Carvalho Vieira 2012 Organizacoes,-Cultura-e-Desenv 9010

350
1

description

Livro sobre Cultura, organizações e poder organizado por Cristina Vieira Carvalho.

Transcript of Carvalho Vieira 2012 Organizacoes,-Cultura-e-Desenv 9010

  • 1

  • 2

  • 3

    ORGANIZAES, CULTURA E DESENVOLVIMENTO LOCAL

    A AGENDA DE PESQUISA DO OBSERVATRIO DA REALIDADE ORGANIZACIONAL

  • 4

    Cristina Amlia Carvalho Marcelo Milano Falco Vieira

    (Organizadores)

    ORGANIZAES, CULTURA E DESENVOLVIMENTO LOCAL

    A AGENDA DE PESQUISA DO OBSERVATRIO DA REALIDADE ORGANIZACIONAL

    COLABORADORES: Maria Ceci Misoczky Jos Ricardo Costa de Mendona Rosimeri Carvalho Eloise Helena Livramento Dellagnelo Sueli Goulart Michelle Ferreira de Menezes Julio Cesar Gonalves Fernando Pontual de Souza Leo Jr. Flvia Lopes Pacheco Gustavo Madeiro Rodrigo Gameiro Rodrigo Jfili Thiago Ferreira Dias Bruno Csar Alcntara Tvia Correia Monte Luciana Arajo de Holanda Elisabete de Abreu e Lima Moreira

    UFPEEditoraUniversitria

  • 5

    UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO Reitor: Prof. Geraldo Jos Marques Pereira Vice-Reitor: Prof. Yony Sampaio Diretor da Editora: Prof a Ana Maria de Frana Bezerra

    COMISSO EDITORIAL Presidente: Prof a Clia Maria Mdicis Maranho Campos Titulares Professores: Ana Maria de Frana Bezerra, Aurlio Agostinho Boaviagem, Bencio de Barros Neto, Carlos Teixeira Brandt, Dilosa Carvalho de Alencar Barbosa, Gilda Lisboa Guimares, Jos Dias dos Santos, Nelly Medeiros de Carvalho, Roberto Gomes Ferreira, Gabriela Martin, Valderez Pinto Ferreira. Suplentes Professores: Ana Cristina Brito Arcoverde, Andr Vicente Pires Rosa, Carlos Alberto Cunha Miranda, Edir Carneiro Leo, Gilda Maria Whitaker Verri, Joslia Pacheco de Santana, Leonor Costa Maia, Nour-Din El Hammouti, Pedro Lincoln Matos.

    Capa: desenho a partir do painel de Athos Bulco do Teatro Nacional Claudio Santoro de Braslia (relevo em concreto 1996).

    Diagramao: Gilberto Jos

    Reviso: Claudia Ajuz

    O68 Organizaes, cultura e desenvolvimento local: a agenda de pesquisa do Observatrio da Realidade Organizacional / organizadores: Cristina Amlia Carvalho, Marcelo Milano Falco Vieira. Recife: EDUFEPE, 2003.

    366p.: il.

    1. Organizaes Administrao. 2. Desenvolvimento local. 3. Organizaes rea cultural. I. Carvalho, Cristina Amlia. II. Vieira, Marcelo Milano Falco. III. Observatrio da Realidade Organizacional.

    CDU: 65.01:316.42 (1-2)

  • 6

    Por ter despertado em ns o prazer pela pesquisa social, o ensino e o debate acadmico, e pela amizade que se consolidou ao longo dos anos, dedicamos este livro a Clvis L. Machado-da-Silva

  • 7

    Sumrio

    PREFCIO .............................................................................. 13

    APRESENTAO .................................................................... 17 Cristina Amlia Carvalho e Marcelo Milano Falco Vieira

    PARTE I. REFLEXES TERICAS

    ABORDAGEM INSTITUCIONAL, PODER E DERIVAES....... 21

    1. Contribuies da perspectiva institucional para a anlise das organizaes: possibilidades tericas, empricas e de aplicao...

    23 Cristina Amlia Carvalho e Marcelo Milano Falco Vieira

    A perspectiva institucional nas cincias sociais....................................... 25 As trs orientaes da abordagem institucional................................ 25

    A teoria institucional no estudo das organizaes.................................... 27 As organizaes formais e seus ambientes institucionais................. 28 Diferentes enfoques na teoria institucional....................................... 30

    Valores e mitos institucionalizados.......................................................... 32 O isomorfismo como mecanismo institucionalizador...................... 33 A legitimidade como elemento fundamental do modelo.................. 35

    Investigaes empricas sob a perspectiva institucional.......................... 36 Consideraes sobre a aplicao da perspectiva institucional na anlise organizacional...........................................................................................

    39

  • 8

    2. Instituies e poder: explorando a possibilidade de transferncias conceituais.................................................................

    41 Marcelo Milano Falco Vieira e Maria Ceci Misoczky

    As bases do institucionalismo nos estudos organizacionais..................... 42 Concepes de poder........................................................................ 47 Poder sem conflito............................................................................ 48 Poder como conflito.......................................................................... 53

    Sobre instituies, poder e incomensurabilidade paradigmtica.............. 58

    3. O estudo do gerenciamento de impresses nas organizaes: uma viso geral do tema e consideraes sobre a pesquisa e a produo no Brasil............................................................................

    61 Jos Ricardo Costa de Mendona

    Uma primeira impresso........................................................................... 61 O gerenciamento de impresses: uma breve viso histrica.................... 63 Conceito de gerenciamento de impresses............................................... 64

    Dimenses do gerenciamento de impresses.................................... 66 Como as pessoas tentam construir e proteger as impresses.................... 69

    As estratgias de gerenciamento de impresses............................... 69 As tticas de gerenciamento de impresses...................................... 72

    reas de pesquisa do gerenciamento de impresses nas organizaes.... 77 O estudo do gerenciamento de impresses como influncia social.. 80

    Metodologias de pesquisa do gerenciamento de impresses.................... 83 A pesquisa e a discusso do gerenciamento de impresses no Brasil...... 85 Impresses finais...................................................................................... 90

    4. Novas formas organizacionais, controle e cultura........................... 93 Rosimeri Carvalho e Eloise Helena Livramento Dellagnelo

    Novas formas organizacionais - um desafio para sua caracterizao....... 95 Discutindo o controle nas novas formas organizacionais......................... 103

    5. Desenvolvimento, poder local e estrutura simblico-normativa das universidades...............................................................................

    109 Sueli Goulart e Marcelo Milano Falco Vieira

  • 9

    Desenvolvimento e poder local................................................................ 111 Universidades como instituies sociais.................................................. 114 Estrutura simblico-normativa e contexto de referncia.......................... 116 Contexto de referncia, universidades e interorganizaes...................... 118

    PARTE II. INVESTIGAES EMPRICAS

    O MUNDO DA CULTURA E SUAS ORGANIZAES................ 123

    6. Composio e caractersticas do campo organizacional dos museus e teatros da Regio Metropolitana do Recife....................

    125 Sueli Goulart, Michelle Ferreira de Menezes e Julio Cesar Gonalves

    O setor cultural de Pernambuco................................................................ 128 Museus e teatros da Regio Metropolitana da cidade de Recife.............. 130 Interpretao institucional dos museus e teatros...................................... 135

    7. Museus na Regio Metropolitana do Recife: das heranas do passado construo do futuro........................................................

    139 Fernando Pontual de Souza Leo Jr.

    Modelo para anlise do campo cultural.................................................... 144 Interaes no campo organizacional......................................................... 146 Perspectivas futuras.................................................................................. 153

    8. Cenrio, Palco e Platia: anlise dos teatros da Regio Metropolitana do Recife....................................................................

    159 Flvia Lopes Pacheco e Marcelo Milano Falco Vieira

    O ambiente institucional dos teatros da Regio Metropolitana do Recife........................................................................................................

    160 O Teatro da Universidade Federal de Pernambuco.................................. 164 O Teatro Armazm................................................................................... 166 O Teatro Barreto Junior............................................................................ 168

  • 10

    O Teatro Apolo-Hermilo.......................................................................... 170 O Teatro Guararapes................................................................................. 173 O Teatro Valdemar de Oliveira................................................................ 175 O grau de estruturao do campo dos teatros........................................... 177

    9. Da origem pag s micaretas: a mercantilizao do carnaval....... 181 Gustavo Madeiro e Cristina Amlia Carvalho

    Poder e sociedade..................................................................................... 182 As vises pluralistas do poder.......................................................... 183 O poder disciplinar............................................................................ 184 O poder simblico............................................................................. 184

    As posies.................................................................................. 185 As disposies............................................................................. 187 As tomadas de posio................................................................. 188

    O carnaval................................................................................................. 189 A razo e o mercado................................................................................. 190 A cultura de massas.................................................................................. 192 Carnaval brasileiro e as organizaes....................................................... 184 Carnaval: produto e negcio..................................................................... 196 Discusso.................................................................................................. 198

    10. Maracatu pernambucano: resistncia e adaptao na era da cultura mundializada......................................................................

    201 Rodrigo Gameiro, Michelle Ferreira de Menezes e Cristina Amlia Carvalho

    Maracatu: origem e tradio..................................................................... 203 Maracatu: atualidade e modernizao...................................................... 204 O Maracatu Elefante................................................................................. 206 O Maracatu Leo Coroado....................................................................... 207 O Maracatu Nao Pernambuco............................................................... 208 Processos de resistncia e adaptao nos grupos de maracatu................. 210

    11. Paixo de Cristo em Fazenda Nova: de referncias locais a referncias globais...........................................................................

    215 Rodrigo Jfili, Thiago Ferreira Dias e Cristina Amlia Carvalho

    A relao entre organizaes e seus ambientes........................................ 217

  • 11

    A abordagem institucional das organizaes............................................ 220 O contexto de referncia........................................................................... 222 Procedimentos metodolgicos.................................................................. 225 Evoluo da representao da Paixo de Cristo em Fazenda Nova......... 226 Inferncias e hipteses.............................................................................. 231

    DESENVOLVIMENTO E ORGANIZAES LOCAIS.................. 235

    12. O ldico, o profissional e o negcio no futebol............................... 237 Cristina Amlia Carvalho, Julio Cesar Gonalves e Bruno Csar Alcntara

    Da racionalidade substantiva racionalidade instrumental...................... 238 O contexto do futebol ldico.................................................................... 240 O contexto do futebol profissional........................................................... 245 O contexto do futebol negcio.................................................................. 250 Da pelada ao mega espetculo: a perda da dimenso substantiva............ 254

    13. Parcerias entre ONGs e empresas: uma relao de poder camuflada

    257 Tvia Correia Monte

    O terceiro setor......................................................................................... 258 As organizaes no governamentais....................................................... 260 Estratgias e alianas................................................................................ 262 Parcerias entre as empresas privadas e as ONGs..................................... 264 O poder nas relaes de parceria.............................................................. 266 Recursos de poder e parcerias.................................................................. 269 Controle e as organizaes....................................................................... 273 Transformaes nas parcerias................................................................... 275

    14. Sobre a falcia da relao direta entre turismo e desenvolvimento local.....................................................................

    277 Luciana Arajo de Holanda e Marcelo Milano Falco Vieira

  • 12

    Desenvolvimento e poder local................................................................ 279 O turismo como vetor de desenvolvimento local: em direo a uma relao falaciosa.......................................................................................

    281 Caso ilustrativo: o campo organizacional do turismo no Recife.............. 285 Turismo e desenvolvimento local............................................................. 289

    15. Contexto de referncia em transformao: as bibliotecas universitrias sob o signo da sociedade da informao...............

    291 Cristina Amlia Carvalho e Sueli Goulart

    A sociedade da informao....................................................................... 294 A sociedade da informao e as unidades de informao........................ 296 A transformao dos contextos institucionais de referncia na sociedade da informao..........................................................................

    300 O sistema de bibliotecas da Universidade Federal de Alagoas e seu contexto de referncia...............................................................................

    303 Contexto institucional, grupos de interesse e mudana............................ 306

    16. Efetividade, cidadania e desenvolvimento local: um estudo no Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco...........................

    309 Marcelo Milano Falco Vieira e Elizabete de Abreu e Lima Moreira

    O conceito de efetividade......................................................................... 312 Efetividade formal.................................................................................... 316 Efetividade desejada................................................................................. 319 Lacunas entre efetividade formal e desejada............................................ 322

    Referncias.............................................................................................. 333

  • 13

    PREFCIO

    Ao terem podido discernir, analisar e aplicar a histria do desenvolvimento da vida histria da formao, desenvolvimento, transformao e transmutao das organizaes, Cristina Amlia Carvalho, Marcelo Milano Falco Vieira e a forte equipe de pesquisadores nominados neste volume, conseguiram produzir mais do que uma excelente obra.

    O trabalho, dividido em duas partes, uma ampla e bem estruturada abordagem da Teoria Institucional e do Poder para a Anlise das Organizaes. Tanto as possibilidades de embasamento que nos oferecem, quanto as de aplicaes que nos convidam a realizar, particularmente nas organizaes culturais, constituem uma fonte permanente de motivaes.

    Na verdade, qualquer ramo do conhecimento humano tem, aqui, armazenada, uma gama to bem distribuda de informaes que, sem maiores dificuldades, ser capaz de aplic-las em suas reas especficas. Com naturalidade, conceitos ligados a interaes simbiticas, como os de parcerias e alianas, vo interagir com outros, como os de competio, poder e dependncia, que caracterizam as lutas pelo domnio de espaos sempre maiores para tornarem mais fortes os poderes de uns sobre os outros. Outros conceitos, como os de hierarquia, liderana e autoridade, facilitam a identificao do papel do indivduo no grupo ao qual pertence. Finalmente, todos eles nos convidam a analisar, com especial ateno, o conceito de legitimidade. Reflexes mais apuradas sobre todos esses conceitos, alm da concepo das formas atravs das quais eles podem ser concretizados e vivenciados, abrem caminhos imprevisveis para a percepo da diversidade de foras capazes de interagirem e de levarem ao desenvolvimento ou involuo das organizaes, includas as organizaes da vida. Por exemplo: legtimo que as emissoras de televiso nos atinjam com a fora de meios de massa mas que ns, apenas espectadores individualizados, no tenhamos a menor possibilidade de reagir como massa, isolados que somos por esses mesmos meios? Tais reflexes, facilitam a compreenso das presses dos ambientes sociais sobre as organizaes, as presses dessas sobre os grupos e as desses sobre os indivduos que os compem. Mostram, tambm, a evidncia das possibilidades maiores ou menores de contrapresses dos indivduos sobre o grupo, as dos grupos sobre as organizaes e as dessas sobre os ambientes nos quais esto inseridas. Finalmente, ao considerarmos o complexo uso dos processos mentais inconscientes, somados aos limites da capacidade computacional da mente humana, vislumbramos que, certamente, sempre ocorrero fatores como os da incerteza. Elementos de incerteza apontam para dificuldades de compreenso, de interpretao e de execuo de procedimentos que podem ter reflexos considerveis nas estruturas organizacionais de todos os tipos, inclusive nas que do estrutura vida.

  • 14

    Tudo isto nos faz refletir, com seriedade e apreenso, sobre o quanto de pureza ou de impureza as pequenas gotas de conhecimento, que somos cada um de ns, podem estar levando aos oceanos do saber, que to mal conhecemos. Isto gera sria inquietao. Sobretudo quando ns nos percebemos a servio de uma industrializao sempre mais globalizante e, em conseqncia, com maior poder de poluir mentes, espritos e ambientes, destruindo o conhecimento individual e inviabilizando-o como fonte do saber coletivo.

    De fato, a globalizao, como hoje se apresenta, adota o mesmo modelo imposto pelos romanos aos povos da antiguidade. Sua principal caracterstica foi a da farta distribuio de pequenos Herodes que exerciam poderes ilegtimos, camuflados sob mantos de aparente legitimidade. Discutvel? provvel que sim. No entanto, no lgico supor que um exrcito de pouco mais de duzentos mil e quinhentos homens, pudesse impor a pax romana maioria esmagadora dos povos do ocidente e, mais ainda, a alguns do oriente, sem que a estratgia Herodes houvesse sido posta em prtica. Este o modelo que, hoje, nos vem sendo imposto. O mais grave no modelo atual (desconsiderando seu alto poder de destruio fsica e psicolgica da vida) o seu poder de degradao da humanidade e o de destruio da percepo daquilo que ou no legtimo. atemorizante o poder que detm, de nos transformar em mquinas inferiores pela competio que nos obriga a mantermos com a tecnologia, atravs do estmulo ao uso de velocidades sempre maiores e portadoras de informaes sempre menos capazes de serem decodificadas na velocidade exigida. Este acmulo de informaes, no digerveis, aliadas ao fato de que quanto maior for essa velocidade, mais o tempo nos faltar, gera um ritmo de vida inumano. Ns no mais conseguimos nos conduzir com clareza, atravs de tempos desumanizados e desumanizantes. Um ritmo que nos permitisse absorver e compartilhar melhor os conhecimentos que a vida pe a nosso alcance, talvez nos fizesse distinguir que saber, sabedoria e mesmo conhecimento, no so tecnologias de ponta aplicadas produo em massa e deteriorao do Ser. Seria, ento, possvel compreendermos que o saber e a sabedoria constroem sem destruir, trazendo novo alento ao esprito do homem.

    Ao concluir, gostaria de deixar transparecer, se no a minha discordncia, pelo menos o fato de no estar seguro da existncia de capacidades e conhecimentos que nos permitam penetrar no pensamento dos autores/criadores, validando uma verdadeira anlise interpretativa daquilo que nos oferecem em suas obras. Isto verdadeiro tanto para as obras de natureza temporal, como a msica, o cinema, o teatro, etc. quanto para as de natureza espacial, como a pintura, a arquitetura, a escultura e as produes correlatas. As aes subjetivas dos criadores, no podem deixar de conter elementos seus, simblicos por excelncia, que possivelmente nem mesmo

  • 15

    eles os decifrem. Estou seguro de que apenas os exteriorizam. Essas aes se manifestam como insights que movem crebros poderosos a conceberem o at ento inconcebvel, envelhecendo, instantaneamente, conhecimentos at ento aceitos sem contestaes. Essa potncia do inconsciente refora nossos escrpulos que, talvez, nem tenham uma compreensibilidade adequada.

    Como msico, produtor de televiso, professor e, por isto, pesquisador sistemtico (embora nem sempre louvando a sistematizada metodologia cientfica) sei que no posso transformar-me em um intrprete realmente fiel s obras de outros criadores. Admito, mesmo, que, com freqncia, no cmodo sermos fiis a ns mesmos. Interpretar um trabalho difcil. A quantidade de variveis por demais vasta. Alm disto, interpretar introduzir nossa percepo na percepo alheia. Mesmo quando somos os criadores, muitas vezes interpretar introduzir nossa prpria percepo na percepo de momentos e condies que no mais se repetiro. Para quem interpreta, no importa apenas ou, talvez, nem tenha grande importncia o que os autores produziram. Importa, isto sim, e muito, o que eles produziram em ns. Este o mistrio da vida que Cristina, Marcelo e equipe souberam trazer para o seio do estudo das organizaes. Pelo menos foi isto o que eles produziram em mim e, que, portanto, em mim criaram. Ao sentir bilhes de seres humanos, com suas limitadas capacidades de armazenamento de informaes, tentando comunicar-se com outros bilhes que, provavelmente, tm armazenadas informaes bastante diferentes dos primeiros, ocorreu-me que Einstein e um iletrado do interior de Pernambuco so como duas gotas de gua, ambas integrantes do infinito oceano do saber. Constatar isto passou a significar, para mim, que as diferenas quantitativas e qualitativas do conhecimento de ambos tendente a zero, face amplido do desconhecido com que nos defrontamos. Deduzi, ento, que se forem retiradas todas as pequenas partculas de conhecimento, aparentemente inteis, sendo mantidas apenas as pequenas partculas teis, do tipo ensteiniano, nada mais restaria no oceano de conhecimentos inacessivelmente desejados. provvel, portanto, que o todo apenas se mantenha em equilbrio quando todas as suas partes interajam e guardem idntica importncia para a gerao de estruturas compatveis com a complexidade das organizaes s quais se integram.

    Edson Magalhes Bandeira de Mello Paris, julho de 2003

  • 16

    APRESENTAO

    Florianpolis, 1990. Foi nesta ilha deslumbrante do sul do Brasil que nos conhecemos quando fomos fazer mestrado, Marcelo em 1988 e eu dois anos depois. Aluguei um apartamento no bairro da Agronmica, bem perto do campus da universidade e, coincidncia, ele foi morar no apartamento de frente para o meu. Estranhava aquele indivduo lendo todos os dias at altas horas da madrugada. Soube depois, que o mesmo o intrigava em mim. Depois das crianas irem para a cama vinham as longas horas de estudo madrugadas adentro. Descobrimos, passadas umas semanas, que ramos colegas no Curso de Ps-Graduao em Administrao, ainda que ele estivesse naquele momento j como pesquisador do Ncleo de Anlise, Planejamento e Pesquisa em Organizaes. Este, coordenado pelo professor Clvis Machado-da-Silva a quem este livro dedicado, foi a primeira experincia e vivncia com um ncleo de pesquisa que tivemos, ambos, embora de formas diferentes.

    Foi nas interminveis conversas e debates que travamos que comeou a nascer a convico de que, neste pas, fazer pesquisa no poderia ser uma atividade para os devaneios intelectuais de cada um. Tanto para fazer no Brasil, tantas coisas para melhorar e, no entanto, olhvamos em volta as teses e dissertaes que no se somavam umas s outras, cada uma fruto das vontades individuais de seus autores.

    Edimburgo e Crdoba, 1995. Fazamos doutorado um, na fria e chuvosa Esccia o outro, na quente e ensolarada Espanha. As trocas de opinies, as discusses sobre as teorias e os mtodos e as angstias pelas dvidas que nunca cessavam ocupavam horas de conversa ao telefone, mas sempre lhes sucediam, para que os dias seguintes fossem cheios de esperana, os sonhos para o futuro, na volta para o Brasil. Entre eles tinha lugar de destaque a possibilidade de criarmos uma estrutura de pesquisa, ancorada num guarda chuva temtico, que seria capaz de ser plo de atrao de estudantes e pesquisadores interessados nos eixos de pesquisa objeto de estudo do coletivo.

    Recife, 1995. Terminei meu doutorado em Edimburgo e as oportunidades da vida me levaram para a Universidade Federal de Pernambuco. Conhecia pouco o nordeste do Brasil e esta foi uma poca de grande aprendizagem. Foi um perodo de readaptao ao Brasil, mais precisamente a uma vida de professor envolvido em inmeras atividades. Havia que devolver ao meu pas o que ele havia investido em mim tendo me envolvido a tempo completo na formao de jovens pesquisadores, na produo acadmica e tudo para o qual era solicitado. Cristina continuava na

  • 17

    Espanha concluindo o doutorado e em breve voltaria para Macei, apenas a 250 km de Recife; poderamos alinhavar nossos sonhos. Mas as saudades da terra natal me levaram dois anos e meio depois para Porto Alegre, para a Escola de Administrao da UFRGS. Outra intensa experincia me esperava, profcua como todas so. Mas Porto Alegre no era o que havia sonhado ou eu no era to gacho como pensava ser.

    Macei, 1997. Voltei do doutorado para a minha universidade, radiante por poder pr em prtica tudo o que havia sonhado, tudo o que havia aprendido. Mas os sonhos nem sempre se materializam e, por vezes, assumem as estranhas feies de um quase-pesadelo. Na Universidade Federal de Alagoas no pude dar asas energia e ao entusiasmo que trazia aps quatro anos intensos de estudo. O espao para trabalhar era quase nulo, as condies precrias e as perspectivas pouco animadoras. Aps trs fatigantes anos de vs tentativas vou para Recife, para a Universidade Federal de Pernambuco. Marcelo, nessa poca, havia retornado de Porto Alegre, um pouco menos gacho do que antes. Tem incio ento uma nova fase na minha vida acadmica e profissional, novamente repleta de vontade de concretizar sonhos de trabalho criativo.

    Recife, 2000. Damos vida ao Observatrio da Realidade Organizacional. Assim, com este nome, escolhido entre tantos, criamos uma pequena estrutura de pesquisa, no mbito do Programa de Ps-Graduao em Administrao da UFPE, fisicamente localizada em uma sala do Departamento de Cincias Administrativas da mesma universidade. Nossa primeira iniciativa foi definir com clareza os eixos temticos e os loci de aplicao emprica sobre os quais iria se debruar o trabalho de todos os envolvidos nesse processo de construo coletiva. A definio no foi difcil; afinal, havia j dez anos que este era um tema presente em nossas conversas. Assim, o Observatrio tem como temticas e abordagens de pesquisa as instituies, o poder e o ps-modernismo e, as instituies pblicas e privadas, o terceiro setor, as organizaes locais e o campo da cultura como seus campos privilegiados de investigao.

    No tardou para que alunos de doutorado, mestrado e graduao fossem atrados pelo trabalho que, ento j se tornava visvel, seja nos seminrios promovidos no curso de graduao em Administrao, por intermdio das aulas ministradas no curso de ps-graduao ou em palestras oferecidas fora dos muros da academia. O Observatrio cresceu desde ento e hoje rene sua volta numerosos alunos em diversos nveis de formao e ocupa duas salas contguas no Departamento de Cincias Administrativas da UFPE.

    Um encontro foi muito importante, ainda que de forma involuntria, para o auxlio na definio do modelo de organizao do ncleo. Ocorreu em 1998 em Macei, quando ainda morava l, num copioso almoo com o

  • 18

    professor Ignacy Sachs, diretor do Centre de Recherches sur le Brsil Contemporain e da Maison des Sciences de lHomme, em Paris. Sachs havia trabalhado, quando ainda vivia em sua Polnia natal que o haveria de expulsar por suas origens judaicas, com o grande economista Michal Kalecki no Ministrio do Planejamento em Varsvia. Foi l que montaram uma estrutura de investigao responsvel por importantes trabalhos no campo do planejamento econmico. Seu modelo de funcionamento parecia estar inspirado numa rvore na qual os galhos no se ligam todos diretamente ao tronco seno que formam um entramado determinado pela sua robustez at chegar ao tronco que suporta o todo. O escalonamento de responsabilidades e atribuies estava claro e o envolvimento e colaborao de todos no trabalho de cada um, tambm.

    Ao aprender com o relato das experincias alheias e pr em prtica estas formas de trabalhar, nosso objetivo era comprovar que a pesquisa num coletivo no se configura na soma dos trabalhos individuais mas numa multiplicao, em termos de quantidade e de qualidade, dos esforos de reflexo e investigao de cada um. Mas, principalmente, que o valor social da pesquisa acadmica e da formao em nvel de ps-graduao assume uma capacidade de interveno, finalmente, significativa no nosso modo de entender. Os resultados no se fizeram esperar e hoje o Observatrio tem, no memorial que expe em seu site no qual se podero encontrar verses anteriores de alguns dos artigos deste livro um retrospecto de atividades que demonstram o acerto do trabalho proposto. Hoje, tomamos o relevo naquilo que, antes de ns, nossos professores haviam sonhado fazer, infelizmente num tempo em que as condies ainda no haviam sido criadas.

    Neste ponto importante resgatar o papel do CNPq como fomentador da pesquisa no Brasil, incentivador e financiador da formao e fortalecimento de grupos de pesquisa. A esta entidade devemos muito do apoio ao nosso trabalho, assim como a programas como o Projeto Enxoval para a instalao de doutores na UFPE, que permitiu a adequao dos espaos de trabalho do Observatrio em ambientes agradveis e funcionais atividade concomitante de vrias pessoas.

    Rio de Janeiro, 2002. Novamente as veredas da vida me levaram a uma nova mudana, desta vez para a Escola Brasileira de Administrao Pblica e de Empresas da Fundao Getlio Vargas. Agora divido meu tempo e minhas atividades profissionais entre o Rio e Recife, na Universidade Federal de Pernambuco qual me ligam laos fortes, em parte gerados pelo fruto que l foi criado: o Observatrio. Cristina assumiu a coordenao da matriz em Recife mas, minha atual residncia na cidade maravilhosa era a alavanca que faltava para que o Ncleo iniciasse relaes interinstitucionais.

  • 19

    Como o leitor j sabe, o Observatrio nasceu na UFPE mas a construo de conhecimento cientfico no tem fronteiras e, assim, o Observatrio foi conquistando importantes pesquisadores, tais como Rosimeri Carvalho e Eloise Dellagnelo em Florianpolis e Maria Ceci Misoczky em Porto Alegre. Aqui em Recife, um jovem professor, Ricardo Mendona, tambm se juntou ao ncleo.

    Mas nem tudo sucesso e algo falta em nosso trabalho. Esta concluso a que ns dois chegamos conduziu a iniciativa da publicao deste livro: devemos ser capazes, como intelectuais acadmicos que somos, de traduzir para o mundo no acadmico, composto das organizaes e dos homens e mulheres que estudamos em nossas pesquisas, os resultados que obtivemos, as concluses a que chegamos, as crticas que formulamos e as sugestes que propusemos. No fcil despirmo-nos do jargo acadmico, evitar tornar complicado aquilo que pode ser dito de forma simples; afinal esta nossa formao, mas este livro nosso primeiro esforo nesta direo e esperamos ser capazes de mostrar sociedade que a universidade no uma torre de marfim, seno que um lugar onde se respira vida tentando compreend-la e torn-la melhor.

    A construo deste livro obra de todo o Observatrio e a todos os seus integrantes desejamos registrar aqui nossos agradecimentos pelo esforo, a dedicao e a seriedade que se impuseram, em particular a Sueli Goulart, pelo apoio na gesto competente e agregadora da estrutura que criamos; aos bolsistas de Iniciao Cientfica e Apoio Tcnico do CNPq que exercem suas atividades no Observatrio, especialmente a Michelle Ferreira de Menezes e Rodrigo Gameiro, pelo enorme trabalho que conseguiram levar a bom termo. Outras pessoas nos ajudaram a concretizar esta iniciativa e este foi o caso do professor Edson Bandeira de Mello pelo generoso prefcio; de Marcio Gobbi, Marisa Gobbi Ziade e J. Ricardo Costa de Mendona pelo design da capa com que nos brindaram e de Daniel Dobbin, pela arte nas fotos dos organizadores. Por fim agradecemos ao PROPAD/DCA-UFPE e EBAPE/FGV pelo apoio que nos tm dado, bem como ao CNPq por viabilizar financeiramente este trabalho e, pela flexibilidade e sensibilidade demonstrada por seus tcnicos quando ns a solicitamos.

    Tenhamos todos um bom proveito desta leitura.

    Cristina Amlia Carvalho e Marcelo Milano Falco Vieira Recife, julho de 2003

  • 20

    PARTE I. REFLEXES TERICAS

    ABORDAGEM INSTITUCIONAL, PODER E DERIVAES

  • 21

    1

    CONTRIBUIES DA PERSPECTIVA INSTITUCIONAL PARA A ANLISE DAS ORGANIZAES: POSSIBILIDADES TERICAS, EMPRICAS E DE APLICAO

    Cristina Amlia Carvalho Marcelo Milano Falco Vieira

    A partir da dcada de 1950 acrescentam-se aos estudos empricos realizados no campo das organizaes, sob os enfoques estrutural e comportamental, as contribuies da perspectiva institucional.

    Philip Selznick, discpulo de Robert Merton, considerado precursor dessa abordagem ao introduzir as bases de um modelo institucional e interpretar as organizaes como uma expresso estrutural da ao racional que, ao longo do tempo, so sujeitas s presses do ambiente social e se transformam em sistemas orgnicos. Esta evoluo, que Selznick (1996) designa como processo de institucionalizao, pode ser sintetizada num aspecto: os valores substituem os fatores tcnicos na determinao das tarefas organizativas.

    A concepo racionalista, que orientou grande parte das perspectivas da administrao, afirma que a ao est subordinada razo e que, portanto, todas as aes so racionais e dirigidas a lograr objetivos definidos. Ao abordar a questo da complexidade na tomada de decises, a argumentao racionalista advoga que a tomada de deciso estrutura-se por nveis (num paralelismo com a informtica) e que cada nvel de deciso parte de uma deliberao consciente (HODGSON, 1994). No entanto, principalmente, antroplogos e psiclogos propem que os seres humanos enfrentam o complexo processo de tomar decises fazendo tambm uso de processos mentais inconscientes e semiconscientes. Neste assunto constatam-se os avanos inicialmente realizados por Herbert Simon que considera, em uma formulao terica, a existncia e o uso dos hbitos inconscientes na ao humana. Contra a racionalidade global dos tericos racionalistas, Simon (1987) prope a racionalidade limitada que pondera a capacidade computacional limitada da mente humana.

  • 22

    O modelo de comportamento de Simon enfrenta a concepo racionalista da ao, uma questo posta em causa pelos precursores da teoria institucionalista, tanto no domnio da sociologia quanto da economia, nas dimenses epistemolgica e metodolgica. No entanto, esse modelo mantm que as aes so resultado de um clculo racional, ou seja, esto subor-dinadas razo, ainda que de forma limitada, enquanto o comportamento governado pela inteno e pela deliberao racional.

    Antes de Simon, Chester Barnard propunha a noo de que os sistemas organizacionais compensam as limitaes cognitivas dos indivduos. Essas superaes so alcanadas ao especificarem-se os fins, imporem-se as rotinas, escalonarem-se os objetivos intermedirios, facilitar-se a tomada de deciso e aumentar-se a possibilidade de, atravs de uma ao cooperativa, alcanarem-se determinados propsitos (WILLIAMSON, 1990). Assim que Barnard assinala a existncia dos dois tipos de funes no exerccio da liderana. De um lado, as funes cognitivas guiar, dirigir e construir opes e do outro, os aspectos de motivao e emotivos dos objetivos. Estes aspectos da liderana foram posteriormente aprofundados e aperfeioados nos trabalhos de Selznick. Nos anos de 1970, a importncia dos sistemas de controle cognitivos foi resgatada para a anlise organizacional ao colocar em vigor as proposies institucionais.

    A teoria cognitiva emerge como contraponto concepo racionalista da ao, ao demonstrar que a mente reage a uma grande quantidade de dados sensoriais que recebe, buscando reduzir a incerteza conceitual e dando confuso catica de estmulos algum sentido e significado (HODGSON, 1994, p. 109). Assim, pretende reafirmar que os seres humanos no podem processar todos os dados sensoriais num clculo racional seno que fazem uso e formam conceitos que, baseados em sua experincia anterior, os ajudam a tomar decises e agir.

    A teoria cognitiva d lugar, desta forma, aos elementos subjetivos do conhecimento humano e, por essa razo, constitui um antecedente ontolgico da teoria institucional. Prope a impossibilidade da deliberao racional totalmente consciente sobre todos os aspectos do comportamento, em funo da grande quantidade de informao e da imensa capacidade computacional que isso exigiria. Os seres humanos adquirem, no obstante, mecanismos para subtrair certas aes em curso da avaliao racional contnua: os hbitos. Sua funo principal: ajudar a manipular e rotinizar a complexidade da vida cotidiana.

    A questo central, portanto, consiste em discutir at que ponto as inovaes trazidas pela abordagem institucional, fundamentalmente as contribuies dos chamados neoinstitucionalistas, podem ser teis, tanto para a anlise como para a ao nas organizaes modernas. Para tanto, desenvolve-se uma reviso das bases histricas da teoria e dos textos clssicos que forjaram uma ruptura com o velho institucionalismo e deram

  • 23

    lugar a uma abordagem com maior poder explicativo da realidade organizacional, denominada neoinstitucionalismo. Neste artigo so apresentadas as orientaes econmica, poltica e sociolgica da teoria institucional; seus diferentes enfoques, o debate sobre as concepes de ambiente tcnico e institucional e a questo do isomorfismo. Para finalizar, indicam-se algumas questes crticas da teoria, seu potencial para anlise dos fenmenos organizacionais, alguns esforos de pesquisa na rea desenvolvidos no Brasil, bem como possibilidades de sua aplicao no mbito gerencial.

    A PERSPECTIVA INSTITUCIONAL NAS CINCIAS SOCIAIS A Teoria Institucional, apesar do que se poderia chamar de seu

    relanamento na metade dos anos de 1970, estabelece suas origens em algumas formulaes tericas das ltimas dcadas do sculo XIX, em meio aos debates, na Alemanha, sobre o mtodo cientfico. Assim, nas contribuies tericas ou empricas da perspectiva institucional podem se identificar as sementes conceituais de precursores institucionalistas, tais como os economistas Thorstein Veblen, John Commons e Westley Mitchel, e socilogos como Emile Durkheim e Max Weber que aprofundam e solidificam as bases da teoria institucional. As marcas dessas contribuies podem ser vistas nos modernos institucionalistas, em manifestaes tais como a nfase na mudana e na valorizao da investigao emprica.

    Ancorado em conceitos como a institucionalizao, as normas, os mitos e a legitimidade, o enfoque institucional desenvolveu-se, segundo Chanlat (1989), em trs orientaes distintas: uma econmica, outra poltica e, uma terceira, sociolgica.

    As trs orientaes da abordagem institucional O principal objetivo da orientao econmica da teoria institucional

    consiste em pr em evidncia aspectos que no tm um lugar central na teoria econmica do paradigma dominante: as instituies econmicas, tais como as empresas, os mercados e as relaes contratuais. Inserir o processo econmico no marco de uma construo social manipulada pelas foras histricas e culturais uma das caractersticas fundamentais desta orientao.

    Para este ramo do novo institucionalismo as transaes so a principal unidade de anlise e so, ademais, responsveis pela definio dos mercados, das hierarquias e das formas hbridas das organizaes. Scott (1995) sugere que a teoria econmica neoinstitucional se interessa pelos sistemas normativos e de governo que se criam para regular e gerir os intercmbios na economia.

    O enfoque adotado por este novo institucionalismo no tem, como afirma Reis (1995, p. 6) nada que ver com o velho institucionalismo

  • 24

    americano militantemente estribado numa identidade de resistncia ao pensamento neoclssico, como se pode deduzir do que foi anteriormente exposto. Num sentido semelhante Simon (1991) suspeita que a nova economia institucional est a conseguir compatibilizar-se com o paradigma neoclssico e utilizar, para isso, conceitos introduzidos na anlise de forma casual e sem nenhum suporte emprico, ainda que ditos instrumentos sejam necessrios para sua construo terica.

    A orientao poltica da perspectiva institucional, em seus trabalhos mais recentes, concentra seu interesse em questes tais como a autonomia relativa das instituies polticas em relao sociedade, a complexidade dos sistemas polticos existentes e o papel central exercido pela representao e o simbolismo no universo poltico. Assim, smbolos, rituais, cerimnias, relatos e dramatizaes na vida poltica trazem coerncia interpretativa vida poltica da sociedade contempornea (MEYER e ROWAN, 1992; MARCH e OLSEN, 1993), ao mesmo tempo em que cumprem, sob este enfoque, um papel configurador de um mundo potencialmente disforme e permanentemente afetado pela turbulncia social e poltica.

    Estes temas so desenvolvidos pela teoria positiva cujo foco de anlise so os processos de tomada de decises polticas e a relao entre estrutura e produtos ou resultados polticos nas instituies polticas domsticas e pela teoria dos regimes que se interessa pelas relaes internacionais, em particular pelas formas de cooperao internacional e as instituies que as promovem. Tanto em uma como em outra tendncia, a perspectiva institucionalista deixa clara a importncia da dimenso cultural atravs da valorizao do campo simblico na cena poltica e do desenvolvimento da idia de uma certa autonomia das instituies polticas.

    O terceiro ramo, onde prosperam os enunciados institucionalistas e onde se encontram os fundamentos tericos do presente trabalho, a orientao sociolgica da perspectiva institucional. Nesta orientao aparece, com importncia, a influncia de mile Durkheim com as suas contribuies iniciais sobre o carter varivel das bases da ordem social (SCOTT, 1995).

    Weber no utilizou o conceito de instituio como fez Durkheim, mas, em seus estudos sobre o nascimento do capitalismo, aprofundou-o tanto na compreenso da influncia das normas culturais, quanto na construo e no carter histrico das estruturas econmicas e sociais.

    No campo sociolgico, o novo institucionalismo surgiu com os trabalhos de Meyer (1977), Meyer e Rowan (1992) e de Zucker (1977) apoiados no conceito de instituio desenvolvido por Berger e Luckmann (1991), ao sublinhar o papel das normas culturais e dos elementos do amplo contexto institucional, como as normas profissionais e os organismos do Estado no processo de institucionalizao. Alm disso, h que se enfatizar que esta nova orientao no uma mera maquilagem do velho

  • 25

    institucionalismo (POWELL e DIMAGGIO, 1991), uma vez que contm divergncias em vrios aspectos.

    Tanto o velho como o novo institucionalismo reagiram contra os modelos de organizao baseados em concepes racionalistas e destacaram as relaes entre a organizao e seu ambiente, ao mesmo tempo em que valorizaram o papel da cultura na formao das organizaesi.

    Uma avaliao dos processos e concluses das investigaes realizadas sob a velha e a nova abordagem pe em evidncia que Powell e DiMaggio (1991) esto de acordo em que a institucionalizao limita a racionalidade organizacional identificando diferentes fontes para essas limitaes. Como pontos de divergncia provavelmente mais importantes entre as duas proposies deve-se destacar o foco poltico e a luta de interesses dentro e entre as organizaes que vm ganhando espao na anlise.

    A TEORIA INSTITUCIONAL NO ESTUDO DAS ORGANIZAES A dcada de 1970 foi testemunha da crise do paradigma estrutural-

    funcionalista e da conseqente pluralidade suscitada nos estudos organizacionais. De fato, o debate multiplica-se e crticas so feitas ao carter fechado das proposies, ausncia de viso histrica, e natureza marginal dos aspectos polticos. Este processo, decisivo na revitalizao do campo da Teoria das Organizaes, permitiu o aparecimento de novas correntes de investigao, onde cada uma dava prioridade a distintos elementos das organizaes ou de seus contextos: o poder, a cultura, a estratgia, o contexto ecolgico ou as instituies.

    A teoria institucional trar notveis, ainda que inacabadas, contribuies a este tema. Entre elas esto os estudos realizados por institucionalistas como Meyer e Rowan (1992) que apontam a conformidade das estruturas organizacionais aos valores vigentes no ambiente. Como assinala Perrow (1990) a nfase no ambiente a principal contribuio da escola institucional. Ao invs das tendncias predecessoras mais prximas, a teoria institucional pe no centro de sua interpretao sobre a realidade organizacional a legitimidade e o isomorfismo como fatores vitais para sua sobrevivncia.

    Segundo Pettigrew (1985) fundamental compreender o contexto em que se situam as organizaes para poder entender suas estruturas e processos. Para o autor, o contexto modela as decises que so tomadas e, desse modo, facilita a previsibilidade da ao organizacional. Mas as organizaes no so elementos sociais coletivos passivos e, por sua vez, modelam o prprio contexto, o que nos leva a traar um quadro de interao

    i Selznick (1996) realiza uma discusso interessante sobre as questes que aproximam e afastam o novo do velho institucionalismo.

  • 26

    complexa entre organizaes e contextos em permanente movimento dinmico, longe, portanto, de configurar uma relao determinista e inequvoca.

    A perspectiva institucional abandona a concepo de um ambiente formado exclusivamente por recursos humanos, materiais e econmicos para destacar a presena de elementos culturais valores, smbolos, mitos, sistema de crenas e programas profissionais. A conseqncia deste novo marco na interpretao organizacional revela-se quando a concorrncia por recursos e clientes entre as organizaes deixa lugar, na perspectiva institucional, concorrncia para alcanar legitimidade institucional e aceitao do ambiente. Sob esta proposio a ateno da anlise centra-se no papel desempenhado pelo Estado, o sistema legal e as profisses no processo de dar forma vida organizacional tanto de maneira direta, impondo limites ou criando oportunidades, como de forma indireta, com a promulgao de novos mitos racionais (RODRIGUEZ, 1991, p. 208).

    Deste modo, o mercado deixa de ser o motor da racionalizao e da burocratizao quando assume o Estado a dita funo. O poder regulador e os modus operandi legitimados das profisses so seus principais instrumentos. A cultura elevada a uma posio determinante na formao da realidade organizacional sob esta perspectiva que atribui a difuso de procedimentos cotidianos s influncias interorganizacionais e confor-midade e persistncia dos valores culturais, mais do que funo que, inicialmente, lhes havia sido designada.

    As organizaes formais e seus ambientes institucionais Ao longo da evoluo do estudo das organizaes, o que se entende

    como ambiente sofreu profundas e importantes mudanas. Nas proposies analticas pioneiras acerca das organizaes, os ambientes eram percebidos como meras categorias residuais sem nenhuma importncia e influncia sobre a prpria organizao, que era o nico foco da investigao.

    Posteriormente o ambiente transformou-se em tudo o que estava do outro lado da organizao. A investigao organizacional comeou a focar as relaes interorganizativas especficas (SCOTT, 1992). A partir desse momento, o ambiente considerado um fator cujas influncias nas estruturas organizacionais determinam algumas das caractersticas das organizaes.

    Os estudos sobre o ambiente e sobre as relaes organizao-ambiente desenvolveram perspectivas diferentes e, ao mesmo tempo, divergentes sobre esses temas. Se uns, como Pfeffer e Salancik (1978), defendem que as presses do ambiente controlam as estruturas e as aes das organizaes, outros, como McNeil (1978) e Perrow (1983), argumentam que, ao contrrio, so as organizaes que controlam o ambiente.

    Na pesquisa sobre o ambiente como varivel na anlise orga-nizacional as contribuies de Hannan e Freemann (1977) supem a

  • 27

    ampliao do mbito de alcance de uma organizao singular para a diversidade organizacional que representam a populao organizacional e os campos interorganizativos.

    No obstante, a contribuio mais importante para este tema a incluso de elementos simblicos na formao dos ambientes organi-zacionais (SCOTT, 1992). At estas ltimas contribuies, os ambientes eram variveis formadas por elementos de dimenso fundamentalmente objetiva como os recursos materiais, a tecnologia e o capital. Novos elementos de mbito cultural e cognitivo apresentam-se agora como poderosos aspectos econmicos, sociais e culturais dos ambientes. A nfase foi desviada das facetas tcnicas para as facetas institucionais dos ambientes (SCOTT, 1992, p. 157).

    Assim, o ambiente, como varivel analtica, evoluiu de um enfoque generalista para um enfoque simblico, saindo de formulaes que o identificavam como ambiente tarefa (THOMPSON, 1980) ou exclusi-vamente fonte de recursos. Estas concepes no so dicotmicas, mas, incompletas, ao deixar de lado aspectos influentes do ambiente.

    A proposta dos institucionalistas de que, a essa viso de ambiente formado em sua totalidade por fluxos e intercmbios tcnicos, h que acrescentar um sistema de crenas e de normas institucionalizadas que, juntos, reproduzem uma fonte independente de formas organizacionais racionais. Assim, o ambiente institucional representa um enriquecimento do que se compreende como ambiente tcnico ampliado ao domnio do simblico.

    O ambiente tcnico , desse modo, definido como domnio no qual um produto ou servio trocado no mercado e as organizaes so premiadas pelo controle eficiente e eficaz do processo de trabalho (SCOTT, 1992, p. 158). Dessa forma, o ambiente tcnico exerce controle sobre os produtos gerados pelas organizaes.

    Por sua vez, o ambiente institucional caracterizado pela elaborao de normas e exigncias a que as organizaes se devem conformar se querem obter apoio e legitimidade do ambiente (SCOTT, 1992, p. 157). De forma diferente ao controle exercido pelo ambiente tcnico, aquele se exerce sobre as estruturas organizacionais e o processo de trabalho ao determinar os procedimentos que devem ser usados, as qualificaes de seu pessoal de staff e os tipos de habilidades que podem ser empregados. O foco do ambiente institucional situa-se, desta maneira, nos fatores que, indiretamente, do forma ao organizacional. Segundo Butler (1991) h diversos mbitos do ambiente institucional que podem influir nas normas a que se expem as organizaes, como, por exemplo, as instituies religiosas, sociais, econmicas, governamentais, polticas e cientficas formulam normas que se podem encontrar na sociedade.

  • 28

    Cada um dos ambientes se adapta a um conceito de organizao prprio, seja como sistema de coordenao dos intercmbios e de controle das atividades de produo, ou como um conjunto de mitos racionais que buscam resguardar sua legitimidade. Nos primeiros estudos realizados sob a perspectiva institucional, as definies que tentavam distinguir entre os ambientes tcnicos e institucionais eram vagas. Nas investigaes posteriores foram utilizados critrios mais especficos para distinguir os dois ambientes. Nos setores tcnicos as organizaes colocam seus produtos ou servios no mercado e so premiadas ao exercer um controle eficiente sobre o processo de trabalho. J nos setores institucionalizados as organizaes buscam apoio e legitimao de seu ambiente ao conformar-se com as normas e os requisitos que este gera (SCOTT, 1991).

    Desta forma, os ambientes tcnicos e institucionais sustentam diferentes racionalidades. Um ambiente tcnico ou racional o que permite s organizaes serem eficientes, produzir bens ou servios aceitos pelo mercado e, assim, lograr os seus objetivos. Num ambiente institucional, por sua vez, a ao racional est representada nos procedimentos capazes de proporcionar legitimidade no presente e no futuro organizacional.

    Scott (1987) salienta tambm que, para um melhor entendimento do ambiente institucional, o mesmo deve ser visto no seu nvel mais imediato e no nvel geral. No nvel mais amplo prevalecem entendimentos e normas compartilhados, enquanto que no ambiente institucional mais imediato aparecem aspectos de dependncia, poder e polticas. No primeiro nvel as variveis institucionais so globais e afetam as organizaes de maneira implcita e difusa. Estes aspectos permitem operacionalizar o estudo do impacto do ambiente institucional sobre grupos de organizaes. Esta ampliao do conceito de ambiente institucional tambm permite observar, segundo Dacin (1997), por que o isomorfismo nem sempre resulta das conexes de uma organizao com outras organizaes, posio que era assumida pela ecologia populacional (isomorfismo competitivo).

    Em resumo, podem ser encontradas foras e presses exercidas pelos dois modelos de ambiente, em diferentes propores, em todos os tipos de organizaes, o que indica a existncia, no de dicotomias, mas de um contnuo onde podem existir todos os tipos de combinaes.

    Diferentes enfoques na teoria institucional Ainda que se utilize a expresso perspectiva institucional ou

    escola institucional existem muitas diferenas entre os estudiosos que, em nmero crescente, desenvolvem suas investigaes sob os pressupostos institucionais. Como salientado anteriormente, foi desenvolvida uma perspectiva institucional em diferentes ramos das cincias sociais. na vertente sociolgica, entretanto, onde se constatam diferenas significativas entre os conceitos de instituio e processo de institucionalizao.

  • 29

    Segundo Scott (1995) a divergncia mais freqente e profunda encontra-se na nfase atribuda aos elementos institucionais que dividem a perspectiva em trs pilares: regulador, normativo e cognitivo.

    Os elementos de carter regulador distinguem-se dos demais por sua nfase na fixao de normas ou, dito de outro modo, no controle direto dos empregados e nas aes de sano e de coero. Fora, temor e oportunismo so ingredientes centrais no pilar regulador, mas temperados pela existncia de normas, seja a modo de costumes informais ou de normas formais e leis (SCOTT, 1995, p. 36).

    A verso reguladora da perspectiva institucional est desenhada para uma realidade organizacional mais convencional, mais prxima ao modelo de uma empresa fabril do tipo taylorista. Sob esta verso volta-se idia do indivduo motivado para atender seus prprios interesses numa lgica utilitarista de custo-benefcio. Esta constatao afasta, em teoria, a verso reguladora de uma aplicao a organizaes como as universidades, os hospitais ou as que no tm fins lucrativos. Para Scott (1995) esta verso da teoria institucional, que d prioridade a um processo estrito de regulamentao da ao nas organizaes, mais convencional por ser aquela que, com mais moderao, se aproxima de uma viso clssica da teoria das organizaes ao defender a idia de que os atores tm interesses naturais que perseguem racionalmente.

    O pilar normativo evidencia os valores e as normas como elementos institucionais nos quais se apia uma grande parte dos primeiros investigadores institucionalistas como Parsons, Durkheim e Selznick. A proposio normativa tenta desvendar de que modo as opes estruturais assumidas pelas organizaes so derivadas da presso exercida pelas normas e os valores. Para esta verso, os valores representam concepes do prefervel ou desejado junto com a construo de princpios com os quais estruturas e comportamentos existentes podem ser comparados e avaliados (SCOTT, 1995, p. 37). As normas, por outro lado, especificam como deveriam ser realizadas as coisas; definem os meios legtimos para perseguir os fins desejados (SCOTT, 1995, p. 37). Ambos os conceitos transmitem uma idia de estabilidade para as organizaes posto que tanto os valores como as normas, com o transcurso do tempo e em sua utilizao cotidiana e repetida, so interiorizados pelos indivduos transformando-se numa obrigao social.

    Uma terceira viso da perspectiva institucional, predominante entre o novo institucionalismo, pe em evidncia os elementos cognitivos das instituies. Entre esses elementos esto as normas que constituem a natureza da realidade e o arcabouo atravs do qual os significados so construdos (SCOTT, 1995, p. 40). O pilar cognitivo da teoria institucional prope que, ademais das condies objetivas, sejam valorizadas tambm as interpretaes subjetivas das aes e que se somem s representaes que os

  • 30

    indivduos fazem dos ambientes configuradores de suas aes. Voltamos deste modo questo central proposta por Weber com respeito importncia dos smbolos e significados: a dimenso subjetiva da realidade social.

    Diferente do paradigma regulador que d prioridade a normas, leis e sanes, e do normativo que indica a acreditao como mecanismo de funcionamento da organizao, a verso cognitiva considera os indivduos e as organizaes como realidades socialmente construdas, com distintas capacidades e meios para a ao, e objetivos que variam de acordo com seu contexto institucional.

    Diversas formas culturais (normas e leis, expectativas ou tipificaes segundo a interpretao da organizao, seja reguladora, normativa ou cognitiva), estruturas sociais (sistemas de poder, sistemas de autoridade ou isomorfismo estrutural, segundo a verso) e atividades rotineiras da vida cotidiana da organizao (procedimentos padronizados, conformidade ou execuo de programas de ao segundo uma verso reguladora, normativa ou cognitiva) renem os elementos institucionais que formam uma organizao (SCOTT, 1995).

    O enfoque preferencial do chamado novo institucionalismo desenvolvido, entre outros, por Meyer e Rowan (1992), DiMaggio e Powell (1991) e Scott e Meyer (1994) sublinha o papel dos processos cognitivos e os sistemas simblicos cuja importncia confirmada por Scott e Christensen (1995) ao sustentar que o estmulo do ambiente deve ser cognitivamente processado pelos atores interpretado pelos indivduos ao empregarem sistemas simblicos socialmente construdos antes que possam reagir.

    VALORES E MITOS INSTITUCIONALIZADOS Assumir a perspectiva institucional dar nfase aos elementos

    culturais e sociais no estudo tanto da sociedade, em uma aproximao geral, como das organizaes em particular; tambm identificar o conjunto de valores fundamentais de um determinado contexto que seja formador das prticas organizacionais. Para Hofstede (1991) os rituaisii, herisiii e smbolosiv representam as prticas visveis de ditos valores. Neste sentido, a

    ii Os rituais constituem atividades coletivas, tecnicamente suprfluas para o alcance dos objetivos, mas que so consideradas culturalmente essenciais. Na opinio de Hofstede (1991) as reunies de negcios e polticas, organizadas aparentemente por razes racionais, servem freqentemente em primeiro lugar para propsitos rituais como o de permitir aos lderes afirmarem-se. iii Os heris so pessoas vivas ou mortas, reais ou imaginrias, que servem de modelo para o comportamento (HOFSTEDE, 1991). iv Os smbolos so palavras, gestos, imagens ou objetos que carregam um significado particular que reconhecido somente pelos que compartilham a mesma cultura.

  • 31

    socializao e integrao dos novos membros nas organizaes so to-s uma questo de aprenderem essas prticas.

    Para os tericos da teoria institucional no o mercado nem o centralismo do Estado que permitem a manuteno na sociedade das organizaes, mas os mitos institucionalizados que criam e sustentam as diversas formas organizacionais. A impessoalidade que lhes possibilita indicar os meios adequados para alcanar as propostas tcnicas de forma racional e o fato de estar mais alm do arbtrio dos indivduos precisamente por encontrar-se altamente institucionalizados (REED, 1992) so suas principais caractersticas. Estes dois aspectos constituem garantias de legitimidade tanto na dinmica interna das organizaes como no contexto exterior, ou seja, na rede de relaes interorganizacionais.

    Desta forma, a explicao do que acontece nas organizaes, suas polticas e suas aes, no se encontra, em seus aspectos fundamentais, na dimenso formal, em seus objetivos declarados e na realizao de seus produtos. Para a perspectiva institucional, os milhares de processos subterrneos dos grupos informais, os conflitos entre os grupos, as polticas de contratao, dependncias de grupos externos e circunscries, a luta pelo prestgio, os valores comunitrios e a estrutura de poder da comunidade local e instituies legais (PERROW, 1990, p. 53) constituem os fundamentos da compreenso do comportamento das organizaes.

    Para Meyer e Rowan (1992) as organizaes tendem a utilizar linhas de ao j definidas e racionalizadas na sociedade que lhes permitiro encontrar legitimidade para suas atividades e defender sua sobrevivncia independentemente de sua eficincia e da demanda de seus produtos. Assim, confirma-se que, mais que o mercado ou os rgidos ditames tecnolgicos, prevalecem as diversas orientaes do contexto, as regras e os significados institucionalizados nas estruturas.

    O isomorfismo como mecanismo institucionalizador A questo da homogeneidade de estruturas e aes das organizaes

    tem sido tema de crescente interesse para a literatura especializada que, para abordar este problema, utiliza freqentemente, como uma busca de legitimidade, os princpios institucionais que compreendem a similitude, ou seja, isomorfismo.

    As estruturas formais das organizaes parecem surgir como reflexos de valores e normas institucionais num processo no qual a presso do ambiente institucional posiciona-se numa atitude isomrfica em relao s instituies sociais. Diferentemente do isomorfismo do modelo populacional, o enfoque institucional supe que as organizaes so influenciadas por presses normativas do Estado e de outros organismos reguladores. As organizaes buscam ento adaptar suas estruturas e procedimentos serem isomrficas s expectativas do contexto.

  • 32

    O processo de isomorfismo pode ser desenvolvido atravs de mecanismos coercitivos, mimticos ou normativos. No primeiro caso, segundo DiMaggio e Powell (1983), uma organizao mais forte exerce presses, formais e informais, sobre outra que lhe seja dependente. Este fenmeno, que consiste na utilizao dos mecanismos de carter coercitivo, pode ocorrer na relao de uma subsidiria com sua matriz, quando a primeira obrigada a adotar as medidas que sejam adequadas poltica da segunda.

    A mudana isomrfica atravs de mecanismos mimticos costuma produzir-se quando uma organizao, em razo de seus temores tecno-lgicos, conflituosidades em seus objetivos ou exigncias institucionais, adota os procedimentos e prticas j desenvolvidos e provados em outras organizaes que pertencem a seu ambiente especfico. Em muitas ocasies, diz Scott (1992), ditas contribuies so facilitadas pelas empresas de consultoria contratadas para resolver momentos difceis da vida organi-zacional.

    O isomorfismo por mecanismo normativo refere-se, principalmente, a formas comuns de interpretao e de ao frente aos problemas que se pem em evidncia na vida organizacional. A profissionalizao, ou seja, ter uma determinada ocupao que leve a compartilhar normas e conhecimentos com outros indivduos, uma das formas mais freqentes de presso normativa e implica uma certa tendncia isomrfica das organizaes. O sistema de ensino e, em particular, as universidades, onde se forma grande parte dos profissionais, so veculos privilegiados dos conjuntos de normas, regulamentos e prticas comuns a uma profisso.

    Haunschild (1993), numa investigao sobre o efeito das redes de inter-relaes entre as empresas nos processos de fuso realizados sob os pressupostos institucionais, no examina as causas econmicas, mas a influncia dos laos entre os dirigentes com o fenmeno da imitao interorganizacional. Conclui que mais provvel que uma empresa esteja envolvida num processo de fuso se um dos seus diretores tiver tomado parte da junta diretora de outra empresa que j tenha passado por um processo de fuso nos trs anos anteriores.

    Aparentemente, a finalidade perseguida pelas organizaes que demonstram um comportamento isomrfico em relao a outras parece ser a autodefesa frente a problemas para os quais ainda no tm solues prprias. Assim, desenvolvem condutas semelhantes posto que a similitude facilita as transaes interorganizacionais ao favorecer seu funcionamento por meio da incorporao de regras socialmente aceitas (MACHADO-DA-SILVA e FONSECA, 1993, p. 44). Carvalho (2000) prope uma leitura diferente deste assunto a partir de uma discusso sobre as realidades europia e brasileira no campo do terceiro setor.

  • 33

    Partindo desta hiptese, os institucionalistas sugerem que as formas estruturais que as organizaes adotam no so determinadas pelas demandas do ambiente em seus respectivos nveis de exigncia tecnolgica mas pela legitimidade que lhes transferem os costumes e as normas aceitas coletivamente. A opo entre as exigncias da racionalidade tcnica e a eficincia, por um lado, e a desejada legitimidade institucional, por outro, constitui uma fonte de conflito nas organizaes. Em alguns momentos a atividade organizacional baseada na necessria ao cerimonial e ritual que se realiza para sua legitimidade institucional vai de encontro s rgidas medidas de eficincia tcnica. Dita situao pode provocar uma relao conflituosa entre a eficincia e a legitimidade.

    O trabalho desenvolvido pelos tericos da corrente institucional valorizou, para a anlise organizacional, os processos culturais onde a realidade organizacional socialmente construda e institucionalmente sustentada (REED, 1992). No entanto, a nfase desenvolvida nestes processos ocasionou desinteresse pelas estruturas materiais e polticas que tm, no obstante, um carter fundamental.

    A legitimidade como elemento fundamental do modelo A partir de uma perspectiva sociolgica h que se complementar a

    concepo institucionalista do processo isomrfico e retomar a idia weberiana de legitimidade. A influncia de Weber na teoria das organizaes est apoiada na sua teorizao sobre a burocracia como um modelo de organizao social e uma representao da economia de mercado e do Estado centralizado. As complexas redes de transaes e relaes que se criam no mundo do trabalho geram necessidades de coordenao e controle. Para as principais teorias organizacionais, a estrutura formal racionalizada das organizaes o instrumento mais efetivo para atingir esses objetivos.

    A crescente mundializao da economia, que implica uma maior complexidade dos ambientes e da tecnologia, a expanso dos mercados, a especializao do fator humano e a diferenciao na produo, so alguns dos elementos que aumentam a necessidade de coordenao e engendram o desenvolvimento das organizaes com estruturas formais racionalizadas (MEYER e ROWAN, 1992). Para esses autores as teorias predominantes concedem muita importncia s questes relacionadas ao exerccio da coordenao e do controle, deixando talvez num segundo plano o conceito weberiano de legitimidade das estruturas formais racionalizadas.

    No institucionalismo a legitimidade da estrutura formal no aceita como uma questo dada. Nas sociedades modernas as estruturas formais racionalizadas assumem tanto um carter passivo como tambm ativo na configurao da realidade social. Os elementos que compem essas estruturas so, para a perspectiva institucional, manifestaes de poderosas normas institucionais, como o sistema educativo, as leis, o status das

  • 34

    profisses etc. que funcionam, em muitas ocasies, como mitos institucionalizados (SCOTT, 1987).

    A legitimidade aparece na literatura fortemente relacionada com o grau de apoio cultural que obtm a organizao. No obstante, diferentes aproximaes perspectiva institucional podem significar igualmente conceitos variados de legitimidade. Assim, para a verso reguladora, a legitimidade organizacional surge pelo estabelecimento e a adoo dos requisitos legais enquanto que a verso normativa d prioridade base moral para obter legitimidade (SCOTT, 1995). Neste sentido, os controles normativos so interiorizados mais facilmente que os de carter regulador, e os incentivos utilizados para a conformao dos indivduos incluem tanto recompensas intrnsecas como extrnsecas. Com um carter mais sutil e mais profundo, a interpretao cognitiva das organizaes sublinha que o processo de obteno de legitimidade deriva da adoo de um marco de referncia ou de uma definio comum da situao (SCOTT, 1995, p. 47).

    INVESTIGAES EMPRICAS SOB A PERSPECTIVA INSTITUCIONAL A escola institucional no a nica nem a primeira a introduzir o

    enfoque cultural na anlise organizacional e, atualmente, crescente o nmero de investigaes realizadas sob seus pressupostos tericos. A aplicao dos mitos e smbolos na anlise organizacional permitiu aprofundar a compreenso das organizaes sob novas hipteses, adotando uma lente que destaca novos elementos antes obscuros. Segundo Perrow (1990) as investigaes no campo organizacional e a anlise das organizaes de maneira geral devem estar impregnadas de uma conscincia do poder dentro e fora das fronteiras organizacionais.

    Desde uma perspectiva poltica, a compreenso dos sistemas de organizao social toma suas fontes explicativas nos conflitos de interesses, em especial naqueles que sustentam o sistema econmico e poltico. Modificaes como a crescente importncia dos setores financeiros e dos experts em finanas das organizaes so um exemplo de elementos poderosos do ambiente capazes de submeter e condicionar o comportamento das organizaes. As razes podem encontrar-se na fuso do capital industrial com o capital bancrio em princpios deste sculo, e a conseqente evoluo do capital financeiro, a expanso dos mercados de capitais e a dependncia das organizaes destas modificaes do ambiente. Em resumo, realizar uma anlise baseada no enfoque do poder tentar descobrir que elementos na sociedade detm mais poder e influncia neste momento e que grupo ou grupos de interesse obtiveram maiores benefcios com ditas circunstncias. Autores como Zald (1970), Mintzberg (1979), Pfeffer e Salancik (1978) e Clegg (1998) compartilham esta perspectiva.

    Na abordagem institucional, a reflexo sobre as relaes entre as organizaes e seus ambientes deixa de lado as influncias do poder nas

  • 35

    demandas do ambiente (seja em produtos ou processos) dando maior prioridade ao ambiente em sua funo indutora de material cultural para a gesto das organizaes. Para esta corrente analtica, a noo-chave a legitimidade. Os ambientes criam novos elementos organizacionais, os transformam em necessidades das organizaes e consideram-nas, poste-riormente, mais legitimadas que as outras (MEYER et al., 1994).

    Estas teses foram testadas num estudo sobre as mudanas ocorridas no sistema organizacional do ensino pblico norte-americano entre 1940 e 1980. As mudanas registradas haviam indicado uma rpida expanso da burocracia atravs de fatores como a formalizao, a expanso em escala e a padronizao. No entanto, ao invs de refletir uma expanso e imposio de modelos, determinadas por uma estrutura organizativa centralizada em nvel nacional ou, em outros termos, por um grupo de poder dominante, as mudanas no sistema educativo norte-americano evidenciavam o grande domnio de uma cultura nacional difundida no nvel nacional por numerosas unidades pertencentes ao sistema. Estas unidades representam os grupos de interesse, os profissionais, as regras legais e outros elementos institucionais que, em seu conjunto, compem uma estrutura institucionalizada, no controlada por nenhum grupo de poder e com a capacidade de determinar os valores culturais e os critrios de legitimidade no mbito do ensino pblico nos Estados Unidos.

    Em outro trabalho, Scott e Meyer (1994) investigam os programas de formao nas organizaes e os valores que, de fato, sustentam sua utilizao. Os autores defendem que o estmulo para a capacitao surge nas estruturas e necessidades criadas pelos elementos do ambiente e no em necessidades tcnicas concretas aumento da eficincia e competitividade, por exemplo exigidas pela organizao. Assim, afirmam que o que na realidade ocorre uma substituio dos modelos de formao tecnicamente rigorosos (que so propagados pelos seus defensores) por um modelo altamente institucionalizado, capaz de legitimar as organizaes que o utilizam. Nesta questo temos que nos referir crtica expressa por Clegg (1990) de que o fato de dar importncia cultura no marco institucional e em diferentes realidades nacionais no pode significar a perda de importncia do conceito de eficincia, posto que este um dos maiores valores culturais da modernidade.

    Clegg escreve posteriormente que o insight essencial da teoria institucional o de ter assinalado que o que sobrevive numa organizao pode no ser o mais eficiente, mas sobrevive porque em algum momento do passado da organizao foi infundido com o valor do contexto institucional (CLEGG, 1994, p. 42). A eficincia como paradigma dominante da sociedade moderna, por um lado, e os valores do contexto, por outro, se misturam na configurao da realidade social.

  • 36

    Em outro esforo de verificao emprica, Slack e Hinings (1994) examinam o que ocorre numa trintena de organizaes desportivas pressionadas pelos seus ambientes para adotar procedimentos mais profissionais e uma estrutura burocrtica, o que os conduz identificao dos trs tipos de isomorfismo descritos por DiMaggio e Powell (1983). No obstante, num esforo de contribuio original para a teoria, tambm identificam movimentos de resistncia s presses do ambiente.

    A influncia determinante do contexto institucional nas organizaes e sua adaptao estrutural manifestam-se igualmente na investigao de Beggs (1995). O autor mediu a relao entre a igualdade ou desigualdade entre homens e mulheres, negros e brancos nas organizaes e seus dados demonstraram que o ambiente influa nas polticas de emprego em razo de gnero e etnia.

    Em investigao realizada numa instituio bancria no Brasil, Machado-da-Silva e Fernandes (1998) verificaram que o contexto institucional de referncia nacional se imps como construto dominante e suporte para as definies estratgicas da ao organizacional e para os valores nos esquemas interpretativos dos dirigentes. Entretanto, na fase de internacionalizao do banco, a permanncia desse referencial revelou-se um elemento, entre outros, responsvel pela lentido e dificuldade da organizao em efetuar a reorientao estratgica exigida pela nova conjuntura nacional. Posteriormente, na seqncia da agenda de pesquisa sobre a mesma instituio, os autores (MACHADO-DA-SILVA e FERNANDES, 1999) introduziram a legitimidade como dimenso determinante na preservao do contexto de referncia que ento j exibia descompasso com as novas necessidades.

    Outros esforos de investigao emprica com base na teoria institucional esto sendo desenvolvidos por um grupo de pesquisa na Universidade Federal de Pernambuco. Esses trabalhos tm buscado aprofundar e validar a discusso sobre a possibilidade de uma relao profcua entre a perspectiva institucional e a abordagem do poder nas organizaes (VIEIRA e MISOCZKY, 2000; CARVALHO e SILVA, 2001 e LEO JR. et al., 2001). O conceito de poder que sustenta esta discusso o trabalhado por Bourdieu (2000), por meio do qual se investiga a formao e a estruturao de campos organizacionais, especificamente nas reas institucionalizadas da cultura e do lazer (VIEIRA e LEO JR., 2000; PACHECO, 2002 e LEO JR., 2002).

    O esforo para ampliar o foco da aplicao emprica da abordagem institucional para o campo dos negcios, com resultados interessantes, pode ser lido, tambm, nos artigos de Toaldo (1999) que analisa a disseminao do marketing em grandes empresas industriais do Rio Grande do Sul e verifica fortes presses isomrficas na orientao para o mercado. Santos (1999), por sua vez, utiliza a interpretao institucional dos fenmenos

  • 37

    organizacionais para analisar as operaes de franquia. Para isso toma como exemplos os casos de quatro redes tpicas brasileiras (Caf do Ponto, LAcqua di Fiori, Company e Casa do Po de Queijo) e associa a essa operao empresarial fortes presses isomrficas mimticas e de coero para preservar padres de qualidade mas, tambm, para evitar a variabilidade nos procedimentos. Machado-da-Silva e Fonseca (1996), preocupados avant la lettre, com as limitaes do foco emprico da abordagem institucional, expem algumas proposies sobre a questo da competio no mundo empresarial.

    Crubellate e Machado-da-Silva (1998) e Lopes (1999) realizam esforos de aplicao da abordagem institucional no escopo de seu campo mais tradicional de anlise: o ensino universitrio. Este pe em evidncia um processo de desinstitucionalizao de valores dominantes como a autonomia e a democracia frente ao avano dos programas de qualidade. Aquele evidencia as foras institucionais que pressionam as universidades para a adoo de padres superiores de eficincia e eficcia incorporando noes gerenciais procedentes do funcionamento do setor privado da economia Crubellate e Machado-da-Silva (1998, p. 58).

    Nas questes discutidas nesta seo, por meio dos estudos empricos apresentados pode-se inferir que as concepes de poder que subjazem anlise institucional vo mais alm de uma viso pluralista. Atomizados e dispersos por causa de uma grande quantidade de elementos, todos eles compem uma complexa rede de instituies que do forma sociedade moderna. Nesta problemtica pode-se buscar as causas pelas quais a teoria das organizaes est cada vez mais preocupada com a interpenetrao entre poder, instituies e eficincia. Isto explica, em certa medida, a nfase especial da perspectiva institucional nas relaes de autoridade interorga-nizacionais. Esta questo verifica-se, por exemplo, no esforo por criar uma tipologia de isomorfismos.

    CONSIDERAES SOBRE A APLICAO DA PERSPECTIVA INSTITUCIONAL NA ANLISE ORGANIZACIONAL

    Perrow (1983) salienta que uma das importantes contribuies da Teoria Institucional constitui-se na ampliao do conceito de ambiente organizacional. Pode-se dizer, no entanto, que as proposies contidas nesta perspectiva engendraram uma ruptura com uma tradio racionalista que, apesar de todos os equvocos, continua sendo o sustentculo para a maior parte dos estudos organizacionais.

    A perspectiva institucional, ao reacender as relaes das tradies sociolgicas de Weber e Durkheim com a teoria organizacional, a partir da retomada de elementos esquecidos como legitimidade, revigora o poder explicativo da teoria organizacional. Assim, aponta-se para uma possibilidade de quebrar uma tendncia em ascenso onde se atribui

  • 38

    sobrevivncia e desempenho organizacional a fatores esotricos e qualidades mticas de alguns dirigentes.

    As transformaes no mundo moderno, caracterizadas por fenmenos como as ondas de fuses e aquisies e expanso da ao de grandes corporaes em pases em desenvolvimento; revolues tecnolgicas e renovao das prticas de gesto em pases com culturas milenares que permeiam a vida de suas organizaes, no podem ser explicadas a partir de orientaes puramente racionalistas, negligenciando as dimenses socioculturais.

    Assim como as organizaes esto desenvolvendo estratgias globalizadas, os Estados e instituies formadoras de agentes para atuarem nesses ambientes vm atuando cada vez mais interligados e compartilhando, de forma mais intensa, valores sobre questes cruciais na estruturao das atividades de produo, lazer, conhecimento.

    Assim, salienta-se que a abordagem institucional amplia consideravelmente as possibilidades de ao gerencial no que se refere, por exemplo, compreenso e interveno em processos de mudana organizacional ao introduzir a noo de movimento e de dinmica de conjuntos de organizaes por meio do conceito de isomorfismo.

    Num exemplo diverso, a estratgia organizacional ganha outra dimenso. A possibilidade de introduo de elementos simblicos na definio e implementao das estratgias alarga a margem de aes realizveis das organizaes, o que lhes amplia a possibilidade de sobrevivncia, ao serem capazes de realizar um ajuste mais adequado s demandas ambientais.

    A perspectiva institucional, ao oferecer ferramentas tericas para que se desloque o nvel de anlise da organizao para o campo, incorpora valor cultura simblica como dimenso explicativa da realidade de um determinado grupo de organizaes. Isto permite um delineamento mais preciso da configurao de uma rea especfica de atividade e, assim, a elaborao e a implementao de polticas pblicas mais apropriadas para o desenvolvimento de setores especficos que concorram para o desenvolvimento local.

    A Teoria Institucional recoloca a presena de diferentes racionalidades no espao organizacional, para alm da racionalidade limitada de Herbert Simon, absolutizada pelas teorias advindas da economia como a Teoria dos Custos de Transao sem, no entanto, desprez-la. Os valores compartilhados no ambiente tambm passam a compor a anlise das organizaes, eliminando o espao para explicaes no cientficas onde as abordagens tradicionais no conseguiam dar respostas.

  • 39

    2

    INSTITUIES E PODER: EXPLORANDO A POSSIBILIDADE DE TRANSFERNCIAS CONCEITUAIS

    Marcelo Milano Falco Vieira Maria Ceci Misoczky

    Nos ltimos anos, mais precisamente a partir da dcada de 1980, a perspectiva institucional retomou flego na explicao da estruturao das organizaes a partir dos trabalhos de Meyer e Rowan (1977) e de DiMaggio e Powell (1983). O precursor desta abordagem foi Philip Selznick (1949 e 1957) que chamou de processo de institucionalizao a forma pela qual as expresses racionais da tcnica so substitudas por expresses valorativas compartilhadas no ambiente onde a organizao opera.

    J o poder sempre foi uma questo central na anlise dos fenmenos sociais. Michel Foucault, em uma interessante passagem da obra A histria da sexualidade explica porque o poder a categoria central na determinao das coisas sociais. Autores mais especficos da rea de organizaes tambm j chamaram a ateno para este fato (MINTZBERG, 1983; PFEFFER, 1981; PERROW, 1986 e CLEGG, 1989, por exemplo).

    A partir do reconhecimento da capacidade explicativa dessas duas abordagens, alguns autores tm enfatizado a necessidade da construo de pontes entre esses dois importantes eixos tericos. Clegg (1990) um dos autores que prope uma inter-relao entre a abordagens institucional e do poder sem, entretanto, ser mais especfico a respeito de como operacionalizar esta unio. O objetivo deste trabalho , pois, discutir a possibilidade de tal inter-relacionamento. Para tanto, apresentam-se as bases de cada uma dessas duas abordagens, chamando ateno para os aspectos tericos e epistemolgicos que as circunscrevem, aproximando-as e afastando-as em diferentes dimenses. Na base desta discusso est uma questo atual dos estudos organizacionais, qual seja, a incomensurabilidade de paradigmas, para a qual Aldrich (1992) e Martin (1990), entre outros, chamaram a ateno.

    Este trabalho termina com um posfcio ps-moderno, onde se reconhece que h muitas dificuldades em unir abordagens diferentes quando se adota uma postura tpica da cincia normal, vinculada a paradigmas

  • 40

    hermeticamente fechados. Entretanto, a complexidade dos fenmenos que so objetos dos estudos organizacionais demanda abordagens com potencial explicativo cada vez maior. Um caminho possvel o estabelecimento de arranjos de percepo que facilitem a transferncia de conceitos entre perspectivas de bases diferentes, como a do poder e a institucional, viabilizando inter-relaes sem, entretanto, cair em uma mera bricolagem conceitual.

    AS BASES DO INSTITUCIONALISMO NOS ESTUDOS ORGANIZACIONAIS Os vnculos entre as organizaes e seus ambientes adquiriram

    grande importncia nos estudos organizacionais durante os anos de 1970 em oposio s explicaes de ordem puramente tcnica sobre a estrutura e o comportamento das organizaes. De acordo com Scott (1992, p.14) embora exista um consenso sobre a importncia do ambiente, existe pouca concordncia sobre como o ambiente deve ser concebido ou sobre quais das suas caractersticas so as mais relevantes.

    Clegg (1990, p.6-7) sugere o conceito de imbricamento para explicar a diversidade organizacional em diferentes ambientes. Imbricamento refere-se configurao das relaes de relativa autonomia e de relativa dependncia que existem entre as formas de organizao econmica e social e sua respectiva estrutura cultural e valores institucionais no centro das quais so constitudas (CLEGG, 1990, p.7)v.

    Clegg (1990, p.6-7) salienta, ainda, que o imbricamento no diz respeito apenas aos aspectos culturais ou a relaes de mercado especficas, uma vez que isto pode implicar uma reduo da realidade organizacional. Tal reducionismo refere-se a duas abordagens diferentes ao entendimento das organizaes: (a) uma viso supersocializada da configurao e da ao organizacionais que utiliza uma nica varivel, no caso a cultura, para explicar a diversidade nas configuraes e na ao organizacionais; e (b) uma viso subsocializada que oferece explicaes fundamentadas em teorias universais e generalizveis sobre eficincia e mercado. O conceito de imbricamento significa que a ao organizacional circunscrita por uma estrutura institucional dentro da qual essa ao se desenvolve. Por estrutura institucional Clegg (1990) entende o regime de impostos, normas de contabilidade, crenas religiosas, polticas pblicas formalmente constitudas a respeito de igualdade de oportunidades, setor industrial, polticas regionais etc. Esta estrutura oferece padres de significado atravs dos quais a ao realizada e interpretada.

    v No Brasil alguns autores tm preferido a traduo do termo original, em ingls, embededdness por imerso social (FONSECA, 2000), por exemplo, uma vez que esta traduo j havia sido antes adotada na rea com o mesmo sentido.

  • 41

    Meyer e Scott (1992) tambm enfatizam o papel desempenhado pelo ambiente institucional na definio da estrutura e do comportamento das organizaes. De fato, a idias de que as organizaes esto profundamente imbricadas em ambientes institucionais, e que esses ambientes tm influncia significativa sobre a forma como as organizaes se estruturam, no nova nos estudos organizacionais (veja SELZNIK, 1949 e 1957). Entretanto, essa idia foi revitalizada e tem recebido crescente ateno desde as publicaes dos estudos de Meyer e Rowan (1977), Zucker (1977), Scott e Meyer (1983) e DiMaggio e Powell (1983).

    A abordagem institucional s organizaes enfatiza: (a) a depen-dncia ambiental da estrutura organizacional; (b) as dimenses poltica e cultural envolvidas; e c) os efeitos dessas dependncias na definio da natureza de organizaes mais modernas, particularmente a natureza fluida e complexa de organizaes criadas em ambientes altamente instituciona-lizados (SCOTT e MEYER, 1994). Ambientes so entendidos como constitudos por regras e sistemas de crenas, bem como por redes relacionais que se originam no contexto social mais amplo (SCOTT e MEYER,