Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral - Luiz Carlos Gonçalves - 2015

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L UI Z  C  A R LOS  DOS  S  A N TOS  G ONÇALVES CRIMES ELEITORAIS E PROCESSO PENAL ELEITORAL SEGUNDA EDIÇÃO

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LUIZ C ARLOS DOS S ANTOS GONÇALVES

CRIMES ELEITORAISE PROCESSO PENAL ELEITORAL

SEGUNDA EDIÇÃO

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CRIMES ELEITORAIS 

E PROCESSO PENAL ELEITORAL

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CRIMES ELEITORAIS 

E PROCESSO PENAL ELEITORAL

SÃO PAULOEDITORA ATLAS S.A. _  2015

LUIZ C ARLOS DOS S ANTOS GONÇALVES

2ª Edição

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1. ed. 2012; 2. ed. 2015

Capa: Leonardo Hermano

Projeto gráfico e composição: CriFer – Serviços em Textos

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Gonçalves, Luiz Carlos dos Santos

Crimes eleitorais e processo penal eleitoral / Luiz Carlos dos Santos

Gonçalves. – 2. ed. – São Paulo : Atlas, 2015.

Bibliografia.

ISBN 978-85-224-9898-7

ISBN 978-85-224-9899-4 (PDF)

1. Crimes e delitos políticos – Brasil 2. Direito eleitoral –

Brasil 3. Justiça eleitoral – Brasil 4. Processo penal I. Título.

12-04619

CDD-342.8(81)

Índice para catálogo sistemático:

1. Brasil : Crimes eleitorais : Processo penal eleitoral 342.8(81)

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 Para o João, a Ana e o Ângelo.

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SUMÁRIO

 Apresentação, IX

Primeira Parte: Introdução aos Crimes Eleitorais, 1

Constituição e crimes, 1

Direito penal eleitoral ou eleitoral penal, 2

Organização da justiça eleitoral e leis eleitorais, 3

 A fonte normativa dos crimes eleitorais, 4

Um pouco de história, 6

Segunda Parte: A Interpretação e Classificação dos Crimes Eleitorais, 9

Generalidades e independência das instâncias, 9

 A parcial recepção constitucional dos crimes eleitorais codificados, 11

 Aplicação das regras penais gerais, 13

Classificação dos crimes eleitorais, 14

Características comuns aos crimes eleitorais, 20

 Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral, 26

 As disposições penais gerais do Código Eleitoral, 27

O funcionário público eleitoral, 27

 As penas mínimas e máximas, 28

 A pena de multa, 28

Os crimes em espécie, previstos no Código Eleitoral, 29

Quarta Parte: Os Crimes Eleitorais da Legislação Esparsa, 127Os crimes da Lei 9.504/97, 127

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 viii  Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral  • Gonçalves

Crimes do dia da eleição, 132

 A Lei 12.891, de 11.12.2013 e o crime de contratação excessiva de caboseleitorais, 145

O crime da Lei Complementar nº

 64, de 1990, 148Os crimes da Lei 6.091, de 15 de agosto de 1974, 150

Quinta Parte: Processo Penal Eleitoral, 156

Introdução, 156

O Ministério Público Eleitoral, 157

 A polícia judiciária eleitoral, 159

Crimes eleitorais próprios e competência, 161

Prerrogativa de foro, 162

 As imunidades do Presidente da República, 164 A imunidade formal dos Governadores de Estado ou do Distrito Federal, 165

Imunidades de senadores, deputados federais, estaduais e distritais, 166

Conexão e foro por prerrogativa de função, 166

Crimes conexos aos eleitorais: competência, 167

Crimes conexos de menor potencial ofensivo, 169

Crimes eleitorais inespecíficos e competência, 170

 Aplicação subsidiária do Processo Penal Comum, 172

 Ação Penal Eleitoral, 173

Obrigatoriedade da ação penal e controle, 174O procedimento das ações penais eleitorais perante o juiz eleitoral, 176

O procedimento das ações penais eleitorais originárias dos tribunais, 179

Recursos eleitorais criminais, 179

Embargos de declaração, 182

 Agravo regimental, 183

Embargos infringentes e de nulidade?, 183

Recursos para o Tribunal Superior Eleitoral, 184

Recurso Especial, 185

Recurso Ordinário, 188

 Agravo, 188

Recursos contra as decisões do Tribunal Superior Eleitoral, 190

 Habeas Corpus e Revisão Criminal, 191

Resolução nº 23.396 – Consolidada com alterações, 193

Sexta Parte: Proposta para Reforma e Recodificação dos CrimesEleitorais, 197

Proposta de Alteração Legislativa: Crimes Eleitorais, 197

 Referências, 203

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 APRESENTAÇÃO

Este trabalho, agora em segunda edição, procura estudar os crimes eleitorais com umviés prático. Ele se destina aos estudantes, juízes, advogados, membros do MinistérioPúblico, assessores parlamentares e funcionários da Justiça Eleitoral.

Previstos às dezenas em nosso já antigo Código Eleitoral, os crimes contra as elei-

ções muitas vezes são considerados um mero apêndice das sanções cíveis, as únicas que,com grande esforço, se consegue aplicar antes que cessem os calores das campanhas.

Entretanto, há gravíssimos comportamentos, plenos de dignidade penal, há-beis, se tolerados, a estorvar a legitimidade do processo democrático. Há outros,também, que melhor seria descriminalizar ou que sequer foram recebidos pelaConstituição de 1988.

 A experiência do autor na lida com esses crimes vem do exercício, de 2006 a2010, da função de Procurador Regional Eleitoral em São Paulo, primeiro como subs-tituto e, depois, como titular. Em 2013, passou a atuar na assessoria da Procuradoria-

-Geral Eleitoral, em Brasília. Nessa condição, auxiliando na elaboração dos pareceresque o Ministério Público Eleitoral oferece como custos legis perante o Tribunal SuperiorEleitoral, pôde examinar dezenas de processos-crime eleitorais, em grau de recurso,vindos de todas as partes do Brasil. Isso sem contar Habeas Corpus.

Esta segunda edição deve muito a esta experiência. Ela inclui exame da legislaçãoeleitoral atualizada – inclusive de projetos de reforma dos crimes eleitorais –, bemcomo traz novos julgados e aportes doutrinários.

É o trabalho que ora se oferece aos interessados em Direito Penal Eleitoral.

O Autor

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 AGRADECIMENTO

 Agradeço a Fernanda Junqueira, que trouxe para este trabalho, minudentemente,a perspectiva dos leitores.

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PRIMEIRA P ARTE:INTRODUÇÃO  AOS CRIMES ELEITORAIS

Constituição e crimes

 A Constituição Federal autoriza a existência das penas criminais, impostas a

comportamentos que devem ser detalhadamente descritos por lei (reserva de leipenal, art. 5º, XXXIX) e que devem proteger bens jurídicos constitucionalmentecompatíveis, diante de ameaças ou lesões (reserva de lei penal em sentido material).

 A menção constitucional a essas penas é copiosa. O rol dos direitos e garantiasfundamentais, art. 5º, chega a determinar, para o crime de racismo, a pena de reclu-são (inciso XLII). O mesmo artigo autoriza expressamente algumas penas (XLVI) eproíbe outras (XLVII). Ele se antecipa à formação da vontade pelo legislador ordiná-rio e lhe ordena a adoção de penas criminais para a proteção de alguns bens jurídicos(as discriminações atentatórias dos direitos e liberdades fundamentais, a dignidadeda pessoa humana – no caso do racismo –, a tortura, o tráfico ilícito de entorpecen-tes, os crimes hediondos, o terrorismo...). São os “mandados de criminalização”, nocaso, expressos.1 

Essa determinação e autorização constitucionais para o emprego dos instru-mentos de sanção criminal opõe-se a doutrinas abolicionistas ou que professam,para todo contexto e circunstância, um Direito Penal mínimo. Ao contrário, o Direi-

1  Estudo nesse sentido em nosso Mandados Expressos de Criminalização e a Proteção dos Direitos Fundamen-tais na Constituição Federal de 1988, Editora Forum, Belo Horizonte, 2007.

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

to Penal constitucionalmente desenhado parece buscar a proporcionalidade, ao invésde máximos ou mínimos aprioristicamente definidos.2 

Por outro lado, não há dúvidas de que a mesma Constituição Federal de 1988

estabelece claros limites à atividade criminalizadora do Estado, não a autorizando,por exemplo, para a proteção de itens que não estejam em conformidade com seugeneroso regime de liberdades. Penas que reforcem preconceitos, imponham opçõesreligiosas, restrinjam espaços válidos de conformação moral ou de pensamento e, deuma maneira geral, sejam ofensivas à dignidade da pessoa humana ou despropor-cionais estão, claramente, fora do espaço constitucional. Por igual, crimes que nãoatendam às regras constitucionais, como a da reserva estrita de lei, com a definiçãoexata da conduta à qual se cominará pena, não são válidos.3 

É possível dizer, portanto, que o Direito Penal volta-se para a proteçãoproporcional de bens jurídicos4 previstos ou aceitos pela Carta Política. O requisitoda subsidiariedade dessa proteção, embora de largo trânsito doutrinário, não nos parecemais adequado do que a exigência da proporcionalidade, apta para obstar excessose vedar insuficiências.

Direito penal eleitoral ou eleitoral penal

Urge saber, então, se o ambiente do Direito Eleitoral, isto é, o das regras sobreo exercício direto do poder pelo povo ou sobre a escolha de representantes, é pro-pício à adoção de sanções criminais. Noutras palavras, se há bens jurídicos de talheeleitoral aptos a receber proteção penal.

Nossa resposta é positiva. A lisura e a legitimidade das eleições e das escolhaspopulares funcionam como elementos centrais de garantia do regime democrático edo Estado de Direito. Sem eles, as eleições poderiam ser uma encenação ou fraude,incapazes de lastrear o exercício regular do poder.

 Assim, da mesma maneira como a dignidade humana, a vida ou o patrimôniose oferecem como itens merecedores de proteção penal, também o fazem a higidezdo processo eleitoral, a igualdade entre os candidatos, a liberdade de voto e a admi-

2  Ver A Constituição Penal: a dupla face da proporcionalidade no controle de normas penais, de LucianoFeldens, Lael, Porto Alegre, 2007.3  É nesse teste que muitos dos crimes do Código Eleitoral não serão aprovados, como será visto adiante.4  “ Bien jurídico es un bien vital de la comunidad o del individuo que por su significación social es protegido juridica-

mente [...]”; Hans Welzel, Derecho Penal Alemán, trad. Juan Bustos Ramires e Sergio Yañez Péres, Editorial

 Juridica de Chile, 1993. Para o mesmo autor, a “ Misión del Derecho Penal es la protección de los bienes jurídicosmediante la protección de los elementales valores de acción ético-sociales”, p. 5.

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Primeira Parte: Introdução aos Crimes Eleitorais  3

nistração da Justiça Eleitoral. É também o caso das regras essenciais para a disputapartidária e a procura do convencimento dos eleitores.

Não há dúvida de que a regularidade e legitimidade das eleições, bem como dos

atos preparatórios para tanto e a posterior apuração, oferecem bens jurídicos queassumem dignidade penal, ou seja, um grau de lesão ou ameaça suficiente a um bem

 jurídico, suficiente para autorizar o emprego de sanções penais e não meramenteadministrativas.

Os bens jurídicos eleitorais são passíveis de proteção penal. Daí falar-se, então,em Direito Eleitoral Penal ou Direito Penal Eleitoral. São termos idênticos, a nossover. Tanto faz se a precedência na escrita se dá ao “penal” ou ao “eleitoral”. Cabe adefinição de que se trata do ramo do Direito Penal encarregado da proteção de bens

 jurídicos eleitorais, bem como a de que se trata do ramo do Direito Eleitoral queaceita o emprego de sanções penais. Na interpretação dos crimes eleitorais, ambosos ramos do ordenamento contribuirão por igual, com interação recíproca. Sem em-bargo, é mais comum referir-se a Direito Penal Eleitoral.

Organização da justiça eleitoral e leis eleitorais

Nosso país, desde o Código Eleitoral de 1932, adotou um modelo judicial de or-ganização, administração e julgamento de controvérsias eleitorais, mediante a cria-ção de uma Justiça especializada. Ela também possui grande poder normativo, con-quanto submetido à lei. Sua criação foi uma resposta ao “sistema de verificação depoderes”, que dava ao Poder Legislativo largo espaço para a proclamação dos eleitose que se mostrou bastante permeável à corrupção e à fraude.

Desde então, com exceção da Constituição de 1937 (“polaca”) – que acompa-nhou a sorte do regime autoritário do Estado Novo –, todas as demais leis funda-

mentais previram e asseguraram a Justiça Eleitoral. Assim faz a Constituição Federal de 1988. Ela organizou a Justiça Eleitoral em

suas instâncias (Tribunal Superior Eleitoral, Tribunais Regionais Eleitorais, Juízese Juntas Eleitorais, art. 118), previu ações (como a Ação de Impugnação de Man-dato Eletivo – AIME, art. 14, § 10) e recursos (art. 121, § 4º) e determinou que leicomplementar cuidasse da organização e competência dos tribunais, juízes e juntaseleitorais (art. 121, caput).

 As normas que regem o domínio eleitoral estão, primeiramente, previstas na

própria Constituição da República, que foi prolixa nesse tema. É a Constituição queoferece o tratamento essencial de questões como direitos políticos, elegibilidade,

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

inelegibilidades, mandatos, partidos políticos e sistema eleitoral. Daí ser possívelfalar em “Constituição Eleitoral”5.

 A seguir, temos o Código Eleitoral, Lei 4.737/65. A Constituição de 1988 o re-

cebeu como lei complementar quando trata da organização e competência dos tri-bunais eleitorais, juízes e juntas eleitorais (CF, art. 121, caput), mas não quando cri-minaliza condutas. É diploma antigo, com quase 50 anos de idade, versando sobretodos os momentos da experiência eleitoral, desde a organização do eleitorado atéo procedimento de captação e apuração dos votos, passando por financiamento,prestação de contas, propaganda eleitoral etc.

 A Lei 9.504/97 – chamada de “Lei das Eleições” – substituiu e revogou, no par-ticular, grande número de artigos codificados, tornando-se, em muitos assuntos, o

diploma reitor do processo eleitoral. A Lei Complementar nº  64/90 é a Lei das Inelegibilidades, contemplando o

sistema de vedações ao exercício de direitos políticos passivos iniciado pela Cons-tituição Federal. Recentemente, essa lei foi alterada pela Lei Complementar nº 135/2010, da “Ficha Limpa”, permitindo a geração de inelegibilidades a partir dacondenação colegiada por certos crimes, mesmo antes do trânsito em julgado.

Os partidos políticos são regidos pela Lei 9.096/95, Lei Orgânica Nacional dosPartidos Políticos.

 A Lei 9.709/98 regra o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular.Grande papel regulatório é exercido pelas Resoluções do Tribunal Superior

Eleitoral. Elas estão autorizadas pelo Código Eleitoral, art. 23, IX, e devem ter ca-ráter regulamentar, sem restringir direitos ou estabelecer sanções distintas das pre-vistas em lei, art. 105 da Lei 9.504/97. Ou seja, não são normas jurídicas primárias.Sem embargo, são poderosas, oferecem versões consolidadas das normas eleitoraise indicativos da jurisprudência da Corte.

 A fonte normativa dos crimes eleitorais

Os crimes eleitorais precisam estar previstos (como todos os outros crimes!)em lei. É a exigência do art. 5º, XXXIX, da Constituição: “ Não há crime sem lei anterior

que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.” As inúmeras menções a condutascriminosas indicadas nas Resoluções do Tribunal Superior Eleitoral são meras con-

5  Nesse sentido o nosso Direito Eleitoral, Atlas, São Paulo, 2009.

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Primeira Parte: Introdução aos Crimes Eleitorais  5

solidações de tipos penais previamente versados por lei, acompanhados, por vezes,de indicativos jurisprudenciais.

É o Código Eleitoral que capitaneia a definição desses crimes. Ao fazê-lo,

importa referir, tem natureza de lei ordinária e não de lei complementar, situaçãoreservada à definição da competência das instâncias eleitorais (Constituição Federal,art. 121, caput). A legislação penal-eleitoral esparsa é pequena: há crimes na Lei9.504/97 – a Lei das Eleições – e uma única figura típica na Lei Complementar n º 64/90. Além disso, a Lei 6.091/74 descreve a conduta de transportar e fornecer ali-mentação aos eleitores. A Lei Orgânica dos Partidos Políticos (9.096/95) e a lei doplebiscito, referendo e iniciativa popular (9.709/98) não definem crimes. Há umúnico crime previsto na Lei 6.996/82, a lei que previu o processamento eletrônicode dados nos serviços eleitorais, mas é um crime que remete ao art. 315 do CódigoEleitoral e lá será estudado.

Uma curiosidade é que, antes da edição da Lei 9.504/97, que visa reger todasas eleições subsequentes, havia o entendimento de que o art. 16 da Constituição6 exigia a elaboração de uma lei a cada eleição. Imagine-se isto: uma lei a cada doisanos! Foi o caso da Lei 8.713, de 30 de setembro de 1993 (para dispor sobre as elei-ções de 1994), e da Lei 9.100, de 29 de setembro de 1995 (para reger as eleições de1996). Cada uma delas trazia seu próprio acervo de crimes, que seriam aplicáveistão somente para aquelas eleições. Ficou melhor com a Lei 9.504/97, embora se te-

nha perdido um ótimo exemplo de leis penais temporárias... A nosso juízo, toda a legislação penal deveria ser reunida no Código Penal,

inclusive a eleitoral. Essa recodificação favorece o conhecimento e aplicação dosdispositivos penais, além de evitar reiteradas dúvidas e debates sobre a adequaçãotípica de determinado fato. Sem falar que a parte geral do Código Penal já funcio-na para toda a legislação penal que não dispuser de modo diferente (art. 12). Essaprovidência desencoraja que a lei penal eleitoral tenha um sistema de multas, penasalternativas ou prisionais diverso daquele previsto no Código Penal.7 

 A codificação comum, inclusive de crimes eleitorais, é adotada em alguns paísesestrangeiros. É o caso do Código Penal Português, de 2003,8 e do Código Penal Alemão.9

6  “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando àeleição que ocorra até 1 (um) ano da data de sua vigência.”7  Favorável a essa alteração está Antonio Carlos da Ponte, Crimes Eleitorais, Saraiva, São Paulo, p. 177.8  Secção III do Título V, Dos Crimes contra o Estado. Ali se preveem, entre outras, as condutas decoacção de eleitor, art. 340, fraude e corrupção de eleitor, art. 341, e violação do segredo de escrutínio,art. 342.

9  Seção Quarta. Fatos puníveis contra órgãos constitucionais, eleições e votações. Pune-se a fraudeeleitoral, art. 107A, a falsificação de documentos eleitorais, 107b, violação do sigilo de voto, 107c, coação

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Não procede o argumento de que essa unificação não seria possível em razão demodalidades específicas de pena que seriam previstas nos crimes eleitorais. A únicafigura criminosa que traz sanção distinta de privação da liberdade ou multa é o art.

334,10

 que fala em cassação do registro do candidato, além de detenção. Essa cassa-ção, todavia, depende do trânsito em julgado da condenação, dificilmente alcançadoantes do término de seu mandato...

 Ao final deste estudo, há proposta que fazemos de redesenho dos crimes elei-torais, para inclusão no Código Penal.

Um pouco de história

 A constância na criminalização de certos comportamentos ao longo dos suces-sivos diplomas criminais ou eleitorais de nossa história enseja a reflexão do quantonosso país mudou, ou não mudou, ao longo de quase dois séculos. Dentre as figurascriminosas hoje existentes no Código Eleitoral, existem aquelas que vêm desde oCódigo Criminal do Império, Lei de 16 de dezembro de 1830.

 A corrupção eleitoral, por exemplo, já estava prevista naquele Código, art. 101,assim como a falsificação das atas da eleição (mapismo), art. 102. Ele trazia um títulosobre “crimes contra o livre gozo, e exercício dos Direitos Políticos dos Cidadãos”.

 Ali estavam incluídas condutas como o impedimento do direito de votar, art. 100, ea corrupção eleitoral, art. 101,11 ou a falsificação de atas da eleição, art. 102.

Pouco antes de findo o império, adveio a famosa “Lei Saraiva”, nº 3.021, de 9de janeiro de 1881.12 Ela manteve a aplicação dos dispositivos do Código Criminal

de eleitor, art. 108, engano e corrupção de eleitores, arts. 108A e 108b. Tradução a partir de consulta aosítio de Juarez Tavares: <http://www.juareztavares.com/textos/leis/cp_de_es.pdf>, versão espanholado Strafgesetzbuch, feita por Cláudia Lopes Díaz. Acesso em: 20 jan. 2012.

10  Art. 334. Utilizar organização comercial de vendas, distribuição de mercadorias, prêmios e sorteiospara propaganda ou aliciamento de eleitores: Pena – detenção de seis meses a um ano e cassação do re-gistro se o responsável for candidato.11  Art. 101. Solicitar, usando de promessas de recompensa, ou de ameaças de algum mal, para que asEleições para Senadores, Deputados, Eleitores, Membros dos Conselhos Geraes, ou das Camaras Muni-cipaes, Juizes de Paz, e quaesquer outros empregados electivos, recaiam, ou deixem de recahir em deter-minadas pessoas, ou para esse fim comprar ou vender votos. Penas – de prisão por tres a nove mezes, ede multa correspondente á metade do tempo; bem assim da perda do emprego, se delle se tiver servidopara commetter o crime.12  José Antonio Saraiva, o Conselheiro Saraiva, foi ministro do império, de grande prestígio, proponente

da reforma eleitoral. Mudou a capital do Piauí de Oueiras para Teresina. Mas o redator final da Lei foiRui Barbosa.

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Primeira Parte: Introdução aos Crimes Eleitorais  7

relacionados ao livre gozo e exercício dos direitos políticos e incluiu diversas ou-tras figuras delitivas. Definiu fraudes na identificação de alguém como eleitor, art.29, § 1º, no alistamento eleitoral, § 3º, puniu a ocultação, extravio ou subtração do

título de eleitor, § 9º

, o não comparecimento para a composição da mesa eleitoral,§ 14, e inaugurou a sanção penal aos “promotores públicos” omissivos em cum-prir as obrigações da lei eleitoral.13 

O Código Eleitoral de 1932 – a lei criadora da Justiça Eleitoral, Decretonº 21.076, de 24 de fevereiro de 1932 – foi pródigo no estabelecimento de tipos pe-nais. Estava ali a corrupção eleitoral, art. 107, § § 1914 e 21,15 a inscrição fraudulentade eleitor, art. 107, § 1º, os crimes de falso eleitoral, § § 2º e 3º, a retenção de títuloeleitoral, § 4º, violação do sigilo do voto, § 20, falsificação de atas ou documentoseleitorais, § 22, subtração ou destruição de urna, § 24, e recusa ao serviço eleitoral,§ 26. Os crimes eleitorais eram inafiançáveis e de ação penal pública. Em caso dereincidência, a pena deveria ser fixada no máximo.

Em 1935 adveio a Lei 48, de 4 de maio de 1935, que “modifica o Código Elei-toral”, criando, na verdade, um novo diploma. Criminaliza a não observância daobrigação de alistamento eleitoral, art. 183, 1, e de voto, 2, mantém as fraudes nainscrição eleitoral, as falsidades, a retenção do título eleitoral, a subtração ou des-truição das urnas eleitorais, a recusa ao serviço eleitoral, a corrupção eleitoral, 24.Criminaliza o descumprimento de deveres eleitorais, ainda que culposo, 33. A ação

penal era concorrente, estando legitimado para ela também o eleitor.16 O Código Eleitoral de 1945, Decreto-lei nº 7.586, manteve boa parte dos crimes

previstos na lei anterior. Acrescentou a violação da ordem de votação, art. 123, umaprimeira figura de criminalização de condutas vedadas aos funcionários públicos,17 e devolve a ação penal ao Ministério Público.18 

13  Art. 29. § 16. A omissão ou negligencia dos promotores públicos no cumprimento das obrigações,que lhes são impostas por esta lei, será punida com suspensão do emprego por um a tres annos de multade 300$ a 1:000$000.14  § 19. Oferecer ou entregar cédulas de sufrágio, seja a quem for, onde funcione Mesa Receptora devotos, ou em suas proximidades dentro de um raio de cem metros: Pena – três a 12 meses de prisãocelular, e perda do cargo público que exerça.15  § 21 Oferecer, prometer, solicitar, exigir ou receber dinheiro, dádiva ou qualquer vantagem, paraobter ou dar voto, ou para conseguir abstenção, ou para abster-se de voto: Pena – seis meses a dois anosde prisão celular.16  Art. 185. A iniciativa da acção penal, por crimes eleitoraes, competirá aos procuradores eleitoraes,aos delegados de partidos ou a qualquer eleitor.17  27) Valer-se o funcionário de sua autoridade para coagir alguém a votar em favor de um partido ou

candidato, ou exercer pressão sôbre seus subordinados: Pena – detenção, de seis meses a três anos.18  Art. 124. As infrações enumeradas no artigo anterior são de ação pública.

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

O Código de 1950 ofereceu redação bem próxima à do atual. É o primeiro acriminalizar infrações relativas à propaganda eleitoral.19 Determinou, sem crimina-lizar, que o juiz eleitoral represente contra o órgão do Ministério Público que deixar

de oferecer denúncia ou promover a execução da pena no prazo legal, art. 176, pa-rágrafo único. A ação penal prosseguiu pública. Ordenou-se a aplicação subsidiáriado Código de Processo Penal aos crimes eleitorais e conexos.

Pode parecer curioso que o Código Eleitoral de 1965 tenha surgido em plenoregime militar, ruptura da ordem constitucional brasileira. Mas, como esclarecemosnoutra sede:

“O regime militar que se iniciou em 1964 não seguiu o exemplo do Estado-No-vo e manteve a Justiça Eleitoral em funcionamento, com previsão nas duas cartas

constitucionais que outorgou no período, a de 1967 e a de 1969 (Emenda Consti-tucional nº 1). As eleições eram limitadas e parciais: os cargos mais importantes,como o de Presidente da República, Governadores de Estado e Prefeitos das capitaisnão eram de livre escolha popular.”20

Ou seja, o regime de exceção teve essa particularidade de permitir eleições li-mitadas, sem espaço para debate, organização partidária, propaganda e, na verdade,alternância do poder. Mas, como havia eleições, criou e manteve o Código Eleitoral.E a ampla definição de condutas criminosas que o caracteriza.

 A Lei de Anistia, nº

 6.883, de 28 de agosto de 1979, todavia, concedeu extinçãoda punibilidade aos crimes eleitorais praticados no largo período entre 2 de setem-bro de 1961 e 15 de agosto de 1979.21 Isso é indício de que a Justiça Eleitoral podenão ter julgado com isenção esses crimes, como sói acontecer em regimes de exce-ção. Pode ser também que os parlamentares “pegaram carona” naquele contestadodispositivo, pois a redação original do projeto vindo da Presidência da República erasilente a respeito de crimes eleitorais.

19  Art. 175, § 28. Referir na propaganda fatos inverídicos ou injuriosos em relação a partidos ou candi-datos e com possibilidade de exercerem influência perante o eleitorado: Pena – detenção de seis mesesa dois anos.20  Direito Eleitoral, Atlas, São Paulo, 2009.21  Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tive-ram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações

vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos diri-gentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares.

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SEGUNDA P ARTE: A INTERPRETAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES ELEITORAIS

Generalidades e independência das instâncias

Postos na intersecção entre o Direito Eleitoral e o Direito Penal, surge a ques-

tão sobre se existem cânones próprios para a hermenêutica desses crimes ou se elesse submetem às formas genéricas de interpretação.

O exame dos tipos penais eleitorais oferece solução híbrida para essa pergunta.De um lado, instrumentos de análise comuns aos crimes em geral são perfeitamenteválidos e aplicáveis. Daí se falar em crimes dolosos ou culposos, materiais, formaisou de mera conduta, de crimes próprios, de mão própria e comuns, bem como de ti-pos qualificados, com causa de aumento ou diminuição. Nesse diapasão, critérios quedisputam validação constitucional, como o da ofensividade ou fragmentariedade, são,

sem economia, utilizados também para o exame dessa normativa penal especial.O outro lado da questão é reconhecer que o bem jurídico genericamente tutela-

do por esses crimes – a lisura e legitimidade do pleito eleitoral – oferece particulari-dades que não podem ser descuradas. A primeira delas é a coexistência das sançõespenais com outras, cíveis ou administrativas, aplicáveis todas para o mesmo fato. Oexemplo mais bem acabado é o do crime do art. 299 do Código – a corrupção eleito-ral –, que convive com o art. 41-A da Lei 9.504/97 – a captação ilícita de sufrágio –,ambos no ataque contra a compra de votos. A coexistência muitas vezes avança na

comunhão de provas, mas esbarra nos ritmos diferentes dos processos cíveis e cri-minais eleitorais. Os primeiros costumam findar-se antes... Outra dificuldade para

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

essa convivência é o estabelecimento de critérios distintos de competência para osfeitos cíveis – que seguirão a circunscrição eleitoral em disputa, com ações propos-tas diretamente no TRE ou TSE – e os feitos criminais. Estes tramitarão, salvo foro

por prerrogativa de função, perante os juízes eleitorais.De toda maneira, coexistência e coordenação não significam subordinação. O

desfecho de uma ação cível eleitoral é importante, mas nem sempre essencial, paraa decisão de uma investigação ou ação penal eleitoral. Não é porque se absolveu oagente numa representação por captação ilícita de sufrágio (art. 41-A) que se impe-dirá, diante de novo e mais amplo acervo probatório, a promoção da ação penal pelocrime de corrupção. Tem sido esse o entendimento do TSE.1

Como anteriormente indicado, os tipos eleitorais incluem, na descrição das

condutas proibidas, conceitos e institutos previstos na legislação eleitoral cível ouadministrativa. Noutras vezes, fazem remissão expressa a artigos que disciplinamtais institutos. À evidência, tais conceitos e institutos são essenciais para a interpre-tação dos tipos penais eleitorais, mesmo quando estes não perfaçam, tecnicamente,normas penais em branco.

 A previsão paralela de sanções penais e civis para as infrações eleitorais contrar-recomenda a aplicação ampla do chamado “princípio da subsidiariedade das sançõespenais”. A nosso ver, embora ele seja uma válida recomendação ao legislador, não im-pede que este, na conformação de sua vontade legitimada pela escolha popular, optepela proteção ampliada, cível, administrativa e penal de determinados bens jurídicos.Se ele assim o fez, não cabe ao intérprete negar vigência a disposições penais com fun-damento na subsidiariedade. Essa cumulação é muito usada na legislação eleitoral.

Outra singularidade não desprezível é que a ofensa ao bem jurídico eleitoralpode ter feições patrimoniais, sem que isso autorize a aplicação do “princípio da in-significância”. Não é porque o eleitor recebeu apenas dez reais de vantagem ilícita,em troca de seu voto, que o bem jurídico protegido pelo art. 299 (corrupção eleito-ral) deixou de ser rudemente atingido!2

Diversa é a situação da ausência de dignidade penal no item escolhido para cri-minalizar. A criminalização das condutas de bagatela, carentes de tipicidade material– um mínimo de lesividade potencial ou efetiva a um bem jurídico cuja infração jus-tifica a sanção penal –, pode ser considerada um exagero legislativo, ofensivo da pro-

1  “[...]. In casu, a decisão agravada assenta-se na jurisprudência desta c. Corte de que o indeferimento derepresentação por suposta captação ilícita de sufrágio, em razão de insuficiência de provas, não repercutena ação penal, ainda que fundada nos mesmos fatos, em decorrência da incomunicabilidade de instân-

cias. [...]” AgR-RHC 1602862, de 30.3.2010, Rel. Min. Felix Fischer.2  TSE, AGr-AI 10.672, Rel. Min. Carmen Lúcia, j. 28.10.2010.

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Segunda Parte: A Interpretação e Classificação dos Crimes Eleitorais 

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porcionalidade. Foi assim que procedeu o legislador do Código Eleitoral, em 1965:criminalizou a mancheias condutas que, quando muito, mereceriam uma multa ad-ministrativa. Nesses casos, há que sinalizar-se com a inconstitucionalidade.

Essas especificidades do bem jurídico, todavia, não autorizam orientação de quecada um dos crimes eleitorais exige, para seu aperfeiçoamento, a “potencialidade le-siva” para interferir no resultado do pleito. O que se exige deles é a consumação ouaperfeiçoamento da tentativa, em relação a cada um dos itens por eles protegidos (ainscrição eleitoral, o sigilo do voto, a honra dos candidatos, a fé pública, a igualdadeentre os candidatos, a lisura da disputa etc.), sem que, cada um, deva representarum tiro que, sozinho, é capaz de vencer a batalha eleitoral... As próprias disposiçõescíveis não exigem, como regra, esse potencial para as condutas que descrevem, nem

mesmo para as condutas vedadas aos funcionários públicos, art. 73 e seguintes daLei 9.504/97. Essa exigência traria ao Direito Penal Eleitoral um utilitarismo e ape-quenamento incompatíveis com a sua função protetiva de bens jurídicos, que devese dar diante de condutas que possam ofendê-lo também no particular, em maior oumenor extensão. Por exemplo, ainda que uma compra de votos não seja suficientepara desequilibrar o pleito, é conduta de extrema gravidade.

 As particularidades do bem jurídico eleitoral podem, comumente, exigir paraos tipos criminais interpretação dissonante daquela feita para seus congêneres pre-vistos na legislação comum. Sustentaremos, neste trabalho, que os crimes contra ahonra previstos no Código Eleitoral não são mero espelho dos crimes contra a honrado Código Penal, mas têm especificidades. A importação da doutrina e jurisprudên-cia comuns pode, muitas vezes, ser desaconselhada. O mesmo diremos em relaçãoaos crimes de falso e contra a administração dos serviços eleitorais.

 A parcial recepção constitucional doscrimes eleitorais codificados

O Código Eleitoral é de 1965. Entrou em vigência em pleno fulgor do regimemilitar que se instalou no país no ano anterior. Opções ideológicas e criminalizado-ras feitas por ele muitas vezes são incompatíveis com o ideário da vigente e demo-crática Constituição de 1988.

 Apresenta-se, portanto, o fenômeno da não recepção de muitos tipos penaiseleitorais. As razões são diversas, com uma concentração de casos nos quais os cri-mes eleitorais são tratados como se fossem infrações administrativas, sem a neces-sária definição de todos os elementos da conduta proibida. Isso desatende a exigên-

cia prevista na Constituição Federal, no art. 5º

, XXXIX: “não há crime sem lei anteriorque o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

 A reserva de lei penal não é, a nosso ver, um princípio, mas uma regra consti-tucional.3 Essa condição em nada esmaece sua função de garantia fundamental. Seupapel é dúplice: em primeiro lugar, protege todos os indivíduos diante de qualquer

atuação repressiva estatal, de caráter penal, que não esteja amparada na preexisten-te tipificação do comportamento ofensivo. Por outro lado, serve de parâmetro paraque o próprio poder público possa dirigir sua atuação no sentido de prevenir, inves-tigar, processar e punir a prática de crimes. O respeito a essa dupla função deveriaservir para diminuir o emprego meramente simbólico do arsenal de penas. Ao tipi-ficar uma conduta, o poder público deveria se preparar para atuar em todos os cam-pos acima citados, em especial, no preventivo.

É nessa seara que o Código Eleitoral Criminal mais envelheceu.

Condutas típicas que falam em infringir qualquer dispositivo do Código, art. 290,

perturbar de qualquer forma o alistamento, art. 293, ou permitir que seja praticadaqualquer irregularidade que permita a anulação da eleição, art. 310, evidentementenão se desincumbem do dever de indicar exatamente qual o comportamento proibido.

Ocorrem também situações nas quais opções legislativas intolerantes ou mes-mo xenófobas esbarram no regime geral de liberdades de nossa atual Constituição.É o caso da criminalização da propaganda em língua estrangeira, art. 335.

Ecos de uma política estatizante, no qual o Estado é promotor direto da ativi-dade econômica, impedem a recepção de crimes como o art. 303, que promove o

tabelamento de preços de insumos para a propaganda eleitoral.Há crimes que não ultrapassam a barreira da dignidade penal, um mínimo de le-

são ou ameaça a um bem jurídico, suficiente para a imposição de pena, como é ocaso de furar a fila das votações, art. 306, perder o prazo para a proposição de de-núncia, art. 342, ou deixar de representar o órgão ministerial que o fizer, art. 343.

Cabem, nesse rol de exageros penais, figuras como a dupla filiação, art. 320, ouapoiar a criação de mais de um partido, art. 321.

 Ainda que se opte por solução interpretativa prestigiadora do trabalho legislati-vo, o fato é que, muitas vezes, o Código Eleitoral Criminal não resiste nem mesmoa uma hermenêutica alargada.

 A Constituição é generosa com as normas que a precederam e muitas vezestolera escolhas legislativas ruins. Mas há limites que não convém transpor. Nessescasos, oferecemos indicação da incompatibilidade constitucional dos artigos e dosmotivos que a fundamentam.

 Temos ciência, outrossim, e de logo alertamos os leitores e consulentes, queesses indicativos de inconstitucionalidade encontram rarefeito apoio doutrinário e

3  Conforme o nosso Mandados Expressos de Criminalização e a Proteção de Direitos Fundamentais na Consti-tuição Brasileira de 1988, Editora Fórum, Belo Horizonte, 2007.

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Segunda Parte: A Interpretação e Classificação dos Crimes Eleitorais 

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mesmo jurisprudencial. Ao indicarmos, por exemplo, a não recepção constitucionaldos arts. 290 (indução a inscrição como eleitor), 293 (perturbação do alistamento),297 (impedimento do sufrágio), 303 (majoração de insumos para as eleições), 306(inobservância da ordem de votação), 310 (permitir a prática de irregularidade queanule a votação), 320 (dupla filiação), 335 (propaganda em língua estrangeira) e338 (não assegurar a prioridade postal), todos do Código Eleitoral.

Para o crime do art. 298 (prisão de eleitores) temos apoio do magistério de An-tonio Carlos da Ponte, no sentido da inconstitucionalidade total. Marcos Ramayanasustenta a inconstitucionalidade dos arts. 342 e 343 do Código Eleitoral, tambémcom nosso acompanhamento.

O crime do art. 337 do Código Eleitoral, que proíbe a participação de estran-geiros e de brasileiros com direitos políticos suspensos em atividades partidárias,

comícios e atos de propaganda, teve a inconstitucionalidade, que já sinalizávamosna primeira edição deste livro, reconhecida pelo TSE em 14.10.2014, no RecursoEspecial nº 7735688-67, de Itapaci, GO

Para o Supremo Tribunal Federal, não recepção é revogação por normativa ul-terior e não inconstitucionalidade superveniente, sequer admitindo-se a modulaçãodos efeitos decisórios prevista nas Leis 9.868 e 9.882-99.4 Aceita essa orientação, ostipos que indicamos já não estariam em vigor. Para nós, porém, se trata de incons-titucionalização implícita, a ser reconhecida, em cada caso, pelos meios disponíveisde controle de constitucionalidade.

 Aplicação das regras penais gerais

O emprego do Código Penal como centro do sistema está assegurado pelo art.287, do Código em estudo: “ Aplicam-se aos fatos incriminados nesta lei as regras gerais do

Código Penal.” Ainda que assim não fosse, temos o art. 12 do próprio Código Penal,

4  “[...] O Supremo Tribunal Federal tem reconhecido, excepcionalmente, a possibilidade de proceder

à modulação ou limitação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, mesmo quandoproferida, por esta Corte, em sede de controle difuso. Precedente: RE 197.917/SP, Rel. Min. MAURÍ-CIO CORRÊA (Pleno). Revela-se inaplicável, no entanto, a teoria da limitação temporal dos efeitos,se e quando o Supremo Tribunal Federal, ao julgar determinada causa, nesta formular juízo negativode recepção, por entender que certa lei pré-constitucional mostra-se materialmente incompatível comnormas constitucionais a ela supervenientes. A não-recepção de ato estatal pré-constitucional, pornão implicar a declaração de sua inconstitucionalidade – mas o reconhecimento de sua pura e simplesrevogação ( RTJ  143/355 – RTJ  145/339) –, descaracteriza um dos pressupostos indispensáveis à utili-zação da técnica da modulação temporal, que supõe, para incidir, dentre outros elementos, a necessáriaexistência de um juízo de inconstitucionalidade. Inaplicabilidade, ao caso em exame, da técnica damodulação dos efeitos, por tratar-se de diploma legislativo, que, editado em 1984, não foi recepcio-

nado, no ponto concernente à norma questionada, pelo vigente ordenamento constitucional[...]” (RE353508 AgR/RJ, Rel. Celso de Mello, j. 15.5.2007).

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

que determina que: “ Art. 12. As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incrimina-

dos por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso.” 

Desse modo, cabem no universo dos crimes eleitorais institutos como o da ten-

tativa, da detração, do sursis, do livramento condicional, do regime inicial, da subs-tituição da pena etc.

Da maior importância para a efetividade da persecução penal eleitoral é a ado-ção dos comandos do Código Penal relativos à prescrição. Aplicam-se ao DireitoPenal Eleitoral todas as figuras de prescrição (abstrata, intercorrente, retroativa, daexecução etc.), bem como suas causas suspensivas e interruptivas.5 

No âmbito do processo penal eleitoral, o Código de Processo Penal terá aplica-ção subsidiária, sempre que não houver norma específica de procedimento na pró-pria lei eleitoral.

Entretanto, não se aplicam ao ambiente eleitoral apenas as regras gerais doCódigo Penal ou do Processo Penal, mas outros diplomas sobre esses assuntos,não codificados, notadamente as disposições da Lei 9.099/95. Essa lei transformaa maioria dos crimes eleitorais em crimes de menor potencial ofensivo6 – emboraexistam exceções importantes, como a corrupção eleitoral –, admitindo-se transaçãoe suspensão condicional do processo.7 Como não há “juizados especiais criminaiseleitorais”, essas medidas serão aplicadas pelo juízo eleitoral que tiver a competên-cia criminal para o caso.

Classificação dos crimes eleitorais

a) Crimes comuns, não políticos

Os crimes eleitorais são comuns. Embora se refiram à lisura e legitimidadedas disputas eleitorais, colheita e apuração dos votos e inscrição eleitoral, não são

5  STF “[...] O regime jurídico da prescrição penal, em tema de delitos eleitorais, submete-se aos princí-

pios e às normas gerais constantes do Código Penal (CP, art. 12). Sendo omisso o Código Eleitoral (CE,art. 287), a disciplina jurídica concernente tanto à prescrição da pretensão punitiva quanto à prescriçãoda pretensão executória do Estado, encontra na legislação penal comum o seu específico estatuto deregência. [...]” (HC 84.554, Rel. Min. Celso de Mello, j. 16.12.2004).6  Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, ascontravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumuladaou não com multa7  Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ounão por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo,por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado

por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art.77 do Código Penal).

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Segunda Parte: A Interpretação e Classificação dos Crimes Eleitorais 

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crimes políticos, a não ser em sentido muito amplo. Crimes políticos são aquelesque tutelam a soberania nacional e a segurança institucional do Estado (nos crimescontra a segurança nacional, Lei 7.170/83),8 se constituem em infrações político-

-administrativas sem contornos de tipicidade penal (os crimes de responsabilidade,Lei 1.079/50 e Decreto-lei 201/67) ou representam invectivas contra opções polí-tico-ideológicas.

É nesse sentido que a Constituição versa sobre os crimes políticos, nos arts. 5º,XLIII (vedação da extradição), 109, IV (competência do juiz federal para o julgamentodo crime político), 102, II, letra b (que autoriza, nesses crimes, o recurso ordináriopara o STF). É para eles que o Código Penal faz a ressalva do art. 64, II (não seconsideram, para efeito de geração de reincidência, os crimes políticos).

No crime político próprio, a motivação do agente é insurgir-se contra a ordemestabelecida (não importa, para o conceito, se a ordem é ou não justa), pretendendoalcançar o poder ou tirar quem o exerce; no crime político impróprio, essa motivaçãopolítica preside ou se associa com a prática de crimes comuns.

Vê-se que os crimes eleitorais não se subsumem à condição de crimes políticos,pois representam infrações ao modo legal de disputar o poder, mas não vocaciona-das para rupturas institucionais. São ilícitos internos ao sistema de escolha de repre-sentantes e não externos, posto que o adotam.9 

 A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral vai nesse sentido:“REJEIÇÃO DA ALEGAÇÃO DE QUE CRIME ELEITORAL É CRIME POLÍ-

 TICO. [...] A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DO TSEFIRMOU-SE NO SENTIDO DE DEFINIR A LOCUÇÃO CONSTITUCIONAL “CRI-MES COMUNS” COMO EXPRESSÃO ABRANGENTE A TODAS AS MODALIDA-DES DE INFRAÇÕES PENAIS, ESTENDENDO-SE AOS DELITOS ELEITORAISE ALCANÇANDO, ATÉ MESMO, AS PRÓPRIAS CONTRAVENÇÕES PENAIS.

8  STF: “2. Só há crime político quando presentes os pressupostos do artigo 2º da Lei de Segurança Na-cional (Lei nº 7.170/82), ao qual se integram os do artigo 1º: a materialidade da conduta deve lesar realou potencialmente ou expor a perigo de lesão a soberania nacional, de forma que, ainda que a condutaesteja tipificada no artigo 12 da LSN, é preciso que se lhe agregue a motivação política. [...]” (RC 1468 –RJ, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 23.3.2000).9  Em sentido parcialmente diverso, Suzana de Camargo Gomes anota que “os crimes políticos podemser de duas ordens, sendo que, na primeira podemos colocar aqueles que atentam contra a segurança doEstado, a sua independência e integridade do território, as relações do Estado com os demais Estados e,num segundo segmento, estão aqueles que possuem matizes diferentes, que afetam o sistema democráti-co, a legitimação do poder político, o exercício dos direitos políticos e, justamente nesta última categoria,

estão os crimes eleitorais, dado que atingem esses bens penalmente tutelados” (Crimes Eleitorais, Revistados Tribunais, São Paulo, 3. ed., 2008, p. 49).

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

PRECEDENTES: ACORDÃO TSE 20.312 E RECLAMAÇÃO STF 511/PB” (RESPE16048, São Carlos, SP, Rel. Min. José Eduardo Alckmin, j. 16.3.2000).

b) Crimes eleitorais puros e acidentais

Nem todas as condutas ofensivas à lisura e legitimidade dos pleitos eleitoraisou à administração da Justiça Eleitoral se encontram, porém, nas leis eleitorais.Muitas delas estão descritas no Código Penal ou na legislação penal esparsa. Essadiferença justifica a classificação dos crimes eleitorais em próprios (“puros” ou “es-pecíficos”) e impróprios (“acidentais” ou “inespecíficos”). Os primeiros se referema matéria tipicamente eleitoral, como a inscrição fraudulenta de eleitor, art. 289 doCódigo Eleitoral, ou a divulgação de fatos inverídicos na campanha eleitoral, art.

323. Eles estão previstos nas leis eleitorais.Os crimes eleitorais inespecíficos estão previstos fora da normativa eleitoral e

tutelam outros bens jurídicos, alcançando, porém, itens de interesse eleitoral. É ocaso, verbi gratia, da concussão, art. 316 do Código Penal, que pode ter como agenteum funcionário da Justiça Eleitoral, atuando em razão dessa condição.

Os crimes eleitorais inespecíficos devem ser praticados com finalidade eleitoralou no ensejo das campanhas eleitorais. Quando estas terminarem e se proceder àapuração dos votos e diplomação dos eleitos, já não haverá reconhecimento de cri-

mes eleitorais inespecíficos. Ainda que praticados em detrimento da administraçãoda Justiça Eleitoral, serão crimes comuns contra a administração pública e não maiscrimes eleitorais impróprios.

c) Crimes eleitorais que geram inelegibilidades

 A condenação, por qualquer crime, suspende os direitos políticos, enquantodurarem seus efeitos, nos termos do art. 15, III, da Constituição Federal. Nãoimporta, para a produção desse efeito, se o crime é de maior ou menor poten-

cial ofensivo, se a pena é de prisão, multa ou serviços comunitários. É um efeitoproduzido automaticamente pela condenação, sem necessidade de provimento judicial nesse sentido.

Essas condenações impedem “o pleno exercício dos direitos políticos” e encon-tram guarida entre as “condições de elegibilidade” trazidas pela Constituição (art.14, § 3º). Tecnicamente, poderiam ter sido consideradas inelegibilidades (absolu-tas), impedindo alguém de concorrer a qualquer cargo. Mas não foram.

Inelegibilidades são restrições à possibilidade de candidaturas. Se obstarem a

disputa para qualquer cargo, serão chamadas de absolutas; se se referirem a um cargoespecífico serão relativas.

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Segunda Parte: A Interpretação e Classificação dos Crimes Eleitorais 

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 As inelegibilidades por condenação criminal foram, versadas pela Lei Comple-mentar nº 64/90, que, em sua redação original,10 incluía alguns crimes entre os quepoderiam provocar inelegibilidade, pelo prazo de três anos.

Essa matéria recebeu significativa alteração vinda da “Lei da Ficha Limpa”, LeiComplementar nº 135/2010, que deu nova redação ao art. 1º, I, letra e, da LC nº 64/90e incluiu vasto rol de crimes, como sendo capazes de gerar inelegibilidade. Entre eles,estão os crimes “eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade”.

Essa inelegibilidade perdurará por oito anos “após o cumprimento da pena” eserá produzida com o trânsito em julgado da condenação ou com seu proferimentopor órgão colegiado, ainda que passíveis de recursos (art. 1º, I, letra d). O Supremo

 Tribunal Federal, no julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade

nos

 29 e 30 e Ação Direta de Inconstitucionalidade nº

 4.578, em 16 de fevereiro de2012, considerou constitucional essa lei complementar.

Haverá então:

i) inelegibilidade subsequente à condenação por órgão colegiado pela práticados crimes previstos na LC 64/90, art. 1º, I, letra e, perdurando (salvo sus-pensão ou absolvição ulterior) até o trânsito em julgado da condenação;

ii) a ausência de condições de elegibilidade a partir da condenação transi-

tada em julgado até o cumprimento da pena fixada ou sua extinção porqualquer modo (Constituição Federal, art. 14, § 3º, II c/c art. 15, III);

iii) inelegibilidade legal, por oito anos após o cumprimento da pena ou suaextinção, se o crime estiver no rol do art. 1º, I, letra e, da Lei Comple-mentar nº 64/90.

 A geração da inelegibilidade por decisão ainda não transitada em julgado pode,nos termos do art. 26-C da Lei Complementar nº 64/90, ser suspensa, por decisão

da Corte a quem incumbir o julgamento de recurso. A suspensão perdurará até o julgamento final do caso e será desconstituída diante de manobras procrastinatóriasrealizadas pela defesa (§ 3º).

 Cabe observar, porém, que a lei dispõe que não gerarão inelegibilidades os cri-mes culposos, os de menor potencial ofensivo e os de ação penal privada (redaçãodada ao § 4º do art. 1º da LC 64/90). Em direito eleitoral, importa a ressalva para os

10  “e) os que forem condenados criminalmente, com sentença transitada em julgado, pela prática decrime contra a economia popular, a fé pública, a administração pública, o patrimônio público, o merca-

do financeiro, pelo tráfico de entorpecentes e por crimes eleitorais, pelo prazo de 3 (três) anos, após ocumprimento da pena”.

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

crimes de menor potencial ofensivo, pois não há crimes culposos nem de ação penalprivada. Nos termos da Lei 9.099/95, art. 61, são de menor potencial ofensivo oscrimes a que a lei não comine pena superior a dois anos.

 A junção dos dois critérios permite indicar que os crimes eleitorais somentegerarão inelegibilidade quando previrem pena privativa de liberdade e não forem demenor potencial ofensivo.

Esta se mostra uma classificação útil.11 São puníveis apenas com multa os cri-mes dos seguintes artigos do Código Eleitoral: 292 (negativa de inscrição eleitoral),303 (majoração de insumos para as eleições), 304 (sonegação de fornecer utilida-des, alimentos ou transportes no dia das eleições), 306 (inobservância da ordem devotação), 313 (não expedição de boletim de apuração), 320 (alistamento em mais

de um partido) e 338 (não assecuração da prioridade postal). Além destes, são de menor potencial ofensivo as seguintes figuras: arts. 290

(indução a inscrição como eleitor), 293 (perturbação do alistamento), 295 (reten-ção de título eleitoral), 296 (desordem que prejudique os trabalhos eleitorais), 297(impedimento do sufrágio), 300 (coação para o voto), 302 (concentração de elei-tores), 305 (intervenção de autoridade estranha à mesa receptora), 310 (permitira prática de irregularidade que anule a votação), 314 (não recolhimento de cédulasapuradas), 311 (votar em seção eleitoral na qual não se está inscrito), 312 (violaçãodo segredo do voto), 314 (não recolhimento de cédulas apuradas), 318 (apuraçãode urna antes de decidir sobre impugnação), 319 (subscrever mais de uma ficha deapoiamento de partido), 321 (colher a assinatura do eleitor em mais de uma fichade apoiamento de partido), 323 (divulgação de fatos inverídicos na propaganda elei-toral), 324 (calúnia), 325 (difamação), 326 (injúria na propaganda eleitoral), 331(inutilização de propaganda regular), 334 (uso de organização comercial de ven-das), 335 (propaganda em língua estrangeira), 337 (participação política de estran-geiro), 341 (retardamento da publicação de decisão eleitoral), 342 (omissão do par-

quet no oferecimento de denúncia), 343 (não representação contra o órgão omitente

do parquet) e 344 (recusa ou abandono do serviço eleitoral), 345 (descumprimentode dever eleitoral), 346 (crime de conduta vedada), 347 (desobediência eleitoral).

Pela mesma combinação de critérios (maior potencial ofensivo e pena privativade liberdade), todos os crimes da Lei 9.504/97, com duas únicas exceções, são inca-pazes de gerar inelegibilidade. O art. 57, H, incluído pela reforma eleitoral de 2013(Lei 12.891, de 11 de dezembro) prevê, numa de suas figuras, a pena de detenção

11  Rememorando a famosa frase de Genaro Carrió, de que as classificações não são certas nem erradas,mas úteis e inúteis.

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Segunda Parte: A Interpretação e Classificação dos Crimes Eleitorais 

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de dois a quatro anos. O art. 72,12 acesso indevido a dados informáticos, prevê penade cinco a dez anos e pode gerar inelegibilidade.

Na Lei 6.091/74, art. 11, a única figura geradora de inelegibilidade é a prevista

no inciso IV.13 Na Lei Complementar 64/90, o único crime – promoção temerária de ação de

impugnação – é de menor potencial ofensivo.

Se a classificação for tomada pelo aspecto positivo, os crimes eleitorais especí-ficos que geram inelegibilidade são os seguintes: (I) no Código Eleitoral – arts. 289(inscrição fraudulenta como eleitor), 291 (inscrição fraudulenta realizada pelo juiz),298 (prisão indevida de eleitor), 299 (corrupção eleitoral), 301 (coação eleitoral),302 (concentração de eleitores), 307 (cédula assinalada), 308 (fornecimento inde-

vido de cédula), 309 (votação plúrima), 315 (mapismo), 316 (não recebimento deprotestos na apuração), 317 (violação de sigilo da urna), 339 (destruição de urna),340 (fabricação indevida de urnas e objetos de uso eleitoral), 348 (falsificação dedocumento público), 349 (falsificação de documento particular), 350 (falsidadeideológica), 352 (reconhecimento falso de firma ou letra), 353 (uso de documentofalso), 354 (obtenção de documento falso); (II) na legislação extravagante: arts. 57,H, 72 e 100-A da Lei 9.504/97 e art. 11, IV, da Lei 6.091/74.

d) Outras classificações

É possível classificar os crimes eleitorais em relação ao modo de cometimento(se por fraude, violência, ameaça, corrupção ou omissão), assim como em face domomento do processo eleitoral em que ocorrem (alistamento, propaganda, colheitade votos, apuração etc.).14

12  Art. 72. Constituem crimes, puníveis com reclusão, de cinco a dez anos: I – obter acesso a sistema detratamento automático de dados usado pelo serviço eleitoral, a fim de alterar a apuração ou a contagem

de votos; II – desenvolver ou introduzir comando, instrução, ou programa de computador capaz de des-truir, apagar, eliminar, alterar, gravar ou transmitir dado, instrução ou programa ou provocar qualqueroutro resultado diverso do esperado em sistema de tratamento automático de dados usados pelo serviçoeleitoral; III – causar, propositadamente, dano físico ao equipamento usado na votação ou na totalizaçãode votos ou a suas partes.13  IV – obstar, por qualquer forma, a prestação dos serviços previstos nos arts. 4º e 8º desta Lei, atribuí-dos à Justiça Eleitoral: Pena – reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos;14  Nelson Hungria, apud Suzana de Camargo Gomes (Crimes Eleitorais, São Paulo, Revista dos Tribunais,3. ed. 2008, p. 72-73), defendia a adoção de critério misto: “para a classificação das formas específicas dacriminalidade eleitoral, há dois critérios diversos: num, tem-se em vista o modo de execução (violência,

fraude, corrupção); noutro, os momentos ou fases de preparação ou processo eleitoral (propaganda,alistamento, votação, apuração) a que são referidos[...]”.

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

O detalhamento do bem jurídico tutelado, para além da cláusula geral de queofendem a lisura e legitimidade do processo eleitoral, pode, por igual, ser útil, corres-pondendo, grosso modo, à ordem de numeração dos crimes do Código Eleitoral. Assim

teríamos crimes contra: (i) a regularidade do alistamento eleitoral (art. 289 a 295);(ii) a ordem dos trabalhos da mesa de recepção de votos (art. 296 a 298; 305 e 306);(iii) a liberdade do voto (art. 300 e 301); (iv) a formação válida da vontade do eleitor(art. 299); (v) o sigilo do voto (art. 312); (vi) a apuração (313 a 318); (vii) a forma-ção dos partidos (art. 320 e 321); (viii) a propaganda eleitoral (art. 323 a 335); (ix) aadministração eleitoral (art. 338 a 345); e a (x) fé pública eleitoral (art. 348 a 354).

 A fonte normativa é outro critério: crimes codificados e crimes eleitorais es-parsos.

Suzana de Camargo Gomes propõe a seguinte classificação: (i) crimes concer-nentes à formação do corpo eleitoral, (ii) à formação e funcionamento dos partidospolíticos, (iii) relativos à inelegibilidades, (iv) à propaganda eleitoral, (v) à votação,(vi) à garantia do resultado legítimo, (vii) à organização e funcionamento dos servi-ços eleitorais e (viii) relativos à fé pública eleitoral.15

Características comuns aos crimes eleitorais

a) O dolo

 Todos os crimes eleitorais próprios são dolosos. É indiferente se estão previstosno Código Eleitoral ou na legislação eleitoral extravagante.

Não há nenhum óbice ao estabelecimento de figuras culposas, mas, até aqui,o legislador não o fez.16 Existe, na Lei Complementar nº 75/93, a figura criminosada promoção temerária de impugnação de registro ou arguição de inelegibilidade(art. 25), mas formamos convicção de que essa temeridade é indicativa de dolo

eventual, não de culpa.Comumente, os crimes eleitorais exigem o chamado “dolo específico”, a finalida-

de de interferir ou influenciar, de algum modo, nas campanhas eleitorais, na adminis-tração das eleições ou em seu resultado. Essa intenção é que permite distinguir entreum crime eleitoral e um crime comum, especialmente para os crimes eleitorais im-

15  Crimes Eleitorais, 3. ed., 2008, Revista dos Tribunais, São Paulo, p. 78.16  A Lei 48, de 1935, que trouxe o Código Eleitoral de 1935, previa comportamento culposo em seu

art. 183, “33) deixar de cumprir, por negligencia ou imprudência, qualquer dos deveres eleitoraes quelhe couberem: [...]”.

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Segunda Parte: A Interpretação e Classificação dos Crimes Eleitorais 

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próprios ou inespecíficos. É o que ocorre, por exemplo, nos crimes de calúnia, injúriae difamação previstos tanto no Código Eleitoral quanto no Código Penal.

O “dolo específico” é um conceito sem muita cidadania na moderna teoria

do crime.17 Indica uma inflexão da vontade do agente no rumo de uma finalidadedeterminada. Seria diferente do “dolo genérico”, no qual não se exige nenhumamotivação específica, além daquela inerente à realização do resultado criminoso.

 A crítica que se faz a esse ponto de vista (mais afeito à antiga teoria causalista docrime) é que o dolo é a vontade ou a assunção do risco de praticar a conduta típi-ca. Assim, só há crime intencional quando ocorrer a junção entre tipo e vontade.Para esta, basta corresponder ao crime. Nessa versão finalística, o dolo é natural,despido da consciência da ilicitude. Noutra palavra, é o tipo de crime que pode,ou não, ser “específico”, não a vontade. Quem varia é ele, não ela. Os indicativosde vontade seriam “elementos subjetivos do injusto”, expressos ou implícitos nadescrição objetiva da conduta.

Feita essa indicação técnica, optamos por seguir a consagrada forma do “doloespecífico”, menos exata, mais clara. É assim que toda a jurisprudência eleitoral serefere à intenção nos crimes eleitorais. Se o comportamento do agente não for orien-tado para produzir algum efeito eleitoral, ainda que indireto, sequer se reconheceráa competência da Justiça Eleitoral.

b) O bem jurídico tutelado

Bem jurídico é o valor, posição, estado, condição ou direito a cujas proteções sedestinam as normas penais incriminadoras. Ele informa o momento atual do Direi-to Penal, que deixou de se vocacionar para a vingança, para o resguardo de opiniõese postulados morais ou para forçar a adesão interna das pessoas a uma filosofia ouprática pessoal, política ou jurídica. Menos pretensioso e, assim, mais controlável, oDireito Penal é protetivo daquelas posições jurídicas constitucionalmente reconhe-cidas ou que não ofendem a Carta Política, indicando, pela sanção, que os compor-tamentos a elas ofensivos são inadmissíveis.

O bem jurídico tutelado nos crimes eleitorais é a lisura e legitimidade das elei-ções e do processo eleitoral, a igualdade entre os candidatos e a regularidade da

17  Cezar Roberto Bittencourt, Código Penal Comentado, 4. ed., Saraiva, São Paulo, 2007, p. 60: “O especialfim ou motivo de agir, embora amplie o aspecto subjetivo do tipo, não integra o dolo nem com ele seconfunde, uma vez que, como vimos, o dolo esgota-se com a consciência e a vontade de realizar a açãocom a finalidade de obter o resultado delituoso, ou na assunção do risco de produzi-lo. O especial fim

de agir que integra determinadas definições de delitos condiciona ou fundamenta a ilicitude do fato,constituindo, assim, elemento subjetivo do tipo de ilícito, de forma autônoma e independente do dolo.”

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

prestação administrativa da Justiça Eleitoral. Essas posições são essenciais para aforma democrática de governo pretendida pela Constituição. Não há Estado Demo-crático de Direito se as eleições forem fraudadas ou parciais.

Há figuras que, sem se afastar desse molde genérico, atentam contra bens ouvalores específicos. No crime de coação para obtenção do voto, por exemplo, art.301 do Código Eleitoral, a tutela penal é oferecida à liberdade do voto; nos crimescontra a honra, tutela-se por igual a autoimagem e a imagem social dos candidatos;nos crimes de falso eleitoral, a fé pública.

É equivocado, a nosso ver, descurar dessas proteções específicas, pensandosomente na forma genérica. A conduta ofensiva à honra de um candidato deve serpunida ainda que este tenha, a despeito dela, vencido o pleito. As falsidades que

ofendam a fé pública, por igual, não precisam desigualar as chances de um candidatopara serem consideradas criminosas.

Por outro lado, não se pode olvidar que é a lesão, direta ou indireta, efetiva oupotencial, ao processo eleitoral, que permite o reconhecimento dos crimes eleitorais.

c) Sujeição ativa e passiva

 A vítima direta dos crimes eleitorais é a sociedade, posto que o bem jurídicolisura e legitimidade do pleito a interessa mais do que a outros. Os crimes eleito-

rais são crimes vagos, ofendendo a comunidade e não, necessariamente, uma pessoadeterminada. Outrossim, muitas condutas apresentam vítimas secundárias. A inu-tilização, alteração ou perturbação de meio de propaganda devidamente empregado,por exemplo, art. 331 do Código Eleitoral, afeta o candidato que fazia a propaganda.

 A titularidade do bem jurídico pela sociedade levou o legislador a considerartodos os crimes eleitorais como sendo de ação penal pública incondicionada. Atéos crimes eleitorais contra a honra – calúnia, difamação e injúria eleitorais – são deação penal pública sem exigência de representação da vítima. Isso cria uma situação

curiosa: é o órgão do Ministério Público Eleitoral que deverá mensurar se houve,ou não, animus difamandi vel injuriandi, a intenção de ofender alguém. Mesmo que avítima não se sinta atacada, o órgão ministerial tem que promover a ação penal...

Esta aí outro assunto a merecer urgente reforma legislativa.

Quanto à sujeição ativa, os crimes eleitorais, ao contrário do que poderia pa-recer, não são todos eles próprios de candidatos. Há crimes comuns e outros que,a despeito de próprios, exigem do sujeito ativo outros predicados, como o de sereleitor, juiz ou funcionário público. De máximo interesse é a previsão, inaugural

em nosso direito, da sujeição ativa de pessoa jurídica à responsabilidade penal – nocaso, do diretório do partido político –, como se dá no art. 336 do Código.

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Segunda Parte: A Interpretação e Classificação dos Crimes Eleitorais 

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d) A tipicidade com elementos normativos

É comum que os tipos penais eleitorais incluam ou façam referência a

valorações, comandos e institutos extrapenais, estes últimos definidos pelo próprioCódigo Eleitoral ou por legislação eleitoral extravagante. São elementos normativosdo tipo.18 Idealmente, ao menos para a antiga teoria “causal-naturalista”, os tipospenais deveriam apresentar exclusivamente aspectos objetivos, relativos ao resulta-do produzido ou esperado pela conduta.

Na prática, todavia, a exigência de que a lei defina o crime, da maneira maisexata e menos ambígua possível, compele o legislador a um detalhamento quenão cessa na objetividade de um resultado. Pouco adiantaria lei que dissesse“subtrair coisa”, pois a proibição inserta no crime de furto, art. 155 do Código

Penal, é para coisas “alheias”, com finalidade de apossamento.

Essa técnica é frequente nos crimes eleitorais. É o caso do art. 292, que fala em“Negar ou retardar a autoridade judiciária, sem fundamento legal, a inscrição reque-rida” (grifamos). É a mesma situação do crime do art. art. 331: Inutilizar, alterar ouperturbar meio de propaganda devidamente empregado (grifo nosso).

e) As normas penais em branco e os tipos remetidos

 As normas penais em branco são descrições típicas incompletas, posto exigiremo complemento de outros dispositivos legais ou infralegais para o pleno conheci-mento da conduta proibida.

Não ofendem a reserva de lei penal porque os complementos não descrevemcomportamentos, mas circunstâncias ou objetos nos quais o comportamento legalpode recair.

É técnica utilizada nos crimes eleitorais, às vezes, resvalando em generalizaçõese ambiguidades desafiadoras da reserva de lei. Tome-se, por exemplo, o crime do

art. 290: “Induzir alguém a se inscrever eleitor com infração de qualquer dispositivodeste Código”. O complemento da conduta é todo o conjunto de normas eleitoraiscodificadas. Embora aplicável na jurisprudência dos tribunais eleitorais, nós o te-

18  “[...] aqueles para cuja compreensão é insuficiente desenvolver uma atividade meramente cognitiva,devendo-se realizar uma atividade valorativa. São circunstâncias que não se limitam a descrever o natu-ral, mas implicam um juízo de valor. São exemplos característicos de elementos normativos expressõestais como “indevidamente” […] sem justa causa[...] sem permissão legal[...] sem licença da autoridade

competente[...] fraudulentamente[...]” (Cezar Roberto Bittencourt e Francisco Muñoz Conde, Teoria Ge-ral do Delito. Saraiva, São Paulo, 2000, p. 142 (transcrição parcial)).

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

mos por inconstitucional, em razão da enorme abrangência de comportamentos quepodem ocorrer, sem delimitação.

Espécie de norma penal em branco e de larga utilização nos crimes eleitorais

são os tipos remetidos. A complementação da descrição da ação proibida deve serfeita a partir do artigo de lei expressamente nominado. Veja-se o tipo do art. 346:“Violar o disposto no Art. 377”. Não é boa técnica. A alteração da norma menciona-da poderá tornar inviável a aplicação do tipo que faz a remessa.

Por vezes, há tanta “remessa” que o conteúdo da conduta proibida torna-sequase secreto. É o caso do art. 310 do Código, por exemplo.19 Ele fala em praticar ir-regularidades que possam anular a votação. Essas se situam nos arts. 220, 221 e 222do Código Eleitoral e, por sua vez, remetem aos arts. 135, 145 e 237. É um exagero

que se nos assemelha à inconstitucionalidade.Com ou sem remissões ou elementos normativos no tipo objetivo, as normas

cíveis e administrativas eleitorais servem de roteiro para a compreensão do bem ju-rídico protegido e do campo de necessidade de tutela penal. A inscrição fraudulentade eleitor, art. 289, que dá início ao rol de crimes previsto no Código Eleitoral, su-põe exame da parte terceira, Título I, arts. 42 e seguintes daquele diploma, que jus-tamente define os critérios de inscrição eleitoral e transferência de domicílio.

f) Consumação e tentativa

O Código Penal disciplina que se considera o crime consumado “quando nele sereúnem todos os elementos de sua definição legal”, art. 14, I. Tentativa é o início daexecução, sem produção do resultado por razão alheia à vontade do agente, art. 14, II.

O resultado é uma alteração no estado de coisa, pessoa ou lugar. Se o legisladoro descrever no tipo, a consumação dependerá de sua produção. Nesse caso, se houve ocomportamento, mas não o evento, ter-se-á tentativa, art. 14, II, do Código. São oscrimes de conduta e resultado, chamados de “crimes materiais”.

Outrossim, é dado à lei descrever simplesmente a ação ou omissão que pode-riam produzir um resultado, sem exigi-lo. São os crimes de consumação antecipa-da, conhecidos como crimes formais. O comportamento tendente àquela finalidadeconsuma o delito. Se ela se produzir virá o exaurimento, consequência pós-consu-mação utilizada para dosimetria da pena.

19  Art. 310. Praticar, ou permitir membro da mesa receptora que seja praticada, qualquer irregularidadeque determine a anulação de votação, salvo no caso do art. 311.

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Segunda Parte: A Interpretação e Classificação dos Crimes Eleitorais 

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Há uma modalidade de crime formal chamada de “crime de mera conduta”, naqual nenhuma alteração de estado de coisa, pessoa ou lugar é possível. A lei não amenciona porque ela não existe no mundo fenomênico. Não há um resultado ma-

terial na conduta de injuriar alguém, por exemplo. O desvalor do comportamento éque, por si só, autoriza a sanção.

Estes dois últimos conceitos – crime formal e de mera conduta – se distinguempela possibilidade ou não de produção do resultado, embora, para ambos, a lei não oexija como condição de consumação. A mera solicitação da vantagem pelo funcioná-rio público venal consuma o delito de corrupção passiva, art. 317 do Código Penal,ainda que a vantagem não seja dada. É crime formal. A entrega da propina serviráde exaurimento do crime e deverá ser considerada quando da dosimetria da pena. Jáum crime de injúria não supõe a possibilidade de qualquer resultado. Em si mesma,a conduta é considerada proibida. É crime de mera conduta.

 A despeito dessa distinção técnica, observamos que a jurisprudência eleitoralemprega os conceitos como sinônimos. Eles não deixam, afinal, de coincidir no as-pecto essencial de dispensarem qualquer resultado consumativo. É assim, também,que procederemos neste estudo. Indicaremos apenas a importantíssima distinçãoentre os crimes materiais (de conduta e resultado) e os formais.

O resultado dos crimes eleitorais há de ser buscado na forma como foramconstruídos os tipos. Não nos anima a tendência de exigir, para eles, alteraçãoefetiva ou potencial do resultado do pleito. A compra de votos é crime ainda queo comprador perca fragorosamente o pleito; os falsos eleitorais se consumamquando é iludida a fé pública; a retenção do título se consume tão logo o eleitoro solicitar e a entrega for negada.

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 TERCEIRA P ARTE:OS CRIMES DO CÓDIGO ELEITORAL

O Código Eleitoral traz uma profusão de crimes eleitorais. Eles são precedidos dedisposições sobre a aplicação da lei penal eleitoral com apenas três artigos (o quenos impede de considerá-la uma “miniparte geral”). O Código traz também regras

específicas sobre o processo das infrações eleitorais.

Outrossim, por ser lei aprovada nos primeiros tempos do regime militar – 1965 –,bem antes, portanto, dos influxos modernizadores da Constituição Federal de 1988,o Código Eleitoral adota uma política criminal que hoje teria poucos defensores. Ir-regularidades de escassa lesividade, que mereceriam somente multa administrativa,foram erigidas em crimes. Há 65 crimes previstos no Código, muitos deles quase ca-ricatos, como o que sanciona “furar a fila” no momento da votação, art. 306. Outrosinal do “envelhecimento” normativo do Código é a menção a condutas de natureza

econômica, por exemplo, no art. 303, que fala em “majorar os preços de utilidadese serviços necessários à realização de eleições, tais como transporte e alimentaçãode eleitores, impressão, publicidade e divulgação de matéria eleitoral”, que não pa-recem compatíveis com as disposições da atual Constituição sobre livre iniciativa eordem econômica.

Muitos desses crimes sequer visitam a jurisprudência do Tribunal SuperiorEleitoral. Não se faz, para eles, inquérito, nem se promove ação penal. São condutasque o sistema penal não se preocupa em punir, a despeito da vigência formal da lei.

Seriam o que hoje se chama de “crimes de bagatela”, sem tipicidade material sufi-ciente sequer para serem considerados “de menor potencial ofensivo”.

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

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Optou ainda o Código Eleitoral por oferecer tipificação autônoma para condu-tas que já recebem proteção na parte especial do Código Penal, como é o caso doscrimes contra a honra, a desobediência, a falsidade etc.

Se há urgência na revisão do Código Eleitoral na parte propriamente eleito-ral, que acaba permitindo a superposição de ações eleitorais diversas, a premên-cia de reforma dos dispositivos penais é urgentíssima. Além disso, se permitiu,também no ambiente eleitoral, a proliferação da legislação extravagante, existin-do crimes previstos na Lei 6.091/74 (transporte de eleitores), na Lei 9.504/97(boca de urna, pesquisa fraudulenta) e na Lei Complementar nº 64/90 (promo-ção temerária de ação de impugnação).

É cabível proceder-se a uma unificação e modernização da legislação penal elei-toral, informada pelos novos ares constitucionais, que sustentam um direito penalestritamente vinculado à proteção de bens jurídicos importantes, sem disputar es-paços com infrações que melhor cabem no sancionamento civil ou administrativo.

Não se pode deslembrar, ademais, que a mais temível das sanções eleitorais nãoé criminal, mas tipicamente eleitoral, a saber, a cassação do registro ou diploma doscandidatos e do mandato dos eleitos. Essa é uma realidade que deve informar a esco-lha dos novos tipos penais, permitindo uma visão diferenciada do chamado “princí-pio da subsidiariedade” do Direito Penal. Muitas condutas, embora graves, ficam bemcom sanções administrativas. Outras, nem tão graves, devem merecer repúdio penal,

pois denotam desapreço por valores essenciais à legitimidade e lisura das eleições.

 As disposições penais gerais do Código Eleitoral

O Código Eleitoral oferece disposições específicas sobre três assuntos, relacio-nados à aplicação de suas normas penais: (i) conceito de funcionário público; (ii)fixação das penas mínimas e máximas; e (iii) a pena de multa.

O funcionário público eleitoral

O art. 283 do Código Eleitoral oferece uma definição de quem pode ser con-siderado “membro e funcionário da Justiça Eleitoral” para fins penais.1 É uma

1  Art. 283. Para os efeitos penais são considerados membros e funcionários da Justiça Eleitoral: I – osmagistrados que, mesmo não exercendo funções eleitorais, estejam presidindo Juntas Apuradoras ouse encontrem no exercício de outra função por designação de Tribunal Eleitoral; II – Os cidadãos que

temporariamente integram órgãos da Justiça Eleitoral; III – Os cidadãos que hajam sido nomeados paraas mesas receptoras ou Juntas Apuradoras; IV – Os funcionários requisitados pela Justiça Eleitoral. § 1º 

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

redundância: esse conceito em nada difere daquele consagrado no art. 327 doCódigo Penal.2

Para fins práticos, todos os servidores da Justiça Eleitoral, concursados, ocu-

pantes de cargos em comissão ou cedidos por outros órgãos da administração públi-ca, são funcionários eleitorais. Bem assim, os eleitores chamados a exercer a funçãode mesário ou de apuradores, os magistrados, os membros das juntas eleitorais etc.O Código não fala nos Promotores e Procuradores Eleitorais, mas não temos dúvidaem inclui-los nessa condição quando exercem a função eleitoral.

 As penas mínimas e máximas

O preceito secundário dos tipos penais eleitorais nem sempre traz o grau mí-nimo da sanção. É comum que ele diga, por exemplo, “reclusão, de até cinco anos”.Isso não significa que a pena mínima seja de “um dia”, como já se decidiu. Há artigoespecífico para essa hipótese, o de nº 284: “Sempre que este Código não indicar ograu mínimo, entende-se que será ele de quinze dias para a pena de detenção e deum ano para a de reclusão.”

O mesmo em relação à hipótese de agravação ou atenuação, art. 285 (de umquinto a um terço da pena).

 A pena de multa

Há regramento próprio para a pena de multa, art. 286, que adotou o sistema dodia-multa, depois trazido ao Código Penal. O mínimo é de um dia-multa e o máxi-mo, trezentos, calculado na sua quantidade pela culpabilidade do agente e no valorpela capacidade econômica do condenado. O valor variará entre um trigésimo do

salário-mínimo (para cada dia-multa) ou um salário-mínimo. Esse valor poderá, aofinal, ser triplicado, se considerado insuficiente.

Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, além dos indicados no presente artigo, quem,embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública. § 2º Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal ou em sociedadede economia mista.2  Art. 327. Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ousem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública. § 1º Equipara-se a funcionário público quem

exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora deserviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública […].

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

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 As multas criminais serão revertidas ao Fundo Penitenciário Nacional, nos ter-mos da Lei Complementar nº 79/94. Está parcialmente revogado, destarte, o art.286 do Código Eleitoral, que as destinava ao “Tesouro Nacional”.

Da mesma maneira, não se aplica a essas multas criminais o disposto no art.38 da Lei dos Partidos Políticos, nº 9.096/95, que destinava esses valores ao Fun-do Partidário.3

 Aplica-se, para as multas eleitorais, o disposto no art. 51 do Código Penal:4 senão pagas, após a devida intimação, são consideradas dívidas de valor. Entendemosque cabe ao Ministério Público Eleitoral cobrá-las, e não à Procuradoria da FazendaNacional, embora haja divergência sobre o assunto.

Há crimes eleitorais para os quais a única sanção prevista é a multa. É o caso do

art. 2925

 e do art. 313.6

 Não há falar na aplicação, a esses crimes, da “Lei de Introduçãoao Código Penal”, Decreto-lei nº 3.914, de 9.12.1941, diploma vetusto, a nosso ver já inteiramente revogado e, de qualquer forma, incompatível com a Constituição de1988, segundo o qual só haveria crime se a pena fosse privativa de liberdade...

Os crimes em espécie, previstos no Código Eleitoral

 A seguir, oferece-se estudo dos crimes eleitorais previstos no Código eleitoral.

Serão indicados o bem jurídico específico submetido à tutela, a sujeição ativa e pas-siva, a consumação e tentativa, além dos dispositivos cíveis ou administrativos, denatureza eleitoral, que podem auxiliar na compreensão da tipicidade penal. Pres-tigia-se a jurisprudência das cortes eleitorais, em especial, a do Tribunal SuperiorEleitoral, embora muitas vezes se adote viés crítico.

 Art. 289. Inscrever-se fraudulentamente eleitor:

Pena – Reclusão até cinco anos e pagamento de cinco a 15 dias-

-multa.

3  TSE. Proc. Administrativo nº 99643 – João Pessoa/PB, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 24.11.2011.4  Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida de valor, apli-cando-se-lhe as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerneàs causas interruptivas e suspensivas da prescrição.5  Art. 292. Negar ou retardar a autoridade judiciária, sem fundamento legal, a inscrição requerida: Pena– Pagamento de 30 a 60 dias-multa.6  Art. 313. Deixar o juiz e os membros da Junta de expedir o boletim de apuração imediatamente após

a apuração de cada urna e antes de passar à subsequente, sob qualquer pretexto e ainda que dispensadaa expedição pelos fiscais, delegados ou candidatos presentes: Pena: pagamento de 90 a 120 dias-multa.

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

Crime doloso, material, de mão própria, comissivo, de maior potencial ofensivoe gerador de inelegibilidade.

 A inscrição como eleitor (alistamento eleitoral) é obrigatória para os brasileiros

alfabetizados maiores de 18 anos e menores do que 70; facultativa para os maioresde 16 anos e analfabetos e proibida para os estrangeiros ou os conscritos (os queprestam o serviço militar).

O alistamento eleitoral é regrado pela Lei 7.444, de 1985, que instituiu o pro-cessamento eletrônico de dados. Deve ser feito mediante comparecimento pessoaldo interessado, apresentação de documentos e colheita de assinatura.7 Atualmente,é possível fazê-lo pela Internet, nos termos da Res. TSE nº 23.088, de 30 de junhode 2009. O comparecimento pessoal continua necessário.8

O requerimento do título deve ocorrer até 150 dias antes do pleito, nos termosda Lei 9.504/97, art. 91.

 A conduta criminosa prevista no art. 289, que inicia a longa série de crimes de-finidos pelo Código Eleitoral, é a de fraudar a condição de pessoa habilitada para ainscrição eleitoral, o que pode ocorrer com menores de 16 anos, estrangeiros, cons-critos, pessoas que tenham perdido os seus direitos políticos ou os tenham suspen-so (art. 15 da Constituição Federal). Além disso, a inscrição eleitoral deve ser feitano local do domicílio do eleitor ou, quando menos, local no qual ele mantém víncu-

los ou atividades (domicílio eleitoral). A fraude pode ter por objetivo tanto a inscrição como eleitor de alguém que

não poderia fazê-lo, como a inscrição em local diverso do que seria correto. Não sepode afastar a possibilidade de dupla inscrição, desse modo, fraudulenta, pois nãose pode votar em mais de um local.

7  Art. 5º, § 2º – I – carteira de identidade, expedida por órgão oficial competente; II – certificado de

quitação do serviço militar; III – carteira emitida pelos órgãos criados por lei federal, controladores doexercício profissional; IV – certidão de idade, extraída do Registro Civil; V – instrumento público do qualse infira, por direito, ter o requerente a idade mínima de 18 (dezoito) anos e do qual constem, também,os demais elementos necessários à sua qualificação; VI – documento do qual se infira a nacionalidadebrasileira, originária ou adquirida, do requerente.

Nota: com o voto aos dezesseis anos, autorizado pela Constituição, é possível requerer a inscriçãoeleitoral desde que, na data do pleito, esta idade já tenha sido alcançada.8  “Art. 3º O requerimento iniciado eletronicamente somente se aperfeiçoará com o comparecimentodo eleitor/alistando à unidade de atendimento da Justiça Eleitoral, no prazo de 5 dias após o pré-atendi-mento ou, na hipótese de utilização do serviço de que cuida o parágrafo único do art. 2º, até a data porele selecionada, a fim de apresentar os documentos que comprovem os dados informados e, quando for o

caso, o recolhimento da multa devida.” Se houver necessidade de obtenção de dados biométricos, o prazopara comparecimento poderá ser fixado em até seis meses (Res. 23.346).

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

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Hipótese também contemplada na descrição típica é a transferência fraudulentado domicílio eleitoral. O agente, tendo obtido anteriormente sua inscrição em deter-minado domicílio, pede a transferência sem razão justificadora, valendo-se de fraude.

É situação comum, em regra promovida por candidatos ou partidos inescrupulososque pretendem formar um “curral eleitoral” em determinado lugar, providenciando,desde já, “apoiadores”. Para tanto, estes terão que mentir ou forjar documentos indi-cativos de que fixaram residência no novo lugar ou ali arranjaram ocupação.

 A transferência, no sentido dado pelo Tribunal Superior Eleitoral, equivale auma nova inscrição. Se fraudulenta, faz incidir o tipo penal em estudo. Nesse senti-do, o Acórdão nº 13224, de 18.12.1992, rel. Min. Torquato Jardim, onde se diz que:“o pedido fraudulento de transferência compreende-se no tipo do artigo 289 do CE”.

Não haverá crime se a transferência for pretendida para local no qual o reque-rente tenha vínculos patrimoniais ou afetivos, embora não seja o local de residênciaou ocupação. É o “domicílio sentimental”, admitido pelo TSE. Nesse sentido, Ac

 TSE nº 11.814, de 1.9.1994, rel. Min. Pádua Ribeiro. Ou ainda: “o conceito de domi-

cílio eleitoral não se confunde, necessariamente, com o de domicílio civil; aquele, mais flexível

e elástico, identifica-se com a residência e o lugar onde o interessado tem vínculos (políticos,

 sociais, patrimoniais, negócios)” (Ac. TSE 18.124/2000).

 A materialidade da fraude pode ocorrer por meio de documentos falsos ou alte-rados, bem como por informações ideologicamente falsas. Não haverá falar, porém,

em “absorção” ou “consunção” desse crime pelas condutas de falso previstas nosarts. 348, 349 e 340 do Código Eleitoral, a não ser que se demonstre cabalmenteque não subsiste qualquer outra potencialidade lesiva nas mentiras ou contrafações.

 Ao empregar a partícula apassivadora “se”, em “inscrever-se”, sinaliza a leique se trata de crime de atuação pessoal. Nessa classe de crime se entende que so-mente o agente poderia, naquele exato momento, praticar a conduta típica, não seadmitindo, destarte, coautoria. Quem ajudasse o eleitor a fazê-lo responderia ape-nas como partícipe. Evidentemente, essa solução é compatível apenas com uma

das teorias que disputam a conceituação de autor, a teoria objetiva, que restringea autoria para o praticando do verbo típico. Os demais colaboradores para a em-preitada criminosa serão partícipes. Se, ao revés, for adotada teoria ampliadora doconceito de autoria – por exemplo, a teoria do domínio do fato –, quem tiver de-terminado a conduta do eleitor será, também, considerado autor.

 A possibilidade de participação nos crimes de mão própria é incontroversa.Nesse sentido, o Ac. TSE no Ag. Reg. em Recurso Especial nº 34863, de 3/8.2009,rel. Min. Joaquim Barbosa.9

9  “A delimitação prevista no Código Eleitoral quanto aos crimes eleitorais próprios do eleitor, ou mes-mo de mão própria, por si só, não impede o surgimento do concurso de pessoas e a responsabilização

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

 Todavia, para o caso específico desse art. 289, há que perquirir se as condutasde participação não foram todas enfeixadas na descrição típica do artigo seguinte,o de nº 290, que fala na “indução” de alguém a se inscrever eleitor com infração ao

Código Eleitoral. A indução é uma figura de participação, mas não é a única. Ela consiste em di-

recionar, fazer caminhar, plantar a ideia até o grau do convencimento. Não se con-funde com o incentivo – no qual o agente já possuía o desiderato criminoso – nemcom o auxílio material. Dessa forma, apenas a indução foi retirada do alcance típicodo art. 289 para vir ao art. 290; outras formas de participação são possíveis, assim,no crime de inscrição fraudulenta de eleitor. Pode-se participar dele, por exemplo,atestando falsamente o local de residência do eleitor.

 As penas mais brandas do art. 290 (reclusão de até dois anos) são indicativas deque o legislador pretendeu punir um ato preparatório à fraude, praticado por terceirapessoa que não o eleitor. Se a fraude efetivamente ocorrer, o próprio indutor, além doeleitor e de quem mais o houver auxiliado, responderá pelo crime do art. 289 (a não serque haja participação de juiz, em face do crime próprio do art. 291 do Código).

 O Tribunal Superior Eleitoral, todavia, já decidiu que a indução: “abrange ascondutas de instigar, incitar ou auxiliar terceiro a alistar-se fraudulentamente, apro-veitando-se de sua ingenuidade ou de sua ignorância”.10 A diferença específica docrime do art. 290, desse modo, seria a fragilidade psíquica da vítima.

O crime do art. 289 é material. Exige a produção de um resultado (a inscriçãodo eleitor) para sua consumação. Se esta não ocorrer por circunstâncias alheias àvontade do agente, haverá tentativa. Todavia, não se exige a utilização posterior dotítulo assim obtido.

É crime de maior potencial ofensivo. Nos termos da Lei da Ficha Limpa, LeiComplementar nº 135/2010, que alterou a Lei das Inelegibilidades, nº 64/90, a con-denação por esse crime, ainda que não transitada em julgado, mas proferida por ór-gão colegiado, gera inelegibilidade pelo prazo de oito anos.

 Art. 290 Induzir alguém a se inscrever eleitor com infração de

qualquer dispositivo deste Código.

Pena – Reclusão até 2 anos e pagamento de 15 a 30 dias-multa.

penal, pela mesma prática delitiva, de um sujeito não qualificado, ainda mais quando, presumivelmente,este conhece a condição pessoal do pretenso autor – eleitor – e os benefícios que poderá auferir com a

consumação da conduta criminosa.”10  Ac. TSE nº 68/2005.

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

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Crime doloso, comum, formal, comissivo de menor potencial ofensivo e quenão gera inelegibilidade. Indicativo de não recepção constitucional.

 A redação ampla desse tipo do art. 290 do Código Eleitoral autorizaria o reco-

nhecimento de crime em face de qualquer infração às normas do Código relativas àinscrição ou transferência eleitoral (quem pode fazê-lo, onde deve fazê-lo, que do-cumentos se deve apresentar etc.).

Exatamente em razão dessa extensão, entendemos que esse crime desatende àexigência constitucional da “definição legal da conduta”. O que se poderia permitirpara uma infração administrativa ou cível esbarra na garantia individual de conhe-cer o que exatamente a sociedade proíbe, sob pena de prisão (até dois anos) e mul-ta. Ruim, mas não inconstitucional, seria a utilização da técnica do tipo remetido,como faz o art. 346, que remete ao 377. Mas dizer que é crime infringir “qualquerdispositivo deste código”, na indução do alistamento, é genérico e aberto demais.

Melhor teria sido se a lei dissesse, repetindo o artigo anterior: induzir alguém ase inscrever eleitor, mediante fraude.

O reconhecimento da inconstitucionalidade e, portanto, da não recepção dessetipo pela Constituição de 1988, não traz qualquer prejuízo à aplicação da lei eleito-ral. Construído como tipo subsidiário do artigo antecedente, a revogação desse art.290 implicaria, tão somente, na responsabilização de quem induzisse o eleitor ainscrever-se fraudulentamente como partícipe do crime do art. 289.

Esse art. 290 funciona como “exceção plural à teoria monista do concurso deagentes”, adotada pelo Código Penal em seu art. 29 (“quem, de qualquer modo,concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpa-bilidade”). Houve o destaque de uma das condutas de colaboração para a inscriçãofraudulenta – a indução – tipificada nesse delito autônomo.

Induzir é plantar em alguém uma ideia, que a ele não havia ocorrido, até o pon-to de convencê-lo a fazer algo. Outras formas de participação, como visto no comen-tário ao artigo anterior, não estão contempladas nessa figura típica. Veja-se, porém,

a decisão no Ac. TSE nº 68/2005, no qual se entendeu que a indução abrange a ins-tigação e o auxílio material, diante de vítima ingênua ou ignorante.

 A indução à inscrição eleitoral com emprego de fraude compreende a trans-ferência do eleitor, para domicílio diverso do regular – TSE, Acórdão nº 13224 de18.12.1992.

Consuma-se o delito com a indução, isto é, a determinação da vontade do elei-tor, ainda que este não proceda, efetivamente, à inscrição. Veja-se o Ac. TSE nº 15.177, de 16.4.1998, Rel. Min. Maurício Correa.11

11  “2.2 A ação típica de induzir corresponde à caracterização de crime unissubsistente, de modo que a

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

É por essa razão que a sanção é menor do que a prevista no artigo antecedente(até cinco anos lá e até dois anos cá). Se o eleitor efetivamente inscrever-se fraudu-lentamente, o indutor responderá pelo art. 289 e não pelo art. 290 (que será absor-

vido por aquele). Trata-se de crime subsidiário.

 Admite-se tentativa, em teoria. As práticas de indução podem ter sido inicia-das, sem lograr êxito por circunstâncias diversas da vontade do agente. Na prática,o conatus mostra-se de difícil demonstração.

É crime de menor potencial ofensivo, nos termos do art. 61 da Lei 9.099/95. Assim, não gera inelegibilidade, nos termos da Lei Complementar nº 64/90.

 Art. 291. Efetuar o juiz, fraudulentamente, a inscrição de alistando.

Pena – Reclusão até 5 anos e pagamento de cinco a quinze dias-

-multa.

Crime doloso, material, próprio, comissivo, de conduta vinculada, de maior po-tencial ofensivo e gerador de inelegibilidade.

O ato de inscrição eleitoral (“tirar o título”!) é hoje regido pela Lei 7.444/85 epor Resoluções do TSE (em especial a de nº 21.538). Como visto no exame dos cri-mes dos arts. 289 e 290, o interessado deve apresentar documentos e comparecerpessoalmente ao cartório eleitoral para a obtenção de seu título.

O crime em comento é próprio do juiz, que coonesta com a fraude praticadapelo alistando ou pelo interessado na transferência de seu domicilio eleitoral ou,ainda, motu proprio, inscreve diretamente alguém que não poderia ostentar a condi-ção de eleitor ou transfere alguém indevidamente.

 Aqui, de modo análogo ao que ocorre na figura do art. 290, tem-se uma exceçãoplural à teoria monista, ou seja, o eleitor praticará um crime e o juiz, embora colabo-

rando com ele, outro. Sem embargo, o juiz pode praticar autonomamente esse cri-me, ainda que não haja, na outra ponta, um eleitor pretendendo inscrever-se fraudu-lentamente. Não são as condutas dos arts. 289 e 291, reciprocamente dependentes.

 A conduta é dolosa. Eventual equívoco ou descuido na apreciação dos docu-mentos apresentados pelo eleitor não implicarão em crime.

É crime de escassa ocorrência, se há alguma. Não há julgados recentes sobre elena jurisprudência eletrônica do Tribunal Superior Eleitoral.

prática desta conduta seja, por si só, capaz de acarretar a sua consumação, independentemente do fato deter sido deferida a inscrição ou transferência.”

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

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 A maioria da doutrina o considera formal, pois não há necessidade de que o títulode eleitor venha a ser concedido para sua consumação. Nesse sentido, Suzana de Ca-margo Gomes12 e Marcos Ramayana.13 Ousamos discordar: a inscrição eleitoral supõe

a alimentação do banco de dados eletrônico da Justiça Eleitoral, com a atribuição deum número de inscrição. Portanto, o crime se consuma com a alteração do estado decoisa, pessoa ou lugar, o que faz dele crime material. A expedição e entrega do títu-lo, nesse contexto, seria o exaurimento do delito e não sua consumação. Se o juiz forobstado antes de promover aquele ingresso fraudulento de dados, haverá tentativa.

O crime gera inelegibilidade, nos termos da atual redação da Lei Complementarnº 64/90, bastando, para tanto, a condenação proferida por órgão colegiado.

 Art. 292. Negar ou retardar a autoridade judiciária, sem funda-mento legal, a inscrição requerida:

Pena – Pagamento de 30 a 60 dias-multa.

Crime doloso, próprio, omissivo, de condutas alternativas, com elemento nor-mativo no tipo, de menor potencial ofensivo e que não gera inelegibilidade.

Esse crime é exclusivo de magistrado eleitoral, pois a lei fala em “autoridade judiciária”. Não alcança serventuários da Justiça Eleitoral.

 A figura é diversa da prevista nos crimes anteriores: tem-se uma negativa in-fundada da inscrição eleitoral. Essa conduta ofende o direito-dever do alistamentoeleitoral, impedindo alguém de obter seu título ou de obtê-lo tempestivamente. Éespécie de abuso de autoridade, no caso, judicial.

 As condutas são “negar” ou “retardar”. A primeira é o indeferimento do reque-rimento de inscrição eleitoral, sem causa justificadora; a segunda, é seu retardamen-to imotivado. Exige-se, no tipo, o elemento normativo da ausência de fundamenta-ção legal para a negativa ou retardamento da inscrição. Não há prazo fixado em lei

para a apreciação judicial do pedido. O retardamento deverá ser demonstrado como decurso de prazo relevante, especialmente se impedir o exercício dos direitos ine-rentes à condição de alistado (voto e candidatura).

 A sanção é ínfima, exclusivamente de multa. Exige-se dolo e não apenas desí-dia ou descuido. A autoridade judiciária, intencionalmente, nega ou adia a inscriçãoeleitoral que, de direito, pode fazer o eleitor.

12

  Crimes Eleitorais, 3. ed., Revista dos Tribunais, São Paulo, 2008, p. 129.13   Direito Eleitoral, 8. ed., Impetus, Niterói, p. 570.

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

Esse é outro daqueles crimes que não frequenta o Judiciário Eleitoral, por nãoser objeto quer de notícia, quer de investigação ou denúncia. Impõe-se sua revoga-ção, pois caiu em desuso. Felizmente, não se tem notícia de que juízes estejam, de-

liberadamente, negando ou retardando inscrições eleitorais!É crime de menor potencial ofensivo, nos termos do art. 61 da Lei 9.099/95.

Não gera inelegibilidade.

 Art. 293. Perturbar ou impedir de qualquer forma o alistamento:

Pena – Detenção de 15 dias a seis meses ou pagamento de 30 a

60 dias-multa.

Crime doloso, comum, de menor potencial ofensivo, de condutas alternativas,que não gera inelegibilidade. Indicativo de inconstitucionalidade.

 Alistar-se eleitoralmente é “tirar o título”. Nos termos da Constituição Federal,art. 14, § 1º, é procedimento obrigatório para os brasileiros maiores de 18 anos de ida-de e facultativo para os maiores de 16, maiores de 70 anos e analfabetos (art. 14, § 1º).

O Código Eleitoral traz o procedimento para a obtenção do título, que implicana formulação de requerimento, apresentação de documentos e comparecimentopessoal para sua retirada (art. 42 e seguintes).

 A Lei 7.444, de 1985, regulamentada pela Resolução nº 21.538, do TSE, auto-riza que esse procedimento seja feito por meios eletrônicos. Existe, para tanto, umformulário chamado de “RAE – Requerimento de Alistamento Eleitoral”. Devem serapresentados os seguintes documentos: “(a) carteira de identidade ou carteira emi-tida pelos órgãos criados por lei federal, controladores do exercício profissional; (b)certificado de quitação do serviço militar; (c) certidão de nascimento ou casamento,extraída do Registro Civil; (d) instrumento público do qual se infira, por direito, tero requerente a idade mínima de 16 anos e do qual constem, também, os demais ele-mentos necessários à sua qualificação”. A apresentação do certificado de quitação do

serviço militar é obrigatória para os maiores de 18 anos, do sexo masculino.14 

Por se tratar de obrigação legal, quem não se alistar não poderá: inscrever-se emconcurso ou prova para cargo ou função pública; tomar posse neles; receber venci-mentos da administração pública direta ou indireta; participar de concorrência pú-blica, obter empréstimos em entidades com capital, total ou parcialmente, público;obter passaporte ou carteira de identidade, renovar matrícula em estabelecimentode ensino oficial ou fiscalizado pelo governo; praticar qualquer ato que exija quita-ção do serviço militar etc. (Código Eleitoral, art. 7º).

14  Ver o nosso Direito Eleitoral, Atlas, São Paulo, 2009.

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

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Em razão disso, há “dignidade penal” na previsão de condutas criminosas cujobem jurídico seja a regularidade e normalidade desse alistamento.

 Todavia, quando o Código Eleitoral o fez, por meio desse art. 293, fez mal. Ao

falar em “perturbar” ou “impedir” de “qualquer forma” o alistamento, se valeu olegislador de tipicidade excessivamente aberta, que não permite às pessoas o ade-quado conhecimento de qual é a conduta proibida.

 O tipo penal desse art. 293, portanto, desatende à exigência da “definição daconduta criminosa”, prevista no art. 5º, XXXIX, da Constituição: “não há crime semlei anterior que o defina[...]”.

 A descrição não indica se a perturbação ou impedimento é de um alistamento emparticular, de todo processo de alistamento ou de parte dele. Nem contra quem se vol-

ta a conduta do agente, se em face do eleitor, do funcionário ou de terceiras pessoas.O que pode servir para a definição de uma infração administrativa pode se mos-

trar insuficiente para a demarcação de um comportamento criminoso.

 A locução “de qualquer forma” não resolve, no caso, o problema da lacuna des-critiva. É técnica comum em Direito Penal, mas vindo sempre após a enumeração dehipóteses que conformam a ilicitude, como norma de extensão ou ampliação. Pro-picia, nessas situações, a interpretação analógica. Nesse tipo do art. 293, desacom-panhada de qualquer exemplificação limitadora de seu alcance, e sem indicação de

forma vinculada, ela não serve bem.Por essas razões, temos como inconstitucional esse art. 293 do Código Eleitoral.

Não é esse, todavia, o sentimento majoritário da doutrina. Fávila Ribeiro, porexemplo, entende que “a perturbação pode consistir em uma variedade de atos queentravem, tumultuem, ocasionem dispersão dos alistandos ou que afetem o própriofuncionamento do serviço de alistamento”.15

Suzana de Camargo Gomes observa que: “A consumação ocorre com o ato de im-pedir ou perturbar o alistamento, podendo assumir as mais variadas formas. O crimeadmite a forma tentada, podendo, por conseguinte, após iniciada a execução, resultarcaracterizada a interrupção do iter criminis por fatos alheios à vontade do agente.”16

Marcos Ramayana indica que: “O crime também incide nos pedidos de transfe-rência, revisão, segunda via e restabelecimento da inscrição cancelada.”17

15   Direito Eleitoral, 4. ed., Forense, Rio de Janeiro, 1996, p. 584.16

  Crimes Eleitorais, 3. ed., Revista dos Tribunais, São Paulo, p. 134.17   Direito Eleitoral, 8. ed., Impetus, Niterói, 2008, p. 572.

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

Não gera inelegibilidade, nos termos da Lei Complementar nº 64/90, posto quede menor potencial ofensivo.

 Art. 294. Esse artigo descrevia a conduta de “Exercer o prepara-dor atribuições fora da sede da localidade para a qual foi desig-

nado: Pena – pagamento de 15 a 30 dias-multa”.

Ocorre que essa figura, a do preparador, pessoa nomeada pelo juiz eleitoral parao procedimento de alistamento eleitoral, deixou de existir em função da Lei 8.864,de 1994. Ela revogou os artigos do Código Eleitoral relativos a essa função e, ex-pressamente, este art. 294: “Art. 14. Ficam revogados os incisos XI do art. 30 e VII

do art. 35; e os arts. 62 a 65 e 294 da Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965, que dis-põe sobre o Preparador Eleitoral.”

 Art. 295. Reter título eleitoral contra a vontade do eleitor:

Pena – Detenção até dois meses ou pagamento de 30 a 60 dias-

-multa.

Este artigo foi revogado pela Lei 9.504/97, art. 96, que trouxe redação muito

parecida e pena privativa de liberdade ligeiramente maior.

Veja-se: “Art. 91. Nenhum requerimento de inscrição eleitoral ou de transfe-rência será recebido dentro dos cento e cinquenta dias anteriores à data da eleição.Parágrafo único. A retenção de título eleitoral ou do comprovante de alistamentoeleitoral constitui crime, punível com detenção, de um a três meses, com a alterna-tiva de prestação de serviços à comunidade por igual período, e multa no valor decinco mil a dez mil UFIR.”

Em sentido diverso, Suzana de Camargo Gomes, para quem o crime do art.91 não exige que a conduta seja praticada contra a vontade do eleitor: “[...] basta aocorrência da não entrega de tais documentos ao alistando ou eleitor, sem motivolegal, para que se dê a consumação do crime”.18 Prossegue sustentando que o crimedo art. 91 é próprio dos funcionários eleitorais, ao passo que a conduta do art. 295pode ser feita por qualquer pessoa.

Sem embargo, temos por revogado esse tipo, substituído por outro, mais am-plo e com pena redesenhada, na Lei das Eleições, nº 9.504/97. A nosso ver, o verbo

18  Crimes Eleitorais, Revista dos Tribunais, São Paulo, 4. ed., 2008, p. 136.

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

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“reter” já está, no contexto, indicando a contrariedade do eleitor com essa prática.Quanto ao fato de que o crime está no parágrafo de artigo que fala em requerimentode inscrição eleitoral ou transferência, não se nos assemelha suficiente para dizer

que o crime somente pode ser praticado por funcionários. É certo, porém, que nãose valeu o legislador da Lei 9.504/97 da melhor técnica de tipificação disponível...

 Também no sentido da revogação desse art. 295 está Marcos Ramayana.19

 A pena de multa cresceu exponencialmente, saindo de 30 a 60 dias para cincoa dez mil UFIR.

Ver os comentários à nova figura típica na Terceira Parte deste livro.

 Art. 296. Promover desordem que prejudique os trabalhos eleitorais:

Pena – Detenção até dois meses e pagamento de 60 a 90 dias-

-multa.

Crime doloso, comum, comissivo, material, que não gera inelegibilidade, comindicativo de inconstitucionalidade.

O regime militar que se instalou no país em 1964, por força das armas, abraçoue desenvolveu a ideia de “ordem”, com o sentido muito específico de obstar opiniões

ou manifestações contra... o próprio regime militar. A “ordem”, por eles tanto cul-tuada, sequer deita raízes no lema positivista que integra nossa bandeira: “ordem eprogresso”. É diferente e, a nosso ver, menor. Daí tantos pronunciamentos militaresfalarem nas características “mansas e ordeiras” do nosso povo, que seriam contrá-rias, por exemplo, a manifestações contra o status quo.

Nada contra a ideia de ordem no sentido de arranjo constitucional, pacto cida-dão que oferece meio de solução pacífica de conflitos, inclusive sociais. Mas encon-tramos, nesse tipo penal ora em estudo, resquícios dessa “ordem” de viés antidemo-crático, propositada a confundir protesto com bagunça, pluralidade com fraqueza oudemocracia com obediência.

Como assim, promover “desordem” que prejudique os trabalhos eleitorais?

Seriam comícios, manifestações, indicações de preferência, afluxo de pessoas, ocolorido das ruas, nas campanhas?

Bem, boa parte dessas condutas já vem proíbida pela Lei das Eleições, nº 9.504/97,que, por exemplo, não permite comícios, carreatas, alto-falantes, boca de urna ouqualquer tipo de propaganda no dia das eleições (art. 39, § 5º).

19   Direito Eleitoral, 8. ed., Impetus, Niterói, 2008.

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

Se forem essas as condutas desordeiras, esse crime do art. 296 terá sido revoga-do pelo art. 39, § 5º, da Lei das Eleições. Fora disso, porém, há lacuna na indicaçãode qual é exatamente o comportamento proibido, pois “desordem” é figura de com-

portamentos múltiplos e significação subjetiva.Se for a “concentração de eleitores”, temos o crime do art. 302 do Código Elei-

toral, visto anteriormente...

 Além do mais, não trouxe a lei delimitação dos “trabalhos eleitorais” a que serefere, posto que estes, especialmente no ano eleitoral, são muitos e prolongados,indo da preparação das eleições à recepção dos votos e à apuração. Tão pouco cui-dou a lei de densificar o que se entende por “prejuízo” nos trabalhos eleitorais, senisso se inclui seu retardamento, sua inibição ou maior dificultação.

Em síntese, pelas mesmas razões alegadas no comentário sobre o art. 293, te-mos por inconstitucional esse dispositivo. Ele também desatende à exigência cons-titucional da “definição da conduta criminosa”, art. 5º, “não há crime sem lei ante-rior que o defina[...]”.

Se inconstitucional não fosse, seria crime comum e material, exigindo, como re-sultado consumador, o prejuízo dos trabalhos eleitorais. Estes, no caso, em interpre-tação a mais restritiva, seriam os trabalhos de recebimento dos votos dos eleitores.

Em sentido diverso, Suzana de Camargo Gomes, para quem “a promoção da de-

sordem deve atingir alguma das fases do processo eleitoral, ou seja, o alistamento,o registro dos candidatos, a propaganda eleitoral, a votação, a apuração ou diploma-ção dos eleitos”.20 Ainda para ela: “A desordem deve ser de tal natureza que prejudi-que os trabalhos, que cause transtornos ao seu regular desenvolvimento, dado queassim estabelece o tipo penal. Portanto, um ato que não chegue a alterar a normali-dade dos trabalhos eleitorais, não configura a conduta típica aqui tratada.”

Como crime de menor potencial ofensivo, não gera inelegibilidade.

 Art. 297. Impedir ou embaraçar o exercício do sufrágio:

Pena – Detenção até seis meses e pagamento de 60 a 100 dias-

-multa.

Crime doloso, comum, material, de condutas alternativas, de menor potencialofensivo e que não gera inelegibilidade. Indicativo de inconstitucionalidade.

20  Crimes Eleitorais, Revista dos Tribunais, 3. ed., São Paulo, p. 307.

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

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Sufrágio é o direito de participação na vida política do país, não apenas pormeio da escolha dos representantes eleitos, mas, também, ao ensejo de plebiscitos ereferendos. Em termos técnicos, sufrágio é o direito, ao passo que o voto é a escolha

de um determinado candidato (ou nenhum, no caso do voto em branco ou nulo). Aprópria Constituição, porém, trata os termos como sinônimos, ao se referir, no art.14, caput, a “sufrágio universal” e, no art. 60, § 4º, a voto universal.

No Brasil, além de direito é também um dever, pois a Constituição estabelece aobrigatoriedade do alistamento eleitoral e do voto para os brasileiros alfabetizadosmaiores de 18 e menores do que 70 anos.

O termo  sufrágio utilizado pelo tipo penal ora em exame deve ser traduzidocomo “voto”: impedir ou embaraçar o exercício do voto.

Não há dúvida de que esse direito/dever de votar oferece um bem jurídico queaceita proteção penal. Tolher o exercício do voto é malferir um direito fundamen-tal do cidadão.

 A maneira pela qual o legislador do Código de 1965 o fez, porém, é insuficiente.

Da mesma maneira como visto no art. 293, os verbos “impedir ou embaraçar”mostram-se muito abertos, compreendendo enorme rol de condutas possíveis. Eles po-dem ocorrer por variados meios, entre os quais, a destruição do título, o cerceamento daliberdade de ir e vir, a informação mentirosa sobre a zona ou seção eleitoral...

 A preguiça descritiva do tipo mostra-se contrária à exigência constitucional dadefinição da conduta criminosa, art. 5º, XXXIX.

 Ainda uma vez: o que serve para infrações administrativas pode não servir paraa demarcação de uma conduta penalmente proibida.

O próprio Código Eleitoral traz uma especificação do que pode ser típico à luzdesse artigo 297:

“Art. 129. Nas eleições proporcionais os Presidentes das Mesas Receptoras de-

verão zelar pela preservação das listas de candidatos afixadas dentro das cabinasindevassáveis, tomando imediatas providências para a colocação de nova lista nocaso de inutilização total ou parcial. Parágrafo único. O eleitor que inutilizar ouarrebatar as listas afixadas nas cabinas indevassáveis ou nos edifícios onde funcio-narem Mesas Receptoras, incorrerá nas penas do art. 297” (Grifamos).

 Aceitamos que, ao menos nessa conduta de “inutilizar ou arrebatar listas”, esse

crime está de acordo com a exigência da definição da conduta criminosa. Pena quenão o faça noutras situações!

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

Se não ofendesse a Constituição de 1988, seria um crime comum, de conduta eresultado, com dois núcleos típicos (impedir ou embaraçar) que, praticados em con-

 junto ou isoladamente, no mesmo contexto, conduziriam a crime único.

 A doutrina não forma com a crítica ora formulada.Marcos Ramayana exemplifica que “o impedimento pode ocorrer através de

ações concretas voltadas à manutenção do eleitor em cárcere privado, sequestro,tortura, etc. É possível o concurso de crimes nestas hipóteses […];” “o embaraçar sedá pela colocação de obstáculos e dificuldades. O empregador poderá praticar estecrime impondo ao empregado a realização de diversos serviços no dia da eleição”.21 

Rodrigo Lópes Zílio entende que esse tipo é aplicável também aos plebiscitose referendos.22

É crime de menor potencial ofensivo, incapaz de gerar inelegibilidade.

 Art. 298. Prender ou deter eleitor, membro de mesa receptora, fis-

cal, delegado de partido ou candidato, com violação do disposto

no Art. 236:

Pena – Reclusão até quatro anos.

Crime doloso, comum, remetido, de condutas alternativas, de maior potencial

ofensivo e gerador de inelegibilidade. Indicativo de parcial inconstitucionalidade.Figura não recebida, em sua inteireza, pela Constituição Federal de 1988.23

O art. 236 do Código Eleitoral proíbe a prisão de eleitores nos cinco dias antesdo pleito e 48 horas após seu encerramento, salvo flagrante delito ou sentença de-finitiva. Os candidatos e membros de mesas receptoras, por sua vez, só podem serpresos em flagrante delito, no prazo de 15 dias antes da eleição.24

21   Direito Eleitoral, 8. ed., Impetus, Niterói, 2008, p. 576.

22  Crimes Eleitorais. Editora JusPodivm, Salvador, 2014, p. 100.23  Antonio Carlos da Ponte, Crimes Eleitorais, Saraiva, São Paulo, 2008, p. 124: “A análise da nossaConstituição Federal, em consonância com o papel que é destinado ao processo eleitoral no EstadoBrasileiro, conduz à inquebrantável conclusão de que o artigo 236 do Código Eleitoral não foi recep-cionado por nossa Carta Magna.”24  “Nenhuma autoridade poderá, desde 5 (cinco) dias antes e até 48 (quarenta e oito) horas depois do en-cerramento da eleição, prender ou deter qualquer eleitor, salvo em flagrante delito ou em virtude de sentençacriminal condenatória por crime inafiançável, ou, ainda, por desrespeito a salvo-conduto. § 1º Os membrosdas mesas receptoras e os fiscais de partido, durante o exercício de suas funções, não poderão ser detidosou presos, salvo o caso de flagrante delito; da mesma garantia gozarão os candidatos desde 15 (quinze) dias

antes da eleição. § 2º Ocorrendo qualquer prisão o preso será imediatamente conduzido à presença do juizcompetente que, se verificar a ilegalidade da detenção, a relaxará e promoverá a responsabilidade do coator.”

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

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Qualquer cidadão brasileiro (fora os militares, que têm regime próprio) podeser preso nas seguintes hipóteses: (a) flagrante delito; (b) ordem escrita e funda-mentada de autoridade judiciária competente. A ordem de autoridade pode ocorrer

em diversas situações, desde a sentença condenatória transitada em julgado até umaprisão de natureza cautelar, como a preventiva.

O art. 236 do Código Eleitoral restringe essas possibilidades de prisão, para oseleitores, candidatos, membros de mesas receptoras e fiscais de partido. A prisão deeleitores, no prazo assinalado, somente poderá ocorrer em caso de sentença criminalcondenatória por crime que não admita a fiança ou desrespeito a salvo conduto.

Os mesários e fiscais de partido não podem ser presos durante suas funções,senão em flagrante delito.

Quanto aos candidatos, a proteção é por demais extensa, posto que nos 15 diasantes do pleito só podem ser presos em flagrante delito.

 A razão de ser dessas garantias é o estabelecimento de uma prioridade do exer-cício eleitoral, em detrimento da segurança pública ou da efetividade da justiça.

 Talvez fosse uma preocupação adequada no tempo de edição do Código Eleitoral –1965, em pleno regime militar. Todavia, é escolha que, atualmente, não se sustentadiante da Constituição.

Não é possível supor que a prisão de alguém, mesmo que seja um candidato, é fatoque, por si só, consiga prejudicar a normalidade do pleito eleitoral. Impedir que um juiz

determine a prisão preventiva de um candidato nos 15 dias antes do pleito, por exem-plo, poderia “liberar” pessoa inescrupulosa para praticar atos contrários à ordem pú-blica, ou a constranger testemunhas ou medidas para se furtar à aplicação da lei penal.

O mesmo em relação ao eleitor. A despeito de foragido da justiça, ele teria essaindenidade prisional por uma semana inteira, cinco dias antes e dois depois da elei-ção. Como justificá-lo?

O único trecho razoável desses arts. 236 e 298 diz respeito aos mesários e fiscaisde partido. Não há por que prendê-los em meio aos trabalhos eleitorais, salvo se em fla-

grante delito. Aqui, sim, pode-se pensar em prejuízo para a normalidade das eleições.Para nós não houve recepção do art. 236 quando fala em candidatos e eleitores.

Só a parte dos mesários e fiscais de partido sobrevive à Constituição de 1988.

Por conseguinte, somente em relação aos mesários pode ocorrer esse crime doart. 298, assim revelado forma de proteção contra o abuso de autoridade. Nessa par-te ainda válida, é crime material, comum e doloso, capaz, nos termos da Lei Com-plementar nº 64/90, de gerar inelegibilidade.

 Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si oupara outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda

que a oferta não seja aceita:

Pena – reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze

dias-multa.

Crime doloso, comum, comissivo, formal, com tipo múltiplo alternativo, demaior potencial ofensivo e gerador de inelegibilidade.

Introdução

É o crime de corrupção eleitoral, que apresenta modalidade “ativa” e “passi-

va”. Aqui se tem conduta de enorme gravidade, capaz de comprometer a lisura e alegitimidade das eleições, além de conduzir candidatos inescrupulosos aos cargospúblicos. Nesse sentido, o limite de pena parece desproporcional, por não ofereceradequada proteção a bem jurídico tão precioso como a regularidade da colheita davontade popular nos pleitos.

 A compra e venda de votos tem história antiga e sinistra em nosso país. Suatipificação remota ao Código Criminal do Império.25 Encontra, na desigualdade eco-nômica e cultural de nossa sociedade, seu alimento e lastro. Inseriu-se no ambientedo clientelismo – no qual lideranças locais obtinham das pessoas sob seu poder einfluência a promessa do voto em quem indicassem, em troca de favores variados.Põe-se, atualmente, dentro das práticas políticas conhecidas como “fisiologismo”,no qual é a procura por vantagens pessoais e concretas, e não por uma administra-ção proba da coisa pública, que anima políticos e cidadãos desinformados.

 A corrupção eleitoral é uma forma de exploração da miséria ou da ignorância de ca-madas de nossa população, a não ser para aqueles que se deixam fascinar pela ganância.

Quando assumimos, em 2008, a Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo,levamos junto nosso preconceito de que, num Estado e Capital tão ricos e próspe-ros, condutas de comercialização de voto seriam de pequena monta. Não podería-mos ter nos enganado de forma mais intensa. A cada pleito eleitoral correm candi-datos vis e apoiadores nefandos a todas as partes da cidade, oferecendo suas cestasbásicas, seus tratamentos dentários, suas cartas de motorista, seus padrões de luz

25  Art. 101. Solicitar, usando de promessas de recompensa, ou de ameaças de algum mal, para que asEleições para Senadores, Deputados, Eleitores, Membros dos Conselhos Geraes, ou das Camaras Muni-cipaes, Juizes de Paz, e quaesquer outros empregados electivos, recaiam, ou deixem de recahir em deter-minadas pessoas, ou para esse fim comprar ou vender votos. Penas – de prisão por tres a nove mezes, e

de multa correspondente á metade do tempo; bem assim da perda do emprego, se delle se tiver servidopara commetter o crime.

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

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ou, simplesmente, papel-moeda para eleitores receptivos. De um desses eleitorespude ouvir que: “os políticos nada fazem e aqueles que dão coisas concretas na cam-panha eleitoral merecem o voto”.

Mal sabe ele que a vantagem oferecida e aceita dá início à série que culminará,após a eleição dos candidatos venais, com desvio de recursos públicos, fraudes à li-citação, peculato, a corrupção prevista no Código Penal e atos diversos de improbi-dade administrativa. Afinal, o candidato gastou dinheiro para comprar o voto doseleitores e precisa se ressarcir de alguma maneira...

Bem jurídico tutelado

Há decisões do Tribunal Superior Eleitoral que apontam a liberdade de votocomo o bem da vida diretamente protegido por esse tipo penal.26 Ousamos discor-dar. O eleitor que age em função da promessa que lhe fizeram ou da vantagem a eledada não perdeu a liberdade de escolher seus candidatos. Pode até prometer o votonum deles e, no segredo da cabine de votação, fazer escolha diversa.

Se a proteção fosse da liberdade de voto, como aceitar que não apenas o ofe-recimento ou entrega da vantagem sejam crimes, mas também, sua solicitaçãoou recebimento?

Os crimes contra a liberdade de formação do voto são os dos arts. 300 e 301 doCódigo Eleitoral27 e não este do 299.

Para nós, além da lisura e legitimidade do pleito – itens comuns a todos os cri-mes eleitorais –, a tipificação da corrupção eleitoral defende um padrão ético quedeve permear as campanhas e as escolhas que se fazem nos pleitos. O voto compra-do representa um desvio de finalidade, uma burla ofensiva às regras do jogo eleito-ral. Chamamos a isso de moralidade eleitoral, uma espécie do gênero moralidade,que a Constituição procura assegurar no processo da escolha de representantes,como indica o art. 14, § 9º (da lei complementar das inelegibilidades).

O crime do art. 299 se aparenta não só com o 41-A da Lei 9.504/97, que lheserve de versão civil, mas também com o 30-A (arrecadação e gastos de recursos decampanha) e com o art. 73 (as condutas vedadas aos funcionários públicos nas cam-panhas eleitorais), todos da mesma lei, todos protegendo a moralidade eleitoral.

26  HC 3.160 – Itapuranga-GO, Rel. Min. Luciana Lóssio, j. 19.12.1013.27  Art. 300. Valer-se o servidor público da sua autoridade para coagir alguém a votar ou não votar emdeterminado candidato ou partido […].

 Art. 301. Usar de violência ou grave ameaça para coagir alguém a votar, ou não votar, em determinadocandidato ou partido, ainda que os fins visados não sejam conseguidos [...].

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 A vantagem

 Tanto na modalidade ativa, quanto na passiva, a conduta criminosa se

refere a uma vantagem: solicitada, prometida, oferecida ou entregue. A fina-lidade – o chamado “dolo específico” – é obter o voto ou a abstenção. Inicial-mente o tipo exemplifica, como modalidades de vantagem, o dinheiro ou adádiva, em seguida, amplia o seu alcance com a expressão “qualquer outravantagem”. Rodrigo Lópes Zílio aponta, com razão, que diante da descriçãotípica, “o crime resta caracterizado se a vantagem for devida ou indevida, sefor econômica, moral, espiritual ou religiosa”.28 O mais comum é que a van-tagem seja de bens materiais – dinheiro, cestas básicas, dentaduras, materialde construção, cartas de motorista – ou relativa à posição ou emprego.

Nem toda a vantagem dada aos eleitores, todavia, caracteriza corrupçãoeleitoral. O Tribunal Superior Eleitoral tem entendido, por exemplo, que aoferta de certa quantidade de gasolina àqueles que vão participar de carrea-tas não configura o delito.29 Firmamos concordância com esse entendimen-to, desde que o combustível seja distribuído em quantidade adequada aoevento e a despesa seja devidamente registrada na prestação de contas docandidato. Se a carreata é de um quilômetro e se permite ao motorista en-cher o tanque, é o crime do art. 299.

Situação de fronteiras fugidias é, por igual, a contratação de pessoaspara a realização de serviços e atividade de campanha, quando de liderançaspolíticas que prometem verter votos para determinado candidato. São os fa-mosos “cabos eleitorais”. Muitas vezes, essas contratações são mero expe-diente dissimulatório, justificando a entrega de dinheiro a pessoas cuja úni-ca contrapartida é, justamente, dar o voto. Nesses casos, ter-se-á corrupçãoeleitoral. Se, porém, serviços forem efetivamente prestados – por exemplo, adistribuição de panfletos, a agitação de bandeiras etc. – e toda a movimenta-ção financeira for retratada na prestação de contas dos candidatos e partidos,não haverá falar em ilicitude.

 A Lei 12.891, de 2013, não apenas por essa razão relativa à corrupçãoeleitoral, mas para reduzir os custos das campanhas, estabeleceu limita-ções ao número de cabos eleitorais que podem ser contratados, a depen-

28  Crimes Eleitorais, p. 105.29  “A doação de combustível visando à presença em comício e ao apoio a campanha eleitoral não con-substancia, por si só, captação vedada pelo artigo 41-A da Lei nº 9.504/1997” REspe nº 40.920 – Rel.

Min. Marco Aurélio, j.16.8.2012). Acórdão de 16.8.2012

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der do tamanho dos municípios e do cargo em disputa. Deu nova redaçãoà Lei 9.504, de 1997, para incluir um art. “100-A”, estabelecendo essaslimitações e criando um novo tipo penal para quem as extrapolar, com as

mesmas penas do art. 299 do Código Eleitoral. Nossa reflexão é a de queesse novo tipo não é modalidade de corrupção eleitoral, pois faltam outroselementos para tanto, mas figura criminosa autônoma, que se vale da cri-ticável técnica da previsão das penas por remissão. É aliás, figura criminalcriticável por outras razões, indicadas adiante, no capítulo dos crimes elei-torais previstos na Lei 9.504.

 A questão do “apoio remunerado” de lideranças políticas é ainda maissujeita a controvérsia. O tipo do art. 299 se refere exclusivamente a dar ovoto ou prometer abstenção, não incluindo figuras de mercancia de apoiopolítico. Se alguém solicita dinheiro para manifestar apoiamento, a condutaé imoral e antirrepublicana, mas atípica.30 Ao revés, se o preço acertado fortão somente para providenciar recursos para o futuro “repasse” aos eleito-res, ter-se-á a corrupção eleitoral, uma a cada voto comprado.

O dolo específico

 A vontade de obter, mediante a vantagem, o voto ou a promessa de abs-

tenção do eleitor é exigência que consta no tipo legal de crime do art. 299, namodalidade ativa e a de oferecer o voto ou a abstenção em razão dessa van-tagem, na modalidade passiva. Independentemente do apuro técnico dessaconstrução, à qual opomos reserva,31 ela está consagrada na jurisprudênciaeleitoral, no sentido de que a vantagem deve ser correlacionada a essa fina-lidade relativa ao voto e não a outra.

Por essa razão, o TSE não tem aceitado como corrupção eleitoral situa-ções nas quais a finalidade da vantagem é obter apoio político e não, direta-

mente, o voto.

32

 Cabe a ressalva de que se o preço acertado para a obtenção30  Em sentido diverso, a prestigiosa opinião de Rodrigo Lópes Zílio, para quem “o apoio político égênero, do qual a obtenção do voto é espécie”. (Crimes Eleitorais, p. 106).31  A nosso ver, todo dolo é específico, pois somente se caracterizará se houver congruência entre avontade do agente/assunção do risco e a conduta ou resultado descritos no tipo penal. Isto é perceptívelpela redação do art. 20, I, do Código Penal, que exclui o dolo quando houver “erro sobre elemento cons-titutivo do tipo legal de crime”. Se a vontade do agente divergir daquela descrita no tipo legal, ou nãohaverá crime algum ou será crime diverso.32  “O tipo penal previsto no art. 299 do Código Eleitoral, o qual visa resguardar a vontade do eleitor,

não abarca eventuais negociatas entre candidatos, objetivando a obtenção de renúncia à candidatura eapoio político, em que pese o caráter reprovável da conduta” –  Habeas Corpus nº 31-60.2013.6.00.000,

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do tal apoio político for parte do que vier a ser repassado somente para pro-videnciar recursos para o futuro “repasse” aos eleitores, ter-se-á a corrupçãoeleitoral, uma a cada voto comprado.

Idêntica razão leva a Corte Superior a entender que a realização de bin-gos e sorteios, eventos nos quais se distribuem brindes por critérios aleató-rios a parte dos presentes, não caracteriza a corrupção eleitoral, ainda quehaja proselitismo político.33 Nesse trecho, pensamos diferentemente. Bingose sorteios podem ser meros procedimentos para dar aspecto legal ao que, naverdade, é uma distribuição de bens, feita a eleitores determinados ou de-termináveis, com intenção de obter-lhes o voto. Nesse sentido, também háprecedentes do TSE.34

Corrupção ativa

O tipo do art. 299 abrange duas condutas distintas, igualmente dolosas, que po-dem, porém, ser praticadas independentemente: a corrupção ativa e a corrupção pas-siva. Não se trata, destarte, de crimes de condutas convergentes. Basta que o eleitorrecuse a proposta para que exista somente o crime de corrupção ativa; se, ao contrá-rio, o eleitor solicitar e o candidato recusar, haverá exclusivamente corrupção passiva.

 A corrupção ativa é a conduta do comprador de votos. Ele dá, oferece ou pro-

mete a vantagem ilícita para obter o voto do eleitor ou a sua abstenção.O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. Não é um crime próprio de candidato,

embora normalmente seja este quem pratique ou dirija a conduta dos demais. Existeo crime mesmo que a vantagem por ele oferecida ou prometida seja recusada. É cri-me formal. Para o TSE,35 não se admite tentativa; a obtenção do voto ou da abstençãofunciona como exaurimento da conduta. A Corte, todavia, tem precedentes no senti-do de que o destinatário da vantagem deve ser eleitor e estar apto a votar,36 sob penade crime impossível.

Rel. Min. Luciana Lóssio, j. 19.12.2013. Em sentido diverso, a prestigiosa opinião de Rodrigo Lópes Zí-lio, para quem “o apoio político é gênero, do qual a obtenção do voto é espécie” (Crimes Eleitorais, p. 106).33  AgR-Respe nº 445395 – São Mateus, ES – j. 22.10.2013, Rel. Min. Dias Toffoli.34  “No caso o candidato a prefeito realizou aproximadamente doze bingos em diversos bairros doMunicípio de Pedro Canário, distribuindo gratuitamente as cartelas e premiando os contemplados combicicletas, televisões e aparelhos de DVD. 3. Ficou comprovado nas instâncias ordinárias que os eventosforam realizados pelo recorrente com o dolo específico de obter votos [...]”. (Respe nº 445480, Rel. Min.Nancy Andrighi, j. 7.6.2011).35

  O Ac. TSE, de 27.11.2007, no Ag nº

 8.90536  HC 69.358-Jandira/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 11.06.2013.

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Os verbos típicos da corrupção ativa são a dação, o oferecimento ou a promessade vantagem. A distinção entre “dar” e “oferecer” é que o primeiro sugere uma soli-citação por parte do corrupto passivo. Já o oferecimento é inaugural: é o autor desse

crime quem propõe a vantagem ao eleitor.Se esses comportamentos forem praticados no mesmo “iter”, por exemplo, en-

tregando a vantagem anteriormente oferecida, haverá crime único, pois se trata detipo múltiplo ou de conteúdo variado.

Há um crime para cada voto “comprado”. Quem compra dois votos, praticadois crimes; quem compra dez votos, dez crimes, e assim sucessivamente. É co-mum a ocorrência de concurso formal impróprio, art. 70 do Código Penal, ou cri-me continuado, art. 71.

Um “único voto comprado”, entretanto, não implica na possibilidade de ado-ção do princípio da insignificância, ainda que o valor da vantagem seja ínfimo. Nãotutela, esse crime, o patrimônio, posse ou detenção de alguma coisa, mas a lisura,moralidade e legitimidade do pleito.37 Se adequadamente demonstrada a conduta,ela é hábil à produção de todos os efeitos cíveis e criminais. Não há, tampouco, falarem “potencialidade lesiva”. A compra de um único voto é como uma única opera-ção de tráfico de drogas, uma única violência sexual ou um único homicídio. Possuielevada ilicitude em si mesma, perfazendo a tipicidade material da corrupção e nãoapenas a tipicidade formal.

Corrupção passiva

 A corrupção passiva é praticada por quem solicita ou recebe a vantagem. Tam-bém não é crime próprio, pois a descrição típica fala em solicitar ou receber “parasi ou para outrem”.38 Vale dizer, alguém pode solicitar a vantagem para que terceira

37  TSE: “[...] Ausência dos requisitos exigidos para a aplicação do princípio da insignificância. [...]” NE:

“O princípio da insignificância, como bem ponderou o Tribunal Regional Eleitoral, deve ser aplicado noscrimes contra o patrimônio quando o valor do bem jurídico tutelado é ínfimo. Como o bem ora tuteladoé o livre exercício do voto, a lisura do processo de obtenção do voto, o referido princípio não pode serutilizado para excluir a tipicidade da conduta. Além disso, a jurisprudência exige um grau de reprovabi-lidade reduzido do comportamento do autor, o que não é o caso dos autos. O crime previsto no art. 299do Código Eleitoral atinge um bem jurídico de grande valor e a conduta é veementemente reprovada peloordenamento jurídico” (Ac. de 28.10.2010 no AgR-AI nº 10672, rel. Min. Cármen Lúcia)” Disponívelem: <http://temasselecionados.tse.gov.br/temas/temas-diversos/parte-ii-crimes-eleitorais-e-processo--penal-eleitoral>. Acesso em: 28 jan. 2012.38  O TSE tem acórdão em sentido diverso, exigindo do destinatário da vantagem a condição de eleitor:“[...]. 1. Nos termos do art. 299 do Código Eleitoral, que protege o livre exercício do voto, comete corrup-

ção eleitoral aquele que dá, oferece, promete, solicita ou recebe, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva,ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que

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pessoa empreste o seu voto ou se abstenha. Infelizmente, é modalidade comum, naqual alguém oferece os votos de sua família, de pessoas conhecidas ou de seu grupopolítico, em troca de favores. O verbo “solicitar” implica num pedido inicial feito

pelo corrupto passivo a quem, em tese, poderia lhe oferecer a vantagem. Já o verbo“receber” supõe que a proposta venha do corrupto ativo. Em ambas as situações ocrime se consuma independentemente da efetiva entrega do voto ou da abstenção.É crime formal. Na modalidade “solicitar”, é de mera conduta.

Da mesma maneira como na corrupção ativa, cada vantagem solicitada ou re-cebida em troca do voto perfaz39 um crime. O recebimento que sucede à solicitaçãoé fase do mesmo crime, pois também na modalidade passiva o tipo é múltiplo e deconteúdo variado.

Pedido implícito de votos

 A corrupção eleitoral, como todas as figuras de corrupção, pode envolver umarranjo de interesses entre os que dão e os que recebem a vantagem. Cada qual bus-ca sua própria vantagem ilícita, como sói ocorrer no crime de estelionato, art. 171do Código Penal. Por isso, não é correto supor que esses crimes sejam precedidosde uma declaração formal de intenções por parte dos agentes (“aqui está a coisa quelhe dou em troca do voto” ou “prometo o voto se receber tal coisa”). O pedido de

votos ou da vantagem pode ser implícito.40

 Por qual outra razão um candidato daria“presentes” a seus eleitores?

 A Lei Eleitoral, ademais, em seu art. 39, § 6º, proíbe a distribuição de brindese benesses.41 

a oferta não seja aceita. 2. Assim, exige-se, para a configuração do ilícito penal, que o corruptor eleitoralpassivo seja pessoa apta a votar. 3. Na espécie, foi comprovado que a pessoa beneficiada com a doação deum saco de cimento e com promessa de recompensa estava, à época dos fatos e das Eleições 2008, com

os direitos políticos suspensos, em razão de condenação criminal transitada em julgado. Logo, não háfalar em violação à liberdade do voto de quem, por determinação constitucional, (art. 15, III, da Cons-tituição), está impedido de votar, motivo pelo qual a conduta descrita nos autos é atípica. [...]” (Ac. de23.2.2010 no HC nº 672, rel. Min. Felix Fischer. Disponível em: <http://temasselecionados.tse.gov.br/ temas/temas-diversos/parte-ii-crimes-eleitorais-e-processo-penal-eleitoral>. Acesso em: 28 jan. 2012).39  Crimes Eleitorais, p. 107.40  “[...] 3. O pedido expresso de voto não é exigência para a configuração do delito previsto no art. 299do Código Eleitoral, mas sim a comprovação da finalidade de obter ou dar voto ou prometer abstenção[...]” (ED-REspe 58245, Rel. Min. Arnaldo Versiani, j. 2.3.2011).41  “É vedada na campanha eleitoral a confecção, utilização, distribuição por comitê, candidato, ou com

a sua autorização, de camisetas, chaveiros, bonés, canetas, brindes, cestas básicas ou quaisquer outrosbens ou materiais que possam proporcionar vantagem ao eleitor.”

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

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Quando a distribuição de gêneros ou comodidades, por parte de candidato, par-tido ou apoiadores, na época eleitoral, se faz acompanhar de anúncio de campanha,caracteriza-se a corrupção eleitoral (ver, a seguir, a questão das condutas vedadasaos funcionários públicos).

 Tampouco se exige a “barganha” ou “negociação” entre corruptores ativos epassivos: “só lhe dou a vantagem se você prometer o voto” ou “só prometo o votodepois de receber a coisa”. O mercado de votos é mais sutil e sofisticado. Seus parti-cipantes sabem o que está acontecendo sem precisar agir como num mercado persa.

Crítica à reunião, no mesmo tipo, da modalidade ativa e passiva

 A previsão, no mesmo tipo penal, da corrupção ativa e passiva se mostra desin-

teressante. Há situações que são peculiares do corruptor ativo (como a disponibi-lidade de recursos econômicos) e outras, específicas do corruptor passivo (como apremência financeira ou a ganância monetária). Melhor seria a definição de condu-tas autônomas, até para prever, por exemplo, diminuição ou isenção de pena dianteda aceitação da vantagem ilícita em condições de miserabilidade ou seu aumento, seo corrupto passivo age por cupidez.

 A técnica da “exceção plural à teoria monista do concurso de agentes”, que con-siste em prever criminalizações autônomas para condutas entrelaçadas, traria vanta-gens. É o que faz o legislador penal nas figuras comuns de corrupção, na qual a ativa

está no art. 333 e a passiva, no 317.Rodrigo Lópes Zílio aponta, com suporte em decisão do Tribunal Superior Elei-

toral, a possibilidade de divisibilidade da ação penal em face de corruptores e cor-rompidos (Acórdão TSE no  Habeas Corpus nº 78.048, Rel. Min. Marco Aurélio, j.18.8.2011), em situação na qual o eleitor ostentava baixa escolaridade e condiçãoeconômica precária.

Promessa lícita e crime

Uma das maiores dificuldades para a caracterização do crime do art. 299 do Có-digo Eleitoral reside na exata diferenciação entre a promessa lícita, inerente à pro-paganda política, e a promessa ilícita, que perfaz a conduta típica. Candidatos pro-metem coisas, pois se assim não fosse não conseguiriam se diferenciar dos demais,nem indicar suas prioridades para obter o voto dos eleitores. Eles precisam dizer oque pretendem fazer, se eleitos. Mas não podem oferecer nada como vantagem oumoeda de troca pelo voto. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral indica al-guns elementos dessa diferenciação.42 A promessa genérica é válida (“se eleito, vou

42  “[...]. Promessas genéricas. Crime de corrupção eleitoral. Art. 299 do CE. Não configuração. [...]. 1. A realização de promessas de campanha, as quais possuem caráter geral e usualmente são postas como

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

asfaltar as ruas”), já a promessa específica e concreta é criminosa (“votem em mimque eu vou asfaltar a rua de vocês”). A promessa sem destinatário específico é aceita(“vou criar novos empregos”); aquela destinada a pessoa determinada ou determi-

nável (“vou lhes dar um emprego”) é criminosa. A oferta deve ser dirigida, assim, aum eleitor ou grupo de eleitores individualizado ou individualizável.43

Situação ambígua ou fronteiriça, que pode ou não caracterizar corrupção elei-toral, é a realização de “jantares”, “churrascos” ou “cafés” de campanha. Não seespera, evidentemente, que os convivas de uma reunião política padeçam fome...Outrossim, o quê, senão corrupção, se desenha quando num lauto almoço oferecidoem comunidade carente para centenas de pessoas, estas eram autorizadas a levar,logo após o discurso do candidato, quilos de carne devidamente embalada?

Relação com o art. 41-A da Lei 9.504/97

O crime do art. 299 se aparenta com o ilícito cível do art. 41-A da Lei 9.504/97,a “captação ilícita de sufrágio”. Em ambos, tem-se em conta a conduta de compra devotos, mas somente o crime do art. 299 alcança também aquele que vende o voto.O foco do art. 41-A é o político ou quem aja em seu nome. A sanção prevista na fi-gura cível é, porém, mais gravosa, na prática, do que os quatro anos de reclusão as-sinados pelo crime (que pode ser convertida em pena alternativa, pois não se trata

de crime praticado com violência ou grave ameaça). É que o art. 41-A permite, alémda aplicação de multa, a cassação do registro ou do diploma do candidato, a sançãomais temida do ambiente eleitoral.

 A necessidade de se prever uma resposta cível à compra de votos surgiu da in-compatibilidade entre os prazos comuns da investigação e do processo penal (regi-dos pela presunção de inocência e pela mais ampla defesa) com os prazos eleitorais.Não raro, o candidato comprador de votos terminava seu mandato antes que o pro-cesso-crime pela compra de votos estivesse concluído. Já o procedimento cível-elei-toral, mesmo com a adoção do rito mais amplo do art. 22 da LC nº 64/90, pode serconcluído em menor prazo, a tempo de cassar o registro ou o diploma do candidato.

 Além disso, há o art. 97-A da Lei 9.504/97 determinando que todos os feitos quepossam resultar na cassação do registro ou do diploma de um candidato devem ser

um benefício à coletividade, não configuram, por si só, o crime de corrupção eleitoral, sendo indispen-sável que a promessa de vantagem esteja vinculada à obtenção do voto de determinados eleitores. [...]”(Ac. de 25.8.2011 nº AgR-AI nº 58648, rel. Min. Marcelo Ribeiro).

43  É inepta a denúncia que não indica quais eleitores foram beneficiados ou aliciados, por prejuízo aodireito de defesa: RHC 45224, j. 26.2.2013.

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Entre essas ações se incluem o uso eleitoral de distribuição de bens e servi-ços de caráter público ou subvencionados pelo poder público (art. 73, IV).47 A dis-tribuição desses bens, de qualquer modo, sofre severa limitação no ano eleitoral,

exigindo, fora de situações emergenciais, previsão legal e execução orçamentáriadesde o exercício anterior.48

O fato de que esses bens sejam distribuídos por instâncias do poder público nãoimpede que sejam objeto material do crime de corrupção eleitoral ativa ou passiva.Não se exige que a propriedade das coisas dadas e oferecidas seja privada. Bem aocontrário, quando um candidato, por exemplo, oferece emprego no serviço públicoem troca de votos, é de recursos da sociedade que se trata.

É suficiente que a distribuição dos bens ou serviços se faça acompanhar de

indicação de nome ou número de candidato ou cargo pretendido, com o pedido,embora implícito, de votos, para que além da conduta vedada ocorra também ocrime eleitoral.

Da mesma maneira como ocorre com o art. 41-A, a sorte do processo-crime éinfluenciada, mas não decidida, pelo desfecho da representação por conduta vedada.

 Abuso do poder econômico

O crime de compra de votos, bem como o ilícito cível do art. 41-A, podem de-monstrar abuso do poder econômico, dependendo da quantidade de votos compra-dos e da maneira como isso é feito. Nesse caso, admite-se a responsabilização con-comitante, pelo crime, pelo 41-A e pelo abuso, a ensejar a promoção de Investigação

 Judicial Eleitoral, Recurso contra a Expedição do Diploma ou Ação de Impugnaçãode Mandato Eletivo (AIME). A compra de um único voto ou de poucos votos, toda-via, não conduzirá ao reconhecimento desse abuso.

Sem embargo, cabe observar que o art. 14, § 10, da Constituição, ao prever a AIME, fala em abuso do poder econômico, corrupção ou fraude. O abuso do poder

econômico, no caso de compra de votos, implicará numa quantidade significativa decompras, mas a “aquisição” de um único voto já significa corrupção.

47  IV – fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de dis-tribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;48  § 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores oubenefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado deemergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício ante-

rior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeirae administrativa.

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

55

Prova

 A produção de prova adequada para as condutas de corrupção ativa e passiva elei-

toral, todavia, não é fácil. A versão cível desse crime, o art. 41-A da Lei 9.504/97, poderesultar na cassação do mandato do político que comprou, mandou comprar ou anuiucom a captação de sufrágio. Dessa forma, surge o interesse escuso dos perdedores daeleição em obter, com a Justiça Eleitoral, o que não obtiveram com o voto.

Se a ação cível aceita, em certa medida, presunções (como a de que o candida-to beneficiado pela conduta e que com ela anui se sujeita à perda do mandato),49 aprova criminal há de ser sólida para executores e mandantes.

Seguidos testemunhos mentirosos e declarações igualmente mentirosas feitas

em cartório deixaram em má situação a prova testemunhal. Pessoas sem recursosdirigem-se, “espontaneamente”, a cartórios cíveis (não à Polícia, ao Ministério Pú-blico ou ao Juiz Eleitoral...), pagam as taxas devidas e deitam “declarações” públicasde que foram procuradas para vender o voto. A força probante dessas declarações seassemelha ao poder de compra de uma nota de R$ 3,20.

É difícil, ademais, obter-se uma condenação lastreada em único depoimento,ainda que sincero.

Felizmente, o avanço da técnica oferece essa pequena maravilha que são gra-

vadores pequenos e imperceptíveis, até aqueles de aparelhos celulares. É provaválida, pois se entende que o cidadão eleitor é também vítima da conduta de cor-rupção eleitoral ativa.50 Uma gravação por ele produzida, mesmo sem ordem ju-dicial, será válida em juízo, exceto se ele instigou a conduta criminosa. A mesmacoisa em relação a gravações ambientais ou telefônicas, por um dos interlocutores.Se houver a interceptação, porém, a não ser que haja ordem judicial, a prova seráilícita. Há decisões do TSE no sentido de que também a prova ambiental só pode-

49

  “2. A atual jurisprudência do Tribunal não exige a prova da participação direta, ou mesmo indire-ta, do candidato, para fins de aplicação do art. 41-A da Lei das Eleições, bastando o consentimento, aanuência, o conhecimento ou mesmo a ciência dos fatos que resultaram na prática do ilícito eleitoral,elementos esses que devem ser aferidos diante do respectivo contexto fático. No caso, a anuência, ouciência, da candidata a toda a significativa operação de compra de votos é fruto do envolvimento depessoas com quem tinha forte ligação familiar, econômica e política” (TSE, RCED 755/RO, Rel. Min.

 Arnaldo Versiani, j. 24.8.2010).50  TSE: “1. A gravação clandestina feita por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, nãoconstitui interceptação vedada pela Constituição da República, sobretudo quando se destine a fazer pro-va, em juízo ou inquérito, a favor de quem a gravou […] (Respe 35622 – Manaus/AM, Rel. Min. MarceloRibeiro, j. 17.9.2009).

  Ainda: “1. Admissibilidade do uso, como meio de prova, de gravação ambiental realizada por umdos interlocutores” (TSE, AgR-AI nº 76984 – Celso Ramos/SC, j. 16.12.2010, Rel. Min. Carmen Lucia).

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

ria ser validamente produzida após autorização judicial (por exemplo, no Respe60.230, Rel. Min. Luciana Lossio, j. 17.12.2013). Todavia, é diverso o preceden-te do Supremo Tribunal Federal (Questão de Ordem no Recurso Extraordinário

583.937, Rel. Min. César Peluso, j. 19.11.2009).51

 Sobre o tema, mais na parte deprocesso penal deste estudo.

É cabível aplicar o disposto no art. 17 do Código Penal – “ Não se pune a ten-tativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade doobjeto, é impossível consumar-se o crime” – nas hipóteses em que o suposto elei-tor é quem induz o candidato a oferecer a vantagem ilícita, numa espécie de ar-madilha para a produção de prova incriminatória. É a versão do crime impossívelpor obra de agente provocador, consagrada pela Súmula 145 do Supremo TribunalFederal: “Não há crime, quando preparação do flagrante pela polícia torna impos-sível a sua consumação.”

É crime de maior potencial ofensivo. A condenação por ele, se confirmada ouprolatada por órgão colegiado, ainda que sem trânsito em julgado, é capaz de gerarinelegibilidade, nos termos da Lei Complementar nº 64/90.

 Art. 300. Valer-se o servidor público da sua autoridade para coagir

alguém a votar ou não votar em determinado candidato ou partido:

Pena – detenção até seis meses e pagamento de 60 a 100 dias-multa.Parágrafo único. Se o agente é membro ou funcionário da Justi-

ça Eleitoral e comete o crime prevalecendo-se do cargo a pena

é agravada.

Crime doloso, próprio, formal, comissivo, de condutas alternativas e menor po-tencial ofensivo. Não gera inelegibilidade.

É modalidade de abuso de autoridade voltada para cercear a liberdade de esco-

lha do eleitor. Note-se que não se trata de “influência”, “convencimento” ou “temorreverencial”, mas coação. O eleitor age com “metus publicae potestatis”, como se fos-se no crime de concussão, art. 316 do Código Penal, embora, aqui, o agente não ajacom finalidade de proveito patrimonial.

51  “AÇÃO PENAL. Prova. Gravação ambiental. Realização por um dos interlocutores sem conhecimen-to do outro. Validade. Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida. Recurso extraordinário

provido. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. É lícita a prova consistente em gravação ambiental reali-zada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro.”

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

57

O comportamento do agente (qualquer funcionário público) exibe desvalor emface de duas exigências, a de probidade no serviço público e o respeito à livre for-mação da vontade do eleitor. A sociedade não paga os servidores públicos para que

eles usem de suas prerrogativas em prol de interesses particulares. O correlato cíveldesse tipo é o abuso de poder político ou de autoridade, que enseja a promoção demais de uma ação eleitoral (AIJE – Investigação Judicial Eleitoral e RCED – Recursocontra a Expedição do Diploma).

 A coação exercida é moral e não física. Se houver violência física, o crime seráo artigo seguinte, 301.

É crime doloso e próprio. O sujeito ativo deve ser funcionário público. Não pre-cisa ser da Justiça Eleitoral, mas se for, a pena poderá ser agravada.

O crime se consuma com a coação do eleitor, ainda que, na hora do voto, esteconsiga agir livremente. A coação tem dois objetos autônomos: (i) para votar emdeterminado candidato ou partido; (b) para não votar nele ou neles.

 A gravidade da ofensa ao bem jurídico, nesse caso, é incompatível com a bran-dura da pena prevista (detenção, de até seis meses e multa). Existe, aqui, a despro-porcionalidade pela proteção insuficiente do bem jurídico.

É crime de menor potencial ofensivo, nos termos do art. 61 da Lei 9.099/95.Não gera inelegibilidade.

 Art. 301. Usar de violência ou grave ameaça para coagir alguém a

votar, ou não votar, em determinado candidato ou partido, ainda

que os fins visados não sejam conseguidos:

Pena – reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze

dias-multa.

Crime doloso, comum, comissivo, de forma vinculada, formal, de maior poten-cial ofensivo e capaz de gerar inelegibilidade.

É a coação eleitoral, direta ofensa à liberdade de voto. Nesse crime, ao contráriodo que ocorre no art. 299 (corrupção eleitoral), o bem jurídico tutelado é a liberdadede formação da opinião e escolha do eleitor.

Conduta especialmente grave, com limite de pena inadequadamente equivalen-te ao da corrupção eleitoral. Deveria ser maior, pois, aqui, a proteção da liberdade deexercício do voto se soma ao bem jurídico incolumidade física e psíquica do eleitor.

 A violência é a antítese do sistema democrático de escolha de representantes, hábilpara permear de ilegitimidade todo o processo eleitoral.

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

O crime é doloso, comum e formal. A consumação se dá com o emprego da vio-lência ou o anúncio da ameaça, sem necessidade de efetiva obtenção do voto preten-dido. Há um ilícito cível correspectivo, incluído pela Lei 12.034/09 no art. 41-A da

Lei 9.504/97, a lei das eleições, o artigo que trata da captação ilícita de sufrágio. Alise diz que: “§ 2º As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atosde violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto”. As sançõessão a multa de mil a cinquenta mil Ufir e cassação do registro ou do diploma, nessecaso, evidentemente, se ficar demonstrada a participação ou anuência do candidato.

Vale, para esse crime, o dito anteriormente para a conduta da corrupção elei-toral, art. 299. Será possível aplicar a sanção penal ainda que, no aspecto cível, nãotenha ocorrido condenação.

Não há um marco temporal52

 dentro do qual a prática da conduta seria típica. Nãose exige, portanto, que a conduta tenha sido praticada em meio ao período eleitoral.

Esse crime pode caracterizar também abuso do poder econômico ou político,se a coação for exercida por quem tenha senhorio econômico53 ou político sobre oeleitor. É o caso do empregador que ameaça de demissão seus funcionários se o seucandidato não for eleito ou do político que coage seus funcionários ou pessoas de-pendentes da administração pública a proceder a determinada escolha.54

É crime de maior potencial ofensivo, capaz de gerar inelegibilidade ainda que

antes do trânsito em julgado da condenação, desde que esta tenha sido proferida porórgão colegiado (nos termos da Lei Complementar nº 64/90).

 Art. 302. Promover, no dia da eleição, com o fim de impedir, em-

baraçar ou fraudar o exercício do voto a concentração de eleitores,

sob qualquer forma, inclusive o fornecimento gratuito de alimento

e transporte coletivo:

Pena – reclusão de quatro (4) a seis (6) anos e pagamento de 200

a 300 dias-multa.

52  TSE, AgR-Respe 5163598, j. 17.2.2011.53  TSE, Respe 36737 – Ipatinga/MG, (cível) Rel. Min. Marcelo Ribeiro, j. 11.3.2012. “[…] A coaçãopode possuir caráter econômico quando incute ao eleitor que, na hipótese de ele não votar no candidato,perderá uma vantagem, o que evidencia nítido conceito patrimonial”.54  TSE, Respe 5163598 – Palmeirais/PI, Rel. Min. Arnaldo Versiani, j. 7.2.2011: “3. A circunstância deausência de poder de gestão de programa social não afasta a eventual configuração do delito do art. 301

do Código Eleitoral diante do fato alusivo à ameaça a eleitores quanto à perda de benefício social, casonão votassem no candidato denunciado”.

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

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Crime doloso, comum, formal, de maior potencial ofensivo e gerador de inele-gibilidade.

Esse dispositivo foi parcialmente revogado pela Lei 6.091/74, que proibiu

o transporte e o fornecimento gratuito de alimentos aos eleitores no dia da elei-ção. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral, a revogação incidiu somente sobreo fornecimento de alimentos ou transporte. A parte inicial do tipo, a promoçãode concentração de eleitores, permanece vigente (Ac. TSE nº 21.401/2004). Oartigo revocatório é o seguinte: “Art. 11. Constitui crime eleitoral: [...] III – des-cumprir a proibição dos artigos 5, 8 e 10. Pena – reclusão de quatro a seis anose pagamento de 200 a 300 dias.”

O art. 39 da Lei 9.504/97 proíbe comícios, carreatas e a arregimentação dos

eleitores. A concentração de eleitores é coisa diversa, não exigindo discursos oumovimento, nem a tentativa de convencê-los a votar de determinada maneira (arre-gimentação). A concentração é a simples reunião dos eleitores, mas com a finalida-de de “impedir, embaraçar ou fraudar o exercício do voto”. A Lei 9.504/97 já veda a“aglomeração de pessoas portando vestuário padronizado, bem como os instrumen-tos de propaganda referidos no caput, de modo a caracterizar manifestação coletiva,com ou sem utilização de veículos” (art. 39-A, § 1º).

É das penas mais severas previstas no ordenamento eleitoral, tanto em rela-

ção à privação da liberdade, de quatro a seis anos, quanto em relação à multa, de200 a 300 dias.

O crime é comum: pode ser praticado por qualquer pessoa e não exclusivamen-te por candidato. A conduta é dolosa, exigindo-se do agente a específica finalidadede impedir, embaraçar ou fraudar o exercício do voto. Não se confunde com a cor-rupção eleitoral, pois nesta o transporte ou o fornecimento de alimentação gratuitasão as benesses utilizadas pelo agente para obter o voto ou conseguir a abstenção.

 Já na Lei 6.091/74, essas vantagens são dadas como meio para impedir, embaraçar

ou fraudar o exercício do voto. A condenação por órgão colegiado, ainda que sem trânsito em julgado, gerará

inelegibilidade por oito anos, nos termos da Lei Complementar nº 64/90, art. 1º,I, letra d.

 Art. 303. Majorar os preços de utilidades e serviços necessários à

realização de eleições, tais como transporte e alimentação de elei-

tores, impressão, publicidade e divulgação de matéria eleitoral.

Pena – pagamento de 250 a 300 dias-multa.

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

Crime doloso, formal, comum, de menor potencial ofensivo, não gerador deinelegibilidade e com indicativo de inconstitucionalidade.

Figura não recebida pela Constituição Federal de 1988, por incompatibilidade

com as disposições sobre livre iniciativa e ordem econômica.55  A lei da oferta e da procura é inerente ao modo de produção capitalista, ex-

pressamente adotado pela Constituição Federal.56 Não se pode esperar que dianteda maior procura por utilidades e serviços necessários às eleições, que normalmen-te ocorre à época das eleições, estejam os fornecedores impossibilitados de formarlivremente seus preços, atentos à concorrência. Os preços oscilarão (não necessa-riamente para mais), não parecendo adequado que um artigo de lei eleitoral sirvacomo “tabela” de preços. E se os insumos aumentarem ou a inflação recrudescer?

 A livre iniciativa não significa, é verdade, que limitações variadas não possamser opostas ao empreendimento privado. Basta lembrar a vedação do abuso do po-der econômico, dominação de mercados e aumento arbitrário de lucros (Constitui-ção Federal, art. 173, § 4º),57 a função social da propriedade e a defesa do consumi-dor, do meio ambiente e da saúde pública.

Essas proteções não se compadecem, porém, com um tipo penal que proíbe au-mentos de qualquer natureza, ignorando as condições que podem levar à formaçãode preços. Nem há falar que se trata de norma protetiva dos candidatos, posto que

o benefício ou malefício desses preços majorados alcançariam a todos. É norma deordenação econômica, autoritária, própria do regime militar que ocupava o poderquando da elaboração do Código Eleitoral de 1965.

55  Constituição Federal – Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano ena livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função socialda propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente, inclu-

sive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seusprocessos de elaboração e prestação; VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca dopleno emprego; IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leisbrasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livreexercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvonos casos previstos em lei.56  Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípiose do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – asoberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e

da livre iniciativa (grifamos).

57  “A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação daconcorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.”

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

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Se a majoração de preços for artificial e em benefício de candidato ou partido,em detrimento de outros, poderá ocorrer figura de abuso do poder econômico, detalhe eleitoral, sindicável pela Ação de Investigação Judicial Eleitoral do art. 22 da

Lei Complementar nº

 64/90.Esse crime do art. 303 não foi recebido pela Constituição de 1988. Se tivesse

sido, seria de menor potencial ofensivo e, assim, não gerador de inelegibilidade, nostermos da Lei Complementar nº 64/90.

 Art. 304. Ocultar, sonegar, açambarcar ou recusar no dia da elei-

ção o fornecimento, normalmente a todos, de utilidades, alimen-

tação e meios de transporte, ou conceder exclusividade dos mes-

mos a determinado partido ou candidato:

Pena – pagamento de 250 a 300 dias-multa.

 Tipo múltiplo, de condutas alternativas, doloso, comum, comissivo/omissivo,de menor potencial ofensivo e que não gera inelegibilidade.

Essa conduta traz modalidades de abuso do poder econômico. Significa que al-guém exercente das atividades econômicas mencionadas no tipo (alimentação, trans-

porte ou “utilidades”) se recusa ao fornecimento de seus produtos e serviços, com ointuito de prejudicar determinado candidato, ou os fornece, com exclusividade, a umdeles ou a seu partido. A lei não indica quais seriam essas “utilidades” referidas notipo, o que faz dele norma penal em branco. A não ser que norma complementar ve-nha e defina quais são as tais utilidades, o crime é, nesse trecho, inaplicável.

Em relação ao não fornecimento de transporte e alimentação, é importanteverificar que somente haverá crime se essa medida não estiver incluída no exercí-cio regular da atividade econômica e se revestir de abusividade. Não se pode con-

siderar criminosa a conduta de uma empresa de ônibus fretado que, sob contrato,se dedica a transportar apoiadores de determinado candidato. Por outro lado, sefor uma concessionária ou permissionária de um serviço público, evidentementenão poderia fazê-lo.

O mesmo em relação ao fornecedor de alimentos. Ele poderá ser contratadocom exclusividade, exceto se for, por exemplo, o único fornecedor da cidade. Nessecaso, haveria o abuso do poder econômico.

 As condutas típicas são: ocultar, sonegar, açambarcar ou recusar. Açambarcar

significa tomar inteiramente, absorver tudo. Se praticadas no mesmo contexto, ha-verá crime único.

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

Não se exige, do sujeito ativo, qualquer qualidade especial.

Observa Suzana de Camargo Gomes que: “o crime de que trata o art. 304 doCódigo Eleitoral somente pode ter sua ocorrência no dia da eleição, pelo que se

a ação for levada a efeito nas vésperas do pleito eleitoral, não há falar em tipici-dade da conduta”.58

 As penas do crime são exclusivamente pecuniárias, o que o afasta, já por estecritério, do rol dos crimes capazes de gerar inelegibilidade, trazido pela Lei Com-plementar 64/90.

 Art. 305. Intervir autoridade estranha à mesa receptora, salvo o

 juiz eleitoral, no seu funcionamento sob qualquer pretexto:

Pena – detenção até seis meses e pagamento de 60 a 90 dias-multa.

Crime formal, próprio, doloso, de menor potencial ofensivo e que não gera ine-legibilidade.

 Trata-se de conduta de abuso de autoridade, destacada do rol da Lei 4.898/65 emrazão de seu efeito na regularidade da colheita de votos. Deve ser interpretada ao sa-bor do art. 141 do Código Eleitoral, segundo o qual: “A força armada conservar-se-áa cem metros da Seção Eleitoral e não poderá aproximar-se do lugar da votação, ounele penetrar, sem ordem do Presidente da Mesa.”

O predicado da “estranheza” agregado ao substantivo “autoridade” deve serlido como “incompetência”. Intervir autoridade incompetente no funcionamen-to da mesa receptora de votos. Não precisa ser militar ou policial. É medida paraassegurar a lisura da colheita de votos e impedir que alguém, por exemplo, ale-gue condição especial, cargo ou função pública para interferir na regularidadedos trabalhos eleitorais.

No país do “sabe com quem você está falando”, essa proteção penal é particu-larmente adequada. Evita constrangimentos para os mesários, cidadãos que pres-tam relevante serviço à sociedade e que não podem ficar à mercê de pessoas que nãose incluem entre as autoridades eleitorais.

 A ressalva feita ao juiz eleitoral deve significar: o juiz eleitoral responsável poraquela zona eleitoral e, portanto, autoridade competente. Se assim não for, um juizeleitoral poderá ser autor desse crime.

58  Crimes Eleitorais, Revista dos Tribunais, São Paulo, 3. ed., 2008, p. 271.

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

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É crime próprio de autoridade. A conduta não alcança quem, despido de qual-quer parcela de poder estatal, intervém nos trabalhos.

 A consumação delitiva, todavia, não exige qualquer prejuízo à ordem dos traba-

lhos de recepção de votos. É crime formal. Se prejuízo ocorrer, isso deverá ser con-siderado na fixação da pena.

É crime de menor potencial ofensivo, punível somente com multa. Não gerainelegibilidade.

 Art. 306. Não observar a ordem em que os eleitores devem ser

chamados a votar:

Pena – pagamento de 15 a 30 dias-multa.

Crime doloso, formal, próprio, de menor potencial ofensivo, que não gera ine-legibilidade e com indicativo de não recepção constitucional.

Conduta que perfaz mera irregularidade administrativa, a não ser que efetiva-mente implique em coação, fraude ou impedimento do exercício do voto. É a famo-sa criminalização da “furada de fila”, exemplo perfeito da vulgarização do uso doDireito Penal.

Entendemos que esse tipo não foi recebido pela Constituição Federal de 1988.Falece a ele um mínimo de “dignidade penal”, um grau suficiente de lesão ou amea-ça a um bem jurídico aceito pela Constituição, justificador do emprego de umasanção penal. Falta-lhe, noutra terminologia, “tipicidade material”, não apenas nocaso concreto, mas em todos os enfeixados pela descrição típica. É uma “bagatelatipificada”, o que não se pode aceitar.

Mesmo para o legislador há limites na atividade criminalizadora. Não é sufi-ciente atender à exigência formal – a descrição da conduta por meio de lei anterior –,

mas, também, a uma exigência material. Embora esta deva ser analisada cum granus salis, para não converter o intérprete em censor não autorizado da liberdade legisla-tiva, casos há nos quais é manifesta a desproporção, abuso ou insuficiência de lastropara a criminalização. Esse é um dos casos.

Se superado esse questionamento de constitucionalidade, o exame da condutatípica supõe, inicialmente, verificação de qual a ordem em que os eleitores devemser chamados a votar. A resposta imediata é “ordem de chegada”, a popular “fila”.Votam primeiro os que primeiro acorreram ao local...

O Código Eleitoral, todavia, estabelece que: “Art. 143. § 2º

  Observada aprioridade assegurada aos candidatos, têm preferência para votar o Juiz Eleitoral

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

da Zona, seus auxiliares de serviço, os eleitores de idade avançada, os enfermose as mulheres grávidas.” Não hesitamos em incluir nesse rol prioritário as pes-soas com deficiência.

Os mesários estão, por igual, autorizados a, com bom-senso, dar preferênciaa eleitor que, na circunstância concreta, demonstrar grande dificuldade na per-manência na fila, como é o caso, por exemplo, de uma mulher carregando crian-ças pequenas. Evidentemente, porém, não podem eles se converter em juízesdas premências alheias, permitindo que alegações vagas de precisão e urgênciaencubram os onipresentes “fura-filas”.

É crime doloso, que só pode ser praticado pelos mesários. Punível apenas commulta, é de menor potencial ofensivo e não gera inelegibilidade. Formal, não exige

a produção de qualquer resultado para sua consumação.

 Art. 307. Fornecer ao eleitor cédula oficial já assinalada ou por

qualquer forma marcada:

Pena – reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa.

Crime doloso, próprio, formal e comissivo, de maior potencial ofensivo e gera-

dor de inelegibilidade.É conduta dolosa preparatória de uma fraude eleitoral. Embora o tipo não indique,

é conduta própria do mesário das eleições, pois a este incumbe o fornecimento das cé-dulas que serão utilizadas pelo eleitor para votar. Se terceiro oferecer “célula”, haverácontrafação ou desvio, pois apenas aquela dada pelo mesário pode ser utilizada.

Essa conduta tende a desaparecer com as cédulas impressas que lhe servem desuporte e a urna comum. A cada vez mais, em todo o Brasil, as eleições são realiza-das por meio das urnas eletrônicas. Só quando estas não funcionam é que as urnas

e cédulas comuns são utilizadas. A cédula assinalada é aquela na qual a opção de voto já se encontra feita; cédula

marcada é aquela que traz algum sinal permissivo da ulterior identificação do eleitorou conducente a invalidação do voto.

O crime se consuma com o mero fornecimento da cédula, ainda que esta nãoseja utilizada pelo eleitor. Nesse sentido, é crime formal.

 A pena elevada (um a cinco anos) faz desta uma conduta de maior potencial

ofensivo, capaz, ademais, de gerar inelegibilidade por decisão trânsita em julgado ouproferida por órgão colegiado.

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

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 Art. 308. Rubricar e fornecer a cédula oficial em outra oportunida-

de que não a de entrega da mesma ao eleitor.

Pena – reclusão até cinco anos e pagamento de 60 a 90 dias-multa.

Crime doloso, próprio de funcionário da mesa eleitoral, formal, de condutasvinculadas, maior potencial e gerador de inelegibilidade.

Como a conduta anterior, tem-se ato preparatório para fraude eleitoral. É con-duta dolosa, que só pode ser praticada pelo mesário da eleição (o que tem o deverlegal de oferecer a cédula para o voto, no momento próprio).

São dois verbos típicos entrelaçados, a rubrica (espécie de autenticação, feitapelo mesário) e o fornecimento ao eleitor. A mera colocação de sinal gráfico na cé-dula não é suficiente para a consumação do crime, que exige a entrega da cédulanessas condições. Admite-se a tentativa. Embora formal, o crime não é unissubsis-tente. Não se exige, porém, voto irregular.

Curiosamente, a defeituosa redação típica permite que o fornecedor da cédularubricada por outrem não responda por nada, a não ser que esteja agindo em con-curso de agentes. Melhor seria um tipo que falasse, simplesmente, em “fornecer cé-dula rubricada fora do momento próprio”.

O tipo exige, ademais, um momento temporal diverso daquele no qual as cédu-las devem ser fornecidas aos eleitores. Esse momento, nos termos do Código Eleito-ral, art. 146, V, é após a verificação do título, quando se constatar que não há dúvidasobre a identidade do eleitor.59 

 A pena elevada (um a cinco anos) faz desta uma conduta de maior potencialofensivo, capaz, ademais, de gerar inelegibilidade por decisão trânsita em julgado ouproferida por órgão colegiado.

 Art. 309. Votar ou tentar votar mais de uma vez, ou em lugar de

outrem:

Pena – reclusão até três anos.

59  CE, art. 146, V – achando-se em ordem o título e a folha individual e não havendo dúvida sobre aidentidade do eleitor, o presidente da mesa o convidará a lançar sua assinatura no verso da folha indivi-dual de votação; em seguida entregar-lhe-á a cédula única rubricada no ato pelo presidente e mesários

e numerada de acordo com as Instruções do Tribunal Superior instruindo-o sobre a forma de dobrá-la,fazendo-o passar a cabina indevassável, cuja porta ou cortina será encerrada em seguida.

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

Crime doloso, próprio do eleitor, nos verbos votar e tentar votar e comum nafigura do voto em lugar de outrem. É crime material e, parcialmente, de atentado. Écrime de maior potencial ofensivo e gerador de inelegibilidade.

Fraude eleitoral com dois núcleos típicos. O primeiro, próprio do eleitor, é oexercício do voto por mais de uma vez.60 Após votar regularmente, ele vota de novo(ou tenta votar). Nessa modalidade, tem-se crime de atentado, pois tanto o votocomo a tentativa de fazê-lo consumam o delito.

O segundo verbo típico não exige, do sujeito ativo, a condição de eleitor. Qual-quer pessoa, ainda que não eleitora, pode praticar a conduta de votar em lugar deoutrem. Nesse caso, seu comportamento incluirá ofensa à fé pública, podendo ca-racterizar falsidade ideológica, falsa identidade ou uso de documento falso. A absor-

ção desses falsos – previstos ou não na própria legislação eleitoral – dependerá doexaurimento de sua potencialidade lesiva. É possível que o agente responda por essecrime do art. 309, bem assim como pelas falsidades que o propiciaram.

Há grande preocupação do Tribunal Superior Eleitoral com esse tipo de fraude.O problema é que o título eleitoral adotado no Brasil é desprovido de foto, permi-tindo que pessoas mal intencionadas se passem pelo eleitor.

É por essa razão que ele tem estabelecido procedimentos de identificação bio-métrica do eleitor (impressões digitais e fotos, principalmente). Segundo o sítio

<www.tse.jus.br>, consultado em 30 de janeiro de 2012, nas eleições municipaisdeste ano se espera que cerca de dez milhões de eleitores já votem com identifica-ção biométrica. A Lei 9.504/97, em seu art. 91-A, dispõe que “no momento da vo-tação, além da exibição do respectivo título, o eleitor deverá apresentar documentode identificação com fotografia”. Esse dispositivo recebeu “interpretação conforme”do STF no julgamento da Medida Cautelar na ADI 4.467-DF, julgado em 30.9.2010,segundo a qual: “apenas a ausência de documento oficial de identidade com fotogra-fia impede o exercício do direito de voto”.61 Ou seja, era possível votar sem o título,mas não sem um documento com foto.

60  Esse crime já vinha previsto na Lei Saraiva, de 1881: “art. 29 (…) § 2º Votar o eleitor por mais deuma vez na mesma eleição, aproveitando-se de alistamento multiplo: Penas: privação do direito do votoactivo e passivo por quatro a oito annos e multa de 100$ a 300$000”. Com formulação próxima da atual,foi trazido pelo Código Eleitoral de 1932, art. 107, § 18.61  Na ementa do acórdão se reconhece que: “2. A segurança do procedimento de identificação doseleitores brasileiros no ato de votação ainda apresenta deficiências que não foram definitivamente solu-cionadas. A postergação do implemento de projetos como a unificação das identidades civil e eleitoralnum só documento propiciou, até os dias atuais, a ocorrência de inúmeras fraudes ligadas ao exercíciodo voto. 3. A apresentação do atual título de eleitor, por si só, já não oferece qualquer garantia de lisura

nesse momento crucial de revelação da vontade do eleitorado. Por outro lado, as experiências das últi-mas eleições realizadas no Brasil demonstraram uma maior confiabilidade na identificação aferida com

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

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O objetivo é colher, quando do cadastramento do eleitor, esses dados biométri-cos e compará-los, quando do exercício do voto, impedindo que terceiras pessoas sepassem pelo cidadão votante.

 A pena é claramente insuficiente, diante da lesão, efetiva ou potencial, que aconduta pode provocar na lisura das eleições.

 Art. 310. Praticar, ou permitir membro da mesa receptora que seja

praticada, qualquer irregularidade que determine a anulação de

votação, salvo no caso do Art. 311:

Pena – detenção até seis meses ou pagamento de 90 a 120 dias-

-multa.

Crime doloso, próprio, de condutas múltiplas alternativas, de menor potencialofensivo e que não gera inelegibilidade. Indicativo de não recepção pela Constitui-ção de 1988.

Esse crime doloso e próprio descreve as condutas de praticar ou permitirque se pratique irregularidade capaz de anular a votação. Entende-se que essaanulação é a dos votos colhidos pela mesa receptora e não a de todo o certameeleitoral. As irregularidades hábeis para fazê-lo estão mencionadas no Código

Eleitoral, nos arts. 220,62 22163 e 222.64 

base em documentos oficiais de identidade dotados de fotografia, a saber: as carteiras de identidade, detrabalho e de motorista, o certificado de reservista e o passaporte [...]”.62  Art. 220. É nula a votação: I – quando feita perante mesa não nomeada pelo juiz eleitoral, ou consti-tuída com ofensa à letra da lei; II – quando efetuada em folhas de votação falsas; III – quando realizadaem dia, hora, ou local diferentes do designado ou encerrada antes das 17 horas; IV – quando preteridaformalidade essencial do sigilo dos sufrágios; V – quando a seção eleitoral tiver sido localizada com infra-ção do disposto nos §§ 4º e 5º do art. 135. Parágrafo único. A nulidade será pronunciada quando o órgãoapurador conhecer do ato ou dos seus efeitos e o encontrar provada, não lhe sendo lícito supri-la, aindaque haja consenso das partes.63  Art. 221. É anulável a votação: I – quando houver extravio de documento reputado essencial; II –quando for negado ou sofrer restrição o direito de fiscalizar, e o fato constar da ata ou de protesto inter-posto, por escrito, no momento: III – quando votar, sem as cautelas do Art. 147, § 2º: a) eleitor excluídopor sentença não cumprida por ocasião da remessa das folhas individuais de votação à mesa, desde quehaja oportuna reclamação de partido; b) eleitor de outra seção, salvo a hipótese do Art. 145; c) alguémcom falsa identidade em lugar do eleitor chamado.

64  Art. 222. É também anulável a votação, quando viciada de falsidade, fraude, coação, uso de meiosde que trata o Art. 237, ou emprego de processo de propaganda ou captação de sufrágios vedado por lei.

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

 A ressalva, incluída no próprio tipo penal, se refere às situações do art. 311do Código Eleitoral.65 Significa que o crime será o do art. 311 se o presidenteda mesa permitir o voto de eleitor não inscrito na seção eleitoral, salvo quando

houver autorização.Os três artigos do Código Eleitoral que preveem a possibilidade de anulação da

votação, por outro lado, fazem remissão a outros artigos do Código Eleitoral, a sa-ber, arts. 135, 145 e 237.

Essa má redação legislativa cria um crime duplamente remetido, dificultandoo conhecimento do comportamento proibido. A pretensão era sancionar qualquerprodução dolosa de irregularidade que, como consequência, poderia anular a elei-ção, mas a redação encontrada não o diz, claramente. Por essa razão, temos como

inconstitucional esse art. 310, por ofensa à reserva de lei penal que exige da lei adescrição da conduta criminosa.

Não se pode descrever crimes como se faz com irregularidades administrativas.

Em sentido diverso, Fávila Ribeiro escreve que: “Na fixação do campo de inci-dência do art. 310 do Código Eleitoral há que considerar as várias causas determi-nantes de nulidade e anulabilidade consignadas nos arts. 220, 221 e 222 do CódigoEleitoral[...] A todas se liga uma consequência penal, conectada precisamente à hi-pótese moldada no artigo 310.”66

Marcos Ramayana agrega que “cumpre ao intérprete examinar se o mesário,v. g., agiu deliberadamente com a finalidade de causar a anulação dos votos”.

Se superado o óbice da recepção constitucional, trata-se de crime doloso, pró-prio de membro da mesa receptora de votos, que exige, para sua consumação, oresultado da anulação da votação. Dessa forma, admite tentativa. Na modalidade“praticar” é crime comissivo; na forma “permitir” é omissivo.

Não gera inelegibilidade por ser de menor potencial ofensivo.

 Art. 311. Votar em seção eleitoral em que não está inscrito, sal-

vo nos casos expressamente previstos, e permitir, o presidente da

mesa receptora, que o voto seja admitido:

Pena – detenção até um mês ou pagamento de 5 a 15 dias-multa

para o eleitor e de 20 a 30 dias-multa para o presidente da mesa.

65  Art. 311. Votar em seção eleitoral em que não está inscrito, salvo nos casos expressamente previstos,e permitir, o presidente da mesa receptora, que o voto seja admitido: Pena – detenção até um mês ou

pagamento de 5 a 15 dias-multa para o eleitor e de 20 a 30 dias-multa para o presidente da mesa.66   Direito Eleitoral, 4. ed., Forense, Rio de Janeiro, 1996.

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

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Crime doloso, próprio, material, comissivo e de menor potencial ofensivo, nãogerando inelegibilidade.

É crime próprio do eleitor. Ele deve votar exclusivamente no local previsto

em seu alistamento eleitoral, salvo admissão de voto em trânsito. O alistamen-to eleitoral serve também para a definição do eleitorado que pode manifestarsua preferência naquela determinada circunscrição. Alguém inscrito num Estadonão pode votar para governador, senador, deputado federal ou estadual de outracircunscrição, por exemplo. Além disso, esse voto em sede imprópria prejudicao controle da plenitude dos direitos políticos e da própria regularidade do voto,quando não é meio para fraude.

Há dois comportamentos descritos: o do eleitor que vota e o do presidente da

mesa receptora que o autoriza. Em ambos, exige-se o dolo. Não há crime diante deengano ou equívoco sobre a inscrição do eleitor.

O tipo traz um elemento normativo: “salvo os casos expressamente previstos”. Atualmente, só é possível votar fora da seção no caso de voto em trânsito.

Embora pareça crime de condutas convergentes (o eleitor que vota e o presi-dente de mesa que admite o voto), é possível que haja apenas um dos comporta-mentos. O eleitor pode valer-se de alguma ilusão ou expediente para votar naquelaseção e o presidente da mesa pode não se aperceber disso. Por outro lado, suponha-

-se que um eleitor por inadvertência votou numa seção estranha à sua e, ciente dis-so, o presidente da mesa admita o voto... Só ele responderá por esse crime!

 As penas de multa são diversas para o eleitor (5 a 15 dias) e para o presidenteda mesa (20 a 30 dias). É uma tentativa do legislador em dosar diferentemente asanção para as duas condutas, entendendo mais grave o comportamento do mesá-rio. Há de se constatar, porém, que essa diferenciação é ínfima e, certamente, nãoserve a nenhum propósito de tornar as penas proporcionais.

Não vemos incompatibilidade entre esse crime e a Constituição, embora, a nos-

so ver, seja outra daquelas figuras de ilícitos que poderiam restar apenas no âmbitoadministrativo, sem suficiente dignidade penal a ensejar sua criminalização.

É crime de menor potencial ofensivo, nos termos do art. 61 da Lei 9.099/95.

 Art. 312. Violar ou tentar violar o sigilo do voto:

Pena – detenção até dois anos.

Crime doloso, comum, material e de atentado, de menor potencial ofensivo,que não gera inelegibilidade.

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

O sigilo do voto é uma das garantias dadas ao eleitor. Ele não terá que justificar--se com terceiros pela escolha que fez, o que dificulta a prática de atos de coaçãoou oferta de favorecimentos. Em nosso sistema constitucional e legal, é do eleitor a

decisão de revelar, ou não, o sentido de seu voto, não se podendo compeli-lo a issode nenhuma maneira. Por igual, não é possível a adoção de nenhum procedimentoque permita, ao final, a descoberta da escolha do eleitor (salvo, evidentemente, sehouver unanimidade na preferência dos eleitores em uma mesma seção eleitoral).

 Trata-se de crime previsto originalmente no Código Eleitoral de 1932: “§ 20. Violarou tentar violar o sigilo do voto: Pena – seis meses a três anos de prisão celular eperda do cargo público que exerça.”

 A violação do sigilo é criminosa independentemente de qualquer tentativa demanipulação dos resultados. O segredo se mostra, ele mesmo, como bem jurídicotutelado, mencionado pelo art. 60, § 4º, da Constituição (as cláusulas pétreas).

 Trata-se de crime de atentado, ou seja, a ofensa ou a tentativa de ofensa ao bem jurídico consumam o delito. A conduta é dolosa e o crime pode ser praticado porqualquer pessoa. O verbo típico “violar” significa ter acesso indevido ao teor dovoto. Não há necessidade da divulgação desse teor a terceiros.

O crime está na obtenção ilícita do sentido do voto e não em sua divulgaçãoulterior. Se o eleitor conta a alguém em quem votou e essa pessoa, por inconfidên-cia, conta para terceiros, não há o crime. Da mesma forma, não incorre no crimequem divulga a informação obtida ilicitamente por outrem, exceto se houver con-curso de agentes.

É comportamento que pode ser praticado tanto em votações manuais como na-quelas em que se utiliza urna eletrônica. Se a finalidade do agente, todavia, for alémdo simples conhecimento do teor do voto, pretendendo, na verdade, alterá-lo ouimpedir seu cômputo, o crime será outro.67

 A vítima desse crime, como é inerente aos crimes eleitorais, é a sociedade. Oeleitor que teve seu voto revelado ou exposto a risco é, porém, vítima secundária.

É crime de menor potencial ofensivo, nos termos do art. 61 da Lei 9.099/95,não gerando, assim, inelegibilidade.

67  Ver art. 315 do Código Eleitoral ou, no caso das urnas eletrônicas, o crime do art. 72 da Lei 9.504/97:“Constituem crimes, puníveis com reclusão, de cinco a dez anos: I – obter acesso a sistema de tratamen-to automático de dados usado pelo serviço eleitoral, a fim de alterar a apuração ou a contagem devotos; II – desenvolver ou introduzir comando, instrução, ou programa de computador capaz de destruir,apagar, eliminar, alterar, gravar ou transmitir dado, instrução ou programa ou provocar qualquer outroresultado diverso do esperado em sistema de tratamento automático de dados usados pelo serviço elei-

toral; III – causar, propositadamente, dano físico ao equipamento usado na votação ou na totalização devotos ou a suas partes.”

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

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 Art. 313. Deixar o juiz e os membros da Junta de expedir o bo-

letim de apuração imediatamente após a apuração de cada urna

e antes de passar à subsequente, sob qualquer pretexto e ainda

que dispensada a expedição pelos fiscais, delegados ou candida-tos presentes:

Pena – pagamento de 90 a 120 dias-multa.

Parágrafo único. Nas seções eleitorais em que a contagem for

procedida pela mesa receptora incorrerão na mesma pena o pre-

sidente e os mesários que não expedirem imediatamente o res-

pectivo boletim.

Esse crime, que sancionava comportamentos propiciadores da fraude conheci-da como “mapismo”, foi revogado pelo art. 87 da Lei 9.504/97. 

 Art. 314. Deixar o juiz e os membros da Junta de recolher as cédu-

las apuradas na respectiva urna, fechá-la e lacrá-la, assim que ter-

minar a apuração de cada seção e antes de passar à subsequente,

sob qualquer pretexto e ainda que dispensada a providência pelos

fiscais, delegados ou candidatos presentes:Pena – detenção até dois meses ou pagamento de 90 a 120 dias-

-multa.

Parágrafo único. Nas seções eleitorais em que a contagem dos vo-

tos for procedida pela mesa receptora incorrerão na mesma pena

o presidente e os mesários que não fecharem e lacrarem a urna

após a contagem.

Crime doloso, próprio, omissivo, de condutas cumulativas, de menor potencialofensivo, que não gera inelegibilidade.

 A conduta omissiva e própria indicada nesse art. 314 impede a verificação dacontagem dos votos. Se não recolhidas as cédulas, não haverá como confrontar oresultado lançado nos mapas de votação; se ela não for fechada e lacrada, seu con-teúdo poderá ser alterado.

Haverá o crime desse art. 314 ainda que haja concordância dos fiscalizadores do

resultado, demonstrando a desconfiança legislativa em relação a acordos ou acertosfeitos no local das votações.

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

É crime omissivo próprio, doloso, não exigente, porém, de qualquer intençãoespecífica a presidir a vontade dos omitentes. Não depende a conduta da existênciade qualquer alteração no resultado da votação.

Com a adoção, cada vez em maior escala, das urnas eletrônicas, que dispensamas cédulas de votação individual, essa conduta teve reduzida a sua possibilidade deprática. Ela remanescerá somente onde não houver urna eletrônica ou não for utili-zada a urna eletrônica.

O dever jurídico de recolher as cédulas, fechar e lacrar a urna está dado, ori-ginalmente, pelo art. 183 do Código Eleitoral.68 Esse artigo, curiosamente, ampliao espaço típico do crime do art. 314 ao dizer que: “o descumprimento do dispostoneste artigo, sob qualquer pretexto, constitui o crime eleitoral do art. 314”. Vê-se,

assim, a tipicidade estendida também para o verbo “reabrir” a urna antes do trânsitoem julgado da diplomação.

Não basta omitir-se no cumprimento de um desses deveres. A existência do cri-me depende de: (i) não recolher as cédulas; (ii) não fechar a urna; (iii) não lacrar aurna. Apenas a figura da “reabertura” mostra-se comissiva e autônoma.

Na figura principal, indicada pelo art. 314, não admite tentativa, por ser crimeomissivo. Na figura estendida da reabertura da urna, por se tratar de crime comis-sivo, o conatus é possível.

Em todos os casos, é crime de menor potencial ofensivo, nos termos do art.61 da Lei 9.099/95, não gerando inelegibilidade, nos termos da Lei Complemen-tar nº 64/90.

 Art. 315. Alterar nos mapas ou nos boletins de apuração a votação

obtida por qualquer candidato ou lançar nesses documentos vota-

ção que não corresponda às cédulas apuradas:

Pena – reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa.

Crime doloso, comum, material, de maior potencial ofensivo, capaz de gerarinelegibilidade.

68  “Concluída a apuração, e antes de se passar à subsequente, as cédulas serão recolhidas à urna, sendoesta fechada e lacrada, não podendo ser reaberta senão depois de transitada em julgado a diplomação,

salvo nos casos de recontagem de votos. Parágrafo único. O descumprimento do disposto no presenteartigo, sob qualquer pretexto, constitui o crime eleitoral previsto no art. 314.

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

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Crime comum e doloso, representa a forma consumada do “mapismo”, a fraudeà vontade popular por meio da falsificação ideológica dos resultados colocados nosmapas, planilhas e boletins de apuração.69 As penas, reclusão de um a cinco anos,

além de multa, demonstram a gravidade relativa dessa conduta. A menção a “mapas” ou “boletins de apuração” não é restritiva do meio físico

onde se fará a inclusão ou consolidação desses dados, que podem perfeitamenteassumir forma eletrônica. Vale dizer, haverá o crime de mapismo se os dados fo-rem alterados em programas ou bancos de dados de computador da Justiça Eleito-ral. Alcança, indistintamente, votação por meio de cédulas ou por meio de urnaseletrônicas. No caso das cédulas, apuradas por meios eletrônicos, aplica-se esseart. 315 por disposição legal – Lei 6.996/82, “art. 15: incorrerá nas penas do art.315 do Código Eleitoral quem, no processamento eletrônico das cédulas, alterarresultados, qualquer que seja o método utilizado”.

No caso das urnas eletrônicas haverá concurso (formal ou material) com o cri-me do art. 72 da Lei 9.504/97,70 posto que para a alteração de dados o agente pre-cisará ter acesso ao programa da urna eletrônica ou dos computadores que fazem atotalização dos votos. Não há falar em “absorção” de um dos crimes pelo outro, poiso art. 72, que versa sobre condutas preparatórias, tem pena mais severa (cinco a dezanos) e não exige a produção do resultado.

Caso famoso de “mapismo”, envolvendo manipulação de dados de informáti-ca na totalização dos votos, foi o “Proconsult”, de 1982, que pretendia, suposta-mente, impedir a vitória do candidato Leonel Brizola ao governo do Rio de Janei-ro. A fraude foi obstada pela contagem paralela feita pelo partido político ao qualestava ligado o ex-governador.71

 A gravidade da pena privativa de liberdade não é correspondida pela sanção pe-cuniária, que se contenta com 15 dias-multa, no máximo.

69  Conduta já descrita no Código Criminal do Império: “Art. 102. Falsificar em qualquer eleição as listasdos votos dos Cidadãos, ou Eleitores, lendo nomes diversos dos que nellas estiverem, ou acrescentando,ou diminuindo nomes, ou listas; falsificar as actas de qualquer eleição. Penas – de prisão com trabalhopor seis mezes a tres annos, e de multa correspondente á metade do tempo.”70  Art. 72. Constituem crimes, puníveis com reclusão, de cinco a dez anos: I – obter acesso a sistemade tratamento automático de dados usado pelo serviço eleitoral, a fim de alterar a apuração ou a conta-gem de votos; II – desenvolver ou introduzir comando, instrução, ou programa de computador capaz dedestruir, apagar, eliminar, alterar, gravar ou transmitir dado, instrução ou programa ou provocar qualqueroutro resultado diverso do esperado em sistema de tratamento automático de dados usados pelo serviçoeleitoral; III – causar, propositadamente, dano físico ao equipamento usado na votação ou na totalização

de votos ou a suas partes.71  Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Caso_Proconsult>. Acesso em: 30 jan. 2012.

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

 Art. 316. Não receber ou não mencionar nas atas da eleição ou

da apuração os protestos devidamente formulados ou deixar de

remetê-los à instância superior:

Pena – reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa.72

Crime doloso, próprio e omissivo, de maior potencial ofensivo e gerador deinelegibilidade.

Em diversas passagens, o Código Eleitoral menciona protestos que podem serformulados por fiscais partidários, delegados, membros da mesa receptora de votos,órgão do Ministério Público etc., relativos à correção dos trabalhos de recepção eapuração de votos. Vejam-se os arts. 147,73 16574 e 169.75

É importante observar que o funcionamento do processo judicial eleitoral é in-formado pelo sistema de preclusões, no qual a falta de irresignação tempestiva emrelação a determinado ato impede seu exame ulterior. O protesto em face de irregu-laridades nas eleições tem a função de permitir o conhecimento posterior da alega-ção; sem ele, a matéria estará preclusa.76

No art. 154, III, h, é fixada, para o Presidente da Mesa Receptora de votos, atarefa de anotar, na ata dos trabalhos, os protestos e as impugnações apresentadospelos fiscais.

Se não houver registro na ata, ficará sem documentação e comprovação o in-conformismo dos fiscais, delegados, mesários e outros, obstando que estes levem aquestão para apreciação das instâncias da Justiça Eleitoral.

Esse objetivo – evitar a apreciação de problema pela instância eleitoral superior– fica evidenciado também na segunda parte da conduta criminosa, a que se refere adeixar de remeter os protestos devidamente formulados à instância superior.

72  Crime previsto já no Codigo Eleitoral de 1932: “Art. 107 – § 27. Deixar de mencionar nas atasos protestos formulados pelos fiscais, delegados de partido, ou candidatos ou deixar de remetê-los ao

 Tribunal Regional: Pena – seis meses a dois anos de prisão celular.”73  § 1º A impugnação à identidade do eleitor, formulada pelos membros da mesa, fiscais, delegados,candidatos ou qualquer eleitor, será apresentada verbalmente ou por escrito, antes de ser o mesmo ad-mitido a votar.74  § 2º  As impugnações fundadas em violação da urna somente poderão ser apresentadas até aabertura desta.75  À medida que os votos forem sendo apurados, poderão os fiscais e delegados de partido, assim comoos candidatos, apresentar impugnações que serão decididas de plano pela Junta.76  Veja-se: “1. A ausência de aparição da fotografia do candidato na urna eletrônica pode ser alegada nomomento da carga das urnas, nos termos do art. 9º da Resolução TSE nº 20.565/2000. Como constitui

problema na votação, deve ficar consignado na ata da seção, sob pena de preclusão – Impugnação neces-sária. […]” (TSE, Fernando Neves, Agr. Instr. nº 2943/SP, j. 22.11.2001).

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

75

O crime é próprio, praticável por aqueles que têm o dever legal de receber protestosrelacionados à regularidade da colheita dos votos ou de sua apuração (juízes eleitorais,mesários, membros da junta eleitoral), bem como o de remetê-los à instância superior.

Não se exige nenhuma finalidade específica do omitente, mas, se esta for pra-ticada no contexto do “mapismo”, sendo orientada para dificultar o conhecimentoe fiscalização de irregularidades apontadas, haverá consunção, se forem os mesmosos responsáveis por esse crime e pelo crime do art. 315.

 A pena de multa, de 5 a 15 dias, é desproporcional em relação à pena privativade liberdade (reclusão, de um a cinco anos).

Nos termos da Lei 9.504/97, art. 70: “O Presidente de Junta Eleitoral que dei-xar de receber ou de mencionar em ata os protestos recebidos, ou ainda, impedir

o exercício de fiscalização, pelos partidos ou coligações, deverá ser imediatamenteafastado, além de responder pelos crimes previstos na Lei nº 4.737, de 15 de julhode 1965 – Código Eleitoral.” No caso, tem-se esse crime do art. 316, ficando assen-tada a possibilidade de responsabilização do Presidente da Junta por esse crime.

 Art. 317. Violar ou tentar violar o sigilo da urna ou dos invólucros.

Pena – reclusão de três a cinco anos.

Crime doloso, de atentado, comum, de maior potencial ofensivo e gerador deinelegibilidade.

Esse crime não se confunde com o do art. 312. Ali se trata da violação ou ten-tava de violação de um único voto; aqui, da urna ou material que as proteja (invólu-cros). É por essa razão que as sanções são mais severas, neste tipo do art. 317 (trêsa cinco anos de reclusão, ao invés de detenção até dois anos).

 A lei não descreve a maneira pela qual se intentará a violação do sigilo, o quepermite a prática tanto em face de urnas comuns como de urnas eletrônicas.

Pode-se violar o sigilo mediante simples consulta não autorizada ao acervo dascédulas ou por um meio eletrônico qualquer que permita devassar o resultado cons-tante numa urna eletrônica.

Não se exige a alteração do resultado. Trata-se de crime que alcança atos prepa-ratórios para fraude à vontade popular, embora não se exija sua efetiva lesão.

 A intenção de alterar o resultado, porém, conduzirá a crimes diversos e maisgraves. Por exemplo, o art. 72 da Lei 9.504/97, relativo à urna eletrônica.77

77  Art. 72. Constituem crimes, puníveis com reclusão, de cinco a dez anos: I – obter acesso a sistema de

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

 Art. 318. Efetuar a mesa receptora a contagem dos votos da urna

quando qualquer eleitor houver votado sob impugnação (art. 190):

Pena – detenção até um mês ou pagamento de 30 a 60 dias-multa.

Crime doloso, próprio, material, de menor potencial ofensivo, que não gerainelegibilidade.

 A impugnação é procedimento de questionamento da regularidade da condiçãode algum votante. Cabe à junta eleitoral a resolução das impugnações, art. 195 doCódigo Eleitoral. Só após essa resolução se pode proceder à contagem de votos, nostermos do art. 173 do mesmo Código.

 A figura criminosa desse art. 318 sanciona a apuração anterior ao exame de

impugnação devidamente lançada na ata das eleições. É crime próprio, que só podeser praticado por integrantes das mesas receptoras encarregados da contagem dosvotos (escrutinadores).

Esse comportamento pode ser praticado em sequência àquele previsto no art.316 do Código Eleitoral, no qual não há o lançamento das impugnações formuladas.Haverá, in casu, crime continuado.

É crime de menor potencial ofensivo.

 Art. 319. Subscrever o eleitor mais de uma ficha de registro de umou mais partidos:

Pena – detenção até 1 mês ou pagamento de 10 a 30 dias-multa.

Crime doloso, próprio, material, de menor potencial ofensivo, que não gerainelegibilidade.

 A criação de um partido político supõe uma exigência mínima de apoio dos elei-tores. Nos termos do art. 7º, § 1º, da Lei Orgânica dos Partidos Políticos, esse apoia-mento mínimo deve ser de “meio por cento dos votos dados na última eleição geralpara a Câmara dos Deputados, não computados os votos em branco e os nulos, distri-buídos por um terço, ou mais, dos Estados, com um mínimo de um décimo por centodo eleitorado que haja votado em cada um deles”. O instrumento para a efetivação

tratamento automático de dados usado pelo serviço eleitoral, a fim de alterar a apuração ou a contagemde votos; II – desenvolver ou introduzir comando, instrução, ou programa de computador capaz de des-truir, apagar, eliminar, alterar, gravar ou transmitir dado, instrução ou programa ou provocar qualqueroutro resultado diverso do esperado em sistema de tratamento automático de dados usados pelo serviço

eleitoral; III – causar, propositadamente, dano físico ao equipamento usado na votação ou na totalizaçãode votos ou a suas partes.

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

77

desse apoio é a ficha de registro dos partidos, que será apresentada às instâncias da Justiça Eleitoral, conforme o art. 9º da lei mencionada: “§ 1º A prova do apoiamentomínimo de eleitores é feita por meio de suas assinaturas, com menção ao número do

respectivo título eleitoral, em listas organizadas para cada Zona, sendo a veracidadedas respectivas assinaturas e o número dos títulos atestados pelo Escrivão Eleitoral”.

Esse apoiamento não se confunde com a filiação. É apenas a sinalização de quea agremiação partidária que se pretende criar tem vínculos com o eleitorado.

O crime do art. 319 é a subscrição múltipla dessas listas de apoiamento. Podeser praticado em face do mesmo partido – várias assinaturas na lista de seu apoia-mento – ou diante de partidos diversos – o eleitor que, simultaneamente, “apoia” acriação de mais de um partido.

É crime próprio do eleitor. Quem o auxiliar nesse comportamento, obtendo suaassinatura, incidirá nas penas do art. 321.

 A pena ínfima cominada para a conduta – até um mês de detenção e multa –indica a conveniência de sua descriminalização. Mais adequado seria um sanciona-mento administrativo.

É crime de menor potencial ofensivo, nos termos do art. 61 da Lei 9.099/95.

 Art. 320. Inscrever-se o eleitor, simultaneamente, em dois ou mais

partidos:

Pena – pagamento de 10 a 20 dias-multa.

Crime doloso, de mão própria, material e de menor potencial ofensivo, que nãogera inelegibilidade. Indicativo de não recepção constitucional.

Esse crime é conhecido como “dupla filiação”, embora seja criminosa por iguala conduta da filiação plural, realizada em mais do que dois partidos. Não se exige

que o eleitor, no mesmo instante, se filie a dois ou mais partidos, mas que ele, jáestando filiando numa agremiação, filie-se também em outra, sem adotar as provi-dências para desvencilhar-se do primeiro vínculo.

É sobre esse aspecto – a desfiliação e nova filiação – que mais controvérsia foigerada por essa descrição típica. É que o art. 21 da Lei 9.096/95 exige que a desfi-liação seja objeto de dupla comunicação: “ Para desligar-se do partido, o filiado faz comu-

nicação escrita ao órgão de direção municipal e ao Juiz Eleitoral da Zona em que for inscrito.

 Parágrafo único. Decorridos dois dias da data da entrega da comunicação, o vínculo torna-se

extinto, para todos os efeitos.” Essa exigência tem sido considerada válida pela juris-prudência do Tribunal Superior Eleitoral: Resp 16.477-SP.

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

 Assim, somente se considera alguém desfiliado no prazo de dois dias contadosda entrega da comunicação à direção do partido e ao juiz eleitoral. Não é suficienteapenas a comunicação à direção partidária.

É muito comum que a segunda parte da exigência – a comunicação ao juiz elei-toral – não seja praticada. Desse modo, salvo se o próprio partido tiver a boa vonta-de de comunicar ao juiz eleitoral que tem um filiado a menos, os bancos de dados da

 Justiça Eleitoral continuarão a incluir o nome daquele eleitor como filiado ao antigopartido político. Se ele vier a se filiar em outro partido, aqueles dados apontarão adupla filiação, autorizando, em tese, a persecução penal do agente.

É rotineiro a prática de alguém realizar um procedimento dúplice ou “casado”,desfiliando-se de um partido para, no mesmo ato, filiar-se a outro. Nos termos do

art. 22 da Lei 9.096/95, Lei dos Partidos Políticos: “Quem se filia a outro partido deve fazer comunicação ao partido e ao juiz de sua respectiva zona eleitoral, para cancelar sua filia-

ção; se não o fizer no dia imediato ao da nova filiação, fica configurada dupla filiação, sendo

ambas consideradas nulas para todos os efeitos.”

Com razão Suzana de Camargo Gomes, quando aponta que: “Assim, no má-ximo até o dia imediato da segunda inscrição, deverá o eleitor cancelar a filiaçãoprecedente, sob pena de configuração do delito. É que até esse momento a lei lheoutorga o direito de proceder ao cancelamento da inscrição partidária anterior.”78

 Temos, porém, que a exemplo de tantos outros crimes do Código Eleitoral, estetampouco foi recebido pela Constituição de 1988. A escassa lesividade da conduta é si-nalizada pela fixação exclusiva da pena de multa. Além disso, muito mais grave do quea imposição de 20 dias-multa é a nulificação de ambas ou todas as filiações, impedindo,por exemplo, que aquele filiado dispute eleições, pois lhe faltará a condição de filiadopelo prazo de um ano antes do pleito, consoante exige o art. 11 da Lei 9.504/97.

Essa consequência, prevista na Lei 9.096/95, levou o Procurador Regional Elei-toral de São Paulo, Pedro Barbosa Pereira Neto, à elegante conclusão de que, aindaque se considere compatível com a Constituição esse tipo penal, ele não sobreviveuà alteração legislativa ulterior, pois a Lei dos Partidos Políticos se contentou com asanção administrativa-eleitoral.

 A Lei 12.891/2013, deu nova redação ao art. 22, parágrafo único, da Lei dosPartidos Políticos, 9.096/1995, segundo a qual: “Havendo coexistência de filiaçõespartidárias, prevalecerá a mais recente, devendo a Justiça Eleitoral determinar o can-celamento das demais.” Essa nova redação reforça o argumento da insubsistênciadeste crime de dupla filiação.

78  Crimes Eleitorais, 4. ed., Revista dos Tribunais, São Paulo, 2010, p. 120.

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

79

É crime de menor potencial ofensivo, que não gera inelegibilidade.

 Art. 321. Colher a assinatura do eleitor em mais de uma ficha de

registro de partido:Pena – detenção até dois meses ou pagamento de 20 a 40 dias-

-multa.

Crime doloso, comum, material, de menor potencial ofensivo, que não gerainelegibilidade.

É, na verdade, forma de auxílio material para o comportamento previsto no art.319, a subscrição, pelo eleitor, de mais de uma ficha de registro de partido político.

 Trata-se de uma exceção pluralista à teoria monista do concurso de agentes previstano art. 29 do Código Penal, segundo a qual quem concorre de alguma forma para ocrime incide nas penas a ele cominadas. A razão da separação pode se encontrar noslimites de pena: um mês de detenção no caso do art. 319 e dois meses, neste 321.

Dessa forma, há um crime para o eleitor e outro para quem colhe sua assinaturaem mais de uma ficha de registro partidário.

Vale para essa conduta o que foi dito para as dos arts. 319 e 320: falece-lhe dig-nidade penal. Urge sua descriminalização.

É crime de menor potencial ofensivo, nos termos do art. 61 da Lei 9.099/95.

 Art. 322

Revogado pela Lei 9.504/97.

 Art. 323. Divulgar, na propaganda, fatos que sabe inverídicos, em

relação a partidos ou candidatos e capazes de exercerem influên-

cia perante o eleitorado:79

Pena – detenção de dois meses a um ano, ou pagamento de 120 a

150 dias-multa.

Parágrafo único. A pena é agravada se o crime é cometido pela im-

prensa, rádio ou televisão.

79  Interessante dissertação de Mestrado apresentada por Fernando Gaspar Neisser na Faculdade deDireito da USP discute, especificamente, essa figura típica, concluindo o autor tratar-se de crime que nãosupera a exigência da subsidiariedade, sendo recomendável que a proteção do bem jurídico seja realizada

por meios extrapenais. Sobre a aplicabilidade deste cânone de verificação – a subsidiariedade – aos crimeseleitorais, ver, na primeira parte deste estudo, nosso posicionamento crítico.

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

Crime comum, de dolo direto, material e de menor potencial ofensivo, que nãogera inelegibilidade.

Essa é uma figura autônoma do Direito Eleitoral, que não encontra similar exa-

to na legislação penal comum, ao contrário das subsequentes figuras da calúnia, in- júria e difamação.

Será praticada por todo aquele que, na propaganda eleitoral, divulga fatos quesabe falsos, que apresentem potencial de interferir na formação da vontade do elei-torado. Não é crime próprio de candidato. Não se admite a figura do dolo eventual,pois a descrição típica indica claramente a necessidade de ciência, por parte do di-vulgador, da falsidade dos fatos que divulga.

Propaganda eleitoral é termo genérico que contempla três figuras: a propaganda

partidária (prevista na Lei dos Partidos Políticos, art. 45 da Lei 9.096/95), a intrapar-tidária, destinada à escolha dos candidatos pelos partidos políticos, em suas conven-ções (art. 36, § 1º, da Lei 9.504/97), e a propaganda eleitoral strictu sensu, feita para oconvencimento dos eleitores a escolherem determinado candidato ou partido. Podeser feita no rádio e televisão (propaganda gratuita) ou pelos meios permitidos pela Lei9.504/97, a saber, santinhos, panfletos, comícios, faixas, cartazes, jornais etc.

O tipo legal fala em divulgar “na propaganda”. Surge então a dúvida se a refe-rência é a alguma das modalidades de propaganda ou se alcança todas. Nosso en-tendimento é de que não cabe distinguir onde a lei não o fez. Se ela pretendesse

restringir o alcance típico, o teria feito. Dessa forma, a divulgação de fatos inverídi-cos, quer na propaganda partidária, quer na intrapartidária ou na eleitoral comum,perfazerá o crime.

Questão diversa se refere à propaganda legalmente strictu sensu, autorizada so-mente após o dia 5 de julho do ano eleitoral. Se a propaganda direcionada aos elei-tores for realizada antes dessa data e, ademais, divulgar fato inverídico, haverá ocrime? Ou ele apenas se conforma se a divulgação se der após o início autorizado?

 A nosso ver, não faria sentido sancionar a mentira no período autorizado de

propaganda e deixar de fazê-lo quando a conduta é cumulada com outra irrregulari-dade, a saber, a antecipação proibida.80 Um argumento de interpretação sistemáticaem favor desse ponto de vista é a redação do seguinte art. 324, que fala de calúnia“na propaganda eleitoral ou visando fins de propaganda”. Essa distinção permiteconsiderar que o termo “propaganda” utilizado por este art. 323 é compreensivo deambas as situações.

80  Também nesse sentido, Suzana de Camargo Gomes, Crimes Eleitorais, 3. ed., 2008, Revista dos Tribu-nais, São Paulo, p. 178.

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

81

O importante é assentar que se trata de expediente eleitoral ilícito, praticadono bojo de ações que procurem induzir o voto num candidato ou inibir o voto nou-tros. Dessa forma, não há crime se as eleições já terminaram, pois aí não haveria

propaganda com a finalidade de obtenção de voto, mas pode ocorrer se houver umato inequívoco de propaganda eleitoral.

Os fatos divulgados não precisam ser ofensivos à honra objetiva ou subjetiva docandidato ou partido, basta que tenham capacidade de influenciar o pleito eleitoral.

Imagine-se, por exemplo, a divulgação falsa de que determinado candidatotem um largo patrimônio, quando este procura obter apoios eleitorais invocandosua condição humilde. Não é ofensivo à honra dizer que alguém é rico, mas essainformação falsa passará, para o eleitorado, a impressão de que o candidato é in-

sincero ou demagógico.Por esse prisma, a conduta do art. 323 aproxima-se mais dos crimes de falso do

que dos crimes contra a honra. Daí a exigência de potencialidade lesiva, no caso, aaptidão para influenciar o eleitorado.

 Todavia, a necessidade de indicação de um “fato” não verdadeiro faz esse crimeparecer com figuras protetivas da honra objetiva, pois não se trata da imputação deuma condição, defeito ou demérito, mas da invenção ou aproveitamento de uma in-formação mentirosa, relativa a um evento situado no tempo e no espaço.

Essa parecença com crimes contra a honra é importante para a interpretaçãodesse tipo penal. As eleições são um momento para o debate franco e, comumen-te, áspero e apaixonado, entre os disputantes. É imenso o espaço para controvér-sias, que podem se referir ao alcance, extensão, valoração ou efeito de determi-nados eventos. A verdade eleitoral pode não ser equivalente a outras verdades,defendidas ou imaginadas em situações diversas. Nesse contexto, a proteção pe-nal trazida pelo art. 323 se destina à adequada formação da opinião do eleitorado,que poderia ser abalada com a divulgação de fatos materialmente mentirosos. Nãosubstitui o direito dos disputantes ou de terceiras pessoas de oferecerem a suaversão sobre fatos, desde que existentes.81 

81  No Resp nº 35977/SP, Rel. Min. Felix Fischer, j. 15.10.2009, o TSE analisou a questão da opiniãodesfavorável, emitida por órgão de imprensa escrita, em face de candidato. Conclui que “[...] 3. Na espé-cie, os textos jornalísticos publicados na imprensa escrita não eram matérias pagas, razão pela qual aindaque tivessem eventualmente divulgado opiniões sobre candidatos não podem ser caracterizados comopropaganda eleitoral, impedindo, por consequência, a tipificação do crime previsto no art. 323 do Código

Eleitoral”. A nosso ver, a crítica política ou jornalística não atrai a tipicidade deste art. 323, sendo ou nãopaga a matéria que a veicula. Desde que não traga fatos subjetivamente sabidos falsos.

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

Para essa finalidade, as sanções previstas são claramente insuficientes – deten-ção de dois meses a um ano e multa. Tivemos ocasião de ver um fato mentiroso, masapresentado com verossimilhança, tornar-se decisivo para a vitória de um candida-

to. Quando descoberta a verdade, as eleições já haviam sido concluídas e o candida-to beneficiado pela fraude já ocupava, sem legitimidade, o seu cargo.

Se o fato mendaz for acompanhado de documentos falseados material ou ideo-logicamente, haverá concurso entre esse crime do art. 323 e o do art. 348 ou 349, adepender se o documento é público ou particular.

 A pena é agravada se a divulgação se dá pela imprensa, rádio ou televisão. Nãohavia como o legislador de 1965 imaginar que, hodiernamente, a Internet se mos-traria um meio bem mais adequado e lesivo para a divulgação de mentiras de toda a

ordem. Esse crime não é alcançado pela causa de aumento de pena prevista no art.327, que se refere exclusivamente aos crimes de calúnia, injúria e difamação eleito-rais, arts. 324, 325 e 326.

Eventual concessão de direito de resposta não produz efeitos penais.82

É crime de menor potencial ofensivo, nos termos do art. 61 da Lei 9.099/95,não gerando, destarte, inelegibilidade.

 Art. 324. Caluniar alguém, na propaganda eleitoral,83 ou visando

fins de propaganda, imputando-lhe falsamente fato definido comocrime:

Pena – detenção de seis meses a dois anos, e pagamento de 10 a

40 dias-multa.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem, sabendo falsa a imputação,

a propala ou divulga.

§ 2º A prova da verdade do fato imputado exclui o crime, mas não

é admitida:

I – se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofen-

dido, não foi condenado por sentença irrecorrível;

II – se o fato é imputado ao Presidente da República ou chefe de

governo estrangeiro;

82  “[...] 1. O deferimento do direito de resposta e a interrupção da divulgação da ofensa não elidem aocorrência dos crimes de difamação e de divulgação de fatos inverídicos na propaganda eleitoral, tendoem vista a independência entre as instâncias eleitoral e penal” (TSE, RHC nº 761681/RS, Rel. Min. Nan-

cy Andrigui, j. 17.5.2011).83  Ver comentários sobre o crime anterior, art. 323, onde se discute o que significa “propaganda”.

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

83

III – se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi

absolvido por sentença irrecorrível.

Crime comum, doloso, material e de menor potencial. A figura básica (sem oaumento de pena) é de menor potencial ofensivo e não gera inelegibilidade.

Calúnia é crime contra a honra objetiva de alguém, consistente na falsa imputaçãode fato criminoso. A honra objetiva é o conceito que alguém usufrui na sociedade, avisão de terceiros sobre alguém, que pode ser malferido diante da imputação mentiro-sa de fato criminoso (e, assim, potencialmente grave) em face de pessoa determinada.

O fato não é uma qualidade negativa, defeito ou condição, mas ocorrência nomundo fenomênico, identificável por local, tempo, modo e duração. Não é calúnia

dizer que alguém é ladrão (pode ser injúria), mas será a imputação falsa de que al-guém, na data tal e no local “x”, roubou os cofres públicos.

Se o fato for meramente desabonador, não haverá calúnia, mas difamação. A ca-lúnia exige que o fato esteja “definido como crime”, a saber, seja típico.

 A calúnia eleitoral agrega dois elementos especializantes em face da calúniacomum, do Código Penal, a saber: (i) seu emprego na propaganda eleitoral – cir-cunstância temporal; ou (ii) visando fins de propaganda – o dolo específico. Fora detal contexto, a proteção será a da honra da pessoa ofendida e o crime será do Códi-

go Penal e da competência da justiça comum. Não se exige a concomitância desseselementos:84 o crime pode ser realizado na propaganda eleitoral, ainda que sem fi-nalidade eleitoral e vice-versa.

O crime eleitoral protege também a honra da pessoa ofendida, mas principal-mente, o respeito às regras do debate eleitoral, com uma pauta mínima de urbani-dade exigida dos candidatos. Essa é a justificativa, que nunca nos convenceu, parafazer dessas condutas crimes de ação penal pública incondicionada, transformandoo Ministério Público Eleitoral em árbitro da honra alheia e tirando da vítima direta

qualquer possibilidade de dispor sobre a realização do inquérito e do processo. Trata-se de crime doloso, direto ou eventual, exigente de finalidade específica,

conhecida como “animus diffamandi vel injuriandi”, a saber, o desiderato de ofendera honra de alguém e não somente o de criticar, debater ou divergir da conduta deoutra pessoa. A descoberta dessa especial finalidade de agir deve considerar as

84  Nesse sentido, decisão do TSE no AgrR-REspe nº 35.322, rel. Min. Joaquim Barbosa: “[...] a alegaçãode que o tipo do art. 324 do Código Eleitoral exige sempre a finalidade da propaganda eleitoral não se

sustenta. A simples leitura do dispositivo esclarece qualquer dúvida: a calúnia estará caracterizada quan-do ocorrer ‘na propaganda eleitoral’, ou visando fins de propaganda”.

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

características próprias do embate eleitoral, no qual a crítica acerba, apaixona-da, ideologicamente interessada e valorativa é não apenas comum, mas desejável.Dessa maneira, não há crime quando se atribuiu ilicitude a fatos efetivamente

existentes, numa aproximação valorativa. Por outro lado, será criminosa a imputa-ção se o fato não existiu ou se foi praticado por outra pessoa. É calúnia eleitoral di-zer, durante a campanha, falsamente, que o candidato adversário desviou milhõesde reais da prefeitura em determinado período, num negócio determinado, masnão será crime atribuir o caráter de desvio de recursos a obra suntuária realizadapor um administrador público.

É crime comum. Pode ser praticado por qualquer pessoa e não exclusivamentepor um candidato ou correligionário.

Pune-se a conduta do emissor da imputação e, também, a daquele que conhe-cendo o seu teor mentiroso, a divulga ou propala. À evidência, essa conduta nãopode ser atribuída à emissora de rádio ou televisão ou ao veículo de comunicaçãosocial – inclusive por meio de internet – que simplesmente noticia a ofensa. Tem-seaqui a primazia da liberdade de imprensa. A figura típica é daquele que, sabendodiretamente da falsidade da imputação, a dissemina com idêntico intuito de ofen-der a honra objetiva da vítima direta. Exige-se dolo direto nessa modalidade típica.

 A vítima da imputação pode ser qualquer pessoa, e não exclusivamente o can-didato, desde que a imputação vise interferir ou influenciar o processo eleitoral ouseja realizada na propaganda eleitoral.85 Esse alguém não precisa, porém, ser pessoafísica, pois a Constituição, ao permitir a responsabilidade penal da pessoa jurídica,abriu a possibilidade de que esta também tivesse uma “honra objetiva” a ser tutela-da. Não está prevista a calúnia contra os mortos, como faz o Código Penal.

Se a imputação for proferida de modo a propiciar investigação policial, processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de im-probidade administrativa, além da calúnia eleitoral ocorrerá também o crime de de-nunciação caluniosa, de competência da Justiça Comum, que de nenhuma maneira

ficará absorvido pelo crime eleitoral.É conduta equiparada à calúnia a divulgação da imputação, feita por quem a

sabe igualmente falsa.

 Admite-se a exceção da verdade, exceto: “I – se, constituindo o fato imputado crimede ação privada, o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível; II – se o fato éimputado ao Presidente da República ou chefe de governo estrangeiro; III – se do crimeimputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível”.

85  No acordão do TSE no AgrR-REspe nº 35.322, rel. Min. Joaquim Barbosa, acima citado, a vítima eraa juíza eleitoral.

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

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 A hipótese sub “II” é claramente inconstitucional, pois cria para a figura do Presidenteda República privilégio incompatível com o sistema republicano, no qual todos, e commais força, os administradores públicos, devem responder por seus atos.

 A ofensa à honra do Presidente da República, mesmo quando em campanhaeleitoral, poderá implicar em crime contra a Segurança Nacional, conforme o art. 26da Lei 7.170, de 1983.86 Isso só ocorrerá, porém, se o desiderato do ofensor se voltarcontra “I – a integridade territorial e a soberania nacional, II – o regime representa-tivo e democrático, a Federação e o Estado de Direito”, conforme disposto pelo art.2º da mesma lei de segurança.87 

 A distinção não é complexa: se a ofensa se inserir no ambiente do debate polí-tico-eleitoral – e não num contexto de movimento sedicioso ou revolucionário –, ocrime será o do Código Eleitoral. Até porque as penas previstas na Lei 7.170/83 sãobem mais severas.

 A antiga Lei de Imprensa, nº 5.250/67, que também trazia condutas contra ahonra, não foi recebida pela Constituição Federal de 1988, nos termos da ADPF130/DF, Rel. Min. Ayres Britto, publicada no DJ  de 6.11.2009.

É crime de menor potencial ofensivo, nos termos do art. 61 da Lei 9.099/95,em sua conformação básica, assim não gerando inelegibilidade. Se incidir a causa deaumento do art. 327, porém, o crime será de maior potencial ofensivo, permitindoa geração da inelegibilidade por condenação proferida por órgão colegiado, ou se

houver trânsito em julgado.

 Art. 325. Difamar alguém, na propaganda eleitoral,88 ou visando a

fins de propaganda, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:

Pena – detenção de três meses a um ano, e pagamento de 5 a 30

dias-multa.

Parágrafo único. A exceção da verdade somente se admite se ofen-

dido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de

suas funções.

86  Art. 26. Caluniar ou difamar o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos De-putados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo àreputação. Pena: reclusão, de 1 a 4 anos. Parágrafo único – Na mesma pena incorre quem, conhecendo ocaráter ilícito da imputação, a propala ou divulga.87  Art. 2º Quando o fato estiver também previsto como crime no Código Penal, no Código Penal Militarou em leis especiais, levar-se-ão em conta, para a aplicação desta Lei: I – a motivação e os objetivos do

agente; II – a lesão real ou potencial aos bens jurídicos mencionados no artigo anterior.88  Ver comentários sobre o crime anterior, art. 323, onde se discute o que significa “propaganda”.

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

Crime comum, doloso, formal, de menor potencial ofensivo, que não gera ine-legibilidade.

 A difamação ofende a honra objetiva de alguém, ou seja, o conceito que essa

pessoa goza no meio social. A exemplo da calúnia, exige a divulgação de fato deter-minado ofensivo à reputação da vítima, não se caracterizando quando há imputaçãode defeito, vício ou qualidade negativa. Nesse último caso, haverá injúria. Se o fatodeterminado for previsto como crime, será calúnia.

 Aspecto interessante é que o tipo penal não exige que o fato imputado sejafalso, contentando-se, aparentemente, com a ofensividade à reputação. Em tese, adivulgação de fato verdadeiro poderia caracterizar o crime. Pensamos, todavia, demodo diverso, especialmente diante das características próprias do debate e dascampanhas eleitorais. Ainda que, no Código Penal, não se exija caráter mentiroso

no fato imputado, a criminalização eleitoral não pode disso prescindir. É por meiodas eleições que se dá a escolha dos representantes que exercerão o poder em nomedo povo. As campanhas e debates eleitorais devem se prestar ao mais amplo escla-recimento do eleitorado sobre as propostas, qualidades e defeitos dos candidatos,não sendo possível tolhê-los, ou a terceiros, na divulgação de fatos verdadeiros quepossam contraindicar sua escolha pelo eleitorado. Fatos e comportamentos de índo-le privada que, na vida comum de relação, não se deve expor, nem se pode censurarpublicamente, consistem em válido objeto de interesse para eleitores e adversários.

É menor a proteção da privacidade e da intimidade de quem se lança a um car-go público eletivo. Saber, por exemplo, se o candidato é noctívago ou caseiro, se eleé frugal ou gastador, que lugares frequenta e na companhia de quem ele anda não éabusivo em termos de campanha eleitoral.

 A divulgação de um fato desabonador, não criminoso, mas verdadeiro, atendeao interesse público na máxima transparência daquele que pretende ocupar cargoseletivos. Sim, as campanhas eleitorais aceitam até “fofocas e mexericos”, desde queos fatos sejam verdadeiros.

Conclui-se que somente haverá difamação eleitoral quando houver imputação

falsa de fato a alguém, na propaganda eleitoral ou com fins eleitorais. Não haverácrime se o fato é verdadeiro.89 

 A limitação da exceção da verdade à condição de funcionário público da vítimaé inconstitucional, pois deixa em tutela o direito de todos ao mais amplo debate ediscussão nas eleições, impedindo que os eleitores façam escolhas informadas.

89  Trata-se de matéria polêmica. Suzana de Camargo Gomes, por exemplo, pensa diferentemente:“Não importa se o fato imputado corresponde ou não à realidade, se é falso ou verdadeiro, posto quea norma penal vista, na espécie, coibir a atitude daqueles que se arvoram em censores dos demais,

posto que isto representaria um risco à paz social” (Crimes Eleitorais, Revista dos Tribunais, 3. ed., SãoPaulo, 2008, p. 189-190).

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

87

 A difamação eleitoral é crime comum, que pode ser praticado mesmo porquem não é candidato. A despeito de ser a hipótese mais comum nas campanhaseleitorais, a vítima direta da ofensa não precisa ser candidata. Pode ser qualquer

pessoa. O que se exige é a finalidade eleitoral, mas esta pode se voltar contra pes-soa que seja, por exemplo, influente na formação da opinião do eleitorado ou ob- jeto de crítica ou apoio por outro candidato. Nesse sentido, decisão do TSE no HC187635 – MG, de 14.12.2010.90 

 A vítima da difamação pode ser pessoa jurídica, a qual se pode falsamente im-putar fato ofensivo à reputação. Damos notícia de denúncia criminal que um dia for-mulamos, na condição de Procurador Regional Eleitoral de São Paulo, por difamaçãoem detrimento de partido político, afinal recebida pelo Tribunal Superior Eleitoral.91

O bem jurídico tutelado é a lisura do pleito eleitoral e não apenas a honra davítima direta. Essa é a justificativa, que nunca nos convenceu, para fazer dessaconduta crime de ação penal pública incondicionada, como na calúnia e na injú-ria eleitorais, transformando o Ministério Público Eleitoral em árbitro da honraalheia e tirando da vítima direta qualquer possibilidade de dispor sobre a realiza-ção do inquérito e do processo.

O crime é doloso e exige especial inclinação da vontade, no sentido de produzirefeitos eleitorais. Daí a exigência legal de que a conduta seja praticada na propagandaeleitoral ou visando fins eleitorais. Se a ofensa não se revestir dessa característica, ocrime será a difamação comum, do Código Penal. Outrossim, não se exige que a fina-lidade eleitoral seja direta ou exclusiva. A imputação falsa pode ter objetivos diversos.

O direito de resposta, se a invectiva tiver ocorrido na propaganda eleitoral gra-tuita, não elide a responsabilização criminal (TSE, RHC nº 761681/RS, Rel. Min.Nancy Andrighi, j. 17.5.2011).

Sobre a difamação repetimos o dito no estudo da calúnia: quando a vítima foro Presidente da República (ou Ministro do Supremo Tribunal Federal), o crime serácontra a segurança nacional, Lei 7.170/83, se o ânimo do agente for sedicioso ourevolucionário e não eleitoral.

90  “1. Para a tipificação dos crimes de difamação e injúria eleitorais, previstos nos arts. 325 e 326 do Có-digo Eleitoral, não é preciso que a ofensa seja praticada contra candidato, uma vez que a norma descreveas condutas de difamar e injuriar alguém, sem especificar nenhuma qualidade especial quanto ao ofendi-do. 2. O que define a natureza eleitoral desses ilícitos é o fato de a ofensa ser perpetrada na propagandaeleitoral ou visar a fins de propaganda. 3. Na espécie, as ofensas foram veiculadas na propaganda eleitoralpor rádio, o que determina a competência da Justiça Eleitoral para apurar a prática dos delitos tipificados

nos arts. 325 e 326 do Código Eleitoral. [...]” (Rel. Min. Aldir Passarinho).91  Respe nº 36.671.

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 Ao contrário do que ocorre na calúnia, não há o tipo de propalar ou divulgar aofensa.

É crime de menor potencial ofensivo, nos termos do art. 61 da Lei 9.099/95,

não gerando inelegibilidade.

 Art. 326. Injuriar alguém, na propaganda eleitoral,92 ou visando a

fins de propaganda, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

Pena – detenção até seis meses, ou pagamento de 30 a 60 dias-

-multa.

§ 1º O juiz pode deixar de aplicar a pena:

I – se o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente ainjúria;

II – no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.

§ 2º Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua

natureza ou meio empregado, se considerem aviltantes:

Pena – detenção de três meses a um ano e pagamento de 5 a 20

dias-multa, além das penas correspondentes à violência prevista

no Código Penal.

Crime doloso, comum, formal, de menor potencial ofensivo, que não gera ine-legibilidade.

 A injúria ofende a honra subjetiva da vítima direta, isto é, o conceito que a pes-soa tem de si mesma. Por essa razão, ela não é perpetrada pela indicação de fatos,mas de qualidades negativas, defeitos, vícios, aspectos da personalidade, condição,situação, aparência ou modo de vida de alguém, entre outros critérios que podemser lembrados na hora da ofensa.

Damásio de Jesus aponta que dignidade é o sentimento próprio a respeito dosatributos morais; decoro, o sentimento relativo aos atributos físicos e intelectuais.93

 As imputações injuriosas podem ser falsas ou verdadeiras. Chamar alguém decovarde é injurioso ainda que essa pessoa o seja; chamá-lo de vagabundo é injúriaainda que a pessoa nem trabalhe nem goste de fazê-lo. O mesmo para “gordo”, “ca-

92

  Ver comentários sobre o crime anterior, art. 323, onde se discute o que significa “propaganda”.93   Direito Penal, 3. ed., 1991, Saraiva, São Paulo, p. 197.

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

89

reca”, “mentiroso”, “falso”, “traidor”, “bundudo”, “irresponsável” ou seja lá o epí-teto que se preferir.

É por essa razão que a injúria não admite exceção da verdade.

 A injúria supõe sempre a intenção deliberada de ofender, o “animus diffamandi

vel injuriandi”, daí não se conformar quando é diverso o escopo do agente, como sedá na crítica, na repreensão, no exame ou avaliação, na análise despersonalizada daqualidade de algum procedimento, trabalho ou resultado.

 A exemplo dos demais crimes contra a honra previstos na lei eleitoral, a injú-ria se faz acompanhar de uma versão genérica, prevista no Código Penal.94 Sua ca-racterização depende da existência de uma orientação eleitoral como motivadorada ofensa, o que o tipo penal traduz pelos elementos de contexto – a propaganda

eleitoral – ou finalidade, os fins de propaganda. Ausentes esses característicos, ocomportamento ganhará a tipicidade genérica do Código Penal. A dignidade e odecoro mencionados na descrição típica devem assumir, destarte, contornos elei-torais. Assim, não é suficiente a imputação de qualidades negativas de espectromoral – dignidade – ou comportamental – decoro. Tudo isso deve, de alguma for-ma, repercutir no contexto eleitoral.

 A injúria eleitoral, todavia, se situa no ambiente da disputa entre os candida-tos, nos quais é enorme o lugar da crítica acerba, da indicação de vícios, defeitos,

características ou insuficiências dos adversários, como argumento para pleitearo voto. Dessa forma, há que se mover com extremado cuidado para evitar que, apretexto de proteger a honra subjetiva de alguém, cercear o debate eleitoral, im-prescindível como instrumento de esclarecimento do eleitorado. Epítetos que fa-cilmente seriam considerados injuriosos em ambiente diverso do eleitoral, nestereceberão aceitação. Não haverá injúria, por exemplo, se um candidato se referira outro como sendo “despreparado” ou “incompetente”, maneira indireta de cha-mar, para si, as qualidades opostas (preparo e competência). Mesmo termos emtese muito ofensivos, como “ladrão” ou “corrupto”, podem encontrar, nesse espa-

ço de debate franco e direto, campo de justificação. O exame do caráter injuriosode alguma imputação deve, portanto, ser feito “cum granus salis”.

Sem embargo, há situações nas quais o caráter injurioso de uma afirmação serámais facilmente evidenciado. Nenhum ambiente eleitoral é escusa para chamar al-guém de “corno”, “adúltero”, “pedófilo”, “imbecil” ou “palhaço” ou “prostituta”.São imputações inaceitáveis mesmo no campo de batalha eleitoral.

94  A injúria não tem correlato na Lei de Segurança Nacional, nº 7.170/83, ao contrário da calúnia e dadifamação.

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 A propósito, a injúria não se restringe à comunicação verbal ou escrita. Pode sercaracterizada por gestos ou sinais de incontroverso caráter ofensivo, como o dedomédio em riste, por exemplo.

Daí o desacerto da estatuição também desse crime como sendo de ação penalpública incondicionada. Mais do que na calúnia ou na difamação, que exigem a in-dicação de fato determinado, na injúria é a vítima direta o melhor juiz do caráterofensivo e da inaceitabilidade de alguma afirmação ofensiva feita com finalidadeeleitoral. Deixar isso ao Ministério Público Eleitoral é dar-lhe a inexistente facul-dade de perscrutar a alma da vítima direta para saber se esta foi ofendida de formasuficiente ou não.

Houve caso no qual, na condição de Procurador Regional Eleitoral de São Paulo,este autor promoveu ação penal em face de candidato que, num palanque com larga

assistência, afirmou que seu adversário era “corno” e “não sabia quem era o pai deseus filhos”. Convicto de que, nessas imputações, havia o teor de excepcionalidadeapto ao reconhecimento da tipicidade do fato, ofereceu denúncia. Qual não foi suasurpresa, porém, pouco tempo depois, ao ver a vítima direta peticionar nos autospara dizer que “perdoava” o ofensor vez que este, afinal eleito, ofereceu ao injuriadoum cargo na administração municipal!

Sem ignorar que o objeto jurídico tutelado por esse crime não é, exclusivamen-te, a vítima direta da ofensa, mas a lisura do processo eleitoral, propõe-se, de lege

 ferenda, que esse crime, como os outros contra a honra no contexto eleitoral, seja deação penal privada ou pública mediante representação.

 As mesmas razões que presidem o exame cauteloso da compatibilidade daofensa com o ambiente diferenciado das disputas eleitorais devem presidir o exa-me do perdão judicial, trazido pelo § 1º deste art. 326. A provocação reprovável doofendido ou a retorsão imediata não precisam da imediatidade física ou do curtís-simo hiato temporal que são exigidos na injúria comum, do Código Penal. Elas de-vem ser analisadas no contexto da campanha eleitoral. Assim, a provocação pode tersido feita num comício de determinado candidato e a retorsão vir no primeiro co-

mício realizado pela vítima, embora dias depois. Por igual, o panfleto ofensivo podese mostrar uma provocação suficiente para que a resposta venha noutro panfleto,igualmente ofensivo, mas posterior.

 Aceita essa configuração, a retorsão da injúria é muito comum nas campanhaseleitorais.

Critica-se, aqui, a solução legislativa do perdão judicial, posto que este terá lu-gar apenas ao final do processo, no momento de prolação da sentença do órgão judi-cial. Na prática, evidenciadas essas circunstâncias, nem se oferta a denúncia.

O § 2º

 do dispositivo traz a injúria “real” eleitoral, ou seja, aquela que não secontenta com imputações verbais, visuais ou gestuais, mas avança para o contato

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

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físico violento. A ofensividade desse contato virá da sua natureza ou meio empre-gado, demonstradores da intenção de aviltar a honra alheia. Exemplifica-se com ochute nas partes traseiras, o tapa na cara, o arremesso de frutas podres ou dejetos,

desde que aptos, ao menos em tese, a gerar molestamento físico. Também na injú-ria real eleitoral, a disposição legal determina o cúmulo material entre a injúria e aviolência produzida. Vale dizer, é possível que o agente responda pelo crime do art.326 do Código Eleitoral e por lesões corporais (ou a morte da vítima, o que podeocorrer em casos extremados).

 A vítima direta da ofensa não precisa ser candidato. Pode ser qualquer pessoa(TSE, HC 187635 – MG, de 14.12.2010, Rel. Min. Aldir Passarinho).

Cabe lembrar que as pessoas jurídicas não são titulares de honra subjetiva, só

objetiva. Não podem ser vítimas desse crime.Os limites de pena – detenção de três meses a um ano e multa – apresentam-se

claramente insuficientes. Não logra “formalizar” as disputas e controvérsias com oauxílio do Poder Judiciário, parecendo antes incentivar a vingança privada.

É crime de menor potencial ofensivo, nos termos do art. 61 da Lei 9.099/95.

 Art. 327. As penas cominadas nos artigos 324, 325 e 326, aumen-

tam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido:

I – contra o Presidente da República ou chefe de governo estran-

geiro;

II – contra funcionário público, em razão de suas funções;

III – na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a di-

vulgação da ofensa.

 A causa de aumento de pena (que não alcança a divulgação de fato inverídico,

art. 323) incide sobre situações diferenciadas, as duas primeiras relativas ao exercí-cio de determinado cargo (Presidente da República ou chefe de governo estrangeiro)e a terceira pela circunstância facilitadora da divulgação da ofensa.

Para nós, falece razoabilidade às duas primeiras, que vemos como não recebidaspela Constituição Federal de 1988. Elas são fruto do tempo no qual entrou em vigor oCódigo Eleitoral: o regime militar de exceção, inaugurado com o golpe de 1964. Evi-dentemente, todas as pessoas são titulares da honra objetiva e subjetiva e não poderiaser diferente com altos dignitários e funcionários públicos. O que não se justifica é

que a pena seja maior se a ofensa for destinada a eles. Cumpre lembrar que se trata decrimes praticados “na campanha eleitoral ou visando a fins de propaganda”. O aumen-

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

to de pena parece uma tentativa de coibir o direito à crítica acerba, perfeitamente cabí-vel em relação ao Presidente da República. Tanto mais quando este, à luz da EmendaConstitucional nº 17, granjeou o direito de disputar a própria reeleição.

Da mesma maneira, os funcionários públicos são merecedores de respeito e ti-tulares do direito à honra, mas não se justifica que, na campanha eleitoral, sejammais bem protegidos que as demais pessoas. Cabe lembrar que nos termos da Lei9.504/97 há um acervo de “condutas vedadas”, situações nas quais o serviço públi-co é direcionado para a consecução de interesses privados eleitorais.

 Já o inciso III do artigo em estudo, ao aumentar a pena quando a imputação é feitade modo a facilitar sua divulgação, atende ao escopo válido, diante da maior lesividade

da conduta assim praticada. Sem embargo, conquanto perfeitamente aplicável, tem-seque as ofensas realizadas na campanha eleitoral ou com fins de propaganda eleitoral sãoinerentemente endereçadas à mais ampla divulgação... Os locais próprios para o seucometimento são os comícios, a propaganda gratuita no rádio e na televisão, os panfle-tos distribuídos aos eleitores etc. Vale dizer, mais técnico teria sido, desde logo, preversanção mais severa para esses crimes já no preceito secundário de cada um deles, semnecessidade de se socorrer de causa de aumento que será aplicável quase sempre.

 A calúnia eleitoral, com aumento de pena, deixa de ser crime de menor potencial

ofensivo, pois sua pena será maior do que os dois anos admitidos pela Lei 9.099/95.Será, assim, capaz de gerar a inelegibilidade prevista na Lei Complementar nº 64/90,ainda que a condenação não tenha transitado em julgado. Basta que o decisum advenhade órgão colegiado para que o condenado se torne inelegível por oito anos.

 Art. 328

Revogado pela Lei 9.504/97

 Art. 329Revogado pela Lei 9.504/97

 Art. 330. Nos casos dos artigos 328 e 329 se o agente repara o

dano antes da sentença final, o juiz pode reduzir a pena.

 A Lei 9.504/97, a Lei das Eleições, revogou expressamente os arts. 328 e 329 doCódigo Eleitoral, que se referiam à propaganda eleitoral. Esqueceu-se, porém, de re-

vogar este art. 330, que a eles se referia. Ele permaneceria, vigente, mas inaplicável,para não dizer, inútil. Preferimos sustentar que houve, para ele, revogação tácita.

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

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 Art. 331. Inutilizar, alterar ou perturbar meio de propaganda de-

vidamente empregado:

Pena – detenção até seis meses ou pagamento de 90 a 120 dias-

-multa.

Crime doloso, comum, de condutas variadas, material e de menor potencialofensivo, que não gera inelegibilidade.

O direito à propaganda eleitoral é assegurado pelo Código Eleitoral e, também,pela Lei 9.504/97, por se tratar de meio imprescindível para veicular as propostas ecríticas dos candidatos, permitindo a escolha informada dos eleitores. Referidas leisestabelecem inúmeras restrições, todavia, para o exercício desse direito, vedando,

por exemplo, a propaganda eleitoral antes de 5 de julho do ano das eleições, a colo-cação de cartazes fixos em logradouros públicos, o uso de estabelecimentos abertosao público para fins de propaganda etc.95 Desde que realizada nos termos legais, po-rém, a propaganda dos partidos e candidaturas é legítima e presta relevante funçãoeleitoral. Daí a criminalização da conduta de quem inutilizar, alterar ou perturbar apropaganda devidamente empregada.

Entendemos que a expressão “propaganda” é compreensiva também da pro-paganda partidária (Lei 9.096/95), intrapartidária (Lei 9.504/97) e eleitoral strictu

 sensu (Lei 9.504/97), inclusive aquela realizada antes do marco inicial de 5 de julhodo ano das eleições. Todavia, nesse tipo em particular, essa propaganda strictu sensu

deve ser “devidamente empregada”, o que afasta a possibilidade de sua utilizaçãoantes daquela data.

Meio de propaganda ( stricto sensu) é qualquer um que indique, ainda que indi-retamente, a conveniência no voto em determinado candidato ou partido. Podemser cartazes, panfletos, faixas, balões, revistas, encartes, pinturas... O verbo “per-turbar” traz a ideia de ato de propaganda em prosseguimento, por exemplo, um

comício ou carreata.Se as condutas do agente forem impeditivas da própria realização do ato de di-

vulgação da candidatura ou partido, o crime será o do art. 332. O concurso material(inutilizando meio de propaganda e impedindo sua realização de outra forma, porexemplo) não é incomum.

95  Exemplificativamente, veja-se o caput do art. 37 da Lei das Eleições: “Nos bens cujo uso dependa decessão ou permissão do Poder Público, ou que a ele pertençam, e nos de uso comum, inclusive postesde iluminação pública e sinalização de tráfego, viadutos, passarelas, pontes, paradas de ônibus e outros

equipamentos urbanos, é vedada a veiculação de propaganda de qualquer natureza, inclusive pichação,inscrição a tinta, fixação de placas, estandartes, faixas e assemelhados.”

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

Vale ressaltar que se o suporte da propaganda tiver, em si mesmo, valor mate-rial, haverá concurso material entre essa conduta e eventual crime de dano. Bastasupor prática relativamente comum de “envelopar” veículos automotores, ou seja,

pintá-los integralmente de propaganda. A inutilização ou alteração desse veículoinfringirá dano ao seu proprietário, devendo o autor responder também por isso.

Esse art. 331 do Código Eleitoral clama por sua revogação, aguardando ser substi-tuído por sanção administrativa-eleitoral, como se permite concluir pela sanção bran-díssima que espera os infratores: detenção de até seis meses e multa, de 90 a 120 dias.

É conduta dolosa, comum, que vitima a lisura do pleito eleitoral e, secunda-riamente, o candidato ou partido responsável pela propaganda. Se os verbos típi-cos forem praticados no mesmo iter – a inutilização, alteração ou perturbação do meiode propaganda –, o crime será único. Caso contrário, haverá um crime a cada pro-paganda atacada.

O tipo legal não oferece proteção contra a propaganda irregular. Embora, nes-se caso, o caminho adequado seja o da comunicação do fato ao Ministério PúblicoEleitoral ou à Justiça Eleitoral, não há tipicidade eleitoral na inutilização, alteraçãoou perturbação de meio de propaganda ilegal. É o caso da propaganda  stricto sensu realizada antes de 5 de julho do ano das eleições ou da propaganda efetuada em benspúblicos ou abertos ao público.96 Pode ocorrer, porém, exercício arbitrário das pró-prias razões, art. 345 do Código Penal.

 A Lei 9.504/97 autoriza a realização de propaganda eleitoral pela Internet. Des-se modo, a conduta de um hacker, invasor, que inutilize, altere ou perturbe a propa-ganda devidamente utilizada é típica à luz desse art. 331.

 Art. 332. Impedir o exercício de propaganda:

Pena – detenção até seis meses e pagamento de 30 a 60 dias-multa.

Crime doloso, comum, material, de menor potencial ofensivo, que não gera

inelegibilidade.

96  Lei 9.504/97 – Art. 37. Nos bens cujo uso dependa de cessão ou permissão do Poder Público, ou quea ele pertençam, e nos de uso comum, inclusive postes de iluminação pública e sinalização de tráfego,viadutos, passarelas, pontes, paradas de ônibus e outros equipamentos urbanos, é vedada a veiculaçãode propaganda de qualquer natureza, inclusive pichação, inscrição a tinta, fixação de placas, estandartes,faixas e assemelhados. […] § 4º Bens de uso comum, para fins eleitorais, são os assim definidos pela Leinº

 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil e também aqueles a que a população em geral tem

acesso, tais como cinemas, clubes, lojas, centros comerciais, templos, ginásios, estádios, ainda que depropriedade privada. § 5º Nas árvores e nos jardins localizados em áreas públicas, bem como em muros,

cercas e tapumes divisórios, não é permitida a colocação de propaganda eleitoral de qualquer natureza,mesmo que não lhes cause dano.

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

 Art. 334. Utilizar organização comercial de vendas, distribuição

de mercadorias, prêmios e sorteios para propaganda ou aliciamen-

to de eleitores:

Pena – detenção de seis meses a um ano e cassação do registro seo responsável for candidato.

Crime doloso, comum, material e de menor potencial ofensivo, que não gerainelegibilidade.

O que chama a atenção nesse crime é o descompasso entre a sanção privativa deliberdade, que é branda (seis meses a um ano), e a pena não carcerária da cassaçãodo registro, quando o agente for candidato. Sem embargo, é figura vigente e apli-

cável, recebida pela Constituição de 1988 e não revogada pela Lei 9.504/97, que selimita a proibir a propaganda em bens de uso comum, entre os quais inclui cinemas,clubes, lojas, centros comerciais, templos, ginásios e estádios, ainda que de proprie-dade privada (art. 37, § 4º, da Lei das Eleições).

Diferentemente, o comportamento descrito no art. 334 não se limita à mera afi-xação de cartazes ou pinturas ou à distribuição de panfletos, mas à afiliação de umasociedade comercial ao esforço propagandístico de determinado candidato. Por essarazão se menciona também o “aliciamento” dos eleitores, ou seja, posturas ativas

de procura e cooptação destes. Se houver mera afixação de cartazes ou distribuiçãode panfletos, as sanções serão exclusivamente cíveis, aquelas previstas no art. 37 daLei 9.504/97 (restauração do bem e multa).

Por esse ângulo, tem-se no crime em comento figura de abuso do poder econô-mico, para o qual também a sanção cível é a cassação do registro do candidato, nostermos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/90. Se a utilização da sociedade co-mercial envolver a entrega de brindes ou a realização de sorteios, ter-se-á tambéma figura da captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei 9.504/97) e o crime do art.

299 deste Código (corrupção eleitoral).Portanto, se há desproporcionalidade, ela está na insuficiente pena carcerária,

considerada a gravidade da conduta e da outra sanção prevista. É a única sanção pe-nal do Código Eleitoral que, inovadoramente, prevê a cassação do registro do can-didato. Esse efeito, todavia, supõe o trânsito em julgado da sentença condenatória,situação que mui dificilmente ocorrerá antes do término da campanha eleitoral e,mesmo, do mandato para o qual o candidato foi eventualmente eleito. Se esse efeitose produzir antes do término do mandato, porém, deverá ocorrer a sua perda.

É crime comum e doloso, vitimando a lisura e legitimidade do pleito, além daigualdade de oportunidades entre os candidatos.

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

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É infração de menor potencial ofensivo, nos termos do art. 61 da Lei 9.099/95,incapaz, por isso, de gerar a inelegibilidade prevista na Lei Complementar nº 64/90.

 Art. 335. Fazer propaganda, qualquer que seja a sua forma, emlíngua estrangeira:

Pena – detenção de três a seis meses e pagamento de 30 a 60 dias-

-multa.

Parágrafo único. Além da pena cominada, a infração ao presente

artigo importa na apreensão e perda do material utilizado na pro-

paganda.

Crime doloso, comum, formal, de menor potencial ofensivo, que não gera ine-legibilidade e com indicação de não recepção constitucional.

Esse artigo não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988. Malgrado aadoção do português como idioma oficial do Brasil, art. 13, a criminalização do em-prego de língua estrangeira, ainda que na propaganda eleitoral, destoa de qualquer pa-râmetro de razoabilidade. Na realidade, trata-se de um eco da superada estratégia de“segurança nacional”, menos preocupada com a defesa da soberania do país e muitomais com aqueles que, na época do regime militar, lutavam pela volta da democracia.

O medo, xenofóbico, era o de que comunidades estrangeiras ou de ascendência es-trangeira no país, que para cá migraram e tanto contribuem com o desenvolvimentonacional, pudessem se valer de sua língua nativa para atos de “subversão”.

Não se vê, nos ambientes abertos e democráticos criados pela Constituição Fe-deral de 1988, a necessidade de mantença de norma tão discriminatória, nem se vêproblema na realização de propaganda segmentada (por exemplo, destinada às mu-lheres, aos jovens, às pessoas de determinada confissão religiosa). Em sentido figu-rativo, a propaganda não precisa falar a “língua” de todo mundo...

Se a propaganda eleitoral for utilizada indevidamente, em língua estrangeira ou

não, para atentar contra a soberania nacional ou a segurança da comunidade, essesatos, por si, poderão ensejar a devida resposta cível ou criminal. 

O Tribunal Superior Eleitoral, de todo modo, decidiu que essa proibição não al-cança a propaganda feita por estrangeiros – exceto se asilados – de candidatos queconcorrem em seus países de origem.97 

É crime de menor potencial ofensivo, inábil para gerar inelegibilidade, nos ter-mos da Lei Complementar nº 64/90. A lei permite o exercício imediato do poder de

97  Res. TSE nº 21.831/2004.

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

polícia do juízo eleitoral, apreendendo, como objeto de crime, os itens de propagan-da que não estejam escritos em vernáculo.

 Art. 336. Na sentença que julgar ação penal pela infração de qual-quer dos artigos 322, 323, 324, 325, 326, 328, 329, 331, 332, 333,

334 e 335, deve o juiz verificar, de acordo com o seu livre conven-

cionamento, se diretório local do partido, por qualquer dos seus

membros, concorreu para a prática de delito, ou dela se beneficiou

conscientemente.

Parágrafo único. Nesse caso, imporá o juiz ao diretório responsá-

vel pena de suspensão de sua atividade eleitoral por prazo de 6 a

12 meses, agravada até o dobro nas reincidências.

Esse art. 336 traz uma precursora possibilidade de responsabilização penal dapessoa jurídica, com a primazia desse tipo de estatuição em nosso país. Essa possi-bilidade foi, ao depois, consagrada pelo art. 225 da Constituição, ao falar na prote-ção ao meio ambiente, espancando, assim, qualquer indicativo de não recepção dodispositivo em comento.

Entendemos que a responsabilidade penal das pessoas jurídicas se submete,

tão somente, à necessidade de previsão legal e à conveniência de sua fixação. Nãoformamos com o pensamento que procura opor, a uma clara opção constitucional,a “principiologia” do Direito Penal. Da necessidade de proteção de bens jurídicos,que informa esse ramo da enciclopédia jurídica, não decorre que construções do en-genho humano (como as sociedades contratuais) não possam, em determinado mo-mento histórico, contribuir para a criminalidade, recebendo, assim, sancionamentopenal.98 Além do mais, não tem cidadania em Direito Constitucional a invalidaçãode comandos da Constituição com base na filosofia de um ramo infraconstitucio-nal... Falar que, no caso, haveria responsabilidade “objetiva” tão pouco prospera,

pois se há de verificar se, dolosamente (como se faz em todos os crimes eleitorais),o diretório partidário contribuiu para o fato. Nada pode sustentar, contra a Consti-tuição, a exigência de que o dolo tenha um caráter “biológico”.

O tipo penal em comento, adequadamente, oferece o elemento para a responsa-bilização da pessoa jurídica, que deve ter agido “por qualquer de seus membros”. Aideia é que houve deliberação ou assentimento da pessoa jurídica, conforme atuaçãode seus responsáveis. Se alguém atuou sem tais predicados, responderá sozinho.

98  Nesse sentido, Walter Claudius Rothenburg, A Pessoa Jurídica Criminosa, Juruá, Curitiba, 1997.

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Parágrafo único. Na mesma pena incorrerá o responsável pelas

emissoras de rádio ou televisão que autorizar transmissões de que

participem os mencionados neste artigo, bem como o diretor de

 jornal que lhes divulgar os pronunciamentos.

Crime doloso, próprio, parcialmente revogado, de menor potencial ofensivo eque não gera inelegibilidade.

 A perda ou suspensão dos direitos políticos se dá nos termos do art. 15. Essas pes-soas, bem como os estrangeiros, ainda que com residência definitiva no país, não estãoautorizados ao gozo dos direitos políticos. Esses direitos incluem não apenas a partici-pação nas eleições (como candidatos ou eleitores), como também a filiação em partidospolíticos, sua criação ou direção e a participação em atos de propaganda eleitoral.

Para os estrangeiros, idêntica e posterior proibição e criminalização adveiocom a Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980 (Lei dos Estrangeiros). Em seu art.107 ela proíbe os estrangeiros de, entre outras coisas, participar de desfiles, co-mícios e passeatas.100

Nesse trecho a eles referente esse art. 337 foi revogado. Temos dúvida, porém,da validade constitucional dessa restrição a estrangeiros, eco da “doutrina da segu-rança nacional”.

Para todos, brasileiros e estrangeiros, temos este artigo como não recebido pela

Constituição de 1988. Ele não parece compatível com a liberdade de expressão ereunião, direitos fundamentais consagrados pelo art. 5º, IV, IX, XVI. A Lei 9.096/95,art. 16, já não permite que pessoas que não estejam no gozo dos direitos políticossejam filiadas a partidos políticos. Elas não poderão, assim, ocupar cargos de dire-ção nesses partidos. Por igual, a Lei 9.504/97 não permite que essas pessoas se can-didatem, art. 11, § 7º.

 Assim, o tipo penal seria inaugural somente na proibição de outras atividadespartidárias, comícios e atos de propaganda. Mas essas proibições esbarram nos di-reitos fundamentais acima indicados.

100  Art. 107. O estrangeiro admitido no território nacional não pode exercer atividade de natureza polí-tica, nem se imiscuir, direta ou indiretamente, nos negócios públicos do Brasil, sendo-lhe especialmentevedado: I – organizar, criar ou manter sociedade ou quaisquer entidades de caráter político, ainda quetenham por fim apenas a propaganda ou a difusão, exclusivamente entre compatriotas, de ideias, progra-mas ou normas de ação de partidos políticos do país de origem; II – exercer ação individual, junto a com-patriotas ou não, no sentido de obter, mediante coação ou constrangimento de qualquer natureza, adesãoa ideias, programas ou normas de ação de partidos ou facções políticas de qualquer país; III – organizardesfiles, passeatas, comícios e reuniões de qualquer natureza, ou deles participar, com os fins a que se

referem os itens I e II deste artigo. Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo não se aplica ao por-tuguês beneficiário do Estatuto da Igualdade ao qual tiver sido reconhecido o gozo de direitos políticos.

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

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Novamente, os ecos do regime de exceção instaurado em março de 1964 noBrasil se fazem ouvir, nesse crime.

Voltado à proteção de bens jurídicos previstos na Constituição ou que com ela

não colidem, o Direito Penal não se compadece com a defesa de posições ideológicascontrárias à principiologia constitucional. Por isso, esse artigo de teor discriminató-rio não foi recebido pela Carta Política de 1988.

Somos, destarte, pela não recepção desse art. 337.

O TSE já havia decidido que esse artigo não é impedimento para o estrangeiro,exceto o asilado político, realizar atos de campanha eleitoral relativos a candidatosde seu país de origem: Res. TSE nº 21.831/2004. No julgamento do Recurso Espe-cial Eleitoral nº 7735688-67, de Itapaci-GO, em 14.10.2014, a Corte reconheceu a

inconstitucionalidade deste dispositivo.101

 Art. 338. Não assegurar o funcionário postal a prioridade prevista

no art. 239:

Pena – Pagamento de 30 a 60 dias-multa.

O tipo não foi, todavia, recebido pela Constituição Federal de 1988, por ofensaà reserva de lei penal, segundo o qual “não há crime sem lei anterior que o defina”

(grifamos). A definição não pode ser uma indicação genérica e imprecisa sobre “nãoassegurar prioridade postal”.

O art. 239 do Código prevê que: “Aos partidos políticos é assegurada a priori-dade postal durante os 60 (sessenta) dias anteriores à realização das eleições, pararemessa de material de propaganda de seus candidatos registrado.” As formas pelasquais não se asseguraria tal prioridade é que são desconhecidas.

Nos termos do artigo 21, X, da Constituição Federal, diz que compete à UniãoFederal: “X – manter o serviço postal e o correio aéreo nacional”. Essa competênciaé exercida, em regime de privilégio, pela Empresa Brasileira de Correios e Telégra-fos, nos termos da Lei 6.538, de 22 de junho de 1978, que o Supremo Tribunal Fede-ral, ao julgar a ADPF nº 46/DF, em 5.8.2009, considerou recebida pela Constituição.

101  Colhe-se do voto do Relator, Min. Dias Toffoli: “O aludido dispositivo penal, que descreve comocrime a participação daquele que estiver com os direitos políticos suspensos em atividades político--partidárias, inclusive comícios e atos de propaganda, não guarda sintonia com os arts. 5º, IV, VI e VIII,e 220 da Carta da República, que garantem ao indivíduo a livre expressão do pensamento e a liberdade

de consciência, ainda que o exercício de tais garantias sofra limitações em razão de outras, também res-guardadas pela Constituição Federal” (In Informativo TSE, nº 20, ano 16, 13 a 19 de outubro de 2014).

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

Essa lei nada fala sobre prioridades na postagem de objetos postais. É por deci-são empresarial, da ECT, que existem sistemas de entrega rápida (como o “Sedex”),entregas por via aérea (mais rápida) ou terrestre (menos).

Pretender responsabilizar um funcionário por “não dar prioridade” a um obje-to postal de finalidade eleitoral significa imputar-lhe conduta sobre a qual não tempoder de disposição, pois se refere à prática empresarial. De qualquer forma, parafazê-lo seria necessário mais do que a singela menção a não assegurar prioridade.

É crime de menor potencial ofensivo, nos termos do art. 61 da Lei 9.099/95.

 Art. 339. Destruir, suprimir ou ocultar urna contendo votos, ou

documentos relativos à eleição:

Pena – reclusão de dois a seis anos e pagamento de 5 a 15 dias-

-multa.

Parágrafo único. Se o agente é membro ou funcionário da Justi-

ça Eleitoral e comete o crime prevalecendo-se do cargo, a pena é

agravada.

Crime doloso, comum, material, de maior potencial ofensivo, gerador de ine-

legibilidade. Trata-se de modalidade de crime de dano – nas figuras da destruição ou supres-

são de urna ou documentos – ou de sonegação – no verbo típico “ocultar” aquelesmesmos itens. A exigência de que a urna contenha votos ou que os documentossejam relativos à eleição ilustra, porém, que o bem jurídico tutelado não é exclu-sivamente o patrimônio da Justiça Eleitoral, mas a lisura das eleições, pois essescomportamentos podem influir na contagem dos votos, na elaboração dos mapaseleitorais ou nos instrumentos de verificação dos resultados.

Se houver devassa nos votos constantes da urna, ocorrerá também o crime doart. 317 deste Código (“Violar ou tentar violar o sigilo da urna ou dos invólucros.Pena – reclusão de três a cinco anos”). A desproporção nas penas desses dois artigosé evidente. Se o agente destruir os votos da urna sem antes conhecer o teor destes,a pena será mínima será menor...

Por igual, se os documentos destruídos, suprimidos ou ocultados forem relati-vos à apuração, o agente responderá também pelo crime de “mapismo”, no caso, oart. 315 (“Alterar nos mapas ou nos boletins de apuração a votação obtida por qual-

quer candidato ou lançar nesses documentos votação que não corresponda às cédu-las apuradas: Pena – reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa”).

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

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Esse artigo não se aplica à destruição de urnas eletrônicas, mas somente dasconvencionais. Para as urnas eletrônicas há crime específico no art. 72 da Lei9.504/97: “III – causar, propositadamente, dano físico ao equipamento utilizado na

votação ou na totalização de votos ou a suas partes”. A pena é de reclusão, de cincoa dez anos, a maior prevista para um crime eleitoral específico.

 A conduta é dolosa e pode ser praticada por qualquer pessoa. Se for membro oufuncionário da Justiça Eleitoral a pena será agravada, de um quinto a um terço, nostermo do art. 285 do Código.

É crime de maior potencial ofensivo, podendo, assim, gerar inelegibilidade, nostermos da Lei Complementar nº 64/90, art. 1º, I, letra e.

 Art. 340. Fabricar, mandar fabricar, adquirir, fornecer, ainda que

gratuitamente, subtrair ou guardar urnas, objetos, mapas, cédulas

ou papéis de uso exclusivo da Justiça Eleitoral:

Pena – reclusão até três anos e pagamento de 3 a 15 dias-multa.

Parágrafo único. Se o agente é membro ou funcionário da Justi-

ça Eleitoral e comete o crime prevalecendo-se do cargo, a pena é

agravada.

Crime doloso, comum, de condutas variadas, material e de maior potencialofensivo. Capaz de gerar inelegibilidade.

 A organização das eleições é tarefa da Justiça Eleitoral, desde o Código Eleito-ral de 1932. Para fazê-lo em condições que inspirem segurança à sociedade e evitemfraudes ou manipulações, há todo um aparato material, consistente em urnas, cédu-las, documentos, papéis, formulários e carimbos. Se utilizados por quem não tem

autorização legal para tanto, esse itens podem ser úteis para a realização de fraudesde toda a ordem, em especial a alteração dos resultados eleitorais.

Esse art. 340 criminaliza atos preparatórios para essas possíveis fraudes. É umtipo múltiplo, de conteúdo variado. Se, no mesmo contexto, o agente praticar maisde um dos núcleos típicos – fabricar, mandar fabricar, adquirir, fornecer, subtrair ouguardar –, responderá por crime único.

Se praticar também as fraudes possibilitadas por esses atos, responderá somen-te por elas. É o caso do art. 348, por exemplo (falsificação material de documento

público com finalidade eleitoral), e do art. 350 (falsidade ideológica de documentopúblico ou particular com fins eleitorais).

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

É crime doloso e comum. Se o agente for membro ou funcionário da Justi-ça Eleitoral, a pena será agravada, de um quinto a um terço, nos termos do art.285 do Código.

Considerando que se prevê pena privativa de liberdade superior a dois anos, ocrime é de maior potencial ofensivo, gerando inelegibilidade por oito anos, nos ter-mos da Lei Complementar nº 64/90, art. 1º, I, letra e.

 Art. 341. Retardar a publicação ou não publicar, o diretor ou qual-

quer outro funcionário de órgão oficial federal, estadual, ou mu-

nicipal, as decisões, citações ou intimações da Justiça Eleitoral:

Pena – detenção até um mês ou pagamento de 30 a 60 dias-multa.

Crime omissivo, doloso, próprio, de menor potencial ofensivo e que não gerainelegibilidade.

Outra infração administrativa, de escassa lesividade, convolada em crime pelo“estilo” do Código Eleitoral de 1965, no qual as sanções criminais se apresentamcomo primeira resposta a condutas consideradas irregulares.

 A pena branda – detenção de até um mês e multa – mostra tratar-se de figurasem dignidade penal. O bem jurídico diretamente tutelado – a correta publicação de

atos oficiais da Justiça Eleitoral – encontra proteção adequada na estatuição admi-nistrativa dos deveres dos funcionários públicos, no caso, o Regime Jurídico Únicodos Funcionários Públicos da União, pois a Justiça Eleitoral tem natureza federal.

É crime omissivo, próprio de funcionário público e doloso. É uma espécie deprevaricação eleitoral, feita sem exigência do ânimo de satisfazer interesse pró-prio ou alheio. Se houver tal interesse, a figura será a da prevaricação comum,do Código Penal.

É crime de menor potencial ofensivo, nos termos do art. 61 da Lei 9.099/95 e,além disso, não prevê pena prisional. Por esses motivos, não gera inelegibilidade.

 Art. 342. Não apresentar o órgão do Ministério Público, no pra-

zo legal, denúncia ou deixar de promover a execução de sentença

condenatória:

Pena – detenção até dois meses ou pagamento de 60 a 90 dias-

-multa.

Crime doloso, próprio, omissivo, de menor potencial ofensivo e que não gerainelegibilidade. Indicativo de não recepção constitucional.

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

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O tipo procura sancionar a desídia ou desinteresse do órgão do Ministério Pú-blico Eleitoral que não pratica ato próprio de sua função, no prazo legal. Nos termosdo art. 357 do Código Eleitoral, esse prazo é de dez dias. Se o não oferecimento da

denúncia é devido a acúmulo de serviço ou outra causa razoável, à evidência, nãosubsiste a tipicidade em questão. Por igual, não haverá crime se o atraso for justi-ficável pela necessidade de novos esclarecimentos sobre o fato objeto da denúncia,se houver diligências a realizar ou provas a obter. Por igual, se houver promoção dearquivamento, não há como se reconhecer tipicidade, pois a livre formação da opinio

delicti é garantia da atuação ministerial.

Quanto à execução da pena, esta segue por impulso oficial, tão logo transitadaem julgado a sentença penal condenatória, procedendo-se à expedição da carta deguia, se for pena privativa de liberdade. Se for multa, após o juízo da condenaçãointimar o réu para pagamento, deverá o Ministério Público promover sua execução.

Há razões para indicar que essa figura criminosa não foi recebida pela Consti-tuição Federal de 1988. Não se pode reconhecer, nas funções do parquet, no caso, oeleitoral, o automatismo que a conduta típica sugere. A isso não chega a regra daobrigatoriedade da promoção da ação penal. A sanção para a não promoção da de-núncia no prazo legal, salvo se justificável, é a autorização para a ação penal privadasubsidiária, conforme indicado na própria Constituição, art. 5º, “ LIX – será admitida

ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal”.

Nesse sentido, o magistério de Marcos Ramayana: “Sustentamos que o tipopenal é inconstitucional, porque atinge diretamente a independência funcional dosmembros do Ministério Público com atribuições eleitorais.”102

De modo idêntico ao do crime anterior, tem-se aqui uma espécie de prevarica-ção praticada pelo órgão ministerial, sem necessidade de alcançar sentimento ou in-teresse pessoal. Se estes existirem, a figura será a da prevaricação do Código Penal.

Para a desídia ministerial no âmbito eleitoral, já prevê a Lei Complementar nº 75/93 sanção administrativa, consistente em advertência, censura, suspensão e, atémesmo, demissão (art. 240). Além disso, a Constituição Federal criou, com a Emen-da nº 45, o Conselho Nacional do Ministério Público, art. 130-A, incluindo nas suasfunções o controle pelo cumprimento dos deveres funcionais dos órgãos do Parquet.

 Art. 343. Não cumprir o juiz o disposto no § 3º do art. 357:

Pena – detenção até dois meses ou pagamento de 60 a 90 dias-

-multa.

102   Direito Eleitoral, 12. ed., Impetus, Niterói, 2011, p. 852.

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

Crime doloso, omissivo, próprio, de menor potencial ofensivo e não gerador deinelegibilidade. Indicativo de não recepção constitucional.

Se o art. 342 sanciona o órgão do Ministério Público desidioso, esse art. 343

sanciona o juiz que não representa contra ele!O prazo para o oferecimento da denúncia, nos termos do art. 357 do Código

Eleitoral, é de dez dias. No mesmo artigo consta a obrigação de representação, pelo juiz, contra o órgão ministerial omitente.103

 A pena é idêntica para o Promotor e o Juiz, detenção de até dois meses e multade até 90 dias.

Pelas mesmas razões que já apontamos, temos esse artigo como não recebidopela Constituição de 1988. Ele procura impor à autoridade judiciária uma providên-cia que ela, atenta às circunstâncias do caso concreto, pode ou não adotar.

O Poder Judiciário atua como fiscalizador da regra da obrigatoriedade da açãopenal, mas soa exagerado supor que por deixar de informar o fato às instâncias su-periores do Ministério Público, incida o juiz em crime. Quando muito, se pode re-presentar à Corregedoria Eleitoral ou ao Conselho Nacional da Magistratura, indi-cando tratar-se de conduta desidiosa do magistrado.

Se o juiz deixa de agir para atender sentimento ou interesse pessoal, haverá aprevaricação do Código Penal.

 Também opina pela inconstitucionalidade Marcos Ramayana, para quem se tra-ta de delito “acessório ou parasitário do delito do art. 342”, aplicando-se, a ele, osmesmos motivos de inconstitucionalidade.104

É crime de menor potencial ofensivo, não gerando inelegibilidade.

 Art. 344. Recusar ou abandonar o serviço eleitoral sem justa causa:

Pena – detenção até dois meses ou pagamento de 90 a 120 dias-

-multa.

Crime doloso, comum (recusar) e próprio (abandonar), formal, de menor po-tencial ofensivo e não gerador de inelegibilidade.

 A tarefa de organizar as eleições, colher o voto e apurar os resultados é, em nos-so país, confiada à Justiça Eleitoral. É função de natureza administrativa, que esse

103  [...] § 3º Se o órgão do Ministério Público não oferecer a denúncia no prazo legal representará contra

ele a autoridade judiciária, sem prejuízo da apuração da responsabilidade penal.104  Obra citada nos comentários ao art. 342.

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

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ramo do Judiciário cumula com a normatização das eleições e com a solução dascontrovérsias. O trabalho é imenso, considerando a grande quantidade de eleitores(cerca de 130 milhões, no pleito de 2010!) e sua dispersão pelos Estados e mais de

cinco mil municípios. Não seria possível atendê-lo somente com o número de fun-cionários da Justiça Eleitoral, ainda que ele fosse multiplicado por dez. Há necessi-dade da participação da cidadania.

 A matéria vem tratada no Código Eleitoral, art. 120,105 para os integrantes dasmesas receptoras de votos (mesários), e art. 36,106 para as Juntas Eleitorais, que de-verão apurar os votos. O juiz eleitoral nomeia os membros das mesas e juntas 60dias antes das eleições e estas últimas podem nomear escrutinadores e auxiliares.

O serviço eleitoral é uma das poucas obrigações legais, de perfil social ou comu-

nitário, a todos imposta, ao lado do serviço do júri. A lei permite expressamente queos nomeados para as mesas receptoras declinem desse múnus , desde que apresen-tem “motivos justos”, que serão apreciados pelo juiz eleitoral, art. 120, § 4º, do Có-digo Eleitoral.107 O mesmo pode ocorrer, à míngua de expressa previsão legal, paraos indicados à Junta Eleitoral ou como auxiliares ou escrutinadores.

 A recusa ou o abandono imotivado do serviço eleitoral recebem sanção admi-nistrativa no art. 124.108

O crime do art. 344 abrange as condutas de recusar o serviço ou abandoná-lo,

a não ser que o façam por justa causa. Esta última é requisito típico (e não hipótesede exclusão da ilicitude) e deve ser apreciada na instância criminal.

105  Art. 120. Constituem a mesa receptora um presidente, um primeiro e um segundo mesários, doissecretários e um suplente, nomeados pelo juiz eleitoral sessenta dias antes da eleição, em audiência pú-blica, anunciado pelo menos com cinco dias de antecedência. [...]106  Art. 36. Compor-se-ão as juntas eleitorais de um juiz de direito, que será o presidente, e de 2 (dois)ou 4 (quatro) cidadãos de notória idoneidade […].107

  Art. 120 […] § 4º

 Os motivos justos que tiverem os nomeados para recusar a nomeação, e queficarão a livre apreciação do juiz eleitoral, somente poderão ser alegados até 5 (cinco) dias a contar danomeação, salvo se sobrevindos depois desse prazo.108  Art. 124. O membro da Mesa Receptora que não comparecer no local, em dia e hora determinadospara a realização de eleição, sem justa causa apresentada ao Juiz Eleitoral até 30 (trinta) dias após, incor-rerá na multa de 50% (cinquenta por cento) a 1 (um) salário mínimo vigente na Zona Eleitoral, cobradamediante selo federal inutilizado no requerimento em que for solicitado o arbitramento ou através deexecutivo fiscal. § 1º Se o arbitramento e pagamento da multa não for requerido pelo Mesário faltoso,a multa será arbitrada e cobrada na forma prevista no art. 367. § 2 º Se o faltoso for servidor público ouautárquico, a pena será de suspensão até 15 (quinze) dias. § 3º As penas previstas neste artigo serãoaplicadas em dobro se a Mesa Receptora deixar de funcionar por culpa dos faltosos. § 4º Será também

aplicada em dobro observado o disposto nos §§ 1º e 2º, a pena ao membro da Mesa que abandonar ostrabalhos no decurso da votação sem justa causa apresentada ao Juiz até 3 (três) dias após a ocorrência.

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

 A jurisprudência do TSE considera esse crime modalidade de desobediência e,de forma que nos parece equivocada, aplica também a ele a “subsidiariedade” de-mandada para a configuração do crime do art. 347. Segundo esse entendimento, a

desobediência (e, por conseguinte, esse crime do art. 344) só se caracteriza se nãohouver sanção cível prevista para o inadimplemento da ordem judicial ou se, ao pre-ver essa sanção, a lei ressalve a responsabilidade criminal, TSE, HC nº 638, de Ita-petininga, SP, j. 28.4.2009, Rel. Min. Marcelo Ribeiro.109 

Nossa crítica é que não é possível interpretar um artigo do Código Eleitoralcontra outro. Deve-se, ao revés, procurar a interpretação sistemática. Se o mesmodiploma incluiu a sanção cível e criminal para a recusa ou abandono imotivado doserviço eleitoral, não há falar que só um deles é possível. Isso equivale a negar vi-gência ao art. 344 do Código.

 Trata-se de crime doloso, próprio da pessoa que tenha sido nomeada para o ser-viço eleitoral. A recusa tanto pode se manifestar pelo não comparecimento no diada eleição ou nos dias anteriores, se houver treinamento. O abandono supõe que ostrabalhos já tenham sido iniciados.

O bem jurídico tutelado é o bom funcionamento dos trabalhos eleitorais.

 A sanção é branda, detenção de até dois meses e multa. Entendemos que, naverdade, se trata de sanção insuficiente, pois é grande o prejuízo que pode advir emface desses comportamentos.

É crime de menor potencial ofensivo, nos termos do art. 61 da Lei 9.099/95. As-sim, é incapaz de gerar inelegibilidade, nos termos da Lei Complementar nº 64/90.

 Art. 345. Não cumprir a autoridade judiciária, ou qualquer funcio-

nário dos órgãos da Justiça Eleitoral, nos prazos legais, os deveres

impostos por este Código, se a infração não estiver sujeita a outra

penalidade:

Pena – pagamento de trinta a noventa dias-multa.

Crime doloso, omissivo, próprio, subsidiário, de menor potencial ofensivo enão gerador de inelegibilidade. Indicativo de não recepção constitucional.

Esse tipo erige o não cumprimento tempestivo dos deveres funcionais previstosno Código, como crime.

109  “O não comparecimento de mesário no dia da votação não configura o crime estabelecido no art.

344 do CE, pois prevista punição administrativa no art. 124 do referido diploma, o qual não contémressalva quanto à possibilidade de cumulação com sanção de natureza penal.”

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

109

 Trata-se de figura subsidiária, aplicável apenas se, para a infração, não houveroutra penalidade. Essa outra sanção deve ser penal e, naturalmente, mais grave.

 A subsidiariedade advém do fato de que em inúmeros outros artigos do Códi-

go Eleitoral, há menção ao não cumprimento de deveres no prazo legal. Tome-se,por exemplo, o art. 313: “Deixar o juiz e os membros da Junta de expedir o boletimde apuração imediatamente após a apuração de cada urna e antes de passar à sub-sequente, sob qualquer pretexto e ainda que dispensada a expedição, pelos fiscais,delegados ou candidatos presentes. Pena: pagamento de 90 a 120 dias-multa.”

É também o caso dos arts. 314, 342 e 343, anteriormente estudados.

Dessa maneira, esse tipo do art. 345 vale para todas as outra situações nasquais o funcionário eleitoral, ou o juiz eleitoral, deixam de cumprir, no prazo certo,

deveres que o Código Eleitoral estabeleceu.Esse rol de deveres é imenso. Por exemplo, o art. 127 do Código Eleitoral diz que:

“Art. 127. Compete ao Presidente da Mesa Receptora, e, em sua falta, a quem osubstituir: I – receber os votos dos eleitores; II – decidir imediatamente todas asdificuldades ou dúvidas que ocorrerem; III – manter a ordem, para o que disporáde força pública necessária; IV – comunicar ao Juiz Eleitoral, que providenciaráimediatamente as ocorrências cuja solução deste dependerem; V – remeter à JuntaEleitoral todos os papéis que tiverem sido utilizados durante a recepção dos vo-

tos; VI – autenticar, com a sua rubrica, as cédulas oficiais e numerá-las nos termosdas instruções do Tribunal Superior Eleitoral; VII – assinar as fórmulas de obser-vações dos Fiscais ou Delegados de partido, sobre as votações; VIII – fiscalizar adistribuição das senhas e, verificando que não estão sendo distribuídas segun-do a sua ordem numérica, recolher as de numeração intercalada, acaso retidas, asquais não se poderão mais distribuir; IX – anotar o não-comparecimento do elei-tor no verso da folha individual de votação.”

 Já o art. 128 se refere aos secretários da mesa receptora:

“Art. 128. Compete aos Secretários: I – distribuir aos eleitores as senhas de entra-da previamente rubricadas ou carimbadas segundo a respectiva ordem numérica;II – lavrar a ata da eleição; III – cumprir as demais obrigações que lhes forem atri-buídas em instruções. Parágrafo único. As atribuições mencionadas no nº I serãoexercidas por um dos Secretários e os constantes dos nos II e III pelo outro.”

E o 129 diz:

“Nas eleições proporcionais os Presidentes das Mesas Receptoras deverão zelarpela preservação das listas de candidatos afixadas dentro das cabinas indevassá-

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

veis, tomando imediatas providências para a colocação de nova lista no caso deinutilização total ou parcial. Parágrafo único. O eleitor que inutilizar ou arrebataras listas afixadas nas cabinas indevassáveis ou nos edifícios onde funcionarem

Mesas Receptoras incorrerá nas penas do art. 297.”

 A despeito de ser extensa, a exemplificação anterior não chega nem perto do rolde deveres e exigências feitas a todos os funcionários da Justiça Eleitoral, em todasas fases do processo eleitoral (do alistamento à diplomação). Qualquer omissão nocumprimento, dentro do prazo, de um dever previsto no Código será, automatica-mente, crime omissivo.

O exagero é patente, bem como a lacuna de descrição do comportamento típico.

Não se pode criminalizar o mero descumprimento de uma lei, especialmente se ela,como o Código Eleitoral, traz mais de três centenas de artigos. Nem para o CódigoPenal isso seria possível: não é crime descumprir o Código, mas praticar uma oumais de uma das condutas que descreve!

 Tudo isso para punir com uma multa de 30 a 90 dias?

Mal esconde o legislador que pensou numa infração administrativa, mas definiuum crime... Porém, nem tudo o que pode ser infração administrativa, pode ser crime.

Dessa forma, o tipo desse art. 345 é, primeiramente, desproporcional, pois

compreende omissões dolosas de gravidade distinta numa faixa única de aplicaçãode multa, sem possibilidade adequada de modular a sanção. A diferença entre amulta mínima e o seu triplo pode parecer significativa, mas o quantum máximo (90dias) desmente essa impressão.

Em seguida, temos essa menção mui genérica a “deveres impostos por esteCódigo” não compatível com a exigência constitucional da definição legal, art.5º, XXXIX.

 A generalidade da narrativa típica (não cumprir os deveres impostos por este

Código no prazo legal), bem como a falta de razoabilidade em se sancionar criminal-mente um mero descumprimento de prazo, demonstram a incompatibilidade desseartigo com a exclusiva proteção de bens jurídicos constitucionais ou que não con-trariem o documento maior.

Se superado o óbice da recepção constitucional, essa figura típica se mostra do-losa e própria de juiz ou serventuário eleitoral. O tipo traz um elemento normativo,o “prazo legal”, indicando que se sanciona a desídia ou intempestividade da atuaçãodos sujeitos ativos. Não exige a produção de nenhum resultado diante da omissão

do funcionário ou juiz. Caracteriza-se, portanto, como crime omissivo próprio, noqual não há falar em tentativa.

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

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Nesse sentido se pronuncia Suzana de Camargo Gomes: “A desídia consciente,injustificada da autoridade judiciária e dos funcionários da Justiça Eleitoral, no sen-tido de serem cumpridos os prazos legais, implica na consumação do crime em tela,

que, por ser formal, não exige para sua caracterização, tenha decorrido da condutaalgum resultado danoso efetivo.”110

É de menor potencial ofensivo, nos termos da Lei 9.099/95, e não gera a inele-gibilidade do art. 1º, I, letra e, da Lei Complementar nº 64/90, pois, além da menorofensividade, não prevê pena privativa de liberdade.

 Art. 346. Violar o disposto no art. 377:

Pena – detenção até seis meses e pagamento de 30 a 60 dias-multa.

Parágrafo único. Incorrerão na pena, além da autoridade respon-

sável, os servidores que prestarem serviços e os candidatos, mem-

bros ou diretores de partido que derem causa à infração.

Crime doloso, próprio, material, de menor potencial ofensivo, não gerador deinelegibilidade.

Nos termos do art. 377 do Código Eleitoral: “O serviço de qualquer repartição, fe-

deral, estadual, municipal, autarquia, fundação do Estado, sociedade de economia mista, enti-

dade mantida ou subvencionada pelo poder público, ou que realiza contrato com este, inclusive

o respectivo prédio e suas dependências não poderá ser utilizado para beneficiar partido ou or-

 ganização de caráter político [...].” 

 A proibição se refere a um dos grandes e persistentes males de nossas campanhaspolíticas, a saber, o uso da máquina administrativa em prol de candidatos e partidos po-líticos. É prática tão reiterada e comum que costuma ser decisiva para o resultado dospleitos eleitorais. Isso é claramente perceptível nos índices de reeleição dos ocupantesde cargos do Poder Executivo. Eles são muito altos e isso nem sempre é indicativo de

que, no primeiro mandato, aquele político tenha sido um administrador exemplar. A proibição constante do art. 377 do Código Eleitoral é repetida, em linguagem

atualizada, pelo art. 73 e seguintes da Lei das Eleições, Lei 9.504/97, ao trazer as“condutas vedadas aos funcionários públicos nas campanhas eleitorais”.111 A longaredação do dispositivo recomenda que se destaquem seus aspectos centrais, algunsdeles aplicáveis apenas ao período de três meses antes do pleito. É conduta vedada

110  Crimes Eleitorais, 3. ed., 2008, Revista dos Tribunais, São Paulo, p. 320.

111  Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes aafetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais […].

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

usar materiais, serviços, pessoal, bens móveis ou imóveis públicos em prol de par-tidos ou candidatos; permitir o uso promocional de programas sociais; contratar,transferir, dar vantagens, revisar o salário ou demitir funcionários; realizar transfe-

rências voluntárias de recursos da União aos Estados e Municípios e dos Estadosaos Municípios e gastar demais em propaganda; realizar propaganda institucional,fazer pronunciamento em rádio e televisão.

 Todas essas figuras sujeitam o responsável à pena de multa e, se ele for tambémo candidato, ou este se beneficiar e anuir com essas condutas, à cassação do registrode candidatura. Tudo isso além da responsabilização por improbidade administra-tiva. Conforme o caso, as condutas merecerão também a qualificação de abuso dopoder político ou econômico, permitindo a cassação do diploma ou do próprio man-dato, nos termos da Ação de Investigação Judicial Eleitoral (art. 22 da LC nº 64/90),do Recurso contra a Expedição do Diploma (art. 262 do Código Eleitoral) e da Açãode Impugnação do Mandato Eletivo (art. 14, § 10, da Constituição).

Para esse acervo de comportamentos, causador de grave prejuízo à lisura e le-gitimidade do pleito, o Direito Penal Eleitoral oferece resposta claramente insufi-ciente, a saber, os seis meses (no máximo) de detenção previstos nesse art. 377.

 Além, é claro, da multa de 30 a 60 dias... Temos no caso a desproporcionalidade porproteção insuficiente,112 a ensejar reforma no sentido de adequar a sanção penal àgravidade do delito.

Não se pode descurar, porém, que a depender do modo de utilização dos recur-sos públicos, ter-se-á concurso material entre esse crime do art. 377 e o peculato,art. 312 do Código Penal, que descreve a conduta de apropriar-se de bem público eparticular de que o funcionário público tem a posse em razão do cargo, ou desviá-loem proveito próprio ou alheio. Se o bem utilizado para beneficiar candidato ou par-tido político for móvel e se consumir com o uso, haverá referido concurso.

O crime do art. 377 é doloso, exige a intenção de se valer de recursos públicospara beneficiar partido ou candidato. Ao se referir a candidato, o tipo restringe o in-

tervalo de sua ocorrência ao período compreendido entre a convenção partidária e arealização das eleições. Portanto, entre junho do ano eleitoral e o primeiro domingode outubro (último domingo, em caso de segundo turno). Por outro lado, a referên-cia a beneficiar partido político permite o cometimento do delito a qualquer tempo.

É crime remetido, valendo-se da repreensível técnica de subordinar a descriçãoda conduta típica a outro artigo de lei (no caso, o art. 346). O problema é que qual-quer alteração nesse art. 346 alcançará também o crime do art. 377. Se aquele artigo

112  Sobre proporcionalidade e proteção insuficiente, o nosso livro Mandados Expressos de Criminalização ea Proteção de Direitos Fundamentais na Constituição Brasileira de 1988, Editora Fórum, Belo Horizonte, 2007.

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

113

for revogado, este ficará inaplicável. Melhor seria uma direta descrição do comporta-mento de usar pessoal, material, bens móveis ou imóveis públicos ou sob guarda dopoder público para beneficiar partidos ou candidatos. A pena deveria ser equivalente

à maior hoje prevista na legislação penal eleitoral, os quatro a seis anos de reclusãoe pagamento de 200 a 300 dias-multa previsto para o fornecimento de transporte oualimentação aos eleitores pela Lei 6.091/74, art. 11.

É crime próprio da “autoridade responsável”, dos servidores que prestaremserviços e dos candidatos, membros ou diretores de partido que derem causa à in-fração. Qualquer outra pessoa que concorrer para a conduta responderá por ela, to-davia, por força do art. 29 do Código Penal.

É crime de menor potencial ofensivo, nos termos do art. 61 da Lei 9.099/95.

 Assim, não gera a inelegibilidade prevista no art. 1º

, I, letra e, da Lei Complementarnº 64/90.

 Art. 347. Recusar alguém cumprimento ou obediência a diligências,

ordens ou instruções da Justiça Eleitoral ou opor embaraços à sua

execução:

Pena – detenção de três meses a um ano e pagamento de 10 a 20

dias-multa.

Crime doloso, comum, omissivo, de menor potencial ofensivo, incapaz de gerarinelegibilidade.

 A função jurisdicional é essencial ao Estado Democrático de Direito. Ela consis-te não apenas em “dizer” o Direito, mas também na sua implementação. Se é per-mitido a alguém o singelo descumprimento das determinações judiciais legais, ficaesmaecida a capacidade de se prestar jurisdição, com grave prejuízo para a sociedadee para as pessoas detentoras de direitos. Dessa forma, há um bem jurídico válido,conforme à Constituição, a presidir a figura criminosa da desobediência, a saber, a

proteção da jurisdição eleitoral e, por conseguinte, da lisura das eleições.Não se ignora que, ao longo da história, o não acatamento de ordens vindas de

regimes de arbítrio ou de potências coloniais se configurou como importante instru-mento de luta democrática e defesa contra a opressão. Mahatma Gandhi, na Índia,se valeu desse mecanismo para forçar a potência colonizadora a reconhecer a inde-pendência de seu país.

Sem embargo, ao menos desde a Constituição Federal de 1988, vivemos no Bra-sil num Estado Democrático de Direito, o que deve ser fator determinante no exame

dessa questão política. Se as pessoas recebem proteção constitucional e judicial, acontrapartida é a exigência de comportamento conforme essa mesma Constituição

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

e as leis que não a ofendam. Ordens legais proferidas por agentes do Estado Demo-crático de Direito não ostentam, ao menos em tese, a mácula da ilegitimidade ou doarbítrio, devendo, pois, ser seguidas.

Eventual postura política de resistência pode ser analisada sob a ótica do exer-cício regular de direito, desde que presentes seus pressupostos, inimigos do exageroe do abuso.

Não consta, porém, que no ambiente eleitoral seja essa possibilidade de resistên-cia cidadã que informe o descumprimento das ordens, instruções e diligências vindasda Justiça Eleitoral. Mais comumente, têm-se candidatos renitentes em respeitar asregras do jogo eleitoral que podem, eventualmente, ser-lhes desfavoráveis...

O crime do art. 347 é a versão eleitoral do crime de desobediência (art. 330 do

Código Penal). A pena é mais severa, se contraposta aos 15 dias a seis meses previs-tos na desobediência comum. Parece, todavia, que ambas as penas são insuficientes,diante do bem jurídico resguardado.

Da mesma maneira como seu congênere no Código Penal, só haverá tipicidadeno descumprimento de diligências, ordens ou instruções legais da Justiça Eleitoral,promanadas com todos os requisitos de validação. As ordens devem provir do usopermitido da autoridade, sob pena de responder, o prolator do comando, por abuso.

 A lei fala em “diligências, ordens ou instruções da Justiça Eleitoral”, mas não sepode compreender nessa exemplificação atos normativos abstratos. Não é descum-primento de lei ou de sua regulamentação (como as instruções e resoluções editadaspelo Tribunal Superior Eleitoral), mas de mandamento individualizado, concretiza-do por alguém dotado de autoridade para fazê-lo. De ordinário, essa pessoa estarádotada de jurisdição, ou seja, será o juiz eleitoral. Não se pode olvidar, porém, dapossibilidade de que terceira pessoa esteja agindo de acordo com prerrogativa auto-rizada ou em cumprimento de ordem dada por juiz. É o caso de um oficial de Justiçaou Chefe de Cartório Eleitoral, por exemplo, que pode funcionar como longa manus da autoridade judicial. Nessa exata medida, tem autoridade para ordenar a realiza-ção de diligências ou divulgar instruções.

É para essas hipóteses que o tipo penal fala também em opor embaraços (istoé, dificultar, atrapalhar, estorvar) à execução de diligência, ordem ou instrução da

 Justiça Eleitoral, feita por terceiros.

 Além do caráter concreto da ordem ou instrução emitidas, a configuração dadesobediência só ocorrerá se aqueles comandos forem direta e pessoalmente comu-

nicados ao seu destinatário. Não valem, a esse respeito, editais ou publicações, masofício ordenatório direto.

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

115

 A desobediência não pode se dar por meio de violência ou grave ameaça. Se issoocorrer, o crime será o de resistência, previsto no Código Penal, art. 329.113 

 Trata-se de crime doloso e comum, contra a administração da Justiça Eleitoral.

Pode ser praticado também por funcionário público, pois o Código Eleitoral nãorepetiu o enquadramento dado pelo Código Penal, que incluiu a figura análoga dedesobediência entre os “crimes praticados por particulares”. Admite a forma comis-siva e a omissiva, a depender do conteúdo da ordem, que pode ser para “fazer algo”ou “abster-se de fazer”.

Consolidou-se, em relação à desobediência prevista no Código Penal, a doutri-na de Nélson Hungria – à qual opomos reservas –, segundo a qual existiria uma sub-sidiariedade específica nesse crime.114 Ele somente se conformaria se, para a ordem

descumprida, não houvesse previsão legal ou judicial de sanção diversa, de naturezacível ou administrativa ou se a lei não trouxesse ressalva expressa, determinandotambém a aplicação do crime de desobediência.115 

Ocorre que, não raro, a sanção extrapenal prevista mostra-se insuficiente, ape-quenada para a tarefa de assegurar a prestação da jurisdição. O afastamento da res-ponsabilidade pela desobediência a partir desse critério pode resultar em desprote-ção ao bem jurídico tutelado, no caso, a realização do direito de quem o tem.

 A nosso ver, opera no caso uma confusão entre a imposição de um ônus, que

permite ao seu destinatário uma opção, e a imposição de uma obrigação, na qualnão há escolha. Se o juiz eleitoral determina a certo candidato a retirada de um car-taz irregularmente fixado sob pena de, não o fazendo, arcar com os custos de umaretirada pelo poder público, há um ônus e, nesse caso, efetivamente, não poderiasubsistir o crime de desobediência. Por outro lado, se a determinação legal é para arealização de um ato pessoal e infungível, que não poderia ser realizado por terceirapessoa, eventual sanção administrativa cometida ao inadimplemento da ordem nãopoderia afastar a desobediência.

113  Art. 329. Opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcionário competentepara executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio: Pena – detenção, de dois meses a dois anos. § 1º Se o ato, em razão da resistência, não se executa: Pena – reclusão, de um a três anos. § 2º As penas desteartigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.114  “Se, pela desobediência de tal ou qual ordem oficial, alguma lei comina determinada penalidadeadministrativa ou civil, não se deverá reconhecer o crime em exame, salvo se a dita lei ressalvar expres-samente a cumulativa aplicação do art. 330[...]” (Comentários ao Código Penal, v. IX, p. 417, Forense, Riode Janeiro, 1958).115  O art. 219 do Código de Processo Penal dá exemplo dessa ressalva: “O juiz poderá aplicar à testemu-

nha faltosa a multa prevista no art. 453, sem prejuízo do processo penal por crime de desobediência,e condená-la ao pagamento das custas da diligência” (Grifamos).

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

Sem embargo, o entendimento ora criticado se firmou no Judiciário Eleitoral.

Outra questão controvertida sobre esse crime se refere à prestação de contasdos partidos políticos e candidatos. Os partidos devem fazê-la, pois recebem re-

cursos públicos, oriundos do Fundo Partidário previsto na Lei 9.096/95. Por igual,devem prestar contas dos recursos recebidos e utilizados nas campanhas eleitorais.Essas exigências estão em diversos dispositivos legais, entre eles o art. 32 da Lei9.096/95,116 que obriga a prestação anual de contas até o dia 30 de abril do ano sub-sequente ao exercício findo. Já o art. 34 dá, à Justiça Eleitoral, a tarefa de fiscalizar “aescrituração contábil e a prestação de contas do partido e das despesas de campanhaeleitoral”.117 Por sua vez, os candidatos devem prestar contas dos recursos recebidose utilizados nas campanhas eleitorais, à luz do art. 28 da Lei 9.504/97.118

 À luz desses comandos legais, muitos juízes eleitorais notificaram partidos e can-didatos omissivos, para que prestassem contas, sob pena de responderem por crimede desobediência. A Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo chegou a peticionarao TRE local para que este notificasse os candidatos e comitês financeiros de cam-panha para, sob pena de responderem por esse crime do art. 347, prestarem contas.

Ocorre que a própria legislação eleitoral prevê sanções de natureza cível paraesses inadimplementos, a saber, a ausência de quitação eleitoral para os candidatos,art. 11, § 7º, da Lei 9.504/97, e suspensão de novas quotas do fundo partidário, paraos partidos. Em razão disso, no “leading case” do TSE – Mandado de Segurança nº 562, em 20 de maio de 1998, caso relatado pelo Min. Caputo Bastos – se confirmoua orientação tradicional da Corte, no sentido de que a existência de sanção autôno-ma e cível para a omissão no dever de prestar contas não permitiria a conformaçãodo tipo de desobediência.

Divergimos dessa orientação, ao menos no que diz respeito aos partidos po-líticos, posto que o art. 34 da Lei 9.096/95 diz, ao prever a fiscalização da Justi-ça Eleitoral, a: “II – caracterização da responsabilidade dos dirigentes do partidoe comitês, inclusive do Tesoureiro, que responderão, civil e criminalmente, por

116  Art. 32. O partido está obrigado a enviar, anualmente, à Justiça Eleitoral, o balanço contábil do exer-cício findo, até o dia 30 de abril do ano seguinte. [...]117  Art. 34. A Justiça Eleitoral exerce a fiscalização sobre a escrituração contábil e a prestação de contasdo partido e das despesas de campanha eleitoral, devendo atestar se elas refletem adequadamente a realmovimentação financeira, os dispêndios e recursos aplicados nas campanhas eleitorais, exigindo a obser-vação das seguintes normas: [...]118  Art. 28. A prestação de contas será feita: I – no caso dos candidatos às eleições majoritárias, na forma

disciplinada pela Justiça Eleitoral; II – no caso dos candidatos às eleições proporcionais, de acordo comos modelos constantes do Anexo desta Lei.

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

117

quaisquer irregularidades”. Ocorre a ressalva exigida por essa interpretação da“subsidiariedade” da desobediência.

 Ademais, entendemos que não se pode reconhecer sempre esse caráter subsidiá-

rio à desobediência, pois muitas vezes as sanções cíveis ou administrativas previstaspara o inadimplemento são insuficientes.

É crime de menor potencial ofensivo, nos termos do art. 61 da Lei 9.099/95.Logo, não gera a inelegibilidade do art. 1º, I, da Lei Complementar nº 64/90.

 Art. 348. Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou

alterar documento público verdadeiro, para fins eleitorais:

Pena – reclusão de dois a seis anos e pagamento de 15 a 30 dias-

-multa.

§ 1º Se o agente é funcionário público e comete o crime prevale-

cendo-se do cargo, a pena é agravada.

§ 2º Para os efeitos penais, equipara-se a documento público o

emanado de entidade paraestatal inclusive Fundação do Estado.

Crime doloso, comum, material, comissivo, de maior potencial ofensivo e ge-

rador de inelegibilidade.O art. 348 dá início ao rol dos crimes contra a fé pública, no âmbito eleitoral.Criminaliza-se a falsificação material de documento público para fins eleitorais, art.348; a falsificação de documento particular, art. 349; a falsidade ideológica, art. 350;o falso reconhecimento de firma ou letra, art. 352; o uso de documento falso, art.353; e, por fim, no art. 354, criminaliza-se ato preparatório para as condutas ante-riormente mencionadas.

Os crimes de falso estão previstos em vários outros dispositivos legais, comdestaque, porém, para o Código Penal. Eles ofendem a fé pública, a confiança que aspessoas em geral têm nos documentos e palavras que lhes são apresentados, aspectoessencial da vida comunitária. No caso dos crimes eleitorais, protege-se a confiançaque os eleitores, os candidatos e partidos e, na verdade, todo o sistema de JustiçaEleitoral depositam nos documentos e informações que lhes são levados. Daí a exi-gência comum aos tipos de que a conduta seja praticada com “fins eleitorais”.

 Antiga construção doutrinária apresenta os requisitos comuns aos crimes defalso, que são perfeitamente aplicáveis também no ambiente eleitoral.119 São eles:

119  “Para que se configure o  falsum três requisitos são necessários e suficientes: a imitatio veri, o prae- judicium alterious (ainda que meramente potencial) e o dolo” (Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, v.

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

(i) o dolo; (ii) a alteração da verdade; (iii) fato juridicamente relevante; (iv) a po-tencialidade lesiva.

 A exigência do dolo se dá para evitar que erros, imprecisões ou descuidos na

apresentação de documentos ou informações sejam considerados crimes. Somentea conduta deliberada de iludir a confiança das pessoas perfaz o crime. No ambienteeleitoral, de toda a forma, a generalidade dos crimes é dolosa.

 A alteração da verdade (immutatio veri) é ínsita ao conceito de falso, pois estesignifica o que não condiz com a realidade. Todavia, não é qualquer informação de-turpada ou mentirosa que conduzirá ao crime de falso. Isso só ocorrerá se ela sereferir a fato juridicamente relevante, ou seja, aquele capaz de criar, alterar ou mo-dificar direitos e deveres. Haverá mentira, mas não crime, na informação de que de-

terminada pessoa tem 33 anos, e não 35. Todavia, se essa pessoa for um candidatoà Presidência da República, que deve ter, na sua posse, a idade de 35 anos (Cons-tituição Federal art. 14, § 3º, VI, letra a, combinado com o art. 11, § 2º, da Lei nº 9.504/97), essa mentira trará consequências jurídicas. Então, poderá haver crime.

 A última exigência é a potencialidade lesiva. Não haverá crime de falso se a in-verdade se mostrar incapaz de ofender a fé pública ou for posta ou estiver inseridaem um contexto no qual não possa fazê-lo. Um artista que, por capricho, falsifiquedetalhadamente um título eleitoral e, a seguir, o coloque numa moldura, numa ex-posição de arte, não responderá por falsificação de documento público para finseleitorais. Mais controvertida é a situação da falsificação grosseira, incapaz de iludiruma pessoa comum. Se não se parecer com a coisa verdadeira ( imitatio veri), seriapossível, de plano, constatar a falsidade, tornando-a incapaz de iludir a fé pública. Oproblema dessa exigência é que supõe um exame valorativo sobre a proximidade ounão da aparência da coisa falsa com a aparência da coisa verdadeira.

Quando levado ao paroxismo – com o que não concordamos! –, esse requisitode potencialidade lesiva supõe o uso efetivo do documento contrafeito. Assim, nãohaveria falsidade se alguém fosse encontrado com um título de eleitor andando nas

ruas, mas somente se ele o utilizasse num cartório, mesa receptora de votos ou ins-tância eleitoral. Também se sustenta que qualquer informação sujeita a procedimen-to de confirmação não apresenta potencialidade lesiva. Dessa maneira, o preenchi-mento mentiroso de dados numa ficha de obtenção do título eleitoral não implicariaem crime, pois compete à administração da Justiça Eleitoral a confirmação daquela

IX, Forense, Rio de Janeiro, 1958, p. 193). Em trecho adiante, o grande penalista observa que “Nemtoda mentira, ainda quando eventualmente lesiva do direito alheio, é crime de falsidade. É necessário

que não-verdadieor assuma a feição do verdadeiro, mediante a imitação deste (além da immutatio veri, aimitatio veri) [...]” (p. 194).

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

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Crime doloso, comum, material, de maior potencial ofensivo e gerador de ine-legibilidade.

Vale, para o estudo deste artigo, o dito nos comentários do artigo anterior so-

bre as características comuns dos crimes de falso. O que caracteriza especificamenteesse art. 349 é a exigência de que o objeto material seja documento particular, istoé, não proveniente do Poder Público ou de qualquer de suas entidades.

É por essa razão que as penas são mais brandas (reclusão de um a cinco anos, aoinvés de dois a seis, como no caso do art. 348): entende-se que há maior confiançapública em documentos que sejam provenientes dos órgãos estatais ou paraestatais.

É modalidade de falsidade material, apta para absorver eventual conteúdo men-daz (falsidade ideológica). Se houver uso do documento, o crime será o do art. 353.

Há evidente desproporção entre a sanção pecuniária branda (3 a 10 dias-multa)e a pena privativa de liberdade (reclusão de um a cinco anos). A pena pecuniária éque é, manifestamente, insuficiente.

É crime doloso, material (de conduta e resultado), comum, comissivo. Por serde maior potencial ofensivo e prever pena privativa de liberdade, é capaz de gerarinelegibilidade, por oito anos, nos termos da Lei Complementar nº 64/90.

 Art. 350. Omitir, em documento público ou particular, declaração

que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração

falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais:

Pena – reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa,

se o documento é público, e reclusão até três anos e pagamento de

3 a 10 dias-multa se o documento é particular.

Parágrafo único. Se o agente da falsidade documental é funcioná-

rio público e comete o crime prevalecendo-se do cargo ou se a fal-

sificação ou alteração é de assentamentos de registro civil, a pena

é agravada.

Crime comum, doloso, omissivo/comissivo, de maior potencial ofensivo e ge-rador de inelegibilidade.

Vale por igual, para o estudo desse artigo, o dito nos comentários do art. 348sobre as características comuns dos crimes de falso. Nesse art. 350, temos a falsida-de ideológica eleitoral. O suporte da informação, o documento, é verdadeiro. Não

raro é um formulário apresentado para preenchimento. A mentira está nas informa-ções que são postas ou que se deixa de pôr naquele suporte.

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

O crime de falsidade ideológica admite a figura omissiva (deixar de prestar a in-formação quando se era obrigado a fazê-lo) e condutas comissivas (inserir ou fazerinserir a declaração falsa ou diversa da que deveria ser escrita).

Há duas formas de mentir e uma delas é deixar de dizer a verdade. O tipo equi-para a mentira (declaração falsa) com a informação impertinente (declaração diver-sa da que devia ser escrita), que é falsa naquele contexto, não necessariamente emtodos, produzindo idêntica alteração da verdade.

Na modalidade comissiva – a inserção de afirmação falsa ou diversa da quedevia ser escrita –, a consumação do delito não exige qualquer resultado ulterior.Nesse sentido, é crime formal, como já reconheceu a jurisprudência do Supremo

 Tribunal Federal.121

Quando a falsidade ideológica for praticada em documento que, em si mesmo,é falso (falsidade material), haverá absorção. O agente só responderá pela falsidadematerial. Se houver uso do documento ideológica ou materialmente falso, só estecrime remanescerá.

Há distinção da pena se a omissão ou declaração falsa ou diversa tiver lugarnum documento público (reclusão de um a cinco anos) ou em documento particular(reclusão de um a três anos). A razão é a maior confiança que se deposita em docu-mentos oriundos do poder público ou de suas entidades.

 A pena será agravada (de um quinto a um terço, art. 285) se o agente for fun-cionário público e se prevalecer de seu cargo para o falso, bem como se a mentirarecair sobre assentamento de registro civil (nome, nascimento, filiação, gênero, es-tado civil, óbito...).

 É crime doloso, omissivo, num dos verbos típicos (omitir), e comissivo nosdemais (inserir ou fazer inserir). No verbo “inserir” exige-se a conduta pessoal doagente. Já o “fazer inserir” supõe que alguém, de boa-fé, aceite a informação dadapelo agente e a coloque no formulário ou banco de dados.

Não se exige que o crime seja praticado perante a Justiça Eleitoral, mas que,onde quer que seja, se procure buscar finalidade eleitoral.

Questão controvertida sobre esse crime do art. 350 se refere às informaçõesprestadas por candidatos a cargos eletivos, por ocasião do pedido de registro da can-didatura. O art. 11 da Lei 9.504/97 estabelece um sem-número de informações e

121  “[…] 1. Trata-se de crime formal, cuja consumação ocorre com a ação omissiva ou comissiva,independentemente da ocorrência de prejuízo, bastando para sua configuração a potencialidade de

dano decorrente da falsidade do conteúdo do documento. [...]” (HC 96233-SP, j. 7.5.2009, Rel. Min.Ellen Gracie).

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

123

documentos que devem ser apresentados,122 dentre eles, a “declaração de bens, as-sinada pelo candidato” (inciso IV). É usual, porém, que os candidatos não declaremtodos os bens que possuem ou apresentem para eles valores inferiores aos verdadei-

ros. Será isso crime eleitoral?Como Procurador Eleitoral de São Paulo (2008/2010), oferecemos seguidas

denúncias em relação a esses fatos, por entender que todos os requisitos típicosse apresentavam (dolo, inverdade, relevo jurídico do fato, potencialidade lesiva). Anosso ver, o destinatário dessas informações dos candidatos (que tem caráter públi-co) são os demais concorrentes, os partidos, os eleitores e a própria Justiça Eleitoral.Evidencia-se a finalidade eleitoral em sonegar ou subvalorizar bens e propriedades.

Sem embargo, o Tribunal Superior Eleitoral tem mantido orientação diversa,

no sentido de que a prestação dessas informações sobre bens interessa primordial-mente ao próprio candidato e tem por objetivo evitar futuras acusações de enrique-cimento durante o exercício do cargo (se forem eleitos). Por isso, agente e vítimaconfundir-se-iam!

Para o TSE, ademais, não há crime quando o candidato apresenta os valoreshistóricos de seus bens e não os valores atualizados, pois tal exigência não se apre-senta no citado art. 11 da Lei 9.504/97.123 No mesmo sentido, se omitir a indicaçãode bens que possua.124

 A nosso ver, se é crime “Divulgar, na propaganda, fatos que sabe inverídicos,em relação a partidos ou candidatos e capazes de exercerem influência perante oeleitorado”, art. 323, como justificar que possa, ele, o candidato, apresentar infor-mações inverídicas ou incompletas aos eleitores?

Da mesma maneira, entendemos que há crime quando, nas prestações decontas exigidas pelos arts. 28 e 29 da Lei 9.504/97 (Lei das Eleições), o candi-

122  Art. 11. Os partidos e coligações solicitarão à Justiça Eleitoral o registro de seus candidatos até asdezenove horas do dia 5 de julho do ano em que se realizarem as eleições. § 1º O pedido de registro deve

ser instruído com os seguintes documentos: I – cópia da ata a que se refere o art. 8 º; II – autorização docandidato, por escrito; III – prova de filiação partidária; IV – declaração de bens, assinada pelo candidato;V – cópia do título eleitoral ou certidão, fornecida pelo Cartório Eleitoral, de que o candidato é eleitor nacircunscrição ou requereu sua inscrição ou transferência de domicílio no prazo previsto no art. 9º; VI –certidão de quitação eleitoral; VII – certidões criminais fornecidas pelos órgãos de distribuição da JustiçaEleitoral, Federal e Estadual; VIII – fotografia do candidato, nas dimensões estabelecidas em instruçãoda Justiça Eleitoral, para efeito do disposto no § 1º do art. 59; IX – propostas defendidas pelo candidatoa Prefeito, a Governador de Estado e a Presidente da República [...].123  Ao contrário do art. 94, § 1º, VI, do Código Eleitoral, que se considera revogado. Nesse sentido, Ac.

 TSE nº 19.974/2002.

124  “Eventuais omissões em declaração de bens para fins de registro de candidatura não configuram ahipótese típica versada neste artigo” (TSE – AgR-REspe nº 36.417, j. 18.3.2010).

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

dato omite receitas ou gastos, ou presta informações distintas das que deveriaprestar. O argumento de que quando da apresentação das contas já houve o pé-riplo eleitoral e que não haveria “potencialidade lesiva” no falso, a nosso ver,não pode ser aceito. É importante lembrar que a prestação de contas pode mu-niciar a representação prevista no art. 30-A da Lei Eleitoral, cuja consequênciapode ser a cassação do registro ou do diploma do candidato. A falsidade, assim,tem potencialidade lesiva eleitoral. Sem falar na orientação do Tribunal SuperiorEleitoral, oscilante, no sentido de que a rejeição de contas impede o registro dacandidatura, nos termos do art. 11 da Lei 9.504/97.125

Por igual, não nos convence o argumento de que como se trata de declaraçõessujeitas a procedimento verificatório, a mentira ou omissão seriam atípicas. Nessesentido que ora criticamos, Acórdão do TRE-SP no Recurso Criminal 2093, de San-

tana de Parnaíba, SP, j. 25.2.2010.Diverso foi o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, competente parao julgamento de crime eleitoral em face de foro por prerrogativa de função (veritem sobre processo penal eleitoral). Ali se recebeu denúncia justamente em face daomissão na prestação de contas de campanha.126 

É crime doloso, comum, omissivo/comissivo. Por ser de maior potencial ofen-sivo e prever pena privativa de liberdade, é capaz de gerar inelegibilidade, por oitoanos, nos termos da Lei Complementar nº 64/90.

 Art. 351. Equipara-se a documento (348, 349 e 350) para os efei-

tos penais, a fotografia, o filme cinematográfico, o disco fonográ-fico ou fita de ditafone a que se incorpore declaração ou imagem

destinada à prova de fato juridicamente relevante.

O art. 351 traz norma penal explicativa, dando natureza de documento nãoapenas ao papel que sirva de suporte a informações, como também a fotografia,o filme, o disco e a “fita de ditafone”. Essa tecnologia, o ditafone, de há muito

 já não é utilizada.127

 125  Nesse sentido, a Instrução nº 154264, com alteração procedida em 1º de março de 2012.126  “[…] Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer

inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais” supostamente praticado na campa-nha eleitoral de 2002. Como visto, a denúncia narrou que, naquele ano, o acusado, então candidato a de-putado estadual, teria protocolado, no Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Mato Grosso, prestaçãode contas com dados inverídicos, eis que deixou de declarar valores arrecadados e despesas realizadas”(AÇÃO PENAL nº 643 – MT, Rel. Min. Teori Zawascki, j. 1.2.2012).127  Trata-se de “um aparelho fonográfico com fins comerciais, inventado por Thomas Edison, que grava em tubos de

cera o ditado de cartas, que devem ser reproduzidas por datilógrafas”. Disponível em: <pt.wikipedia.org/wiki/ Ditafone>. Pesquisa realizada em 6 de março de 2012.

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Terceira Parte: Os Crimes do Código Eleitoral 

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Falta a essa norma um fecho genérico, dizendo algo como “e qualquer outro supor-

te hábil e reconhecido para o recebimento de informações”, como é o caso, atualmente, dosbancos de dados de computador e seus suportes, como discos rígidos, cds, DVDs,

blue-rays e outros.Isso não impede, todavia, que o vocábulo “documento” constante dos tipos

penais dos arts. 348, 349 e 350 receba interpretação condizente com o estado daevolução técnica e científica. Qualquer suporte, de natureza pública ou particular,que possa conter informações de fato juridicamente relevante pode ser aceito comodocumento e ser objeto material de contrafação ou alteração.

 Art. 352. Reconhecer, como verdadeira, no exercício da função pú-

blica, firma ou letra que o não seja, para fins eleitorais:Pena – reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa

se o documento é público, e reclusão até três anos e pagamento de

3 a 10 dias-multa se o documento é particular.

Crime próprio, doloso e material, de maior potencial ofensivo e capaz de gerarinelegibilidade.

Crime próprio de tabelião, notário ou cartorário, seja de serventia oficial,seja de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder públi-co. O sujeito ativo, com a função de certificar a veracidade de assinatura ou letraconstante em determinado documento, age com falsidade, reconhecendo comoverdadeiro o que não é.

Exigem-se os elementos comuns aos crimes de falso, a saber, o dolo, a alteraçãoda verdade, o fato juridicamente relevante e a potencialidade lesiva. Se não houverfinalidade eleitoral na conduta, o crime será o do Código Penal.

 As sanções são distintas a depender de ser público ou privado o documento noqual consta a firma ou letra, reclusão de um a cinco anos, no primeiro caso, e de uma três, para o documento particular, além da multa.

É crime próprio, doloso e comissivo. Por ser de maior potencial ofensivo e pre-ver pena privativa de liberdade, é capaz de gerar inelegibilidade, por oito anos, nostermos da Lei Complementar nº 64/90.

 Art. 353. Fazer uso de qualquer dos documentos falsificados ou

alterados, a que se referem os artigos 348 a 352:

Pena – a cominada à falsificação ou à alteração.

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Crime doloso, comum, material, de maior potencial ofensivo e capaz de gerarinelegibilidade.

De modo análogo ao que ocorre nos crimes de falso do Código Penal, a utiliza-

ção do documento forjado ou alterado ou com informações ideologicamente falsasabsorve os crimes anteriores, ao menos pelo agente que os utiliza. Essa é a razãopela qual a pena desse art. 353 é variável, pois acompanha a do crime anterior quelhe deu ensejo (inclusive nas agravantes). A solução legal se deve a maior facilida-de de constatar materialidade e autoria delitiva, diante do emprego do documentomendaz. É mais difícil saber quando e como se deu a falsidade do que surpreendê-lacom o uso do documento resultante.

Esse crime é doloso, comum e material. Embora o tipo não indique, o uso deve

se dar com finalidade eleitoral, pois, senão, seria o crime comum do Código Penal.Por ser de maior potencial ofensivo e prever pena privativa de liberdade, é capazde gerar inelegibilidade, por oito anos, nos termos da Lei Complementar nº 64/90.

Para considerações genéricas sobre os crimes de falso, consultar os comentáriosao art. 348.

 Art. 354. Obter, para uso próprio ou de outrem, documento pú-

blico ou particular, material ou ideologicamente falso para fins

eleitorais:Pena – a cominada à falsificação ou à alteração.

Crime comum, doloso, material, de maior potencial ofensivo e capaz de gerarinelegibilidade.

 Trata-se de figura criminosa capaz de absorver ou ser absorvida pelos outroscrimes de falso. Ela absorverá a contrafação ou a prestação de informação mentiro-sa, arts. 348, 349 e 350, daí a pena variável, a depender da falsidade anteriormente

praticada. Por outro lado, se além de obter, o agente utilizar o documento materialou ideologicamente falso, responderá somente pelo art. 353.

 Ao contrário dos demais crimes de falso eleitoral, este crime do art. 354 não temparalelo na legislação penal comum. Sua utilidade está em criminalizar a posse dodocumento falso, derivação lógica de sua obtenção anterior. A exigência de potencia-lidade lesiva nessa figura deve ser examinada sem desatenção a essa peculiaridade.

É crime doloso, comum e material. Para informações sobre aspectos genéricosdos crimes de falso, inclusive deste, consultar os comentários ao art. 348.

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Código Eleitoral de criminalizar a infração a cada um dos aspectos que rege. Falta--lhe, porém, o aprumo técnico de agrupar, em capítulo próprio, os crimes que defi-ne. Eles ficam esparramados em meio às disposições cíveis e administrativas, sem

permitir ao intérprete e às pessoas em geral uma visão de conjunto.O primeiro crime por ela trazido diz respeito às pesquisas eleitorais.

 Art. 33 [...] § 4º A divulgação de pesquisa fraudulenta constitui

crime, punível com detenção de seis meses a um ano e multa no

valor de cinquenta mil a cem mil UFIR.

Crime comum, doloso, material e de menor potencial ofensivo.

 As pesquisas eleitorais são minudentemente regradas pela Lei Eleitoral.1 Há oentendimento de que elas exercem poderosa influência na formação da vontade doseleitores. Muitas vezes, eles temem mais um candidato que está à frente nas pes-quisas do que amam algum outro de sua preferência... Nesse caso, votarão contraaquele cabeça. Noutra conformação, o eleitor pode pretender somar seu voto ao dolíder nas pesquisas, supondo que o elevado grau de intenção de votos é indicativodas qualidades do candidato.

 As pesquisas eleitorais podem também orientar ou reorientar a condução da

campanha pelos partidos e candidatos, testar a recepção de propostas ou a repercus-são de críticas, posturas ou escândalos imputados aos pretendentes.

Enfim, por ser um instrumento dessa importância e magnitude é que a con-fecção de pesquisas eleitorais não é deixada ao arbítrio de quem a faz, sendosubmetida às exigências de transparência e validação e à possibilidade de fisca-

1  Art. 33. As entidades e empresas que realizarem pesquisas de opinião pública relativas às eleições ouaos candidatos, para conhecimento público, são obrigadas, para cada pesquisa, a registrar, junto à JustiçaEleitoral, até cinco dias antes da divulgação, as seguintes informações: I – quem contratou a pesquisa;

II – valor e origem dos recursos despendidos no trabalho; III – metodologia e período de realização dapesquisa; IV – plano amostral e ponderação quanto a sexo, idade, grau de instrução, nível econômico eárea física de realização do trabalho, intervalo de confiança e margem de erro; V – sistema interno decontrole e verificação, conferência e fiscalização da coleta de dados e do trabalho de campo; VI – questio-nário completo aplicado ou a ser aplicado; VII – o nome de quem pagou pela realização do trabalho. § lº 

 As informações relativas às pesquisas serão registradas nos órgãos da Justiça Eleitoral aos quais competefazer o registro dos candidatos; § 2º A Justiça Eleitoral afixará no prazo de vinte e quatro horas, no localde costume, bem como divulgará em seu sítio na internet, aviso comunicando o registro das informaçõesa que se refere este artigo, colocando-as à disposição dos partidos ou coligações com candidatos ao pleito,os quais a elas terão livre acesso pelo prazo de 30 (trinta) dias. § 3º A divulgação de pesquisa sem o prévioregistro das informações de que trata este artigo sujeita os responsáveis a multa no valor de cinquenta

mil a cem mil UFIR. § 4º A divulgação de pesquisa fraudulenta constitui crime, punível com detenção deseis meses a um ano e multa no valor de cinquenta mil a cem mil UFIR.

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Quarta Parte: Os Crimes Eleitorais da Legislação Esparsa 

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lização pelos partidos e coligações, pelos candidatos, Ministério Público e pelaprópria Justiça Eleitoral.

Duas classes de irregularidade despontam, de logo, em face dessas pesquisas. A

primeira, sancionada administrativamente, é a propaganda não registrada, ou seja,não submetida previamente à Justiça Eleitoral. O registro serve para validação dapesquisa e para que os demais atores eleitorais possam conhecê-la, criticá-la e im-pugna-lá, se feita em desacordo com as exigências da lei.

 A divulgação de propaganda sem registro submete os responsáveis à multa de“cinquenta mil a cem mil UFIR”, nos termos do art. 33, § 3º. É uma sanção branda,não raro “incorporada” pelos que a fazem nos gastos previstos de campanha...

Sem embargo, para essa classe de ilicitude cível – a ausência de registro – vale

distinção formulada pela jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, que sepa-ra a pesquisa eleitoral da mera “enquete” sobre tendência de votos. Esta últimaconsiste numa pesquisa informal, sem rigor técnico, empregada mais com intui-to propagandístico do que o de fornecer informação confiável sobre a perspectivado resultado eleitoral. Desde que a menção a essa modalidade de pesquisa venhaacompanhada da explicação clara de que se trata de “enquete”, não haverá reco-nhecimento de sua ilicitude.

Diferente é a figura da pesquisa fraudulenta, o crime ora em estudo. Nessecaso, tem-se a falsificação da realização, dos dados obtidos, do método empregado,do sistema de controle e outros itens, sempre no sentido de oferecer um resultadoforjado, não verdadeiro. Para a pesquisa fraudulenta, é indiferente se houve ou nãoregistro. Pode haver pesquisa forjada devidamente registrada na Justiça Eleitoral ououtra que nem a esse trabalho se deu. Neste último caso, serão cumuláveis as san-ções de multa administrativa e a sanção criminal. Por outro lado, nem toda a pes-quisa sem registro é fraudulenta.

Fraude é termo compreensivo de artimanhas, inexatidões intencionais, menda-cidade e falsificações de toda ordem. Uma pesquisa fraudulenta é, portanto, pesqui-

sa falsa, seja no modo de realização, seja nos resultados que apresenta.O tipo é doloso e comum. Pode ser praticado por qualquer pessoa e não exclusi-

vamente por candidato ou partido. Por ele podem ser responsabilizados penalmen-te: “os representantes legais da empresa ou entidade de pesquisa e do órgão veicula-dor”, art. 35. Esse artigo se presta a confirmar a possibilidade de responsabilizaçãodas pessoas que menciona e não para limitá-la. À evidência, quem a encomendouresponde também, assim como as pessoas que a divulgaram e o candidato que se be-neficiou, desde que estejam em colaboração (art. 29 do Código Penal – concurso de

agentes). É desse teor o constante da primeira parte do art. 34, § 3º

: “A comprovaçãode irregularidade nos dados publicados sujeita os responsáveis às penas menciona-

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

das no parágrafo anterior, sem prejuízo da obrigatoriedade da veiculação dos dadoscorretos no mesmo espaço, local, horário, página, caracteres e outros elementos dedestaque, de acordo com o veículo usado.”

O verbo típico é “divulgar” e não produzir ou preparar. Divulgação, nessecontexto, equivale à revelação, mostra dos resultados. Não exige o tipo que setrate de publicização junto aos eleitores. Por essas razões, a mera produção dapesquisa fraudulenta é momento do iter criminis que precede a consumação. Senem mesmo o encomendante ou terceira pessoa vier a conhecer seus resultados,o crime não terá se consumado.

Por certo, exige-se também do terceiro divulgador da pesquisa a consciência deque se trata de produto fraudulento. Se o divulgador age por negligência ou descui-

do, não responde pelo crime.Para o fim de caracterização da conduta típica, tanto faz se a pesquisa fraudu-

lenta é indicada como sendo “enquete”. Essa construção jurisprudencial não é pro-tetiva da fraude. Pesquisa ou enquete fraudulentas são igualmente contempladaspor esse tipo do art. 33, § 4º. Haverá o crime mesmo quando, indicado tratar-se de“enquete”, os dados de obtenção ou o resultado forem dolosamente falsificados.

 A Lei 12.891/2013, de toda forma, acrescentou um § 5º  ao art. 33 da Lei9.504/97 e proibiu a realização de enquetes no período de campanha eleitoral.

 Além da pena privativa de liberdade (excessivamente branda: detenção de seismeses a um ano), aplicar-se-á o mesmo parâmetro de multa da pesquisa sem regis-tro, 50 a 100 mil Ufirs.

É crime de menor potencial ofensivo, nos termos do art. 61 da Lei 9.099/95. Assim, não gera a inelegibilidade prevista na Lei Complementar nº 64/90, art. 1º,I, letra e.

 Art. 34 [...]

§ 2º O não-cumprimento do disposto neste artigo ou qualquer atoque vise a retardar, impedir ou dificultar a ação fiscalizadora dos

partidos constitui crime, punível com detenção, de seis meses a

um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade

pelo mesmo prazo, e multa no valor de dez mil a vinte mil UFIR.

§ 3º A comprovação de irregularidade nos dados publicados sujei-

ta os responsáveis às penas mencionadas no parágrafo anterior,

sem prejuízo da obrigatoriedade da veiculação dos dados corretos

no mesmo espaço, local, horário, página, caracteres e outros ele-mentos de destaque, de acordo com o veículo usado.

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Crime doloso, omisso/comissivo, formal, comum e de menor potencial ofensi-vo. Não gera inelegibilidade.

Essa segunda figura criminosa ligada à pesquisa fraudulenta se insere no artigo

relativo à fiscalização, pelos partidos políticos, das entidades ou empresas que elabo-raram a pesquisa.2 Eles poderão fazê-lo mediante requerimento à Justiça Eleitoral.

 A conformação do crime depende de ter sido deferido esse requerimento, semque a entidade responsável pela pesquisa permita o acesso aos dados (modalidadeomissiva). Haverá crime também se ela praticar atos com o objetivo de retardar, impe-dir ou dificultar a fiscalização (modalidade comissiva). Nesta última, o crime é formal,pois é suficiente que o ato praticado “vise”, tenha o objetivo de dificultar, impedir ouretardar a fiscalização, não sendo necessário que esse intento tenha sido alcançado.

Por deficiência técnica (e não, espera-se, por restrição política...) haverá ocrime apenas se a recusa for oposta a partidos políticos. A possibilidade de nega-tiva de acesso ou criação de obstáculos a outros atores do sistema eleitoral, comoo Ministério Público, a Justiça Eleitoral e os candidatos, embora tenham idênti-co poder fiscalizador, não foi contemplada com proteção penal. Alcança, porém,as coligações, que são “partidos temporários”, atuando, no pleito eleitoral, com asprerrogativas de partido político.

Há duas penas previstas: a primeira, alternativamente fixável, é a detenção, deseis meses a um ano ou a prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período;

a segunda, é a multa, de dez a vinte mil Ufir. Efeito da condenação é a publicaçãodos dados corretos, no mesmo espaço e local. Essa medida está ao alcance do juízocriminal eleitoral.

 A menção a pesquisas eleitorais, feita no § 1º, não exclui o direito de fiscali-zação de entidades que promovam “enquetes” eleitorais. Enquete é modalidadede pesquisa.

Curiosamente, a Lei 9.504/97 determina que:

“Art. 70. O Presidente de Junta Eleitoral que deixar de receber ou de mencio-nar em ata os protestos recebidos, ou ainda, impedir o exercício de fiscalização,pelos partidos ou coligações, deverá ser imediatamente afastado, além de res-ponder pelos crimes previstos na Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 – CódigoEleitoral.” (Grifamos)

2  Diz o parágrafo precedente, art. 34, § 1º, que: “§ 1º Mediante requerimento à Justiça Eleitoral, ospartidos poderão ter acesso ao sistema interno de controle, verificação e fiscalização da coleta de dadosdas entidades que divulgaram pesquisas de opinião relativas às eleições, incluídos os referentes à iden-

tificação dos entrevistadores e, por meio de escolha livre e aleatória de planilhas individuais, mapas ouequivalentes, confrontar e conferir os dados publicados, preservada a identidade dos respondentes”.

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 A referência ao não recebimento ou menção em ata de protestos recebidosalcança o crime do art. 316 do Código Eleitoral,3 mas não há crime, no CódigoEleitoral, em face do impedimento do exercício de fiscalização pelos partidos ou

coligações. Ao contrário, o crime é este, do art. 34, § 2º

, da Lei 9.504/97, a des-peito da errada remição.

O crime é doloso e comum, admitindo forma omissiva ou comissiva. Nesta úl-tima configuração, é crime formal. Pode ser praticado por qualquer pessoa. Quan-do a recusa ou dificultação à fiscalização for proveniente de pessoa jurídica – oque é o mais comum, pois sempre há necessidade de uma organização ou empresapara proceder às pesquisas –, responderão penalmente aqueles que, na empresa,tomarem a decisão de obstar a fiscalização ou para tanto colaborarem. É o que dizo art. 35 da Lei: “Pelos crimes definidos nos arts. 33, § 4 º e 34, §§ 2º e 3º, podemser responsabilizados penalmente os representantes legais da empresa ou entida-de de pesquisa e do órgão veiculador.”

É crime de menor potencial ofensivo, nos termos do art. 61 da Lei 9.099/95. Assim, não gera a inelegibilidade prevista na Lei Complementar nº 64/90, art. 1º,I, letra e.

Crimes do dia da eleição

 Art. 39. [...] § 5º Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis

com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de pres-

tação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no

valor de cinco mil a quinze mil UFIR:

I – o uso de alto-falantes e amplificadores de som ou a promoção

de comício ou carreata;

II – a arregimentação de eleitor ou a propaganda de boca de urna;

III – a divulgação de qualquer espécie de propaganda de partidos

políticos ou de seus candidatos.

Crimes dolosos, comuns, materiais e de menor potencial ofensivo. Não gerainelegibilidade.

3  Art. 316. Não receber ou não mencionar nas atas da eleição ou da apuração os protestos devidamente

formulados ou deixar de remetê-los à instância superior: Pena – reclusão até cinco anos e pagamento de5 a 15 dias-multa.

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 A lei eleitoral só permite a propaganda eleitoral a partir do dia 5 de julho doano das eleições, art. 36. A data final é a véspera das eleições, 22 horas, art. 39, § 9º (nesse caso, para a “distribuição de material gráfico, caminhada, carreata, passeata

ou carro de som que transite pela cidade divulgando jingles ou mensagens de candi-datos”). No dia da eleição, nenhuma propaganda é aceita. O ideário legislativo é deque todo o convencimento do eleitor deve ter ocorrido anteriormente, permitindoque o dia mesmo do pleito seja de reflexão e exercício do voto, com tranquilidade esem interferências.

Só se permite ao eleitor, art. 39-A, a “manifestação individual e silenciosa” de sua

 preferência por partido político, coligação ou candidato, “revelada exclusivamente pelo uso de

bandeiras, broches, dísticos e adesivos”. Quanto aos fiscais partidários, só podem utili-

zar, nos trabalhos de votação, crachás com nome e sigla do partido ou coligação, art.39-A, § 3º. Os servidores da Justiça Eleitoral, os mesários e os escrutinadores, norecinto das seções eleitorais e juntas apuradoras, estão proibidos de usar vestuárioou objeto que contenha qualquer propaganda de partido político, art. 39, § 2º. E nãose permite a “§ 1º  [...] a aglomeração de pessoas portando vestuário padronizado,bem como os instrumentos de propaganda referidos no caput, de modo a caracteri-zar manifestação coletiva, com ou sem utilização de veículos”.

Esse resguardo do dia eleitoral levou à criminalização dos atos de propagan-

da quando nele realizados. Esses “crimes do dia da eleição” estavam já previstosna redação originária da Lei 9.504/97, mas tiveram aperfeiçoamentos pela Lei11.300/2006.

 Antes se vedava “II – a distribuição de material de propaganda política, inclusi-ve volantes e outros impressos, ou a prática de aliciamento, coação ou manifestaçãotendentes a influir na vontade do eleitor” e “III – a divulgação de qualquer espéciede propaganda de partidos políticos ou de seus candidatos, mediante publicações,cartazes, camisas, bonés, broches ou dísticos em vestuário.”

 A norma atual veda a divulgação de qualquer espécie de propaganda de partidospolíticos ou de seus candidatos, sem exigir a “tendência para influir na vontade doeleitor” e sem especificar as modalidades da propaganda. Simplesmente, todas asformas de divulgação propagandística estão proibidas no dia do pleito.

Cabe notar que essa generalidade da descrição típica do inciso III desse artigo39 tornou supérflua a menção, no inciso II, da “propaganda de boca de urna”. Estaé aquela realizada nas imediações das seções eleitorais, quando os eleitores se diri-gem para o voto. A distância exata do que se deve considerar “imediações” sempre

deu margem a debates, existindo tradição no sentido de que a área de exclusão seriade 100 metros a partir do local onde funcionam as mesas receptoras de votos. Pela

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redação do inciso III, tanto faz se são 100 metros ou dez quilômetros: toda propa-ganda é vedada no dia das eleições.

Não haverá crime, porém, na permanência, mesmo no primeiro ou último

domingo de outubro, de cartazes ou pinturas realizados anteriormente a essas da-tas e não retirados. Não há o crime de “deixar a propaganda” ou “omitir-se nodever de retirá-las”.

 A consulta aos incisos anteriores desse art. 39 demonstra que eles funcionamsomente como exemplificação da proibição ampla do inciso III. O “ I – [...] uso de alto-

-falantes e amplificadores de som ou a promoção de comício ou carreata” não é coisa diversado que atos de propaganda, de modo análogo à boca de urna.

Somente a conduta típica “II – a arregimentação de eleitor” não se insere na-

quela generalidade, tendo contornos próprios. Arregimentar é abordar, tentar con-vencer, obter apoio. Supõe uma tentativa de convencimento que não se limita à dis-tribuição de um folheto, mas envolve abordagem e argumentação.

Os crimes do dia de propaganda podem ser praticados por qualquer pessoa,ainda que sem vinculações partidárias. Alcança quem divulgar a propaganda pro-duzida por terceiros. É comum que sejam contratadas pessoas para a distribuiçãode panfletos ou para ficar agitando bandeiras nesse dia. São condutas proibidaspor esses crimes do art. 39, § 5º.

São crimes dolosos e materiais, mas não exigem o convencimento do eleitorou a obtenção do voto.4 A sanção é branda: detenção (ou prestação de serviçosà comunidade) pelo período de seis meses a um ano, além da multa de cinco aquinze mil UFIR.

Somos pela descriminalização desses comportamentos. A despeito do medo detumultos e confrontos, é estranho que, justamente no dia em que o povo vai escol-lher seus representantes, os candidatos e partidos não possam exercer atos de pro-paganda. O caráter de “festa democrática” que poderia ser dado ao dia do pleito fica,

assim, artificialmente tolhido. Nem há falar que é diminuto o alcance dessas proi-bições e que, de modo às vezes explícito, os partidos e candidatos prosseguem rea-lizando distribuição de “santinhos” ou agitando bandeiras, sob a vista complacentedas autoridades e, mesmo, dos fiscais dos partidos.

4  TSE, HC 669-RJ, j. 23.3.2010, Rel. Min. Carmen Lucia. O crime de boca de urna independe da

obtenção do resultado, que, na espécie em foco, seria o aludido convencimento ou coação do eleitor.Precedentes.

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Código Eleitoral, cláusula de aumento de pena quando os crimes contra a hon-ra forem praticados “por meio que facilite a divulgação da ofensa”, art. 327, III,segunda parte, não pareceu ter sido levado em conta pelo legislador ou não foi

considerado suficiente. Dessa forma, um ato preparatório para crimes contra ahonra – a contratação de pessoas para ofender pela internet, acabou recebendosanção significativamente maior do que a própria divulgação das ofensas. A penada calúnia eleitoral, por exemplo, é de seis meses a dois anos. Mesmo com o au-mento de pena do art. 327, a pena será de dois anos e oito meses, longe dos doisa quatro anos da novel figura típica.

 A previsão autônoma de ato preparatório como crime, com a pena mais severaque a do crime finalístico, sugere que não haverá absorção de um pelo outro. As-sim, com a mera contratação, os responsáveis por ela e os contratados cometerãoo crime do art. 57, H. A cada vez que ofenderem a honra de candidato, porém, res-ponderão, conforme a modalidade da ofensa, pelos crimes dos arts. 323 a 325 doCódigo Eleitoral.

 A nosso ver, porém, é inconstitucional a criminalização da contratação para “de-negrir a imagem de candidato, partido ou coligação”, a não ser que o objetivo sejaavançar contra a honra objetiva ou subjetiva destes. O verbo “denegrir” não pode,em nenhum caso, ser interpretado no sentido de vedar a crítica política, ainda queáspera, em face de participantes da disputa eleitoral. Dessa forma, é inócua quan-

do menos, e inconstitucional quando mais, a mencionada expressão do art. 57, H. A conduta é dolosa, comum, de maior potencial ofensivo, exigente de finalidade

específica de agir − “dolo específico” e formal, não exigindo que as ofensas venham

mesmo a ser realizadas. Gera inelegibilidade.

 Art. 68. O boletim de urna, segundo modelo aprovado pelo Tribu-

nal Superior Eleitoral, conterá os nomes e os números dos candi-

datos nela votados.

§ 1º O Presidente da Mesa Receptora é obrigado a entregar có-pia do boletim de urna aos partidos e coligações concorrentes ao

pleito cujos representantes o requeiram até uma hora após a ex-

pedição.

§ 2º O descumprimento do disposto no parágrafo anterior consti-

tui crime, punível com detenção, de um a três meses, com a alter-

vale para eleições ocorridas a partir de 11 de dezembro de 2014. Ver artigo que escrevemos a esse res-peito no sítio “Justificando.com”. É a mesma situação do crime do art. 100-A desta mesma Lei 9.504/97.

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

nativa de prestação de serviço à comunidade pelo mesmo período,

e multa no valor de um mil a cinco mil UFIR.

Crime doloso, próprio, omissivo e de menor potencial ofensivo. Não gera ine-legibilidade.

Crime doloso, omissivo e próprio, do Presidente da Mesa Receptora de votos.Ele deixa de entregar, “até uma hora após a expedição”, cópia de boletim de urnaaos partidos e coligações que o requereram. Evidentemente, por se tratar de crimedoloso, eventual atraso por circunstâncias alheias à vontade do agente ou por negli-gência, imperícia ou imprudência não caracterizarão o crime...

Essa figura típica se refere à colheita dos votos por meio de urna eletrônica,

na qual a apuração dos votos se dá automaticamente. Daí falar-se em Presidente daMesa Receptora e Boletim de Urna. Se a apuração for de votos colhidos nas urnastradicionais, não eletrônicas, o crime será o do art. 87 dessa mesma Lei 9.504/97.Nele se falará em Presidente da Junta Eleitoral e em Boletim de Apuração.

Foi esse art. 87 que revogou o art. 313 do Código Eleitoral,7 que descrevia aconduta do Juiz ou membro da Junta Eleitoral de não expedir o boletim de apuraçãoapós a contagem de cada urna.

 A pena é branda, detenção de um a três meses ou, alternativamente, prestação

de serviços comunitários. Além da multa, de mil a cinco mil UFIR.É crime de menor potencial ofensivo, nos termos do art. 61 da Lei 9.099/95.

 Assim, não gera a inelegibilidade prevista na Lei Complementar nº 64/90, art. 1º,I, letra e.

 Art. 72. Constituem crimes, puníveis com reclusão, de cinco a dez

anos:

I – obter acesso a sistema de tratamento automático de dados usa-

do pelo serviço eleitoral, a fim de alterar a apuração ou a conta-

gem de votos;

II – desenvolver ou introduzir comando, instrução, ou programa

de computador capaz de destruir, apagar, eliminar, alterar, gravar

7  Art. 313. Deixar o juiz e os membros da Junta de expedir o boletim de apuração imediatamente apósa apuração de cada urna e antes de passar à subsequente, sob qualquer pretexto e ainda que dispensadaa expedição pelos fiscais, delegados ou candidatos presentes: Pena – pagamento de 90 a 120 dias-multa.

Parágrafo único. Nas seções eleitorais em que a contagem for procedida pela mesa receptora incorrerãona mesma pena o presidente e os mesários que não expedirem imediatamente o respectivo boletim.

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Quarta Parte: Os Crimes Eleitorais da Legislação Esparsa 

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ou transmitir dado, instrução ou programa ou provocar qualquer

outro resultado diverso do esperado em sistema de tratamento

automático de dados usados pelo serviço eleitoral;

III – causar, propositadamente, dano físico ao equipamento usadona votação ou na totalização de votos ou a suas partes.

Crime doloso, comum, formal, de maior potencial ofensivo e gerador de inele-gibilidade.

Esse crime é, em parte, a versão eleitoral do “peculato informático”, apelidoque se deu às condutas dos arts. 313-A e 313-B do Código Penal – crimes contra aadministração pública – que falam, também, na inserção de dados falsos em sistema

de informações ou modificação não autorizada de programas ou sistemas.8

 A informatização dos procedimentos eleitorais e, notadamente, da colheita dovoto, por meio da urna eletrônica, criou o receio de uma nova e danosíssima formade “mapismo”, a fraude eleitoral que altera os resultados da votação nas planilhasde controle. No caso, ao invés de mapas de papel, o que se tem é a totalização dosvotos por computador. O resultado de cada urna é enviado ao Tribunal SuperiorEleitoral, onde ocorrerá o somatório dos votos. Eventual fraude poderia comprome-ter não apenas o resultado de uma urna ou seção, mas de toda uma circunscrição

eleitoral ou mesmo, de todo o país.São três as figuras criminosas desse artigo. A primeira é o acesso indevido ao

sistema de dado, com a finalidade de alterá-lo. Embora a lei não fale em obter inde-vidamente esse acesso, a conduta proibida é exatamente esta, pois os funcionáriosautorizados da Justiça Eleitoral podem fazê-lo.

 Trata-se de crime formal, que se consuma com o acesso indevido – direta ou re-motamente – ainda que nenhuma alteração seja procedida. Basta que essa entradairregular tenha sido feita com a finalidade de alterar a apuração ou a contagem de

votos. Portanto, o crime traz um elemento circunstancial: os votos, já colhidos, es-tão no aguardo ou no procedimento de apuração.

8  Inserção de dados falsos em sistema de informações – Art. 313-A. Inserir ou facilitar, o funcioná-rio autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemasinformatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida parasi ou para outrem ou para causar dano: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

Modificação ou alteração não autorizada de sistema de informações – Art. 313-B. Modificar oualterar, o funcionário, sistema de informações ou programa de informática sem autorização ou solicitaçãode autoridade competente: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, e multa. Parágrafo único.

 As penas são aumentadas de um terço até a metade se da modificação ou alteração resulta dano para a Administração Pública ou para o administrado.

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

Não alcança, essa figura típica, invasões realizadas por hackers fora do contexto daapuração dos votos, posto que esse acesso indevido não teria o condão de alterá-la. Paraessa hipótese, o crime será o comum do Código Penal, arts. 313-A e 313-B.

O segundo comportamento típico é a criação ou uso de  software, programa decomputador, capaz de afetar a transmissão – obstando-a ou alterando-a – de dados,instruções ou programas da Justiça Eleitoral. Nesse caso não existe o elemento cir-cunstancial do inciso anterior: a conduta pode ser praticada a qualquer momento,antes ou depois das eleições e da apuração. O tipo penal fala em desenvolvimentoou introdução desse software e não o mero acesso ao sistema da Justiça Eleitoral. Jáo desenvolvimento, isto é, a concepção do programa, consuma o delito. Se houvertambém a introdução, no mesmo contexto, o crime será único, pois se trata de tipomúltiplo de conteúdo variado. Sem embargo, a introdução pode se dar diretamentenuma urna eleitoral – que não deixa de ser um computador. É possível, assim, quehaja uma responsabilização penal pela criação do comando, instrução ou programae outra para cada pessoa que o utilizar.

Não há necessidade de que em razão desses comandos ocorra efetiva destrui-ção, apagamento, eliminação, alteração, gravação ou transmissão de dados, instru-ções ou programas. Basta a capacidade para tanto. Portanto, não é crime de condutae resultado, mas formal.

Outrossim, se, em razão do acesso indevido ou criação de programa com essacapacidade, houver a efetiva alteração dos mapas ou boletins de apuração de votos,haverá concurso (formal/material) com o crime do art. 315 do Código Eleitoral.9 Adisposição da Lei 6.996/82, relativa à alteração de resultados no processamento ele-trônico de cédulas, está revogada por esse art. 72.

 A figura criminosa não descreve especificamente a conduta de ligar aparatos àurna eletrônica ou aos computadores para alcançar a fraude pretendida – como pen

drives, CDs ou DVDs. Todavia, para alcançar a alteração pretendida, esses instru-mentos precisarão conter comandos, instruções ou programas com essa habilidade,

perfazendo, do mesmo modo, o crime. Pode se dizer o mesmo de comandos, instru-ções ou programas que funcionem como “vírus” e tenham o condão de produzir osefeitos de destruição, apagamento, eliminação, alteração, gravação ou transmissãode dados, instruções ou programas.

 A terceira figura típica é a causação de dano físico ao equipamento utilizado navotação – a urna eletrônica – ou na totalização dos votos – os computadores da Jus-

9  Art. 315. Alterar nos mapas ou nos boletins de apuração a votação obtida por qualquer candidato ou

lançar nesses documentos votação que não corresponda às cédulas apuradas: Pena – reclusão até cincoanos e pagamento de 5 a 15 dias-multa.

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tiça Eleitoral. Urnas comuns não estão abrangidas por essa descrição, pois não são“equipamentos”. Para elas, remanesce o crime do art. 339 do Código Eleitoral, exi-gente da destruição, supressão ou ocultação.10 

Nesse inciso III não se exige nenhuma intenção específica do agente, alémdo agir intencional, propositado. Funciona como um crime de dano, embora sejade se presumir que, na generalidade das vezes, a danificação tem por objetivo umproveito eleitoral.

 Trata-se de crimes dolosos e comuns. Podem ser praticados por qualquer pes-soa. São as penas mais altas previstas em lei para crimes eleitorais específicos: cin-co a dez anos de reclusão. Por ser de maior potencial ofensivo e prever pena res-tritiva de liberdade, é capaz de gerar inelegibilidade pelo prazo de oito anos “após

o cumprimento da pena”, nos termos da Lei Complementar nº

 64/90, art. 1º

, I,letra e. Já a condenação por órgão colegiado, antes mesmo do trânsito em julgado,produz essa inelegibilidade.

 Art. 87. Na apuração, será garantido aos fiscais e delegados dos

partidos e coligações o direito de observar diretamente, a distân-

cia não superior a um metro da mesa, a abertura da urna, a aber-

tura e a contagem das cédulas e o preenchimento do boletim.

§ 1º O não-atendimento ao disposto no caput enseja a impugnação

do resultado da urna, desde que apresentada antes da divulgação

do boletim.

§ 2º Ao final da transcrição dos resultados apurados no boletim, o

Presidente da Junta Eleitoral é obrigado a entregar cópia deste aos

partidos e coligações concorrentes ao pleito cujos representantes

o requeiram até uma hora após sua expedição.

§ 3º Para os fins do disposto no parágrafo anterior, cada partido ou

coligação poderá credenciar até três fiscais perante a Junta Eleito-

ral, funcionando um de cada vez.

§ 4º O descumprimento de qualquer das disposições deste artigo

constitui crime, punível com detenção de um a três meses, com

a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo

período e multa, no valor de um mil a cinco mil UFIR.

10  Art. 339. Destruir, suprimir ou ocultar urna contendo votos, ou documentos relativos à eleição: Pena

– reclusão de dois a seis anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa. Parágrafo único. Se o agente é membro oufuncionário da Justiça Eleitoral e comete o crime prevalecendo-se do cargo, a pena é agravada.

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

Crime doloso, próprio, omissivo/comissivo, formal e de menor potencial ofen-sivo. Não gera inelegibilidade.

Este crime pune autonomamente atos preparatórios para a fraude eleitoral co-

nhecida como “mapismo”.O “mapismo” foi uma modalidade de fraude muito popular no Brasil. Consistia

em, ignorando ou simplesmente alterando o resultado de cada urna nos formuláriosoficiais de contagem, produzir um resultado cumulativo falso, em detrimento deuns e proveito de outros.

É famosa a história do cabo eleitoral de cidade do interior que, admoestado porestar na capital em pleno dia de votação, informa que nem precisava estar lá, pois játinha em mãos os mapas com os resultados eleitorais...

Para evitar essa prática, o Código Eleitoral definiu como crimes autônomos di-versos atos preparatórios para a fraude, ainda que eles não sejam necessariamenteilícitos individualmente. Isso sem embargo da previsão direta e autônoma do art.315, o “mapismo” propriamente dito.

Era o caso do art. 313,11 revogado por esse art. 87 da Lei 9.504/97. O comporta-mento então descrito era próprio do juiz eleitoral, dos membros da junta eleitoral e,em certos casos, dos mesários. Consistia em não expedir o boletim de apuração deuma urna antes de passar à apuração de outra. Daí sua revogação pela Lei 9.504/97,

que cria a obrigação do Presidente da Junta Eleitoral proceder à abertura da urna, àcontagem das cédulas e ao preenchimento do boletim às vistas dos fiscais e delega-dos de partidos e coligações, tendo que fornecer-lhes cópia do boletim de urna, noprazo de uma hora de sua expedição, àqueles que o tenham requerido.

Há crime muito assemelhado, mas distinto, previsto no art. 68 da Lei 9.504/97.12 É que ele se refere às urnas eletrônicas e o crime ora em estudo, a urnas convencio-nais. Por isso, enquanto lá se fala em  Boletim de Urna e  Presidente da Mesa Receptora 

11  Deixar o juiz e os membros da Junta de expedir o boletim de apuração imediatamente após aapuração de cada urna e antes de passar à subsequente, sob qualquer pretexto e ainda que dispensada aexpedição pelos fiscais, delegados ou candidatos presentes: Pena – pagamento de 90 a 120 dias-multa.Parágrafo único. Nas seções eleitorais em que a contagem for procedida pela mesa receptora incorrerãona mesma pena o presidente e os mesários que não expedirem imediatamente o respectivo boletim.12  Art. 68. O boletim de urna, segundo modelo aprovado pelo Tribunal Superior Eleitoral, conterá osnomes e os números dos candidatos nela votados. § 1º O Presidente da Mesa Receptora é obrigado aentregar cópia do boletim de urna aos partidos e coligações concorrentes ao pleito cujos representanteso requeiram até uma hora após a expedição. § 2º O descumprimento do disposto no parágrafo anterior

constitui crime, punível com detenção, de um a três meses, com a alternativa de prestação de serviço àcomunidade pelo mesmo período, e multa no valor de um mil a cinco mil UFIR.

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de votos – pois a apuração é automática –, o crime desse art. 87 fala em boletim deapuração e é próprio do Presidente da Junta Eleitoral.

 A intelecção desse art. 87 começa com o artigo anterior, 86,13 que dispõe sobre

o sistema de votação convencional, ou seja, não eletrônico.O crime descreve o desrespeito a procedimentos de acompanhamento e a fisca-

lização sobre o resultado de urnas convencionais, essencial para evitar a prática defraudes, entre elas, o “mapismo”.

É crime próprio do Presidente da Junta Eleitoral, ou seja, do juiz eleitoral, queo preside.14 A ele cabe assegurar o respeito ao direito dos partidos e coligações, pormeio de seus fiscais e delegados, de observar a abertura da urna, a abertura e a con-tagem das cédulas e o preenchimento do boletim, bem como de receber cópia do

boletim de apuração no prazo máximo de uma hora após sua expedição. A pena é idêntica à do art. 68: de um a três meses de detenção ou, alternativa-

mente, serviços comunitários pelo mesmo período, além de multa de mil a cincomil UFIR.

O crime é doloso e omissivo. E de menor potencial ofensivo, nos termos do art.61 da Lei 9.099/95. Não gera inelegibilidade.

 Art. 91. Nenhum requerimento de inscrição eleitoral ou de trans-

ferência será recebido dentro dos cento e cinquenta dias anterio-res à data da eleição.

Parágrafo único. A retenção de título eleitoral ou do comprovante de

alistamento eleitoral constitui crime, punível com detenção, de um a

três meses, com a alternativa de prestação de serviços à comunida-

de por igual período, e multa no valor de cinco mil a dez mil UFIR.15

Crime doloso, próprio, material e de menor potencial ofensivo. Não gera ine-

legibilidade.

13  Art. 86. No sistema de votação convencional considerar-se-á voto de legenda quando o eleitor as-sinalar o número do partido no local exato reservado para o cargo respectivo e somente para este serácomputado.14  Código Eleitoral. Art. 36. Compor-se-ão as juntas eleitorais de um juiz de direito, que será o presi-dente, e de 2 (dois) ou 4 (quatro) cidadãos de notória idoneidade.

15  Conduta assemelhada já vinha prevista na Lei Saraiva, de 1881: “§ 9º Occultar, extraviar ou subtrahiralguem o titulo do eleitor: Penas: prisão por um a seis mezes e multa de 100$ a 300$000”.

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

Esse artigo revogou o de nº 295 do Código Eleitoral,16 que descrevia o mesmocomportamento, com pena ligeiramente menor (detenção até dois meses e multade até 60 dias).

 A retenção do título de eleitor é meio para impedir que este vote. Era tambémmecanismo de assegurar “voto de cabresto”, conduzindo eleitores às sessões eleito-rais para, só então, dar-lhes o título.

 A Lei 9.504/97, em seu art. 91-A, exigia a utilização também de outro docu-mento de identificação, com fotografia (que não existe no título de eleitor): “ No mo-

mento da votação, além da exibição do respectivo título, o eleitor deverá apresentar documento

de identificação com fotografia.” Essa exigência não foi considerada razoável pelo Su-premo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 4467 MC/DF, em 30.9.2010,17 queentendeu, porém, que ao menos o documento com foto deveria ser levado. 

 A sanção branda, todavia, demonstra que não há, por parte de quem retém otítulo, intenção de assenhoramento definitivo, o que poderia ensejar apropriaçãoindébita ou furto.

O crime é doloso e próprio de funcionário da Justiça Eleitoral. Embora a lei nãoo diga expressamente, sua inclusão como parágrafo do artigo relativo à inscrição outransferência eleitoral serve de demonstração. Se terceira pessoa se apossar do títu-lo de alguém, ter-se-á crime contra o patrimônio, comum, do Código Penal.18 

 A retenção pode consistir na omissão em entregar título que já se ache pronto,sem razão justificadora, antes que ele seja dado ao eleitor, ou a negativa de restituí--lo, depois que, por qualquer razão, se obteve sua detenção.

É crime de menor potencial ofensivo, nos termos do art. 61 da Lei 9.099/95.Não gera inelegibilidade.

 Art. 90. Aos crimes definidos nesta Lei, aplica-se o disposto nos

arts. 287 e 355 a 364 da Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 – Có-

digo Eleitoral.

16  Art. 295. Reter título eleitoral contra a vontade do eleitor. Pena – Detenção até dois meses ou paga-mento de 30 a 60 dias-multa.17  “6. Medida cautelar deferida para dar às normas ora impugnadas interpretação conforme à Consti-tuição Federal, no sentido de que apenas a ausência de documento oficial de identidade com fotografiaimpede o exercício do direito de voto.”18  Não para o Superior Tribunal de Justiça, que entende que, por não terem valor econômico neles mes-mos, documentos não podem ser objeto material de furto (e, por conseguinte, de outros crimes contrao patrimônio). Nesse sentido, 5ª Turma, HC 118873/SC, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 17.3.2011. Para nós,

pode ser furto, roubo, apropriação indébita, etc., pois sua perda será onerosa para a vítima, que terá queprovidenciar outro, havendo, portanto, dimensão patrimonial na conduta.

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Quarta Parte: Os Crimes Eleitorais da Legislação Esparsa 

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§ 1º Para os efeitos desta Lei, respondem penalmente pelos parti-

dos e coligações os seus representantes legais.

§ 2º Nos casos de reincidência, as penas pecuniárias previstas nes-

ta Lei aplicam-se em dobro.

O art. 287 do Código Eleitoral diz que aplicam-se aos crimes que descrevemas normas gerais do Código Penal. Elas são aplicáveis também aos crimes da Lei9.504/97.

Logo de início, porém, a Lei das Eleições já traz uma exceção interessante, de-terminando que, em caso de reincidência, as multas sejam fixadas em dobro. Comoessa lei não define reincidência, se adotam as disposições do Código Penal.19

Dessa maneira, além de circunstância preponderante na fixação do “quantum”de pena,20 a reincidência duplicará a sanção pecuniária.

 A inclusão da determinação como parágrafo deste art. 90, que fala em crimeseleitorais “definidos nesta lei”, faz com que sua aplicação seja restrita à reincidênciaem crimes eleitorais descritos pela Lei 9.504/97. Exige-se reincidência específica,não valendo sequer a condenação por outros crimes eleitorais pois, se fosse assim,seria esta lei a estabelecer “regras gerais” para os crimes eleitorais.

Vale dizer, alguém praticou, por exemplo, o crime do art. 39 e, depois do trânsi-

to em julgado da condenação, mas antes do prazo de cinco anos após a extinção dapena, cometeu o delito do art. 40. A pena de multa deste, de dez a vinte mil UFIR,deverá ser dobrada!

 A Lei 12.891, de 11.12.2013 e o crime de contrataçãoexcessiva de cabos eleitorais

 As campanhas eleitorais não têm sido feitas somente por militantes partidários

e entusiastas dos partidos e candidatos, mas também por pessoas especialmentecontratadas para tanto, os cabos eleitorais. Eles podem ser desde prestadores de

19  Art. 63. Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julga-do a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior.

 Art. 64. Para efeito de reincidência: I – não prevalece a condenação anterior, se entre a data documprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5(cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrerrevogação; II – não se consideram os crimes militares próprios e políticos.20  Art. 67. No concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas

circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes docrime, da personalidade do agente e da reincidência

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

serviços até lideranças que se comprometem a verter, para o candidato, certo núme-ro de votos. Numa e noutra situação existem pagamentos dados em contrapartida,sendo fácil perceber que pode se tratar de compra de votos camuflada. Assumindo,

porém, que se trata realmente de contratação remunerada de serviços, estes devemser devidamente lançados na prestação de contas dos candidatos e partidos políticos.

 Além de poder mascarar compra de votos, a contratação maciça de cabos eleito-rais mostrou-se forma de possível abuso do poder econômico, encarecendo as cam-panhas e reduzindo as chances daqueles que não podem contar com esses mesmosesforços remunerados. Por essas razões, a Lei 12.891, de 11 de dezembro de 2013,trouxe diversos limites à contratação de cabos eleitorais, criminalizando, com as pe-nas do art. 299 do Código Eleitoral, a extrapolação desses marcos.

É o seguinte o texto do artigo da Lei 12.891, dando nova redação à Lei 9.504,de 1997:

“Art. 100-A. A contratação direta ou terceirizada de pessoal para prestação de ser-

viços referentes a atividades de militância e mobilização de rua nas campanhas

eleitorais observará os seguintes limites, impostos a cada candidato:

I − em Municípios com até 30.000 (trinta mil) eleitores, não excederá a 1% (um

por cento) do eleitorado;

II − nos demais Municípios e no Distrito Federal, corresponderá ao número má-ximo apurado no inciso I, acrescido de 1 (uma) contratação para cada 1.000 (mil)

eleitores que exceder o número de 30.000 (trinta mil).

§ 1º As contratações observarão ainda os seguintes limites nas candidaturas aos

cargos a:

I − Presidente da República e Senador: em cada Estado, o número estabelecido

para o Município com o maior número de eleitores;

II − Governador de Estado e do Distrito Federal: no Estado, o dobro do limite es-

tabelecido para o Município com o maior número de eleitores, e, no Distrito Fe-deral, o dobro do número alcançado no inciso II do caput;

III − Deputado Federal: na circunscrição, 70% (setenta por cento) do limite esta-

belecido para o Município com o maior número de eleitores, e, no Distrito Fede-

ral, esse mesmo percentual aplicado sobre o limite calculado na forma do inciso II

do caput, considerado o eleitorado da maior região administrativa;

IV − Deputado Estadual ou Distrital: na circunscrição, 50% (cinquenta por cen-

to) do limite estabelecido para Deputados Federais;

V − Prefeito: nos limites previstos nos incisos I e II do  caput;

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Quarta Parte: Os Crimes Eleitorais da Legislação Esparsa 

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VI − Vereador: 50% (cinquenta por cento) dos limites previstos nos incisos I e

II do caput, até o máximo de 80% (oitenta por cento) do limite estabelecido para

Deputados Estaduais.

§ 2º Nos cálculos previstos nos incisos I e II do caput e no § 1º, a fração será des-prezada, se inferior a 0,5 (meio), e igualada a 1 (um), se igual ou superior.

§ 3º A contratação de pessoal por candidatos a Vice-Presidente, Vice-Governador,

Suplente de Senador e Vice-Prefeito é, para todos os efeitos, contabilizada como

contratação pelo titular, e a contratação por partidos fica vinculada aos limites im-

postos aos seus candidatos.

§ 4º Na prestação de contas a que estão sujeitos na forma desta Lei, os candidatos

são obrigados a discriminar nominalmente as pessoas contratadas, com indicação

de seus respectivos números de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF).

§ 5º O descumprimento dos limites previstos nesta Lei sujeitará o candida-

to às penas previstas no art. 299 da Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965.

[grifamos]

§ 6º São excluídos dos limites fixados por esta Lei a militância não remunerada,

pessoal contratado para apoio administrativo e operacional, fiscais e delegados

credenciados para trabalhar nas eleições e os advogados dos candidatos ou dos

partidos e coligações.”

Esse novel tipo penal flerta com a inconstitucionalidade, ao não descrever, coma clareza necessária, qual a conduta criminosa. O conhecimento do comportamen-to proibido só pode ser alcançado depois de complicados cálculos para saber qual onúmero permitido desses auxiliares em cada município e quais os percentuais dessetotal são autorizados para cada cargo em disputa... Uma confusão, apta a criar umaprofusão de potenciais erros de tipo... Melhor seria simplesmente multar – civil-

mente – as extrapolações. A técnica utilizada pelo legislador é ruim também noutro campo, ao inserir

uma pena criminal no bojo de uma restrição cível, fazendo referência a outra figuratípica. É um “tipo com pena remetida”, comum, infelizmente, na legislação eleito-ral. Fica-se até em dúvida se há uma figura autônoma de crime no art. 100-A da Lei9.504 ou uma nova modalidade do crime do art. 299 do Código Eleitoral. Entende-mos que é um novo crime, pois faltam-lhe os requisitos próprios da corrupção elei-toral e, se eles se apresentarem, por exemplo, mediante a contratação excessiva de

cabos eleitorais somente para justificar a compra de seus votos, a conduta permane-cerá típica à luz do art. 299 do Código.

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

Previsto na Lei 12.891, de 11 de dezembro de 2013, só pode ser aplicado, porforça da decisão do TSE na Consulta nº 100075/2014, a eleições que ocorrerem aum ano de sua vigência, com lastro no art. 16 da Constituição Federal.

 Trata-se de crime doloso, próprio de candidatos, somente podendo ocorrer, por-tanto, após o pedido de registro das candidaturas e até a data do pleito. Como as pe-nas serão as do art. 299 – reclusão de um a quatro anos – é crime de maior potencialofensivo e apto a gerar inelegibilidade.

O crime da Lei Complementar nº 64, de 1990

 Art. 25. Constitui crime eleitoral a arguição de inelegibilidade, ou

a impugnação de registro de candidato feito por interferência dopoder econômico, desvio ou abuso do poder de autoridade, dedu-

zida de forma temerária ou de manifesta má-fé:

Pena: detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa de 20 (vin-

te) a 50 (cinquenta) vezes o valor do Bônus do Tesouro Nacional

(BTN) e, no caso de sua extinção, de título público que o substitua.

Crime doloso, comum, material e de menor potencial ofensivo, que não gerainelegibilidade.

 A Lei das Inelegibilidades atende ao comando constitucional do art. 14, §9º,21 que autoriza restrições aos direitos políticos passivos (candidatar-se e ser vota-do) com finalidade de proteção da “probidade administrativa e a moralidade para oexercício do cargo”, bem como da “normalidade e legitimidade das eleições contra ainfluência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou empregona administração direta ou indireta.”

Ela disciplina a Arguição de Inelegibilidade, art. 2º, a Ação de Impugnação doPedido de Registro de Candidatura, art. 3º, e a Ação de Investigação Judicial Eleito-ral, art. 22.

Define um único crime, este do art. 25.

 Ao contrário do que se poderia esperar, o crime em estudo não é o atendimen-to ao disposto no art. 14, §§ 10 e 11, da Constituição,22 que indica a necessidade da

21  “§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação,a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato consideradavida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do podereconômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

22  § 10 – O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze diascontados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.

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Quarta Parte: Os Crimes Eleitorais da Legislação Esparsa 

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responsabilização do autor que promover Ação de Impugnação de Mandato Eletivo– AIME – temerária ou de má-fé.

Esse tipo criminal do art. 25 volta-se para a promoção temerária ou de má-fé

de “arguição de inelegibilidade” e de “ação de impugnação do pedido de registro”,previstas, respectivamente, nos arts. 2º e 3º da LC nº 64/90. Nada diz sobre a AIME,proponível somente em face de candidato já diplomado.

 A redação típica peca pela ausência de clareza ou erro no vernáculo. O que sedeve entender por “impugnação de registro de candidato feito por interferência dopoder econômico, desvio ou abuso do poder de autoridade”?

Esses predicados se referem à conduta que o autor imputa ao impugnado ou àconduta do impugnante, ao promover a ação?

 À evidência, se está a tratar de um desvalor da conduta do impugnante: ele sópromove a ação porque é compelido pelo poder econômico, o desvio ou o abuso dopoder de autoridade. É erro gramatical. A lei deveria dizer “feita” e não “feito”.

O crime exige que, além da referida interferência, a arguição ou impugna-ção sejam promovidas de forma temerária ou de má-fé. Temerária é a conduta derisco abusivo, que não se perfaz com mera culpa, exigindo, quando menos, doloeventual. Já a má-fé é comportamento diretamente doloso, indicativo do desviode propósitos do autor, conhecedor que a situação é distinta daquela que auto-rizaria a promoção da ação.

Não basta que a ação seja desaparelhada, mal feita ou não atenda às exigênciaslegais de cabimento. É preciso que seu móvel seja o abuso do poder econômico oude autoridade, que ela envolva risco abusado ou seja diretamente maldosa.

É um difícil conjunto de exigências, este para conformar a conduta típica!

Entretanto, é suficiente a propositura da ação nessas condições para que haja ocrime, independentemente do resultado que possa advir de sua apreciação judicial.Haverá o crime mesmo que a ação seja liminarmente extinta.

Pode ser praticada pelo Ministério Público Eleitoral e pelos demais legitimadospara essas ações de impugnação, a saber, partidos, coligações e candidatos. No casode partidos e coligações, respondem os seus responsáveis legais. Já o candidato res-ponderá ele mesmo. Como, à exceção do “ parquet” eleitoral, esses legitimados nãotêm capacidade postulatória, precisando, para tanto, dos préstimos de advogado,este também responderá pelo crime, se tiver consciência e anuir com os vícios indi-cados no tipo penal.

§ 11 – A ação de impugnação de mandato tramitará em segredo de justiça, respondendo o autor, na formada lei, se temerária ou de manifesta má-fé.

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

É crime de menor potencial ofensivo, nos termos do art. 61 da Lei 9.504/97 e,embora mencionado pela própria Lei das Inelegibilidades, não produz esse efeito.

Os crimes da Lei 6.091, de 15 de agosto de 1974

Essa lei traz disciplina sobre “o fornecimento gratuito de transporte, em dias deeleição, a eleitores residentes nas zonas rurais”, além de trazer outras providências.Em parte, foi revogada pela Lei 9.504/97, Lei das Eleições.

Sobrevivem, porém, algumas das descrições de condutas criminosas. Elas serãoestudadas a seguir.

 Art. 11. Constitui crime eleitoral:

I – descumprir, o responsável por órgão, repartição ou unidade do

serviço público, o dever imposto no art. 3º, ou prestar, informação

inexata que vise a elidir, total ou parcialmente, a contribuição de

que ele trata:

Pena – detenção de quinze dias a seis meses e pagamento de 60 a

100 dias – multa;

Crime doloso, omissivo, próprio e de menor potencial ofensivo. Não gera ine-legibilidade.

 A tarefa de organizar as eleições, em todo o país, é imensa. A desincumbênciadela, por parte da Justiça Eleitoral, não prescinde da colaboração de toda a sociedade(por exemplo, compondo as mesas receptoras de votos ou de apuração) e de todosos órgãos do Poder Público.

Esse art. 11, I, se refere ao auxílio, a ser realizado por todos os órgãos da admi-nistração pública, em todos os níveis, no sentido de emprestar veículos para as fina-

lidades eleitorais e transporte de eleitores. A carência, ao menos quando da ediçãoda lei em estudo, era relativa ao transporte na zona rural.

Isso melhorou, nos últimos trinta e tantos anos, desde o início de vigência da lei...

O § 3º, a que faz referência o artigo,23 traz a obrigação para todas as repartições,órgãos e unidades do serviço público federal, estadual e municipal de informar à Jus-

23  Art. 3º Até cinquenta dias antes da data do pleito, os responsáveis por todas as repartições, órgãose unidades do serviço público federal, estadual e municipal oficiarão à Justiça Eleitoral, informando o

número, a espécie e lotação dos veículos e embarcações de sua propriedade, e justificando, se for o caso,a ocorrência da exceção prevista no § 1º do art. 1º desta Lei.

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tiça Eleitoral o número, espécie e lotação dos veículos e embarcações de sua proprie-dade... A Resolução nº 23.089, de 2010, repetiu, em seu calendário para as eleiçõesdaquele ano, citado dispositivo legal, sinalizando com a sua vigência.

Haja ofícios!O crime, na primeira parte da descrição típica, é omissivo e próprio do res-

ponsável por repartição, órgão, unidade do serviço público. Exige-se dolo. Não seconforma com desídia ou desorganização. A segunda parte, também dolosa, mascomissiva, supõe a prestação de informação falsa, com o ânimo específico de nãocolaborar com a Justiça Eleitoral mediante a cessão de veículos.

É crime de menor potencial ofensivo. Por essa razão, não gera inelegibilidade.

 Art. 11. Constitui crime eleitoral:

II – desatender à requisição de que trata o art. 2º:

Pena – pagamento de 200 a 300 dias-multa, além da apreensão do

veículo para o fim previsto;

Crime doloso, próprio, omissivo e de menor potencial ofensivo. Não gera ine-legibilidade. Indicativo de inconstitucionalidade.

O art. 2º24 dessa Lei 6.091/74 disciplina a requisição de veículos particularespara o transporte de eleitores, quando não houver outro meio de transporte ao al-cance deles e forem insuficientes os veículos de serviço.

Para nós, esse artigo é incompatível com a Constituição de 1988, pois prevê arequisição de bens particulares – veículos – fora de situação de iminente perigo pú-blico, tal como ressalvado no art. 5º, XXV.25 Isso poderia ser cabível no regime mili-tar – a Lei 6.091 é de 1974 –, mas soa abusivo no sistema de liberdades asseguradopela Constituição vigente. Tanto mais se, para o descumprimento da requisição, se

prevê não só a apreensão do veículo, mas sanção criminal!É diferente a situação prevista no artigo anterior, no qual o empréstimo de veí-

culos é feito junto a outros órgãos da administração pública.

24  Art. 2º Se a utilização de veículos pertencentes às entidades previstas no art. 1º não for suficientepara atender ao disposto nesta Lei, a Justiça Eleitoral requisitará veículos e embarcações a particulares,de preferência os de aluguel.

Parágrafo único. Os serviços requisitados serão pagos, até trinta dias depois do pleito, a preços quecorrespondam aos critérios da localidade. A despesa correrá por conta do Fundo Partidário.

25  No caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular,assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano.

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

É crime de menor potencial ofensivo. Não gera inelegibilidade, também, por-que não prevê sanção privativa de liberdade.

 Art. 11. Constitui crime eleitoral:

III – descumprir a proibição dos artigos 5º, 8º e 10º;

Pena – reclusão de quatro a seis anos e pagamento de 200 a 300

dias-multa (art. 302 do Código Eleitoral);

Crime doloso, comum e material, capaz de gerar inelegibilidade.

Os artigos referidos26 disciplinam o transporte de eleitores, a cargo da Justiça

Eleitoral, nas zonas urbanas e rurais.O primeiro deles, art. 5º, proibe, quase taxativamente, o transporte de eleitores

por particulares, da véspera do pleito até o dia seguinte, exceto as opções que indica.

O art. 8º está revogado, posto que lei posterior, a de nº 9.096/95 – Lei Orgâni-ca dos Partidos Políticos –, disciplina o modo de utilização dos recursos do fundopartidário e nada fala sobre alimentar eleitores. Nesse sentido, decisão do TSE noREspe nº 28.517, de 7.8.2008.

O art. 10 proíbe qualquer pessoa, além de candidatos e partidos, de fornecer

transporte ou refeições aos eleitores da zona urbana. Se interpretado ao lado do art.5º, tem-se que a proibição é a mais ampla, na zona rural ou urbana. Em ambos oscasos, nos termos do art. 11, há crime.

Esse artigo não revogou completamente o art. 302 do Código Eleitoral,27 quepermanece aplicável em relação ao verbo típico “promover a concentração de eleito-res”. É nesse sentido a decisão do TSE, no Ac. 21.401/2004.

26

  Art. 5º

 Nenhum veículo ou embarcação poderá fazer transporte de eleitores desde o dia anterior até oposterior à eleição, salvo: I – a serviço da Justiça Eleitoral; II – coletivos de linhas regulares e não fretados;III – de uso individual do proprietário, para o exercício do próprio voto e dos membros da sua família;IV – o serviço normal, sem finalidade eleitoral, de veículos de aluguel não atingidos pela requisição deque trata o art. 2º.

 Art. 8º Somente a Justiça Eleitoral poderá, quando imprescindível, em face da absoluta carência derecursos de eleitores da zona rural, fornecer-lhes refeições, correndo, nesta hipótese, as despesas porconta do Fundo Partidário.

 Art. 10. É vedado aos candidatos ou órgãos partidários, ou a qualquer pessoa, o fornecimento detransporte ou refeições aos eleitores da zona urbana.27  Art. 302. Promover, no dia da eleição, com o fim de impedir, embaraçar ou fraudar o exercício do

voto a concentração de eleitores, sob qualquer forma, inclusive o fornecimento gratuito de alimento etransporte coletivo: Pena – reclusão de quatro (4) a seis (6) anos e pagamento de 200 a 300 dias-multa.

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Quarta Parte: Os Crimes Eleitorais da Legislação Esparsa 

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 A disciplina do transporte e fornecimento de alimentação aos eleitores vemdesse art. 11 da Lei 6.091/74. Para a ocorrência do crime, há necessidade de doloespecífico, ou seja, de que o fornecimento daquelas utilidades seja feito com intento

de aliciar eleitores, Ac. TSE, de 7.8.2008, no REspe nº

 28.517.28

 Haverá crime ainda que essa finalidade, de aliciar eleitores, não se concretize.

Se o fornecimento de um e outro (transporte e refeições) for a vantagem pretendidaem troca de votos, haverá concurso de crimes, entre esse art. 11, III, e o 299 do Có-digo Eleitoral (corrupção). Não há falar em absorção pelas seguintes razões: (i) estecrime da lei especial só alcança o responsável pelo transporte e não o eleitor bene-ficiado; (ii) há um crime de corrupção para cada eleitor a quem se ofereça a vanta-gem; (iii) o transporte ou fornecimento de alimentos pode ser organizado por maisde um partido ou candidato, utilizado para fins de aliciamento, sem oferecimento de

vantagem ou promessa aos eleitores.O sujeito ativo é qualquer pessoa. Não precisa ser candidato. A vítima é a socie-

dade, prejudicada em seu direito a eleições limpas e legítimas.

É crime doloso, exigindo a especial finalidade de obtenção de proveito eleitoral,material e comum. Para o TSE, Ac. nº 402/2002: “o tipo deste inciso é misto alter-nativo, bastando a violação de qualquer uma das proibições legais a que remete”.

 Art. 11. Constitui crime eleitoral:

IV – obstar, por qualquer forma, a prestação dos serviços previs-

tos nos arts. 4º e 8º desta Lei, atribuídos à Justiça Eleitoral:

Pena – reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos;

Crime doloso, comum, de maior potencial ofensivo e gerador de inelegibilida-de. Indicativo de inconstitucionalidade.

Os artigos referidos disciplinam a prestação, pela Justiça Eleitoral, de serviços

de transporte de eleitores29 ou fornecimento de refeições.30 A conduta criminosa

28  “O delito tipificado no art. 11, III, da Lei nº 6.091/74, de mera conduta, exige, para sua configuração,o dolo específico, que é, no caso, a intenção de obter vantagem eleitoral, pois o que pretende a lei impediré o transporte de eleitores com fins de aliciamento.”29  Art. 4º Quinze dias antes do pleito, a Justiça Eleitoral divulgará, pelo órgão competente, o quadrogeral de percursos e horários programados para o transporte de eleitores, dele fornecendo cópias aospartidos políticos.30  Art. 8º Somente a Justiça Eleitoral poderá, quando imprescindível, em face da absoluta carência de

recursos de eleitores da zona rural, fornecer-lhes refeições, correndo, nesta hipótese, as despesas porconta do Fundo Partidário.

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

seria, assim, o impedimento, por qualquer meio, da prestação desses serviços pela Justiça Eleitoral.

Como em tantos outros tipos eleitorais, impressiona a vagueza e indetermina-

ção da descrição típica. Como seria a ação de “obstar o transporte”? Furar os pneusdos automóveis de serviço? Colocar barreiras nas ruas por onde eles devem transi-tar? Jogar ao chão os pratos de comida cedidos pela Justiça Eleitoral aos eleitores?

Essa figura típica não atende às exigências da definição da conduta criminosa,nos termos do art. 5º, XXXX, da Constituição (reserva de lei penal).

Não foi recepcionado esse artigo pela Carta Política de 1988. Além disso, o art.8º, como acima demonstrado, encontra-se revogado pela Lei 9.096/95.

 Art. 11. Constitui crime eleitoral:

V – utilizar em campanha eleitoral, no decurso dos 90 (noventa)

dias que antecedem o pleito, veículos e embarcações pertencentes

à União, Estados, Territórios, Municípios e respectivas autarquias

e sociedades de economia mista:

Pena – cancelamento do registro do candidato ou de seu diploma,

se já houver sido proclamado eleito.

Parágrafo único. O responsável, pela guarda do veículo ou daembarcação, será punido com a pena de detenção, de 15 (quin-

ze) dias a 6 (seis) meses, e pagamento de 60 (sessenta) a 100

(cem) dias-multa.

Crime doloso, comum, material e de menor potencial ofensivo, que não gerainelegibilidade.

Esse crime ofereceu tipificação especial para conduta que, parcialmente, estava

prevista no art. 346 do Código Eleitoral.31

 Ali se fala, genericamente, em violação aocomando do art. 377 do mesmo diploma: “O serviço de qualquer repartição, federal,estadual, municipal, autarquia, fundação do Estado, sociedade de economia mista,entidade mantida ou subvencionada pelo Poder Público, ou que realiza contratocom este, inclusive o respectivo prédio e suas dependências, não poderá ser utiliza-do para beneficiar partido ou organização de caráter político.”

31  Art. 346. Violar o disposto no art. 377. Pena – detenção até seis meses e pagamento de 30 a 60 dias-

multa. Parágrafo único. Incorrerão na pena, além da autoridade responsável, os servidores que prestaremserviços e os candidatos, membros ou diretores de partido que derem causa à infração.

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Quarta Parte: Os Crimes Eleitorais da Legislação Esparsa 

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Os dois crimes vedam a utilização da “máquina administrativa” em prol de par-tidos e candidaturas. No 346, menciona-se o serviço, implicando em recursos hu-manos e materiais; nesse art. 11, V, a norma proíbe diretamente a utilização de uma

espécie de bem público, os veículos. A sanção não é caracteristicamente penal – a cassação do registro ou diploma –,

mas nem por isso é inapropriada ou inconstitucional. Ela será aplicável se o candi-dato for o responsável pelo uso indevido ou se com ele anuir.

Para o funcionário que promover ou consentir na utilização eleitoral do veículosob sua responsabilidade, a pena será de detenção de 15 dias a 6 meses e multa. Épena pouca, desproporcionalmente insuficiente, como vimos no estudo do art. 346.

Exige-se dolo, com a intenção de obter vantagem ou favorecimento eleitoral.

É crime de menor potencial ofensivo e, assim, não produz inelegibilidade.

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QUINTA P ARTE:PROCESSO PENAL ELEITORAL

Introdução

 As sanções penais não se aplicam automaticamente, mas ao cabo de processo

levado ao Poder Judiciário, no qual devem ser assegurados ao imputado o direitoao contraditório e a mais ampla defesa, como exige a Constituição Federal, art. 5º.

Com a prática do crime eleitoral surge para o Estado o direito/dever de investi-gar e processar o responsável, com o fito de obter a sentença condenatória que, porsua vez, autorizará a execução da pena. O jus puniendi, direito de punir, conduz ao jus

 persequendi, direito de investigar e processar.

O titular desse direito de investigar, processar e punir é a sociedade, que o exercepor meio de instituições como a Polícia Judiciária (investigar) e o Ministério Público

(investigar1

 e processar). O Ministério Público, instituição essencial à administraçãoda Justiça, tem a titularidade exclusiva da ação penal pública, art. 129.2 Todos oscrimes eleitorais, a propósito, são de ação penal pública, nos termos do art. 355 doCódigo Eleitoral.

Processo Penal é o conjunto de regras relativo a essa atividade de investigação,processo, condenação e cumprimento da pena, informado por regras e princípios

1  Ao menos subsidiariamente.

2  Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I – promover, privativamente, a ação penalpública, na forma da lei; [...]

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Quinta Parte: Processo Penal Eleitoral 

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constitucionais e detalhado, nos crimes em geral, pelo Código de Processo Penal.Inclui temas como a definição das competências, procedimentos e recursos.

No ambiente eleitoral, a previsão de crimes eleitorais se vê acompanhada da

indicação das regras de processo penal, diferentes daquelas do diploma genérico.É nesse sentido que é possível falar-se em “Processo Penal Eleitoral”, o conjuntode princípios e regras relativos ao exercício do  jus persequendi estatal, em relaçãoaos crimes eleitorais e conexos. Esse processo não é ordenado exaustivamentepelas leis eleitorais, daí por que menciona a aplicação “subsidiária ou supletiva”,do Código de Processo Penal. Na verdade, outros diplomas com matéria proces-sual penal acabam sendo também aplicados ao ambiente eleitoral, como a Lei9.099/95, dos juizados especiais.

O maior acervo de disposições legais específicas para o processo penal eleitoralestá no Código Eleitoral. São, todavia, encontradas normas esparsas, em especial naLei das Eleições, 9.504/97.

 A relação entre as normas processuais penais eleitorais e o Código de ProcessoPenal é conflituosa. Diploma antigo, o Código Eleitoral traz indicações que, muitasvezes, discrepam de alterações modernizadoras do Código de Processo Penal, ense-

 jando vivos debates sobre a aplicação ou não da inovação ao ambiente eleitoral. Porexemplo, alteração do CPP adiou o momento do interrogatório para o final da ins-

trução, ao passo que para o art. 359 do CE, “Recebida a denúncia, o juiz designarádia e hora para o depoimento pessoal do acusado, ordenando a citação deste e a no-tificação do Ministério Público”.

 Aplica-se a norma processual penal eleitoral ou a regra geral do CPP?

É por essa razão que, a exemplo do que pensamos em relação à legislação elei-toral penal, adequado seria promover uma unificação ou recodificação da lei proces-sual penal, incluindo, num renovado CPP, toda a matéria de investigação, processo,condenação e cumprimento da pena. Não nos parece justificável que simplesmente

pela diferença de bem jurídico tutelado, variem as regras de processo (que devemassegurar a ampla defesa e o contraditório, em todos os casos).

 Antes de estudar as regras processuais penais eleitorais, todavia, convém falarda instituição que titulariza, com exclusividade, a ação penal eleitoral pública.

O Ministério Público Eleitoral

 A Constituição Federal instituiu o Ministério Público como: “instituição per-manente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indis-poníveis”, art. 127. Diante dessa redação, não há como excluí-lo da tarefa de zelarpela lisura e legitimidade do processo eleitoral, momento essencial de conformação

do regime democrático e que traz, imanente, poderoso interesse social. Como oscrimes eleitorais afetam justamente àquelas lisura e legitimidade, é inafastável aatuação do parquet na sua persecução. É por essa razão que, de forma até exagerada,todos os crimes eleitorais são de ação penal pública, CE, art. 355, mesmo crimeseleitorais contra a honra...

Sem embargo, a Constituição Federal não deu o recomendável passo de criarum “Ministério Público Eleitoral”, a exemplo do que fez com o Ministério Públicodo Trabalho, com o Militar, do Distrito Federal e Territórios, o Federal, o dos Esta-dos e, até, com o Ministério Público dos Tribunais de Contas...3

Não existe com sede constitucional nenhum Ministério Público das Eleições.

Quem tratou do assunto foram as leis: o Código Eleitoral e a Lei Complementarnº 75/93. Elas deram a função eleitoral ao Ministério Público Federal – seguindo,no particular, o caráter federal de toda a Justiça Eleitoral –, disciplinando, todavia, acolaboração dos Promotores de Justiça dos Ministérios Públicos Estaduais, no âm-bito das eleições municipais.

O arranjo legal foi no seguinte sentido: (i) nas eleições nacionais (Presidente e

Vice-Presidente da República), atua o Procurador-Geral da República, Chefe do Mi-nistério Público da União. Ao exercer a função eleitoral, ele é chamado de Procura-dor-Geral Eleitoral, PGE, tendo assento no TSE; (ii) nas eleições estaduais (gover-nador, senador, deputado federal, deputado estadual), atua o Procurador-RegionalEleitoral, PRE, órgão do Ministério Público Federal, que terá assento no TRE e serádesignado pelo PGE; (iii) nas eleições municipais (prefeito, vice-prefeito e vereado-res), atua o Promotor de Justiça, órgão do Ministério Público dos Estados, que nessafunção será chamado de Promotor de Justiça Eleitoral e será designado pelo PRE,após indicação do Procurador-Geral de Justiça do parquet estadual (Resolução nº 30

do Conselho Nacional do Ministério Público).Só o membro do Ministério Público, Federal ou Estadual, que tenha recebido a

devida designação pode atuar nos inquéritos e processos penais eleitorais.

3  Narra Antonio Carlos da Ponte, Crimes Eleitorais, Saraiva, São Paulo, 2008, que “a Constituição Federalde 1946, em seu artigo 125, previa a organização de um Ministério Público perante a Justiça Eleitoral.Infelizmente, tal preocupação não foi reiterada nas constituições posteriores[...]”.

No mesmo sentido, Vera Maria Nunes Michels – Direito Eleitoral de Acordo com a Lei 9.504/97 – Livra-

ria do Advogado, 2002 –, que aponta que já a Constituição de 1934 previa, em seu artigo 98, a organiza-ção do Ministério Público Eleitoral por lei especial.

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Quinta Parte: Processo Penal Eleitoral 

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Soa estranho, mas funciona bem. Quando se fala em “Ministério Público Eleito-ral” se está a falar desse conjunto distinto de órgãos ministeriais de instituições irmãs,mas diversas. A eles cabe a tarefa de, no processo penal eleitoral, requisitar inquéritos

policiais, investigar, ainda que subsidiariamente, promover a ação penal eleitoral, pri-vativamente, acompanhar o processo e zelar pela execução da pena, se firmada.

Como instituição desprovida de paixões eleitorais (e assim deve ser), a atuaçãofirme e desassombrada do Ministério Público Eleitoral, nas ações cíveis e nas inves-tigações e procedimentos penais, é imprescindível para que as eleições não sejamum concurso de fraudes, mentiras e trapaças.

 A polícia judiciária eleitoralSe a Justiça Eleitoral tem caráter federal e o Ministério Público é o Federal (ou

estadual, agindo sob delegação), cabe verificar qual a polícia judiciária que deveráinstaurar e presidir os inquéritos policiais eleitorais.

Essa tarefa, não haja dúvida, é da Polícia Federal, pois os crimes eleitorais afe-tam bens jurídicos de interesse da União Federal (independentemente da localidadeda disputa eleitoral). A essa polícia é que incumbe, nos termos do art. 144 da Cons-tituição: “§ 1º  [...] IV – exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União”. 

Entretanto, na prática, não tem acontecido assim. A maioria dos inquéritos poli-ciais relativos a crimes eleitorais é instaurada e conduzida pela Polícia Civil Estadual.

 As razões para isso são várias. Em primeiro lugar, a Polícia Federal não tem aestrutura, pessoal e “capilaridade” para estar representada em todos os municípiosbrasileiros (e, em todos eles, há eleições!). Em segundo lugar, os Promotores Eleito-rais estão mais familiarizados com a Polícia Civil Estadual, por serem, afinal, mem-bros do Ministério Público dos Estados e lidar com essa polícia cotidianamente. Emterceiro e, talvez, mais importante lugar, está o fato de que os eleitores em geral,diante de notícias de infrações eleitorais, vão, antes de tudo, nas Delegacias da Polí-cia Estadual, que existem em todas ou quase todas as cidades do país.

Não vemos óbice algum nessa colaboração entre a Polícia dos Estados e a Po-lícia Federal, desde que os inquéritos sejam bem feitos... Temos notícia de que, emmuitos locais, convênios são celebrados entre essas polícias. Não há, por evidente,falar em “nulidade” ou “irregularidade” somente em razão da atividade administra-tiva de descoberta de autoria ou materialidade delitivas.

O ideal, porém, é que a Polícia Federal cresça e se prepare também para essarelevante função.

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 A Resolução nº 23.396/2013 do TSE, sobre a apuração de crimes eleitorais, dizque a Polícia Federal “exercerá, com prioridade sobre as suas atribuições regulares,a função de polícia judiciária em matéria eleitoral” e que, “quando no local da infração

não existirem órgãos da Polícia Federal, a Polícia do respectivo Estado terá atuação supletiva,”art. 2º e parágrafo único.

Equivocadamente, a versão original desta Resolução 23.396/2013 dizia queapenas o juiz eleitoral poderia requisitar a instauração do inquérito policial eleito-ral, exceto em caso de prisão em flagrante.4 Essa redação alijava, a um só tempo, asprerrogativas do Delegado de Polícia e do Ministério Público Eleitoral, incidindoem evidente inconstitucionalidade à luz do art. 129, VIII, da Lei Política.5 Apósliminar concedida em Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Procu-rador Geral da República perante o Supremo Tribunal Federal, ADI 5104-DF, o

 TSE cancelou, parcialmente, a redação restritiva, voltando ao texto tradicional dasResoluções sobre o tema:

“Art. 8º O inquérito policial eleitoral somente será instaurado mediante requi-sição do Ministério Público Eleitoral ou determinação da Justiça Eleitoral, salvo ahipótese de prisão em flagrante.”

Ou seja, pelo texto do TSE, a Polícia Judiciária Eleitoral não pode, sponte propria,instaurar inquéritos policiais, só quando houver flagrante ou requisição do juiz elei-toral ou do MP. Temos que persiste a inconstitucionalidade, ainda que reflexa, porduas razões: (a) a instauração de inquéritos policiais é atividade inerente à polícia

 judiciária, não havendo qualquer razão justificadora da limitação, por norma infrale-

 gal, como são as Resoluções do TSE, desta prerrogativa, consagrada no Código de Pro-cesso Penal, art. 5º, I.; (b) a possibilidade de autoridades judiciárias requisitarem in-quérito policial ofende o sistema acusatório, segundo o qual o Poder Judiciário deve,com imparcialidade, julgar as demandas que lhe forem oferecidas, não podendo darinício às próprias ações, nem manifestar preferências pelas partes ou suas teses, anão ser nos momentos de decisão. Se o próprio Judiciário ordena a investigação po-

licial, há um comprometimento de sua imparcialidade.6 4  “Art. 8º O inquérito policial eleitoral somente será instaurado mediante determinação da Justiça Elei-toral, salvo a hipótese de prisão em flagrante.”5  “Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: [...] VIII – requisitar diligências investi-gatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestaçõesprocessuais.”6  Veja trecho da ementa da medida cautelar concedida na ADI 5.104, em 21.5.2014, Rel. Min. LuizRoberto Barroso: “2. A Constituição de 1988 fez uma opção inequívoca pelo sistema penal acusatório.Disso decorre uma separação rígida entre, de um lado, as tarefas de investigar e acusar e, de outro, a

função propriamente jurisdicional. Além de preservar a imparcialidade do Judiciário, essa separaçãopromove a paridade de armas entre acusação e defesa, em harmonia com os princípios da isonomia

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Quinta Parte: Processo Penal Eleitoral 

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O sistema acusatório, o mais garantista e, a nosso ver, o único compatível coma Constituição, ainda não se encontra plenamente realizado no Brasil, como se vêna hipótese em comento, na possibilidade dos juízes requisitarem diretamente in-

quéritos policiais e na praxe de se requerer autorização judicial para a instauraçãode inquérito em face de autoridades que gozam de prerrogativa de foro.

 A mesma Resolução dispõe, com esteio no art. 10 do Código de Processo Penal,que, em caso de flagrante delito ou prisão preventiva, o inquérito policial deveráser concluído em dez dias, contados da execução da ordem de prisão. Se o indiciadoestiver solto, em 30 dias (art. 9º).

 A Lei da Prisão Temporária, nº 7.960/89, não incluiu crimes eleitorais en-tre aqueles que podem ser objeto dessa medida constritiva. Mas é possível que

uma quadrilha ou bando seja um crime eleitoral inespecífico, autorizando, en-tão, essa prisão.7 

Crimes eleitorais próprios e competência

Os crimes eleitorais específicos (ou próprios) são de competência da JustiçaEleitoral. São aqueles previstos nas leis eleitorais, em especial, no Código Eleitorale na Lei das Eleições e que afetam a lisura ou legitimidade do pleito. Não há dúvida

de que a corrupção eleitoral, art. 299 do Código, será julgada numa das instânciasda Justiça Eleitoral.

Esses crimes seguirão, na Justiça Eleitoral, aos critérios de fixação da compe-tência penal e não o das ações eleitorais cíveis.

 Assim, por exemplo, nas eleições estaduais (governador, senador, deputado fe-deral ou estadual) todas as ações cíveis serão levadas ao Tribunal Regional Eleitoral.

e do devido processo legal. Precedentes. 3. Parâmetro de avaliação jurisdicional dos atos normativoseditados pelo TSE: ainda que o legislador disponha de alguma margem de conformação do conteúdoconcreto do princípio acusatório – e, nessa atuação, possa instituir temperamentos pontuais à versãopura do sistema, sobretudo em contextos específicos como o processo eleitoral – essa mesma prerro-gativa não é atribuída ao TSE, no exercício de sua competência normativa atípica. 4. Forte plausibili-dade na alegação de inconstitucionalidade do art. 8º, da Resolução nº 23.396/2013. Ao condicionar ainstauração de inquérito policial eleitoral a uma autorização do Poder Judiciário, a Resolução questio-nada institui modalidade de controle judicial prévio sobre a condução das investigações, em aparenteviolação ao núcleo essencial do princípio acusatório.”7  Nesse sentido, identificamos, noutra obra, a possibilidade de existirem organizações criminosas comfinalidade eleitoral, por exemplo, articuladas para a inscrição fraudulenta de eleitores ou a compra de

votos: Crime Organizado, Ana Flávia Messa e José Reinaldo Guimarães Carneiro (coordenadores), Saraiva,São Paulo, 2012.

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Se a eleição for nacional (Presidente e Vice), todos os feitos civis irão diretamenteao Tribunal Superior Eleitoral.

 Já os feitos criminais eleitorais, exceto se o agente tiver prerrogativa de foro,

serão processados e julgados pelos juízes eleitorais, a partir de denúncia formuladapelo Promotor de Justiça Eleitoral.

Prerrogativa de foro

 A prerrogativa de foro é que leva o Presidente da República e o Vice, bem comoos membros do Congresso Nacional (deputados e senadores), seus próprios minis-tros e o Procurador-Geral da República, a serem julgados por seus crimes eleitoraisdiretamente no Supremo Tribunal Federal, CF, art. 102, I, b.8 Da mesma forma, se-rão julgados pelo STF os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, doExército e da Aeronáutica, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal deContas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente (Consti-tuição Federal, art. 102, I, letra c).

Os crimes eleitorais, relembre-se, são crimes comuns e não políticos.9 

 A formulação da denúncia será de incumbência do Procurador-Geral da Repú-blica, nesses casos em que competente o STF.

Os governadores, por sua vez, serão julgados pelo Superior Tribunal de Justiça,10 assim como os membros do Tribunal Regional Eleitoral e o Procurador RegionalEleitoral, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do DistritoFederal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, osdos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho,

8  “I – Cabe ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar membros do Congresso Nacional por crimescomuns, os quais alcançam os crimes eleitorais. [...]” (Inq. 1872/DF – Rel. Min. Ricardo Lewandowskii,

 j. 4.10.2006).9  EMENTA: STF: “Competência penal originária por prerrogativa de função: crime eleitoral; atração dasupervisão judicial do inquérito policial. 1. Para o efeito de demarcação da competência penal origináriado STF por prerrogativa de função, consideram-se comuns os crimes eleitorais. 2. A competência penaloriginária por prerrogativa de função atrai para o Tribunal respectivo a supervisão judicial do inquéritopolicial” (Rcl. 555/PB – Min. Sepúlveda Pertence, j. 25.4.2002).10  Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I – processar e julgar, originariamente: a) nos cri-mes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, osdesembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunaisde Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regio-

nais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os doMinistério Público da União que oficiem perante tribunais.

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os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministé-rio Público da União que oficiem perante tribunais (CF, art. 105, I, a).

 A denúncia deve ser de Subprocurador-geral da República, oficiante no STJ.

Se for o prefeito municipal quem tenha praticado o crime eleitoral, ele será jul-gado perante o Tribunal Regional Eleitoral, por simetria em face da garantia previs-ta no art. 29, X, da Constituição, que fixa, para eles, a competência do Tribunal de

 Justiça Estadual. Se o crime for eleitoral, então, ele será levado ao Tribunal RegionalEleitoral.11 O mesmo para os Juízes de Direito e Promotores de Justiça: se pratica-rem crimes eleitorais, serão levados ao TRE, consoante ressalva constante do art.96, III, da Constituição.12 O mesmo em relação a deputados estaduais. Em verda-de, o art. 125 da Constituição Federal diz que: “Os Estados organizarão sua Justiça,

observados os princípios estabelecidos nesta Constituição”. E o § 1º

 dispõe que: “Acompetência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei deorganização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça.” Vale dizer, tem liberda-de a Constituição Estadual para prever a competência criminal originária do Tribu-nal de Justiça local para autoridades estaduais. Ocorrente essa previsão, novamentepor simetria, alcança-se a competência do Tribunal Regional Eleitoral do Estado seaquelas autoridades praticarem crimes eleitorais.13

Será o Procurador Regional Eleitoral quem fará a denúncia, nesses feitos decompetência do TRE.

Esses foros especiais permanecerão enquanto o réu for titular da função que oassegura. Se, por exemplo, um prefeito perder seu cargo, o feito será julgado peranteo juiz eleitoral comum, independentemente do momento no qual ocorreu o crime. Éa regra para todas as hipóteses de foro por prerrogativa de função.

11  “ Tratando-se de delitos eleitorais, o Prefeito Municipal é processado e julgado, originariamente,

pelo Tribunal Regional Eleitoral. Precedente: HC 69.503-MG. [...]” (Inq. 406 QO/SC – Rel. Min. Celsode Mello, j. 1.7.1993).12  Art. 96 – III – aos Tribunais de Justiça julgar os juízes estaduais e do Distrito Federal e Territórios,bem como os membros do Ministério Público, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada acompetência da Justiça Eleitoral.13  Por exemplo, a Constituição Estadual de São Paulo diz que: “ Artigo 74. Compete ao Tribunal de Justi-ça, além das atribuições previstas nesta Constituição, processar e julgar originariamente: I – nas infraçõespenais comuns, o Vice-Governador, os Secretários de Estado, os Deputados Estaduais, o Procurador-Geralde Justiça, o Procurador-Geral do Estado, o Defensor Público Geral e os Prefeitos Municipais; II – nas infra-ções penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os juízes do Tribunal de Justiça Militar, os juízes de

Direito e os juízes de Direito do juízo militar, os membros do Ministério Público, exceto o Procurador-Geralde Justiça, o Delegado Geral da Polícia Civil e o Comandante-Geral da Polícia Militar.”

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

Curiosamente, o Tribunal Superior Eleitoral não é foro por prerrogativa de fun-ção em matéria criminal. Não há ações penais que devam ser perante ele diretamen-te promovidas. Sua competência criminal eleitoral é apenas recursal.

 Tem-se exigido prévia autorização judicial para a instauração de inquéritospoliciais em feitos de competência originária do Supremo Tribunal Federal. Essaautorização ofende o sistema acusatório, que temos como pilar do processo penaldemocrático e garantista. A decisão deve ser do Procurador-Geral da República, quechefia o Ministério Público da União e tem a prerrogativa de oferecer denúncia pe-rante autoridades que possuem foro originário naquela Corte.

 As imunidades do Presidente da RepúblicaSó é possível denunciar o Presidente da República, nos termos do art. 86, por

crimes cometidos na função ou em razão dela: “§ 4º − O Presidente da República,

na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos aoexercício de suas funções.” É a imunidade material do Presidente da República, en-sejando a impossibilidade de ser processado criminalmente, fora a exceção mencio-nada, enquanto estiver no exercício do cargo. Isso, a nosso ver, suspende o curso daprescrição penal, ainda que não haja norma expressa a esse respeito.

Se um candidato pratica crimes eleitorais e vem a ser diplomado Presidente daRepública, não poderá, enquanto estiver no mandato, ser objeto de ação penal poresses fatos, exceto se os tiver cometido já na condição de Presidente da República,valendo-se de prerrogativas de seu cargo.

 A nosso ver, porém, essa imunidade material do Presidente da República nãoimpede a realização de inquérito policial (que não visa “responsabilizar”, mas apu-rar autoria e materialidade de crime), nem se estende aos concorrentes.

Se se tratar de crime praticado em razão das funções, é possível o oferecimentode denúncia em face do Presidente da República, por obra do Procurador-Geral daRepública e perante o Supremo Tribunal Federal. A instauração da ação penal, toda-via, somente poderá se dar se houver autorização de 2/3 da Câmara dos Deputados,a teor dos arts. 51, I e 86 da Constituição Federal (imunidade formal).

 A denúncia do PGR será ofertada perante o Supremo Tribunal Federal, quedeverá enviá-la à Câmara dos Deputados, sem prévio exame de seus requisitos

 jurídicos, para fins de obter a necessária autorização por dois terços dos deputados.

Se a Câmara autorizar o processo, só então deverá o STF verificar se ela atende aosrequisitos legais, recebendo-a ou não. Se recebida a denúncia, o Presidente ficará

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afastado de suas funções por até 180 dias, art. 86, § 2º, I. Ele não se sujeita a qual-quer forma de prisão processual, é bom esclarecer, mesmo durante seu período deafastamento, art. 86, § 3º.

 A condenação do Presidente da República poderá implicar na perda do mandato,se tal for motivadamente decidido pela Corte, nos termos do art. 92 do Código Penal.

 A imunidade formal dos Governadores deEstado ou do Distrito Federal

Os governadores não possuem imunidade material, mas a instauração do pro-cesso-crime contra eles, perante o Superior Tribunal de Justiça, demandará autori-zação da Assembleia Legislativa de seu Estado. Nesse sentido é a jurisprudência doSupremo Tribunal Federal.14 A nosso ver essa exigência decorre da simetria federati-va em relação aos cargos máximos do Executivo Federal e Estadual, não demandan-do previsão específica nas Constituições Estaduais. Se houver, tanto melhor.

Prefeitos e Vereadores não ostentam quer garantias materiais, quer formais.Os últimos sequer detém foro por prerrogativa de função. Observa Rodrigo LópesZílio que “os vereadores, em alguns Estados da Federação, tem previsão de foroprivilegiado nas infrações penais comuns na própria Constitiução Estadual”. Ele

14  Governador de Estado: processo por crime comum: competência originária do Superior Tribunal de Justiça que não implica a inconstitucionalidade da exigência pela Constituição Estadual da autorizaçãoprévia da Assembleia Legislativa. 1. A transferência para o STJ da competência originária para o processopor crime comum contra os Governadores, ao invés de elidi-la, reforça a constitucionalidade da exigênciada autorização da Assembleia Legislativa para a sua instauração: se, no modelo federal, a exigência daautorização da Câmara dos Deputados para o processo contra o Presidente da República finca raízes no

princípio da independência dos poderes centrais, à mesma inspiração se soma o dogma da autonomiado Estado-membro perante a União, quando se cuida de confiar a própria subsistência do mandato doGovernador do primeiro a um órgão judiciário federal. 2. A necessidade da autorização prévia da Assem-bleia Legislativa não traz o risco, quando negadas, de propiciar a impunidade dos delitos dos Governa-dores: a denegação traduz simples obstáculo temporário ao curso de ação penal, que implica, enquantodurar, a suspensão do fluxo do prazo prescricional. 3. Precedentes do Supremo Tribunal (RE 159.230, Pl,28.3.94, Pertence, RTJ  158/280;HHCC 80.511, 2ª T., 21.8.01, Celso, RTJ  180/235; 84.585, Jobim, desp., DJ  4.8.04). 4. A autorização da Assembleia Legislativa há de preceder à decisão sobre o recebimento ounão da denúncia ou da queixa. 5. Com relação aos Governadores de Estado, a orientação do Tribunal nãoé afetada pela superveniência da EC 35/01, que aboliu a exigência da licença prévia antes exigida para oprocesso contra membros do Congresso Nacional, alteração que, por força do art. 27, § 1º, da Constitui-

ção alcança, nas unidades federadas, os Deputados Estaduais ou Distritais, mas não os Governadores”(HC 86.015-PBB, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 16.08.2005).

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

observa, porém, que o “TSE tem acentuado a competência dos juízes eleitorais paraprocessar e julgar vereadores nos crimes eleitorais”.15

Imunidades de senadores, deputadosfederais, estaduais e distritais

O “Estatuto dos Parlamentares”, trazido pela Constituição Federal, art. 53 e se-guintes e aplicável aos deputados estaduais e distritais, art. 27, I 16 e 33, § 3º,17 nãoexige prévia licença da casa legislativa para o recebimento da denúncia, mas permitea suspensão do processo desde que o crime seja praticado após a diplomação: 

“§ 3º Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorridoapós a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que,por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seusmembros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação.”

Vale dizer que condutas criminosas praticadas por candidatos a esses cargos le-gislativos não estão sob abrigo dessa imunidade relativa, exceto se praticados após adiplomação ou quando já detentores dos respectivos cargos. Se o crime eleitoral forpraticado por candidato durante a campanha, a despeito de sua eleição, o processonão poderá ser suspenso. O único efeito da eleição será fixar o Supremo Tribunal

Federal (no caso dos parlamentares federais) ou o Tribunal de Justiça (no caso dosestaduais e distritais) como foro competente.

Conexão e foro por prerrogativa de função

Como proceder se um dos concorrentes do crime eleitoral tiver foro por prer-rogativa e os demais não?

 Aplica-se ao caso a Súmula nº 704 do STF: “Não viola as garantias do juiznatural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ouconexão de processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos de-nunciados.” A jurisprudência do STF, todavia, comporta ondulações. Na rumorosa

15  Crimes Eleitorais, p. 18.16  § 1º Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando-se-lhes as regras destaConstituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, li-

cença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas.17  § 3º Aos Deputados Distritais e à Câmara Legislativa aplica-se o disposto no art. 27.

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Quinta Parte: Processo Penal Eleitoral 

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 Ação Penal 470 – “o Mensalão” – a Corte decidiu pela tramitação conjunta do pro-cesso de todos os denunciados. Em casos ulteriores, chegou a considerar o “des-membramento como regra”. Aplica-se, portanto, o previsto no art. 80 do Código

de Processo Penal,18

 que autoriza, mas não obriga, a separação dos processos.

Crimes conexos aos eleitorais: competência

Se não há dúvida sobre a competência da Justiça Eleitoral para conhecer e jul-gar os crimes eleitorais próprios ou específicos (os que estão previstos na legislaçãoeleitoral), o mesmo não se dá em relação aos delitos eleitorais inespecíficos, ou seja,os previstos nas leis penais comuns que, em determinada situação, ofendem bens

 jurídicos eleitorais.Esses crimes podem ocorrer em conexão com crimes eleitorais ou separadamente.

Na situação de conexão,19,20 a disciplina do art. 35 do Código Eleitoral não dámargem à dúvida:

18  “Art. 80. Será facultativa a separação dos processos quando as infrações tiverem sido praticadasem circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes, ou, quando pelo excessivo número de acusados epara não lhes prolongar a prisão provisória, ou por outro motivo relevante, o juiz reputar conveniente

a separação.”19  Ementa: Denúncia. Crimes tipificados nos artigos 1º, incisos I, II e III, da Lei nº 8.137/90, e 297,299 do Código Penal. Competência do Supremo Tribunal Federal. Matéria de direito estrito. Desmem-bramento como regra. Entendimento recente do Plenário do STF (Inquérito (Agr) nº 3.014-PR). 1. Acompetência do Supremo Tribunal Federal é afeta à matéria de direito estrito, sendo vedada interpretaçãoextensiva para submeter à jurisdição desta Corte pessoas não detentoras da prerrogativa de foro (Inq.3.515 – AgR – Pleno, DJe de 14.3.2014, e Inq. 2.903 – AgR – Pleno, j. em 22.5.2014). 2. In casu, confor-me sustentado no parecer ministerial, “A inexistência de prejuízos relevantes à instrução do processorevela o acerto da decisão que, atenta ao atual entendimento do STF, determinou o desmembramento dofeito para manter no Supremo Tribunal Federal somente o processo e julgamento de agente detentor de

foro por prerrogativa de função”, por isso que o Ministro Marco Aurélio, ao votar no INQ (Agr) 2.903,Pleno, j. em 22/05/2014, reafirmou sua posição radical no sentido de não admitir o julgamento, nestaCorte, de pessoas não detentoras da prerrogativa de foro, independentemente da existência de conexãoou continência, em quaisquer de suas modalidades. 3. O acusado poderá indicar a oitiva da pessoa a querefere – sequer denunciada no caso –, garantindo-se o devido processo legal mediante o contraditório. 4.

 Agravo regimental desprovido” (Inq 3.802 AgR/MG, Rel. Min. Luiz Fux, 2.9.2014).20  Não há dispositivo eleitoral sobre critérios de reconhecimento de conexão. Valem, então, os doCódigo de Processo Penal. A saber: “Art. 76. A competência será determinada pela conexão: I – se,ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoasreunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas,umas contra as outras; II – se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar

as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas; III – quando a provade uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.”

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

“Compete aos juízes: [...] II – processar e julgar os crimes eleitorais e os co-muns que lhe forem conexos, ressalvada a competência originária do Tribunal Supe-rior e dos Tribunais Regionais.”

 Assim, esses crimes serão julgados pela Justiça Eleitoral,21 exceto se o agentetiver direito a foro por prerrogativa de função, assegurando-lhe o julgamento portribunal superior (como visto antes).

Fixada a competência da Justiça Eleitoral, ocorrerá “ perpetuatio jurisdicionis”, quenão cederá na eventualidade de que o crime propriamente eleitoral prescreva. Nessesentido, TSE, HC 325-SP, j. 25.5.1998, rel. Min. Nilson Naves.22

O Código Eleitoral não traz exceções, mas diverge a doutrina sobre a fixa-ção de competência se o crime eleitoral inespecífico conexo for homicídio ou cri-

me doloso contra a vida.23 Suponha-se que na disputa eleitoral, um candidato émorto por seu adversário, art. 121 do Código Penal, no contexto de ofensa à suahonra, em meio a propaganda nas eleições, art. 326 do Código Eleitoral. Quem

 julgará o crime do art. 121?

Parte da doutrina entende que os crimes serão julgados pela Justiça Eleitoral,como outros crimes eleitorais próprios.24 

Ponto de vista diverso é o de que, por existir previsão constitucional sobre o Tribunal do Júri, fixando sua competência para os crimes dolosos contra a vida,

consumados ou tentados, e crimes conexos, art. 5º, XXXVIII, caberia aos juradospopulares o julgamento de ambos os crimes.25 O tribunal popular seria o da JustiçaComum dos Estados.

21

  TSE: “3. É da competência da Justiça Eleitoral processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns quelhes forem conexos. Precedentes. [...]” HC nº 592 – Chaves/PA, j. 1.7.2008, rel. Min. Caputo Bastos).22  “1. Competência. Compete à Justiça Eleitoral processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns quelhes forem conexos (Código Eleitoral, art. 35, II e 364). Prescrita a pretensão punitiva quanto ao crimeeleitoral, remanesce a competência da Justiça Eleitoral para o crime comum.”23  São eles, além do homicídio, o infanticídio, as formas de aborto, o induzimento, instigação e auxílioao suicídio.24  Assim, Suzana de Camargo Gomes, Crimes Eleitorais, 3. ed., Revista dos Tribunais, São Paulo, 2008:“[...] em se tratando de crimes eleitorais conexos a crimes dolosos contra a vida, o julgamento de todoseles há de ser realizado pela Justiça Eleitoral, a menos que caracterizada, em termos constitucionais, a

competência funcional de outros órgãos jurisdicionais” (p. 66).25  Nesse sentido, Antonio Carlos da Ponte, Crimes Eleitorais, Saraiva, São Paulo, 2008, p. 119.

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Quinta Parte: Processo Penal Eleitoral 

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Para outros autores, deveria, no caso, ocorrer a cisão do processo, incumbindoà Justiça Eleitoral o julgamento do crime do art. 326 do Código e ao Tribunal do Júrida Justiça Comum o crime de homicídio.26

Nosso pensamento é como segue: a vida, bem jurídico cuja extinção dolosa justi-fica o tribunal popular, não é “estadual”, “municipal” ou “federal”. O homicídio podeser da competência estadual (mais comumente) e pode também ser de competênciafederal, se praticado em detrimento de bens, direitos e interesses da União (art. 109da Constituição). Daí a realização dos júris federais, não tão rara em nosso país.

Se a morte de alguém é intentada com finalidade eleitoral, em conexão com cri-me eleitoral próprio, o assassino há de ser levado a júri popular,27 mas não vemosrazão para que seja um Tribunal do Júri da Justiça Comum Estadual. Deve ser um

 Tribunal do Júri Federal, posto que a Justiça Eleitoral tem caráter federal. Os júrisfederais foram previstos pelo Decreto-lei 253/67.28 

Em reforço dessa argumentação está a fixação da competência da Justiça Fede-ral para conhecer e julgar crimes eleitorais inespecíficos, por exemplo, concussãopraticada por funcionário eleitoral.

O ideal seria um júri organizado pela própria Justiça Eleitoral, mas comonão há previsão legal para tanto (e a organização dos tribunais do júri é comple-xa, com lista anuais de jurados, alojamentos para testemunhas etc.), a solução

vigente é a competência do Juri Federal para os crimes dolosos contra a vida co-nexos com crimes eleitorais.

Crimes conexos de menor potencial ofensivo

 Aplica-se, aos crimes eleitorais, a Lei 9.099/95,29 que estabelece figuras de tran-sação penal, art. 72, e suspensão condicional do processo, art. 89. Todavia, não exis-

26  Joel Candido, Direito Eleitoral Brasileiro, EDIPRO, Bauru, 2006, p. 583.27  Aplicável, assim, o disposto no art. 78, I, do CPP: “I – no concurso entre a competência do júri e ade outro órgão da jurisdição comum, prevalecerá a competência do júri”. Só não há razão para que este

 júri seja estadual.28  Art. 4º Nos crimes de competência da Justiça Federal, que devem ser julgados pelo Tribunal do Júri,observar-se-á o disposto na legislação processual, cabendo a sua presidência ao juiz a que competir oprocessamento da respectiva ação penal. Parágrafo único. Nas Seções Judiciárias, onde houver mais deuma Vara, competentes em matéria criminal, a lista dos jurados será organizada, anualmente por um dos

 Juízes, mediante rodízio observada sua ordem numérica.

29  Foi a Lei 11.313, de 2006, que excluiu a ressalva até então constante na Lei 9.099/95, impeditiva desua aplicação a crimes que tivessem procedimento especial.

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

te um “juizado especial criminal eleitoral”. Dessa maneira, será do juízo eleitoral acompetência para a aplicação desses dispositivos, ambos dependentes, todavia, deproposição do Ministério Público Eleitoral.30

Surge, então, a dúvida sobre a competência em caso de conexão entre cri-me eleitoral e crime comum, quando um deles, ou ambos, é de menor potencialofensivo.

Suponha-se, por exemplo, a prática de “impedimento de exercício da propagan-da,” art. 332 do Código Eleitoral, em conexão com o crime de incêndio, art. 250 doCódigo Penal. A pena de cada qual é inferior a um ano, admitindo, transação penal.Quem a proporá? Quem a decidirá?

Entendemos que ambos os crimes deverão ser trazidos à Justiça Eleitoral, onde

os institutos da Lei 9.099/95 poderão ser aplicados. Mesma situação se o crime co-mum for de menor potencial ofensivo e o crime eleitoral conexo, não. Ou se o crimeeleitoral for de menor potencial ofensivo e não o crime comum.

Em sentido diverso, o magistério de Antonio Carlos da Ponte, para quem a me-lhor solução é a cisão dos processos.31

Crimes eleitorais inespecíficos e competência

Se o crime eleitoral for impróprio, ou seja, não está previsto na legislação elei-toral, mas pode repercutir na administração da Justiça Eleitoral ou na lisura e legi-timidade do pleito, quem o julgará?

Suponha-se, por exemplo, um crime de tráfico de influência, art. 33232 do Códi-go Penal, ou um falso testemunho, art. 342,33 vitimando a administração da justiçaEleitoral. Quem os julgará?

30  Se o juiz discordar da não proposição, pelo  parquet eleitoral, das medidas da Lei 9.099/95, deveráremeter a matéria à 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, em Brasília. Vercomentários, adiante, sobre a obrigatoriedade da promoção da ação penal.31  Crimes Eleitorais, Saraiva, São Paulo, 2008, p. 120.32  Art. 332. Solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vanta-gem, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função. Pena – reclu-são de dois a cinco anos, e multa. Parágrafo único. A pena é aumentada da metade, se o agente alega ouinsinua que a vantagem é também destinada ao funcionário.33  Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade, como testemunha, perito, contador,tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral.

Pena – reclusão, de um a três anos, e multa. § 1 º As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se ocrime é praticado mediante suborno ou se cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito

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Quinta Parte: Processo Penal Eleitoral 

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Será a Justiça Federal.

Os crimes eleitorais, específicos ou não, afetam interesses da União, que detéma competência privativa para legislar sobre direito eleitoral, art. 22, I, além de organi-

zar e manter a Justiça Eleitoral. Prova dessa afetação está no art. 109 da ConstituiçãoFederal: “Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: “[...] IV – os crimes políticos

e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas

entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competên-

cia da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral.” A interpretação é de que, se não afetassem aUnião, a ressalva feita aos crimes de competência da Justiça Eleitoral seria supérflua.

Dessa maneira, se afetarem a Justiça Eleitoral, mas não forem próprios ou es-pecíficos, serão levados à Justiça Federal.

 Assim já decidiu o TSE, Acórdão no AgR-AI nº 26717-MG, de 17.2.2011, rel.Min. Arnaldo Versiani.34

Somos críticos dessa interpretação jurisprudencial, embora consolidada. Anosso ver, competente para todos os crimes capazes de interferir na administra-ção da Justiça Eleitoral, na regularidade, lisura e legitimidade das eleições é a

 Justiça Eleitoral, ainda que eles não estejam diretamente previstos nas leis elei-torais. Até os crimes dolosos contra a vida, propugnamos, deveriam ser levadosa Júri (Federal) Eleitoral.

No sentido ora predominante, porém, os crimes que são de competência da Justiça Eleitoral, destarte, são os eleitorais próprios ou específicos, relacionados àlisura ou legitimidade do pleito e os crimes conexos.

em processo penal, ou em processo civil em que for parte entidade da administração pública direta ouindireta. § 2º O fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito, oagente se retrata ou declara a verdade.34  “Ação penal. Justiça Eleitoral. Incompetência. Denunciação caluniosa. 1. Considerando que o art. 339do Código Penal não tem equivalente na legislação eleitoral, a Corte de origem assentou a incompetênciada Justiça Eleitoral para exame do fato narrado na denúncia – levando-se em conta que a hipótese dosautos caracteriza, em tese, ofensa à administração desta Justiça Especializada –, anulou a sentença e de-terminou a remessa dos autos à Justiça Federal. 2. É de se manter o entendimento do Tribunal a quo, vistoque a denunciação caluniosa decorrente de imputação de crime eleitoral atrai a competência da JustiçaFederal, visto que tal delito é praticado contra a administração da Justiça Eleitoral, órgão jurisdicional

que integra a esfera federal, o que evidencia o interesse da União, nos termos do art. 109, inciso IV, daConstituição Federal. [...]”

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

 Aplicação subsidiária do Processo Penal Comum

O Código Eleitoral traz disposições sobre o processo crime eleitoral, aplicáveis

aos crimes que descreve e aos previstos na legislação eleitoral esparsa.35 Subsidiáriaou supletivamente,36 aplica-se o Código de Processo Penal, nos termos do art. 364do Código Eleitoral.37 

Espécie de processo penal com características próprias, o processo penal elei-toral recebe as categorias e princípios do processo comum, adaptando-os, porém,à sua realidade. Se não existirem tais adaptações, será plena a aplicação do proces-so penal comum. Se existirem, terão preferência sobre as regras do processo penal.

Por processo penal comum se entendem não apenas as regras do Código de

Processo, mas outras que influenciam a dedução do “jus puniendi” estatal, bem comodo “jus persequendi”. Assim é que a Lei 9.099/95, que criou os juizados especiais cí-veis e criminais, é aplicável ao ambiente processual penal eleitoral, bem como a Lei8.038/90, que regulamenta o processo nos tribunais.

Em razão da subsidiariedade é que inovações advindas ao processo penal co-mum não são, necessariamente, aplicáveis aos processos eleitorais. É o caso da Lei11.719/2008, que trouxe alterações ao Código de Processo Penal – entre elas, a pos-sibilidade de absolvição sumária e a alteração do momento do interrogatório –, re-

conhecidas como inaplicáveis ao ambiente eleitoral.38

 Por outro lado, diante de questões não versadas pela legislação eleitoral – como

a prisão cautelar39 –, as inovações procedidas no Código comum são imediatamenteaplicáveis aos feitos eleitorais.

35  Nesse sentido, o art. 90 da Lei 9.504/97.36  Subsidiário está no sentido de normas existentes, mas que precisam ser complementadas pelas dis-posições comuns; supletivo indica lacuna.37  Art. 364. No processo e julgamento dos crimes eleitorais e dos comuns que lhes forem conexos,

assim como nos recursos e na execução, que lhes digam respeito, aplicar-se-á, como lei subsidiária ousupletiva, o Código de Processo Penal.38  “ Habeas corpus. Ação penal. Procedimento. Lei nº 8.038/90. Invocação. Inovações. Lei nº 11.719/2008.1. O procedimento previsto para as ações penais originárias – disciplinado na Lei nº 8.038/90 – não sofreualteração em face da edição da Lei nº 11.719/2008, que alterou disposições do Código de Processo Penal.2. A Lei nº 8.038/90 dispõe sobre o rito a ser observado desde o oferecimento da denúncia, seguindo deapresentação de resposta preliminar pelo acusado, deliberação sobre o recebimento da peça acusatória,com o consequente interrogatório do réu e defesa prévia – caso recebida a denúncia –, conforme previsãodos arts. 4º ao 8º da citada lei. 3. As invocadas inovações do CPP somente incidiriam em relação ao ritoestabelecido em lei especial, caso não houvesse disposições específicas, o que não se averigua na hipótese

em questão. Ordem denegada” (HC 6652-BA, Rel. Min. Arnaldo Versiani, j. 22.10.2009).39  Lei 12.403/2011.

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Quinta Parte: Processo Penal Eleitoral 

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O Código Eleitoral traz artigos sobre a ação penal (titularidade, prazo e contro-le da obrigatoriedade), sobre os requisitos da denúncia, prazo de defesa e alegações,sobre a oitiva das testemunhas, recursos e execução da pena. Alguns deles, como

a execução provisória da sentença, não foram recebidos pela Constituição Federalde 1988, que exige, conforme jurisprudência do STF, o trânsito em julgado para ocumprimento da pena.

Serão regidos pelo Código de Processo Penal itens como o prazo de conclusãodos inquéritos eleitorais, a exceção da verdade, nos crimes eleitorais contra a honra,bem como a ação penal em face de funcionários públicos (se for, exclusivamente,crime eleitoral inespecífico, TSE, HC 567, Rel. Min. Marcelo Ribeiro).

Para os processos eleitorais que, em razão de foro por prerrogativa de função,

tramitam pelos Tribunais Eleitorais, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribu-nal Federal, aplica-se a Lei 8.038/90, de abrangência estendida aos Tribunais de Jus-tiça e Tribunais Regionais Federais por força da Lei 8.658, de 26 de maio de 1993, eaos Tribunais Regionais Eleitorais por similitude.

É distinto, logo, o rito processual perante os juízes eleitorais e perante os tri-bunais eleitorais.

 Ação Penal Eleitoral

 Toda a ação penal eleitoral é pública incondicionada, art. 355 do Código Eleito-ral,40 atribuível ao órgão do Ministério Público Eleitoral. Não há figuras de ação penalprivada autônoma ou de ação pública sujeita a representação. Por força constitucional,art. 5º, LIX, admite-se a ação penal privada subsidiária, em face de inércia ministerial.É como já decidiu o TSE.41 Exige-se não o singelo decurso do prazo para o  parquet,mas a demonstração de que o órgão se houve com desídia ou desinteresse. Se se re-

40  Art. 355. As infrações penais definidas neste Código são de ação pública.41  “1. A ação penal privada subsidiária à ação penal pública foi elevada à condição de garantia consti-tucional, prevista no art. 5º, LIX, da Constituição Federal, constituindo cláusula pétrea. 2. Na medidaem que a própria Carta Magna não estabeleceu nenhuma restrição quanto à aplicação da ação penalprivada subsidiária, nos processos relativos aos delitos previstos na legislação especial, deve ser elaadmitida nas ações em que se apuram crimes eleitorais. 3. A queixa-crime em ação penal privadasubsidiária somente pode ser aceita caso o representante do Ministério Público não tenha oferecidodenúncia, requerido diligências ou solicitado o arquivamento de inquérito policial, no prazo legal. 4.

 Tem-se incabível a ação supletiva na hipótese em que o representante do Ministério Público postu-

lou providência ao juiz, razão pela qual não se pode concluir pela sua inércia” (Respe n º 21295/SP, j.14.8.2003, Rel. Min. Fernando Neves).

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

quisitaram novas diligências ou se a opinio delicti for desfavorável ao reconhecimentode autoria ou materialidade, não cabe a ação subsidiária.

 A regulação da ação penal está no Código de Processo Penal: “ Art. 30. Ao ofendido

ou a quem tenha qualidade para representá-lo caberá intentar a ação privada. [...]”  Ali tambémse diz que cabe ao Ministério Público: “[...]aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia

 substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recur-

 so e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal”.

O único problema, nas ações eleitorais, é que o ofendido é a própria sociedade,por se tratarem de crimes vagos, protetores da lisura e legitimidade do pleito. Cabereconhecer na vítima secundária, quando existente, a legitimação para a ação sub-sidiária. Pode acontecer, por exemplo, num crime de calúnia, injúria ou difamação

eleitoral ou num crime de retenção de título de eleitor. Fica um pouco mais difícilem crimes como o do art. 347, desobediência eleitoral. Quem é a vítima direta, se-não a própria sociedade e a função jurisdicional?

 Admite-se, com esteio no art. 26842 do Código de Processo Penal, a assistên-cia de acusação. Para Tito Costa, esse assistente pode ser o partido político.43 Nãose admite assistência, todavia, em processo de habeas corpus impetrado para trancarprocesso crime eleitoral.44

Obrigatoriedade da ação penal e controle

Entende-se, no Direito brasileiro, que a promoção da ação penal é obrigatória,presentes prova suficiente de materialidade e autoria e ausentes condições que afas-tem tipicidade, ilicitude, culpabilidade e punibilidade. Não se permite ao órgão minis-terial, exceto nas situações de transação penal e suspensão condicional do processo,um juízo valorativo e de conveniência sobre a ação penal (princípio da oportunidade).

 A ação penal subsidiária, anteriormente mencionada, apresenta-se como um

mecanismo de controle dessa obrigação. Mas não é o único.Diante de uma promoção de arquivamento de autos de inquérito policial ou

peças de informação, caberá ao juiz ensejar esse controle. É a figura descrita, no Có-

42  Art. 268. Em todos os termos da ação pública, poderá intervir, como assistente do Ministério Público,o ofendido ou seu representante legal, ou, na falta, qualquer das pessoas mencionadas no Art. 31.43  Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral, Ed. Juarez de Oliveira, São Paulo, 2002, p. 201.

44  “[...] 1. É incabível a intervenção de assistente de acusação em sede de habeas corpus destinado a tran-car ação penal pública incondicionada. [...]” (TSE, HC 21.147-BA, Rel. Arnaldo Versiani, j. 28.6.2011).

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Quinta Parte: Processo Penal Eleitoral 

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digo de Processo Penal, no art. 28.45 A decisão final é da própria instituição minis-terial – no caso, pelo Procurador Geral de Justiça –, posto ser dela a privatividade dapromoção da ação penal pública (art. 129, I, da Constituição).

O Código Eleitoral trouxe dispositivo assemelhado, art. 357.46

Essa modalidade de controle não subsistiu, porém, à sobrevinda da Lei Com-plementar nº 75, de 1993 – do Ministério Público da União. Nela se dispõe que cabeàs “Câmaras de Coordenação e Revisão”, por ela criadas, a tarefa de: “ Art. 62 [...] IV

 – manifestar-se sobre o arquivamento de inquérito policial, inquérito parlamentar ou peças de

informação, exceto nos casos de competência originária do Procurador-Geral”.

Desse modo, não é o Procurador Regional Eleitoral (e, tampouco, o ProcuradorGeral de Justiça!) quem deverá se pronunciar diante de arquivamento não aceito

pelo juízo eleitoral, mas uma das Câmaras de Coordenação do Ministério PúblicoFederal. É matéria pacificada no TSE: Ac. TSE, de 10.4.2007, no REspe nº 25.030.

 A função eleitoral, repise-se, é do Ministério Público Federal, ainda que, peranteos juízes eleitorais, seja, por delegação daquele, exercida pelos Promotores de Justiça.

 A incumbência desse controle de arquivamentos é da Segunda Câmara deCoordenação e Revisão, situada em Brasília, cuja matéria é “criminal e de controleexterno da atividade policial”. Nesse sentido, seu Enunciado de nº 29: “Compete à2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal manifestar-se

nas hipóteses em que o Juiz Eleitoral considerar improcedentes as razões invocadaspelo Promotor Eleitoral ao requerer o arquivamento de inquérito policial ou de pe-ças de informação, derrogado o art. 357, § 1º do Código Eleitoral pelo art. 62, inc.IV da Lei Complementar nº 75/93.”

Se a Câmara discordar das razões invocadas para o arquivamento, poderá de-signar – diretamente ou por intermediação do Procurador Regional Eleitoral – outroórgão do Ministério Público Eleitoral para a promoção da denúncia. Este deverá agircomo “longa manus” daquela instância superior. Se a Câmara de Coordenação e Re-

visão concordar com a não promoção da denúncia, o arquivamento não poderá serrevisto, a não ser diante de provas novas.

45  Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamentodo inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentesas razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este ofere-cerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido dearquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.46  § 1º Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento dacomunicação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa da comuni-

cação ao Procurador Regional, e este oferecerá a denúncia, designará outro Promotor para oferecê-la, ouinsistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

Entendemos, destarte, que se encontram revogados os §§ 1º (já mencionado), 3º, 4º e 5º do art. 357 do Código Eleitoral.47 É um mecanismo de controle da obrigatoriedadeda ação penal incompatível com as normas da Lei Complementar nº 75/93, sem falar

no perfil constitucional do Ministério Público. Quanto ao direito de representar qual-quer autoridade remissa no cumprimento de seus deveres, este se encontra sediado naprópria Constituição: é o direito de petição (art. 5º, XXXIV).48 

 A petição poderá, por exemplo, ser endereçada às instâncias superiores do Mi-nistério Público ou ao Conselho Nacional do Ministério Público.

Esse mecanismo de controle da obrigatoriedade da ação penal – a remessa,pelo juiz, à 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal– deve ser utilizado, por analogia, quando o juiz discordar do não oferecimento

das medidas descarceirizadoras da Lei 9.099/95 (transação penal e suspensãocondicional do processo).49

O procedimento das ações penais eleitorais perante o juiz eleitoral

O art. 356 do Código Eleitoral determina que: “Todo cidadão que tiver conhecimento

de infração penal deste Código deverá comunicá-la ao juiz eleitoral da zona onde a mesma se veri-

 ficou.” Em teor idêntico, a Resolução nº 23.363/2010, do TSE, sobre crimes eleitorais.

Uma interpretação desse comando mais consentânea com os ares da Consti-tuição de 1988 dirá que, ao invés de dever, o cidadão tem a possibilidade de levar,ao conhecimento do juiz eleitoral e, se preferir, diretamente ao Ministério PúblicoEleitoral ou à polícia, fato delituoso eleitoral de que tenha notícia.

Se os fatos forem levados ao juízo eleitoral, este deverá encaminhá-la ao parquet eleitoral.

 As informações dadas ao Ministério Público Eleitoral, constatadas por ele mes-mo, de ofício, ou presentes em inquérito policial ou qualquer peça de informação,

47  § 3º Se o órgão do Ministério Público não oferecer a denúncia no prazo legal representará contra elea autoridade judiciária, sem prejuízo da apuração da responsabilidade penal. § 4º Ocorrendo a hipóteseprevista no parágrafo anterior o juiz solicitará ao Procurador Regional a designação de outro promotor,que, no mesmo prazo, oferecerá a denúncia. § 5º Qualquer eleitor poderá provocar a representação contrao órgão do Ministério Público se o juiz, no prazo de 10 (dez) dias, não agir de ofício.48  São a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aosPoderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; [...].49  Súmula 696 do STF: Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do pro-

cesso, mas se recusando o Promotor de Justiça a propô-la, o Juiz, dissentido, remeterá a questão aoProcurador-Geral, aplicando-se por analogia o art. 28 do Código de Processo Penal.

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Quinta Parte: Processo Penal Eleitoral 

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deverão aparelhar a ação penal pública, cujo prazo é de dez dias. O Promotor Elei-toral poderá, se não entender presentes as condições para a denúncia, requisitarinstauração de inquérito policial ou a realização de novas diligências. Isso se não

promover o arquivamento do feito (ver item supra).Os requisitos para a denúncia estão previstos em norma própria no Código

Eleitoral, art. 358.50

Se o juiz não a receber, caberá recurso para o Tribunal Regional Eleitoral noprazo de três dias, a teor do art. 265 do Código Eleitoral.51 O prazo recursal é detrês dias.52 A jurisprudência dos Tribunais Regionais Eleitorais, todavia, como serávisto a seguir, tem admitido, no caso, a interposição do recurso em sentido estritodo art. 581, I, do Código de Processo Penal, cujo prazo é de cinco dias. Se ocorrer o

recebimento da denúncia, não há recurso previsto em lei, pois tratar-se-á, então, dedecisão interlocutória, sendo possível a impetração de Habeas Corpus (se aquele atofor ilegal ou abusivo).

Recebida a denúncia, o juiz fixará horário para o depoimento pessoal do acusa-do, art. 359. É o equivalente eleitoral do interrogatório.53 

Curiosamente, até o advento da Lei 10.732, de 5 de setembro de 2003, nãohavia previsão de depoimento pessoal ou interrogatório no rito processual penaleleitoral!

 A transferência da oportunidade do interrogatório para o fim da instrução, tra-zida pela Lei 11.719/98, suscita controvérsia sobre sua aplicação, ou não, ao proces-so penal eleitoral. Há decisão do TSE nesse sentido, embora se referindo a processoem curso perante os Tribunais, HC 652, Rel. Min. Arnaldo Versiani, j. 22.10.2009.54 

 A argumentação ali expendida, porém, é aplicável também à primeira instância.

50  Art. 358. A denúncia, será rejeitada quando: I – o fato narrado evidentemente não constituir crime;II – já estiver extinta a punibilidade, pela prescrição ou outra causa; III – for manifesta a ilegitimidade

da parte ou faltar condição exigida pela lei para o exercício da ação penal. Parágrafo único. Nos casos donúmero III, a rejeição da denúncia não obstará ao exercício da ação penal, desde que promovida por partelegítima ou satisfeita a condição.51  Art. 265. Dos atos, resoluções ou despachos dos juízes ou juntas eleitorais caberá recurso para o

 Tribunal Regional.52  Art. 258. Sempre que a lei não fixar prazo especial, o recurso deverá ser interposto em três dias dapublicação do ato, resolução ou despacho.53  Art. 359. Recebida a denúncia, o juiz designará dia e hora para o depoimento pessoal do acusado,ordenando a citação deste e a notificação do Ministério Público.54  “1. O procedimento previsto para as ações penais originárias – disciplinado na Lei nº 8.038190 – não

sofreu alteração em face da edição da Lei nº 11.71912008, que alterou disposições do Código de Proces-so Penal. 2. A Lei nº 8.038190 dispõe sobre o rito a ser observado desde o oferecimento da denúncia,

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

Outrossim, há decisões em sentido diverso, proferidas por Tribunais RegionaisEleitorais, ao menos em relação ao rito processual em primeira instância.55 Não nossurpreenderá se essa orientação – de aplicação do Código Processo Penal e não do

Código Eleitoral – vier a se tornar prevalecente. Mas entendemos que, em face docaráter subsidiário e supletivo da aplicação do Código de Processo Penal, deve pre-valecer o rito previsto no Código Eleitoral, sem que isso, de qualquer forma, sejaofensivo ao direito de defesa.

O réu poderá manter-se em silêncio ou contar a narrativa que lhe parecer maisconveniente, não sendo obrigado a produzir prova contra ele mesmo (“nemo dete-

nur se detegere”).

 Após o depoimento pessoal, o réu terá o prazo de dez dias para oferecer alega-

ções escritas e arrolar testemunhas. Cada parte poderá arrolar até oito testemunhas(CPP, art. 401). Depois que forem ouvidas, as partes poderão requerer diligências56 e terão o prazo de cinco dias para alegações finais. Se realizadas as diligências reque-ridas ou se estas forem indeferidas, os autos irão à conclusão do juiz (em 48 horas),que terá dez dias para decidir. O recurso, para o Tribunal Regional Eleitoral, terá oprazo de dez dias.

O art. 363 do Código Eleitoral se refere à execução da pena. Temos que foi re-vogado pela Lei 7.210/84, que trata das execuções penais. Além disso, ele admitiaexecução provisória da pena (a partir da condenação confirmada ou proferida pelo

 TRE), o que hoje não mais se admite. Só com o trânsito em julgado, haverá execu-ção da pena. Antes disso, se houver prisão, é cautelar.

Os presos condenados por crimes eleitorais devem cumprir suas penas empresídio federal, se houver. Afinal, praticaram crimes federais (eleitorais). Comonão existem tais presídios (exceção aos de segurança máxima), a carta de guia seráextraída e o feito encaminhado à vara das execuções da Justiça Comum Estadual.

seguindo de apresentação de resposta preliminar pelo acusado, deliberação sobre o recebimento da peçaacusatória, com o consequente interrogatório do réu e defesa prévia – caso recebida a denúncia –, con-forme previsão dos arts. 4º ao 8º da citada lei. 3. As invocadas inovações do CPP somente incidiriamem relação ao rito estabelecido em lei especial, caso não houvesse disposições específicas, o que não seaverigua na hipótese em questão.”55  Há decisões, entretanto, nesse sentido: “HC. Concessão de liminar para determinar a realizaçãode interrogatório ao final da instrução processual penal, nos termos doa art. 400 do CPP. Trancamen-to da ação penal. [...]” (TRE-PR, HC 33.265, Acórdão n º 38.559, de 7.6.2010, Rel. Luiz Fernando

 Tomasi Keppen).

56  O art. 360 fala em diligências requeridas pelo Ministério Público ou ordenadas pelo juízo. A defesa,por evidente, também pode requerê-las!

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Quinta Parte: Processo Penal Eleitoral 

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O procedimento das ações penais eleitoraisoriginárias dos tribunais

 A Lei 8.038/90 definiu o rito do processo nos tribunais. Referia-se, a princípio,tão somente ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal. Poste-riormente, por força da Lei nº 8.658, de 26 de maio de 1993, passou a ser aplicadatambém aos Tribunais de Justiça e aos Tribunais Regionais Federais. Em razão disso,foi também adotada nos Tribunais Eleitorais (TSE e TREs).

O prazo para a promoção da ação penal é de 15 dias, art. 1º da Lei 8.038/90, ex-ceto se o indiciado estiver preso (§ 2º), situação na qual o prazo será de cinco dias.

O relator, ao qual foi distribuído o processo, tem poderes para determinar o ar-quivamento ou peças de informação, se o requerer o Ministério Público, bem comodecretar a extinção da punibilidade, nos casos previstos em lei (art. 3º). Antes daanálise do recebimento ou não da denúncia, o acusado será notificado para, no prazode 15 dias, oferecer resposta (art. 4º). O tribunal, em sessão na qual se assegurarádireito à sustentação oral das partes (15 minutos), deliberará sobre o recebimentoou rejeição da denúncia. A Corte poderá também, desde logo, decidir pela improce-dência da ação, se isso não depender de outras provas (art. 6º).

Recebida a denúncia, o relator designará dia e hora para o interrogatório. É co-mum delegar-se esse ato para juiz eleitoral, faculdade prevista no art. 9º, § 1º. O pra-zo para defesa prévia será de cinco dias, contados do interrogatório ou da intimaçãode defensor dativo (art. 7º). Após a oitiva de testemunhas, as partes terão cinco diaspara o requerimento de diligências. Se não houver nenhum, forem realizadas ou in-deferidas, as partes terão 15 dias para as alegações finais escritas.

Quando do julgamento, as partes poderão fazer sustentação oral, art. 12, I, poraté uma hora cada uma!

Recursos eleitorais criminais

O direito ao reexame das decisões judiciais é inerente ao devido processo legal.Embora não se possa afirmar que a Constituição consagre a garantia do duplo graude jurisdição (porque, em muitas hipóteses, o foro por prerrogativa de função nãopermitirá esse exercício), a pacificação social pretendida pela jurisdição penal fica

robustecida quando a condenação ou absolvição é confirmada pelas instâncias derevisão. A propósito, nem precisaria ser tantas!

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

O Código Eleitoral prevê recursos criminais. Todavia, o suporte dado pela apli-cação do Código de Processo Penal é decisivo, além de autorizado pelo art. 364: “Noprocesso e julgamento dos crimes eleitorais e dos comuns que lhes forem conexos,

assim como nos recursos e na execução, que lhes digam respeito, aplicar-se-á, comolei subsidiária ou supletiva, o Código de Processo Penal.”

O sistema recursal do processo penal funciona, portanto, também na seara elei-toral criminal, estando diretamente nele previstos recursos como a “carta testemu-nhável”, art. 639, e ações como a revisão criminal e o  Habeas Corpus.

1 Recursos das decisões dos Juízes Eleitorais

O Código Eleitoral diz que, das decisões finais de condenação ou absolvição,proferidas por juiz eleitoral, caberá recurso para o Tribunal Regional Eleitoral,no prazo de dez dias, art. 363. Esse recurso é conhecido como “apelação criminaleleitoral” ou “recurso criminal eleitoral”, para diferenciá-lo do recurso previstono art. 265 do mesmo diploma, este conhecido como “recurso inominado”, deabrangência cível.

Ele cabe de decisões finais de absolvição ou condenação. Recebido o recurso,dar-se-á vista à outra parte para apresentação de suas contrarrazões, pelo mesmoprazo de dez dias.

O recurso será recebido no efeito suspensivo, pois é assim o entendimen-to do Supremo Tribunal Federal (HC 84.078/MG de relatoria do Min. ErosGrau) em relação às sentenças penais condenatórias, cuja executividade fica de-pendente do trânsito em julgado, em homenagem à presunção de inocência, art.5º, LVII, da Constituição.

 A apelação criminal eleitoral não abrange decisões interlocutórias, para as quaisnão há recurso previsto. A impugnação destas poderá ser feita somente por Habeas

Corpus, se contrária à defesa, ou Mandado de Segurança, se for ilegal ou abusiva.Registre-se, todavia, o entendimento de que este último remédio constitucional éde cabimento restrito, pois demanda a demonstração de “direito líquido e certo” doimpetrante, ou seja, matéria não afeita a ulterior produção de provas.

Revendo nosso posicionamento anterior, passamos a entender que o recursoem face da rejeição da denúncia oferecida perante o juiz eleitoral é o previsto no art.265 do Código Eleitoral, cujo prazo é de três dias: “Art. 265. Dos atos, resoluções oudespachos dos juízes ou juntas eleitorais caberá recurso para o Tribunal Regional.”

Não é caso de aplicação subisidiária do Código de Processo Penal, pois não há lacu-na a complementar, no tema, na legislação eleitoral.

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Quinta Parte: Processo Penal Eleitoral 

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 Todavia, é forçoso reconhecer que a jurisprudência dos Tribunais RegionaisEleitorais se inclina em sentido diverso, admitindo, nesse caso, o Recurso em Senti-do Estrito previsto no art. 581, I, do Código de Processo Penal, com prazo de cinco

dias.57

 A doutrina de Joel Cândido58

 e Marcos Ramayana59

 também vai nesse sentido.Esse recurso deve ser interposto no prazo de cinco dias (art. 586 do CPP). Depois

disso, abre-se o prazo de dois dias para que o recorrente apresente suas razões (art.588) abrindo-se a mesma oportunidade para a outra parte. O recurso apresenta efei-to regressivo, a saber, o juiz pode se retratar da decisão proferida (art. 589 do CPP),também no prazo de dois dias. Se não houve alteração, vão os autos ao Tribunal.

Não há previsão no Código Eleitoral de embargos de declaração em face de de-cisão de juiz eleitoral. Sustentamos que, na esfera eleitoral cível, eles não são pos-

síveis, pois o prazo de cinco dias previsto no art. 536 do Código de Processo Civilnão parece compatível com a celeridade exigida no processo eleitoral. Ainda assim,há juízes que deles conhecem, fortes no direito de petição. No âmbito do processopenal, ao revés, é aplicável o disposto no art. 382 do CPP, os chamados “embargui-nhos”, cujo prazo de interposição é de dois dias: “Qualquer das partes poderá, noprazo de dois dias, pedir ao juiz que declare a sentença, sempre que nela houverobscuridade, ambiguidade, contradição ou omissão.”

Esse regramento processual penal aplica-se também aos crimes eleitorais demenor potencial ofensivo, pois não há juizados no ambiente eleitoral. Caberá ao

 Tribunal Regional Eleitoral examinar eventual irresignação com a decisão judicialcriminal eleitoral.

Por igual, não há previsão direta na lei eleitoral do cabimento da Carta Teste-munhável, prevista no art. 639 do Código de Processo Penal, mas a temos comoaplicável ao processo eleitoral criminal, em primeira instância. O recurso é cade15bível: “I – da decisão que denegar o recurso; II – da que, admitindo embora o re-curso, obstar à sua expedição e seguimento para o juízo ad quem[...]”

No sentido de sua aplicação em Direito Eleitoral, colhe-se o seguinte julgado do TSE: Acórdão nº 1832, Rel. Min. Walter da Costa Porto, j de 24.6.1999.

57  Nesse sentido, julgados do TRE-SP: RECC nº 2.038 – Registro/SP, Rel. Juiz Alberto Toron, Acór-dão de 22.7.2014; TRE-SC: RCRIME nº 5, Videira, Rel. Juíza Eliana Marinho, j. 20.7.2010; TRE-MG:RC – RECURSO CRIMINAL nº 30.430 – Araxá/MG, Acórdão de 28.2.2011; Relator(a) Luciana DinizNepomuceno.58

   Direito Eleitoral Brasilieiro, 14. ed. EDIPRO, 2010. p. 236-237.59  Código Eleitoral Comentado. 3. ed. Rio de Janeiro: Roma Victor Editora, 2006. p. 605.

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

2 Recursos das decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais60

São cabíveis recursos tanto de decisões proferidas pelos TREs no exercício de

sua competência criminal originária, quanto de decisões proferidas no exame de re-cursos interpostos em face de decisões dos juízes eleitorais.

Existem recursos internos, como os embargos de declaração, nos termos do art.275 do Código Eleitoral, ou o agravo regimental.

Embargos de declaração

Os embargos de declaração têm por escopo dissipar dúvida, obscuridade, con-

tradição ou omssão contida na própria decisão atacada. É um procedimento desti-nado a extinguir equívocos e tornar claro o que faltou no julgamento embargado,de modo que raras são as hipóteses de mudança substancial da decisão, até porqueé iterativa a jurisprudência no sentido de não admitir embargos de declaração compropósitos infringentes (ou seja, de modificação do teor da decisão).

Por expressa previsão legal (art. 275 do Código Eleitoral), os embargos de de-claração, em matéria eleitoral, são admitidos em face de decisões provenientes dos

 Tribunais Regionais Eleitorais e do Tribunal Superior Eleitoral.

O prazo de interposição é de três dias, contados da publicação do acórdão.

Os embargos são opostos ao próprio Relator do acórdão embargado, em pe-tição escrita, com indicação do ponto havido por omisso, contraditório, ambíguoou obscuro, e será apresentado em sessão de julgamento independentemente dainclusão em pauta.

Os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de ou-tros recursos, voltando a fluir novo e idêntico prazo para interposição do recursoprincipal. Aqui, vale registrar o desacerto da redação contida no § 4º do art. 275do Código Eleitoral, que usou a expressão “suspendem o prazo para a interposi-ção de outros recursos”. De qualquer modo, a jurisprudência não destoa quantoao verdadeiro efeito dos embargos na contagem do prazo para outras medidas pro-cessuais, eles de fato o interrompem.61 

Ficando evidenciado o propósito meramente protelatório, e assim reconhe-cido expressamente pelo Tribunal, os embargos de declaração não interromperão

60  Esse trecho do estudo se valeu de trabalho do autor, também publicado por esta editora. Trata-se do

 Direito Eleitoral, 2. ed., 2012.61  Ac. TSE, de 15.3.2011, no AgR-AI nº 369.422. Disponível em: <www.tse.jus.br>.

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Quinta Parte: Processo Penal Eleitoral 

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o prazo para outra insurgência, Código Eleitoral, art. 275, § 4º. Isso implicará na“intempestividade reflexa” do recurso especial que, eventualmente, se impuser.

Se a rejeição dos embargos não trouxer a nota expressa de que eles eram pro-

telatórios, o prazo para outros recursos se iniciará quando da publicação do acór-dão de rejeição. Prevalece, dessa forma, a regra da interrupção do prazo recursal.

 Agravo regimental

O agravo regimental é outro recurso interno, vale dizer, julgado pela própriaCorte. Tanto assim que, como o nome indica, sua previsão se encontra no Regimen-to Interno dos TREs.

É cabível em face da decisão de relator que, por exemplo, indeferir liminar-mente ação de revisão criminal, decidir sobre a produção de prova ou a realizaçãode diligência, nomear curador ao réu, quando for o caso, ou nomear defensor dativo(exemplos extraídos do Regimento Interno do TRE de São Paulo).

Esse mesmo Regimento Interno (cujo modelo é próximo do de outros TREs)disciplina o agravo: “ Art. 160. Caberá agravo contra as decisões singulares dos membros

do Tribunal que causarem prejuízo ao direito da parte. § 1º  O prazo para interpor o agravo

é de três (3) dias da publicação ou intimação da decisão. § 2º  A petição inicial conterá, sob

 pena de indeferimento liminar, as razões do pedido de reforma da decisão agravada. Art.161. O agravo será processado nos próprios autos e será submetido ao prolator da decisão

impugnada, que poderá reconsiderar seu entendimento; se o mantiver, apresentará o feito

em Mesa, independente de inclusão em pauta, para julgamento, valendo a decisão recorrida,

caso mantida, como voto.”

Cabe agravo regimental, também, se a apelação criminal tiver seu seguimentonegado por decisão monocrática de relator.

Embargos infringentes e de nulidade?

Entendemos que não é cabível essa via recursal no processo penal eleitoral.

É certo que o art. 609, parágrafo único, do Código de Processo Penal, prevê esterecurso quando:

“[...] não for unânime a decisão de segunda instância, desfavorável ao réu, admi-tem-se embargos infringentes e de nulidade, que poderão ser opostos dentro de

dez dias, a contar da publicação de acórdão, na forma do art. 613. Se o desacordofor parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto da divergência”.

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

O problema é que esses embargos são típicos da decisão de tribunais proferidaspor órgãos fracionários, como as turmas ou câmaras. Seu efeito é levar a matéria a

 julgamento pelo órgão fracionário imediatamente mais amplo (a sessão ou reunião

das turmas, por exemplo) ou mesmo a plenário. Como no ambiente eleitoral nãohá esse fracionamento das Cortes em turmas de julgamento, os embargos se pres-tariam somente para reexame do próprio grupo que proferiu o julgamento. Essaprovidência, a nosso ver, é incompatível com a celeridade da prestação jurisdicional,ora transformada em garantia constitucional, art. 5º, LXXVIII: “A todos, no âmbito

 judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meiosque garantam a celeridade de sua tramitação.”

Porém, há decisão do Tribunal Superior Eleitoral admitindo essa modalidade

recursal:“Embargos infringentes e de nulidade. Justiça Eleitoral. Admissibilidade. Art.

609, parágrafo único, Código de Processo Penal. Aplicação subsidiária. Art. 364

do Código Eleitoral. Recurso. Exclusividade. Defesa. 1. Os embargos infringentes

e de nulidade constituem recurso criminal dirigido ao próprio Tribunal que pro-

feriu a decisão, têm nítido caráter ofensivo e de retratação e buscam a reforma do

 julgado embargado pelo voto vencido favorável ao acusado. 2. Ainda que as cor-

tes regionais eleitorais sejam órgãos que não se fracionam em turmas, câmaras

ou seções, não há exceção prevista no art. 609 do CPP, no sentido de não seremcabíveis os embargos infringentes e de nulidade contra decisão do Pleno do pró-

prio Tribunal. 3. Conquanto no Código Eleitoral haja a previsão de um sistema

processual especial para apuração dos crimes eleitorais, que prestigia a celeridade

no processo e julgamento desses delitos, essa mesma celeridade não pode ser in-

vocada para negar ao réu o direito de interpor um recurso exclusivo, que a lei lhe

assegura, previsto apenas para situações em que haja divergência na Corte Regio-

nal” (TSE, Agr. Inst. 4590 – Pompeia-SP, Rel. Min. Fernando Neves, j. 17.6.2004).

Recursos para o Tribunal Superior Eleitoral

Os recursos externos das decisões dos TREs, isto é, dirigidos ao Tribunal Su-perior Eleitoral, estão disciplinados pela própria Constituição Federal. Ela diz, noart. 121, que: “§ 4º Das decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais somente caberárecurso quando: I – forem proferidas contra disposição expressa desta Constituiçãoou de lei; II – ocorrer divergência na interpretação de lei entre dois ou mais tribu-

nais eleitorais; III – versarem sobre inelegibilidade ou expedição de diplomas naseleições federais ou estaduais; IV – anularem diplomas ou decretarem a perda de

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mandatos eletivos federais ou estaduais; V – denegarem habeas-corpus, mandado desegurança, habeas-data ou mandado de injunção”.

Para o Código Eleitoral: “Art. 276. As decisões dos Tribunais Regionais são ter-

minativas, salvo os casos seguintes em que cabe recurso para o Tribunal Superior:I – especial: a) quando forem proferidas contra expressa disposição de lei; b) quan-do ocorrer divergência na interpretação de lei entre dois ou mais Tribunais Elei-torais; II – ordinário: a) quando versarem sobre expedição de diplomas nas eleiçõesfederais e estaduais; b) quando denegarem habeas corpus ou mandado de segurança.”

 A distinção entre o recurso de tipo extraordinário ou especial, de um lado, eordinário, de outro, é que aqueles se submetem a condições especiais de admissi-bilidade, verificadas, a princípio, pelo Presidente da Corte prolatora do decisum. Já o

recurso ordinário, de feição próxima à de uma apelação comum, não ostenta requi-sitos específicos, além dos padrões para qualquer recurso (legitimidade, interesse,adequação, tempestividade, preparo). Além disso, não se admite reexame de provasem recurso especial, consoante iterativa jurisprudência do TSE.

Recurso Especial

O recurso especial tem o condão de provocar o exame, pelo Tribunal SuperiorEleitoral, da legalidade das decisões proferidas pelos Tribunais Regionais Eleitorais,bem como resolver disparidade existente entre julgados de tribunais eleitorais sobrea mesma matéria, unificando com isso a jurisprudência. É o recurso cabível em facedo não recebimento de denúncia, quando o TRE tiver competência originária, bemassim como em face da decisão definitiva de mérito da ação penal.

 Não se presta, todavia, para reexame de fatos e provas, o que diminui suaviabilidade em matéria criminal. Nesse sentido, é a Súmula nº  7 do Superior

 Tribunal de Justiça: “a pretensão de simples reexame de prova não enseja recursoespecial.” Contudo, o Tribunal Superior Eleitoral permite a revaloração das pro-vas (Ac. nº  15384/RJ, de 4.9.1998), asseverando, inclusive, que “ pode-se reva-

lorar a prova documental certa e inequívoca posta nos autos [...]” (Ac. nº 12686/PB,22.9.1992). Na revaloração, é o efeito jurídico dos fatos e provas reconhecidospelo acórdão recorrido que pode ser modificado. Se o Acórdão não proceder a talreconhecimento, ainda que por força de embargos declaratórios, a matéria nãoserá examinável pela Corte Superior.

O Recurso Especial deve ser proposto no prazo de três dias, nos termos do art.276, § 1º, do Código Eleitoral, prazo contado da publicação da decisão.

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Se a condenação recorrida for por crime que gera inelegibilidade, o recurso de-verá, sob pena de preclusão, requerer a suspensão da restrição, a teor do art. 26-Cda Lei Complementar nº 64/90:

“Art. 26-C. O órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recursocontra as decisões colegiadas a que se referem as alíneas d, e, h, j, l e n do incisoI do art. 1º poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre queexistir plausibilidade da pretensão recursal e desde que a providência tenha sidoexpressamente requerida, sob pena de preclusão, por ocasião da interposição dorecurso. § 1º Conferido efeito suspensivo, o julgamento do recurso terá priorida-de sobre todos os demais, à exceção dos de mandado de segurança e de habeascorpus. § 2º Mantida a condenação de que derivou a inelegibilidade ou revogada

a suspensão liminar mencionada no caput, serão desconstituídos o registro ouo diploma eventualmente concedidos ao recorrente. § 3º A prática de atos mani-festamente protelatórios por parte da defesa, ao longo da tramitação do recurso,acarretará a revogação do efeito suspensivo.”

O recurso especial submete-se ao juízo de admissibilidade pelo Presidente do Tribunal Regional, pelo qual se examina se a decisão atacada ofendeu, em tese, dis-positivo de lei, da Constituição Federal, ou divergiu de julgado proferido por outro

tribunal regional acerca da mesma hipótese fática. Seu pronunciamento não implicausurpação da competência do Tribunal Superior Eleitoral: não há como mensurarse a decisão ofendeu ou não a lei, mesmo em tese, sem adentrar na economia dadecisão e do texto legal. Nesse sentido, ver decisão no AgR-AI nº 66798 – Porteiri-nha, MG, Rel. Min. Maria Thereza Assis Moura, j. 11.9.2014.

Em sendo o recurso admitido, abrir-se-á vista à parte recorrida para que no pra-zo de três dias apresente as suas contrarrazões. Findo esse prazo, com ou sem as ra-zões do recorrido, retornarão os autos conclusos ao Presidente do Tribunal para queeste determine a subida dos autos ao Tribunal Superior Eleitoral, simplesmente.

 A decisão da Presidência do TRE que não admite o recurso, ou seja, que entendanão restar demonstrado ofensa à lei ou ocorrência de dissídio jurisprudencial, pode seratacada via Agravo que será adiante abordado..

O art. 276, inciso I, do Código Eleitoral dispõe que as decisões proferidas pelos Tribunais Regionais são terminativas, salvo: “a) quando forem proferidas contra expres-

 sa disposição de lei; b) quando ocorrer divergência na interpretação de lei entre dois ou mais

Tribunais Eleitorais”.

 A primeira alínea reclama ofensa a uma norma legal, independentemente desua natureza, quer seja federal, estadual ou mesmo municipal, desde que pertinen-

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te à espécie litigiosa.62 A Constituição Federal, no art. 121, § 4º, inciso I, acolheuidêntica redação, inserindo como novo fundamento para interposição do recursoespecial ofensa aos seus dispositivos. É por essa razão que não se admite recurso

extraordinário das decisões dos TREs: o recurso especial poderá, também, apreciareventual infringência à Constituição (Agravo Regimental em Agravo de Instrumen-to nº 7688 –RS, j. 26.6.2008, Rel. Min. Joaquim Barbosa).

 A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral admite a interposição de Re-curso Especial fundado em contrariedade às Resoluções emanadas da própria Corte(Acórdão 5838, Relator Ministro Cesar Asfor Rocha, de 28.10.2005).

Na segunda hipótese de cabimento, é indispensável que a divergência jurispru-dencial seja correlata à matéria eleitoral, bem como que as posições discrepantes

ocorram entre Tribunais Regionais Eleitorais, ou entre estes e o Tribunal SuperiorEleitoral, de modo que não é cabível o recurso, fundado na alínea b, se a divergênciasuscitada tiver como paradigma julgado de outro Tribunal não integrante da JustiçaEleitoral, ainda que se aponte decisão do Supremo Tribunal Federal.

 A interposição do recurso especial supõe o exaurimento das oportunidades re-cursais oferecidas pela Corte Regional (TSE, Recurso Ordinário nº 235857 – SP, j.13.10.2010). Se for uma decisão monocrática, por exemplo, não se pode propor re-curso especial sem antes agravar regimentalmente do quanto decidido. É a mesmasituação se a decisão for proveniente dos juízes auxiliares.

Cabe lembrar a impossibilidade de se opor recurso especial às decisões de na-tureza interlocutória, ou seja, que julgam incidentes processuais mas não findamo processo. É o caso, por exemplo, de decisões que reconhecem ofensas ao devidoprocesso legal na instância inferior e invalidam o feito a partir de determinado ato.Não cabe recurso especial, pois, no ambiente eleitoral, essas decisões interlocutóriasnão se sujeitam a preclusão. Embora seja admitido por alguma jurisprudência, ainterposição de “recurso especial retido” é, para nós, mero erro técnico. Toda a ma-téria da irresignação, inclusive a relativa a essas decisões interlocutórias poderá ser

renovada na hora própria, quando a decisão do TRE for, afinal, definitiva.Exigência específica é a do prequestionamento. A via especial não se destina a

apresentar originariamente à Corte Superior determinada matéria. Ela só a conhe-cerá se tiver sido ventilada na decisão recorrida.

62  Enunciado de súmula de Tribunal superior não se equipara à lei federal para fins de interposição derecurso especial. Ac. TSE, de 3.11.2010 no AgR-RESPE nº 403877 – www.tse.jus.br/legislação).

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Recurso Ordinário

Essa espécie de recurso está prevista no art. 276, inciso II, do Código Eleitoral.

O recurso ordinário apresenta um rol taxativo das circunstâncias que autorizama sua interposição. É cabível em face de decisão que versar sobre registro de can-didatura ou sobre diploma dos candidatos eleitos, proferidas originariamente por

 Tribunais Regionais nas eleições federais e estaduais, ou contra decisão denegató-ria de habeas corpus ou de mandado de segurança. A Constituição Federal manteveas hipóteses previstas no aludido Códex, inserido, ainda, como fundamento paraa interposição do recurso ordinário, as decisões que versam sobre inelegibilidade,habeas data ou mandado de injunção (art. 121, § 4º, incisos III, IV e V).

Dessas hipóteses, a única relativa ao processo penal eleitoral é o  Habeas Cor-

 pus. É cabível recurso ordinário em face da decisão de Tribunal Regional Eleitoralque o denegar.

Deve ser proposto no prazo de três dias, contados da publicação da decisão.

O recurso ordinário não se submete a exame de admissibilidade pelo Presidentedo TRE. Cabe-lhe tão somente determinar a subida dos autos, após facultar a apresen-tação de contrarrazões do recorrido. Não há condições especiais de admissibilidade,

além do interesse, legitimidade e tempestividade. Como já decidiu o TSE: “O óbice areavaliação do acervo fático-probatório dos autos pela Corte ad quem, bem como a exi-gência de demonstração de divergência jurisprudencial, são temas afetos ao recursoespecial, não se aplicando ao recurso ordinário, pela devolutividade ampla que lhe éprópria” (TSE, AgR-RO nº 462727 – CE, rel. Min. Marcelo Ribeiro, j. 8.2.2011).

Em razão do efeito devolutivo inerente a essa modalidade de recurso, não édado ao Tribunal Regional a prática de qualquer ato de natureza cognitiva. Contu-do, nada obsta que o Tribunal proceda à execução do seu julgado, porque os recur-

sos em matéria eleitoral não têm efeito suspensivo (art. 257 do Código Eleitoral).

 Agravo

É cabível quando o Juiz Presidente do TRE negar seguimento ao recurso espe-cial interposto (CE, art. 279). Anteriormente chamado de “agravo de instrumento”,deve ser rebatismo a desnecessidade de formação de autos em apartado, com cópia

das peças relevantes (o “instrumento”. Pacificou-se no TSE o entendimento de quedeve ser aplicado o disposto no art. 544 do Código de Processo Civil, com a redação

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da Lei 12.322/2010: Ac.–TSE, de 20.10.2011, no PA nº 144.683. O recurso subirános próprios autos e o prazo permanece o previsto no Código Eleitoral.

 A petição recursal deverá conter: a exposição do fato e do direito e as razões

do pedido de reforma da decisão. A Lei nº 12.322/2010, que alterou o art. 544 doCódigo de Processo Civil, determina a interposição do agravo de instrumento nospróprios autos do processo principal, dispensando, portanto, a formação do instru-mento. Ela está sendo aplicada no âmbito da Justiça Eleitoral.

Decidiu o Tribunal Superior Eleitoral que “ainda que o Código de ProcessoCivil encontre aplicação subsidiária na seara eleitoral, que possui regramento es-pecífico em razão dos princípios que circundam a matéria, não há incompatibilida-de entre o procedimento trazido pela recente modificação legislativa e a natureza

dos feitos eleitorais. A regra para interposição do agravo de instrumento, na siste-mática prevista pelo Código Eleitoral, não configura norma especial criada pelo le-gislador em atenção às peculiaridades do interesse tutelado pela Justiça Eleitoral,mas sim mera repetição, na lei especial, de regra geral antes prevista no Código deProcesso Civil, não incidindo, portanto, o princípio de que a regra geral posteriornão derroga a especial anterior. Considerando os benefícios trazidos pela Lei n º 12.322/2010 ao agravo, bem como a ausência de incompatibilidade entre o proce-dimento trazido pela recente modificação legislativa e a natureza dos feitos elei-torais, cuja apreciação demanda rápida resposta do Poder Judiciário, é de se apli-

car, no âmbito da Justiça Eleitoral, a nova redação conferida ao art. 544 do CPC,apenas no que concerne à interposição do agravo de decisão obstativa de recursoespecial nos próprios autos do processo principal, mantendo-se, todavia, o prazorecursal de três dias, previsto no Código Eleitoral” (Processo Administrativo nº 1446-83/DF, rel. Min. Marcelo Ribeiro, em 20.10.2011).

O agravo não é submetido ao exame dos requisitos de admissibilidade por partedo Presidente do Tribunal Regional, o qual, sob qualquer hipótese, não poder negar-lhe seguimento, ainda que protocolizado a destempo. A análise dos requisitos, bem

como de toda a matéria pertinente ao recurso, deverá ser feita unicamente pelo Tribunal Superior Eleitoral. Contudo, se o recurso não puder ser apreciado pelo Tribunal Superior porque interposto fora do prazo legal, o agravante estará sujeito àpena pecuniária correspondente ao valor do maior salário-mínimo vigente no país, oque não ocorrerá na hipótese de improvimento do agravo.

Essa solução da Lei 12.322/2010 procurou dar mais presteza ao exame dosrecursos e evitar controvérsias sobre a formação correta ou incorreta dos autosinstrumentais. Em razão disso, não pode ser interpretada de modo a produzir

o efeito exatamente oposto, ou seja, o adiamento injustificado da prestação jurisdicional. É o caso, por exemplo, de interposição de Recurso Especial contra

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decisão interlocutória, o que é manifestamente incabível no Direito Eleitoral.Nesse caso, inadmitido o recurso e apresentado o agravo, a subida dos autosserá deletéria à eficiência e rapidez do processo eleitoral, pois impedirá o pronto

efeito daquela decisão. Por exemplo, decisão interlocutória de TRE anulandoatos do juízo eleitoral e determinando a retomada do processo naquela instância.O recurso especial seria incabível, nesse caso e eventual agravo adiaria até o pro-nunciamento do TSE aquela retomada. Nesses casos, a formação de instrumentodeve ser determinada pelo TER.

Provido o agravo pelo órgão ad quem, este examinará as razões do Recurso Espe-cial, cujo seguimento fora negado pelo órgão a quo. Isso porque a única razão de exis-tir do Agravo de no Direito Eleitoral é a decisão de inadmissibilidade de Recurso Es-pecial, proferida pelo Presidente do Tribunal Regional Eleitoral, por não o considerarcompatível com as hipóteses previstas pelo art. 276, I, do Código Eleitoral.

Recursos contra as decisões do Tribunal Superior Eleitoral

Embora o Código Eleitoral trate em capítulos distintos da tramitação dos re-cursos nos Tribunais Regionais Eleitorais e no Tribunal Superior Eleitoral, as regrassão comuns, de modo que os disciplinamentos genéricos constam no capítulo sobre

os Tribunais Regionais, os quais, segundo o art. 280, são aplicados ao Tribunal Su-perior Eleitoral.

Os recursos voltados contra as decisões do Tribunal Superior Eleitoral são jul-gados pelo Supremo Tribunal Federal, nas restritas hipóteses previstas no art. 121,§ 3º, da Constituição Federal, segundo o qual “ são irrecorríveis as decisões do Tribunal

Superior Eleitoral, salvo as que contrariarem esta Constituição e as denegatórias de habeascorpus ou mandado de segurança”. No primeiro caso, contrariedade com a Constitui-ção, é o recurso extraordinário; no segundo, recurso ordinário.

 A distinção entre o recurso de tipo extraordinário ou especial, de um lado, e orecurso ordinário, de outro, foi apresentada em trecho anterior deste estudo. Basica-mente, aqueles se submetem a condições especiais de admissibilidade. Já o recursoordinário tem feição próxima a de uma apelação comum.

O prazo para interposição de recurso extraordinário em face de decisão do TSEé de três dias. Nesse sentido, a Súmula nº 728 do Supremo Tribunal Federal: “É detrês dias o prazo para a interposição de recurso extraordinário contra decisão do Tri-bunal Superior Eleitoral, contado, quando for o caso, a partir da publicação do acór-

dão, na própria sessão de julgamento, nos termos do art. 12 da Lei nº

 6.055/74, quenão foi revogado pela Lei nº 8.950/94.”

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 Também nele se deve atentar para o disposto no art. 26-C da Lei Complementarnº 64/90, introduzido pela Lei da Ficha Limpa: se a condenação recorrida gerar ine-legibilidade, se deve pedir, sob pena de preclusão, a suspensão da mesma.

Da decisão do Presidente do TSE que não admitir recurso extraordinário aoSTF, caberá agravo no prazo de três dias.

O Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral permite que o relator, aquem foi distribuído o recurso vindo dos TREs, o julgue monocraticamente: “§ 6º O relator negará seguimento a pedido ou recurso intempestivo, manifestamenteinadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com ju-risprudência dominante do Tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de TribunalSuperior”. E ainda: “§ 7º Poderá o relator dar provimento ao recurso, se a decisão

recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência domi-nante do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior”. Dessa decisão, caberáagravo regimental, no prazo de três dias, art. 36, § 8º.

 Habeas Corpus e Revisão Criminal

Estas duas ações criminais, o  Habeas Corpus e a Revisão Criminal, a primeiraprevista na própria Constituição, como garantia fundamental, são aplicáveis, semdistinções dignas de nota, no ambiente do processo penal eleitoral.

O Habeas Corpus está mencionado no art. 5º, LXVIII – “conceder-se-á habeas-cor-

 pus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coaçãoem sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”. A Constituiçãoprossegue determinando sua gratuidade, art. 5º, LXXVII.

Vem também previsto no Código de Processo Penal, equivocadamente no títulodos recursos, art. 647 e seguintes. Digna de nota é a enumeração das hipóteses nasquais se reconhece constrangimento ilícito à liberdade de locomoção:

“Art. 648. A coação considerar-se-á ilegal: I – quando não houver justa causa;II – quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei; III – quan-do quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo; IV – quando houvercessado o motivo que autorizou a coação; V – quando não for alguém admitido aprestar fiança, nos casos em que a lei a autoriza; VI – quando o processo for mani-festamente nulo; VII – quando extinta a punibilidade.”

Essa indicação não pode ser considerada numeros clausus, o que diminuiria o al-

cance constitucional desse importante remédio, estando ao alcance do juiz a verifi-cação de outras situações de ilegalidade. Outrossim, não pode a ação ser utilizada

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em face de sentença transitada em julgado, campo próprio para a revisão criminal,conforme tranquila jurisprudência do TSE: HC –  Habeas Corpus nº 102.411 – MG,Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 26.8.2010.

Para as decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais ou do Tribunal SuperiorEleitoral que deneguem a ação de Habeas Corpus, é cabível recurso ordinário, comovisto acima. O remédio também costuma ser usado “ per saltum”, como substitutivodesse recurso ordinário, com lastro no art. 102, i, da Constituição (“compete ao Su-premo Tribunal Federal: I – processar e julgar, originariamente: i) o habeas corpus,quando o coator for Tribunal Superior ou quando o coator ou o paciente for autori-dade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supre-mo Tribunal Federal, ou se trate de crime sujeito à mesma jurisdição em uma únicainstância”). Essa possibilidade se estende às decisões dos TREs, levando o writ di-retamente à Corte Superior Eleitoral.

 Todavia, de observar-se a Súmula 691 do STF: 691/STF: “não compete ao Su-premo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Rela-tor que, em habeas corpus requerido a Tribunal Superior, indefere a liminar”. Exigívelque a matéria receba pronunciamento definitivo da Corte de origem. Nesse sentido:“2. O exame, em sede de habeas corpus, de nulidades submetidas mas ainda não apre-ciadas pelo Tribunal a quo implica supressão de instância” (TSE, HC nº 38471 – MG,Rel. Min. Gilson Dipp, j. 7.6.2011).

Quando do julgamento dos Habeas Corpus pelos Tribunais Eleitorais, não há ne-cessidade de prévia inclusão em pauta. Eles são postos em mesa e julgados. Nessesentido: “I – Conforme jurisprudência desta Corte – alinhada à do Pretório Excelsoe do c. Superior Tribunal de Justiça – o julgamento de habeas corpus não exige a suaprévia inclusão em pauta. Tal previsão encontra-se no Regimento Interno da e. Cor-te de origem (ex vi do art. 63, § 2º)” (TSE – Habeas Corpus nº 610 SP, j. 18.11.2008,Rel. Min. Felix Fischer).

 Já a revisão criminal não possui status constitucional, encontrando sede no Có-

digo de Processo Penal, art. 621 e seguintes. Trata-se de ação de cognição restrita,posto que sua pretensão é desconstituir a coisa julgada, constitucionalmente garan-tida. Ela vale por generosíssima deferência ao direito de liberdade, mas sua propo-sição depende dos seguintes permissivos:

“Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida: I – quando a sentençacondenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;II – quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou docu-mentos comprovadamente falsos; III – quando, após a sentença, se descobrirem no-

vas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autori-ze diminuição especial da pena.”

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Quinta Parte: Processo Penal Eleitoral 

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 A competência para o julgamento da Revisão Criminal é dos TREs, se a deci-são recorrida for deles mesmos ou de juiz eleitoral. Será do TSE em face de seuspróprios julgados (CPP, art. 624, II). Os Regimentos Internos dos TREs também o

preveem dessa forma: “ Art. 132. A revisão criminal será admitida nos casos previs-tos em lei, cabendo ao Tribunal o reexame de seus próprios julgados e dos de JuízesEleitorais” (TRE-MG).

É comum que os Regimentos Internos das Cortes Eleitorais permitam que orelator a quem foi distribuída a ação julgue-a imediatamente, se ausentes estes pres-supostos. Nesse sentido, a norma interna do TRE do Piauí, art. 51: “Incumbe ao Re-lator: [...] VII – indeferir, liminarmente, as revisões criminais: a) quando for incom-petente o Tribunal, ou o pedido for reiteração de outro, salvo se fundado em novasprovas; b) quando o pedido estiver insuficientemente instruído.”

RESOLUÇÃO Nº 23.396 – Consolidada com alterações63

INSTRUÇÃO Nº 958-26.2013.6.00.0000 –CLASSE 19 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL

Relator: Ministro Dias Toffoli.

Interessado: Tribunal Superior Eleitoral.Dispõe sobre a apuração de crimes eleitorais.

O Tribunal Superior Eleitoral, usando das atribuições que lhe conferem o art.23, inciso IX, do Código Eleitoral e o art. 105 da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de1997, resolve expedir a seguinte instrução:

CAPÍTULO I

DA POLÍCIA JUDICIÁRIA ELEITORAL

 Art. 1º O Departamento de Polícia Federal ficará à disposição da Justiça Eleito-ral sempre que houver eleições, gerais ou parciais, em qualquer parte do TerritórioNacional (Decreto-lei nº 1.064/68).

 Art. 2º A Polícia Federal exercerá, com prioridade sobre suas atribuições regu-lares, a função de polícia judiciária em matéria eleitoral, limitada às instruções e re-quisições dos Tribunais e Juízes Eleitorais.

63  Texto extraído do sítio do TSE: <www.tse.jus.br>. Acesso em: 12 jan. 2015.

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Parágrafo único. Quando no local da infração não existirem órgãos da PolíciaFederal, a Polícia do respectivo Estado terá atuação supletiva.

CAPÍTULO IIDA NOTÍCIA-CRIME ELEITORAL

 Art. 3º Qualquer pessoa que tiver conhecimento da existência de infração penaleleitoral deverá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la ao Juiz Eleitoral (CódigoEleitoral, art. 356).

 Art. 4º Verificada a sua incompetência, o Juízo Eleitoral determinará a remessados autos ao Juízo competente (Código de Processo Penal, art. 69).

 Art. 5º Quando tiver conhecimento da prática da infração penal eleitoral, a au-toridade policial deverá informá-la imediatamente ao Juízo Eleitoral competente, aquem poderá requerer as medidas que entender cabíveis, observadas as regras rela-tivas a foro por prerrogativa de função.

 Art. 6º Recebida a notícia-crime, o Juiz Eleitoral a encaminhará ao MinistérioPúblico Eleitoral ou, quando necessário, à polícia, com requisição para instauraçãode inquérito policial (Código Eleitoral, art. 356, § 1º).

 Art. 7º As autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem for en-

contrado em flagrante delito pela prática de infração eleitoral, salvo quando se tratarde crime de menor potencial ofensivo, comunicando imediatamente o fato ao JuizEleitoral, ao Ministério Público Eleitoral e à família do preso ou à pessoa por ele in-dicada (Código de Processo Penal, art. 306, caput).

§ 1º Em até 24 horas após a realização da prisão, será encaminhado ao Juiz Elei-toral o auto de prisão em flagrante e, caso o autuado não informe o nome de seuadvogado, cópia integral para a Defensoria Pública (Código de Processo Penal, art.306, § 1º).

§ 2º No mesmo prazo de até 24 horas após a realização da prisão, será entregueao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade policial, como motivo da prisão, o nome do condutor e os nomes das testemunhas (Código deProcesso Penal, art. 306, § 2º).

§ 3º A apresentação do preso ao Juiz Eleitoral, bem como os atos subsequentes,observarão o disposto no art. 304 do Código de Processo Penal.

§ 4º Ao receber o auto de prisão em flagrante, o Juiz Eleitoral deverá fundamen-tadamente (Código de Processo Penal, art. 310):

I – relaxar a prisão ilegal; ou

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Quinta Parte: Processo Penal Eleitoral 

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II – converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisi-tos constantes do art. 312 do Código de Processo Penal e se revelarem inadequadasou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou

III – conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.§ 5º Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou

o fato nas condições constantes dos incisos I a III do art. 23 do Código Penal, pode-rá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termode comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação (Código deProcesso Penal, art. 310, parágrafo único).

§ 6º Ausentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva, o Juiz Eleitoral deverá conceder liberdade provisória, impondo, se for o caso, as medi-

das cautelares previstas no art. 319, observados os critérios constantes do art. 282,ambos do Código de Processo Penal (Código de Processo Penal, art. 321).

§ 7º A fiança e as medidas cautelares serão aplicadas pela autoridade compe-tente com a observância das respectivas disposições do Código de Processo Penal.

§ 8º Quando a infração for de menor potencial ofensivo, a autoridade policialelaborará termo circunstanciado de ocorrência e providenciará o encaminhamentoao Juiz Eleitoral.

CAPÍTULO IIIDO INQUÉRITO POLICIAL ELEITORAL

 Art. 8º O inquérito policial eleitoral somente será instaurado mediante requi-sição do Ministério Público Eleitoral ou determinação da Justiça Eleitoral, salvo ahipótese de prisão em flagrante.

 Art. 8º com redação dada pelo art. 1º da Resolução TSE nº 23.424, de 27.5.2014.

 Art. 9º Se o indiciado tiver sido preso em flagrante ou preventivamente, o in-quérito policial eleitoral será concluído em até 10 dias, contado o prazo a partir dodia em que se executar a ordem de prisão (Código de Processo Penal, art. 10).

§ 1º Se o indiciado estiver solto, o inquérito policial eleitoral será concluído ematé 30 dias, mediante fiança ou sem ela (Código de Processo Penal, art. 10).

§ 2º A autoridade policial fará minucioso relatório do que tiver sido apurado eenviará os autos ao Juiz Eleitoral (Código de Processo Penal, art. 10, § 1º).

§ 3º No relatório, poderá a autoridade policial indicar testemunhas que não ti-

verem sido inquiridas, mencionando o lugar onde possam ser encontradas (Códigode Processo Penal, art. 10, § 2º).

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

§ 4º Quando o fato for de difícil elucidação, e o indiciado estiver solto, a autori-dade policial poderá requerer ao Juiz Eleitoral a devolução dos autos, para ulterioresdiligências, que serão realizadas no prazo marcado pelo Juiz Eleitoral (Código de

Processo Penal, art. 10, § 3º

). Art. 10. O Ministério Público Eleitoral poderá requerer novas diligências, desde

que necessárias à elucidação dos fatos.

Parágrafo único. Se o Ministério Público Eleitoral considerar necessários maio-res esclarecimentos e documentos complementares ou outros elementos de convic-ção, deverá requisitá-los diretamente de quaisquer autoridades ou funcionários quepossam fornecê-los, ressalvadas as informações submetidas à reserva jurisdicional(Código Eleitoral, art. 356, § 2º).

 Art. 11. Quando o inquérito for arquivado por falta de base para o oferecimen-to da denúncia, a autoridade policial poderá proceder a nova investigação se de ou-tras provas tiver notícia, desde que haja nova requisição, nos termos dos arts. 5º e6º desta resolução.

 Art. 12. Aplica-se subsidiariamente ao inquérito policial eleitoral as disposiçõesdo Código de Processo Penal, no que não houver sido contemplado nesta resolução.

 Art. 13. A ação penal eleitoral observará os procedimentos previstos no CódigoEleitoral, com a aplicação obrigatória dos arts. 395, 396, 396-A, 397 e 400 do Códi-

go de Processo Penal, com redação dada pela Lei nº 11.971, de 2008. Após esta fase,aplicar-se-ão os arts. 359 e seguintes do Código Eleitoral.

 Art. 14. Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

É que as regras de competência do Judiciário Eleitoral são diferenciadas. Nas elei-ções estaduais (governador, senador, deputado federal e estadual), todos os feitossão de competência originária dos TREs. Entretanto, a competência penal segue ca-minho distinto, correndo os feitos no juiz eleitoral de primeira instância (exceto seo agente tiver foro por prerrogativa de função). Em resumo: as ações eleitorais típi-cas correrão perante o TRE e o processo-crime perante o juiz eleitoral, criando cisãoque em nada colabora para a apuração da verdade e responsabilização.

Ou seja, na dúvida, conveniente a descriminalização, até para assegurar a efeti-vidade das disposições eleitorais!

Dúvida poderia ocorrer em relação a dois comportamentos criminosos muitocomuns: a boca de urna e o transporte de eleitores.

 A boca de urna está prevista na Lei 9.504/97, art. 39, § 5º. Na versão atual,

compreende também o uso de autofalantes, promoção de comício ou carreata, arre-gimentação de eleitores e divulgação de qualquer tipo de propaganda. A pena é dedetenção, de seis meses a um ano, com alternativa de prestação de serviços à comu-nidade. A descriminalização é recomendada pelas razões anteriores e, também, poruma outra: a completa inefetividade dessa sanção ao longo de décadas de realizaçãode pleitos eleitorais. No dia das eleições é irresistível para os candidatos e apoiado-res a realização de atos de propaganda. A proibição se mostra uma artificial criaçãode um “dia de reflexão”, nos moldes do que ocorre na Espanha e que, a propósito,lá também não funciona. Já é conduta sancionada administrativamente e, em nosso

entendimento, nem isso deveria ser... A outra figura pode ensejar maior controvérsia. Trata-se da Lei 6.091/74, que

proíbe o transporte e a alimentação dos eleitores, no dia anterior ao das eleiçõese sanciona esse comportamento com pena severa.1 O teor da Lei 6.091/74 mostrabem que se refere a uma realidade que o país já não experimenta, na qual não existiatransporte público regular em uma série de regiões e locais, permitindo que candi-datos inescrupulosos oferecessem essa vantagem para fins de aliciamento do elei-tor. Hoje, a despeito do prosseguimento das dificuldades de transporte em muitasregiões, a incidência desse comportamento diminuiu consideravelmente. Parecem

suficientes as sanções administrativas eleitorais e, dependendo do caso, a caracteri-zação do transporte (ou da alimentação) como vantagem indevida, permitindo queos fatos recebam a moldura da corrupção eleitoral ativa ou passiva.

Os crimes que remanescem são aqueles de acendrada gravidade, não raro me-recedores de revisão, para maior, das sanções previstas. Figuras como a corrupçãoeleitoral e o uso da máquina administrativa receberam redesenho, atualizador. Omesmo em relação à falsidade ideológica ou documental em feitos eleitorais.

1  Art. 11. Constitui crime eleitoral: [...] III – descumprir a proibição dos artigos 5º, 8º e 10: Pena – reclu-são de quatro a seis anos e pagamento de 200 a 300 dias-multa (art. 302 do Código Eleitoral);

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Sexta Parte: Proposta para Reforma e Recodificação dos Crimes Eleitorais 

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No prosseguimento dos trabalhos legislativos, o Anteprojeto da Comissão Ex-terna de Refoma do Código Penal recebeu substitutivo do Senador Pedro Taques,MT, vindo a ser aprovado na Comissão Especial de Senadores destinada a examiná-

-lo. O texto do Substitutivo acolheu, quase “in totum”, a proposta da ComissãoExterna, trazendo, como importante novidade, a inclusão do crime de “caixa dois”eleitoral. Posteriormente, novo Substitutivo foi apresentado pelo Senador Vital doRego, agora à Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal – onde está emexame. Os textos anteriores foram, no particular, mantidos.

Os crimes ficariam assim:

“TÍTULO XII

DOS CRIMES ELEITORAIS

Crimes eleitorais

 Art. 330. São considerados crimes eleitorais específicos os previstos neste Tí-tulo, bem como os crimes contra a honra, a fé pública, a Administração Pública e aadministração da Justiça, quando praticados em detrimento da Justiça Eleitoral, decandidatos ou do processo eleitoral.

Inscrição fraudulenta de eleitor

 Art. 331. Inscrever-se eleitor ou alterar o domicílio eleitoral prestando informa-ções falsas, utilizando documento falso ou empregando outra fraude:

Pena – prisão, de dois a cinco anos.

Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem induz ou colabora para a con-duta do eleitor.

Retenção indevida de título eleitoral

 Art. 332. Reter título eleitoral contra a vontade do eleitor:

Pena – prisão, de um a três anos.

Divulgação de fatos inverídicos

 Art. 333. Divulgar, na propaganda eleitoral, fatos que sabe inverídicos em rela-ção a partidos ou candidatos, capazes de exercerem influência perante o eleitorado:

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

Pena – prisão, de dois a quatro anos.

Parágrafo único. A pena é agravada de um terço até a metade se o crime é co-metido pela imprensa, rádio ou televisão.

Inutilização de propaganda legal

 Art. 334. Inutilizar, alterar ou perturbar meio de propaganda devidamente em-pregado:

Pena – prisão, de um a dois anos.

Falsa identidade eleitoral

 Art. 335. Votar no lugar de outrem ou utilizando documentos falsos:

Pena – prisão, de dois a cinco anos, sem prejuízo das penas referentes à falsificação.

Violação do sigilo do voto ou da urna

 Art. 336. Violar o sigilo do voto ou da urna eleitoral:

Pena – prisão, de três a cinco anos.

Destruição de urna eleitoral

 Art. 337. Destruir, danificar, inutilizar, suprimir ou ocultar urna contendo votos:

Pena – prisão, de três a seis anos.

Interferência na urna eletrônica ou sistema de dados

 Art. 338. Acessar indevidamente urna eletrônica ou sistema de dados da JustiçaEleitoral, ou neles introduzir comando, instrução, programa ou dispositivo capaz dedevassar, destruir, apagar, eliminar, alterar, gravar ou transmitir informações, ou dequalquer forma nelas interferir:

Pena – prisão, de quatro a oito anos.

Falsificação de resultado

 Art. 339. Falsificar de qualquer modo o resultado de votação:

Pena – prisão, de quatro a dez anos.

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Sexta Parte: Proposta para Reforma e Recodificação dos Crimes Eleitorais 

201

Corrupção eleitoral ativa

 Art. 340. Dar, oferecer ou prometer dinheiro ou qualquer outra vantagem, para

obter o voto ou para conseguir abstenção, ainda que a oferta não seja aceita:Pena – prisão, de dois a cinco anos.

Corrupção eleitoral passiva

 Art. 341. Solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro ou qualquer ou-tra vantagem, para dar o voto ou abster-se de votar:

Pena – prisão, de um a quatro anos.

Perdão judicial

Parágrafo único. O juiz deixará de aplicar a pena se ficar demonstrado que oeleitor aceitou a vantagem ou recebeu o dinheiro em razão de extrema necessidade.

Coação eleitoral

 Art. 342. Usar de violência ou grave ameaça para coagir alguém a votar, ou não

votar, em determinado candidato ou partido, ou abster-se, ainda que os fins visadosnão sejam conseguidos:

Pena – prisão, de três a seis anos.

Uso eleitoral de recursos administrativos

 Art. 343. Utilizar indevidamente local, verbas, aparelhos, instrumentos, má-quinas, materiais, serviços ou pessoal da Administração Pública Direta ou Indireta,

inclusive concessionários e permissionários de serviços públicos, com o objetivo debeneficiar partido, coligação ou candidato:

Pena – prisão, de três a nove anos.

Parágrafo único. A pena será aumentada de um terço se o agente for detentorde mandato eletivo, exercer função de chefia ou direção em órgão público ou cargode direção partidária.

Doação eleitoral ilegal

 Art. 344. Fazer doação proibida por lei, para fins eleitorais:

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Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral • Gonçalves

Pena – prisão, de dois a cinco anos.

§ 1º Na mesma pena incorre quem:

I – recebe ou aceita doação ilegal;

II – deixa de registrar doação feita ou recebida, na contabilidade apropriada.

§ 2º O juiz poderá deixar de aplicar a pena quando os valores que ultrapassaremos limites legais forem de pequena monta.

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Previstos às dezenas em nosso já anti-

go Código Eleitoral, os crimes contra aseleições muitas vezes são considerados

um mero apêndice das sanções cíveis,

as únicas que, com grande esforço, se

consegue aplicar antes que cessem os

calores das campanhas.

Este livro procura estudar os crimes

eleitorais com um viés prático. Para tan-

to, está organizado em seis partes: in-

trodução; interpretação e classificação

dos crimes eleitorais; crimes do Código

Eleitoral; crimes eleitorais da legislação

esparsa; processo penal eleitoral, com

destaque para o papel da Polícia Judiciá-

ria e do Ministério Público Eleitoral; e,

por fim, proposta para reforma e recodi-

ficação dos crimes eleitorais.

Luiz Carlos dos Santos Gonçalves 

é Procurador Regional da República des-de 2004 e foi Procurador Regional Elei-

toral em São Paulo (biênio 2008/2010).

Bacharel em Direito pela USP e mestre

e doutor em Direito Constitucional pela

PUC/SP. Professor de Direito Constitu-

cional e Eleitoral em cursos de pós-gra-

duação e cursos preparatórios para con-

cursos públicos. Foi Relator da Comissãode Juristas que preparou Anteprojeto de

Novo Código Penal. Atua na Assesso-

ria da Procuradoria Geral Eleitoral, em

Brasília. Autor do livro  Direito eleitoral,

publicado pela Atlas.

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Há dezenas de crimes no Código Eleitoral e na legislação esparsa. Muitas vezes, eles são igno-

rados no contexto das campanhas eleitorais, nas quais existem ações cíveis capazes de cassar o

registro, o diploma ou o mandato dos candidatos. Entretanto, há condutas gravíssimas, como

o crime de corrupção eleitoral, o transporte de eleitores, a coação para o exercício do voto e a

inscrição eleitoral fraudulenta e a fraude na contagem dos votos, sancionados com pena pri-

vativa de liberdade. São condutas que trazem “dignidade penal”, pois protegem o importante

b j ídi d l id d d p di t l it l d lib d d d t O l i l d

CRIMES ELEITORAISE PROCESSO PENAL ELEITORAL