade do ensino de 8

anos. A questão centrava-se numa relação de poder, sobre quem o exerceria na

formulação do que viria a ser ensinado de Matemática no primário do CP II, quem

determinaria este programa numa escola que em 147 anos se pautava numa

proposta conservadora. Como se exerceria este poder?

A integração entre os dois segmentos do fundamental teve que ser bem

trabalhada. Tivemos o caso de um Diretor do Pedrão que aplicou a(o)s aluno(a)s

oriundo(a)s do Pedrinho uma prova do concurso de seleção (Figura 5) externa que

era feita por banca composta por professore(a)s de Matemática, especialistas do

Pedrão aos aluno(a)s saído(a)s do Pedrinho para saber se eles realmente estavam

aptos a ingressar na 5ª série do Pedrão. Já havia na unidade São Cristóvão turmas

que tinham concluído a 4ª série (1987) e foram encaminhadas do Pedrinho para o

Pedrão. Então o que justificava a aplicação de uma prova de seleção aos alunos e

alunas do Pedrinho quando três unidades de primeiro segmento já funcionavam e há

muito tempo já não se aplicavam mais exames de seleção? A aplicação desse

exame nos aluno(a)s do Pedrinho, pode nos levar a crer que ainda pairavam dúvidas

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sobre a performance das professoras polivalentes do Pedrinho com relação ao

processo de ensino e aprendizagem de matemática. Eventos como este e a tensão

nas reuniões nos levam a hipótese de que na disputa pela hegemonia do texto uma

das estratégias era a interdição do discurso das professoras polivalentes.

Figura 7: Exame de seleção aplicado aos aluno(a)s da seleção externa foi aplicado aos aluno(a)s vindos do Pedrinho em 1987. A proposta era bastante diferente.

Os planos trouxeram alguns trechos que traduziam as diretrizes pedagógicas

para o 1º segmento. Podemos destacar nesses planos algumas características que

foram sendo alteradas.

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1984 1988 1996/97 PPP_2001

Diretrizes Pedagógicas

Princípios Gerais

Interdisciplinaridade. “Rumo à Interdisciplinaridade”, marcado pela alteração do formato do PGE volume único por segmento e não mais por disciplina permitindo que os docentes de cada departamento tenham a visão do curo fundamental (2º segmento) em um volume e ensino médio em outro volume. Cada um desses volumes contendo todas as disciplinas buscando viabilizar a construção de um projeto interdisciplinar.

Diretrizes de Ensino

Objetivos Gerais

Metodologia, com ênfase na matemática

Organização / Grade curricular

A disciplinarização das atividades: apresentação por série e por disciplina

A organização curricular é feita através de componentes curriculares por ciclo ao invés de séries (Cap 5)

Objetivos Gerais

Sobre o aluno

Avaliação

Quadro 10: Princípios da proposta pedagógica contida nos planos.(elaborado pela autora)

No PPP podemos verificar fortes traços das influências dos PCNs trazendo

alterações de ordem organizativa, teórica, e na ordenação filosófica notadamente

pela troca dos objetivos por competências disciplinares, atravessado por um debate

filosófico com nuances políticas que colocam a educação em novos rumos que não

vamos abordar nesse estudo, mas que são considerados neotecnicistas pautados

numa educação voltada para o mercado e também em algumas referências de

algumas disciplinas.

Houve aceitação do corpo docente para o programa geral de formação em

serviço, contudo, pode-se notar uma certa resistência na parte de Matemática. Foi a

única assessoria da equipe a ser trocada.

O que pode ser analisado a luz da pouca afeição que as professoras das

séries iniciais tem por essa disciplina. Isto se espelhou nessa atitude de trocar a

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assessora. Posto que a matemática havia de ser trabalhada, trocar a assessora foi

uma marca da resistência, que as professoras primárias têm com relação a essa

disciplina. É interessante notar a relação que as professoras primárias tem com essa

disciplina, pois este sentimento perpassa a construção da proposta para o ensino.

No grupo das professoras das séries iniciais muitas delas tinham alguma

experiência no exercício do magistério no ensino fundamental.

Foi “relativamente” fácil agregar o ideário de Jean Piaget e Dienes à prática

pedagógica das professoras e produzir um relacionamento das estruturas

fundamentais da Matemática com as outras atividades da primeira a quarta série, o

que nos permitiu pensar de forma integrada nas séries iniciais. Porém, pensar mais

conteúdos de Matemática do que de Pedagogia e Metodologia era um pouco áspero

para as professoras sem formação em Matemática.

Pelo fato de as práticas escolares no Pedrinho lançarem mão,

frequentemente, de material concreto e de muitas atividades lúdicas e uma

sistematização “mais leve”, sem o rigor da disciplina, quando os alunos e alunas do

Pedrinho chegavam ao Pedrão, as professoras do fundamental II além de pedirem

aos alunos e alunas do Pedrinho para se identificarem levantando a mão elas

também diziam: “A partir de agora acabou a brincadeira!”, apresentando um

descaso, por chamar de “brincadeira” o trabalho realizado por professoras das séries

iniciais. Devemos dar atenção a essas representações, pois pode residir neste fato o

impasse entre a continuidade do processo de ensino e aprendizagem de matemática

ao longo do ensino fundamental e cristalizar a diferença histórica de tratamento e

segmentação dentro da categoria docente.

Este capítulo referente ao programa de ensino de matemática das séries

iniciais do CP II é a razão desse trabalho. Tocar essa questão por último significa ela

é o efeito, o produto de uma construção ao longo de um tempo que foi resgatado

nesse estudo. A proposta de ensino de matemática escrita para ser desenvolvida

nas séries iniciais do Colégio Pedro II pôde ser considerada um avanço, uma

conquista de muito(a)s que vieram desenhando uma escola pública de qualidade,

onde crianças fossem tratadas de acordo com suas competências e necessidades,

baseado no que havia de mais avançado e adequado em termos de educação

primária da época.

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Essa produção de práticas e saberes escrita no programa merece ser narrada

pois também foi um marco. Foi um trabalho que houve no CP II em que foi operada

uma reforma que emergiu de quem faz, das protagonistas, a reforma foi realizada

por quem atuava diretamente na sala de aula, dentro da escola contribuindo para a

alteração parte do acervo ideológico da professora Primária do ponto de vista

administrativo e pedagógico diante de todo o Colégio.

Este marco serviu de base para as futuras e permanentes alterações

ocorridas no colégio, uma vez que, como vimos, contribuiu para que fosse realizado

um rompimento com uma estrutura que não era muito questionada e muito pouco

permeável.

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CAPÍTULO 6

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo apresentou recortes da história da educação no Brasil com vistas

a favorecer a compreensão da trajetória do ensino primário desde as primeiras

letras, passando pela criação do CP II, onde após 147 anos o ensino primário veio

se estabelecer. Para entender por que esse encontro demorou tanto para acontecer

o encontro do ensino primário com o ensino secundário na mesma instituição CP II e

a trajetória deste segmento no interior desta casa de tradição no ensino.

Este registro foi configurado a partir da Independência, quando podemos

evidenciar entre os anos de 1824 e 1827 normativas que demonstraram o interesse

da jovem nação independente em organizar um sistema educacional no país,

buscando capturar de que maneira foi possível, ao longo de menos de dois séculos,

a educação ir se organizando e desenhando de modo a possibilitar a criação do 1º

segmento do ensino fundamental no CP II.

Tomamos, então, como principais marcadores, a Constituição de 1824 e a lei

de 15 de outubro de 1827, considerando-se esta última como o embrião da escola

primária no Brasil independente. No início, a oferta de ensino elementar, instrução

primária pública, foi insuficiente, e o ensino secundário beneficiou apenas parte da

população. O Colégio Pedro II, por exemplo, que foi criado na primeira metade do

século XIX, destinava-se à formação de pequena parte da população, a elite, e teve

status de colégio padrão por um longo período da história. A insuficiência de

orientações mais específicas revelava o reduzido interesse sobre o ensino primário,

comparando-se com o volume de determinações referentes ao ensino secundário.

Por outro lado, podemos notar na presença dos, ainda que poucos, tópicos sobre

ensino primário, que a nação não se podia furtar ao abordar o tema da educação. O

ensino primário foi trazido no âmbito das legislações, com muitas carências, até

1946, quando foi feita uma lei orgânica especificamente sobre esse tema, que

adquiriu maiores contornos na segunda metade do século XX, de forma mais

marcante nas leis de diretrizes e bases, sendo as mais expressivas determinações

para o ensino primário trazidas nas duas últimas LDBs: 5902/71 e 9394/96. A

educação primária, especificamente, tem bem pouco mais de cinquenta anos e a

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instituição deste segmento apresentou muitos problemas, que passaram pela

descentralização, desregulamentação, carência de recursos financeiros e de

pessoal.

Podemos observar as evidências do pouco caso dado ao ensino primário

dentro de um país com tantas precariedades na sua organização social, educacional

e política, quando comparados à prioridade que sempre foi dada ao ensino

secundário, que era considerado importante por ser via de acesso ao ensino

superior. Esse ideário acompanha a vida educacional do país até os dias de hoje.

Porém, as lutas pela qualidade de vida e de bem estar social protagonizadas

pelas camadas populares de uma forma ou de outra mobilizaram as elites de modo

a fazê-las “ceder” minimamente, reconhecendo essas demandas. Assim, a

universalização do ensino veio se consolidando e sua ampliação ganhou força com

a gratuidade e a obrigatoriedade da escolarização. Nos textos oficiais, podemos

verificar que o discurso da universalização também foi avançando, na medida em

que ampliava a idade para iniciar a escolarização das crianças, aumentando

oficialmente o ciclo fundamental. O ensino primário, ainda que mantendo a matriz de

1946, hoje prescinde do exame de admissão como forma de acesso ao ginasial

(fundamental II) e apresenta alterações importantes: ampliou-se com o pré-escolar,

atual educação infantil, e a oferta de ensino está garantida para crianças de seis

anos em diante nas séries iniciais.

Em todo o período estudado, é possível perceber que a educação reproduziu

o que ocorria na política nacional: a correlação de forças na sociedade entre a elite

que pretendia garantir seus privilégios na educação, a política internacional com

seus mecanismos de controle ideológico e as demandas das camadas populares por

mais acesso e inclusão. Os textos legais traziam, e trazem, à tona a preocupação do

Estado em se comprometer em ampliar a oferta do ensino em todos os níveis,

contudo, abrindo sempre a brecha, desde o início, para a expansão da iniciativa

privada, revelando assim suas contradições através do que pode-se dizer um

“compromisso descompromissado”, na medida em que o setor privado avançou nas

lacunas, nas muitas impossibilidades que são muitas vezes deixadas pelo Estado, e

trouxe para o seu interior avanços e recuos da própria sociedade na figura de seus

dirigentes e na expressão das suas normativas.

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A contar da era Vargas, marcada pelo governo provisório (1931), houve

importantes marcos para o que viria a configurar um sistema de educação no Brasil:

a reforma do ensino da matemática no CP II (1929/30), a criação do Ministério da

Educação e Saúde Pública (1931), o Manifesto dos Pioneiros (1932) e as reformas

Campos e Capanema, esta última com ênfase na Lei Orgânica do ensino primário

(1946). Conta-se, desde 1946, data que pode ser considerada a da primeira

estruturação sistemática do ensino primário, a Lei Orgânica de 1946, até o ano de

1984, data de inauguração do 1º segmento no CP II, com apenas trinta e oito anos

de organização e estruturação do ensino primário, matriz do que se tem configurado

no CP II.

Percebe-se que é muito recente, relativamente nova, a preocupação com a

criança, o olhar para o que seja ensinar crianças e as especificidades de seu

tratamento com vistas à escolarização. Tais preocupações foram marcadas no

Manifesto dos Pioneiros (1932), fortemente influenciado pelo movimento

escolanovista, que deu a linha mestra ao atendimento à demanda social pelo

tratamento dado à criança na fase inicial de escolarização; no Parecer 853/71 e,

mais recentemente, nas diretrizes para o ensino fundamental (séries/anos iniciais)

que vêm sendo pontuadas nas legislações que atualmente têm buscado ampliar o

atendimento nesses segmentos.

Em face a toda mobilização em torno de uma política educacional para

enfrentar os novos desafios do desenvolvimento, surgiram as propostas de ensino

que permitiriam o acesso e garantiriam maior acesso e permanência dos estudantes

no sistema fundamental de ensino, uma vez que ainda existiam os exames de

admissão/seleção/exclusão, na medida em que a oferta ainda não alcançava todos

os estudantes?

Com o intuito de escolarizar a maior parte da população, qual seria a

matemática que viria a ser praticada para o progresso da ciência e inserção num

mercado mais industrializado? Havia os históricos acordos MEC-USAID, com os

quais se pretendia dar condições de propor uma intervenção no que seria proposto

nos currículos escolares brasileiros através de investimentos para a formação de

professores. Esteve-se sob a influência do escolanovismo norte-americano e de

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modelos de ensino europeus que modificaram o quadro do ensino no Brasil. A

reforma de ensino da matemática proposta por Euclides Roxo no CP II é um

exemplo disso. Essa reforma alcançou todo o país, dada a projeção de Roxo como

diretor do CP II e sua proximidade com as autoridades e dirigentes do Ministério da

Educação dessa época.

A educação no Brasil ocupou-se tarde com a universalização do ensino

público para crianças. Somente a Lei 5692/71 tratou da obrigatoriedade do ensino

dos 7 aos 14 anos, juntando o primário com o ginásio, sob a denominação inicial de

Primeiro Grau – um segmento inteiro de oito anos. Mas o ideário da partição não se

apagou com uma penada e essa divisão ainda se manteve com o 1º segmento

(antigo primário) e o 2º segmento (antigo ginásio) do primeiro grau. Essa partição

trouxe como possível mensagem subliminar uma hierarquização do tipo “quem sabe

mais, quem ganha mais, quem estudou mais é mais valorizado” e isso ficou

representado no próprio valor dado à titulação e aos salários. Essa partição foi

traduzida no programa de matemática esvaziado dos cursos de formação de

professores das séries iniciais frente ao aprofundamento excessivo de conteúdo

apresentado na graduação e ao aligeiramento dado às disciplinas pedagógicas nas

licenciaturas. Atualmente, há uma tentativa de alterar esse quadro de diferenciação

na formação inicial dos professores que lecionarão no 1º segmento. Essa tentativa

está posta no texto da LDB 9394/96, mas ainda está em processo, visto que o curso

de formação de professores em nível médio ainda existe, gerando um corpo de

professores de séries iniciais mais (des)valorizados que outros. Atualmente, o

concurso para o ingresso de professores do Pedrinho não admite mais professores

formados apenas no nível médio, exigindo, para tanto, em edital, a habilitação em

curso superior, também para seguir uma orientação da LDB.

Pode-se dizer que o CP II sofreu duas grandes alterações em termos de

orientação curricular para o ensino de matemática. Uma vinda por dentro e por fora,

que afetava uma prática que já existia em nível nacional, como se pode constatar na

presença de Euclides Roxo no panorama educacional nacional; esse movimento,

porém, envolveu mais do que o CP II. A outra significativa alteração foi gerada no

interior do colégio, promovida pela proposta curricular conduzida pelas professoras

do 1º segmento, porém não formulada originariamente por elas. Essa nova alteração

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era protagonizada por dentro do Colégio, mas trazia fortes influências externas,

como ocorreu nos anos 30 e 40.

O Pedrinho, 1º segmento, trouxe a marca histórica do fosso entre o primário e

ginásio configurado na disputa pelo seu programa de ensino. Vale lembrar que essa

disputa ocorreu, diferentemente, em todos os departamentos das disciplinas do

núcleo comum, menos Educação Física e Educação Musical, nas quais os

professores eram dos respectivos departamentos, ainda que alguns desses

departamentos não quisessem dar aulas para crianças do 1º segmento.

O estudo da proposta veio também salientar as hierarquias, as cisões, as

diferenças e os preconceitos que afastavam segmentos da mesma categoria. Ainda

que no CP II, ser professor do Pedrinho ou do Pedrão não faz diferença enquanto

categoria administrativa de servidor público, a remuneração se dá por titulação, e

não pelo segmento em que se leciona. A diferenciação é da ordem do status, que é

também uma construção histórica que diferencia quem dá aulas para crianças, e

essa questão passa pela formação inicial do professor em qualquer rede. Por esse

motivo, não se pode deixar de tocar na formação de professore(a)s que vão lecionar

Matemática no primário e recomendar um estudo aprofundado sobre esse assunto.

De maneira geral, nesse caso, pode-se afirmar que o segmento da categoria

que leciona nas séries iniciais é majoritariamente feminino. No CP II, são todas

mulheres no 1º segmento. Muitas dessas alunas fizeram o curso normal porque

tinham medo ou não gostavam de matemática, pois esse é um dos componentes

que caracterizam a professora primária: uma certa aversão à Matemática. Elas

procuram nesse curso, um segmento da profissão docente onde a matemática é,

historicamente, tratada com menos importância ou atenção. Isso talvez tenha

contribuído para que no início do curso primário no CP II houvesse a expectativa de

que as professoras de matemática do Pedrão determinassem a matemática do

Pedrinho, bem como orientassem as professoras das séries iniciais, o que não

aconteceu por determinação do Diretor Geral do Colégio na ocasião.

Essa visão que se tem da matemática nas séries iniciais como menos

importante do que os processos de alfabetização estritos, por exemplo, podem ter

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sua origem no fato de que, por muito tempo, na educação brasileira, não foi dada a

devida importância ao ensino primário e, muito menos, ao ensino de conteúdos

matemáticos na escolarização de mulheres. Então, temos o seguinte cenário: muitas

mulheres, pouca matemática.

As novas professoras do CP II tiveram a tarefa e o desafio de criar uma

proposta de ensino de qualidade que levasse os alunos do Pedrinho para o Pedrão

sem a tradicional prova de seleção. Seriam essas professoras que proporiam qual

seria a matemática adequada a fim de garantir um bom desempenho para o

prosseguimento de estudos no fundamental II / 2º segmento e no ensino médio. Este

foi o ponto de conflito que remeteu a autora deste trabalho à reflexão sobre os

saberes, formação e identidade docentes, acreditando que esse material e essa

iniciativa do Colégio de inaugurar o 1º segmento conseguiu manter o ensino de

qualidade bem como impulsioná-lo a uma re-orientação pedagógica geral importante

no cenário educacional deste grande Colégio.

A implantação do 1º segmento do Ensino Fundamental no CP II permitiu

levantar algumas questões referentes à formação de quem ensina matemática nas

séries iniciais. Esses questionamentos nos remetem à identidade das professoras,

pois nesse contexto é muito bem marcada a formação inicial de quem leciona

matemática no Colégio. Professoras sem formação específica (polivalentes e com

formação), graduadas e licenciadas. Com essa diferença na formação inicial,

estabelece-se um conflito sobre quem define o programa de matemática do Colégio.

Apesar de todos os conflitos provocados pela adoção de outras metodologias,

novas teorias, diferentes correntes filosóficas e o conhecimento dos conteúdos

específicos, esse espaço de conflito programático foi determinante e construtivo

para todos os segmentos do Colégio.

Historicamente, as mulheres não se ocupavam - e ainda são poucas as que

se ocupam - em seguir carreiras profissionais em que seus currículos se baseiem

em profundo conhecimento de ciências exatas, com ênfase em física e em

matemática.

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Sobre o que era ensinado, o estudo sugere que o problema pode residir na

diferenciação dos saberes e motivações, o que a professora primária sabe para

ensinar Matemática e o que ela deveria saber para ajudar o aluno a prosseguir os

estudos, e o que a professora especialista sabe em termos de conteúdo e o que ela

deveria saber, também, para ajudar o aluno a prosseguir estudos com sucesso em

Matemática, e com isso, também, entender e explicitar uma forma de pensar um

ensino de matemática que seja de fato integrado, como pretende ser o ensino

fundamental.

A matemática ensinada no curso normal é, em grande medida, uma repetição

do que as estudantes viram no primário. Não há uma continuação, expansão ou

aprofundamento de conteúdos como ocorre no ensino médio regular. De modo

geral, as ciências físicas e biológicas no curso normal eram dadas de forma

integrada e aligeirada, contando com pouco tempo na grade. Pode-se dizer que se

ensina para a professoranda estritamente o que ela ensinará ao aluno, sem articular

os conteúdos, sem contextualizá-los ou integrá-los com a própria matemática. Em

síntese: a professoranda vai aprender a ensinar o que ela mal sabe e tornar-se a

professora primária-polivalente que vai conduzir a construção da base, dos alicerces

da aprendizagem, das estruturas do pensamento lógico matemático com conteúdos

de matemática que vão acompanhar, em grande medida, os alunos até a 6ª série/7º

ano. A ênfase no programa de matemática para o curso normal é dada ao “como

ensinar”, e não ao “o que se ensina”, “por que” e “para que se ensina”, partindo do

princípio de que a professora primária deve saber bem as formas de ensinar.

Desde Euclides Roxo não se produzia uma mobilização tão substancial no

ensino de matemática no Colégio. Pode-se constatar que foi possível vislumbrar

uma outra matemática nos textos dos programas de ensino de matemática que

passaram a ser praticados no CP II. Há muito tempo o Colégio não vivenciava em

seu interior uma oportunidade de alteração na proposição de seus conteúdos tão

mobilizadora. A criação do Pedrinho foi uma decisão determinante que fez, a médio

prazo, com que a matemática praticada no CP II passasse por uma reorientação.

Foi constatado sobre os departamentos, que o do 1º segmento e o de

matemática precisavam de um diálogo. Esse diálogo não foi simples ou fácil. Antes

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dele, porém, todo o departamento do 1º segmento passou por um processo amplo e

profundo de formação em serviço. A implantação do ensino de matemática nas

séries iniciais do CP II permitiu-nos constatar, na prática, algumas questões e

conflitos na passagem do 1º segmento/fundamental I para o 2º

segmento/fundamental II.

A abordagem feita em torno do discurso acerca da disciplina matemática e

sobre quem a ensina e quem a aprende, serve para mostrar que é possível

categorizar, hierarquizando, a população escolar a partir da medida ou profundidade

com a qual se domina a disciplina, e isso pode acontecer entre professoras que

lidam com essa matéria em diferentes graus de ensino, principalmente com a

professora primária polivalente, que nem sequer é especialista na disciplina. Tal fato

não é prerrogativa entre quem leciona Matemática. Isso pode ocorrer nas relações

entre as professoras polivalentes e as professoras especialistas de outras

disciplinas; porém, é um entrave determinante na Matemática, que já tem tantos

problemas como a vilã da repetência e exclusão.

Essa temática foi abordada citando a diferença entre os programas de

formação das professoras que são extremamente desiguais na distribuição dos

conteúdos específicos e dos saberes pedagógicos e metodológicos. Esses saberes

precisam ser articulados e equilibrados nos programas de formação de professoras

para realizar um ensino de matemática conectado às práticas educacionais mais

avançadas e adequadas na relação ensino e aprendizagem nas séries iniciais. As

relações de poder que se desenvolvem em torno do programa da matemática

escolar, que além de hierarquizar definindo quem sabe e quem não sabe,

evidentemente instala socialmente diferentemente as pessoas de acordo com essa

perversa categorização hierarquizante.

O ensino da matemática no CP II alterou-se, de certa forma, no conjunto da

obra. Houve algumas transformações de fundo durante um certo período, que

serviram de ponto para reflexão e consolidação de uma proposta que se distanciava

do ensino tradicional.

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Houve uma relativa “facilidade” em absorver o novo ideário devido ao fato

desse incorporar elementos da psicologia e uma metodologia centrada na ação da

criança, sujeito que aprende. Também não se pode dizer que houve unanimidade

em implantar a proposta do jeito como foi apresentada, O que havia, é que a maioria

das jovens professoras optaram por ousar a nova proposta. O fato de a maioria das

professoras do Pedrinho serem jovens (a média de idade era baixa, cerca de 25/27

anos) adicionou ânimo, disposição e ousadia para enfrentar a novidade no Colégio e

vontade de implementar a proposta.

Contudo, a prática escolar do Pedrinho formatou-se, buscando conciliar-se

um pouco às práticas do Pedrão. O ensino da matemática continua estruturado,

sequenciado, mas pouco se trabalha atualmente tal como era estabelecido na

proposta original, que nos aproximava do movimento de reforma da matemática,

com materiais concretos. Fala-se pouco de Piaget e Dienes. As novas gerações de

professoras que ingressam no Colégio não sabem dessa história; apenas lembram

que o CP II teve uma grande fase de vanguarda e esses “ares” vanguardistas

sopram o Colégio para a frente; mas são somente os ares.

Para que haja uma transformação no ensino da matemática que permita a

muitos o acesso ao conhecimento de seus conteúdos com sucesso escolar, é

necessário realizar alterações ainda mais profundas. É importante desconstruir a

prática da hierarquização pelos saberes, em que quem sabe matemática sabe mais

do quem domina outros conteúdos de outras áreas que não as exatas. Isto produz

um afastamento da matemática de um contexto mais político e solidário.

É preciso desconstruir a ideia da exatidão em Matemática no que atinge,

principalmente, o 1º segmento, e abrir mão de excessivo rigor na matemática,

possibilitando diálogo com outras áreas do conhecimento. Dessa maneira, será

possível promover “encontros” da matemática com outras disciplinas escolares; e, de

fato, interdisciplinarizar.

É necessário outro processo de formação continuada que articule as

respostas a algumas das questões levantadas com esse estudo sobre o primário do

CP II. O que ocorreu no Colégio com vistas à formação das professoras do 1º a 5º

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ano foi bastante inovador e consistente, e até hoje suscita debates e fomenta um

importante campo de pesquisa, campo no qual este trabalho se situa. Cada frase

leva a uma nova questão, levanta outra problemática, fato que constata a riqueza

valorosa dos trabalhos realizados nos Pedrinhos, em matemática, e certamente

também em cada atividade, em cada unidade em diferentes períodos. Merece

ampliar o capítulo 5 do PPP - Espaço de Conhecimento - e renomeá-lo para “Espaço

de Produção de Conhecimento”, de modo que ele apresente, além dos programas,

também um espaço para pesquisa. Assim, no próximo PPP, ter-se-ia um novo

capítulo: Colégio Pedro II – espaço de pesquisa e produção de conhecimento.

Devido à trajetória profissional da autora deste trabalho, dedicada, em boa

parte, à formação e coordenação de professoras, observa-se que uma orientação

política e pedagógica para o ensino de matemática não pode estar desvinculada de

sua trajetória histórica, associando cultura escolar, conhecimento acadêmico e

pedagógico para o trato com a disciplina, ainda mais por se tratar do primeiro

segmento – as séries/anos iniciais. O estudo busca ajudar a desvelar o que está

posto em jogo neste segmento: a disputa pelo programa de ensino, bem como a

correlação de forças entre grupos que pretendem ter para si o poder através da

hegemonia do discurso. A outra contribuição é que visa a tirar a professora primária

do lugar infantilizado, tentando revelar qual é o lugar que ela ocupa historicamente

em relação às especialistas.

O estudo em tela mostra com mais elementos que o conhecimento da história

da educação matemática no Colégio Pedro II possibilitará críticas e análises sobre a

construção das lutas ideológicas, e poderão fundamentar novas ousadias e, talvez,

alterações nos programas que hoje são praticados no Colégio.

E assim eu me escrevi e me inscrevi, Neste lugar de memória. Tenho muito orgulho de tudo isso, pois tudo isso me trouxe aqui!

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http://www.soleil.adv.br/leiorganicaensinonormal.htm

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201

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http://www.soleil.adv.br/leiorganicaensinoprimario.htm Dissertações e Teses: ANDRADE, Vera Maria Cabana de Queiroz. Colégio Pedro II – Um lugar de memória – Tese. Doutorado em Historia Social do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais – IFCS/UFRJ, 1999. DUQUE, Míriam Moreira. Laboratório de Ciências: Um Espaço de Descobertas. Um Olhar sobre a Experiência do Colégio Pedro II na Implantação da Proposta Curricular para o Ensino de Ciências nas Séries Iniciais. Dissertação. Mestrado em Ensino de Ciências do IFRJ _ Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro, Nilópolis, 2010. GUSSI, João Carlos - O Ensino da Matemática no Brasil: Análise dos Programas de Ensino do Colégio Pedro II (1837 A 1931). PPGE_Faculdade de Ciências Humanas. Universidade Metodista de Piracicaba. MEDINA, Denise. A produção oficial do Movimento da Matemática Moderna para o Ensino primário do estado de São Paulo (1960-1980). Dissertação de Mestrado em educação matemática. PUC-SP, São Paulo, 2007. RAMOS, Gloria M. A. Currículo Oculto/Implícito e Identidade Negra: construção e reconstrução multicultural no discurso escolar. Dissertação de Mestrado em Educação. UFRJ. Rio de Janeiro, 2006. MASSUNAGA, Magda. Rigaud. Pantoja. O Colégio Pedro II e o Ensino Secundário Brasileiro: 1930-1961. Dissertação. Mestrado em Educação da UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1989.

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ANEXOS

ANEXO 1 – Homenagem ao Pedrinho pela passagem do se Jubileo de Prata 25

Anos/ 1984- 2009

Caríssimas Companheiras.

Parabéns a TODAS pela homenagem justa e merecida por participarem deste

importante projeto.

O Departamento do 1º Segmento do Ensino Fundamental do Colégio Pedro

II foi agraciado com a MEDALHA PEDRO ERNESTO, honraria máxima concedida

pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro através do seu conjunto de Vereadores.

Além da Medalha serão dadas moções ou homenagens especiais a algumas

PROFESSORAS.

Solicitaram que fosse encaminhados nomes de professoras e funcionárias

que poderiam ser homenageadas nesta cerimônia. Encaminhei a Solicitação à

Chefe de Departamento.

Minha sugestão é de que esta homenagem seja feita em primeiro lugar às

“FUNDADORAS” que completam o aniversário e a outras que contribuíram para a

grandeza do Colégio e do Pedrinho para o qual tanto nos dedicamos.

Recomendo, como não poderia deixar de ser, uma homenagem especial à

Professora Vera Maria Ferreira Rodrigues, que além de sempre ter apoiado o

Pedrinho, hoje representa nos representa como uma MULHER, TRABALHADORA,

PROFESSORA que chega ao posto de comando máximo, a Direção Geral desta

instituição que tem o Pedrinho, como sua âncora. É sem dúvida um privilégio que

podemos compartilhar.

1. Dalva da Mota que foi a professora que assinou o projeto para a criação do

1º Ensino Fundamental no Colégio Pedro II. Ela foi a primeira Diretora da

Unidade São Cristóvão.

2. 2. Profª Claudia Benvenuto, foi responsável pela implementação de uma

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proposta pedagógica para o 1º Segmento que fez com que este apresentasse

um grande diferencial pedagógico e metodológico para o ensino de 1ª a 4ª

série no MRJ e também dentro do próprio Colégio Pedro II

3. In memorian ao Prof. TITO URBANO DA SILVEIRA - o Diretor Geral que criou

o “Pedrinho” – Unidades de 1º segmento.

4. Estas professoras foram Chefes de Departamento: Claudia Benvenuto

Azevedo Lima; Patricia Almeida Fernandes; Gloria Maria Alves Ramos;

Elizabeth Maria Granja França; Ana Maria de Souza e atualmente Ana Paula

Barros Jorge que deverá receber a homenagem do Departamento.

5. De resto segue a relação nominal das primeiras PROFESSORAS que

compuseram o quadro do Departamento iniciando esta jornada de muita luta,

sucessos e conquistas.

Relação das professoras concursadas em 1984 e que foram empossadas para

iniciar aulas em abril deste ano:

1. Alice Ribeiro de Castro 2. Elizabeth Maria Granja França 3. Rita Alves da Silva 4. Dalva da Mota 5. Claudia Benvenuto Azevedo Lima 6. Denise da Silva Ribeiro 7. Wlacy Pedreira Benvenuto 8. Rosangela Assunção de Freitas 9. Glaucia Soares Bastos 10. Tereza Maria Prallon 11. Marcia Maria Granja França 12. Eliete Ana Barbosa de Souza 13. Maria Lucia Martins 12. Aline de Brito Viegas 13. Marcia Cristina de Almeida 14. Aline de Brito Viegas 15. Marcia Cristina Almeida 16. Patricia Almeida Fernandes 17. Eliane Salim Antonio 18. Cristina de Souza Vergnano 19. Aura Tereza do Nascimento Teixeira

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20. Yara Barreira de Morais 21. Ana de Oliveira 22. Celeida Duarte Pimentel 23. Maria de Lourdes Teixeira 24. Vanda Pereira Brando 25. Lea Wajperlach 26. Inês Barbosa de Oliveira 27. Heloisa da Mota 28. Denise Sayde de Azevedo 29. Juçara Roque Carrapateiro 30. Edite Resende Vieira 31. Juliana da Silveira Torres 32. Ana Paula de Barros 33. Maria Tereza Lobianco 34. Simone Pires Domingues 35. Elizabeth dos Santos Barros 36. Juçara da Mota 37. Maria Luiza Abrunhosa 38. Dione Coelho Moreira 39. Ana Maria de Souza 40. Berenice Massiere de Castro Silva 41. Gloria Maria Alves Ramos 42. Maria Marta Mendes Nascimento 43. Valencia Mateus Nogueira 44. Ana Luiza Dias Bastos 45. Marcia Regina Mauricio de Lima

O texto abaixo é transcrição do DCM.

DCM – Diário Oficial do Poder Legislativo do Município do Rio de Janeiro

Ano XXXIII . Nº 63 . RIO DE JANEIRO

Quarta-feira, 8 de abril de 2009

Requerimento nº 110/2009

Requeiro à Mesa Diretora, na forma regimental, a concessão do Conjunto de

Medalhas PEDRO ERNESTO ao PEDRINHO – Departamento do 1º Segmento do

Ensino Fundamental do Colégio Pedro II, pelos seus vinte e cinco de relevantes

serviços prestados em prol da Educação em nosso Município.

Plenário Teotônio Villela, 6 de abril de 2009.

Vereadora CARMINHA JEROMINHO

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Com o apoio dos Srs Vereadores Tânia Bastos, Stepan Nercessian, Liliam Sá,

Bencardino, Carlos Bolsonaro, Roberto Monteiro, Claudinho da Academia, Vera

Lins, Leonel Brizola Neto, Patrícia Amorim, João Cabral, Ivanir de Mello, Cristiano

Girão, Tio Carlos, Carlo Caiado, Dr. Fernando Moraes e Elton Babu.

O Colégio Pedro II completará 172 anos. É uma instituição sesquicentenária e

carrega em sua trajetória a história da Educação no Brasil.

O Pedrinho afirmou, reforçou e consolidou a imagem do Colégio Pedro II

como elevador social e o fez para muitos, assim garante escolarização básica

(fundamental completa e médio) ininterrupta para crianças e adolescentes. O

Colégio Pedro II é uma escola pública completa há 25 anos por causa dos

PEDRINHOS.

O Pedrinho, trouxe mais democracia para dentro do Colégio, promoveu a

inclusão de direito e de fato, garantiu acesso e permanência dos alunos e alunas,

permitiu o acesso através de sorteio público, garantiu a permanência de estudantes

com apoio pedagógico e promove um ensino laico e de qualidade socialmente

referenciada. Atende o corpo discente dentro de uma concepção pedagógica

multicultural que admite acolher em seu interior toda a diversidade da sociedade

efetivamente sem qualquer discriminação.

Na década de 90 o Colégio foi eleito por três vezes a melhor instituição

educacional do Rio de Janeiro, ganhou outros prêmios nesta mesma categoria e no

ano de 2008, os quatro Pedrinhos ficaram entre as 20 melhores escolas em

desempenho no ranking produzido pelas avaliações oficiais nacionais.

Este resultado de sucesso é fruto do trabalho de cerca de 200

PROFESSORAS distribuídas em quatro unidades de 1º segmento – os Pedrinhos.

A resposta esta aí. São 25 anos de um Departamento que tem cerca de 200

PROFESSORAS, 200 turmas, 3700 alunos e alunas. Noventa e nove por cento das

professoras tem especialização lato sensu, outras com mestrado e doutorado. O

Colégio tem um plano de carreira que valoriza a PROFESSORA por seus estudos e

titulação, desta forma estimula as professoras a prosseguirem seus estudos,

construir uma carreira acadêmica consistente e competente e oferece condições

adequadas para que elas permaneçam lecionando no 1º segmento. Elas trabalham

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em regime de dedicação exclusiva, o nome já diz, e desta forma realizam este

trabalho que merece ser homenageado. Mais ainda porque tudo isto não foi doado,

foi conquistado com trabalho, competência técnica, acadêmica e compromisso

profissional com a Educação brasileira.

O 1º Segmento do Ensino Fundamental do Colégio Pedro II merece o

reconhecimento e a homenagem da Câmara Municipal do Rio de Janeiro como

exemplo de que é verdade que a Educação, em todos os seus aspectos

profissionais, trabalhistas, políticos e pedagógicos, é um motor que tem muita força

para construir “um outro mundo possível”.

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ANEXO 2 – Plano de noções espaciais (Leila Alcure)

Colégio Pedro II / Unidade Humaitá II - Proposta para o estudo de Espaço (1988)

C.A 1ª Série

2ª Série

3ª Série

4ª Série

1. Interior, exterior e fronteiras no espaço com atividades corporais.

2. Regiões no plano; necessidade de atravessar fronteiras.

3. Caminhos contínuo e descontínuos.

4. Regiões mais complexas com restrições do uso de cor

5. Vizinhança.

1. Esgotar o estudo das regiões

2. jogo de estátua (reprodução)

2.1 - Coletivo corporal 2.2 Em grupo com material

3. Simetria

3.1 - Observação do espelho

3.2 - Reprodução corporal

3.3 - Reprodução com material

3.4 - Reprodução com decalque

3.5 - Reprodução de faixas

Identificar figuras simétricas

4. Rotação 4.1 - Atividades corporais,

4.2 - Atividades com material

4.3 - Atividades com desenhos

5. Exploração dos sólidos

5.1 Contato tátil

Observações

Superfícies planas e não planas

1.Planificação do cubo e do paralelepípedo

2. Elementos principais

3.Diversas linhas (por dobradura)

4.// e l (por dobradura)

5.Mosaicos

6.Tangran

7.Formar a partir de 8

Diversas planificações de cubo

Segmento

Semi-reta

Polígonos

Comprimento – perímetro

Massa

Capacidade

Área

Relação: área x perímetro

1. Ângulo 2. Ângulo reto

Ângulo agudo Ângulo obtuso

3. Classificação dos triângulos

4. Classificação dos quadriláteros

5. Aplicações cálculos Quadrados Triângulos Trapézios

Esta proposta foi escrita pela Profª Leila Alcure enquanto foi assessora de Matemática nas séries iniciais do CP II

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ANEXO 3: Fundamentação Teórico – Metodológica apresentada no PGE _ 1º

segmento / 1996/7

2. Fundamentação Teórico – Metodológica

2.1. Geral

Considerações sobre a proposta metodológica do 1° Segmento do Colégio Pedro II

Texto escrito pela Professora Patrícia Almeida Fernandes – Chefe de Departamento do 1° Segmento

em 1991.

O 1° Segmento do Ensino Fundamental do Colégio Pedro II implantou, desde 1985, uma proposta

metodológica fundamentada principalmente na Teoria Psicogenética de Jean Piaget.

Uma proposta metodológica pode ser definida como um conjunto de procedimentos fundamentados

em determinados pressupostos teóricos.

A metodologia utilizada no Colégio foi sendo construída a partir do trabalho elaborado pelo

Laboratório de Currículos da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro, entre 1975 e

1979, que abrangia as diversas áreas do currículo escolar.

Hoje, tendo passado alguns anos desde a sua implantação no Colégio, pode-se constatar que a

prática, aliada ao aprofundamento teórico, trouxe algumas mudanças e algumas questões que vem

contribuindo para a melhor efetivação do trabalho. Este parece ser um molde, uma receita à qual a

realidade deve amalgamar-se. Ao contrário disso, a idéia contemporânea de cientificidade traz em si

um polo de simultaneidade e um polo de diversidade. O trabalho pedagógico deve ser compreendido

como um trabalho de pesquisa, onde o “professor-pesquisador” passa a ser um produtor de

conhecimento, a partir da reflexão sobre a sua prática, transformando-a e recriando-a em constante

interação com seus alunos.

Pondo de lado a polarização entre subjetividade e objetividade, tão valorizada pelos adeptos da

pesquisa experimental, considera-se que mais importante que estabelecer um acordo com relação a

um conteúdo estudado, é a possibilidade de se pensar um método de reflexão da realidade, a partir

do que se possa conceber posições próximas ou concordantes. Entende-se, como Paulo Freire, que:

“ . . . a realidade concreta é algo mais que os fatos ou dados tomados mais ou menos em si mesmos.

Ela é todos esses dados e mais a percepção que deles esteja tendo a população neles envolvida.

Assim, a realidade concreta se dá a mim na relação dialética entre objetividade e subjetividade”.76

Desse modo, o processo de aprendizagem não pode ser visto como um processo neutro que se

realiza em todos os lugares e para todos os sujeitos da mesma forma. É necessário criar condições

76 FREIRE, Paulo. Criando métodos de Pesquisa Alternativa: aprendendo a fazê-la melhor através da ação. In: Pesquisa Participante. Org. Carlos Rodrigues Brandão. São Paulo, Brasiliense, 1988, p.35.

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particulares para cada situação particular. É necessário compreender que a aprendizagem é um

processo em que estão envolvidos os sujeitos (alunos e professores) em relação com os objetos

(conteúdos a serem aprendidos).

A aprendizagem é um processo interno que não pode ocorrer sem a participação do indivíduo e de

seu ambiente sócio-cultural. Ela é a mediada pelo desenvolvimento cognitivo e este, pelos

determinantes sócio-culturais.

O desenvolvimento cognitivo compreende pensamento e linguagem. Piaget o estudou

profundamente, dando maior ênfase ao desenvolvimento das estruturas lógicas. Preocupou-se com a

gênese do conhecimento: conhecer como o Homem conhece.

Para Piaget, o conhecimento é sempre o produto de uma relação sujeito-objeto e cada tendência

teórico-filosófica explica a seu modo essa relação. Para Platão, o sujeito passivo, limita-se a receber

o conhecimento de um mundo já concebido- o mundo das idéias. Em Aristóteles, o sujeito tem

poderes para tomar consciência das formas, dando a elas conteúdos e abstraindo-as a partir de

percepções. Com René Descartes, surge o sujeito epistêmico, o sujeito do saber, capaz de assimilar

racionalmente a realidade física através de instrumentos lógico-matemáticos – o sujeito é o centro do

processo de conhecimento. Para os empiristas, que partem dos fatos observados metodicamente e

da experiência, a ênfase está no objeto. O sujeito, em Piaget, é o sujeito de estruturalismo. O

estruturalismo considera ter superado a polarização sujeito-objeto, ao introduzir um terceiro termo

nessa relação – as estruturas. Tanto o sujeito quanto o objeto possuem estruturas e é a interação

entre elas, no interior do organismo, que produz o conhecimento.

Para Jean Piaget, “uma estrutura é um sistema de transformações que comporta leis e que se

conserva ou se enriquece pelo próprio jogo de suas transformações, sem que estas ultrapassem suas

fronteiras ou façam apelo a elementos exteriores”.77 Uma estrutura compreende totalidade (relações

entre os elementos e o todo), transformações (internas a ela mesma) e a auto regulação (movimento

ininterrupto e constitutivo das estruturas).

Assim, os instrumentos operatórios do sujeitos nascem graças à ação no seio de um sistema material

que determinou suas formas elementares.

Piaget afirma que uma teoria de aprendizagem é passiva quando descreve a criança recebendo

passivamente o ambiente social. Ao contrário disso, considera a criança como sujeito ativo, que

constantemente descobre novas ações e as organiza em agrupamentos operacionais.

Dentro dessa perspectiva, a inteligência nada mais é do que uma evolução do seu comportamento

instintivo para o comportamento abstrato mais elaborado. O sujeito constrói seu conhecimento em

contato com as estruturas do ambiente.

77 PIAGET, Jean. O Estruturalismo. São Paulo, Difel, 1979, p.8.

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Piaget tenta identificar as estruturas de cada nível de idade e mostrar como se adaptam

mutuamente às exigências ambientais e como, por sua vez, modificam o que o ambiente exige.

Preocupou-se com as mudanças qualitativas que tem lugar na organização mental de uma pessoa

entre o nascimento e a maturidade.

A interpretação que Piaget dá ao comportamento humano assemelha-se à imagem de um

sistema complexo, mutuamente regulador e em equilíbrio. A organização interna, os invariantes

funcionais e a interação entre o organismo e o meio são fundamentais na compreensão do

desenvolvimento.

O organismo se adapta biologicamente ao meio pela ação e pela construção de estruturas

mentais.

O conceito de invariância trata do ajustamento contínuo de antigas estruturas a novas funções

e do desenvolvimento de novas estruturas para preencher, sob circunstâncias diferentes funções

antigas. O desenvolvimento está solidamente enraizado no que já existe e apresenta continuidade

com o passado. Ao mesmo tempo, as estruturas se transformam a fim de se ajustarem às novas

exigências. Tais adaptações, entretanto, não se desenvolvem isoladamente. Todas formam um

padrão coerente de modo que a totalidade da vida biológica se adapte ao ambiente.

A adaptação é um processo visto por Piaget como subdividido em dois componentes inter-

relacionados: a assimilação e a acomodação. São dois processos complementares e indissolúveis na

realidade concreta de qualquer ação adaptativa. A assimilação descreve a capacidade do organismo

para enfrentar novas situações e novos problemas com o conjunto atual de mecanismos. A

acomodação descreve o processo de mudança através do qual o organismo enfrenta situações

novas.

Melhor dizendo, a assimilação significa que o organismo admite, de acordo com sua

organização interna, aquilo que lhe é exterior. Ao mesmo tempo, o organismo acomoda-se ao que é

assimilado.

O paralelo comportamental da estrutura biológica é o esquema. O esquema pode ser uma

simples resposta a um estímulo ou ser um sistema global mais elaborado. Há esquemas cognitivos e

esquemas sensório-motores.

O organismo possui um conjunto de esquemas capazes de lidar com o meio ambiente. Com o

aparecimento de novas situações, os esquemas presentes podem deixar de ser adequados para

enfrentar a situação recém-descoberta e o organismo é lançado ao desequilíbrio, tratando assim de

se adaptar à nova situação e restaurar o equilíbrio. A esse processo, dá-se o nome de equilibração.

Piaget dedicou grande parte de sua pesquisa a descobrir como a criança constrói o conceito de

objeto, a conservação de quantidade e a reversibilidade dos agrupamentos. Buscou a gênese das

estruturas lógicas e ainda estudou as estruturas infralógicas de espaço e tempo.

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A partir do desenvolvimento perceptivo, a criança começa a aproximar objetos segundo

critérios variados. Inicia-se aí o processo de formação de classes e de relações entre os objetos ou

entre as classes. A criança faz primeiramente alinhamentos, passando a estabelecer critérios mais

definidos e a coordenar classificações simultâneas. Da mesma forma, estabelece relações

diferenciais entre os objetos, seriando-os segundo critérios únicos ou simultâneos.

Piaget estudou também a conservação de substâncias ou quantidades contínuas e a de

quantidades descontínuas, como base fundamental para a construção do conceito de número. A

partir dessa conservação e da construção do conceito de reversibilidade, a criança passa a operar

matematicamente.

No que diz respeito às estruturas infralógicas de espaço e tempo, Piaget considerou que o

desenvolvimento desses conceitos caminham no sentido do egocentrismo para a descentração..

Da mesma forma que essas estruturas infralógicas, Piaget observou que se dá o

desenvolvimento da linguagem. A criança evolui de uma linguagem egocêntrica e monológica

progressivamente, para uma linguagem social.

O trabalho com esse tipo de metodologia requer, sem dúvida, o conhecimento genérico desses

pressupostos. Mas requer, principalmente, a compreensão por parte do professor de que apontar

para a construção do conhecimento implica uma mudança de postura, de valores.

A par de ser o sujeito do conhecimento, o aluno é também o sujeito sócio-ideológico e o sujeito

do desejo.

Ao ingressar na escola, já traz consigo a ordem social na qual está inserido e que pré existe a

ele. Já compreende de algum modo as regras do jogo social e com elas convive em seu cotidiano.

Como sujeito do desejo, esse aluno deseja ser reconhecido pelo outro. Toda a sua produção

intelectual é, sem dúvida, permeada por essa relação professor-aluno como relação transferência,

onde há um encontro de desejos. A lógica da criança não é a lógica do saber – verdade, como é para

os adultos. Ela aprende a ler a vida com seu desejo e quer ter seu desejo reconhecido.

Propiciar a construção do conhecimento é, portanto, caminhar junto. É aceitar o saber do outro

(aluno) e compreender que nosso próprio conhecimento (professores) está sempre em construção.

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ANEXO 4 _ CP II – UH II / Ano 1991

Plano Bimestral de 1ª série – 2º Bimestre / Coordenação de Matemática (1º turno)

conteúdo objetivos

Sistema de

Numeração

Identificar o princípio de formação dos agrupamentos nas bases 3, 4, 5 e 10

Distinguir o VA e o VP de um algarismo de determinado numeral

Construir sequências numéricas ordenadas nas diferentes bases

Comparar numerais estabelecendo relações entre eles (= ou ≠); (maior ou menor)

Conceito de

adição e de

subtração

Decompor numerais até 18 de forma ordenada em duas parcelas

Efetua adições com totais até 18 (9+9)

Efetua subtrações com minuendo até 18 (18 – 9)

Conceito de

multiplicação e

de divisão

Relaciona corretamente os dados no problema na sentença matemática

Emprega corretamente a sentença matemática na solução de problemas

Emprega corretamente sinais (+), (-) e (=) nas sentenças matemáticas

Compõe sentenças matemáticas em problemas que envolvem as idéias de adição

(reunir / acrescentar)

Compõe sentenças matemáticas em problemas que envolvem as idéias aditiva da

subtração (quanto falta)

Plano Bimestral de 2 ª série

conteúdo objetivos

Sistema de

Numeração

Ler e escrever numerais até 999

Compõe e decompõe numerais até 999 em ordens

Distinguir o VA e o VP de um algarismo de determinado numeral

Identificar o antecessor / o sucessor e os consecutivos

Co

nceit

o d

e a

diç

ão

e

de s

ub

tração

algoritmos Resolver o algoritmo da adição sem e com reserva

Resolver o algoritmo da subtração sem e com recurso

Reconhece os termos da adição e da subtração

Solução

de

problemas

Interpreta situações problema envolvendo todas as idéias de adição e de

subtração

Emprega corretamente a sentença matemática na solução de problemas

Co

nceit

o d

e

mu

ltip

licação

e d

e

div

isào

conceito Decompor um número natural em fatores

Representar a decomposição através de sentença matemática

Solução

de

problemas

Resolve situações problema envolvendo as idéias da multiplicação

Arquivo pessoal da Profa Glorya Ramos