A busca pela legitimação do consumo: um caso sobre comportamento do consumidor
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A busca pela legitimação do consumo: um caso sobre comportamento do
consumidor
Laura Goldim1
Apresentação
Alguns comportamentos de consumo podem ser vistos como irracionais.
Sendo assim, a busca pela racionalização do mesmo é imediata. Pretendo
exemplificar nesse artigo por meio de um caso observado. A prática de rituais
para determinadas compras são muito interessantes, sendo assim, serão o
objeto de estudo aqui.
O uso de um objeto para justificar a compra de outro faz parte da rotina
de um determinado indivíduo que identificarei como M.G.2. A descrição fiel dos
fatos observados será relacionada com premissas do marketing em
combinação com a psicologia.
O caso analisado
Faz parte do comportamento de consumo de M.G., não consumir artigos
de vestuário muito caros. Não apóia o consumo de luxo e afins. Em uma
situação em que compra uma peça de custo acima de sua zona de conforto
inicial, desencadeia uma série de justificativas.
Busca motivos para legitimar a ação. E a cada descoberta, justifica sua
compra novamente. O processo muitas vezes leva dias e pode acabar por
incomodar as pessoas que a cercam. Mesmo que não seja questionado, segue
apresentando razões. A intenção ao fazer tal, é convencer-se de que foi feito
1 Estudante da graduação de Comunicação Social com habilitação em Relações Públicas na
PUCRS. E-mail: [email protected] 2 Nome foi abreviado para não expor o indivíduo em estudo.
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um bom negócio. Faz uso de exemplos de compras anteriores, de preços
menores, para compensar seu gasto repentino.
Todas as compras desse nível necessitam ser antecedidas por outra de
baixo valor, assim os preços parecem equilibrar-se. Há uma falsa ideia de
economia, já que a soma dos dois itens não compõem um valor absurdo. O
artigo em questão acaba sendo usado em todas as ocasiões possíveis, criando
a ilusão de diluição do custo da peça. Quando provocado sobre o valor da
marca, admite que o produto por si só não vale o preço proposto, mas o
encantamento pela peça e seu caimento lhe seduziram.
O comportamento cessa à medida que pessoas ao seu redor legitimam
sua compra. O grupo familiar é determinante nesse caso. Além de legitimar,
parte do grupo incentiva tais ações.
É na família que se estabelece um padrão de consumo. Os filhos,
quando pequenos, aprendem por meio de repetição, e no consumo não é
diferente. Se um determinado comportamento ou marca é repudiada pelos
pais, dificilmente os filhos estarão abertos a experimentá-la. Mesmo em fases
de rebeldia, geralmente na adolescência, os valores se mantêm. Tentam negar
os ensinamentos dos pais, mas os valores já estão tão internalizados, portanto
não é cogitado mudá-los drasticamente.
Se um comportamento dos membros mais jovens é original no núcleo
familiar, seguindo a mesma linha de valores, é apoiado e bem visto pelos mais
velhos. Tendo o “sinal verde”, o comportamento se desenvolve, e torna-se
parte da pessoa. Usando o indivíduo do caso, M.G. dificilmente manteria sua
forma de consumo, supostamente equivalendo preços e “economizando” de
sua forma peculiar, se não tivesse aprovação por parte dos membros da família
que tem como exemplos.
Pelo que pôde ser observado, M.G. é o único membro da família a
realizar tais compras. Quando questionado sobre suas ações, justifica-se e não
vê a falsa economia como falsa, continua apoiando-a. É uma espécie de
negação. Em seu ponto de vista, é um comportamento extremamente lógico.
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Mesmo quando apresentadas provas que o contradigam, mantém sua postura
irrefutável, algumas vezes mudando os fatos ocorridos.
Um dos meios para justificar, é a comparação com outros produtos já
adquiridos. Por exemplo, diz que o artigo novo custou x reais e já foi usado
duas vezes em uma mesma semana, enquanto um outro, que já possui há um
ano, custou o dobro e foi usado apenas uma vez. O problema nessa teoria, é
que as peças não se equivalem, servem para diferentes propósitos. Sendo
assim, a comparação é desleal, errada.
Um dos gatilhos para a compra é o tempo. M.G. tinha uma motivação
anterior à compra. O artigo, não especificamente o comprado, já era desejado.
Porém, na primeira busca em lojas, os preços foram considerados muito altos.
Surge então um segundo artigo de desejo, de natureza diferente, este é
comprado por um valor menor do que esperado e abre precedente para a
compra do primeiro que queria. É a partir daí que começa uma nova busca, e
então é realizada a compra, com um preço mais alto que o original. O tempo
ajuda a se acostumar com o valor pedido, e então quando aparece um que lhe
agrade e de preço um pouco superior àquele inicial, não choca tanto quanto o
primeiro.
Até que sinta que sua ação foi de fato legitimada, oculta a mesma do
cônjuge. Talvez por medo de não ser vista como válida. A diferença nos
comportamentos de compra dos membros do casal pode originar insegurança
quando um acredita ter se excedido. Busca apoio nos outros membros da
família para construir uma segurança, antes inexistente, referente ao consumo.
Para que tal ocorra, não é necessário que os hábitos de compra sejam opostos
ou muito contrastantes, pois no exemplo citado não são, apenas precisam
divergir do que há de comum entre ambos.
A motivação de M.G. parte de um desejo de possuir um determinado tipo
de objeto, que simbolicamente supre necessidades primárias e secundárias. Já
tendo uma motivação, toda saída a centros comerciais é uma busca. A partir de
experiências anteriores, algumas ofertas são descartadas logo de cara.
Procura algo que combine com a gama de cores que domina e reflita sua
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personalidade. Precisa também seguir o padrão de seu auto-conceito. Esses
seriam os fatores psicológicos envolvidos no processo de compra.
Já os socioculturais, são claramente marcados pela influência do grupo
familiar, principalmente a família nuclear3, como sinaliza Schiffman e Kanuk.
Por haver laços afetivos, é essa que exerce maior influencia sobre o indivíduo.
Os demais grupos, sendo eles externos ou secundários, não parecem provocar
mudanças no comportamento. É claro que a cultura na qual está inserido
desempenha um papel importante, pois é ela que dita as ofertas, por assim
dizer. Dificilmente em uma sociedade ocidental, haverá excesso de ofertas de
roupas tipicamente orientais, por exemplo. Desejamos aquilo que conhecemos,
que nos é ofertado, não o que sequer sabemos da existência.
Os fatores situacionais são de extrema importância também. Ver alguém
modelando certa roupa pode ser decisivo para nos atrairmos pela mesma. Os
locais em que procuramos os artigos são determinantes, pois são eles que nos
oferecem certas mercadorias.
A partir da junção desses fatores citados, forma-se a teoria cognitivista,
que se encaixa perfeitamente para analisar o comportamento em questão.
Considerações finais
O comportamento peculiar de M.G. pode ser explicado por suas relações
familiares. Através de legitimação, estímulo e apoio, suas ações tornam-se
comuns e que pouco se sobressaem aos olhos do indivíduo em questão.
Parentes que incentivam esse tipo de comportamento e aceitam a ilusória ideia
de economia, apenas fortalecem seu hábito.
A necessidade de outra pessoa lhe dizer que foi válido, uma ótima
compra ou mesmo econômico, reflete a insegurança no consumo. O indivíduo
3 Expressão utilizada para representar um marido, sua esposa e os filhos que moram em uma
mesma residência.
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precisa ouvir de outros para acreditar em si. A insistência em apresentar a
diferentes pessoas razões para a compra, é a busca para convencer-se de que
de fato teve uma atitude legítima. O que quer do ouvinte, na realidade, é que
concorde com o que está sendo dito, e não necessariamente sua opinião
sincera. A tendência é tal comportamento ir diminuindo com o tempo, à medida
que se adquire maior confiança financeira. Não é um hábito nocivo. Sendo
assim, desde que não sobrecarregue os que o cercam, é um exercício para a
construção da mensuração dos reais valores dos produtos. Pode servir de
discussão para grupos, mesmo que somente em família, objetivando averiguar
se o grau de importância e valor que as diferentes pessoas que compõem o
grupo atribuem ao mesmo produto é igual.
Referências
SCHIFFMAN, Leon G.; KANUK, Leslie Lazar. Comportamento do consumidor.
LTC – Livros Técnicos e Científicos Editora S.A., Rio de Janeiro, 2000.
KARSAKLIAN, Eliane. Comportamento do consumidor. Editora Atlas S.A., São
Paulo, 2004.