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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
FACULDADE INTEGRADA AVM
MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UM OLHAR NA
CONSTRUÇÃO DO SUJEITO CRIATIVO
Por: Adriana do Nascimento Alli
Orientador
Profª. Ms. Fátima Alves
Rio de Janeiro
2011
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
FACULDADE INTEGRADA AVM
MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UM OLHAR NA
CONSTRUÇÃO DO SUJEITO CRIATIVO
Apresentação de monografia à Universidade Candido Mendes como
requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Psicomotricidade.
Por: Adriana do Nascimento Alli
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu amor e músico da minha vida Alex Carvalho, por
musicalizar os meus dias, me dando inspiração e força para prosseguir. Aos
meus pais, Zande e Mohamoud. A minha mãe pelo apoio em todas as horas,
dedicação e amor incondicional. Ao meu pai, que onde quer que esteja, sempre
se faz presente em minhas ações e recordações, iluminando o meu caminho. A
mestra Fátima Alves, por tudo o que fez em ensinamento e vivência durante o
curso, abrindo minha mente.
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a todos os músicos que fazem parte da minha
história. Em especial, Fito Paez, que muito colaborou na vivência de diferentes
linguagens em sala de aula. A todos os educadores ligados ao ensino musical ou
que como eu, apenas vivem a música em seu cotidiano escolar. Aos queridos
alunos, que serviram de laboratório para este trabalho, sem eles a imaginação
não fluiria e tais experimentações não seriam possíveis.
RESUMO
A música é sempre bem vinda, estando adequada à qualquer situação,
em qualquer espaço. No espaço sala de aula, ela entra como instrumento de
centração, jogo, brincadeira, relaxamento, enfim, como recurso a ser explorado
de várias formas. Ela traz a criança para a participação, reunindo grupos,
servindo como espaço de descoberta e criação. Cantar, dançar, fazer mímicas,
já fazem parte da rotina de uma escola de qualidade. A música na educação
infantil é usada para observar e avaliar o desenvolvimento de expressão verbal e
corporal, o ritmo, o aumento significativo do vocabulário, as relações entre
linguagem oral e escrita para o conhecimento da cultura de diferentes partes do
país e do mundo, para desenvolvimento criativo, entre outros. Conhecer as
contribuições psicopedagógicas e psicomotoras da música na educação infantil é
o ponto principal para a compreensão do sujeito criativo. Por isto, pretendemos
com esta pesquisa, mostrar tais contribuições, partindo do processo de educar
na música, ou seja, do despertar. Para este estudo, foram consultados
principalmente, Friedenreich (1990), Gainza (1988), Howard (1963),
Nachmanovitch (1993), Vygotsky (1989). Adotou-se a pesquisa exploratória,
valorizando a experiência de pessoas ligadas à música e à educação.
Pretendemos assim, auxiliar os educadores para que tenham um novo olhar na
construção do sujeito criativo e tudo o que o determina (cultura, esquemas,
desenvolvimento, autonomia) através das contribuições que o ensino da música
oferece para a educação infantil. Os resultados alcançados apontam para: a)
Identificar as contribuições das cantigas populares na amplitude do
conhecimento de diferentes partes do país, b) Identificar de que forma a música
mobiliza os esquemas motor, cognitivo e afetivo da criança, c) Analisar com o
olhar psicopedagógico e psicomotor, as contribuições da música na formação do
sujeito criativo.
METODOLOGIA
Neste estudo pretendemos adotar a pesquisa exploratória, valorizando a
experiência de educadores ligados à música.
Fez-se uso da entrevista estruturada com perguntas abertas, usando
como recurso o gravador.
Tais entrevistas ligadas à teoria irão nos guiar para a abordagem plena
do assunto trabalhado.
Pretendemos com este estudo, auxiliar os educadores, para que tenham
um novo olhar na construção do sujeito criativo e tudo o que o determina
(cultura, esquemas, desenvolvimento, autonomia), através das contribuições
que o ensino da música oferece para a educação infantil.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I - AS CONTRIBUIÇÕES DAS CANTIGAS POPULARES NA
AMPLITUDE DO CONHECIMENTO DE DIFERENTES CULTURAS
CAPÍTULO II - A MÚSICA E A MOBILIZAÇÃO DOS ESQUEMAS MOTOR,
COGNITIVO E AFETIVO
CAPÍTULO III - O OLHAR PSICOPEDAGÓGICO E PSICOMOTOR,
RELACIONADO AS CONTRIBUIÇÕES DA MÚSICA NA FORMAÇÃO DO
SUJEITO CRIATIVO
CAPÍTULO IV - OUVINDO OS PROFESSORES E ARTICULANDO COM
OS TEÓRICOS ESTUDADOS
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ÍNDICE
8
INTRODUÇÃO
Antigamente, a música não era usada como recurso e sim, como algo
mecânico. A criança era obrigada a escutar a professora tocar um instrumento,
para em seguida repetir o feito. A atividade em geral não era voltada para
música e sim, para os problemas de execução instrumental. É fato que só
avançamos quando repetimos uma ação pelo puro prazer de fazê-lo. Não
existe instrumento difícil para criança. O que sempre foi muito difícil, foi impedir
os adultos de fazerem com que as crianças perdessem o desejo e o prazer de
trabalhar, perdessem a possibilidade de criação.
Assim, a música era aprendida com gosto nas ruas, sobre a forma de
cantigas de roda, ou ainda, aquelas que acompanhavam as brincadeiras. Nas
ruas a imaginação encontrou campo fértil. A maioria dessas cantigas é
acompanhada de movimentos e formas de brincar, que variam segundo a
cultura de cada lugar do mundo. Muitas trazidas por outros povos, como os
portugueses, africanos, espanhóis e tantos outros, sendo incorporadas e
transmitidas a cada geração.
Já a escola de hoje, usa a música como um recurso no processo ensino-
aprendizagem. Cantar, dançar, fazer mímicas, já fazem parte da rotina de
atividades de uma escola de qualidade. A música na educação infantil é usada
para observar e avaliar o desenvolvimento da expressão verbal, a expressão
corporal, o ritmo, a memória, o aumento significativo do vocabulário, as
relações entre linguagem oral e escrita, para o conhecimento da cultura de
diferentes partes do nosso país e do mundo.
Nós, educadores, devemos ter o olhar observador, dando ênfase à
totalidade do grupo que a música traz para sala de aula. Totalidade que se
diferencia, por complementariedade e reciprocidade dos papéis e dá origem às
regras de convivência, sempre usadas de acordo com os interesses e valores
predominantes no grupo.
9 A educação musical nos dias atuais, é vista como espaço de descoberta
e criação. Ela une grupos, motiva, traz os indivíduos para a participação, liberta
sentimentos. Educar na música é, portanto, despertar. Tal ação nos move,
tornando-se indispensável entregarmo-nos a ela desde os primeiros anos de
vida, para que mais tarde, possamos ver os resultados desta educação como
uma tendência natural de nosso ser, fazendo dela uso permanente.
Para que este despertar ocorra, nós precisamos nos convencer de que
a música é uma das principais heranças que a humanidade carrega desde a sua
origem e que portanto, devemos valorizá-la, conservá-la, ensiná-la e sobretudo
utilizá-la, para que a vida de todo ser humano se torne mais rica, doce, digna e
profunda.
Pretendemos com este estudo mostrar as contribuições da música na
educação infantil, para a formação do sujeito criativo e de tudo que o envolve,
partindo do processo de educar na música, ou seja, do despertar.
Abordaremos primeiramente no capítulo chamado As contribuições das
cantigas populares na amplitude do conhecimento de diferentes culturas, o valor
que deve ser dado a bagagem cultural que cada criança traz consigo. Após
valorizarmos tal herança social, mostraremos qual o papel da escola na
ampliação das experiências trazidas de casa e no ato de promover o contato
com diferentes costumes, hábitos e expressões culturais. Para firmar a
importância do ato de tal promoção feita pela escola, faremos um relato de
experiência, mostrando na prática as contribuições das canções na amplitude do
conhecimento de diferentes culturas.
No capítulo seguinte chamado A música e a mobilização dos esquemas
motor, cognitivo e afetivo, abordaremos sobre as etapas do ego, para
justificarmos o motivo pelo qual usamos esses três esquemas em um só
capítulo. Em seguida, focaremos na mobilização de tais esquemas partindo da
educação musical e mais uma vez, frisaremos a importância de trabalharmos a
música nas escolas.
No terceiro capítulo, O olhar psicopedagógico e psicomotor, relacionado
as contribuições da música na formação do sujeito criativo, abordaremos a
10 evolução no ato de criar dos seres humanos, as diferentes formas que tal
criatividade é demonstrada e principalmente, a importância da autonomia na
formação do sujeito criativo.
E para encerrar no capítulo Ouvindo os professores e articulando com
os teóricos estudados, demonstraremos as entrevistas feitas com três
profissionais de diferentes formações, porém todos ligados à educação musical
nas escolas. Como 2° momento, faremos partindo da leitura das falas dos
entrevistados, a articulação com os teóricos estudados.
Os profissionais ligados à educação no âmbito geral, serão os
beneficiados com este estudo, que os ajudará a desenvolver um outro olhar
relacionado à educação musical e todos os fatores positivos que a envolvem.
11
CAPÍTULO I
AS CONTRIBUIÇÕES DAS CANTIGAS
POPULARES NA AMPLITUDE DO CONHECIMENTO DE
DIFERENTES CULTURAS
Quando ouvimos “atirei o pau no gato” ou “ciranda cirandinha”, na
mesma hora nos reportamos a nossa infância e vivenciamos doces recordações.
Essas canções, como tantas outras, passaram de geração a geração e nunca
nos perguntamos quem são os seus autores. Sabemos apenas que a vovó
ensinou para a mamãe que nos ensinou. Mas quem ensinou para a vovó? A
resposta desta pergunta não é nada difícil, pois a vivenciamos em nosso
cotidiano sem perceber; é a chamada cultura popular, cultura esta que se
manifesta de diferentes maneiras: nos costumes, na música, na dança, no teatro,
na religião, nas crenças e nas histórias. Como cita Rosa:
“O domínio do homem na terra deve-se ao
desenvolvimento do seu poder de raciocínio, resultado
de um equipamento mental diferenciado. Tal
predomínio igualmente se deve à transmissão dos
costumes do saber comum, dos ancestrais a seus
descendentes, numa linha que se somam modificações
e criatividade resultantes de experiências das gerações
que se sucedem. Segundo Ralph Linton, isto é herança
social, melhor dizendo cultura.” (Rosa, 1990, p218).
Todos nós, sabemos que, quando estamos trabalhando com a música,
entendendo-a como parte intrínseca no homem, estamos recebendo uma boa
dose de cultura. Uma educação que exclua a música não pode ser considerada
completa. Não podemos esquecer da insistência de Platão que dizia que a
educação devia concentrar-se em duas atividades: a ginástica e a música. A
primeira com o treinamento do corpo e a segunda, do espírito.
Pitágoras introduziu a educação musical na Grécia (século VI a.C),
tendo a música exercido grande influência na rotina da sociedade, não só como
12 importante aspecto cultural, mas como vital para a harmonia do cosmo, sendo
tão estudada e valorizada como a aritmética, geometria e física, representando
cada um desses estudos um complemento para o equilíbrio do Universo.
Gorman, assinala que:
“ Não apenas no preparo das faculdades psíquicas dos
seus discípulos, mas também em sua educação,
atraindo-lhes a atenção para os belos sons e formas.
Aparentemente, Pitágoras e seus discípulos
posteriores acreditavam na beleza dos sons
individuais, havendo para eles notas musicais
aparentemente belas, assim como havia lindas formas
dotadas de sublime perfeição, como o círculo. Isso
poderia ser chamado de educação estética, que
constituíra um importante componente da cultura
grega.” (Gorman, 1979, p179).
A cultura grega dá grande valor a seus filósofos, à estética de sua
arquitetura, a belos sons; e o Brasil? Certamente a miscigenação de culturas
favoreceu a formação de nossa cultura que recebeu diferentes contribuições de
várias partes do mundo. Fomos “descobertos” e colonizados, como conta a
nossa história, pelos portugueses. Estes, trouxeram os africanos para os servir
como escravos. Ainda com as disputas pelo comércio, houve o afluxo de
estrangeiros que trouxeram suas culturas: espanhola, francesa, e muitas outras.
Temos como alta influência e contribuição no conjunto do folclore brasileiro,
povos de três continentes: portugueses e espanhóis (europeu), africanos e
indígenas.
Na contribuição portuguesa, observamos as cantigas de ninar, rodas
infantis, aboios (para conduzir o gado), quadrinhas, acalantos, autos e
dramatizações (marujada, pastorinhas, moçambique, catira e pau-de-fita).
Na espanhola, observamos a contribuição em danças, como a
chimarrita.
A contribuição africana incorporou ao folclore nacional cantigas e
13 danças, como congada, capoeira, quilombo, maculelê, maracatu, samba de roda
e batuque. Os africanos também contribuíram na construção e uso de
instrumentos musicais como berimbau, afoxé, caxixi, agogô.
Os índios colaboraram nas danças como caiapós, reisados e o bumba-
meu-boi e nas canções, em cantigas infantis como: sapo cururu. Nos
instrumentos, a grande contribuição, foram os tambores.
Analisando tais contribuições Segala de Romero, cita o seguinte:
“Ancorado no mito das três raças, reúne cantos,
contos, fieiras de um imaginário mestiço que valora no
cadinho cultural e branqueamento, a aura lusitana. A
contribuição das raças consideradas inferiores – dos
negros e índios, nesse apanágio das raízes, só se dá
mediante a reforma mestiçadora: ‘selvagens e
africanos’ não são considerados ‘autores diretos’
exigindo o “mestiço” como ‘agente transformador’.”
(Segala, 2000, p69).
A transmissão do saber e dos costumes, dos ancestrais a seus
descendentes, numa linha que se somam modificações e criatividade, é o que
chamamos de herança social ou cultura. Tal herança, carregamos em nosso
cotidiano sem ter percepção disto. Os nossos costumes vêm da herança que
nossos ancestrais nos deixaram. Nossas religiões e crenças fazem parte da
cultura construída pelo povo e inserida em nossas famílias. Tudo isto é a cultura
espontânea, que além de estar inserida em nosso cotidiano como objeto do
folclore se manifesta de diferentes formas. Para Vygotsky:
“A internalização das atividades socialmente enraizadas
e historicamente desenvolvidas constitui o aspecto
característico da psicologia humana; é a base do salto
qualitativo da psicologia animal para a psicologia
humana .” (Vygotsky, 1984, p65).
14 O pensamento de Vygotsky com relação a cultura, é de que os seres
envolvidos estão em constante processo de recriação e reinterpretação de
informações, conceitos e significados.
“Ao tomar posse do material cultural, o indivíduo o
torna seu, passando a utilizá-lo como instrumento
pessoal de pensamento e ação no mundo. Neste
sentido, o processo de internalização, que corresponde
à própria formação da consciência, é também um
processo de constituição da subjetividade a partir de
situações de intersubjetividade. A passagem do nível
interpsicológico para o intrapsicológico envolve assim,
relações interlimitadas a um patamar meramente
intelectual. Envolve também a construção de sujeitos
absolutamente únicos, com trajetórias pessoais
singulares e experiências particulares em sua relação
com o mundo e, fundamentalmente, com as outras
pessoas.” (Oliveira, 2000, p80).
E a criança? Como fazê-la entender tudo isto?
O papel da escola na educação infantil é de ampliar as experiências
trazidas de casa e promover o contato com diferentes costumes, hábitos e
expressões culturais.
Ao ingressar na escola a criança traz em sua bagagem, apenas o que já
vivenciou da cultura em sua família. Quando começa a ter contato com outras
crianças, ocorre a troca de experiências, que tem um imenso valor na construção
da chamada cultura espontânea.
O educador deve estar atento a estas trocas de experiências, para que
possa motivar a ampliação do conhecimento de diferentes culturas. Valorizando
este conhecimento, ele poderá trabalhar a nossa cultura popular, que engloba a
compreensão de aspectos de nossa língua, de nossos costumes, de nossa
história e principalmente de nossa realidade social.
Neste momento, a música entra como agente facilitador deste processo.
Se for usada de forma adequada e bem trabalhada, facilitará a formação do
15 sentimento de cidadania nas crianças, levando-as a compreender sua
importância e seu papel na sociedade.
“As atividades musicais contribuem para que o
indivíduo aprenda a viver em sociedade, abrangendo
aspectos comportamentais como disciplina, respeito,
gentileza, polidez e aspectos didáticos, com a formação
de hábitos específicos, tais como os relativos a datas
comemorativas, a noções de higiene, a manifestações
folclóricas e outros.” (Rosa, 1990, p22).
Esta parte social na educação musical infantil é um trabalho muito
complexo, mas é a partir dele que a criança começa a desenvolver o respeito
mútuo, partindo dos grupos formados em corais, bandinhas, teatro e rodas
cantadas. A complexidade deste trabalho se encontra na preservação da
expressividade de cada indivíduo envolvido na atividade, tendo que conciliar
posturas diferentes. Este é um difícil trabalho de observação e atenção do
educador, que deve valorizar todas as formas de expressão escolhidas pelas
crianças. Quando ocorre o desentendimento no grupo (muito normal nesta
faixa etária), o educador deve interferir, promovendo a conciliação e
incentivando o respeito mútuo.
Embora haja quem pense que só podem trabalhar a linguagem musical
quem sabe música, perdem a chance de experimentar o prazer de observar a
evolução e construção de aspectos primordiais para a formação do indivíduo.
Formação plena pois engloba a formação do cidadão, do sujeito criativo, do
sujeito consciente de seu papel na sociedade, de um sujeito respeitoso, de um
sujeito explorador, de um sujeito feliz...
Como cita Frances Wolf, em Gainza: “Educar-se na música é crescer
com plenitude e alegria – Repito: crescer com plenitude e alegria. Que destino
ideal! “(Gainza, 1988, p17).
Ideal mesmo! Se pensarmos que a música ajuda a manter viva a chama
da curiosidade pelo saber. Pois o ritmo musical induz ao movimento do corpo e
a melodia estimula a afetividade. Daí concluímos que a música movimenta,
16 mobiliza, e portanto contribui para a transformação e desenvolvimento do
homem.
Rosa assinala que: “a criança comunica-se através do corpo e,
cantando, ela é ela mesmo, ela é seu próprio instrumento.” (Rosa, 1990, p23).
Sendo assim, a criança não precisa saber a autoria do que está
cantando, até mesmo porque, canções folclóricas possuem autoria anônima.
Ela precisa apenas de sua liberdade e criatividade para se transportar para as
canções e fazer delas objeto de seu aprendizado e do desejo.
Assim, nós como educadores devemos sempre valorizar a cultura
própria de nossas crianças, permitir e dar subsídios para a criação e recriação
da própria cultura do país, cultivando o respeito à manifestação folclórica, seja
ela individual da criança ou a do grupo a que ela pertence.
17
1.1- Relato de experiência: As contribuições das canções na
amplitude do conhecimento de diferentes culturas.
A ideia do tema ligado à música para realização deste trabalho, permitiu
a união de dois aspectos fundamentais: a criança, não só ligada à área
pedagógica ou psicológica e a música, não só voltada ao descompromisso de
apenas ouvi-la. Possibilita utilizar a música para fazer um estudo teórico sobre
questões relativas à infância e procura entender a criança através de um outro
olhar; o olhar da arte, da emoção, o olhar musical. Para realizar este estudo,
foi feito das aulas na Pré-escola II (antigo Jardim III – faixa etária de 4/5 anos)
um laboratório, onde foi experimentado o olhar da criança e sua apreensão,
dependendo do ritmo tocado a cada momento. E os estilos foram diversos. Foi
do estilo clássico ao rock´n roll, percebendo variações positivas no
comportamento do grupo. Este estudo foi iniciado, introduzindo no cotidiano
das aulas, músicas infantis. Em seguida, foi introduzida a música popular
brasileira, sempre voltada ao que estava sendo trabalhado no momento. Por
exemplo: quando trabalhou-se frutas, tocava Alceu Valença (canção- Morena
Tropicana); quando trabalhou-se o valor da figura materna, tocava Carlinhos
Brown (canção- Mãe que Nasci); quando trabalhou-se água, tocava Jorge
Benjor (canção- Chove Chuva), Guilherme Arantes (Canção- Terra Planeta
Água), Gilberto Gil (canção- Tenho Sede), entre outros. Assim a música deixou
de ser uma surpresa e se tornou forte agente facilitador do processo de
aprender no cotidiano dos alunos. A música serviu até para dar ganchos em
histórias criadas pela turma ou para trabalhar a identidade dos alunos, com a
canção “Espinho na Roseira / Drumonda”, inspirada em uma poesia de Carlos
Drumond de Andrade, da banda Karnak.
Mesmo já fazendo parte do cotidiano do grupo, sempre foi frisada a
importância de cada obra artística e sempre tentou-se buscar no grupo,
hipóteses de como certas músicas eram feitas e porque o compositor resolveu
falar daquele tema. As respostas que saíram no decorrer da pesquisa foram
engraçadíssimas, porém demonstravam que a construção do saber, a partir da
música, estava em constante evolução, amadurecendo cada vez mais. Para exemplificar tais respostas, um dia foi perguntado ao grupo, porque
18 Jorge Benjor em 1963, resolveu compor a música “Chove Chuva”. No mesmo
momento, um aluno se levantou e respondeu: “Porque onde ele morava chovia
muito e ele tinha uma namorada muito bonita que não gostava de se molhar”.
Os compositores expressam através da música, as concepções de vida
e de mundo em sua época; expressam a experiência que não é apenas deles,
individualmente, mas de uma coletividade. Tentou-se passar para o grupo de
alunos, que os compositores e suas canções são fruto de um determinado
contexto sócio-cultural, de um certo momento histórico. Eles funcionam como
uma espécie de porta-voz de seu grupo social, exprimindo vivências, valores,
experiências comuns desse grupo.
No que diz respeito à criação artística, Vygotsky (1987) segue esses
mesmos caminhos. Para ele, toda a obra de arte, apesar de constituir-se como
produção individual, tem essa dimensão social, histórica e ao mesmo tempo,
individual e anônima. Ele cita que: “Todo inventor, por genial que seja, é
sempre produto de sua época e de seu ambiente [...] Nesse sentido estrito da
palavra, em todos existe sempre uma colaboração anônima”. (Vygotsky, 1987,
p38).
Assim, foi trabalhado no decorrer da pesquisa as hipóteses e a
apreensão de músicas diversas. Resolveu-se sair do âmbito nacional e
experimentar também o internacional. Experimentou-se primeiramente
canções de Fito Paez, músico argentino muito admirado, possuidor de
belíssimas canções. Primeiro deixou-se tocar durante uma atividade que as crianças
precisavam de concentração para realizar. Foi observado que se sentiram à
vontade e gostaram do som. Então experimentou-se de novo, em um tempo
de trabalho psicomotor a canção “Mariposa Tecknicolor” da obra intitulada
Circo Beat (1994), que possuía o ritmo ideal para tal circunstância. O grupo
adorou. Alguns alunos pediram para parar a atividade, pois a língua era
engraçada e muito parecida com a nossa. Eles quiseram escutar a música e
conforme ia tocando, eles iam perguntando sobre certas palavras,
hipotetizando os seus significados. Foi incrível observar que o grupo foi
estimulado pela sonoridade semelhante entre as línguas, criando com isso
19 uma visão sonora da própria língua. Assim, o processo de estímulo à
linguagem oral foi trabalhado, partindo da sonoridade da nossa língua em
comparação a outra. Oliveira nos fala que a questão do significado ocupa
lugar central nas análises de Vygotsky sobre a linguagem:
“O significado é componente essencial da palavra sendo,
ao mesmo tempo, um ato de pensamento, na medida em
que o significado de uma palavra já é, em si, uma
generalização. Isto é, no significado da palavra é que o
pensamento e a fala se unem em pensamento verbal.”
(Oliveira, 2000, p80).
Será descrito a seguir, a letra da música “Mariposa Tecknicolor”,
grifando as palavras que eles acharam curiosas ou descobriram o significado
partindo da semelhança com a nossa língua.
“Todas las mañanas que vivi
todas las calles donde me escondí
El encantamiento de un amor,
el sacrificio de mis madres,
los zapatos de charol...
Los domingos en el club
salvo que Cristo sigue allí en la cruz
las columnas de la catedral
y la tribuna grita gol,
el lunes por la Capital
Todos yiran y yiran
todos bajo el sol
se proyecta la vida
Mariposa tecknicolor
Vi sus caras de resignación
Los vi felices llenos de dolor
ellas cocinaban el arroz,
él levantaba sus principios de sutil emperador
20 por fin todo sucedió,
sólo que el tiempo no los esperó
la melancolía de morir en este mundo
y de vivir sin una estúpida razón.
Todos yiran y yiran
todos bajo el sol
se proyecta la vida
Mariposa tecknicolor
Cada vez que me miras, cada sensación
se proyecta la vida
Mariposa tecknicolor.
Yo te conozco de antes
desde antes del ayer
yo te conozco de antes
cuando me fui no me alejé
Llevo la voz cantante
Llevo la luz del tren
Llevo un destino errante
Llevo tus marcas en mi piel
Y hoy sólo te vuelvo a ver...” (Fito Paez,1994)
Ao final da atividade eles estavam encantados com o que descobriram.
Esta canção passou a ser pedida em quase todas as atividades. Alguns
chamavam de “música maluquinha”, outros de “música do Fito” e ainda, a
“música da mariposa”.
Após ter-se trabalhado bem a sonoridade da língua, foi resolvido testar o
ritmo. Foi colocada a música “Mariposa Tecknicolor” tocada em outro ritmo,
completamente diferente da que eles conheciam, um ritmo bem mais lento, da
obra “Euforia” (1997). A música começou e ninguém se pronunciou. No meio
da música, uma aluna chegou e perguntou se essa não era a “música
maluquinha”. E com o decorrer da música, os outros também foram
percebendo e vieram perguntar porque a “música do Fito” estava diferente. Foi
pedido que eles descobrissem o que tinha mudado na música. E depois de um
21 tempo escutando, um aluno respondeu: “Ela ficou devagar, parece que o Fito
está com sono ou então, triste”.
E o outro retrucou: “Não! O que mudou foi o ritmo. Era rápida e agora
ficou devagar”.
Todos concordaram com ele, e partindo deste gancho, foi perguntado se
podíamos mudar o ritmo de outras músicas e lançou-se o desafio. O ritmo de
várias músicas infantis foram modificadas, deixando ora mais lenta, ora mais
rápida. A canção “Mariposa Tecknicolor”, virou o hino da turma. Foram
trabalhados tantos aspectos relacionados à música e o processo de aprender
com ela, que se tornou a canção mais marcante do ano.
Pôde-se concluir a partir desta experiência, que a obra não está
terminada quando o músico encerra os últimos acordes. Quem aprecia, quem
escuta, quem “recebe” a obra é, ao mesmo tempo, seu co-autor, pois ali
também irá imprimir seus significados.
“É nesse diálogo, na fusão de todos estes sentidos
que a obra de arte acontece. Na música, como na
pintura, e até mesmo na palavra escrita, que é a mais
positiva das artes, há sempre uma lacuna completada
pela imaginação do ouvinte”. ( Jobim e Souza, apud
Baudelaire, 1994, p33).
Após ter observado os aspectos citados com a canção da “Mariposa
Tecknicolor”, foram trabalhadas outras canções, inserindo em brincadeiras ou
em tempos de atividade. Experimentou-se outra de Fito Paez, chamada “A
Rodar Mi Vida” da obra “El Amor Después del Amor” (1990). O refrão dela diz o
seguinte:
“Y a rodar, y a rodar, y a rodar, y a rodar mi vida
Y a rodar, y a rodar, y a rodar, y a rodar mi amor
Yo no sé donde va
yo no sé donde va mi vida
22 Yo no sé donde va, pero tanpoco creo que sepas vos...”
( Fito Paez, 1990)
Uma aluna, parou a brincadeira e disse: “Que música mais porca”. A
aluna J, quis saber o porque. E ela respondeu: ”Ele tá falando que vai arrotar”.
J respondeu: “Não, ele está falando em rodar”. E a discussão prosseguiu, com
a intervenção de outros alunos, enriquecendo ainda mais o trabalho com a
sonoridade da língua.
Em outra atividade, foram trabalhadas músicas que na letra tivessem os
nomes das crianças da turma. Para introduzir esta atividade foi utilizada a
música “Espinho na Roseira / Drumonda” da banda Karnak de 1995. Ao
terminarem de escutar, cada um teve que cantar uma música que falasse o seu
nome. Muitos criaram suas próprias músicas, outros usaram músicas
conhecidas do âmbito nacional e internacional.
Uma aluna cantou Beatles, a canção “Julia” (1968) e outra cantou até
em italiano a canção “Roberta” de Peppino di Capri (1963). Ela cantava assim:
“Roberta, la la la (risos). Eu não sei o resto. Não é igual a música da mariposa
que eu já aprendi. Essa é mais difícil. Eu só sei que é da Itália, porque minha
mãe me contou que o meu pai escolheu o meu nome por causa dessa música.
Ele adora música italiana”.
Este gancho foi aproveitado e perguntou-se ao grupo se eles sabiam
outras palavras nesta nova língua que a amiga tinha trazido, a língua italiana.
Um aluno prontamente respondeu: “Pizza”. Então pedi para que pesquisassem
em casa e trouxessem outras palavras para trocar com os amigos.
Os que criaram suas próprias letras, usaram ritmos já conhecidos pelo
grupo, mostrando assim plena criatividade e liberdade com relação a música.
Foi comprovado com esta experiência o quão enriquecedor é o trabalho
com a música, em todos os aspectos. Observando e vivenciando a relação
entre compositor e ouvinte, pôde ser sentido que o “acontecer” de uma obra
de arte, não está na obra em si, mas nas interações que se tecem entre quem
produziu a obra, quem a contempla e a própria obra.
23
CAPÍTULO II
A MÚSICA E A MOBILIZAÇÃO DOS ESQUEMAS
MOTOR, COGNITIVO E AFETIVO.
Decidimos juntar os três esquemas no mesmo capítulo, por acreditarmos
que um necessita do outro para se desenvolverem. Explicaremos este fato,
partindo do Ego (busca do Eu) e as etapas do seu desenvolvimento.
Muitas vezes as crianças se sentem imensamente felizes, apenas por
terem pedido um sorvete, quando saíram com seus pais. Levando-os a
perguntar: o que a deixou feliz? Tal alegria se justifica e possui plena razão de
ser.
“Comparando é possível dizer que é de tão imensa
amplitude para aquela criança o que lhe aconteceu
quando, para a criação o surgimento da luz, para a
espécie humana o surgimento da linguagem
autoconsciente. Naquela criança o que ocorreu foi a
emergência do Ego (em média aos 5 anos mais ou
menos). Mutação que afeta a inteligência, atualizando
possibilidades exclusivas da espécie humana. Trata-se
do fenômeno inaugural, da capacidade de
diferenciação básica, fundamental, a qual será o
suporte para outras possibilidades de diferenciações
formativas, que culminam no todo potestativo
denominado inteligência.” (Santos, 2002, p8)
Tudo para a criança que se encontra na fase pré-egóica significa o eu. A
mesa para ela é gente, por isso ela revida quando se machuca no pé da
mesma. A cognição da criança nesta fase, sempre leva a humanizar as coisas
(ainda que inconsciente).
As diversas partes desta cognição: a percepção, o sentimento, o
24 pensamento, a imaginação e a memória, a estimativa, a vontade e a razão;
ainda não se distinguem nesta fase. Como afirma Santos (2002, p9): “ A
distinção entre realidade e fantasia, entre dor numa parte do corpo e ameaça
de morte, não existe ainda de forma tão marcada.”
Por isso, sempre que ouvimos o choro desesperado de uma criança,
mesmo sem sabermos o motivo, devemos ampará-la imediatamente. Ela deve
sentir o conforto do amparo e carinho das pessoas que com ela convive.
Para chegar ao Ego, Santos (2002, p11) afirma ainda que
“Assim como se lê no Gênesis que:’ No princípio [...] a
Terra era sem forma e vazia [...]’, pode se dizer também
que no princípio existindo apenas o EU, um todo
indistinto, também este EU é sem forma e vazio. Ele
possui a potência para os desenvolvimentos posteriores
que poderão ocorrer e, espera-se vão ocorrer. Contudo,
este processo de diferenciação não se dá
automaticamente, ele exige certas condições mínimas
para processar-se. A primeira dessas condições é a
existência da criança num ambiente humano, moldado
pela cultura humana. Caso não haja isso, o Ego não
surge e, não surgindo, não se torna possível o
desenvolvimento da inteligência humana propriamente
dita. E é fundamental que ela viva com pessoas que não
apenas a amem, mas que se comportem com ela de tal
maneira que ela sinta nesta relação que é
verdadeiramente amada.”
Quando ocorre a mudança em sua cognição, instaura-se o germe da
distinção entre o EU e o não EU, entrando a segunda pessoa: o TU
(geralmente representado pela figura da mãe). A partir daí, a criança passa a
ver o mundo, com um olhar diferenciado, curioso, encantado com tudo o que o
cerca.
Conforme vai crescendo, desenvolvendo seu esquema motor, seu tônus
muscular e calcificando seus ossos, a cognição prossegue modificando-se,
25 fazendo surgir uma terceira presença: o ELE (representado naturalmente pela
figura do pai).
“A constatação da presença deste outro, do ELE, é a
manifestação mesma de uma amplitude maior do Ego,
é o terceiro elemento – o primeiro sendo o EU, o
segundo o TU e, por fim, ELE – a partir do que começa
a surgir uma nova triplicidade a qual porém, refere-se
a algo que não se resume apenas ao corpo e suas
necessidades mas sim, ao que há de sutil, incorpóreo,
psicológico, que é o NÓS.” (Santos ,2002, p13)
Esta nova primeira pessoa, nos remete ao coletivo. Significa a escolha
livre do homem, fundada agora em afinidades e não em necessidades. As
afinidades dependem exclusivamente do corpo, como as necessidades, elas
dependem da personalidade. A criança nesta fase, já aceita ou rejeita
(esquema da personalidade), já escolhe o que quer, já briga pelo seu espaço.
Esse esquema irá depender dos valores familiares que serão passados a essa
criança.
Para encerrar as etapas do Ego, Santos (2002, p14), assinala que
“Atingindo a condição de abstrair a si mesmo, de
esquecer-se em virtude desta inquebrantável certeza
interior de que tem o que precisa, a criança pode dar-
se a jogos e brincadeiras, obedecendo agora a
esquemas dados pelo grupo e não vendo apenas
nesses jogos, meios de satisfazer suas necessidades
biopsicológicas (aconchego, atenção, alimentação,
etc). É quando o VÓS se torna realidade efetiva, como
se ela dissesse: ‘ Não são meus amigos, mas amigos
de meus amigos, portanto agora passam a ser meus
amigos’”. (Santos, 2002, p14)
26 Por fim ELES. ELES que inventaram esses brinquedos com os quais
brincamos, ELES que cuidam de NÓS, ELES que impedem que nos
machuquemos e assim por diante.
Agora que já explicamos o motivo pelo o qual usamos os três esquemas
no mesmo capítulo, voltemos a falar da música e onde ela mobiliza tais
esquemas.
As pessoas experimentam o domínio da música de maneiras variadas:
cantando, tocando um instrumento, apenas ouvindo ou dançando. Desde cedo,
as crianças escutam música, em qualquer ambiente. Quando pequena, ela
canta espontaneamente enquanto brinca, criando músicas simples para
acompanhar suas atividades. Ela também responde à música com o corpo,
acompanhando um julgamento ou expressando uma música por meio do
movimento.
“O período preparatório à alfabetização beneficia-se do
ensino da linguagem musical quando as atividades
propostas contribuem para o desenvolvimento da
coordenação visomotora, da imitação de sons e gestos,
da atenção e percepção, da memorização, do
raciocínio, da inteligência, da linguagem e da expressão
corporal. Essas junções psiconeurológicas envolvem
aspectos psicológicos e cognitivos, que constituem as
diversas maneiras de adquirir conhecimentos, ou seja,
são as operações mentais que usamos para aprender,
para raciocinar. A simples atividade de cantar uma
música, proporciona à criança o treinamento de uma
série de aptidões importantes.” (Rosa,1990, p21)
O caráter emotivo da música sempre foi reconhecido. Os povos sempre
buscaram na música, entre outras coisas, a emoção. O considerável progresso
visto em nosso cotidiano, consiste em qualificar a música, de um lado como um
fenômeno que afeta a vida sensorial e de outro, como puro jogo de formas
27 sonoras. A música é um forte elemento artístico, que pode e deve ser usada
como estímulo no desenvolvimento da criança.
Trabalhar a música como elemento artístico, levará a criança à
apreciação constante. A música já tem em si a propriedade de alegrar o
indivíduo não só uma vez, mas sempre de novo. Daí a relação entre nossas
intenções pedagógicas e o elemento artístico.
“É por meio da vontade que o homem se encontra em
íntima relação com os seres humanos. Por intermédio da
vontade ele forma ou deforma a vida na comunidade. De
uma educação musical correta deriva um significado
social eminentemente expressivo. Tal educação em
consonância com as demais medidas pedagógicas,
formará homens possuidores de uma vontade sã e
impulsionadora de profícuas atitudes sociais.”
(Friedenreich, 1997, p33)
Assim concluímos que uma criança sem uma educação que possua
musicalidade, parece frequentemente egoísta, quando não anti-social. Tais
crianças possuem o querer precariamente desenvolvido, ou seja, sua vontade,
embora possa até parecer cheia de vida, não parece social no meio. Pessoas
educadas musical e pedagogicamente de maneira adequada se manifestam,
mesmo não sendo produtivas, como naturalmente sociais e sensíveis.
Como avalia Steiner (apud FRIEDENREICH, 1997, p35): “Por esta
razão a música empregada pedagogicamente é a poção mágica para o
desenvolvimento da vida social”.
Podemos completar estas palavras de Steiner, dizendo que a poção
mágica da música também serve para desenvolver ou expressar as áreas
afetiva, motora e cognitiva da criança.
“Vygotsky menciona, explicitamente, que um dos
principais defeitos da psicologia tradicional é a
separação entre os aspectos intelectuais, de um lado,
e os volitivos e afetivos, de outro, propondo a
28 consideração da unidade entre esses processos.
Coloca que o pensamento tem sua origem na esfera da
motivação, a qual inclui inclinações, necessidades,
interesses, impulsos, afeto e emoção. Nesta esfera
estaria a última razão do pensamento e, assim, uma
compreensão completa do pensamento humano só é
possível quando se compreende sua base afetivo-
volitiva.” ( Oliveira, 2000, p76)
O afeto é o principal impulso motivador dos processos de
desenvolvimento mental da criança. Para Piaget (apud GAINZA, 1988, p27);
“Toda a criança supõe a existência de instrumentos, ou
seja, de uma técnica (os aspectos motores e intelectuais);
mas também, toda conduta implica em certas ativações e
metas valiosas: trata-se dos sentimentos, e assim, a
afetividade e inteligência são indissolúveis e constituem
os dois aspectos complementares de toda conduta
humana.”
O processo musical ocorre no interior da criança de tal forma que a
energia proveniente da música absorvida mexe com o tônus em relação a
expressão corporal, sonora e verbal, inserindo diferentes sentimentos,
estimulando a imaginação e a fantasia, promovendo enfim, uma intensa
atividade mental. Tal atividade leva a realização de ações, como: dramatizar,
imitar, brincar, dançar.
No ato de dançar por exemplo, vemos claramente que ouvir, escutar a
música não basta. É preciso que ao menos uma vez, a música tenha suscitado
forte emoção psíquica, uma tensão motora decisiva em todo ser. Na dança se
torna manifesto o que na música permanece secreto, que é o intervalo.
Enquanto o músico não deve sentir a significação dos intervalos, para que seus
ouvintes possam igualmente senti-la, é particularidade dos movimentos do
corpo poder representar a grandeza e o significado dos intervalos.
29 “A criança na idade infantil, não costuma escutar o som
da música que ela mesma produz, grita quando canta e
bate nos instrumentos ao invés de tocá-los [...] Energia
física e afetividade estão intimamente entrelaçadas
nela; gosta de explorar o mundo sonoro e manipula os
sons espontaneamente.” (Gainza, 1988, p23)
Assim o corpo pode aparecer como instrumento produtor do som ou se
prolongar através de um instrumento musical. Constatamos então, que a
música é uma forte forma de expressão. Sua ação, causa o movimento, seja
das cordas vocais naquele que fala ou canta, seja do próprio corpo.
A música para Friedenreich (1990), é constituída por três aspectos: a
melodia, a harmonia e o ritmo. Ela encarna os elementos do pensar (esquema
cognitivo), do sentir (esquema afetivo), do agir (esquema motor) e do querer. A
música na educação infantil, não é captada apenas pelos órgãos auditivos,
mas principalmente, pela organização dos membros, pela forte tendência a
dançar, significando assim, que a criança percebe a música pelo sistema
metabólico-motor. Na educação infantil a música atua sobre os órgãos.
Por isto é de grande importância utilizá-la como meio pedagógico, como
por exemplo, as canções infantis, para que causem uma bela expressão
rítmica aos sentidos. Devemos nesta idade, dar menos valor ao conteúdo e
mais valor ao ritmo.
Para encerrarmos, vamos frisar a importância do trabalho com o corpo e
as emoções, citando Leal ( 2000, p101);
“A consciência corporal deve ser um dos pilares da
aprendizagem. Uma turma, na verdade, na sua ordem,
costuma ser o contrário do que essa ordem pode
parecer. É muito mais um amontoado de corpos
enclausurados mantidos a uma certa distância. Talvez
seja preciso fazer algum jogo para amontoá-los mesmo
e depois sentir as marcas do amontoamento. E ao fim
de tudo chegar aos toques carinhosos de todo o grupo,
desmanchando o amontoado.”
30
CAPÍTULO III
O OLHAR PSICOPEDAGÓGICO E PSICOMOTOR,
RELACIONADO AS CONTRIBUIÇÕES DA MÚSICA NA
FORMAÇÃO DO SUJEITO CRIATIVO.
Queremos iniciar nosso capítulo com uma pequena história. Transcrita
do folclore japonês, ela nos dá o sabor da conquista da livre expressão, da total
liberdade criativa, da qual emergem a arte e a originalidade. É a história da
jornada de um jovem músico, desde o mero talento até a arte genuína que
emerge livre e desimpedida da própria fonte de vida.
“Uma nova flauta foi inventada na china. Descobrindo a
sutil beleza de sua sonoridade, um professor de música
japonês levou-a para o seu país, onde dava concertos
por toda a parte. Uma noite, tocou com uma
comunidade de músicos e amantes da música que
viviam numa certa cidade. No final do concerto, seu
nome foi anunciado. Ele pegou a nova flauta e tocou
uma peça. Quando terminou, fez-se silêncio na sala por
um longo momento. Então, a voz de um homem mais
velho da comunidade se fez ouvir do fundo da sala:
“Como um Deus!” No dia seguinte, quando o mestre se
preparava para partir, os músicos o procuraram e lhe
perguntaram quanto tempo um músico habilidoso
levaria para aprender a tocar a nova flauta. “Anos”, ele
respondeu. Eles lhe perguntaram se aceitaria um aluno,
e ele concordou. Depois que o mestre partiu, os
homens se reuniram e decidiram enviar-lhe um jovem e
talentoso flautista, um rapaz sensível à beleza,
dedicado e digno de confiança. Deram-lhe dinheiro para
custear suas despesas e as lições de música, e o
31 enviaram à capital onde o mestre vivia. O aluno chegou
e foi aceito pelo professor, que lhe ensinou uma única e
simples melodia. No início, recebeu uma instrução
sistemática, mas logo dominava todos os problemas
técnicos. Agora chegava para a sua aula diária,
sentava-se e tocava a sua melodia – e tudo o que o
professor lhe dizia era: “Falta alguma coisa”. O aluno se
esforçava o mais que podia, praticava horas a fio, dia
após dia, semana após semana, e tudo o que o mestre
lhe dizia era: “Falta alguma coisa”. Implorava ao mestre
que escolhesse outra música, mas a resposta era
sempre “não”. Durante meses e meses, todos os dias
ele tocava e ouvia “Falta alguma coisa”. A esperança
de sucesso e o medo do fracasso foram se tornando
cada vez maiores, e o aluno oscilava entre a agitação e
o desânimo. Finalmente, a frustração o venceu. Ele fez
as malas e partiu furtivamente. Continuou a viver na
capital por mais algum tempo, até que seu dinheiro
acabou. Passou a beber. Finalmente empobrecido,
voltou à sua província natal. Com vergonha de mostrar-
se a seus antigos colegas, foi viver numa cabana fora
da cidade. Ainda mantinha a sua flauta, ainda tocava,
mas já não encontrava nenhuma nova inspiração na
música. Camponeses que por ali passavam ouviam-no
tocar e enviavam-lhe seus filhos para que ele lhes
desse lições de música. E assim ele viveu durante
anos. Uma manhã, bateram à sua porta. Era o mais
antigo mestre da cidade, acompanhado de seu mais
jovem aluno. Eles lhe contaram que naquela noite
haveria um concerto e que todos haviam decidido que
não tocariam sem ele. Depois de muito esforço para
vencer seu medo e sua vergonha, conseguiram
32 convencê-lo, e foi quase num transe que ele pegou
uma flauta e os acompanhou. O concerto começou.
Enquanto esperava atrás do palco, nada perturbou seu
silêncio interior. Finalmente, no final do concerto, seu
nome foi anunciado. Ele subiu ao palco com fúria.
Olhou para as mãos e percebeu que havia escolhido a
nova flauta. Agora ele sabia que não tinha nada a
ganhar e nada a perder. Sentou-se e tocou a mesma
melodia que tinha tocado tantas vezes para o mestre no
passado. Quando terminou, fez-se silêncio por um
longo momento. Então a voz do homem mais velho se
fez ouvir, soando suavemente do fundo da sala: “Como
um deus!” ( Nachmanovitch, 1993, p13)
O ato criativo é próprio da natureza humana, como resultado de sua
cognição. O ser humano é criativo de diferentes formas e em diferentes
situações.
“De início o ser humano descobre os sons e o ritmo em
seu próprio corpo e na natureza ao seu redor. Desenha
nas pedras, de forma rudimentar, a presença da
música em seu cotiano. Registra na pedra o uso de
instrumentos de percussão, como os tambores e de
sopro como a flauta de bambu. Em sua evolução o ser
humano foi aperfeiçoando a linguagem musical,
passando a utilizar instrumentos musicais mais
complexos, formas mais adequadas de registro das
músicas, o próprio corpo como meio de expressão
musical. Cria canções, desde as mais simples até a
mais sofisticada harmonia. Na história humana,
verifica-se que o progresso na música acompanhou o
desenvolvimento de outros campos, beneficiando-se
sempre dos avanços tecnológicos.” ( Rosa, 1990, p18)
33 Assim, vamos percebendo a evolução no ato de criar dos seres
humanos, criatividade esta, que se apresenta como sinônimo de pensamento
divergente, da própria capacidade de romper continuamente os esquemas
repetidos das experiências anteriores. A nossa mente é criativa e possui plena
capacidade de associação de ideias sobre um mesmo assunto, organizando-as
e encontrando respostas originais e satisfatórias.
A melhor maneira de trabalhar no campo educativo, é aquela que
proporciona a educação da pessoa inteira, criativa e crítica.
“A linguagem musical deve ser um dos meios para se
alcançar esta educação, e os bons resultados no
ensino da música serão alcançados pela adequação
das atividades, pela postura reflexiva e crítica do
professor, facilitando a aprendizagem, propiciando
situações enriquecedoras, organizando experiências
que garantam a expressividade infantil.” ( Rosa, 1990,
p19)
Analisamos nos dias atuais, que o ensino da música, antes mecânico e
impessoal, converte-se em um ativo intercâmbio de experiências, tendo como
destaque o valor educativo do jogo musical, como consequência da aplicação
de um novo conceito de criatividade.
Assim, na educação moderna, são necessários três princípios básicos:
liberdade, atividade e criatividade. O educador musical, inserido nesta forma de
educar, agora quer ser protagonista e não mero transmissor da experiência
musical.
Como exemplo, podemos citar o ensino do desenho, que na educação
moderna não é permitido estragar a produção do aluno, com intervenções e
modelos prontos. Por isso, hoje existem muito mais desenhistas criativos do
que nos tempos em que exigíamos imitações puramente mecânicas. O mesmo
ocorre com o ensino da música, onde já encontramos um espaço para a
criação.
34 Afinal, quem sabe música? Não podemos todos fazer parte de sua
criação?
Winnicott ( 1975, p79) nos diz que: “É no brincar, e talvez apenas no
brincar, que a criança ou o adulto fruem sua liberdade de criação”
Então, por que não brincamos de fazer música? Por que não instigar nos
alunos o puro desejo de ouvir suas criações? Por que levamos para as aulas
apenas músicas prontas, não criando e não deixando que nossas crianças
criem e construam suas próprias músicas?
Assano, seguindo os passos do educador musical Schafer, afirma que
“Podemos pedir, por exemplo que as crianças imitem
sons cotidianos. Para isso, elas podem inventar ou
criar instrumentos ou também utilizar os instrumentos
convencionais. Schafer pede a alunos que imitem os
sons dos pássaros. As crianças criam, improvisam e
ficam contentíssimas com a sua música. Schafer então
explica que todos podemos improvisar, criar. E
completa: ‘Vocês estão ainda muito longe de ser
Beethoven, é certo, porém o que vocês estão fazendo
foi exatamente o que ele fez uma vez – vocês reagiram
a uma sugestão e a transformaram em música
original’” ( Assano, 2000, p27)
Verificamos que a partir da hipótese formulada a criança vai elaborando
sua própria criação. Nós educadores, precisamos dar-lhes a liberdade de
receber a ideia, elaborar hipóteses sobre ela, para em seguida, criar algo,
partindo do que foi elaborado. Não devemos esperar que a criação saia nos
eixos do que imaginávamos, mas devemos sim, admirar toda a criação que
venha espontaneamente da criança.
Assano cita em seu texto uma entrevista que o genial Hermeto Pascoal
deu à Revista Backstage (1998), onde ele conta sua trajetória, seu ato de criar.
Citaremos um trecho da entrevista que ilustra de forma clara o pensamento de
um sujeito criativo, voltado para a música.
35 “ Seu avô era ferreiro. Tudo o que sobrava de seu
trabalho era guardado e colecionado por Hermeto. Um
dia, sua mãe que nunca se dera conta do fato,
descobriu a sua coleção de ferrinhos e sucatas e nada
entendeu. Ao perguntar ao pai porque havia tantos
ferros em sua casa, a mãe de Hermeto não poderia
imaginar que o filho fazia música com sua coleção de
restos de ferros velhos, produzia sons com aquele
material, criava instrumentos. Entretanto, porque se
abriram para uma nova concepção de música, sua
mãe e seu avô entenderam a riqueza de sua iniciação
musical. Hoje, o músico de cabelos e barba branca (da
qual também ‘tira um som’) é não somente um grande
músico, mas um genial compositor e inventor de
instrumentos. Na mesma entrevista, mostrou alguns
instrumentos feitos com garrafa de plástico e panela,
além de brinquedos de seus netos, que em suas mãos
transformam-se em instrumentos. Dizia ele, que muitas
vezes as pessoas olham apenas as aparências dos
instrumentos e se esquecem do que podem produzir
com eles. Porém , quando ouvem o som ficam
maravilhadas. Como já dizia Mário Quintana:’ Essas
coisas que parecem não terem beleza nenhuma – é
simplesmente porque não houve quem lhes desse ao
menos um segundo olhar.’” (Assano, 2000, p25)
Para formarmos o sujeito criativo, é primordial que trabalhemos nele a
autonomia. Sem autonomia a criança não consegue criar, ela apenas responde
o que o outro quer ouvir. A autonomia oferece liberdade de pensamento e
atitude, e consequentemente, de resposta. Com a autonomia conquistada, o
aluno se sente mais seguro por exemplo, para transformar um par de sapatos
em um instrumento musical. Se sente mais seguro para apresentar suas
criações ao grupo e defendê-las com originalidade e eficácia.
36 Assano cita novamente a entrevista de Hermeto Pascoal, que diz
“’As pessoas chegam para mim e dizem que em casa
pegam um violãozinho, começam a tocar, mas não
sabem música. Música é isso mesmo. Não é o que
você vai aprender na escola. Não é a teoria.’ Não é
somente a teoria, completo eu. A teoria é importante,
mas somente quando tem sentido para nós e nos faz
refletir sobre a prática. Por isso, Hermeto aconselha:’
Deixa a criançada tocar (...) Não dá nada pra ela ler.’”
(Assano, 2000, p29)
Assim concluímos a partir dos dados da entrevista de Hermeto, que
teoria e prática andam juntas. Portanto a teoria musical vai se construindo na
própria experimentação, (des) construção e exploração de sons e ruídos
cotidianos.
Para que ocorra a criação, também se faz necessário, principalmente na
educação infantil, darmos asas a imaginação de nossas crianças, deixar que a
partir de histórias ou de algo vivenciado em sala, as crianças possam imaginar
para em seguida poderem criar.
Garcia et al, cita Einstein e em seguida descorre perfeitamente bem o
sentido da imaginação ne educação infantil
“Ou se concordarmos com Einstein que ‘ a imaginação
é mais importante que o conhecimento, pois o
conhecimento é limitado, enquanto a imaginação pode
abranger tudo o que existe no mundo, incentiva o
progresso, é fonte de evolução e, no sentido estrito, é
fator real de investigação científica.’ Não deveríamos
estar deixando fluir a imaginação de nossos alunos e
alunas, e sua intuição e sensibilidade, e ao pretender
educar, educar (o que não significa domesticar) o olho,
o ouvido, o tato, o olfato e a gustação, formas de
conhecimento do mundo e de si mesmo, pois só assim
37 lhes será oferecida a possibilidade de diversidade de
pensamento, de diversidade de linguagens? Musicalizar
a vida, poetizar a vida, sentir o cheiro da vida, saborear
a vida, cantar e dançar a vida, ver a beleza da vida,
tornar a vida bela.” (Garcia et al, 2000, p12)
Como já foi citado, todos nós já nascemos com o dom da expressão
criadora e cada um de nós tem um ou mais meios de criação.
Uma pessoa pode desenhar com facilidade, outra saber cantar, um
amigo pode dançar, outro gostar de construir objetos, outro de inventar, outro
de matemática. Nascemos assim, mas com o tempo tentam nos impedir de
fazer o que gostamos e o que temos facilidade para realizar, em nossas
diferentes linguagens. Certos educadores por exemplo, cortam esta força
autêntica, interferindo ou direcionando o conhecimento.
Neste ponto, a sensibilidade do educador deve estar aguçada, para que
ele possa sentir que a criança por diferentes meios, sejam eles a dança, o
desenho, o ritmo, a construção; está realizando atividades exigidas pela
escola, não de maneira tradicional, mas de forma espontânea, criativa,
integrada ao seu meio de expressão.
O educador deve deixar o educando em total liberdade para explorar e
descobrir suas próprias formas de expressão, suas próprias regras de jogo,
materiais e até estilos e técnicas, como já citamos neste capítulo. Porém toda
criança necessita de regras (assim como todo ser humano), para conviver em
qualquer meio. Então, no momento devido, devem ser abordadas formas
preestabelecidas, para que certas vantagens sejam obtidas, como maior
independência, diante das formas tradicionais que não ficarão fixadas como
referência sem questionamentos em qualquer ato criativo do indivíduo feito
posteriormente; além disso, tanto as vitórias como as dificuldades do aluno,
desenvolverão seu ato de julgar de forma apreciativa, podendo chegar assim, a
enfocar com naturalidade crítica o trabalho musical de outros, sem excluir o
dos grandes compositores.
A criança que exerce o seu lado criativo, passa a ter um olhar crítico das
coisas. Passa a questionar tudo o que ocorre, sempre fazendo um elo com o
38 que está imaginando ou o que está tentando compreender. Mas é claro, que
este olhar crítico é saudável. Por ter seu lado criativo trabalhado, a criança
consegue criticar, enxergando que todas as coisas tem seu lado bom e devem
ser respeitadas.
“É necessário considerar a impossibilidade de uma
destruição completa da capacidade de um indivíduo
humano para o viver criativo, pois, mesmo no caso
mais extremo de submissão, e no estabelecimento de
uma falsa personalidade, oculta em alguma parte,
existe uma vida secreta satisfatória, pela sua qualidade
criativa ou original a esse ser humano. Por outro lado,
permanece a insatisfação em virtude daquilo que está
oculto, carente por isso mesmo do enriquecimento
propiciado pela experiência do viver.” (Winnicott, 1975,
p99)
Se trabalharmos na educação infantil com a música, partindo da
liberdade de expressão e autonomia do indivíduo, o sujeito criativo será
formado e nada destruirá seu ato de criar. Tal ato pode ficar oculto em certos
momentos da vida do indivíduo, mas não será destruído; pelo menos enquanto
o indivíduo tiver vontade de viver.
“Descobrimos que os indivíduos vivem criativamente e
sentem que a vida merece ser vivida ou, que não
podem viver criativamente e têm dúvidas sobre o valor
do viver.” (Winnicott, 1975, p102)
Para Winnicott o ato de criar ou o impulso criativo é algo que pode ser
considerado naturalmente necessário a um artista na sua produção de arte
como também, algo que se faz presente no cotidiano de qualquer indivíduo,
seja bebê, criança, adolescente, adulto ou velho. O ato de criar está presente
no momento da respiração de uma criança, como na inspiração de um
arquiteto ao descobrir subitamente o que deseja construir e pensa no material
39 que vai poder utilizar, de modo que seu impulso criativo possa tomar forma e o
mundo seja testemunha dele.
Assim, nós psicomotricistas e psicopedagogos, devemos ter o olhar
diferenciado no que diz respeito à ação criadora da criança, que é resultado de
uma reflexão e leitura sobre o mundo, principalmente de uma ação cognitiva. A
criança, como foi explicado neste capítulo, é um ser criativo por natureza,
embora isto se apresente de diferentes formas, em diferentes graus e em
diferentes situações. Nós, devemos respeitar o ritmo e o andamento deste
processo, para que possamos observar e interferir quando acharmos
necessário.
Para encerrar, citamos um parágrafo inspirador, para nós que vivemos e
sentimos a educação, não apenas como uma missão, mas como parte de
nossas vidas, para nós que acreditamos, que não apenas educamos, mas
também aprendemos todos os dias com nossas crianças, para nós que
realmente acreditamos que a educação é uma troca constante.
“Educar e aprender não cessam. São momentos
fascinantes da vida. São infinitos e cheios de energia e
prazer. É só fazer deles um ato de compartilhar e
criar.” (Yolanda, 2000, p90)
40
CAPÍTULO IV
OUVINDO OS PROFESSORES E ARTICULANDO COM
OS TEÓRICOS ESTUDADOS
As entrevistas nos guiaram para a abordagem plena do assunto
trabalhado. Pretendemos com este estudo, auxiliar os educadores para que
tenham um novo olhar na construção do sujeito criativo e tudo o que o
determina (cultura, esquemas, desenvolvimento, autonomia), através das
contribuições que o ensino da música oferece para a educação infantil.
A tabulação das respostas foi dividida em dois momentos. No primeiro
momento, transcrevemos as respostas dos professores e no segundo
momento, as falas dos mesmos foram articuladas aos teóricos estudados.
1° Momento: ouvindo os professores
Pergunta: Que contribuições você atribui que a música poderá trazer
para o desenvolvimento do sujeito criativo, na educação infantil?
Seguem abaixo as respostas dos entrevistados.
♫ Entrevistado 1:
A música na educação infantil é fundamental para a formação intelectual
e perceptiva da criança. Ela pode ser um auxílio fundamental para as outras
matérias. Ela pode servir como um “coringa” que pode passar por todas as
disciplinas, levando a geografia ao local de onde a música é a raiz; pode ir pela
história, contando sobre o nascimento dos instrumentos. Pode partir pela
matemática através do tempo, da fração do tempo. Pode ir pelo português,
partindo das letras das músicas, no inglês idem. Você pode usar na biologia,
fazendo rimar em cima do que você trabalhou. A música é um universo
excelente para educar. Além de motivar, ela auxilia desta forma.
A escolha das músicas, também é muito importante. Você escolhe
canções que a criança vá entender o significado e o universo do que está
sendo dito, para que não tenha que ficar explicando cada vocábulo.
Os recursos que podem ser utilizados para a musicalização infantil, são
41 diversos. Você pode usar o recurso audiovisual, através de filmes, desenhos;
explorando a música que há no desenho animado e entrar no universo da
criança. Você não pode querer que ela venha só ao seu universo, você tem
que ir até o dela também. Trabalhar em cima do que ela vê. Não adianta querer
brigar com a força da mídia.
Posso citar como exemplo o Sítio do Pica-pau Amarelo. Tinha criança
que chegava e queria que eu botasse o cd do Sítio. Então eu tinha que me
adaptar e trabalhar em cima, porque senão eu ia perder a concentração deles
e a própria motivação. Eles iam ficar querendo brincar com a música que
trouxeram e eu querendo impor a que eu trouxe. Então, com criança, não
adianta brigar. Ela vai dispersar, vai arranjar um jeito de te atrapalhar.
É importante você registrar o trabalho feito com a música. Promover
passeios também é bem legal. Ir ao Teatro Municipal, ao cinema, ir até mesmo
em um estúdio. Cantar com eles e deixar eles ouvirem a gravação do que
cantaram. Um exemplo, você vai tocando a música e eles cantando. Quando
você põe para eles ouvirem, a reação geral é de extrema curiosidade e
espanto. Eles dizem: “Ah, minha voz!”. Eles adoram. De repente, trazer
apresentações de peças infantis e musicais para a escola. Fazer uma pesquisa
e partindo dela, construir diversos instrumentos.
A música possui muitas possibilidades. Trabalhar a pesquisa, como já
disse, na geografia, na história, pesquisando a essência da música e a história
dos instrumentos. Trabalhar materiais sonoros, também é de extrema riqueza.
Falo dos instrumentos naturais que convivemos no dia a dia. A música da
cidade, a música da floresta, a música do próprio corpo. Assobiando, batendo
em partes do corpo, batendo palmas ou os pés. Tudo o que a criança pode
explorar de som.
Na verdade, além de educar para a música, você pode explorar mesmo
um olhar crítico sobre a arte e o seu papel de espectador ativo, filtrando tudo o
que observa pelos sentidos audiovisuais.
O importante do trabalho com a música, é você não querer buscar
resultados imediatos para os pais verem festinhas de encerramento do ano
letivo com seus filhos cantando, não que isso não tenha o seu valor de
42 confraternizar. Mas, muito mais importante, é o desenvolvimento individual de
cada aluno. Você não deve fazer o trabalho, pensando que no fim do ano, os
pais irão assistir aquele coralzinho tradicional. A música tem que ser levada
mais a sério na educação infantil, que é a etapa primordial da vida do indivíduo.
A música pode auxiliar muito mais, tanto emocionalmente quanto
intelectualmente, do que sendo um mero fetiche escolar.
É importante perguntar antes de ensinar, como as crianças visualizaram
certas coisas na música. Por exemplo: como elas visualizaram ou imaginaram
a divisão do tempo. Pedindo que criem elementos que possam dividir o tempo.
Como elas imaginaram a ascensão do agudo para o grave, a onda sonora. É
importante que elas registrem, a própria percepção. Indagar qual cor que
lembra uma música ou melodia, se existe cor. Tudo isso vai estar trabalhando
a percepção musical.
Não esquecer da alfabetização musical, de ensinar para a criança a
linguagem da música em si. Ensinar partitura, quanto mais cedo ela conhecer
este universo, de forma mais fácil ela vai entender aquelas notinhas, que
parecem tão complicadas. Sempre usando o jogo e deixando partir da
curiosidade da própria criança.
♫ Entrevistado 2:
A música assim como a arte, é indispensável na educação. A música
tem uma possibilidade enorme e oferece a oportunidade do brincar e do
aprender.
É por isso que através da música eu tive a clara sensação e absoluta
certeza de que, a música tem influência muito grande na formação do
indivíduo. Principalmente neste período de formação básica, onde podemos
envolvê-los com exercícios de raciocínio lógico, memória, percepção,
concentração, socialização e principalmente o que eu mais valorizo que é a
emoção.
A grande diferença é que a música não oferece resultados assim
ilusórios, imediatos, que as outras áreas oferecem com tanta clareza. E sim o
resultado da música, surge ao longo da vida do indivíduo.
43 Dessa forma é que eu respondo com clareza, que a música é um objeto
muito importante e só é uma grande influência na formação do indivíduo.
♫ Entrevistado 3:
A música é a estética do som.
A música é a ação do homem sobre o homem por meio de sons
esteticamente organizados.
A natureza produz sons diversos: o quebrar das ondas do mar, o vento
por entre as folhas, o chilreio de um pássaro, o mugir de um quadrúpede, o
gotejar da chuva, etc. Porém, o homem “apropria-se” desses “sons”, combina-
os de maneira intencional de modo a provocar efeitos definidos sobre outros
homens. Daí que a música seja mais que a pura reunião de sons distintos, mas
é a organização, obediente e critérios estéticos, dos sons. Estética deriva de
aisthesis, sensação. A sensação é a constatação, pela consciência, de alguma
alteração homeostática ocorrida no organismo – a música é, portanto, a
alteração que um homem provoca sobre o organismo do outro, levando-o a um
rearranjo compulsório dos sentimentos (pois sentimento é o nome que se dá a
impressão global de um conjunto de sensações simultâneas). Tal resultado se
dá – alteração dos sentimentos do ouvinte – em virtude do impacto que exerce
sobre o sistema nervoso a combinação dos elementos constitutivos da música:
ritmo, melodia, harmonia, timbre, etc. Portanto, ser músico é agir sobre outra
pessoa por meio dos sons esteticamente organizados. Esta ação não é
qualquer ação, aleatória, mas ação precisa. Mas isto seria a definição lógica da
música. Mas vejamos, qual poderia ser sua explicação cosmológica, ou seja,
qual é a natureza mesma da alteração que a música provoca no ouvinte.
Aristóteles diz que “a música é subalterna da geometria”. Vejamos que
consequências podemos tirar dessa sentença.
O objeto da geometria é a demarcação do espaço. Assim, quando subo
numa elevação e de lá olho o mar, os edifícios, as pontes, o horizonte com o
sol ao fundo, “demarco” o espaço situando cada coisa em seu lugar. Posso
pintar a paisagem, posso fotografá-la e, pela maestria que alcance no
contrastar luz e sombras, provocarei na alma de quem contempla o quadro ou
a foto a mesma impressão de encanto, de envolvência que experimentei ao vê-
44 la com os próprios olhos. Neste caso, exibo um espaço convenientemente
demarcado, por meio de arte e graça da geometria.
Sendo a música “subalterna da geometria”, devo entender que ela tem
seus princípios constitutivos na geometria mesma, daí ela realizar no seu plano
de atuação (o interior do homem) o que a geometria faz no plano exterior ao
homem. Para o espaço exterior, tenho um instrumento próprio de demarcação
do espaço que é a geometria; o que me informa da existência deste espaço
exterior é a minha visão. Que “espaço” poderia ser o da música? É o “espaço”
psicológico, interno, do qual me informo pelo sentido que vem logo abaixo da
visão que é a audição. A música é o instrumento da delimitação do “espaço
interior”, é a criadora de uma “paisagem” interna que é análoga à do mundo
exterior. De fato, parece ser assim mesmo porque o distante aos olhos
represento pelo som pouco intenso; o distante dos olhos mas que se aproxima,
represento-o pelo som agudo que vai se combinando com outros sons médios
e indo aos graves, como que encorpando-se, adensando-se, provocando uma
impressão quase tátil.
Acredito que é por essa transposição para o mundo interno, psicológico,
das paisagens possíveis do mundo externo, que os critérios que regulam o
modo de execução da música adotam termos convenientes aos sentidos
físicos. Termos como majestoso, suave, aveludado, forte, fraco, agudo, grave,
pianíssimo, etc.
No conjunto do que existe – cosmologicamente portanto – creio
adequado entender a música como uma espécie de geometria, mas geometria
da alma, de tal modo que quando um compositor expõe sua peça musical, ele
cria uma certa paisagem na alma do ouvinte que faz com que este “veja” rios,
“sinta” o vento passando por entre as folhas, “veja” o dia suceder à noite, tal
como se experimentam essas coisas na vida comum e corrente. Só que de
uma maneira mais convincente para o ouvinte, porque este “soma” ao que
escuta a força do que ele próprio imagina, isto fazendo com que o imaginado
por ele assuma a força de coisa indicutivelmente real.
A música, sendo a estética do som; o som da música, por sua vez,
resulta da relação intervalar existente entre as notas (que são as mais mínimas
45 unidades sonoras, assim como a célula é a menor unidade do corpo), os meios
através dos quais tais notas soam variam: há os instrumentos (meios)
denominados “madeiras”, “metais”, “cordas”, etc, cada um recebendo o nome
em função da primitividade do instrumento que o homem fabricou. Como tais
instrumentos possuem contextura diferente, seus sons variam com esta
contextura diferente, gerando o que se chama timbre.
Ao timbre, somam-se a altura, duração e demais elementos que
compõem o que a música é.
Há três elementos, porém, que se destacam, quais sejam: a melodia, a
harmonia e o ritmo, cada um deles exercendo sobre o ouvinte um efeito distinto
específico.
Primeiramente, vale a pena destacar o que são cada um desses
elementos, qual é essencial e qual é acidental.
Essencial é aquilo sem o que algo não pode ser dito, ser algo. Então, o
que não admita qualquer alteração é o elemento essencial.
Aplicando esta noção à música, vejamos:
♪ O ritmo: ele pode ou não ser alterado, a música permanecendo a
mesma? A resposta é sim, já que nem tudo que se baseia no ritmo é música.
Assim, o motor do carro possui ritmo próprio, embora tal ritmo não seja música.
Além disso, uma mesma música pode ser tocada em vários ritmos e assim
mesmo permanece reconhecida como sendo a mesma música. Do que resulta
que o ritmo não é o elemento essencial da música.
♪ A harmonia: ela pode ou não ser alterada? A resposta também é sim,
ao mesmo tempo que, inclusive, a harmonia, pode estar ausente sem por isso
considerar-se que a música inexista. O canto gregoriano não tem harmonia,
não obstante seja música.
♪ A melodia: ela pode ou não ser alterada? A resposta é não, já que a
alteração da melodia significa criação de outra música. Ela é a parte essencial
da música, a sua voz principal. Por isso, o mais excelente dos músicos, Bach,
baseava suas composições em várias vozes, a harmonia decorrendo do
encontro das notas dessas vozes; e cada uma delas podendo ser tocada
separadamente, sendo dotadas de sentido.
46 O efeito de cada uma dessas partes da música é específico: o ritmo
responde pelas alterações físicas, quer dizer, é ele quem provoca alteração
nos batimentos cardíacos do ouvinte. Usado com maestria, pode ser poderosa
ferramenta hipnótica.
A melodia responde pelos psicológicos: ela remete o ouvinte ao
passado, a algum momento idealmente concebido por ele. Provoca o que, em
Psicologia, denomina-se “associação de ideias”, entendendo-se o termo
“ideias” como “desejos”, “lembranças” do que o sujeito viveu e, principalmente,
do que desejaria ter vivido.
A harmonia, por ser a espacialização das vozes, é quem efetivamente
cria o contexto “físico” que envolve toda a imaginação do sujeito. Assim,
conforme o compositor seja virtuoso no trabalho de harmonização da melodia
que cria, consegue transportar o ouvinte para uma paisagem “ensolarada”,
para uma paisagem “bucólica”, para um regato ou para uma montanha gelada,
ou para um mar agitado, ou pô-lo no meio de um vulcão e assim por diante. É
neste elemento da música que fica clara aquela definição de Aristóteles
(apesar de ela poder ser entendida sem estas considerações que estou
fazendo a respeito da harmonia). Porque a emissão simultânea de sons
agudos, médios e graves, com instrumentos de vários timbres, provocam a
impressão de pontos de referência próximos e distantes, elevados e decaídos,
isto provocando na alma do ouvinte uma impressão quase física de uma
ambientação geográfica específica.
Considerando que a música possui tais elementos, é possível
compreender-se que ela pode justamente criar uma ambientação tal que torne
mais compreensível certos propósitos. Assim, numa reunião de crianças,
evidentemente fica mais fácil levá-las a vivenciar uma situação de
companheirismo, de fraternidade, colocando como música de fundo alguma
criação musical que provoque na alma do ouvinte estes mesmos sentimentos.
Por exemplo, quando se ouve (orquestradas) certas valsas ( como a “Valsa das
Flores”, Valsa da Primavera”, de Strauss) o efeito é visível: naturalmente surge
uma certa alegria no coração do ouvinte, uma tranquilidade própria de uma
situação quando ele está entre os iguais. O que se explica pelo fato de o ritmo
47 ternário já aliciar tais tipos de sentimento. Além disso, no caso deste
compositor em particular, há o uso intenso de cordas, e de instrumentos de
sons médios e agudos, o que reforça o clima “ensolarado” da paisagem que faz
o ouvinte evocar.
Um compositor como Wagner, por outro lado, embora use bastante
cordas, soma a estes sons metálicos e escalas cromáticas, criando um efeito
de “tempestade”, onde os violinos dão a ideia de vento forte e constante. Ora,
tais composições prestam-se muito mais a ideia de aventura, de disputa, de
coisa heroica (o que combina com situações de jogos que enfatizam o
empenho em vencer) do que à do companheirismo, como no caso anterior.
Bach, pelo fato de compor, sempre, baseado em “vozes”, cada uma
fazendo sentido isoladamente, dá a ideia de indivíduos autônomos e
equilibrados. Portanto, presta-se a situações onde as crianças estão sendo
conduzidas a atividades que as façam estarem independentes mas cuja a ação
de cada uma combina-se, no conjunto, com as demais. É o que se dá em
situações onde cada criança, por exemplo, pinta coisas que, no fim, comporá
um painel só.
E assim por diante, tendo-se o cuidado de enfatizar cada um dos
elementos – melodia, harmonia ou ritmo – em virtude do objetivo a ser atingido.
Conforme o objetivo seja levar as crianças a conhecerem, pelo nome, as
diversas qualidades das relações que estabelecem umas com as outras, um ou
outro daqueles elementos se prestará melhor a compor a “paisagem”, a
“ambientação física, geográfica” dentro da qual as crianças serão inseridas.
2° Momento: lendo as falas e articulando com os teóricos
estudados
O entrevistado 1, nos falou muito da vivência musical com as crianças,
do jogo, da interdisciplinaridade, da valorização do que a criança traz para a
sala de aula, da exploração do olhar crítico da criança. Tudo isto pode ser
englobado no processo do educar.
“Muitas escolas seguem um programa que estipula o
que os alunos devem aprender, e ainda como e
48 quando eles vão aprender. Mas numa verdadeira sala
de aula, seja no jardim de infância, na universidade, ou
na escola da vida, existem pessoas com necessidades
particulares e diferentes níveis de conhecimento. Um
empurrãozinho numa determinada direção pode mudar
a perspectiva do aluno; depois de uma discussão, ele
saberá que uma determinada leitura será conveniente,
pois lhe parecerá o passo seguinte no fluxo natural do
aprendizado. Não se pode planejar essas coisas. É
preciso ensinar cada pessoa, cada classe, em cada
momento: cada caso exige uma atenção particular.
Planejar o aprendizado sem conhecer as pessoas que
irão aprender, suas potencialidades e deficiências, a
maneira como elas interagem, significa impedir que as
surpresas e o verdadeiro aprendizado ocorram. A arte
do professor é pôr em contato, no tempo real, os
corpos vivos dos estudantes com o corpo vivo do
conhecimento.” ( Nachmanovitch , 1993, p29)
Ele também ressaltou a importância de ver o que está acontecendo além
dos muros escolares. Enfatizou que promover passeios com cunho cultural tem
grande valor nesta faixa etária, bem como trazer para a escola novidades
culturais, motivando a pesquisa na área musical.
Afirmou ainda que a exploração de diferentes sons é primordial para a
construção do conhecimento na área musical.
“O ser humano tem contato com o mundo exterior
através dos sentidos e o grau de desenvolvimento e
aptidão da percepção de cada sentido é característico
de cada pessoa. A criança desenvolve os sentidos
desde que nasce e um dos papéis da escola é
proporcionar situações em que ela possa explorar e
desenvolver todos os sentidos harmonicamente.
Devem-se proporcionar espaços e oportunidades para
49 que a criança pré-escolar aprenda a ouvir o mundo.”
(Rosa, 1990. p24)
E para finalizar, o entrevistado 1 nos falou da importância da
alfabetização musical, onde as crianças devem conhecer as partituras e
desmistificar a dificuldade encontrada nas notas musicais. Ele ressalta que isto
deve ser trabalhado como um jogo e deve partir da curiosidade das crianças.
“Temos ao mesmo tempo, um ‘grilo’ com as rotinas
que se cristalizaram nas escolas tradicionais e que se
transformaram em normas. São muitos os que sentem
o mesmo. Bruno Bettelheim, já velho, lembrando-se de
suas experiências de criança disse que na escola os
professores tentavam ensinar-lhe o que ele não queria
aprender da forma como eles queriam ensinar. Roland
Barthes foi outro a sentir o mesmo. Escreveu um
delicioso ensaio sobre a preguiça e declarou que ela, a
preguiça, pertence essencialmente às rotinas
escolares porque nas escolas os alunos são obrigados
a fazer o que não querem fazer e a pensar o que não
querem pensar. Ah! Como é doloroso fazer os deveres
de casa! Bem diz a palavra que são ‘deveres’!
Imposições de uma autoridade estranha. A verdade é
que se a criança pudesse ela não faria os deveres.
Preferiria fazer outras coisas. Mas o ditado popular
afirma: Primeiro a obrigação, depois a devoção. O
aluno sem querer, mas obrigado, arrasta-se sobre o
dever que lhe é imposto. O corpo e o pensamento
resistem. Essa resistência que faz corpo e
pensamento se arrastarem é a preguiça... Mas existirá
uma razão por que a ‘obrigação’ e a ‘devoção’ devem
ser inimigas? Quem, que poder, que sujeito
determinou que deva ser assim?” ( Alves, 2003, p8).
50
Alves deixa claro nesta citação, como é importante que a criança sinta
prazer no processo do aprender. A seguir, ele vai nos falar do quão valorosa é a
curiosidade, neste mesmo processo.
“ A curiosidade é a voz do corpo fascinado com o
mundo. A curiosidade quer aprender o mundo. A
curiosidade jamais tem preguiça! Por amor às crianças
– e ao corpo - não seria possível pensar que o nosso
dever primeiro seria satisfazer essa curiosidade
original, curiosidade que faz com que a aprendizagem
do mundo seja um prazer? Ficamos, então, a partir das
nossas próprias experiências de aprendizagem, a
pensar que deve ser possível uma experiência de
aprendizagem baseada na curiosidade e não imposta
pelos programas. O fato é que existe um descompasso
inevitável entre os programas escolares e a
curiosidade. E isso porque os programas são
organizações formais e universais de saberes a serem
aprendidos numa ordem preestabelecida e num ritmo
único. Disse a Adélia Prado: ‘Não quero faca nem
queijo; quero é fome’. A fome dos alunos, sua
curiosidade, não deseja comer o queijo que os
programas lhe oferecem. Então não seria possível uma
experiência de aprendizagem baseada na fome? O
fracasso das instituições de ensino tem a ver com isso:
elas oferecem uma comida que os alunos não querem
comer...” (Alves, 2003, p8)
O entrevistado 2, compara a música com a arte, nos dizendo que os dois
são indispensáveis na educação, como também que os dois são
indispensáveis na formação do indivíduo. Assinala ainda, a influência que a
música exerce na criança e onde podemos envolvê-las, colocando como
51 principal fator a emoção; emoção esta que na nossa opinião se transforma em
criação espontânea. Nachmanovitch (1993, p17) nos conta a experiência de
vivenciar a emoção desta forma
“Sou músico, e uma das coisas que mais amo é me
apresentar num solo totalmente improvisado, no violino
ou na viola. Existe algo energizante e desafiador em
estar frente a frente com a plateia e criar uma peça
musical que tem ao mesmo tempo o frescor do
momento fugaz e – quando tudo funciona - a tensão e
a simetria estrutural de um organismo vivo. Pode ser
uma experiência extraordinária e muitas vezes
mobilizadora de comunicação direta. Quando toco
dessa maneira, sinto que não sou eu que estou
tocando; é mais como se alguém tivesse me ditando a
música. Naturalmente, este é um sentimento que
muitos compositores, poetas e artistas experimentam.
Conta-se que um dos alunos de Bach lhe perguntou:’
Professor, como é que o senhor consegue pensar em
tantas melodias?’ Ao que Bach lhe respondeu: ‘Meu
garoto, a minha maior dificuldade é evitar tropeçar
nelas quando me levanto pela manhã’. E existe ainda a
famosa teoria de Michelangelo sobre a escultura: A
estátua já está contida na pedra, sempre esteve na
pedra desde os princípios dos tempos, e o trabalho do
escultor, ‘vê-la e libertá-la, retirando cuidadosamente o
excesso de material’. William Blake expressou mais ou
menos a mesma ideia quando falou de ‘dissipar
superfícies aparentes e mostrar o infinito, que está
oculto’.” (Nachmanovitch, 1993, p17)
Já o entrevistado 3, nos deixa claro que a música deve atuar como
elemento capaz de criar uma geografia, capaz de permitir que os conceitos que
se instruem às crianças encontrem correspondência física com a situação.
52 Para ele, a música é a rainha desta arte, arte de criar situações geográficas na
alma do ouvinte. Fica fácil entender como a música influencia ou contribui para
a formação do sujeito criativo – o sujeito que sabe perfeitamente o nome do
que faz.
Para encerrar estas reflexões citamos dois teóricos que contribuem para
melhor compreensão do tema, Primeiramente Jung (apud Nachmanovitch,
1993, p49) : “A criação do novo não é conquista do intelecto, mas do instinto de
prazer agindo por uma necessidade interior. A mente criativa brinca com os
objetos que ama.” E Nachmanovitch (1993, p110), que nos comove ao falar do
ato de criação
“Por outro lado, a maioria de nós também já teve a
oportunidade de ouvir sem qualquer sofisticação, uma
canção infantil ou a apresentação de um músico de rua
que nos comoveu até as lágrimas e nos deixou
imobilizados por um sentimento palpável de admiração.
Há algo de divino nessas interpretações raras e
especiais, algo que não pode ser buscado
intencionalmente. ‘Como um Deus!’ significa que o
ouvinte sente que está diante do puro poder criativo, da
força primal de que somos feitos. É isso que um Deus
faz: criar. Ele nos leva de volta às origens, como fez
Einstein ao retomar questões tão infantis como espaço
e tempo e ao olhar para elas de uma maneira nova:
‘Um adulto normal nunca ocupa sua cabeça com
problemas como tempo e espaço’. Na sua opinião,
tudo o que havia a aprender sobre esse assunto foi
aprendido na infância. Eu, ao contrário, me desenvolvi
tão lentamente que só comecei a me questionar sobre
tempo e espaço, quando já era adulto.
(Nachmanovitch, 1993, p110).
53
CONCLUSÃO
Falando em criatividade, pensamos em improvisação. Quando falamos
em improvisação a tendência é pensarmos numa forma livre de fazer música,
teatro ou dança; mas além de suas próprias delícias, essas formas de arte são
uma porta para a experiência total na vida cotidiana. Todos nós somos
improvisadores. A forma mais comum de improvisação é a fala. Quando falamos
e ouvimos, estamos recorrendo a um conjunto de blocos (vocabulário) e de
regras (gramática) para combiná-los. E esses nos são oferecidos pela nossa
cultura.
Como colocamos no início deste trabalho, tal cultura deve ser sempre
valorizada. Quando a criança traz em sua bagagem a cultura vivida em família, é
dever do educador valorizá-la e ampliar a troca de experiências, que levará a
construção da cultura espontânea. Motivando a criança nesta troca, ele estará
possibilitando a amplitude do conhecimento de diferentes culturas. Assim poderá
trabalhar a nossa cultura popular, que engloba a compreensão de aspectos da
nossa língua, de nossos costumes, de nossa história, e principalmente de nossa
realidade social.
Após o relato de experiência, que comprovou o trabalho enriquecedor
que a música traz para a sala de aula em todos os aspectos, seja trabalhando
diferentes linguagens ou apenas construindo o sujeito criativo, entramos nos
esquemas motor, cognitivo e afetivo. Neste capítulo, vimos que o processo
musical ocorre no interior da criança de tal forma que a energia proveniente da
música mexe com o tônus em relação a expressão corporal, sonora e verbal.
Inserindo assim diferentes sentimentos, estimulando a imaginação e a fantasia,
promovendo uma intensa atividade mental.
Fomos conhecer a construção do sujeito criativo, partindo da música.
Vimos que a criatividade, não sobrevive sem a liberdade. E tal liberdade surge
no lúdico, no brincar de fazer uma canção ou apenas modificar um ritmo. E
jamais podemos esperar que a criação saia nos eixos do que imaginávamos.
Para construir o sujeito criativo, devemos admirar toda a criação espontânea que
venha da criança.
54 Também é de extrema importância que trabalhemos a autonomia, para
que a criança consiga criar realmente e não apenas responda de forma
mecânica o que o outro quer ouvir. A autonomia oferece atitude, segurança,
liberdade de pensamento, originalidade. Devemos dar asas a imaginação de
nossas crianças, para que possam explorar e descobrir suas próprias formas de
expressão. Fazendo um elo com o que está imaginando, passa a questionar
tudo o que ocorre, desenvolvendo assim o olhar crítico.
“O conhecimento do processo criativo não substitui a
criatividade, mas pode evitar que desistamos dela
quando os desejos nos parecem excessivamente
intimidadores e a livre expressão parece bloqueada. Se
soubermos que nossos inevitáveis contratempos e
frustrações são fases do ciclo natural do processo
criativo, se soubermos que nossos obstáculos podem
se transformar em beleza, poderemos perseverar até a
concretização de nossos desejos. Essa perseverança
é muitas vezes um verdadeiro teste, mas há meios de
passar por ele. E a batalha, que é certamente para
toda a vida, vale a pena. É uma batalha que gera um
incrível prazer e uma enorme alegria. Todas as nossas
tentativas são imperfeitas, mas cada uma delas traz
em si a capacidade de desfrutar um prazer que não se
iguala a nada neste mundo. ( Nachmanovitch, 1993, p
23)
E para encerrar, ouvimos três profissionais ligados à educação musical e
pudemos confirmar com enorme prazer, o que a teoria já havia transmitido. A
construção do sujeito criativo esteve presente nas três entrevistas, cada uma com a
sua particularidade, cada uma com a sua abordagem, mas todas levando a
compreensão da importância de tal trabalho.
55 “O processo criativo é um caminho espiritual. Essa
aventura fala de nós, do criador que existe, da
originalidade, que não significa o que todos nós
sabemos, mas que é originalmente nós”
(Nachmanovitch, 1993, p24)
56
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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58
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 2
AGRADECIMENTOS 3 DEDICATÓRIA 4
RESUMO 5 METODOLOGIA 6
SUMÁRIO 7
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I
AS CONTRIBUIÇÕES DAS CANTIGAS POPULARES NA AMPLITUDE DO
CONHECIMENTO DE DIFERENTES CULTURAS 11
1.1- Relato de experiência: As contribuições das canções na amplitude do
conhecimento de diferentes culturas 17
CAPÍTULO II
A MÚSICA E A MOBILIZAÇÃO DOS ESQUEMAS MOTOR, COGNITIVO E
AFETIVO 23
CAPÍTULO III
O OLHAR PSICOPEDAGÓGICO E PSICOMOTOR, RELACIONADO AS
CONTRIBUIÇÕES DA MÚSICA NA FORMAÇÃO DO SUJEITO CRIATIVO 30
CAPÍTULO IV
OUVINDO OS PROFESSORES E ARTICULANDO COM OS TEÓRICOS
ESTUDADOS 40
4.1- Ouvindo os professores 40
4.2- Lendo as falas e articulando com os teóricos estudados 47
CONCLUSÃO 53
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 56
ÍNDICE 58
59