ISSN 2179-1627 Revista SÍNTESE

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Revista SÍNTESE DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL ANO XV – Nº 87 – AGO-SET 2014 REPOSITÓRIO AUTORIZADO DE JURISPRUDÊNCIA Superior Tribunal de Justiça – Nº 50/2001 Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Nº 18/2001 Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Nº 1999.02.01.057040-0 Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Nº 20/2010 Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Nº 07/0042596-9 Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Nº 10/07 DIRETOR EXECUTIVO Elton José Donato GERENTE EDITORIAL E DE CONSULTORIA Eliane Beltramini COORDENADOR EDITORIAL Cristiano Basaglia EDITORA Herica Eduarda Geromel Vasques CONSELHO EDITORIAL Fernando da Costa Tourinho Filho, Geraldo Batista de Siqueira, Jader Marques, Luiz Flávio Gomes, Milton Jordão, Neemias Moretti Prudente, Paulo José Iasz de Morais, René Ariel Dotti, Roger Spode Brutti, Rômulo de Andrade Moreira, Ronaldo Batista Pinto, Salvador José Barbosa Júnior COMITÊ TÉCNICO Débora de Souza de Almeida, Giovani Agostini Saavedra, Leonardo Schmitt de Bem, Renata Jardim da Cunha Rieger, Rogério Montai de Lima COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Bruno Buonicore, Eduardo Luiz Santos Cabette, Geraldo Batista de Siqueira, Hugo Leonardo Rodrigues Santos, Kleber Leyser de Aquino, Marcelo Carcante, Róbson de Vargas, Rômulo de Andrade Moreira, Yuri Felix ISSN 2179-1627

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Revista SÍNTESEDireito Penal e Processual Penal

Ano XV – nº 87 – Ago-Set 2014

RepoSitóRio AutoRizAdo de JuRiSpRudênciASuperior Tribunal de Justiça – Nº 50/2001

Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Nº 18/2001Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Nº 1999.02.01.057040-0

Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Nº 20/2010Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Nº 07/0042596-9

Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Nº 10/07

diRetoR eXecutiVoElton José Donato

geRente editoRiAl e de conSultoRiAEliane Beltramini

cooRdenAdoR editoRiAlCristiano Basaglia

editoRAHerica Eduarda Geromel Vasques

conSelho editoRiAlFernando da Costa Tourinho Filho, Geraldo Batista de Siqueira, Jader Marques,

Luiz Flávio Gomes, Milton Jordão, Neemias Moretti Prudente, Paulo José Iasz de Morais, René Ariel Dotti, Roger Spode Brutti, Rômulo de Andrade Moreira, Ronaldo Batista Pinto,

Salvador José Barbosa Júnior

comitê técnicoDébora de Souza de Almeida, Giovani Agostini Saavedra,

Leonardo Schmitt de Bem, Renata Jardim da Cunha Rieger, Rogério Montai de Lima

colAboRAdoReS deStA ediçãoBruno Buonicore, Eduardo Luiz Santos Cabette, Geraldo Batista de Siqueira,

Hugo Leonardo Rodrigues Santos, Kleber Leyser de Aquino, Marcelo Carcante, Róbson de Vargas, Rômulo de Andrade Moreira, Yuri Felix

ISSN 2179-1627

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2000 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência, legislação e outros assuntos de Direito Penal e Processual Penal.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respectivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e-mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 5.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço [email protected].

REVISTA SÍNTESE DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL Nota: Continuação da REVISTA IOB DE DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL

Porto Alegre: Síntese, v. 1, n. 1, abr./maio, 2000

Publicação periódica Bimestral

v. 15, n. 87, ago./set. 2014

ISSN 2179-1627

1. Direito penal – periódicos – Brasil 2. Direito processual penal

CDU: 343.2(81) (05)CDD: 343

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Bibliotecária responsável: Helena Maria Maciel CRB 10/851)

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.iobfolhamatic.com.br

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

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Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

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Carta do Editor

Recentemente, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça apro-vou três novas Súmulas. Elas tratam de furto qualificado, tráfico de drogas e posse de arma.

A Súmula é o resumo de um entendimento consolidado no órgão julgador que é adotado em todos os julgamentos que tratam da mesma ma-téria.

Ela direciona os órgãos do Poder Judiciário tanto na primeira quanto na segunda instância.

Para tratar do assunto, contamos com a colaboração dos nobres ju-ristas, Dr. Rômulo de Andrade Moreira, Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia e Professor Universitário, e Dr. Eduardo Luiz Santos Cabette, Delegado de Polícia em Guaratinguetá (SP).

A Revista SÍNTESE Direito Penal e Processual Penal contou com a publicação de mais quatro doutrinas de diferentes temas do Direito Penal e Processual Penal, além de um ementário com Valor Agregado Editorial, criteriosamente selecionado e preparado para você, com comentários ela-borados pela equipe SÍNTESE.

Vale destacarmos, ainda, todo o conteúdo publicado na Parte Geral, como o Ementário e os Acórdãos na Íntegra de diversos Tribunais Regionais e Superiores.

Publicamos também uma interessante doutrina na Seção Especial de-nominada “Estudos Jurídicos”, que trata sobre competência pelo lugar da infração, de autoria do Dr. Geraldo Batista de Siqueira.

E, por fim, destacamos a seção denominada “Clipping Jurídico”, em que oferecemos a você, leitor, textos concisos que destacam de forma resu-mida os principais acontecimentos do período, tais como Notícias, Projetos de Lei, Normas Relevantes, dentre outros.

É com prazer que a IOB deseja a você uma ótima leitura!

Eliane BeltraminiGerente Editorial e de Consultoria

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ErrataA Editora SÍNTESE lamenta o equívoco ocorrido na Revista SÍNTESE Direito Penal

e Processual Penal, nomeadamente no que tange à Seção Especial Prática Processual “Habeas Corpus”, de autoria dos Drs. Felipe Kirchner, Jaderson Paluchowski, Renata Jardim da Cunha Rieger e Andressa Rissetti Paim, razão pela qual apresenta a seguinte errata:

Na página 214:

Onde se lê: “Processo: Correição Parcial nº 00000”

Leia-se: “In Processo: Correição Parcial nº 00000”

Na página 214:

Onde se lê:

“1. A Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, por meio de seu Sub-defensor Público-Geral do Estado para Assuntos Jurídicos, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fulcro nos arts. 5º, LXVIII, da Constituição Federal, e 647 e seguintes do Código de Processo Penal, impetrar

1 ORDEM DE HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR

Em favor de XXXX, qualificação e endereço, contra ato do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, pelos fatos e fundamentos que passa a expor:”

Leia-se:

“A Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, por meio de seu Subde-fensor Público-Geral do Estado para Assuntos Jurídicos, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fulcro nos arts. 5º, LXVIII, da Constituição Federal, e 647 e seguintes do Código de Processo Penal, impetrar

ORDEM DE HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR

Em favor de XXXX, qualificação e endereço, contra ato do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, pelos fatos e fundamentos que passa a expor:”

Na página 216:

Onde se lê:

“O Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – apoiando-se integralmente na decisão do Juiz de primeiro grau – mantivera o afastamento das prerrogativas da Defensoria Pública.”

Leia-se:

“O Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – apoiando-se integralmente na decisão do Juiz de primeiro grau – manteve o afas-tamento das prerrogativas da Defensoria Pública.”

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos .................................................................... 7

Assunto EspecialEntEndimEnto Sumular

doutrinaS

1. Os Novos Enunciados da Súmula do Superior Tribunal de JustiçaRômulo de Andrade Moreira ......................................................................9

2. Súmula nº 511 do STJ: Primeiros Comentários e Uma CríticaEduardo Luiz Santos Cabette ....................................................................15

acontEcE

1. STJ Aprova Três Novas Súmulas para Processos Criminais .......................19

rESEnha lEgiSlativa

1. Súmulas nºs 511, 512 e 513 do STJ ..........................................................21

Parte GeraldoutrinaS

1. Acerca da Possibilidade de Utilização do Critério de Eficiência no Direito PenalHugo Leonardo Rodrigues Santos .............................................................22

2. Aspectos Jurídico-Penais da Eutanásia e da Ortotanásia no Ordena- mento Jurídico Penal Brasileiro: o Consentimento Válido do Paciente na Resolução nº 1.805/2006 do Conselho Federal de MedicinaMarcelo Carcante .....................................................................................46

3. Estrutura e Função da Prisão Cautelar no Direito BrasileiroRóbson de Vargas.....................................................................................62

4. A Duração Razoável do Processo nos Crimes HediondosYuri Felix ..................................................................................................83

JuriSprudência

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Superior Tribunal de Justiça......................................................................94

2. Superior Tribunal de Justiça....................................................................102

3. Superior Tribunal de Justiça....................................................................117

4. Tribunal Regional Federal da 1ª Região ..................................................131

5. Tribunal Regional Federal da 2ª Região ..................................................142

6. Tribunal Regional Federal da 3ª Região ..................................................147

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7. Tribunal Regional Federal da 4ª Região ..................................................1548. Tribunal Regional Federal da 5ª Região ..................................................167

ementário de jurisprudênciA

1. Ementário de Jurisprudência ................................................................... 173

Seção EspecialEm poucaS palavraS

1. O Responsável Civil no Âmbito CriminalKleber Leyser de Aquino ........................................................................206

EStudoS JurídicoS

1. Da Competência pelo Lugar da Infração – Crimes Plurilocais e Crimes a DistânciaGeraldo Batista de Siqueira ....................................................................210

prática procESSual

1. Resposta à AcusaçãoYuri Felix e Bruno Buonicore .................................................................229

Clipping Jurídico ..............................................................................................236

Índice Alfabético e Remissivo ............................................................................. 240

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Normas Editoriais para Envio de Artigos1. Os artigos para publicação nas Revistas SÍNTESE deverão ser técnico-científicos e fo-

cados em sua área temática.2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação

do Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publicações.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. O autor, ao submeter o seu artigo, concorda, desde já, com a sua publicação na Re-vista para a qual foi enviado ou em outros produtos editoriais da SÍNTESE, desde que com o devido crédito de autoria, fazendo jus o autor a um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, a título de direitos autorais patrimoniais, sem outra remuneração ou contraprestação em dinheiro ou produtos.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos jurí-

dicos da SÍNTESE.7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos

artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.8. O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU-

TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisamente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pesquisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finaliza-das por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.

11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “arábi-co”. A Editora reserva-se ao direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.

12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A pri-meira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comentá-rios à jurisprudência, o número de páginas será no máximo de 8 (oito).

16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços eletrôni-cos [email protected]. Juntamente com o artigo, o autor deverá preen-cher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/cadastro-deautores e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelo e-mail [email protected].

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Assunto Especial – Doutrina

Entendimento Sumular

Os Novos Enunciados da Súmula do Superior Tribunal de Justiça

RÔMULO DE ANDRADE MOREIRAProcurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia, Professor de Direito Proces-sual Penal da Universidade Salvador – UNIFACS, na Graduação e na Pós-Graduação (Espe-cialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público), Pós-Graduado, Lato Sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal), Especialista em Processo pela Universidade Salvador – UNIFACS (Curso então coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos), Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e Membro Funda-dor do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (atualmente exercendo a função de Secre-tário), Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Integrante, por quatro vezes, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor Convidado dos Cursos de Pós-Graduação dos Cursos JusPodivm (BA), FUFBa e Faculdade Baiana. Autor das obras Curso Temático de Direito Processual Penal e Comentários à Lei Maria da Penha (em coautoria com Issac Guimarães), ambas de 2010 (Curitiba), A Prisão Processual, a Fiança, a Liberdade Provisória e as demais Medidas Cautela-res (2011), Juizados Especiais Criminais – O Procedimento Sumaríssimo (2013) e A Nova Lei de Organização Criminosa (Porto Alegre), além de coordenador do livro Leituras Complementa-res de Direito Processual Penal (2008). Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.

A 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, especializada no julga-mento de processos criminais, aprovou três novos enunciados (a propósito, o enunciado é a súmula de um entendimento consolidado no órgão julga-dor, que é adotado em todos os julgamentos que tratam da mesma matéria, servindo de orientação para todos os órgãos do Poder Judiciário no país, de primeira e segunda instância).

Os três enunciados tiveram as teses fixadas anteriormente em julga-mento de recurso especial sob o rito dos representativos de controvérsia, estabelecido no art. 543-C do Código de Processo Civil.

O primeiro deles diz respeito ao benefício previsto no art. 155, § 2º, do Código Penal, in verbis: “Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa”. Eis um direito subjetivo público do réu!

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O Enunciado nº 511 permite a aplicação do benefício em caso de furto qualificado, com seguinte texto:

É possível o reconhecimento do privilégio previsto no § 2º do art. 155 do Código Penal nos casos de crime de furto qualificado, se estiverem presen-tes a primariedade do agente, o pequeno valor da coisa e a qualificadora for de ordem objetiva. (Recurso Repetitivo: REsp 1193194. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/justica/jurisprudencia.asp?tipo=num_pro&valor=REsp1193194>)

Como qualificadoras de ordem objetiva consideramos aquelas previs-tas nos incisos I, II (escalada), III e IV. Nada obstante, não aceitamos a razão da limitação do enunciado apenas em relação às qualificadoras de natureza objetiva, mesmo porque o que importa para gozar do benefício legal é a primariedade e o pequeno valor da coisa subtraída, pouco importando se foi com abuso de confiança ou mediante fraude ou destreza. Uma coisa não tem nada que ver com a outra!

Aqui, parece-nos importante uma observação: não podemos confun-dir “furto privilegiado” com crime de bagatela (que não é crime, pois não há tipicidade em razão do princípio da insignificância). Como ensina Cezar Roberto Bitencourt, “a tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gra-vidade aos bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficiente para configurar o injusto típico”1.

Estamos diante do velho adágio latino minima non curat praetor, que fundamenta o princípio da bagatela, cunhado por Claus Roxin, na década de 1960. Francisco de Assis Toledo ensina que Welzel considerava que:

O princípio da adequação social bastaria para excluir certas lesões insigni-ficantes. É discutível que assim seja. Por isso, Claus Roxin propôs a introdu-ção, no sistema penal, de outro princípio geral para a determinação do injus-to, o qual atuaria igualmente como regra auxiliar de interpretação. Trata-se do denominado princípio da insignificância, que permite, na maioria dos tipos, excluir os danos de pouca importância. Não vemos incompatibilidade na aceitação de ambos os princípios que, evidentemente, se completam e se ajustam à concepção material do tipo que estamos defendendo. Segundo o princípio da insignificância, que se revela por inteiro pela sua própria de-nominação, o direito penal, por sua natureza fragmentária só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve ocupar-se de bagatelas.2

1 Manual de direito penal. Parte geral. 4. ed. Revistas dos Tribunais. p. 45.2 Princípios básicos de direito penal. 4. ed. Saraiva, 1991. p. 132.

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Aliás, atentemos que:

Em tempo de pensar a gestão e a estrutura do Poder Judiciário, notadamente após a Emenda Constitucional 45, e face ao acúmulo de processo que gera insuportável morosidade aos jurisdicionados, o princípio da insignificância representa sofisticado mecanismo obstaculizador de demandas cujo custo é injustificável.3

Ademais, é sabido desde há muito que a norma penal “existe para a tutela de alguns bens ou interesses (de especial relevância) consubstancia-dos em relações sociais valoradas positivamente pelo legislador para cons-tituir o objeto de uma especial e qualificada proteção, como é a penal”4. Logo, alguém só “pode ser responsabilizado pelo fato cometido quando tenha causado uma concreta ofensa, ou seja, uma lesão ou ao menos um efetivo perigo de lesão para o bem jurídico que constitui o centro de interes-se da norma penal”5. É a aplicação do princípio da ofensividade6, segundo o qual nulla poena, nullum crimen, nulla lex poenalis sine iniuria. É de Luigi Ferrajoli a seguinte lição: “La necesaria lesividad del resultado, cualquiera que sea la concepción que de ella tengamos, condiciona toda justificación utilitarista del derecho penal como instrumento de tutela y constituye su principal límite axiológico externo. Palabras como ‘lesión’, ‘daño’ y ‘bien jurídico’ son claramente valorativas”7.

Ora, se a conduta do agente não lesa (ofende) o bem jurídico tutela-do, não causando nenhum dano, ou, no máximo, um dano absolutamente insignificante, não há fato a punir por absoluta inexistência de tipicidade, pois “la conducta que se incrimine ha de ser inequivocamente lesiva para aquellos valores e intereses expresivos de genuínos ‘bienes jurídicos’”8.

Relembre-se que o Direito Penal deve ser a ultima ratio, ou seja, a sua intervenção só será aceitável em casos de ataques relevantes a bens jurídi-cos tutelados pelo Estado. Paulo Queiroz, por exemplo, explica o inexpres-sivo sentido jurídico penal de determinadas condutas, nada obstante típicas abstratamente:

3 Artigo escrito coletivamente por Salo de Carvalho, Alexandre Wunderlich, Rogério Maia Garcia e Antônio Carlos Tovo Loureiro intitulado: Breves Considerações sobre a Tipicidade Material e as Infrações de Menor Potencial. In: AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de; CARVALHO, Salo de (org.). A crise do processo penal e as novas formas de administração da justiça criminal. Sapucaia do Sul/RS: Notadez, 2006. p. 144.

4 GOMES, Luiz Flávio. Norma e bem jurídico no direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 18.5 Idem, p. 15.6 Sobre o assunto, conferir a recente obra de Luiz Flávio Gomes, Princípio da ofensividade no direito penal (São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2002).7 Derecho y razón. Madrid: Editorial Trotta, 1995. p. 467.8 MOLINA, Antonio García-Pablos de. Derecho penal – Introducción. Madrid: Servicio Publicaciones Facultad

Derecho Universidad Complutense Madrid, 1995. p. 265.

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É que não tem o legislador, em face das limitações naturais da técnica le-gislativa e da multiplicidade de situações que podem ocorrer, o poder de previsão, casuística, das hipóteses efetivamente merecedoras de repressão. Noutros termos, falta-lhe o poder de prever em que grau e em que intensida-de devem tais ações merecer, in concreto, castigo. Não lhe é possível, enfim, ao prever tipos abstratos, ainda que se atendo àquelas lesões mais significati-vas, fixar, segundo o caso concreto, em que intensidade a lesão deve assumir relevância penal efetiva. Com bem assinala Maurach, nenhuma técnica le-gislativa é tão acabada a ponto de excluir a possibilidade de que, em alguns casos particulares, possam ficar fora da ameaça penal certas condutas que não apareçam como merecedoras de pena. Vale dizer, a redação do tipo le-gal pretende certamente só incluir prejuízos graves à ordem jurídica e social, porém não impede que entrem também em seu âmbito os casos mais leves, de ínfima significação social. Enfim, o que in abstrato é penalmente relevante pode não o ser verdadeiramente, isto é, podem não assumir, in concreto, suficiente dignidade e significado jurídico-penal.9

Assim, impõe-se a aplicação do princípio da insignificância, pois so-mente as condutas mais graves e mais perigosas praticadas contra bens ju-rídicos efetivamente relevantes carecem dos rigores do Direito Penal. Seu aparecimento “recomenda a aplicação do Direito Penal apenas nos casos de ofensa grave aos bens jurídicos mais importantes (princípio bagatelar próprio)”10. Já o seu fundamento:

Está, também, na idéia de proporcionalidade que a pena deve guardar em relação à gravidade do crime. Nos casos de ínfima afetação ao bem jurídico o conteúdo do injusto é tão pequeno que não subsiste nenhuma razão para o pathos ético da pena, de sorte que a mínima pena aplicada seria despropor-cional à significação social do fato.11

Aliás, como dissemos anteriormente:

El origen del estudio de la insignificancia se remonta al año 1964, cuando Claus Roxin formuló una primigenia enunciación, la que fuera reforzada – desde que se contemplaba idéntico objeto – por Claus Tiedemann, con el apelativo de delitos de bagatela.12

Como ensina Luiz Flávio, “pequenas ofensas ao bem jurídico não justificam a incidência do direito penal, que se mostra desproporcionado

9 QUEIROZ, Paulo de Souza. Do caráter subsidiário do direito penal – Lineamentos para um direito penal mínimo. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. p. 122.

10 CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua. O princípio da insignificância ou bagatela – Conceito, classificação hodierna e limites. Revista Jurídica Consulex, a. VIII, n. 186, p. 62, 15 out. 2004.

11 REBELO, José Henrique Guaracy. Princípio da insignificância. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 38.12 VITOR, Enrique Ulises García. La Insignificancia en el Derecho Penal. Buenos Aires: Hammurabi, 2000.

p. 20.

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quando castiga fatos de mínima importância (furto de uma folha de papel, de uma cebola, de duas melancias, etc.). Dogmaticamente falando, já não se discute que o princípio da insignificância (ou da bagatela, como lhe de-nominam os italianos, assim como Tiedemann) exclui a tipicidade, mais precisamente a tipicidade material”. Para ele, hoje, “já praticamente nin-guém nega a relevância do princípio da insignificância (ou da bagatela) no direito penal. Não há dúvida que é um princípio de política criminal, mas adotado e aplicado diariamente pelos juízes e tribunais”13.

Também restou pacificado o entendimento da 3ª Seção e pelas duas Turmas a ela vinculadas, 5ª e 6ª, de que a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas) não afasta a hediondez do crime de tráfico de drogas. Portanto:

A redução de um sexto a dois terços da pena para réus primários, de bons antecedentes e que não integrem organização criminosa não decorre do re-conhecimento de uma menor gravidade da conduta praticada, nem da exis-tência de uma figura privilegiada do crime. Trata-se de um favor legislativo ao pequeno traficante, ainda não envolvido em maior profundidade com o mundo do crime, como forma a propiciar-lhe uma oportunidade mais rápida de ressocialização.

O verbete mantém, portanto, o caráter hediondo do crime de tráfico, mesmo em caso de redução da pena: “A aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 não afasta a he-diondez do crime de tráfico de drogas” (Recurso Repetitivo: REsp 1329088. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/justica/jurispruden-cia.asp?tipo=num_pro&valor=REsp1329088>). Acertado tal entendimento.

Por fim, o terceiro enunciado diz respeito à abolitio criminis, prevista na Lei nº 10.826/2003, conhecida como o Estatuto de Desarmamento, que fixou prazo de 180 dias, a partir de sua publicação, para registro dessas ar-mas. Os prazos foram prorrogados diversas vezes por leis posteriores. Cou-be à 3ª Seção estabelecer qual o prazo final da abolição criminal temporária para o crime de posse de armas sem identificação e sem registro.

Assim, em julgamento de recurso repetitivo:

A Seção decidiu que é crime a posse de arma de fogo de uso permitido com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado, praticada após 23 de outubro de 2005. Segundo a decisão, foi nesta data que a abolitio criminis temporária cessou, pois foi

13 Disponível em: ultimainstancia.com.br, terça-feira, 9 de novembro de 2004.

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o termo final da prorrogação dos prazos previstos na redação original dos arts. 30 e 32 da Lei nº 10.826/2003.

Eis a redação do Enunciado nº 513:

A abolitio criminis temporária prevista na Lei nº 10.826/2003 aplica-se ao crime de posse de arma de fogo de uso permitido com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado, praticado somente até 23.10.2005. (Recurso Repetitivo: REsp 1311408. Dis-ponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/processo/justica/jurisprudencia.asp?tipo=num_pro&valor=REsp1311408>)

Obviamente que este enunciado contraria o disposto na Lei nº 11.922/2009, que, em seu art. 20, prorrogou para o dia 31 de dezembro de 2009 os prazos de que tratam o § 3º do art. 5º e o art. 30, ambos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003.

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Assunto Especial – Doutrina

Entendimento Sumular

Súmula nº 511 do STJ: Primeiros Comentários e Uma Crítica

EDUARDO LUIZ SANTOS CABETTEDelegado de Polícia em Guaratinguetá/SP, Mestre em Direito Social, Pós-Graduado com Es-pecialização em Direito Penal e Criminologia, Professor de Direito Penal, Processo Penal, Cri-minologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial na Graduação e na Pós-Graduação da Unisal.

O Superior Tribunal de Justiça acaba de aprovar sua Súmula de nú-mero 511, assim redigida:

É possível o reconhecimento do privilégio previsto no § 2º do art. 155 do CP nos casos de furto qualificado, se estiverem presentes a primariedade do agente, o pequeno valor da coisa e a qualificadora for de ordem objetiva.

O óbvio intento do eg. STJ é uniformizar o entendimento acerca de intrincada questão quanto à possibilidade ou impossibilidade da existência de um furto privilegiado-qualificado.

Fato é que a doutrina, ao longo do tempo, vinha apontando majori-tariamente para a impossibilidade, devido à topografia dos parágrafos que descrevem respectivamente o privilégio (§ 2º) e as qualificadoras (§ 4º). Sabe-se que um parágrafo geralmente é aplicável somente àquilo que está acima dele e não abaixo, de forma que, se o legislador quisesse aplicar o privilégio aos casos de furto qualificado, teria disposto o privilégio abaixo das qualificadoras e não o reverso, como consta do Código Penal. Ademais, havia o argumento baseado no primado lógico de que uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo. Ou seja, um furto não pode ser privilegiado (quer dizer, um furto que merece uma reação penal menos grave) e con-comitantemente qualificado (quer dizer, um furto que merece uma reação penal mais gravosa). Haveria aí uma contradição lógica a impedir a harmo-nização de privilégio e qualificadoras.

Note-se que o mesmo problema já surgia no caso do homicídio pri-vilegiado – qualificado, com exatamente os mesmos obstáculos apontados para negar a possibilidade de harmonização. Não obstante, a grande maio-ria da doutrina, já há bastante tempo, vem apontando para a possibilidade

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da existência de um homicídio privilegiado-qualificado, desde que a quali-ficadora seja de ordem objetiva.

Nessas condições, já havia uma tendência jurisprudencial a acatar o furto privilegiado-qualificado, de modo que o STJ, com a Súmula nº 511, procura, como já dito, uniformizar a jurisprudência, adotando praticamente a mesma solução doutrinária já corrente quanto ao caso do homicídio. A Súmula nº 511 do STJ nada mais diz a não ser que é possível o furto privile-giado desde que haja uma qualificadora de natureza objetiva. Desse modo, tal qual no homicídio, também no furto, se abstrairia a topografia dos pará-grafos e também se assumiria o fato de que realmente no caso das qualifica-doras de natureza objetiva não há qualquer incompatibilidade lógica com os privilégios respectivos. Ou seja, o que impede que se mate alguém por relevante valor moral e com emprego de fogo? Nada. Não há contradição alguma. Claro que há impedimento à cumulação entre privilégios e qualifi-cadoras subjetivas. Por exemplo: matar alguém por relevante valor moral e por motivo fútil. Elas são excludentes. Uma não pode existir perante a outra.

Indo para o furto, percebe-se que os requisitos do privilégio são am-bos de natureza puramente objetiva. Vejamos:

a) O agente deve ser primário – a pessoa é primária objetivamente falando, não porque deseje subjetivamente assim o ser. Portan-to, trata-se de um requisito objetivo, embora diga respeito ao indivíduo. Diz respeito ao indivíduo, mas não ao seu aspecto subjetivo, ou seja, àquilo que ele sente, àquilo que o move inter-namente.

b) A coisa deve ser de pequeno valor – aqui fica ainda mais claro que o requisito é objetivo. Diz respeito ao valor da coisa que é obtido mediante sua avaliação nos autos. Tem predominado na jurisprudência de que a coisa será considerada de pequeno valor sempre que não ultrapassar na sua avaliação um salário-mínimo da época do fato. O valor da coisa não está abrigado no querer de ninguém, nem do agente nem da vítima. É um dado objetivo.

Quanto às qualificadoras do furto, a nosso ver, são todas de nature-za objetiva, pois que dizem respeito a “como” o agente vai furtar e não a “por que” ele vai furtar. Em nosso entendimento, as qualificadoras do furto descrevem a “forma” externa da conduta do agente e não sua motivação interna. Por isso são “todas elas” objetivas.

Neste ponto já se pode antever que temos sérias reservas ao teor da Súmula nº 511 do STJ quando, ao seu final, menciona que o privilégio no

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furto somente caberá quando a qualificadora for objetiva. A nosso ver, há aí uma indevida confusão com o caso do homicídio, no qual realmente há qualificadoras subjetivas e objetivas, o que não se repete no furto.

Uma forma muito didática e fácil de identificar o caráter subjetivo ou objetivo de uma dada qualificadora é fazer a indagação sobre se ela responde à pergunta “como?” ou à pergunta “por quê?”. Se responde à per-gunta “como?”, é objetiva. Se responde à indagação “por quê?”, é subjetiva. Exemplificando: matar com emprego de veneno. Com isso sabemos “por que” se matou? Não. Mas sabemos “como” se matou. Trata-se de uma qua-lificadora “objetiva”. De outra banda, matar por motivo torpe. Com isso sabemos “como” a vítima foi morta? Não. Mas, sabemos “por que”. Então se trata de uma qualificadora subjetiva. Isso funciona sempre, pois o ob-jetivo diz respeito à conduta externa, à forma de agir do infrator e não às suas motivações internas para o crime, o que se relaciona com seu aspecto subjetivo.

Ora, no homicídio, como já visto, há casos de qualificadoras objeti-vas e subjetivas. Já no furto, analisando os incisos I a IV do § 4º e o seu § 5º, percebe-se claramente que somente há qualificadoras “objetivas”, pois que todas descrevem “formas”, “meios” ou “como” o crime é perpetrado. Nunca dizem respeito às razões do crime, ao porquê da ação criminosa.

Deve-se destacar que, sendo o STJ um tribunal superior, sua supera-bundância verbal na Súmula nº 511 certamente causará bastante confusão quanto a essa questão da existência de qualificadoras subjetivas no furto. A tendência será que sejam apontados dois casos iniciais do § 4º, inciso II, do art. 155 do Código Penal como sendo os exemplos de qualificadoras subjetivas às quais faria menção obstativa o STJ. Seriam os furtos qualifica-dos por “abuso de confiança” ou “mediante fraude”. Isso porque se tende a confundir o fato da existência nesses casos de uma atividade intelectiva mais acentuada do infrator para a consecução do crime, com a qualidade de subjetivismo. Mas isso é um equívoco vernacular e conceitual. Porque, na verdade, o furto qualificado por “abuso de confiança” ou “mediante fraude” descreve sempre a “forma” da conduta externa do agente, o “meio” pelo qual chega à consumação, o qual, obviamente, se conforma em sua cogita-ção (cogitatio), mas não é subjetivo e sim objetivo. Se dizemos que alguém cometeu um furto “mediante fraude”, isso nos responde à indagação de “como” essa pessoa cometeu o furto, ou seja, nos fornece um dado objetivo da conduta. Por outro lado, nada nos diz a respeito de “por que” esse indiví-duo furtou, ou seja, sua motivação subjetiva para o crime. O mesmo ocorre com o emprego da fraude; trata-se de uma “forma”, um “meio”, a maneira

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“como” o sujeito atuou, não a razão, o “porquê” de haver ele assim agido. Sempre a questão é objetiva e nunca subjetiva. Não há no furto qualquer qualificadora que diga respeito ao subjetivo do agente. A motivação do fur-to é irrelevante em termos de qualificadoras.

Não obstante, já se vislumbra uma tendência a apontar as qualifica-doras acima anteriormente mencionadas como se subjetivas fossem, por in-fluência da redação, a nosso ver equivocada vocabular e conceitualmente, do eg. Superior Tribunal de Justiça. Ocorre que, se o eg. STJ diz que é possí-vel o privilégio com qualificadoras desde que elas não sejam subjetivas, há uma indução a concluir que existem qualificadoras subjetivas no furto. Sain-do à cata destas, as únicas que podem satisfazer muito mal e forçadamente essa condição são aquelas que dizem respeito ao “abuso de confiança” e à “fraude”, isso porque, de alguma forma, estão mais ligadas a uma atividade intelectiva do agente do que as demais, as quais são muito descritivas de um agir físico (romper obstáculos, escalar muros, furtar veículos automotores e levá-los para outro Estado ou o exterior, etc.). Entretanto, embora se ante-veja essa tendência causada por um erro interpretativo do STJ que se con-cretizou na redação da parte final da Súmula nº 511, manifestamos nossa discordância, de modo a entendermos que o furto qualificado-privilegiado é cabível, satisfeitos os requisitos do privilégio, com qualquer das qualifica-doras, já que todas são, na verdade, de natureza objetiva. Desde logo, infe-lizmente, percebemos que essa posição deverá ser ultraminoritária até por força da respeitabilidade que merece e tem a manifestação sumular de um tribunal superior, ainda que eivada de um equívoco vocabular e conceitual.

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Assunto Especial – Acontece

Entendimento Sumular

STJ Aprova Três Novas Súmulas para Processos CriminaisA 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, especializada no julga-

mento de processos criminais, aprovou, nesta quarta-feira (10/6), três novas súmulas. Elas são sobre furto qualificado, tráfico de drogas e posse de arma.

A súmula é o resumo de um entendimento consolidado no órgão jul-gador que é adotado em todos os julgamentos que tratam da mesma maté-ria, servindo de orientação para todos os órgãos do Poder Judiciário no País, de primeira e segunda instância.

As três súmulas aprovadas tiveram as teses fixadas anteriormente em julgamento de recurso especial sob o rito dos representativos de controvér-sia, estabelecido no art. 543-C do Código de Processo Civil.

FURTO QUALIFICADO

A primeira súmula aprovada trata de casos de furto qualificado que envolvam criminoso primário e sejam de pequeno valor. Ela interpreta o benefício previsto no § 2º do art. 155 do Código Penal, que trata de furto qualificado. O dispositivo estabelece: “Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa”.

O enunciado que permite a aplicação do benefício em caso de furto qualificado ficou com o seguinte texto: “Súmula nº 511: É possível o reco-nhecimento do privilégio previsto no § 2º do art. 155 do CP nos casos de crime de furto qualificado, se estiverem presentes a primariedade do agente, o pequeno valor da coisa e a qualificadora for de ordem objetiva”.

TRÁFICO DE DROGAS

Já a Súmula nº 512 afirma que o caráter hediondo do tráfico de dro-gas não deixa de existir mesmo nos casos em que há circunstâncias para a diminuição da pena. A tese adotada pela 3ª Seção e pelas duas Turmas a ela vinculadas, 5ª e 6ª, é de que a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 não afasta a hediondez do crime de tráfico de drogas.

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Para os ministros, a redução de um sexto a dois terços da pena para réus primários, de bons antecedentes e que não integrem organização crimi-nosa não decorre do reconhecimento de uma menor gravidade da conduta praticada, nem da existência de uma figura privilegiada do crime. Trata--se de um favor legislativo ao pequeno traficante, ainda não envolvido em maior profundidade com o mundo do crime, como forma a propiciar-lhe uma oportunidade mais rápida de ressocialização.

O verbete manteve, portanto, o caráter hediondo do crime de tráfico, mesmo em caso de redução da pena: “Súmula nº 512: A aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 não afasta a hediondez do crime de tráfico de drogas”.

POSSE DE ARMA

A terceira e última súmula trata da data para considerar como crime a posse de arma de uso permitido com identificação raspada. Nessa questão, ocorre o chamado abolitio criminis, que ocorre quando nova lei penal des-criminaliza fato que a lei anterior considerava como crime, ou vice-versa.

É o caso da Lei nº 10.826/2003, conhecida como o Estatuto de Desar-mamento, que fixou prazo de 180 dias, a partir da publicação da lei, para registro dessas armas. Os prazos foram prorrogados diversas vezes por leis posteriores. Coube à 3ª Seção estabelecer qual o prazo final da abolição criminal temporária para o crime de posse de armas sem identificação e sem registro.

Em julgamento de recurso repetitivo, a Seção decidiu que é crime a posse de arma de fogo de uso permitido com numeração, marca ou qual-quer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado, prati-cada após 23 de outubro de 2005. Segundo a decisão, foi nesta data que a abolitio criminis temporária cessou, pois foi o termo final da prorrogação dos prazos previstos na redação original dos arts. 30 e 32 da Lei nº 10.826/2003.

O entendimento recebeu o seguinte enunciado: “Súmula nº 513: A abolitio criminis temporária prevista na Lei nº 10.826/2003 aplica-se ao cri-me de posse de arma de fogo de uso permitido com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado, praticado somente até 23.10.2005”. Com informações da Assessoria de Im-prensa do STJ.

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Assunto Especial – Resenha Legislativa

Entendimento Sumular

SúmulA nº 511/StJ

É possível o reconhecimento do privilégio previsto no § 2º do art. 155 do CP nos casos de crime de furto qualificado, se esti-verem presentes a primariedade do agente, o pequeno valor da coisa e a qualificadora for de ordem objetiva.

SúmulA nº 512/StJ

A aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 não afasta a hediondez do crime de tráfico de drogas.

SúmulA nº 513/StJ

A abolitio criminis temporária prevista na Lei nº 10.826/2003 aplica-se ao crime de posse de arma de fogo de uso permitido com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identifica-ção raspado, suprimido ou adulterado, praticado somente até 23.10.2005.

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Parte Geral – Doutrina

Acerca da Possibilidade de Utilização do Critério de Eficiência no Direito Penal

HUGO LEONARDO RODRIGUES SANTOSDoutorando e Mestre em Direito Penal pela UFPE, Pós-Graduado em Direito Penal e Processual Penal pela Esmape, Professor de Direito Penal e Criminologia em cursos de Graduação e Pós--Graduação em Direito em Maceió (AL), Membro da Associação Internacional de Direito Penal (AIDP) e Coordenador estadual adjunto do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) em Alagoas.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Antecedentes teóricos; 2 Eficiência e seu significado no Direito Penal; 3 Efi-ciência e intervenção mínima; 4 A finalidade do Direito Penal: teoria agnóstica da pena; Conclusões; Referências.

INTRODUÇÃOA questão central é se o cálculo de eficiência é suficientemente amplo para amparar todos os princípios de garantia (e regras de imputação) do Direito Penal.1

Pode parecer estranha, à primeira vista, uma tentativa de relacionar o Direito Penal com o critério de eficiência. Isso porque o direito criminal normalmente é compreendido a partir de uma concepção ética, segundo a qual qualquer análise econômica seria inadequada para seus fins.

Entendemos que essa opinião é precipitada. O Direito Penal, desde suas primeiras construções dogmáticas, sempre teve um caráter consequen-cialista, preocupado com a utilidade social de sua intervenção. Por isso mesmo acreditamos que seria possível uma análise econômica do Direito Penal, a partir da ideia de observância da eficiência de seus institutos.

Isso fica muito claro a partir da observação do sistema da tradição jurídica da common law, que tem uma feição inegavelmente mais prática, e na qual a atividade jurisdicional assume uma enorme importância para a construção dos conceitos jurídicos (law in action). Naquele modelo, os estudos de análise econômica do Direito cresceram, e já vêm contribuindo há muito tempo para a resolução de problemas jurídicos.

1 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. Eficiência e direito penal. Barueri: Manole, 2004. p. 58.

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Mas a tradição continental ou romano-germânica – que no Direito Penal foi construída, basicamente, a partir do contributo de estudos alemães – também tem o critério de eficiência como um de seus nortes. E isso ocorre desde suas origens mais remotas, a partir de uma filosofia penal iluminista. Em outras palavras, estamos afirmando que a dogmática penal já apresenta esses critérios de eficiência, ainda que isto muitas vezes passe despercebido.

Esse texto tem pretensões bastante modestas, no sentido de ensaiar uma aproximação entre o Direito Penal e o critério de eficiência. Muito embora já existam vários estudos excelentes que tentaram empreender essa análise2, entendemos que boa parte foi feita com instrumentais da análise econômica do Direito, que é fruto da escola law and economics. Ora, tais pesquisas foram originadas no contexto do sistema jurídico da common law (e a partir de um modelo de direito privado). No mais, parte-se de um direito criminal construído por casos, e não por regras de natureza legal.

Não negamos que a análise econômica do Direito possa ser utilizada no sistema jurídico brasileiro, com as devidas adaptações. Não é necessário ir muito além para acreditar no rendimento dos conceitos da análise econô-mica para a solução de problemas jurídicos cotidianos – e os textos dessa coletânea são uma prova dessa afirmação.

Contudo, acreditamos que a utilização desses estudos de matriz anglo-saxã, especificamente no Direito Criminal brasileiro, não pode ser efetuada tranquilamente, de modo automático. Isso devido à natureza do Direito Penal, em razão de suas idiossincrasias. Não é objetivo desse tra-balho indagar se isso é de fato possível. Sinceramente, neste momento em que os estudos econômicos ainda têm que avançar no que diz respeito à compreensão dos institutos penais brasileiros, temos sérias dúvidas sobre a afirmação dessa hipótese, ao menos por hora.

A law and economics pode ser compreendida dentro dos estudos uti-litaristas, de natureza pragmática. No entanto, o movimento do law and economics, em suas correntes mais ortodoxas, “aparece como uma versão limitada do utilitarismo, na medida em que a planilha adotada é o do wealth maximization principle, entendido por recondução a valores, a dólares”3.

Essa metodologia não parece, portanto, ser a mais adequada para o tratamento do Direito Penal. O que não significa que não se possam adotar

2 Citamos dois dos mais importantes: BECKER, Gary S. Crime and punishment: an economic approach. ______; LANDES, William M. Essays in the economics of crime and punishment. S.l.: UMI, 1974 e POSNER, Richard A. An Economic theory of the criminal law. Columbia law review, v. 85, n. 6, Columbia: Columbia Law Review Association, 1985.

3 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. Op. cit., p. 7.

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critérios utilitaristas para a construção da dogmática penal, particularmente o da ideia de eficiência. Isso é, inclusive, uma tendência no sistema jurídi-co-penal, a partir do surgimento das correntes funcionalistas e da teoria da imputação objetiva.

Portanto, o texto tem a intenção de demonstrar que a eficiência deve servir para a significação dos institutos penais. E isso não faz com que, ne-cessariamente, seja preciso recorrer às teses mais estritas da análise econô-mica do Direito. É possível fazê-lo com os instrumentos jurídicos já existen-tes em nosso sistema.

Faremos uma breve análise histórica da presença do utilitarismo na construção da dogmática penal, destacando a função de garantia do Direito Penal. Em seguida, faremos a diferenciação entre eficiência e eficientismo, detalhando por que esse último critério, ao contrário do primeiro, não pode ser utilizado pelo Direito Penal. Em seguida iremos nos concentrar no pos-tulado de intervenção mínima e na teoria agnóstica da pena, explicando como esses conceitos se relacionam com a análise da eficiência do Direito Penal. É importante frisar que se trata de um estudo preliminar. Para tratar em maiores detalhes do assunto seria necessário um estudo mais aprofunda-do, que não se faz possível em tão breves linhas.

1 ANTECEDENTES TEÓRICOSSe os cálculos exatos pudessem aplicar a todas as combinações obscuras que fazem os homens agir, seria mister procurar e fixar uma progressão de penas correspondente à progressão dos crimes.4

A surpresa em relacionar a eficiência com o Direito Penal é resultante de uma analogia (às vezes inconsciente) entre as regras penais e a moral. De fato, é comum o pensamento de que as normas penais têm natureza moral, refletindo ditames éticos. A propósito, veja-se, por exemplo, o pensamento kantiano, que negava a possibilidade de se assumir uma lógica consequen-cialista para o Direito, pois a sanção penal seria uma decorrência da deso-bediência a um comando moral, um imperativo categórico.

Esse pensamento está enraizado na doutrina jurídico-penal, a ponto de vários de seus autores célebres continuarem afirmando até hoje que o Direito Penal teria uma função preponderantemente ética. Apenas para citar um exemplo, Hans Welzel, maior penalista do século XX, afirmava que o

4 BECCARIA. Dos delitos e das penas. Edição eletrônica, p. 126. Disponível em: <http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/delitosB.pdf>. Acesso em: 29 nov. 2013.

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Direito Penal “assegura a vigência dos valores de ação ético-social de cará-ter positivo”5.

Por isso, ainda tem bastante força a ideia de que a finalidade da pena é meramente retributiva. Não seria possível esperar que a pena produza efeitos sociais, pois esses seriam acessórios. A pena existiria por si só, como consequência inexorável do descumprimento do mandamento ético. Na filosofia moderna, essa foi a posição de Kant e Hegel (com fundamentos diversos). No Direito Penal moderno, poderíamos indicar a existência de correntes defensoras da pena por justo merecimento, que foram denomina-das por Salo de Carvalho de neorretributivas6.

Esse pensamento clássico ignorava a eficiência do Direito Penal, pois impossibilitava a análise da questão por uma lógica econômica de custos e benefícios. Ora, não haveria benefícios com a utilização da pena criminal, considerando que o castigo é somente a consequência do descumprimento de um mandamento moral.

Por outro lado, não se pode esquecer que a ideia de que o Direito Penal deve cumprir com finalidades também é bastante antiga. Na verdade, a problemática relacionada aos fins da pena é tão antiga quanto a história do Direito Penal7. Hoje, inclusive, essa é a concepção que prevalece, pois, segundo a maior parte da doutrina jurídico-penal, a pena criminal deveria cumprir com certas finalidades, todas relacionadas à prevenção da crimi-nalidade.

A definição de uma finalidade para o Direito Penal possibilita a uti-lização do critério de eficiência para sua valoração. É dizer que, tendo em vista o benefício que se almeja com a pena criminal, seria possível determi-nar quais os custos sociais que podem ser suportados para esse desiderato. E, como será melhor explicado, sobretudo no Direito Penal, os fins nem sempre justificam os meios.

Não é de se estranhar a contradição entre um modelo de Direito Pe-nal retribucionista e outro prevencionista, porque, ao longo do tempo, o fundamento para o direito de punir foi construído a partir de um amálgama de concepções filosóficas. Não é por outro motivo que se fala em uma teoria eclética da pena: esta deveria atingir fins preventivos, mas não deixa de ser também uma retribuição pelo mal causado pelo crime. Para resumir essa

5 WELZEL, Hans. Derecho penal alemán. Santiago: Jurídica de Chile, 2011. p. 18, em tradução livre.6 CARVALHO, Salo de. Penas e medidas de segurança no direito penal brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2013.

p. 96.7 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal: parte geral. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais/Coimbra, t. I,

2007. p. 43.

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posição, o caráter retributivo da pena seria o limite para a punição, que não poderia exceder a culpabilidade, enquanto que o preventivo seria o indica-dor das finalidades da reprimenda penal. Nesse sentido, “toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa”8.

Como veremos mais à frente, essas teorias da pena não parecem ser as mais adequadas, pois ainda estão vinculadas a finalidades utópicas, as quais, por não serem atingidas, não podem servir para balizar o Direito Penal contemporâneo. Em nossa opinião, a teoria que mais atende aos ob-jetivos atuais do Direito Penal é a agnóstica, por revelar o conteúdo político do poder de punir.

De toda forma, é possível afirmar com base na posição majoritária que a dogmática penal é utilitarista, desde suas origens modernas. Por isso é possível ensaiar uma breve demonstração de como o critério da utilidade está entranhado na própria formação da dogmática penal.

O primeiro sistematizador do Direito Penal moderno, Cesare de Bonesana, o Marquês de Beccaria, já afirmava, em sua célebre obra Dos de-litos e das penas (1764), que as penas devem possuir uma utilidade social. Por isso, as penas não devem ser exageradas, já que qualquer desmesura que não tenha reflexos úteis para a sociedade deve ser considerada um ar-bítrio, uma violência desnecessária9.

Interessante mencionar que Beccaria entendia por útil não apenas a consecução de um meio para atingir uma finalidade qualquer. Se assim pensasse, estaria legitimando qualquer sistema punitivo (inclusive o Direi-to Penal absolutista, que criticava), com vistas a quaisquer finalidades. Na verdade, a ideia de utilidade de Beccaria tem conteúdo substancial, rela-cionado ao ideário iluminista vigente no século XVIII. Nesse sentido, útil “é unicamente aquilo que está a serviço da preservação dos direitos da maioria e visa garantir a máxima felicidade ao maior número”10.

Por meio da obra de Jeremy Bentham fica ainda mais clara a con-cepção utilitarista da pena criminal. Suas ideias tiveram grande importân-cia, e conquistaram inúmeros seguidores em todo o mundo. Segundo ele, o comportamento humano não poderia ser julgado com base em princípios irracionais absolutos, mas sim a partir de um princípio ético-utilitarista do

8 Idem, p. 84.9 BECCARIA. Dos delitos e das penas. Edição eletrônica. Disponível em: <http://www.ebooksbrasil.org/

adobeebook/delitosB.pdf>. Acesso em: 29 nov. 2013. p. 85.10 FREITAS, Ricardo de Brito A. P. Razão e sensibilidade: fundamentos do direito penal moderno. São Paulo:

Juarez de Oliveira, 2001. p. 76.

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maior bem-estar possível para o maior número possível de pessoas. Assim, para fazer com que as pessoas não pratiquem atos criminosos, deve-se ofe-recer punição adequada, de modo que as pessoas, na tentativa de evitar o sofrimento da sanção, não descumprirão os mandamentos jurídicos11.

Jeremy Bentham partia de uma concepção de homem racional, que avalia suas condutas com base em uma lógica econômica de custo e bene-fício. Infelizmente, não houve aprofundamento, em sua teoria, acerca das verdadeiras razões que fariam com que um sujeito praticasse um delito. Na verdade, sua ideia era a de que não haveria diferenças sensíveis entre os ho-mens, um pensamento até certo ponto juvenil. Não seriam os homens que se diferenciam entre si, mas sim as situações em que se colocam que pode-riam ser distintas12. A conclusão óbvia seria a de que, caso os custos para a prática delitiva fossem acrescidos – com o aumento de pena, por exemplo –, não haveria a opção das pessoas pelos benefícios advindos dessa conduta desviada.

Apesar da enorme importância de suas obras, Beccaria e Bentham foram mais propriamente idealizadores políticos do Direito Penal, pois não chegaram a estatuir as bases jurídicas desse ramo. Ao menos na nossa tradi-ção continental, foi a partir de Feuerbach (1801) que se pôde falar em uma proposta jurídica para o Direito Penal, a partir da formulação técnica do princípio da legalidade, com a edição do brocardo do nullum crimen nulla poena sine lege.

Já a partir desse momento, o Direito Penal cumpria com uma função de prevenção. Isso porque ele serviria para a proteção de direitos indivi-duais. Percebe-se, com isso, que a lógica da pena está na proteção dos direitos da vítima, tendo uma utilidade social. Interessante a observação de Zaffaroni, afirmando que “Feuerbach inverteu a proposta kantiana, enten-dendo que os direitos deviam ser buscados na razão prática do titular e não na do obrigado [criminoso]”13.

Fica ainda mais clara a opção de Feuerbach por uma utilidade para o Direito Penal, a partir da sua teoria da intimidação, ou de coação psicoló-gica, segundo a qual o Direito Penal serve para, por meio da aplicação da punição, desmotivar a sociedade a reiterar a prática delitiva. De onde resul-

11 GEIS, Gilbert. Jeremy Bentham; MANNHEIM, Herman (Org.). Pioneers in criminology. 2. ed. Montclair: Paterson Smith, 1973. p. 56-57.

12 Idem, p. 57.13 ZAFFARONI, Eugênio Raul; FEUERBACH, Anselm v. Perspectiva atual de su antropologia juridica.

FEUERBACH, Anselm v. Tratado de derecho penal. 14. Buenos Aires: Hammurabi, 2007. p. 17, em livre tradução.

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ta que “o objetivo mediato (ou final) da aplicação [da pena] é, em qualquer caso, a intimidação dos cidadãos mediante a lei”14. A pena criminal teria, portanto, uma função de prevenção geral negativa.

O aperfeiçoamento da teoria do bem jurídico-penal, com a obra de Birnbaum, possibilitou o entendimento de que a função da pena seria a proteção de bens materiais, os quais têm existência concreta no mundo. Nota-se uma tendência para uma concepção ontológica da norma penal, a qual deve ser fundamentada em uma realidade fática. Sobre o tema, ensina Luiz Regis Prado que, ao superar a ideia criada por Feuerbach de bem ju-rídico como direito subjetivo, Birnbaum “observa ser decisivo para a tutela penal a existência de um bem radicado diretamente no mundo do ser ou da realidade (objeto material), importante para a pessoa ou a coletividade e que pudesse ser lesionado pela ação delitiva”15.

De fato, a teoria da exclusiva proteção do bem jurídico é um impor-tante limite para a tutela penal, ao mesmo tempo em que elucida sua fina-lidade de proteção de interesses vitais para a sociedade. “O adágio nullum crimen sine injuria resume o compromisso do legislador, mormente em um Estado democrático e social de direito, em não tipificar senão aque-las condutas graves que lesionem ou coloquem em perigo autênticos bens jurídicos”16. A eficiência da norma penal pode muito bem ser avaliada com base nesse critério valorativo, pela observância de o bem jurídico tutelado estar ou não sendo adequadamente protegido.

Logo após, houve um retrocesso promovido por Binding, que impul-sionou a teoria do bem jurídico para um conteúdo meramente formalista, entendendo que o Direito Penal tutelava o direito subjetivo do próprio Esta-do, violado com a conduta criminosa. Essa concepção se fortaleceu ainda, a partir das ideias de Arturo Rocco17.

Com influência expressa de Jhering, Franz von Liszt ensinou que por muito tempo prevaleceu um embate entre as teorias absolutas e as ecléticas da pena, ou seja, a discussão sobre o Direito Penal ter ou não uma finalida-de (utilidade). Optando por uma concepção eclética da pena, afirmou que “a experiência torna possível a compreensão da conformidade da pena ao escopo. É a ideia de escopo que nos determina os limites [...] dominada pela ideia do escopo, a pena se transforma na força punitiva em direito penal”18.

14 Idem, p. 53, em livre tradução.15 PRADO, Luiz Régis. Bem jurídico-penal e constituição. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 32.16 Idem, p. 60.17 Idem, p. 32-34.18 LISZT, Franz v. A teoria finalista no direito penal. Campinas: LZN, 2005. p. 7.

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A partir dessa ideia de finalidade, a teoria do crime foi desenvolvida, inicialmente pelo modelo clássico de Liszt e Beling, depois aprimorada por outros autores, como Mezger e Welzel. Também a teoria da pena foi estru-turada sempre tendo em vista suas finalidades preventivas.

Por óbvio que a finalidade do Direito Penal é a de oferecer uma uti-lidade social. Por isso, a construção da dogmática penal, desde suas mais remotas origens, tem incorporado uma ideia de utilitarismo. Isso porque o Direito Penal serve para proteger bens jurídicos, e também para prevenir a ocorrência de outros delitos por meio da aplicação da pena criminal.

Nesse sentido, Santiago Mir Puig afirma que, conforme o princípio da utilidade da intervenção penal, o direito criminal perderia toda a sua legitimidade caso se demonstrasse inútil. Emenda, lembrando que, caso a sanção penal se demonstre inútil, deve ser abolida ou substituída por outra mais leve. Assim, com relação à pena de morte, considerando que inúmeras pesquisas demonstram que ela não tem a capacidade de reduzir as taxas de criminalidade, deve ser substituída por outra mais leve, porque, como já afirmara Beccaria, a pena mais útil não é a mais gravosa, mas sim a que certamente será aplicada19.

Para finalizar a explicação sobre a função do Direito Penal, é neces-sário reiterar a sua função de garantia. Nesse sentido, o Direito Penal é o fundamento da punição criminal, mas também o seu limite, verdadeira bar-reira intransponível para o poder de punir. Somente se pode punir alguém se houve desobediência às normas do Direito Penal, e dentro das regras estatuídas para tanto, em obediência ao nulla poena sine judicio. Aliás, foi por essa razão que Liszt afirmou que o Código Penal é a magna carta do delinquente, pois é a norma penal, e somente ela, quem vai definir a gravi-dade de sua sanção.

Por isso, destaca-se a finalidade precípua do Direito Penal de limitar o poder de punir, delineando os moldes típicos em que o cidadão poderá ser punido criminalmente, a partir da ofensa concreta de um bem jurídico relevante para a sociedade. O Direito Penal, portanto, constitui-se como uma importante garantia da sociedade, para proteger-se do arbítrio estatal.

2 EFICIÊNCIA E SEU SIGNIFICADO NO DIREITO PENALGarantia individual e eficiência do controle parecem hoje constituir os ter-mos contrastantes de uma proposição dialética. Mas tal afirmação, em cor-

19 MIR PUIG, Santiago. Derecho penal: parte general. 5. ed. Barcelona: Repertor, 2009. p. 116-117.

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respondência ao nosso contexto normativo, de democracia fundamentada no princípio do Estado social de direito, é certamente falsa, e demonstrar isso é fácil.20

É preciso compreender bem o significado da eficiência, quando este critério é utilizado para a valoração do Direito Penal. Isso, porque não é pos-sível proceder com uma análise de custo e benefício, no Direito Penal, sem considerar a função de garantia das normas penais. Portanto, “uma questão central relativa ao princípio da eficiência é a de como incluir no cálculo de custo/benefício princípios de liberdade, dignidade ou proporcionalidade”21.

Nesse sentido, cumpre esclarecer que políticas criminais autoritárias hodiernas vêm se utilizando de uma razão eficientista, em detrimento de finalidades concernentes a um Estado de Direito. É importante mencionar que estamos nos referindo ao eficientismo em conformidade com o signi-ficado atribuído pela doutrina penal sobre o tema, sabendo que o mesmo termo pode ser compreendido com outros significados possíveis. Sobre o assunto, Sergio Moccia observou que “o eficientismo penal consiste na úl-tima variante do Direito Penal da emergência, uma degeneração que desde sempre tem acompanhado a vida do Direito Penal moderno”22.

A razão eficientista é resultante dos problemas advindos do ceticismo com relação à capacidade do Estado de prevenir eficazmente a delinquên-cia. Nesse sentido, Winfried Hassemer observa que as políticas criminais atuais têm consciência desses problemas, e acabam relaxando os princípios do Direito Penal achando que isso aumentaria a eficácia de sua proteção penal23. O eficientismo, portanto, também corresponde à lógica de desmon-te do Estado de bem-estar, bem como resulta da implementação de políticas econômicas que contribuem para o quadro de exclusão social24.

Que fique bem claro que não estamos a falar, até aqui, de eficiência, e sim do eficientismo, que desnatura as políticas criminais, dando-lhes um caráter autoritário discrepante com um Estado de Direito. Como já afirma-mos, o critério de eficiência é bastante útil para a valoração do Direito Pe-nal, como será visto. Por isso, nossa crítica não se dirige à ideia de eficiên-

20 MOCCIA, Sergio. La perene emergenza: tendenze autoritari em el sistema penala. 2. ed. Napoli: Scientifiche Italiane, 1997. p. 1, em livre tradução.

21 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. Op. cit., p. 7-8.22 MOCCIA, Sergio. Seguridad y sistema penal. CANCIO MELIÁ, Manuel; GÓMEZ-JARA DÍEZ (Org.). Derecho

penal del enemigo: el discurso penal de la exclusión? Buenos Aires: B de F, v. 2, 2006. p. 304, em livre tradução.

23 HASSEMER, Winfried. El destino de los derechos del ciudadano em el derecho penal eficiente. ______. Crítica al derecho penal de hoy. Buenos Aires: Ad Hoc, 2003. p. 59 e ss.

24 MOCCIA, Sergio. Seguridad y sistema penal..., p. 305.

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cia, mas sim ao eficientismo, conceito que se relaciona com o pensamento (muito em voga na modernidade recente) de que a eficiência de determi-nada política criminal é incompatível com o respeito a direitos e garantias estatuídos.

Portanto, não se confundem os conceitos de eficiência e eficientismo. Este equivale à afirmação de que “os princípios do Direito Penal em conjun-to são contemplados como sutilezas que se opõem a uma solução real dos problemas”25. Por isso, foi muito feliz Jesús-María Silva Sanchez ao ressaltar que “a questão central é se o cálculo de eficiência é suficientemente amplo para amparar todos os princípios de garantia (e regras de imputação) do Direito Penal”26.

Assim, a razão eficientista advoga que certos direitos e garantias se-riam um entrave para a implementação de políticas criminais com resulta-dos satisfatórios. Nas palavras de Alessandro Baratta, “no interior desse pro-cesso, o eficientismo penal tenta fazer mais eficaz e mais rápida a resposta punitiva limitando ou suprindo garantias materiais e processuais que foram estabelecidas na tradição do Direito Penal liberal, nas constituições e nas convenções internacionais”27.

Segundo essa lógica, como o Estado seria incapaz de conter a cri-minalidade por meio de políticas criminais lato sensu (políticas sociais), as quais teriam como foco os verdadeiros problemas criminógenos, acaba lan-çando mão de políticas criminais estritas. Essas políticas penais se limitam a um punitivismo simbólico, e desrespeitam alguns dos princípios cardeais do sistema criminal, relacionados a direitos e garantias individuais. Por esse motivo, o eficientismo resulta em uma utilização do sistema punitivo como prima ratio, como uma panaceia para enfrentar os mais diversos problemas sociais28.

Desse modo, o eficientismo justificaria a utilização desmesurada do poder punitivo, em virtude, notadamente, de que a reação penalógica seria a única resposta eficaz oferecida para o problema da criminalidade. Dessa maneira, ao invés de criar soluções alternativas mais eficazes, o eficientismo procura tornar mais eficaz o próprio Direito Penal, simplesmente aumentan-

25 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 69.

26 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. Eficiência e direito penal..., p. 58.27 BARATTA, Alesandro. Nuevas reflexiones sobre el modelo integrado de las ciências penales, la politica criminal

y el pacto social. ______. Criminologia y sistema penal. Buenos Aires: B de F, 2004. p. 180, traduzido livremente.

28 Idem, p. 179.

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do o seu rigor, em desobediência à legalidade constitucional e aos princí-pios constitucionais penais29.

A razão eficientista demonstra claramente um desvirtuamento das fi-nalidades do sistema punitivo. Esse deve perseguir aqueles objetivos legíti-mos, conformes com um Estado de Direito. Por isso, não poderia se funda-mentar na lógica simplista de que os fins justificam os meios, significando que direitos individuais e garantias poderiam ser sacrificados em prol de uma busca incessante por condenações criminais meramente simbólicas. Ora, a preservação desses direitos e garantias também é uma das finalidades do Direito Penal – talvez a principal delas –, e se o Direito Penal é utilizado de modo a de alguma maneira violá-los, não pode ser considerado eficiente.

Por isso, em nossa opinião, o eficientismo não se justifica, precisa-mente pelo fato de não considerar que os parâmetros para mensurar a efi-ciência do sistema punitivo devem levar em conta o respeito aos direitos e garantias individuais, que afinal se constituem como o maior objetivo de um Estado de Direito. Por isso, concordamos com Sérgio Moccia, quando observou que não haveria uma antítese entre garantias e eficiência30. Em síntese, “os direitos fundamentais apareceriam, assim, como limite intrans-ponível das considerações de eficiência”31.

Isso significa que a eficiência, ao contrário da razão eficientista, é ple-namente compatível, e deve ser utilizada para o aperfeiçoamento do Direito Penal. No entanto, no cálculo da eficiência, faz-se necessário considerar como requisito a obediência às garantias penais. Em caso de desobediência desses postulados, não há eficiência, mesmo porque o Direito Penal não teria cumprido e otimizado suas funções. Não se pode considerar a norma penal ou mesmo o próprio sistema punitivo eficiente se não se respeitaram os princípios reitores do direito criminal.

Para melhor compreender como poderia ser utilizado o critério da eficiência, cumpre explicitar o entendimento acerca da motivação do cri-minoso para a prática delitiva. Segundo uma concepção tradicional (homo oeconomicus), todos os homens avaliam racionalmente o fator de custo e benefício de suas condutas. Assim, não haveria uma diferença essencial entre criminosos e não criminosos, já que todos têm livre-arbítrio para es-colher seus comportamentos, conforme afirmara Jeremy Bentham. De tal

29 MOCCIA, Sergio. Seguridad y sistema penal. In: CANCIO MELIÁ, Manuel; GÓMEZ-JARA DÍEZ (Org.). Op. cit., p. 305.

30 Ver epígrafe desse capítulo e nota 17.31 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. Eficiência e direito penal..., p. 65.

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forma que seria necessário aumentar os custos para a prática de atos crimi-nosos, para tentar desestimulá-los32.

De outro lado, a partir da crítica dessa concepção idealizada de ho-mem, entendendo que o delinquente não analisa friamente os custos e be-nefícios de suas ações, surgiu uma concepção de criminoso como sujeito patológico (homo sociologicus)33, a partir da influência do positivismo cri-minológico italiano. Essa concepção nega a existência de um homem racio-nal idealizado, que pondera calmamente todas as suas futuras práticas, de-cidindo sempre pelo seu bem-estar. Considera que o homem é determinado a agir, conforme a sua própria natureza.

Não concordamos com nenhuma das duas posições. Ambos são modelos ideais, que partem de uma ideia de determinismo ou liberdade absolutos. “Por serem ambas as imagens meras hipóteses teóricas, sem qualquer possibilidade de demonstração empírica (irrefutáveis), tornam-se inválidas”34.

Conforme a opinião de Silva Sanchéz, é possível defender a serventia da análise da eficiência, mesmo sem concordar absolutamente com a ideia de um homo oeconomicus. Isso porque nunca se afirmou que somente os cálculos de custo e benefício incidam no comportamento criminoso. Outros fatores certamente também influenciam no comportamento desviado. Ade-mais, segundo ele, parece inconteste o fato de que a maior ou menor pro-babilidade de o criminoso ser punido por seus atos influencia, de alguma maneira, o seu comportamento. Não é somente a intimidação que poderá evitar a prática de crimes, mas o custo e benefício do comportamento têm o seu papel na determinação do comportamento.

Em nossa opinião, contudo, a ideia de custo e benefício somente pode ser aplicada no que diz respeito à justificativa para a tutela do Direito Penal, no que diz respeito às suas finalidades, não sendo correta sua utili-zação relacionada ao comportamento humano. Nesse sentido, a eficiência seria aplicada para se chegar a uma utilização comedida do Direito Penal, conforme o princípio da intervenção mínima. No mais, conforme a teoria agnóstica da pena, a finalidade do Direito Penal é política, no sentido de conter o poder punitivo, fazendo-o incidir minimamente na sociedade.

A utilização da lógica de custo e benefício, dessa forma, parece ir ao encontro de políticas criminais alternativas, aumentando-se a eficiência do

32 Idem, p.13-14.33 Idem, p.15.34 CARVALHO, Salo de. Op. cit., p. 67.

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Direito Penal a partir do incremento de alternativas legais para a sanção cri-minal, especialmente na sua espécie mais problemática que é a pena priva-tiva de liberdade. A partir de políticas criminais em sentido amplo (políticas sociais), seria possível evitar a utilização desnecessária do Direito Penal, inibindo o comportamento criminoso sem a utilização de reprimendas mais graves.

Essas políticas sociais podem ser bem mais eficazes que o Direito Penal, para desestimular certos tipos de práticas delinquentes, como, por exemplo, uma política de pleno emprego35. Assim, a eficiência do Direito Penal se relaciona à ideia de intervenção mínima e à própria finalidade ne-gativa e agnóstica da pena criminal, conforme veremos.

3 EFICIÊNCIA E INTERVENÇÃO MÍNIMAA espada da justiça está nas nossas mãos; mas na maioria das vezes devemos antes embotá-la do que torná-la mais afiada. Trazemo-la na bainha perante os reis: é para nos advertir que devemos sacá-la raramente.36

A legitimidade do Direito Penal depende da moderação na sua utili-zação. Não é possível valer-se da sua solução drástica quando o problema social poderia ser resolvido, com mais eficiência com outro mecanismo me-nos gravoso. O Direito Penal somente pode intervir nos casos de ataques muito graves aos bens jurídicos mais importantes37.

Esse postulado não se encontra explícito na Constituição Federal, tam-pouco na legislação, mas pode ser extraído a partir de uma interpretação sis-temática. Isso porque a intervenção mínima “é um princípio imanente que por seus vínculos com outros postulados explícitos, e com os fundamentos do Estado de direito se impõem ao legislador, e mesmo ao hermeneuta”38.

É nesse sentido que a eficiência se relaciona com a intervenção mí-nima, pois somente é considerado eficiente o tratamento penal que real-mente foi necessário para a resolução do problema, a intervenção desne-cessária é certamente ineficiente. Nesse sentido, “o Direito Penal deixa de ser necessário para proteger a sociedade quando isto pode se conseguir por outros meios, que sejam preferíveis por serem menos lesivos para os direitos individuais”39.

35 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. Eficiência e direito penal..., p. 19.36 VOLTAIRE. Comentários políticos. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 144, grifamos.37 MUÑOZ CONDE, Francisco. Introducción al derecho penal. Buenos Aires: B de F, 2007. p. 107.38 LUNA, Everardo da Cunha. Capítulos de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1985. p. 30.39 MIR PUIG, Santiago. Op. cit., p. 117, em livre tradução.

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Esse postulado tem duas dimensões. Primeiramente, a intervenção mínima se manifesta por meio da fragmentariedade, que significa que so-mente é possível a proteção penal daqueles bens jurídicos que sejam vitais para a convivência social. Não é qualquer interesse que merece a tutela penal, por ser esse instrumento extremamente radical, exagerado. Por isso, para que um bem jurídico tenha dignidade suficiente a ponto de merecer ser protegido penalmente, deve ter sido objeto de proteção pelo próprio poder constituinte40.

O Direito Penal, portanto, “não encerra um sistema exaustivo de pro-teção de bens jurídicos, mas um sistema descontínuo de ilícitos decorrentes da necessidade de criminalizá-los, por ser esse o meio indispensável de tutela jurídica”41.

De outro lado, a intervenção mínima também se manifesta por meio da subsidiariedade do Direito Penal. Isso quer dizer que a tutela penal é o último instrumento de controle social que o Estado pode se valer na resolu-ção de determinado problema.

Por essa razão, a subsidiariedade também é conhecida como ultima ratio, porque “o Direito Penal deve ser a ratio extrema, um remédio último, cuja presença só se legitima quando os demais ramos do direito se revelam incapazes de dar a devida tutela a bens de relevância para a própria existên-cia do homem e da sociedade”42. Como o Direito Penal trata das medidas mais extremas de punição dos infratores, somente pode ser utilizado quan-do outros mecanismos de sancionamento já se fazem ineficazes. Qualquer utilização precipitada da pena fere o postulado da intervenção mínima.

É sabido que o Direito Penal é um instrumento jurídico com altíssimo custo social. Além de ser necessário todo um aparato burocrático, com téc-nicos, juízes, advogados, o processo é lento e caro. Ademais, provoca uma vitimização secundária, pois, além daqueles diretamente afetados pela ação criminal, as pessoas mais próximas ao agente punido – como sua família – também respondem reflexamente por seus atos, o que pode agravar uma situação de exclusão social já existente. Lembremos que esse é um fator cri-minógeno importante, principalmente em países com graves desigualdades sociais, como o Brasil.

Por isso, caso seja possível resolver a solução com outro mecanismo jurídico, como, por exemplo, o direito civil ou administrativo, ou mesmo

40 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general. 2. ed. Madrid: Civitas, t. I, 1997. p. 55. 41 LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2. ed. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 2003. p. 40.42 Idem, ibidem.

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por um controle extrajudicial, esta será seguramente a maneira mais eficien-te de fazê-lo. De modo que a intervenção mínima é um pressuposto para a utilização eficiente do Direito Penal. Como afirma Mir Puig, “se trata de uma exigência de economia social coerente com a lógica do Estado social, que deve buscar o maior bem social com o menor custo social”43.

Ora, é justamente em busca da eficiência que se defende a descrimi-nalização de certos tipos penais, quando se entende que o bem jurídico não deve ser protegido pelo Direito Penal, ou que a lesão seria melhor evitada de outra maneira. Assim ocorreu há alguns anos com a abolição do delito de adultério. Ora, a infidelidade matrimonial não deve ser assegurada por meio de sanções criminais, restando ao Direito de Família tratar do tema com muito mais eficiência.

Se chegarmos a uma configuração reduzida ao mínimo essencial do Direito Penal, será possível fazê-lo funcionar de modo mais eficiente. Ocorre que, atualmente, o Direito Penal tem sido utilizado como primeira solução (prima ratio), como se pode perceber pelo fenômeno de grande expansão da tutela penal44. O Direito Penal passou a servir como pedagogo social, de modo meramente simbólico, em questões sociais de somenos importância, nas quais não deveria se intrometer. Aliás, essa parece ser uma das causas da grande crise pela qual passa o Direito Penal. Infelizmente, em razão disso, podemos afirmar que o Direito Penal tende a se tornar cada vez menos eficiente.

Aparentemente, a única solução para o problema da excessiva utili-zação do Direito Penal seria apostar em mecanismos diversos de resolução de conflitos, em observância da subsidiariedade do Direito Penal, e de sua maior eficiência. Nesse sentido, poderíamos citar o grande crescimento das práticas de justiça restaurativa, mecanismo informal de tratamento da situa-ção problemática, na qual a vítima tem participação direta no deslinde da questão45.

Também são exemplos os sistemas de sancionamento alternativo, que ficam em um meio termo entre os Direitos Penal e Administrativo. Esses ainda precisam ser aperfeiçoados pela doutrina, além de necessitarem de aprimoramento na legislação e por meio das práticas judiciárias, em nossa opinião. Mas já existem algumas propostas mais maduras, entre as quais citaríamos o direito de contraordenações (secundário) português, a ideia de

43 MIR PUIG, Santiago. Op. cit., p. 117-118, em tradução livre.44 SILVA SANCHEZ, Jesús-María. A expansão do direito penal..., passim. 45 SANTOS, Hugo Leonardo Rodrigues. Incompatibilidades entre a justiça restaurativa e o instituto da transação

penal. Revista SíNTESE de Direito Penal e Processual Penal, n. 80, Porto Alegre: Síntese, 2013.

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um direito penal de segunda velocidade, defendida por Silva Sánchez46, ou de um direito de intervenção, sustentada por Winfried Hassemer47.

4 A FINALIDADE DO DIREITO PENAL: TEORIA AGNÓSTICA DA PENAO centro de gravidade do direito criminal está na pena, como o do direito civil está na execução. Ora, ainda não se buscou saber qual a razão filosófica do direito de exequir; para que buscá-la para o direito de punir? De todas as bolhas de sabão metafísicas é talvez essa a mais fútil, a que mais facilmente se dissolve ao sopro da crítica.48

Como já explicado, o Direito Penal somente se justifica na medida em que possibilita um benefício, uma utilidade social. Essa seria a sua fi-nalidade, e para isso que seus institutos devem ser construídos, para a con-cretização de seus fins. Foi Jhering quem ressaltou que o direito é “uma ciência instrumentalmente projetada (direcionada aos fins)”49, inaugurando o desenvolvimento de uma dogmática jurídica teleológica.

Então, o instrumento de concretização dos fins do Direito Penal é a pena. No mesmo sentido, sob influência de Jhering, já observamos que Liszt afirmara que “a pena é para nós meio para alcançar um escopo. A ideia do escopo postula, porém, a adaptação do meio ao fim e a máxima parcimônia na sua aplicação”50. Portanto, é por meio da pena que o Direito Penal pode-ria concretizar suas funções, suas metas.

Contudo, sabe-se que as finalidades da pena não são concretizadas efetivamente, o que é comprovado fartamente pela literatura criminológi-ca51. Por um lado, não se pode defender em nosso sistema constitucional a finalidade meramente retributiva da pena, pois as teorias absolutas não se legitimam a partir de um Estado Democrático de Direito52. É por essa razão que se afirma que a pena somente pode ter a finalidade de prevenção, es-pecial ou geral, e a culpabilidade somente serve para limitar a medida da pena53. Ainda assim, a retribuição não é oferecida para todos os que come-

46 SILVA SANCHEZ, Jesús-María. A expansão do direito penal..., p. 144-147. 47 OLIVEIRA, Ana Carolina Carlos de. Hassemer e o direito penal brasileiro: direito de intervenção, sanção penal

e administrativa. São Paulo: IBCCrim, 2013. passim.48 BARRETO, Tobias. Prolegômenos do estudo do direito criminal. Estudos de direito II. São Paulo: Record,

1991. p. 110, grifos do autor.49 CARVALHO, Salo de. Op. cit., p. 143-144.50 LISZT, Franz v. Op. cit., p. 39.51 Por todos, veja-se a análise clássica empreendida por BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do

direito penal: introdução à sociologia do direito penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002.52 CARVALHO, Salo de. Penas e medidas de segurança..., p. 57-60.53 DIAS, Jorge de Figueiredo. Op. cit., p. 84.

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tem delitos. Ora, em razão dos filtros seletivos do sistema punitivo, somente uma pequena parcela dos infratores são de fato punidos, sendo que os de-mais crimes acabam formando a cifra oculta, composta de crimes que não são efetivamente conhecidos pelo sistema criminal54.

Por outro lado, a pena criminal não consegue atingir aos fins de prevenção, seja a ressocialização (prevenção especial) ou mesmo a inti-midação da sociedade (prevenção geral). Pelo contrário, é sabido como a prisionização tem efeitos deletérios na personalidade do infrator, impossibi-litando a sua reinserção à sociedade. Não é por outro motivo que as taxas de reincidência criminal costumam ser altíssimas, provando que o cárcere não cumpre com a sua função pedagógica, de reeducação social. Assim, “o generalizado reconhecimento da ineficácia corretiva dos efeitos nocivos da pena privativa de liberdade é disfarçado ou encoberto [...] por frequen-tes declarações simplistas de que ainda não temos nada melhor do que a prisão”55.

Da mesma maneira, a sociedade não parece se intimidar com a apli-cação de punições para criminosos. Isso é facilmente percebido quando se observa o enorme crescimento das taxas de encarceramento no Brasil, con-comitantemente com a alta criminalidade, o que significa que a aplicação da pena de prisão não tem produzido os efeitos almejados de dissuasão.

Por isso, afirmou Salo de Carvalho que “os dados de encarceramen-to contemporâneos em praticamente todo o Ocidente possibilitam com-provar a inexistência de relação causal entre (a) o aumento de penas e a diminuição dos crimes ou entre (b) a descriminalização e o aumento da criminalidade”56.

Em parte, isso significa que o infrator não obedece ao modelo de homo oeconomicus, visto que se aumentando o custo da prática criminosa (com punições mais rigorosas) não se tem o efeito esperado de diminuição da criminalidade. Como já vimos, não se pode afirmar que o ser humano é absolutamente determinado, tampouco que possui livre-arbítrio e escolhe racionalmente suas condutas, simplesmente porque ambas as hipóteses são inverificáveis.

Esse problema é antigo na ciência penal, porque em última análise toda a estrutura dogmática do Direito Penal está fundada em premissas filo-

54 ZAFFARONI, Eugênio Raul et al. Direito penal brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, v. 1, 2002. p. 47.55 SANTOS, Juarez Cirino dos. Teoria da pena: fundamentos políticos e aplicação judicial. Curitiba: ICPC/Lumen

Juris, 2005. p. 8, grifos do autor.56 CARVALHO, Salo de. Op. cit., p. 69.

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sóficas não comprováveis. Por isso, Gimbernat Ordeig em trabalho clássico afirmou que

a crise da ideia de culpabilidade traz consigo a da pena; e sem pena, não pode haver Direito Penal, e sem este tampouco uma ciência do Direito Penal no sentido tradicional. É curioso que não seja estranha à ciência do Direito Penal a argumentação que se segue nesta teoria do dominó, neste desmo-ronamento em cadeia que leva por fim a derrubada da ciência do Direito Penal.57

Na sequência, Ordeig conclui que o futuro da dogmática penal está na aposta na função de prevenção, em detrimento da culpabilidade, que se baseia na ideia abstrata do livre-arbítrio58.

Por isso, seria necessário reconhecer que existem finalidades não de-claradas para a pena criminal, as quais se diferenciam bastante daquelas defendidas pelo discurso oficial. As funções declaradas ou manifestas (ofi-ciais) não se concretizam, como já visto. O que não significa que o Direito Penal não seja funcional, mas sim que ele cumpre com funções diferentes daquelas legitimadas pelo discurso oficial.

De tal modo que o estudo da dinâmica do sistema punitivo, tendo em vista essas funções declaradas ou manifestas e as funções reais ou latentes da pena criminal, “pode explicar a esquizofrenia do programa oficial de po-lítica criminal realizado pelo Direito Penal nas sociedades contemporâneas, marcado pelo antagonismo entre discurso penal e realidade da pena, que seguem direções diametralmente opostas”59.

O que implica que não se pode descuidar da natureza política da pena criminal. Na medida em que é o instrumento para o exercício do po-der de punir, a pena é marcada por um viés político. Assim, negar esse ca-ráter político, fundamentando a pena apenas como instituto jurídico, acaba trazendo efeitos negativos, porque “(1º) pressupõe a apoliticidade (neutra-lidade) do fenômeno punitivo, cujo efeito é o de (2º) obscurecer a seletivi-dade penal”60.

57 ORDEIG, Enrique Gimbernat. Tiene um futuro la dogmática juridico penal? Lima: Ara, 2009. p. 15, em tradução livre.

58 Afirmou, ainda, que “um direito penal não fundamentado no livre-arbítrio determina a gravidade das penas do mesmo modo que a determinam, no fundamental, todas as leis penais atualmente vigentes no mundo, a saber: em primeiro lugar, sobre a base do valor do bem jurídico protegido; em segundo lugar, estabelecendo uma posterior distinção e castigando com maior severidade unicamente a lesão dolosa de um bem jurídico que a lesão culposa do mesmo bem” (idem, p. 30-31, em livre tradução). Também sobre o tema, ver SANTOS, Hugo Leonardo Rodrigues. Gimbernat Ordeig e o futuro da dogmática jurídico-penal. Revista de Estudos Criminais, n. 49, Porto Alegre: Síntese/TEC, 2013.

59 SANTOS, Juarez Cirino dos. Op. cit., p. 3.60 CARVALHO, Salo de. Op. cit., p. 147.

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Essa ideia da politização da pena tem como precursor o jurista Tobias Barreto, para quem a pena criminal não tem um fundamento jurídico, mas sim político. Desse modo, de maneira extremamente precoce, assume uma visão pragmatista, despindo-se de fundamentos metafísicos para o direito de punir. Sobre o tema, com a ironia costumeira, ensinou que “a combinação binária da justiça moral com a utilidade social, que se costuma dar como uma solução satisfatória do problema da penalidade, eu deixo aos metaquí-micos do Direito, que conhecem perfeitamente a natureza daqueles dois sais”. E continuou, emendando que “eu não conheço bem nem uma nem outra coisa; razão por que até ignoro, qual é a parte de justiça moral exis-tente porventura na pena de multa [...] o conceito da pena não é um con-ceito jurídico, mas um conceito político. Este ponto é capital”61. Com essa posição arrojada, Tobias Barreto acaba por deslegitimar a pena criminal62.

Segundo o programa da teoria agnóstica da pena, com o qual con-cordamos, a sanção criminal exerce a única função de controle social63. Isso porque não se pode ignorar o fato de que as finalidades declaradas não são efetivadas. A finalidade do Direito Penal, portanto, não é idealizada, no sentido de ter como meta a reeducação do infrator, ou a prevenção da prática delituosa, resumindo-se a um instrumento de controle. “Abandonar quaisquer teorias justificacionistas, sobretudo os modelos ressocializadores, é efeito primeiro da adoção da perspectiva agnóstica de redução de danos penais”64. Nesse sentido, adota-se uma visão pragmática acerca das finali-dades do Direito Penal.

Por outro lado, não se pode, ao menos no momento político atual, abolir definitivamente o sistema punitivo. Ora, a população prisional vem aumentando vertiginosamente, e a punição está entranhada em nossa cultu-ra jurídica, como algo natural e necessário, a ser aplicada como consequên-cia para os crimes. De onde se verifica que a pena é uma realidade social, e que deve ser tratada como uma violência excepcional, em um Estado de Direito65.

A teoria agnóstica, portanto, desliga-se de ideais metafísicos otimistas que justificariam a pena criminal. É uma teoria “negativa das funções de-

61 BARRETO, Tobias. Algumas ideias sobre o chamado fundamento do direito de punir. Estudos de filosofia. 2. ed. S.l. Grijalbo, 1977. p. 365-366.

62 ZAFFARONI, Eugênio Raul. Elementos para uma leitura de Tobias Barreto. ARAÚJO JÚNIOR, João Marcello de (Org.). Ciência e política criminal em honra de Heleno Fragoso. Rio de Janeiro: Forense, 1992. p. 183.

63 CARVALHO, Salo de. Op. cit., p. 148.64 CARVALHO, Salo de. Teoria agnóstica da pena: crítica criminológica aos fundamentos do potestas puniendi.

Antimanual de criminologia. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 141.65 CARVALHO, Salo de. Penas e medidas de segurança..., p. 148-149.

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claradas ou manifestas da pena criminal, expressas no discurso oficial de retribuição e de prevenção geral e especial (positivas e negativas), rejeitadas como falsas”66. Por outro lado, “é uma teoria agnóstica das funções reais ou latentes da pena criminal, porque renuncia à cognição dos objetivos ocultos da pena criminal, que seriam múltiplos e heterogêneos”67.

É nesse sentido que se poderia, com base na teoria agnóstica da pena, avaliar a eficiência do Direito Penal. Partindo da ideia de que “só a pena ne-cessária é justa”68, e considerando um modelo de Estado de Direito, a pena criminal deve ser aplicada com base no postulado da intervenção mínima do direito criminal.

Ora, já que não é possível abolir a pena, mesmo sabendo-se que as teorias que a legitimam não são verificáveis, resta-nos tão somente aplicá--las minimamente, de modo a proteger a sociedade de violências desneces-sárias aplicadas pelo poder punitivo. Dessa forma, “ao assumir a pena como realidade (fenômeno) da política, a minimização dos poderes arbitrários ex-surge como reação igualmente política”69.

É por essas razões que a teoria agnóstica é uma tentativa de justifica-ção, não da pena, mas sim da redução do poder de punir. A pena criminal deve ser excepcional, ao mesmo tempo em que a sociedade deve ter suas liberdades e direitos maximizados. Assim, “do ponto de vista político-cri-minal, a teoria negativa/agnóstica da pena tem por objetivo ampliar a segu-rança jurídica de todos os habitantes mediante a redução do poder punitivo do estado de polícia e correspondente ampliação do Estado de Direito”70.

CONCLUSÕES[...] inclino-me por aceitar, em princípio, a possibilidade de que um princí-pio de eficiência possa ser suficiente para legitimar a intervenção punitiva do Estado.71

Desde suas origens modernas, a partir da adoção do utilitarismo pela filosofia penal iluminista, o Direito Penal legitima-se por meio de benefícios sociais, que seriam a sua própria finalidade. Desse modo, observa-se em alguns autores clássicos a defesa de que a pena criminal deve ter alguma

66 SANTOS, Juarez Cirino dos. Op. cit., p. 3, grifos do autor.67 Idem, ibidem.68 LISZT, Franz v. Op. cit., p. 39.69 CARVALHO, Salo de. Teoria agnóstica da pena..., p. 141.70 SANTOS, Juarez Cirino dos. Op. cit., p. 16, grifos do autor.71 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. Eficiência e direito penal.., p. 67.

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utilidade como seu fundamento, como, por exemplo, Beccaria, Bentham, Feuerbach, entre outros.

Nesse sentido, as teorias relativas da pena, que defendem a finalidade de prevenção geral ou especial para o Direito Penal, acabaram prevalecen-do frente às absolutistas ou retribucionistas. Assim, mesmo os autores que defendem teorias ecléticas afirmam que a retribuição somente serve para limitar a sanção criminal, porque o seu fundamento seria de fato preven-cionista.

Também a teoria do bem jurídico serviu como finalidade do Direito Penal, em razão de que somente seria justificada a tutela penal no intuito de proteger bens jurídicos vitais à sociedade de serem lesados pela conduta criminosa.

Por isso, seria possível argumentar no sentido de que a eficiência do Direito Penal pode servir para a sua valoração, na medida em que este critério serve como instrumento para averiguar se as finalidades do Direito Penal estão sendo atingidas. Partimos do pressuposto, no entanto, de que a eficiência do Direito Penal não equivale ao eficientismo, que é a ideologia segundo a qual o Direito Penal seria mais eficaz caso ignorasse os direitos e as garantias estatuídos, a qual acaba por provocar um recrudescimento do poder punitivo. O eficientismo é totalmente ilegítimo no âmbito de um Estado de Direito.

Para se implementar um Direito Penal concernente a um Estado So-cial e Democrático de Direito, é necessário que a intervenção punitiva seja a menor possível. É por essa razão que o princípio da intervenção mínima, com seu caráter fragmentário e subsidiário, advoga que somente interesses essenciais podem ser protegidos pelo Direito Penal, e somente quando não for possível fazê-lo com mecanismos menos lesivos que a aplicação de san-ções penais.

Justifica-se, assim, a importância de mecanismos alternativos, de di-versificação da solução penalógica, como a justiça restaurativa, e sanções de natureza híbrida como aquelas relacionadas ao direito de intervenção e ao Direito Penal de segunda velocidade. Essa seria uma possível maneira de se buscar uma maior eficiência da tutela penal, reduzindo-a a um mínimo essencial.

Ademais, a criminologia já comprovou que as finalidades declaradas da pena não se concretizam. Desta forma, existem funções não declaradas, que são ocultas ou negadas pela política criminal oficial. Portanto, desape-gando-se de fundamentos metafísicos ou não comprováveis, a teoria agnós-

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tica da pena simplesmente nega todas as teorias da pena, identificando a natureza política da sanção criminal.

Por essa razão, defendemos que o Direito Penal é, sobretudo, um instrumento de proteção da sociedade, contra o arbítrio punitivo do Estado. Se, por um lado, em nosso atual estágio de desenvolvimento, não podemos abrir mão da violência punitiva, sendo inviável a implementação de uma abolição total do sistema criminal, por outro lado, o recomendável é que sua utilização seja excepcional.

A dogmática penal deve por isso adaptar-se para a concretização de suas finalidades políticas, considerando a sua eficiência a partir de uma interferência mínima na sociedade. Nesse sentido, há algumas décadas vêm se desenvolvendo várias correntes funcionalistas, muitas das quais ressig-nificam os institutos penais com vistas a atingir a finalidade de utilização excepcional da pena criminal. Essa é a lógica da teoria da imputação obje-tiva, do funcionalismo teleológico-racional, de Claus Roxin, ou mesmo dos estudos de vitimodogmática, só para citar alguns exemplos.

Ao fim, a eficiência do Direito Penal poderia sim ser avaliada, por meio de seus próprios instrumentos dogmáticos, a partir da adoção de uma visão minimalista que lhe servirá como meta. Dessa forma, quanto menor for a intervenção penal, e maior a utilização de mecanismos menos lesi-vos e mais eficazes para a resolução dos problemas sociais, maior será a eficiência do Direito Penal na concretização de sua finalidade precípua de contenção do poder punitivo.

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Parte Geral – Doutrina

Aspectos Jurídico-Penais da Eutanásia e da Ortotanásia no Ordenamento Jurídico Penal Brasileiro: o Consentimento Válido do Paciente na Resolução nº 1�805/2006 do Conselho Federal de Medicina

MARCELO MARCANTEAdvogado, Doutorando e Mestre em Ciências Criminais pela PUCRS, Professor dos Cursos de Especialização em Direito Penal e Processo Penal da UNISINOS, Professor Convidado do Instituto de Desenvolvimento Cultural – IDC, da Verbo Jurídico e da Escola Superior de Ad-vocacia – OAB/RS, Membro da Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativa da OAB/RS.

RESUMO: A nova perspectiva da relação médico-paciente possibilita uma maior relevância à autono-mia do paciente, contexto em que o seu consentimento assume especial importância. A Resolução nº 1.805/2006 do Conselho Federal de Medicina permite ao médico a limitação ou suspensão de procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, desde que res-peitados os requisitos estabelecidos e observado o consentimento da pessoa ou seu representante legal. Para delimitação dos espaços de atuação do direito penal neste aspecto, é imprescindível fazer uma diferenciação entre as definições de eutanásia e se verificar em quais situações o fato pode ser considerado penalmente típico ou não.

PALAVRAS-CHAVE: Direito penal médico; eutanásia; consentimento do paciente.

SUMÁRIO: Considerações iniciais; I – Direito penal médico na contemporaneidade: algumas conside-rações sobre a relação médico-paciente; II – O direito à morte digna como decorrência da dignidade da pessoa humana: a autonomia do paciente e dever de informação do médico como parâmetros interpretativos; III – Delimitação das formas de eutanásia e ortotanásia: a repercussão jurídico-penal e o tratamento dado pela Resolução nº 1.805/2006 do Conselho Federal de Medicina; Considerações finais; Referências.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A Resolução nº 1.805/2006, publicada pelo Conselho Federal de Me-dicina, possibilita a limitação ou suspensão de procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, respeitado seu consen-timento ou de seu representante legal, vale dizer, assegurando o direito à autonomia do paciente. Esta normativa possibilita a denominada ortotanásia ou “ajuda à morte passiva”, o que gerou uma série de discussões, tendo sido inclusive objeto da ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal, a qual, todavia, foi julgada improcedente.

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O presente artigo – após uma análise da (nova) configuração da rela-ção médico-paciente e da leitura constitucional do direito à vida (com qua-lidade) em consonância à dignidade da pessoa humana (e o direito à morte digna) – realiza a diferenciação das espécies de eutanásia (ativa, passiva, distanásia, ortotanásia), bem como quais os requisitos devem ser cumpridos para que o consentimento do paciente terminal ou de seu representante legal seja válido, de modo a delimitar os comportamentos médicos lícitos e ilícitos. Adota-se como referência normativa a referida resolução do Conse-lho Federal e a decisão judicial que a declarou válida e legítima no ordena-mento jurídico brasileiro.

I – DIREITO PENAL MÉDICO NA CONTEMPORANEIDADE: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE

O termo “sociedade do risco”, cunhado pelo sociólogo Ulrich Beck, resume bem o efetivo incremento de novos riscos sociais decorrentes do desenvolvimento tecnológico e da velocidade da informação na sociedade contemporânea. Segundo Beck, o desenvolvimento tecnológico demonstra uma nova dinâmica política que autoameaça a civilização1.

A partir de cinco premissas, o autor sustenta a existência de uma di-nâmica política que autoameaça a civilização: (1ª) os riscos gerados em um nível avançado de desenvolvimento das forças produtivas (radioatividade, substâncias nocivas e tóxicas presentes no ar, alimentos e água) tendem a permanecer invisíveis, causando danos sistemáticos e frequentemente ir-reversíveis às plantas, animais e seres humanos (no curto e longo prazo); (2º) efeito bumerang, os riscos da modernização afetam, mais cedo ou mais tarde, quem os produziu ou deles se beneficiou; (3º) a expansão dos riscos não rompe em absoluto com a lógica do desenvolvimento capitalista, mas a eleva a um novo nível. Os riscos da modernização são um big business, pois correspondem às necessidades insaciáveis que buscam os economis-tas; (4º) nas situações de risco, a consciência determina o ser, pois o saber adquire um novo significado político, ou seja, o conhecimento dos riscos gera um saber específico e a consciência diferenciada sobre seus efeitos; (5º) os riscos socialmente (re)conhecidos assumem um conteúdo político muito peculiar, que se coloca em disputa na opinião pública. A consequên-cia disto é uma disputa pública sobre a definição dos riscos (consequências para saúde, natureza) e seus efeitos secundários sociais, econômicos e po-

1 BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. Barcelona: Paidós, 1998. p. 28.

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líticos. Conclui Beck que a sociedade atual é uma sociedade da catástrofe, em outras palavras, o estado de exceção ameaça se tornar a normalidade2.

As consequências da “sociedade do risco” também podem ser per-cebidas na medicina e na relação médico-paciente. No século XIX, do li-beralismo e do trunfo da autonomia, a preponderância de uma visão bioló-gico-mecanicista e do conhecimento científico na medicina, bem como a tendência de isolamento introduzida pelo sistema hospitalar possui cunho paternalista ou, ao menos, implica em certa pulsão paternalista. Desta for-ma, a definição de um conceito de saúde determinado de modo científico, externo ao paciente, afasta de seu núcleo essencial a ideia de autonomia3.

Já no contexto da “sociedade do risco”, Meliá refere que, em certo modo, a cada vez mais ampla divergência entre as possibilidades de diag-nósticos e de tratamento – o que conduz mais enfermos crônicos sem cura possível – supõe a exata inversão do modelo hospitalar do século XIX. Mui-tas vezes, o paciente não é extraído temporalmente da sociedade para ser devolvido curado a ela, mas sim é retirado de circulação e ingressa em um sistema sanitário como forma de evitar a propagação de riscos4. Tal aspecto vem a desestabilizar as “certezas” científicas acerca dos diagnósticos e a fra-gilizar o paradigma baseado na mística cientificista, incrementando a tensão entre a noção objetiva de saúde – conforme pressupostos do século XIX – e a autonomia do paciente com suas múltiplas opções. Nesse contexto, o médico (ou a equipe médica) passa a ser o guardião da informação que dá acesso ao exercício deste direito do paciente5.

Para Costa Andrade, a compreensão do direito penal médico no an-tigo paradigma, em uma caracterização sumária, polariza-se em torno de duas constelações de bens jurídicos diferentes, com exigências, em princí-pio, antinômicas e conflitantes. De um lado, a vida e a integridade física; de outro, a liberdade de dispor do corpo e da própria vida ou “o livre direito de autodeterminação da pessoa sobre o seu corpo”6.

Esta compreensão doutrinária e normativa deve ser analisada no âm-bito de uma relação de comunicabilidade e confiança entre um médico e um paciente: (a) de um lado, estava um só médico, livremente escolhido

2 Idem, p. 29-31.3 MELIÁ, Manuel Cancio. Consentimiento en el tratamiento médico y autonomía. Algunas reflexiones desde la

perspectiva española. Revista Brasileira de Estudos Criminais, São Paulo: RT, n. 96, p. 59, 2012.4 Idem, p. 60-61.5 Idem, ibidem.6 COSTA ANDRADE, Manuel da. Direito penal médico em mudança, p. 90. Disponível em: <http://www.

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pelo paciente, que nele depositava a sua confiança e que se tornava em exclusivo confidente das suas angústias e sofrimento; (b) de outro, um só paciente; e (c) em terceiro lugar, um médico e um paciente ligados por uma relação contínua de diálogo e comunicação7.

No contexto contemporâneo, o direito penal médico continua a ter como referente esta construção social da realidade, porém o quadro tende a ser outro: (a) em primeiro lugar, é cada vez mais rara a experiência de um médico livremente escolhido, como depositário exclusivo da confiança e segredo dos pacientes, difundindo-se esta responsabilidade a uma equipe médica; (b) em segundo lugar, o ato médico é, em grande medida, empreen-dido à margem do diálogo e da comunicação. São comuns as situações em que, no contexto de uma cirurgia, e já com o paciente anestesiado, é urgente ser alargada a intervenção a domínios que não foram abrangidos pelo esclarecimento e pelo consentimento8; (c) em terceiro lugar, as novas realizações da ciência médica abriram a porta para intervenções cujas con-sequências, custos e vantagens se projetam para além dos limites do autor-referente sistema pessoal9.

Esta experiência da medicina renova, de forma natural, o direi-to penal médico, sendo necessária uma reflexão acerca da emergência e (re)conformação de bens jurídicos, bem como a invenção ou redescoberta de novas figuras de legitimação do ato médico. Nesse contexto, merece especial destaque o consentimento presumido em situações específicas do atuar médico10. Todavia, este consentimento presumido deve estar restrito a situações abarcadas pelo estado de necessidade terapêutico, vale dizer, situa ções em que é imprescindível a intervenção médica na esteira do prin-cípio da beneficência, devendo o profissional de saúde promover, primeira-mente, o bem do paciente e agir no seu interesse.

Para Meliá, o grau de desenvolvimento da possível responsabilidade jurídico-penal do médico em sua atividade em relação ao paciente é um espelho fiel da estrutura de toda relação entre ambos, com o triunfo da auto-nomia sobre a velha medicina de orientação paternalista. Verifica-se a pas-sagem de uma relação assimétrica marcada pelo princípio da beneficência, a uma relação de igualdade entre médico e paciente, na qual a autonomia (e autorresponsabilidade) do paciente converte-se em princípio dominante e

7 Idem, p. 90-91.8 No âmbito do Código Penal brasileiro, conforme art. 146, § 3º, inciso I, a intervenção médica ou cirúrgica,

sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, não configura o crime de constrangimento ilegal, quando justificada por iminente perigo de vida.

9 COSTA ANDRADE, Manuel da. Op. cit., p. 91-92.10 Idem, p. 93-94.

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requer do profissional sanitário uma modificação de posição, em particular, o cumprimento de amplos deveres de informação frente ao paciente, para que esteja em condições de decidir na verdadeira liberdade11.

No mesmo sentido, Costa Andrade ressalta que nomeadamente a vida, a integridade física e a autonomia do paciente continuam a cintilar como estrelas de primeira grandeza na constelação dos bens jurídico-cri-minais no direito penal médico. Porém, agora, trata-se de uma constelação densificada pela emergência de novos valores e bens jurídicos, os quais devem se realizar no contexto de novas e mais complexas relações de con-flitualidade12.

Todas essas questões que (re)estruturam a relação médico-paciente geram fortes repercussões no âmbito do direito penal médico e merecem ser academicamente discutidas. Em se tratando da temática da eutanásia, como será abordado no decorrer do texto, a questão do consentimento merece especial atenção, inclusive no tocante ao seu modo de formalização. Dessa forma, até com a finalidade de preservar a relação médico-paciente, os limi-tes devem ser claros em relação ao espectro de incidência do poder punitivo do Estado no caso concreto, tornando mais transparentes os procedimentos médicos tomados, com o cumprimento do dever de informação e o efetivo respeito ao direito à autonomia do paciente.

II – O DIREITO À MORTE DIGNA COMO DECORRÊNCIA DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: A AUTONOMIA DO PACIENTE E DEVER DE INFORMAÇÃO DO MÉDICO COMO PARÂMETROS INTERPRETATIVOS

A discussão sobre a (i)legalidade e (i)legitimidade da eutanásia per-passa duas vertentes que colocam em tensão direitos e garantias fundamen-tais, como a inviolabilidade do direito à vida e a própria dignidade da pes-soa humana, da qual decorre o direito à morte digna. Conforme Figueiredo Dias, existem duas vertentes que importa considerar. Em uma delas, ergue--se antes de tudo o princípio segundo o qual toda a pessoa, também a mais gravemente enferma e irremediavelmente condenada – suposta a sua capa-cidade de autodeterminação –, tem o indeclinável direito de dar à sua vida o destino que quiser, como e quando quiser. Refere tratar-se da mais pura e direta decorrência da dignidade da pessoa humana, cuja defesa irrestri-

11 MELIÁ, Manuel Cancio. Op. cit., p. 59.12 COSTA ANDRADE, Manuel da. Op. cit., p. 95.

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ta constitui o princípio axiológico mais fundamental da ordem jurídica de qualquer Estado democrático13.

Nesse contexto, titulares da dignidade da pessoa humana são todos os seres humanos, inclusive depois de seu falecimento, princípio que está suficientemente fundamentado nas possibilidades inatas do próprio ser hu-mano. A dignidade da pessoa humana – guindada a categoria de princípio fundamental da República pela Constituição Federal (art. 1º, III) – proíbe a submissão a tratamentos desumanos ou degradantes e realça a liberdade e a autonomia moral do homem. Tais qualidades inerentes ao homem – como a liberdade, a dignidade pessoal e a possibilidade de se desenvolver livremen-te – constituem um limite infranqueável ao Estado Democrático de Direito.

Em uma outra vertente da problemática, acentua-se que a vida huma-na constitui o mais alto bem jurídico que ao direito penal cabe proteger. As declarações jurídico-constitucionais a propósito (por exemplo, art. 24º-1 da Constituição da República portuguesa: “A vida humana é inviolável”; ou o art. 5º, caput, da Constituição Federal brasileira: “garantindo-se [...] a invio-labilidade do direito à vida”), conforme Figueiredo Dias, não significam que a vida humana constitua um bem jurídico absoluto, um direito fundamental que não possa, em situações excepcionais, ser limitado nos termos gerais. Por isso ninguém duvida que a tutela daquele bem jurídico pelo Estado pode cessar em determinadas circunstâncias particulares, sendo o respectivo ato lesivo considerado lícito, como sucede, nos casos de guerra justa, legítima defesa, conflito de deveres ou, eventualmente, estado de necessidade14.

A maioria dos pactos e convenções internacionais consagram o di-reito à vida. O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, em seu art. 6.1, assinala que “o direito à vida é inerente à pessoa humana. Esse direito estará protegido pela lei. Ninguém será privada da vida arbitraria-mente”. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos prescreve que “toda pessoa tem direito a ter sua vida respeitada”. “Ninguém poderá ser privado da vida arbitrariamente” (art. 4.1). Ainda, o Convênio Europeu para a proteção dos direitos do homem e das liberdades fundamentais, estabele-ce que “o direito de toda pessoa à vida está protegido por lei”. Tal convênio conta com instrumentos de controle, inclusive jurisdicional, da observância aos direitos que proclama. Entre eles se destacam a criação da Comissão Europeia de Direitos Humanos e do Tribunal Europeu de Direitos Humanos,

13 DIAS, Jorge Figueiredo. A “ajuda médica à morte”: uma consideração jurídico-penal. Revista Brasileira de Estudos Criminais, São Paulo: RT, n. 100, p. 23-24, 2013.

14 Idem, ibidem.

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órgãos supranacionais e politicamente independentes a cujas decisões de-vem submeter-se os Estados que firmaram o documento15.

No plano jurídico, a vida é considerada um direito básico cuja tutela é a própria razão de ser do direito, já que constitui condição essencial para a existência das demais. Este direito compreende o respectivo titular à própria vida, bem como o dever do Estado de protegê-la (dever geral de abstenção dirigida a todos, erga omnes, inclusive contra o próprio Estado) de atos con-trários ao direito que possam lhe causar dano16. A expressão “atos contrários ao direito”, como já frisado, sugere a possibilidade de realização, no plano material, de condutas que atinjam a vida sem que a ordem jurídica as con-sidere como violação à proteção que oferece.

O direito à vida, nessa perspectiva, não possui caráter absoluto, ca-racterística esta confirmada pela própria constituição, ao autorizar a pena de morte, em caráter excepcional (art. 5º, XLVII, alínea a, da Constituição Federal da República brasileira) e pelo Código Penal, que admite como cau-sas excludentes de ilicitude o agente que atua em estado de necessidade (art. 24), em legítima defesa (art. 25), estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito (art. 23, inciso III) ou a realização de deter-minadas formas de aborto (art. 128, incisos), bem como consoante recente decisão do Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54, com relação ao aborto do feto anencéfalo.

A vida humana, bem jurídico fundamental que possibilita o exercí-cio de todos os demais direitos, deve ser redimensionada de acordo com uma interpretação conforme a Constituição. Sendo assim, uma visão global autoriza a determinação da vida humana com mastro em critérios norma-tivos, conforme o princípio da dignidade da pessoa humana que pondera um mínimo de qualidade a esta mesma vida, a qual não pode estar restrita a critérios meramente biológicos.

Assim, a vida é um valor relativo e como tal só existe enquanto man-tiver um certo nível de qualidade. O princípio da qualidade não pode ser entendido no sentido de que existam vidas humanas de diferente valor ou qualidade, pois se considera que todas as vidas são iguais. Este princípio defende uma noção pessoal de vida humana, baseada precisamente na ca-pacidade de experiência e comunicação da pessoa, mas não tem uma visão acrítica da vida como mera realidade físico-biológica.

15 CARVALHO, Gisele Mendes de. Aspectos jurídico-penais da eutanásia. São Paulo: IBCCrim, 2001b. p. 97.16 MINAHIM, Maria Auxiliadora. Direito penal e biotecnologia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 70.

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Exemplificativamente, Dworkin traz alguns casos interessantes para se refletir acerca do tema, na obra Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais. Um deles é o caso de Patrícia Diane Trumbull, uma nova-iorquina de quarenta e cinco anos que estava com leucemia e recusou o tratamento quimioterápico e os transplantes de medula, mesmo depois de informada de que o tratamento lhe ofereceria uma entre quatro possibi-lidades de sobreviver. Patrícia assim decidiu porque conhecia a devastação resultante do tratamento e achava que a probabilidade de sobreviver não compensaria o sofrimento atroz que teria de suportar17.

Nessa perspectiva, é igualmente interessante a referência de Marty--Delmas ao caso Pretty, julgado pela Corte Europeia de Direitos Humanos, cuja decisão coloca em tensão a qualidade da vida conforme a dignidade da pessoa humana e o conceito biológico de vida. Nesta decisão, a CEDH rejeitou a demanda da senhora Pretty que, paralisada por uma doença neu-rovegetativa, desejava a ajuda de seu esposo para por fim aos seus dias e contestava a proibição que lhe foi apresentada pelo Reino Unido18.

A resposta da Corte é sutil. De um lado, o direito à vida foi “conce-bido para proteger o caráter sagrado da vida”, e a Corte recusa opor este direito ao da dignidade. Portanto, a constatação de uma tensão entre os dois polos conduziu a Corte a associar, pela primeira vez, o princípio da autono-mia da pessoa ao respeito da vida privada, por meio da noção de qualidade de vida: “Sem negar o princípio do caráter sagrado da vida, a Corte conside-ra que a noção de qualidade de vida se reveste de pleno sentido”. A seguir, refere à crescente sofisticação médica e um aumento da esperança de vida, para então constatar que “inúmeras pessoas se opõem à ideia de serem forçadas a permanecer vivas até uma idade muito avançada (ou em estado grave de debilidade física ou mental), contrariamente à percepção que tais pessoas têm de si próprias e de suas identidades pessoais”19.

Dito de outro modo, conforme a CEDH, as práticas biomédicas mo-dificaram a percepção de vida e morte provocando uma transformação de valores e exigências normativas que orientam nossas representações e nos-sas escolhas. E esta noção mais subjetiva de qualidade de vida, ou seja, de vida conforme a dignidade humana, distingue-se da sobrevivência no sentido biológico do termo. É por esta razão que a dignidade, em sua acep-

17 DWORKIN, Ronald. Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 251-252.

18 MARTY-DELMAS, Mireille. Humanidade, espécie humana e direito penal. Revista Brasileira de Estudos Criminais, São Paulo: RT, n. 100, p. 145-146, 2012.

19 Idem, ibidem.

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ção humanista, pode entrar em conflito com a sobrevivência, em sentido biológico20.

Nesse contexto de reconstrução constitucional do direito à vida com qualidade, na esteira da dignidade da pessoa humana, a ideia de autono-mia se manifesta como questão fundamental, sendo que seu exercício, deve respeitar uma série de requisitos para ser considerado juridicamente válido. Meliá refere que a medicina desde a perspectiva jurídica deve observar a (por ele denominada) ideia-força da autonomia. Abordando a realidade es-panhola, questiona: “Parece que la autonomía ha triunfado definitivamen-te sobre el paternalismo, que estamos en una estación de llegada, y que este cambio de orientación también se proyecta sobre la responsabilidad penal”21.

No contexto brasileiro, a Resolução nº 1.805/2006 do Conselho Fe-deral de Medicina possibilita a limitação ou suspensão de procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, respeitado seu consentimento ou de seu representante legal, vale dizer, assegurando o direito à autonomia do paciente. Esta normativa gerou uma série de discus-sões, tendo sido inclusive objeto da ação civil pública movida pelo Minis-tério Público Federal, mesmo assim propiciou maior segurança jurídica na relação médico-paciente ao normatizar determinados procedimentos.

III – DELIMITAÇÃO DAS FORMAS DE EUTANÁSIA E ORTOTANÁSIA: A REPERCUSSÃO JURÍDICO- -PENAL E O TRATAMENTO DADO PELA RESOLUÇÃO Nº 1.805/2006 DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA

As doutrinas e a maioria das jurisprudências, conforme Figueiredo Dias, elegem três formas de “ajuda à morte” (com a finalidade e com os pressupostos que ficaram definidos) que deverão ser diferenciadas no seu tratamento, na sua avaliação e, eventualmente, nas soluções a que con-duzem: (1) a ajuda à morte ativa direta, compreendendo aqueles casos em que, por meio de um comportamento ativo (exemplo, a administração de uma injeção letal), se produz a morte ou se apressa, em maior ou menor medida, a ocorrência da morte22; (2) a ajuda à morte ativa indireta, abran-

20 Idem, ibidem.21 MELIÁ, Manuel Cancio. Op. cit., p. 55.22 A punibilidade como homicídio da ajuda à morte ativa direta continua a corresponder à opinião largamente

dominante, tanto no campo da teologia, da ética, da medicina e do direito penal. Por outro lado, ressalva-se que na Alemanha e na Bélgica a circunstância de a punibilidade do auxílio ao suicídio não ter consagração legal conduz evidentemente a não punibilidade da própria ajuda à morte ativa direta sempre que esta deva representar-se como mero auxílio ao suicídio. (Cf. DIAS, Jorge Figueiredo. Op. cit., p. 36-37). Também no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro este comportamento deve ser punido, na forma do art. 121, § 1º, do

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gendo os casos em que não é de excluir, ou é mesmo razoavelmente seguro, que a medicação atenuante das dores ou indutora do estado de inconsciên-cia (exemplo, a administração de doses crescentes de morfina) possa ter como consequência não intencionada ou mesmo indesejada o apressar do momento da ocorrência da morte23; (3) e a chamada ajuda à morte passi-va, compreendendo os casos em que uma omissão ou uma interrupção do tratamento determina um encurtamento do tempo de vida por forma tal que este deve considerar-se objetivamente imputável àquela, a renúncia a uma intervenção cirúrgica ou a um tratamento intensivo que teriam a virtualida-de de prolongar a vida do paciente24.

Desta forma, assume especial relevância a forma como o médico deve registrar o consentimento do paciente, com a finalidade de que este documento retrate o cumprimento de todos os deveres de informação que possibilitaram o pleno exercício da autonomia da vontade. O médico, no exercício da profissão, deve tomar uma série de precauções necessárias ao resguardo da vida, da saúde, da integridade física, da dignidade e do direito à informação e à autodeterminação sobre o corpo, de maneira a fornecer um tratamento adequado em consonância com as regras e deveres atinentes ao diagnóstico, escolha da terapia e execução ou intervenção médico-cirúr-gica. Para tanto, deve manter sob observância a vontade do paciente, a qual para ser livre e consciente deve ser devidamente informada, possibilitando o exercício do direito à autodeterminação25.

Para Meliá, os deveres estabelecidos para o médico devem assegurar ao paciente o direito ao exercício da autonomia, devendo observar: (1) con-sentimento – o qual tem como requisitos básicos a capacidade de disposi-ção sobre o bem jurídico em questão e que o sujeito compreenda os exatos termos do respectivo consentimento; (2) dever de informação – que corres-

Código Penal, ou seja, homicídio privilegiado pelo relevante valor moral. Contudo, a instigação, induzimento ou auxílio ao suicídio é punível, nos termos do art. 122 do Código Penal, quando a ação suicida resulta em lesão corporal grave ou morte.

23 A ajuda à morte ativa indireta, nos círculos jurídicos e médicos, como não constituindo nem homicídio, nem homicídio a pedido, desde que corresponda à vontade, real ou presumida, do paciente. (p. 32). A questão dogmática que se discute é se tal situação conduza à atipicidade da conduta do médico ou configura uma causa de justificação. A tese da atipicidade vale-se do conteúdo social que se verifica na ação homicida e na ação do médico que busca aliviar o sofrimento insuportável do paciente, utilizando categorias como a adequação social ou o fim e âmbito de proteção da norma. A tese que sustenta a configuração de uma causa de justificação refere a existência de um conflito de interesses, o da conservação de uma vida que, apesar dos sofrimentos de que o enfermo padece, continua a constituir um bem jurídico digno de proteção; e o da minoração ou debelação de sofrimentos insuportáveis destinado a permitir uma morte em paz e dignidade. (Cf. DIAS, Jorge Figueiredo. Op. cit., p. 32-34)

24 Idem, p. 21-22. 25 MARTINS, Fernanda Gonçalves Galhego. O princípio da confiança como instrumento delimitador da autoria

nos crimes negligentes perpetrados pelos profissionais de saúde. Revista Brasileira de Estudos Criminais, São Paulo: RT, n. 97, p. 70-71, 2012.

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ponde precipuamente ao médico responsável ou à equipe médica responsá-vel, com o objetivo de ajudar o paciente a tomar sua decisão de acordo com seu próprio sistema de valores26; e (3) capacidade para consentir – a avalia-ção da capacidade do paciente adulto corresponde ao médico responsável, assim como a capacidade intelectual ou emocional do paciente menor de idade de compreender o alcance da intervenção27.

A informação necessária deve expor as alternativas diagnósticas, tera-pêuticas e prognósticas, salvo nos casos em que não haja indicação médica para a informação ou em situações de urgência, quando for impossível obter o consentimento real ou houver sério perigo na demora da sua obtenção. A Resolução nº 1.805/2006 do Conselho Federal de Medicina, ao expor os motivos de sua publicação, ressaltou o art. 1º, inciso III (que elegeu o princípio da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil), e o art. 5º, inciso III, da Constituição Fede-ral, que estabelece que “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante”, bem como que cabe ao médico zelar pelo bem--estar dos pacientes.

Dentro desse contexto de fundamentação constitucional, o art. 1º da Resolução nº 1.805/2006 do Conselho Federal de Medicina prevê que “é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e in-curável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal”. Ain-da, o § 1º preceitua que “o médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou a seu representante legal as modalidades terapêuticas adequadas para cada situação”. O art. 2º, por sua vez, estabelece que “o doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito da alta hospitalar”.

Portanto, utilizando-se da nomenclatura de Figueiredo Dias, a referi-da Resolução do Conselho Federal de Medicina trata do caso de “ajuda à morte passiva”. Tal decisão, como já frisado, depende do consentimento do paciente ou de seu representante legal, tendo o médico o dever de informar as modalidades terapêuticas para cada situação. A decisão de limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal deve ser fundamentada e registrada no respectivo prontuá-

26 Deve-se ressalvar do direito de informação o denominado estado de necessidade terapêutico, que consiste na limitação ao referido direito do paciente, quando por razões objetivas o conhecimento de sua própria situação possa prejudicar sua saúde de maneira grave. (Cf. MELIÁ, Manuel Cancio. Op. cit., p. 69)

27 Idem, p. 70.

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rio, sendo assegurado ao doente ou a seu representante legal o direito de solicitar uma segunda opinião médica, nos termos dos §§ 2º e 3º do art. 1º da regulamentação em questão.

Por outro lado, em se tratando da “ajuda à morte ativa indireta” (eu-tanásia de duplo efeito, indireta ou agatanásia), ao se analisar o referido diploma legal consta apenas que o doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, en-tretanto, não é feita qualquer ressalva à hipótese deste procedimento acarre-tar – não intencionada ou mesmo indesejadamente – a aceleração da morte do paciente. Tal lacuna, entretanto, deve ser preenchida com a interpreta-ção que conjuga o direito à vida e a dignidade humana, inserindo aspectos de qualidade a esta mesma vida. Logo, mesmo que o procedimento acarrete a aceleração da morte de paciente terminal, se o objetivo é assegurar o seu conforto físico, psíquico, social e espiritual, não pode ser considerado pe-nalmente relevante.

Após a publicação da Resolução nº 1.805/2006, o Ministério Público ajuizou ação civil pública na Justiça Federal do Distrito Federal (Processo nº 2007.34.00.014809-3) contra o Conselho Federal de Medicina pleitean-do o reconhecimento da nulidade da Resolução nº 1.805/2006 e, alternati-vamente, a sua alteração a fim de que se definam critérios a serem seguidos para a prática da (denominada pela sentença e pela contestação do Conse-lho Federal de Medicina) ortotanásia28.

O Ministério Público, em sua petição inicial, argumentou que: (1) o Conselho Federal de Medicina não tem poder regulamentar para estabele-cer como conduta ética um comportamento tipificado como crime; (2) o direito à vida é indisponível, de modo que só pode ser restringido por lei em sentido estrito; e (3) considerado o contexto socioeconômico brasileiro, a ortotanásia pode ser utilizada indevidamente por familiares de doentes e pelos médicos do sistema único de saúde e da iniciativa privada29.

Por outro lado, o Conselho Federal de Medicina contestou asseve-rando que: (1) a resolução questionada não trata de eutanásia, tampouco de distanásia, mas sim de ortotanásia; (2) a ortotanásia, situação em que a morte é evento certo, iminente e inevitável, está ligada a um movimento corrente na comunidade médica mundial denominado medicina paliati-va, que representa uma possibilidade de dar conforto ao paciente terminal,

28 Revista Bioethikos. Centro Universitário São Camilo, 2010. Disponível em: <http://www.saocamilo-sp.br/pdf/bioethikos/80/Bioethikos_476-486_.pdf>. Acesso em: 19 nov. 2013.

29 Idem.

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pois, diante do inevitável, terá uma morte menos dolorosa e mais digna; (3) a ortotanásia não é considerada crime; e (4) o direito à boa morte é de-corrência do princípio da dignidade humana, consubstanciando um direito fundamental de aplicação imediata30.

No transcorrer da fundamentação, a sentença proferida nos autos do Processo nº 2007.34.00.014809-3 fez a diferenciação conceitual entre eu-tanásia ativa, eutanásia passiva, distanásia e ortotanásia. A eutanásia ativa consiste no ato deliberado de provocar a morte sem sofrimento do paciente, por fins misericordiosos. É a forma de promover a morte antes do que se espera por compaixão ante o sofrimento insuportável e incurabilidade do paciente. Diferencia, ainda, a eutanásia ativa do suicídio assistido, sendo que, na primeira, o médico age ou omite-se, conduta da qual decorre a morte do paciente. No suicídio assistido, a morte não depende diretamente da ação de terceiro, ela é consequência de uma ação do próprio paciente, que pode ter sido orientado, auxiliado ou apenas observado por terceiro31.

A eutanásia passiva caracteriza-se pela interrupção dos cuidados mé-dicos ou farmacológicos ao doente a fim de que sua vida seja abreviada por si mesmo, sem que sejam tentados todos os meios para mantê-lo vivo, com o objetivo de minorar o sofrimento. Todavia, diferentemente da ortotanásia, a inevitabilidade da morte ainda não está estabelecida32.

A eutanásia de duplo efeito ou indireta (também denominada de aga-tanásia) ocorre quando são praticadas ações médicas executadas para ali-viar o sofrimento de um paciente terminal, mas acelerando a sua morte. A distanásia, por outro lado, deve ser entendida como a manutenção obstina-da da vida de um paciente exclusivamente por meio de meios artificiais e extraordinários, capazes de prolongar o mecanismo da morte e não da vida, tornando mais longo e sofrido o processo de morte. A preocupação maior é com a quantidade de vida, investindo-se todos os recursos possíveis para prolongá-la ao máximo33.

A ortotanásia, diferentemente da distanásia, toma como referência a qualidade de vida do paciente. Consiste na conduta omissiva do médi-co frente ao paciente com doença incurável, com prognóstico de morte iminente e inevitável ou em estado clínico irreversível. Logo, em vez de utilizar-se de meios extraordinários para prolongar o estado de morte já

30 Idem.31 Idem.32 Idem.33 Idem.

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instalado no paciente (que seria a distanásia), o médico deixa de intervir no desenvolvimento natural e inevitável da morte34.

Após fazer esta diferenciação conceitual, com parecer favorável do Ministério Público que mudou seu entendimento após a instrução do pro-cesso, a ação civil pública foi julgada improcedente, mantendo-se a vali-dade da Resolução nº 1.805/2006. Os argumentos lançados pela sentença foram os seguintes: (1) o Conselho Federal de Medicina tem competência para editar a Resolução nº 1.805/2006, que não versa sobre direito penal, e sim sobre ética médica e consequências disciplinares; (2) a ortotanásia não constitui crime de homicídio, interpretado o Código Penal à luz da Cons-tituição Federal; (3) a edição da Resolução nº 1.805/2006 não determinou modificação significativa no dia a dia dos médicos que lidam com pacientes terminais, não gerando, portanto, os efeitos danosos propugnados pela ini-cial; (4) a Resolução nº 1.805/2006 deve, ao contrário, incentivar os médi-cos a descrever exatamente os procedimentos que adotam e os que deixam de adotar, em relação a pacientes terminais, permitindo maior transparência e possibilitando maior controle da atividade médica; (5) os pedidos formu-lados pelo Ministério Público Federal não devem ser acolhidos, porque não se revelarão úteis as providências pretendidas, em face da argumentação desenvolvida35.

Portanto, o ordenamento jurídico brasileiro permite a denominada ortotanásia (conceituação utilizada pelo Conselho Federal de Medicina e pela sentença proferida nos Autos da Ação Civil Pública nº 2007.34.00. 014809-3) ou, na definição de Figueiredo Dias, ajuda à morte passiva, con-forme se verifica dos dispositivos contidos na Resolução nº 1.805/2006 do referido conselho. Ainda, com relação ao procedimento que acarreta a ace-leração da morte de paciente terminal (eutanásia de duplo efeito, indireta, agatanásia ou ajuda à morte ativa indireta), se o objetivo é assegurar o seu conforto físico, psíquico, social e espiritual, não pode ser considerado pe-nalmente relevante, em observância ao princípio da dignidade da pessoa humana que insere a qualidade no direito à vida.

O médico, nesse contexto, segundo seus conhecimentos e capacida-des pessoais e em observância à normativa que regulamenta o exercício da profissão, deve prestar o devido cuidado para assegurar o pleno exercício da autonomia do paciente ou seu representante legal, caso contrário, também poderá ser penalmente responsabilizado. O dever objetivo de cuidado deve

34 Idem.35 Idem.

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levar em consideração a situação concreta em que se encontrava o doente, viabilizando a validade do consentimento dado pelo paciente ou seu repre-sentante legal, bem como fazendo constar tal decisão – fundamentada – no respectivo prontuário médico e oportunizando-se a possibilidade de um se-gundo diagnóstico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Resolução nº 1.805/2006 do Conselho Federal de Medicina, ao prever que o médico pode limitar ou suspender procedimentos e tratamen-tos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal, permite a ortotanásia ou “ajuda à morte indireta” no ordenamento jurídico brasileiro, não podendo tal comportamento ser considerado penal-mente relevante ou mesmo ilícito de qualquer natureza. Ainda, também a “ajuda à morte ativa indireta” (eutanásia de duplo efeito, indireta ou aga-tanásia) também deve ser abrangida pela resolução, pois o procedimento busca assegurar o conforto físico, psíquico, social e espiritual do paciente, de acordo com o direito à vida com qualidade e a dignidade humana.

O médico, por outro lado, segundo seus conhecimentos e capacida-des pessoais e em observância à normativa que regulamenta o exercício da profissão, deve prestar o devido cuidado para assegurar o pleno exercício da autonomia do paciente ou seu representante legal. O dever jurídico de cuidado deve levar em consideração a situação concreta em que se en-contrava o doente, viabilizando a validade do consentimento dado pelo paciente ou seu representante legal, bem como fazendo constar tal decisão – fundamentada – no respectivo prontuário médico e oportunizando-se a possibilidade de um segundo diagnóstico. O não preenchimento desses re-quisitos pode implicar em caso responsabilidade penal pelo ato praticado.

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Parte Geral – Doutrina

Estrutura e Função da Prisão Cautelar no Direito Brasileiro

RÓBSON DE VARGASMestre em Ciências Criminais pela PUCRS, Professor de Direito Público no Centro Universitário Estácio de Sá (SC), Advogado.

RESUMO: O presente artigo busca sistematizar o estudo sobre a prisão cautelar no Direito brasileiro, destacando a sua estrutura e função no cenário do processo penal. Para tanto, apresenta-se um con-ceito e uma breve abordagem acerca do objeto da prisão cautelar, realçando o seu caráter instrumen-tal. Na sequência, o informe é sobre os princípios incidentes e as espécies de prisões processuais existentes. Ao final, como forma de tutelar os direitos fundamentais, cumpre uma reflexão sobre o impacto das medidas cautelares alternativas frente aos efeitos deletérios da segregação provisória.

PALAVRAS-CHAVE: Processo penal; prisão cautelar; instrumentalidade; estrutura; função.

ABSTRACT: This article aims to systematize the study of protective custody in Brazilian law, highli-ghting its structure and function in the setting of criminal proceedings. To this end, we present a con-cept and a brief over view about the object of the precautionary arrest, emphasizing its instrumental character. Further, the report is on the incidents principles and species of existing procedural prisons. At the end, in order to protect fundamental rights, it should reflect on the impact of alternative pro-tective measures against the damaging effects of temporary segregation.

KEYWORDS: Criminal procedure; precautionary prison; instrumentality; structure; function.

SUMÁRIO: Considerações iniciais; 1 Conceito e objeto da prisão cautelar; 2 Requisito e fundamento da prisão cautelar; 3 Dos princípios aplicáveis; 4 Das espécies de prisão cautelar; Considerações finais; Referências.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Um dos tormentos do processo penal brasileiro é sem dúvida a prisão cautelar. Mergulhada em um cenário de muitos dramas, parece não reagir frente aos problemas impostos pelo seu próprio desenvolvimento. Assim, permanece ávida em torno de justificativas que possibilitem demonstrar sua necessidade de manutenção, mesmo que isso represente se aproximar de um modelo jurídico autoritário em detrimento de um mais humano e de-mocrático.

A idealizada instrumentalidade divide espaço com altos índices de encarceramento preventivo, evidenciando que a sua utilização pelo Estado a torna um poderoso instrumento intimidatório e repressivo, sem esquecer--se do efeito sedante que o seu simbologismo opera na opinião pública que reclama por uma justiça cada vez mais instantânea.

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O indeterminismo da duração da prisão cautelar, neste particular, a preventiva, enfraquece a sua finalidade maior que é, sem tendência punitiva alguma, servir de meio e garantia do resultado do processo penal, o qual, por sua vez, é uma ferramenta limitadora do poder punitivo. Neste contexto, o surgimento das medidas cautelares alternativas ao cárcere, como repre-sentação de uma tentativa de otimizar o princípio da presunção de inocên-cia, busca reconhecer a liberdade processual como regra e a prisão cautelar como uma exceção, substituindo um modelo jurídico autoritário que tinha na prisão preventiva sua primeira trincheira. Esse é o seu objetivo maior e a mudança deve se dar sempre nessa direção.

1 CONCEITO E OBJETO DA PRISÃO CAUTELAR

A prisão cautelar está (ao menos formalmente) inserida em um pro-cesso penal constitucional que respeita as garantias fundamentais, e que, por sua vez, não se confunde com impunidade. Como realça Aury Lopes Jr., o processo penal não pode ser visto como um simples instrumento a serviço do poder punitivo. Pelo contrário, deve desempenhar um papel de limitador do poder e garantidor do indivíduo a ele submetido1.

Esse processo penal de matiz constitucional instrumentaliza o Direito Penal, visando conceder-lhe efetividade dentro das pautas éticas prioriza-das pelos direitos fundamentais. Assim, pode-se assinalar que cabe à Cons-tituição a tutela do processo, assegurando-se, a um só tempo, a garantia constitucional do processo e o processo como garantia constitucional dos direitos2. E neste contexto, para que o processo penal possa marcadamente ser um instrumento de proteção dos direitos e garantias individuais3, deve assegurar ao acusado a preservação e manutenção do seu estado de inocên-cia, estabelecendo limitações ao uso da prisão cautelar. Esses limites ao uso da prisão cautelar, quando observados, realçam a presunção de inocência.

Centrando-se em buscar um conceito para a prisão cautelar, é perti-nente observar, inicialmente, que, no sistema processual penal brasileiro, as medidas cautelares4 podem ser classificadas em pessoais (relacionadas com

1 LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, v. I, 2009. p. 9.

2 PRADO, Geraldo. Sistema acusatório – A conformidade constitucional das leis processuais penais. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 46.

3 TUCCI, Rogério Lauria. Teoria do direito processual penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 197.4 A doutrina diverge acerca da existência, no Direito brasileiro, de um processo penal cautelar, enquanto um

procedimento judicial anterior ao processo principal, de modo que alguns reconhecem que o mais correto é admitir a existência tão somente de medidas cautelares. Nesse sentido, ver: JARDIM, Afranio Silva. Direito processual penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 244-245; BADARÓ, Gustavo Henrique Righi

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o acusado); de natureza civil (relacionadas com a reparação do dano); e de natureza probatória5, Entre as cautelas processuais penais, a prisão é sem dúvida aquela que representa maior gravidade. Assim, na tentativa de cons-truir uma definição para a prisão cautelar, é bastante comum encontrarmos no processo penal a utilização das expressões “prisão-pena” e “prisão sem pena”, como forma de se conceituar a medida e, deste modo, a diferenciar da prisão enquanto um castigo (muito embora na prática essa diferenciação teórica seja quase inexistente).

Ao tratar dessa diferenciação, esclarece Fernando da Costa Tourinho Filho que a prisão-pena é o sofrimento imposto pelo Estado ao infrator em decorrência de uma sentença penal como retribuição ao mal praticado, a fim de reintegrar a ordem jurídica injuriada. Por mais que se queira negar, a pena é castigo e, ao lado da prisão-pena (decorrente de sentença penal condenatória irrecorrível), temos a prisão sem pena, que, como o próprio nome está a indicar, não deflui de condenação6.

Assim, o que deve ficar claro é que a prisão cautelar, muito mais que uma prisão sem condenação, representa, segundo ensinamento de Aury Lopes Jr., uma medida cautelar de natureza processual penal, que busca ga-rantir o normal desenvolvimento do processo e, por consequência, a eficaz aplicação do poder de punir7. Dito de outro modo, a prisão cautelar possui um caráter instrumental, servindo como uma garantia eficaz para que o processo alcance o seu final8.

Por conseguinte, fugindo a uma finalidade e tendência punitivas9, a prisão cautelar deve se constituir em um mecanismo processual que visa assegurar os meios e garantir o resultado do processo10. Como identificou Piero Calamandrei, a tutela cautelar serve, portanto, para garantir o eficaz funcionamento da justiça, além de se constituir em um meio predisposto para o melhor resultado do procedimento definitivo, que, por sua vez, é um

Ivahy. Ônus da prova no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 414; LIMA, Marcellus Polastri. A tutela cautelar no processo penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

5 Nesse sentido, FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 325.

6 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 515-518.

7 LOPES JR., Aury. Direito processual penal..., p. 48-49.8 WEDY, Miguel Tedesco. Teoria geral da prisão cautelar e estigmatização. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

p. 69.9 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Medidas cautelares e princípios constitucionais. In: FERNANDES, Og

(Coord.). Medidas cautelares no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 20.10 No mesmo sentido, KARAM, Maria Lúcia. Prisão e liberdade processuais. Revista Brasileira de Ciências

Criminais. São Paulo, n. 2, p. 84, 1993.

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meio para a aplicação do Direito11. De igual forma, as medidas cautelares destinam-se a garantir o resultado da tutela jurisdicional a ser obtida por meio do processo, bem como impedir que o desenrolar demorado do pro-cesso culmine na inócua prestação jurisdicional12.

É nesse contexto que Julio Banacloche Palao também analisa a finali-dade das medidas cautelares. Na sua concepção, estas medidas têm como finalidade básica a de evitar que o perigo que afeta a prática efetividade de uma resolução judicial, a qual não pode se dar de imediato, converta-se em algum dano real que acabe impedindo a dita resolução de produzir seus efeitos esperados. Sobre as medidas cautelares pessoais, parece evidente que a medida será oportuna quando visa assegurar a plena efetividade da resolução que dá fim ao processo13.

Deste modo, em torno desta concepção de prisão cautelar podemos identificar que o seu objeto é garantir o normal desenvolvimento do proces-so penal, sendo que o seu papel será importante no sentido de assegurar os instrumentos adequados e a própria utilidade do seu resultado14, conside-rando uma eventual demora na prestação jurisdicional15.

2 REQUISITO E FUNDAMENTO DA PRISÃO CAUTELAR

No campo das medidas cautelares penais, o paralelismo existente en-tre processo civil e processo penal é deveras conhecido, de forma que algu-mas categorias e conceitos do processo civil tradicionalmente vieram sendo aplicadas ao processo penal de forma automática e equivocada16, como é o caso envolvendo o requisito e fundamento da prisão cautelar. Por todos, explica Aury Lopes Jr. que o equívoco consiste em buscar a aplicação literal da doutrina do processo civil ao processo penal, em um ponto que não é possível tal analogia17.

11 CALAMANDREI, Piero. Introdução ao estudo sistemático dos procedimentos cautelares. Trad. Carla Roberta Andreasi Bassi. Campinas: Servanda, 2000. p. 42.

12 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Campinas: Bookseller, v. IV, 1998. p. 31.13 PALAO, Julio Banacloche. La libertad personal y sus limitaciones. Madrid: McGraw-Hill, 1996. p. 285-286.14 Salientando sobre o objeto da tutela cautelar, BARROS, Romeu Pires de Campos. Processo penal cautelar.

Rio de Janeiro: Forense, 1982. p. 11-12: “[...] é bom que se relembre que a medida cautelar penal não visa reagir ao ilícito, nem exigir o cumprimento de uma obrigação, ou reagir, a um comando inobservado; nem visa à segurança social. [...] surgem as medidas cautelares objetivando evitar que com o decorrer do tempo seja alterada a matéria do processo, tornando impossível a finalidade colimada”.

15 LIMA, Marcellus Polastri. Op. cit., p. 100. 16 VILAR, Silvia Barona. Prision provisional y medidas alternativas. Barcelona: Bosch, 1988. p. 52-53.17 LOPES JR., Aury. Direito processual penal..., p. 49: Constitui uma impropriedade jurídica (e semântica)

afirmar que, para a decretação da prisão cautelar é necessária à existência de fumus boni iuris. Como se pode afirmar que o delito é a “fumaça de bom direito”? Ora, o delito é a negação do direito, sua antítese! No processo penal, o requisito para a decretação de uma medida coercitiva não é a probabilidade de existência do direito de acusação alegado, mas sim de um fato aparentemente punível. Logo, o correto é a existência

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Por sua vez, o periculum in mora, que para o processo civil represen-ta um perigo de dano decorrente da demora na prestação jurisdicional, no processo penal assume outro caráter. Isso porque o fato determinante não é o tempo, mas a situação de perigo criada pela conduta do imputado, sendo adequado admitir, consequentemente, que o periculum libertatis constitui verdadeiro fundamento das medidas cautelares, correspondendo ao perigo que decorre do estado de liberdade do imputado18.

Embora o requisito do fumus comissi delicti e o fundamento periculum libertatis integrem o art. 312 do CPP, que trata da prisão preven-tiva, é essencial identificar que eles são inerentes a todas as modalidades de prisão cautelar, sujeitando, portanto, todas as medidas cautelares pessoais. Em relação ao primeiro, de natureza fática, exige-se, em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, a prova da ocorrência de uma infração penal e os indícios suficientes de que o sujeito passivo da cautela foi o seu autor19.

No concernente à existência do crime, é preciso a prova da sua ma-terialidade, produzida em regra com o exame de corpo de delito (art. 158 do CPP), sendo que, sem ela, não é decretada a prisão, já que não basta a mera suspeita. Já em relação à autoria, a lei dispensa a certeza absoluta, ao exigir apenas indícios suficientes. Portanto, basta a probabilidade (verossi-milhança) razoável da autoria delitiva, gerando a convicção de que o agente foi o autor da infração penal, fato a ser apurado no caso concreto20. Nota-se que, se existir alguma dúvida acerca da existência do crime ou se inexistir indícios suficientes de autoria21, qualquer modalidade de prisão cautelar será peremptoriamente ilegal, sendo certo que, sem uma motivação convin-cente, a medida constritiva de liberdade não pode perdurar.

No que se refere ao periculum libertatis, temos que se trata da si-tuação de perigo ao normal desenvolvimento do processo, decorrente do estado de liberdade do sujeito passivo, previsto no CPP como o risco para

do fumus comissi delicti, enquanto [...] a prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria. [...] Seguindo a mesma linha de Calamandrei, a doutrina considera equivocadamente o periculum in mora como outro requisito das cautelares. Em primeiro lugar, o periculum não é requisito das medidas cautelares, mas sim seu fundamento.

18 LOPES JR., Aury. Direito processual penal..., p. 50.19 CRUZ, Rogerio Schietti Machado. Prisão cautelar – dramas, princípios e alternativas. 2. ed. Rio de Janeiro:

Lumen Juris, 2011. p. 187-188.20 CUNHA, Rogério Sanches. Arts. 311, 312, 313, 314 e 315 do CPP alterados e incluídos pela Lei

nº 12.403/2011. In: GOMES, Luiz Flávio; MARQUES, Ivan Luís (Coord.). Prisão e medidas cautelares – comentários à Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 160.

21 PRADO, Geraldo. Excepcionalidade da prisão provisória – Comentários aos arts. 311-318 do CPP, na redação da Lei nº 12.403/2011. In: FERNANDES, Og (Coord.). Medidas cautelares no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 116.

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a ordem pública, ordem econômica, conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal22.

Inicialmente, a garantia da ordem pública é geralmente invocada para casos em que o acusado vem reiterando a ofensa à ordem constituída23, de modo que não é fácil justificar doutrinariamente esta prisão como cautelar, já que parte da doutrina entende que ela configura uma verdadeira medida de segurança e que, nela, há antecipação de pena. Embora seja difícil re-conhecer a sua natureza cautelar, a prisão para garantia da ordem pública encontra previsão em diversos ordenamentos jurídicos internacionais para impedir o acusado de continuar a praticar delitos, de modo que tem sido restringida aos crimes de maior gravidade24.

Se aceitável, a decretação da prisão como garantia da ordem pública teria que se dar em seu sentido estrito25, afigurando-se como um mal ne-cessário26. Porém, nesses termos, é indisfarçável que a prisão se distancia do seu caráter instrumental de tutela do bom andamento do processo e da eficácia do seu resultado, ínsito a toda medida cautelar, servindo de inacei-tável instrumento de justiça sumária27.

De igual forma, a indeterminação da expressão ordem econômica torna a prisão carente de cautelaridade, vinculando, deste modo, as críticas endereçadas anteriormente quando da análise da expressão ordem públi-ca, especialmente porque a magnitude da lesão não seria amenizada nem diminuídos os seus efeitos em decorrência da simples decretação de prisão preventiva contra o suposto autor da infração28.

Quanto ao risco referente à conveniência da instrução criminal, justi-fica-se a prisão quando o agente ameaça personagens atuantes no processo, alicia testemunhas falsas, faz desaparecer vestígios do crime, destrói docu-mentos ou dificulta ou desfigura os meios de prova29.

22 LOPES JR., Aury. Direito processual penal..., p. 98.23 Nesse sentido: [...] A reiteração delitiva do paciente desautoriza a aplicação de medida cautelar diversa da

segregação. Não configuração de excesso de prazo. Ordem Denegada. Rio Grande do Sul. Tribunal de Justiça, TJRS, Habeas Corpus nº 70056838089, 4ª Câmara Criminal, Rel. Rogerio Gesta Leal, J. 07.11.2013.

24 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal..., 2007. p. 329.25 Sobre o sentido estrito da prisão cautelar, ver SANGUINÉ, Odone. Prision provisional y derechos

fundamentales. Valência: Tirantlo Blanch, 2003. p. 174.26 LUCCA, Giuseppe de. Lineamenti della tutela cautelar e penale – la carcerazione preventiva. Padova: Cedam,

1953. p. 15-16.27 DELMANTO JUNIOR, Roberto. As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração. 2. ed. Rio de

Janeiro: Renovar, 2001. p. 183.28 Nesse sentido, OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2009. p. 451-452.29 CUNHA, Rogério Sanches. Arts. 311, 312, 313, 314 e 315 do CPP alterados e incluídos pela Lei

nº 12.403/2011. In: GOMES, Luiz Flávio; MARQUES, Ivan Luís (Coord.). Op. cit., p. 159.

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Em relação ao periculum libertatis decorrente de um risco à garantia da aplicação da lei penal, a prisão cautelar justificar-se-á quando existir dúvidas acerca da intenção do agente em não se submeter à futura pena pri-vativa de liberdade, se resultar condenado em definitivo. O perigo de fuga precisa ser demonstrado fática e objetivamente, não admitindo nenhum tipo de presunção.

Tecnicamente, a reiteração criminosa poderá ser um dos motivos fá-ticos, exigindo-se, porém, a análise conjunta de outros fatores, tais como a espécie de crimes praticados e o tempo das condenações anteriores. A gravidade do crime, por si só, não é motivo idôneo para a decretação da prisão, mas as circunstâncias da sua prática poderão servir de embasamento para enunciar a necessidade da prisão. Quanto ao risco de fuga, que não se relaciona necessariamente com o tipo de crime praticado e a sanção abs-tratamente prevista, outras circunstâncias devem ser analisadas, como, por exemplo, domicílio ou residência habitual do acusado, atividades profissio-nais, relação de familiares30.

Por fim, o que deve sobressair é que o periculum libertatis, por causa do mau uso da liberdade do imputado, sugere que o próprio processo penal ficará inviabilizado, seja como método de determinação da responsabilida-de do imputado, seja como método de sua punição. Deste modo, a prisão cautelar haverá de focalizar uma específica, determinada e precisa situação processual que importe em um risco ao processo como instrumento de ju-risdição, demonstrando-se, a seu turno, que o abuso do direito de liberdade está a atingir as funções processuais precípuas, já que o periculum libertatis não se presume.

Nesse sentido, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, por meio dos Informes nºs 35/2007 e 86/200931, itens 81 e 84, repudia funda-mentos para decretar a prisão preventiva que não guardem relação com noção de perigo processual, devendo, necessariamente, ser extraída uma conexão entre o mau uso do direito à liberdade, com atividades de cunho estritamente processual, que visem atingir o processo e os seus fins32.

30 GIACOMOLLI, Nereu José. Prisão, liberdade e as cautelares alternativas ao cárcere. Madrid: Marcial Pons, 2013. p. 86.

31 COMISSÃO Interamericana de Direitos Humanos. Caso Jorge, José y Dante vs. República Oriental del Uruguay. Informe nº 86/2009. Costa Rica: CIDH, 2009. Disponível em: <http://www.cidh.oas.org/annualrep/2009sp/Uruguay12553.sp.htm>. Acesso em: 5 fev. 2013.

32 PRADO, Geraldo. Excepcionalidade da prisão provisória – Comentários aos arts. 311-318 do CPP, na redação da Lei nº 12.403/2011. In: FERNANDES, Og (Coord.). Op. cit., p. 117-118.

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3 DOS PRINCÍPIOS APLICÁVEIS

Os princípios não podem servir apenas para fundamentar decisões, devendo constituir o fundamento do qual a norma infraconstitucional não pode ser desvinculada33. Por ter o Código de Processo Penal um perfil essen-cialmente inquisitorial34, torna-se salutar reconhecermos uma adequação das normas infraconstitucionais à Constituição Federal, e que pelos prin-cípios poderemos nos encaminhar para a coexistência de uma prisão sem sentença condenatória transitada em julgado com a garantia da presunção de inocência35. Neste contexto, são princípios orientadores e limitadores do seu uso: presunção de inocência, jurisdicionalidade e motivação da deci-são; contraditório; provisionalidade; provisoriedade; excepcionalidade e a proporcionalidade.

Presunção de inocência: formalmente prevista no art. 5º, inciso LVII, da CF, indica o princípio de que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”36. A presunção de ino-cência impõe um verdadeiro dever de tratamento na medida em que exige que o réu seja tratado como inocente, atuando em duas dimensões: interna ao processo e exterior a ele.

Na dimensão interna é um dever de tratamento imposto – primeira-mente – ao juiz, determinando que a carga da prova seja inteiramente do acusador, e que, havendo dúvida, o réu deve ser absolvido; ainda, implica severas restrições ao uso das prisões cautelares (como prender alguém que não foi definitivamente condenado?). Já na dimensão externa ao processo, a presunção de inocência exige uma proteção contra a publicidade abusiva e a estigmatização do réu, de modo que o processo não seja tratado como um bizarro espetáculo de julgamento midiático37.

O fato é que o princípio da presunção de inocência é um indicativo basilar e ideológico do processo penal, interferindo na limitação do direito de liberdade do cidadão de modo que, quando estruturando, aplicado e interpretado, há de seguir o signo da dignidade e dos direitos essenciais da

33 THUMS, Gilberto. Sistemas processuais penais – tempo, tecnologia, dromologia, garantismo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 79.

34 GIACOMOLLI, Nereu José. Reformas (?) do processo penal: considerações críticas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 5 e ss.

35 LOPES JR., Aury. O novo regime jurídico da prisão processual, liberdade provisória e medidas cautelares diversas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 19.

36 Explica Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco (Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 676) que esse princípio antecede a Carta de 1988, uma vez que, no Tribunal Superior Eleitoral e no próprio Supremo Tribunal Federal, indagou-se sobre o seu significado a partir do dispositivo expresso no art. 153, § 36, da Constituição de 1967/69.

37 LOPES JR., Aury. Direito processual penal..., p. 194-195.

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pessoa humana. O motivado acautelamento do processo, nos limites da Constituição e vinculado a uma instrumentalidade processual, é de fato uma consequência do princípio da presunção de inocência38.

Jurisdicionalidade: o princípio da jurisdicionalidade ou do controle jurisdicional, emanado do art. 5º, inciso LIV (que estabelece que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal), e do art. 5º, LXI (segundo o qual ninguém será preso senão em flagrante de-lito, ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária compe-tente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei, ambos da CF), orienta que somente poderá haver prisão se houver previsão legal expressa e a ordem partir de autoridade judiciária competente, devendo ser respeitado o devido processo legal39.

Motivação das decisões: a motivação está esculpida no art. 93, inciso IX, da CF, e no art. 315 do CPP, de modo que toda decisão judicial que decretar, substituir ou denegar a prisão cautelar deverá ser devidamente fundamentada. Diante disso, o juiz deve justificar a escolha da regra jurídi-ca aplicável, a opção por determinada interpretação da norma e a razão de ter admitido que dela derivassem certas consequências. Assim, diante das alternativas possíveis, deve adequadamente dizer por que fez determinada opção e não outra, sendo que maior será a necessidade de motivar a posi-ção assumida quando ela estiver em franca contradição com a orientação que prevalece na doutrina e na jurisprudência40.

Contraditório: o princípio do contraditório, consubstanciado na con-dução do detido, desde logo, ao juiz que decretou a prisão, embora desco-nhecido do sistema cautelar brasileiro, além de muito importante, é perfei-tamente compatível com algumas situações de tutela cautelar. De maneira tímida, vem estabelecido no art. 282, § 3º, do CPP, de modo que o juiz deveria conceder um prazo razoável para que a defesa se manifestasse so-bre o pedido e pudesse indicar as provas que entendesse ser necessárias, para depois decidir acerca da prisão. Todavia, o contraditório dependerá das circunstâncias do caso concreto, sendo delimitado pelo risco concreto de ineficácia da medida41.

Alguns países vêm modificando seus códigos de processo penal de modo a normatizar o contraditório antecipado em relação às medidas cau-

38 GIACOMOLLI, Nereu José. Prisão, liberdade e as cautelares..., p. 24-25.39 Idem, p. 14.40 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades

no processo penal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 209. 41 LOPES JR., Aury. O novo regime jurídico..., p. 22.

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telares pessoais. A pioneira foi a França, seguida pela Espanha e Itália. No caso brasileiro, tal providência, a partir da Lei nº 12.403/2011, não deve va-ler apenas para a decretação da prisão ou de medida cautelar diversa, mas também há de servir para pedidos de revogação da prisão ou na substituição por medidas a ela alternativas e, ainda, para modificação das medidas ante-riormente concedidas42.

Provisionalidade: o princípio da provisionalidade ou da situacionali-dade43 está consagrado na regra do art. 316 do CPP, segundo o qual o juiz poderá revogar a prisão preventiva se, na sequência do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem. Diante disso, decorre a possibilidade de a prisão cautelar poder ser revogada ou modificada a qualquer tempo, conforme as particularidades do caso concreto indicarem essa necessidade. Esta exigência de revogação ou modificação da prisão cautelar sempre que as situações que a determinaram se alterarem constitui, sem dúvida, outra regra indispensável do Estado Democrático de Direito, posto que a liber-dade é a regra e sua limitação, uma exceção, somente admissível quando absolutamente necessária em decorrência das particularidades do caso con-creto44.

Provisoriedade: o princípio da provisoriedade guarda relação com o tempo de duração da medida cautelar, de modo que toda prisão cautelar deve(ria) ser temporária, isto é, de breve ou curta duração, sob pena de se tornar uma verdadeira pena antecipada. Esse é um dos maiores problemas do sistema cautelar brasileiro: a indeterminação acerca da duração dessa medida, já que até hoje não foi normatizada essa questão, excetuando-se a prisão temporária, prevista na Lei nº 7.960/198945.

Além disso, a dúvida acerca da duração do processo e, por conse-quência, da prisão cautelar equivale à duração da neutralização do prin-cípio da presunção de inocência, que, como é evidente, deveria ser breve. Também acaba por prejudicar os fins substantivos do processo, impedindo que a paz pública se restabeleça com a sentença, seja ela absolutória ou condenatória, além de afetar também o direito fundamental de o acusado

42 CRUZ, Rogerio Schietti Machado. Op. cit., p. 123-124.43 GIACOMOLLI, Nereu José. Prisão, liberdade e as cautelares..., p. 34.44 DELMANTO, Fabio Machado de Almeida. Medidas substitutivas e alternativas à prisão cautelar. Rio de

Janeiro: Renovar, 2008. p. 42.45 LOPES JR., Aury. O novo regime jurídico..., p. 24.

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ser julgado sem dilações indevidas, o que gera uma verdadeira crise de le-gitimidade dos postulados de processo penal46.

Excepcionalidade: o princípio da excepcionalidade informa que a prisão preventiva deve ser tida como o último instrumento a ser utilizado em sede de medidas cautelares pessoais. Essa regra infere-se da leitura do art. 282, § 6º, do CPP, que aduz: a prisão preventiva será determinada quan-do não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319 do CPP).

Alberto Bovino destaca ser a excepcionalidade um princípio fun-damental que regula toda a instituição da detenção preventiva, evitando que a detenção sem sentença seja usada como um castigo ou em casos de infrações leves47. Esse caráter de excepcionalidade da prisão cautelar está estabelecido no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966, em seu art. 9º, § 3º48, bem como nas Regras Mínimas das Nações Unidas Sobre as Medidas Não Privativas de Liberdade (Regras de Tóquio), adotadas pela Assembleia-Geral das Nações Unidas, na sua Resolução nº 45/110, de 1990, em suas cláusulas 6, 6.1 e 6.2. Nessa linha de perspectiva, sendo o Brasil um país membro da ONU, é possível afirmar a existência de pa-râmetros mínimos a serem seguidos e implementados no processo penal brasileiro, de forma que haja um esforço em coibir o uso da prisão cautelar, especialmente a preventiva, como meio de antecipação de pena.

Proporcionalidade: a proporcionalidade é autônoma, posto que se legitima nos valores de justiça e, além de estabelecer um critério valorativo constitucional das restrições de direitos, orienta a atividade hermenêutica, sendo expressão da pretensão geral de liberdade frente ao Estado, pois atua como meio de proteção do status libertatis, estabelecendo limites à inter-venção estatal. Visando dar eficácia a direitos fundamentais, a proporcio-nalidade se apresenta como garantia especial de limite ao Poder Público, exigindo deste intervenções adequadas, necessárias e justas, não havendo dúvidas de que projeta, ainda, uma íntima conexão entre Direito Constitu-cional e Direito Processual Penal49.

46 PASTOR, Daniel R. Acerca del derecho fundamental al prazo razonable de duración del processo penal. Revista de Estudios de la Justicia, Santiago de Chile, n. 4, p. 51-52, 2004.

47 BOVINO, Alberto. El encarcelamiento preventivo em los tratados de derechos humanos. In: ABREGÚ, Martín; COURTIS, Christian (Coord.). La aplicación de los tratados internacionales sobre derechos humanos por los tribunales locales. Buenos Aires: Del Puerto/CELS, 1997. p. 429.

48 ORGANIZAÇÃO dos Estados Americanos. Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966. Washington: OEA, 1966. Disponível em: <http://www.oas.org>. Acesso em: 5 fev. 2013.

49 SOUZA NETTO, José Laurindo de. O princípio da proporcionalidade como fundamento constitucional das medidas substitutivas da prisão cautelar. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 801, p. 423-424, 2002.

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Esclarecendo os critérios em torno do mandamento de proporciona-lidade, Norberto Flach observa que o princípio implica o exame analítico de toda medida restritiva de direito fundamental, sendo parte a análise de determinados requisitos, os quais podem ser extrínsecos (justificação tele-ológica, judicialidade e motivação da decisão) e intrínsecos (idoneidade, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito). Com isso, a segrega-ção cautelar pode ser considerada proporcional quando, além de prevista em lei, se mostrar justificada quanto ao fim almejado, além de judicial e motivadamente decidida. Ademais, deve ser materialmente adequada ao fim pretendido, necessária (imprescindível) e, finalmente, se mostrar pro-porcional em sentido estrito50, isto é, a prisão cautelar não pode parecer uma intervenção demasiada na liberdade do indivíduo, diante do interesse salvaguardado51.

4 DAS ESPÉCIES DE PRISÃO CAUTELAR

O Código de Processo Penal brasileiro não sistematizou o processo cautelar, o que inviabiliza o reconhecimento da existência de ações cau-telares penais. Diante disso, como expressão da tutela acautelatória temos determinadas medidas cautelares para instrumentalizar o exercício da juris-dição, elencadas sem uma preocupação sistêmica, dispostas, por exemplo, no campo das provas, no capítulo sobre as medidas assecuratórias ou no capítulo que trata da prisão e liberdade.

E sobre este último ponto, no sistema atual, a prisão cautelar pode decorrer do flagrante (arts. 301 a 310), ou da preventiva (arts. 311 a 316). Também pode ser temporária, esta última, prevista em lei apartada (Lei nº 7.969/1989). Com a reforma processual de 2008 (Leis nºs 11.689 e 11.719), a prisão por ocasião da pronúncia (413, § 3º) e a prisão decorrente de sentença condenatória recorrível (art. 387,§ 1º) deixaram de constituir título autônomo de prisão cautelar52, muito embora possam vir a ser de-cretadas quando presentes o requisito e algum fundamento que autorize a prisão preventiva.

50 SERRANO, Nicolas Gonzalez-Cuellar. Proporcionalidad y derechos fundamentales en el proceso penal. Madrid: Colex, 1990. p. 29.

51 FLACH, Norberto. Prisão processual penal: discussão à luz dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da segurança jurídica. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 185.

52 Nesse sentido, AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. São Paulo: Método, 2009. p. 775: “Na atualidade, em face das alterações determinadas pelas Leis nºs 11.689/2008 e 11.719/2008, são apenas três as modalidades de prisão provisória contempladas na legislação: a) prisão em flagrante (arts. 301 a 310 do CPP); b) prisão preventiva (arts. 311 a 316 do CPP); c) prisão temporária (Lei nº 7.960/1989)”.

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Deste modo, a prisão por ocasião da pronúncia, à luz do art. 413, § 3º, do CPP, tem pertinência se estiverem presentes o fundamento fumus comissi delicti e o requisito periculum libertatis, que, nos termos do art. 312 do CPP, norteiam a aplicação das medidas cautelares. Havendo necessidade e preenchidos os requisitos da lei, e estando o acusado solto, o juiz poderá decidir pela imposição de medidas cautelares diversas ou pela decretação da prisão preventiva; caso o acusado esteja segregado, o juiz decidirá pela manutenção, revogação ou substituição da prisão preventiva ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada.

De igual forma ocorre com a prisão decorrente de sentença penal condenatória recorrível, já que, nos termos do art. 387, § 1º, do CPP, o juiz decidirá sobre a manutenção ou, se necessário, pela imposição da prisão preventiva ou de outra medida cautelar diversa, sem prejuízo do conheci-mento de apelação que vier a ser interposta pelo acusado no curso do pro-cesso. Como visto, seja no ato da pronúncia ou da sentença condenatória recorrível, a questão se resume na possibilidade de poder ou não ser decre-tada a prisão preventiva, desde que necessário para o processo, não sendo admitida como simples consequência do ato decisório53.

Entretanto, antes da reforma de 2008, a doutrina já reconhecia que a prisão por pronúncia e a prisão decorrente de sentença condenatória re-corrível não guardavam absolutamente nenhuma natureza cautelar, sendo consideradas verdadeiras execuções provisórias de pena54. A rigor, não é em decorrência do ato decisório que se reconhece a necessidade cautelar55. Feitos estes esclarecimentos, passamos a ver as principais características e a função para o processo penal das três modalidades de prisão cautelar: prisão em flagrante; prisão preventiva; e prisão temporária.

A prisão em flagrante encontra previsão constitucional (art. 5º, LXI, da CF) e vem disciplinada no CPP entre os arts. 301 e 310. O flagrante em sen-tido jurídico corresponde ao crime que está sendo cometido56, permitindo a prisão do seu autor, seja por particular57 ou por autoridade policial, sem a necessidade de uma ordem judicial. Na lição de E. Magalhães Noronha, o flagrante, além de uma prova plena do delito e da certeza de sua existência

53 Nesse sentido, GIACOMOLLI, Nereu José. Prisão, liberdade e as cautelares..., p. 90.54 JARDIM, Afranio Silva. Op. cit., p. 241-242. 55 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo..., p. 466.56 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 8. ed. São Paulo: Atlas, 1998. p. 370. 57 ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Código de processo penal brasileiro anotado. Campinas: Bookseller, v. III, 2000.

p. 387-388.

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e autoria, é uma qualidade do delito, na medida em que está ele em flagrân-cia, ou seja, sendo cometido naquele momento e, por isso, é irrecusável58.

A partir da Lei nº 12.403/2011, o sujeito pode ser preso em flagrante, mas não permanecer cumprindo prisão em flagrante, o que representa dizer que a prisão em flagrante é na verdade uma medida precautelar59, já que, nos termos do art. 310 do CPP, o juiz, ao receber o auto de prisão em fla-grante, deverá fundamentadamente, de imediato, decidir pelo relaxamento da prisão quando ilegal; converter a prisão em flagrante em preventiva; ou, ainda, conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. Deste modo, é de se reconhecer que a prisão em flagrante demarca a presença do fumus comissi delicti, e, quando presente o fundamento do periculum libertatis, poderá embasar a decretação da prisão preventiva. Com isso, o seu papel consiste em servir como instrumento de uma futura medida cautelar (instru-mento do instrumento).

No concernente a sua função no processo penal, é possível afirmar que a prisão em flagrante, além de cessar a prática delitiva ou fazer com que o delito não se consume, revela-se extremamente útil e proveitosa quanto à qualidade da prova e à idoneidade da prova colhida imediatamente após a prática do delito, já que a visibilidade dos fatos é muito maior60.

Por outro lado, pode ser palco para potenciais violências do Estado, especialmente porque nenhuma irregularidade na consecução da constri-ção, por mais grave que seja, conseguirá alterar o conteúdo do autoflagran-cial, que pode ser plenamente empregado para a formação do convenci-mento do órgão acusador. E essa ausência de consequências se traduz em um incentivo à marginalidade do Estado61.

A prisão preventiva é a mais genuína das prisões cautelares, o que lhe conferiu poder ser chamada de prisão cautelar por excelência. Por outro lado, também é comum ser reconhecida como um mal necessário62. Sua

58 MAGALHÃES NORONHA, E. Curso de direito processual penal. São Paulo: Saraiva, 1973. p. 153.59 Segundo Romeu Pires de Campos Barros (op. cit., p. 124), “[...] a prisão em flagrante representa pela sua

instrumentalidade pré-cautela em relação à prisão preventiva, podendo-se afirmar que, desde o momento em que a prisão captura se converte em prisão-custódia, a tutela cautelar mediata se transforma num meio de tutela cautelar provido de uma verdadeira e própria cognição, no qual foram reconhecidos os seus pressupostos básicos [...]”.

60 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo..., p. 447.61 CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de processo penal – comentários consolidados e crítica jurisprudencial.

3. ed. Rio de Janeiro, 2009. p. 506.62 MAGALHÃES NORONHA, E. Op. cit., p. 163: “Realmente, a custódia preventiva apresenta aspectos

negativos. Por muitos é até chamada mal necessário. No regime das liberdades individuais, seria de rejeitar-se a privação da liberdade de quem ainda não foi julgado. Todavia, ainda que medida excepcional, não pode ser menosprezada”.

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cautelaridade se manifesta na tutela da persecução penal63, visando impedir que eventuais condutas praticadas pelo acusado e/ou por terceiros possam colocar em risco a efetividade do processo, somente se justificando quando se mostrar a única maneira de satisfazer tal necessidade64. Como asseverou Eduardo Espínola Filho, sua conservação no processo penal se deve a seu prestígio nunca desmerecido, já que é uma medida de força, em sacrifício da liberdade individual, reclamada pelo interesse social de apurar de ma-neira completa as mais diversas violações da lei penal, sujeitando à corre-ção os seus autores65.

No magistério de Hélio Tornaghi, ele se funda no direito que o Estado tem de exigir dos indivíduos certos sacrifícios para o bem comum. Diante disso, esse direito pode recair sobre o patrimônio, por meio da obrigatorie-dade de pagar impostos, podendo consistir prestação de serviços (jurados, testemunhas, por exemplo) ou até ser a representação do próprio holocaus-to da vida, como no caso do militar que morre na defesa de seu país. Como visto, para o bem comum, cada um entra com uma parcela de si mesmo66.

Citando Bento de Faria, Tourinho Filho destaca que a prisão preven-tiva é uma injustiça necessária do Estado contra o indivíduo e, em razão disso, deve ser reservada para casos excepcionais. Deste modo, somente poderá ser decretada dentro daquele mínimo indispensável, evitando-se ao máximo o comprometimento do direito de liberdade que o próprio ordena-mento jurídico tutela e ampara67.

Como é possível depreender da análise anterior sobre o requisito e o fundamento da prisão cautelar, a prisão preventiva, para ser decretada, de acordo como art. 312 do CPP, precisa da verificação do fumus comissi delicti e do periculum libertatis. Todavia, é imprescindível a atenção e o respeito aos princípios constitucionais e demais princípios orientadores e limitadores das prisões cautelares, os quais possuem o condão de preservar e reafirmar a natureza cautelar que a prisão preventiva deve ter.

A admissão da prisão preventiva está endereçada para as situações descritas no art. 313 do CPP, sendo que, de acordo com o art. 282, § 6º, do CPP, somente será aplicada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar diversa (art. 319 do CPP). Disso decorre que a necessidade de cautelaridade, depois de constatada a presença do fumus

63 LOPES JR., Aury. O novo regime jurídico..., p. 69.64 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo..., p. 449.65 ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Op. cit., p. 435.66 TORNAGHI, Hélio. Curso de processo penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, v. 2, 1995. p. 6.67 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Op. cit., p. 542.

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commissi delicti e do periculum libertatis, poderá ser satisfeita com a apli-cação de alguma das medidas alternativas à prisão preventiva, as quais tam-bém seguem os critérios da necessidade e adequação, inerentes a todas as medidas cautelares (art. 282, I e II, do CPP). Nota-se que estamos frente a uma verdadeira mudança de paradigma, que deve traduzir uma mudança de mentalidade68, embora isso pareça um tanto improvável e distante69.

Por último temos a prisão temporária (Lei nº 7.960/1989), que tem a função de tutelar os interesses da investigação desde que existam indícios de que a pessoa investigada obstruirá o curso da investigação. Para parte da doutrina, a prisão temporária representa um avanço no combate à crimina-lidade, especialmente a organizada, na medida em que assegura a possibili-dade de se custodiar os suspeitos durante o período de investigação70.

Na observação de Roberto Delmanto Junior, essa modalidade de pri-são veio para regulamentar uma odiosa e comum prática policial, conhe-cida como “prisão para averiguação”71. Seja como for, essa prisão, de base ideológica autoritária (prisão por suspeita), só pode ser decretada em face de investigação criminal, a pedido da autoridade policial ou de requerimento do Ministério Público e, sob o viés cautelar, desde que preenchidos os crité-rios da necessidade e adequação para as investigações criminais.

Juridicamente se discute acerca de serem alternativas ou cumulativas as circunstâncias autorizadoras da prisão temporária, previstas nos três inci-sos do art. 1º: I – quando imprescindível para as investigações do inquérito policial; II – quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade; III – quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legisla-ção penal, de autoria ou participação do indiciado em crimes considerados graves.

As diferentes posições são apresentadas por Norberto Avena: a) pode ser decretada desde que se faça presente uma das três hipóteses mencio-nadas no art. 1º da Lei nº 7.960/1989, indistintamente; b) seu cabimento só é possível quando as três situações mencionadas estiverem presentes de maneira cumulativa; c) há a necessidade de coexistirem os requisitos da pre-ventiva para que seja ela decretada; d) a prisão temporária é cabível apenas

68 COUTINHO, Jacinto Nelson de. Novo código de processo penal, nova mentalidade. Revista de Estudos Criminais, São Paulo, n. 33, p. 9, 2009: “[...] pode-se ter um novo CPP, constitucionalmente fundado e democraticamente construído, mas ele será somente linguagem se a mentalidade não mudar”.

69 Nesse sentido, GIACOMOLLI, Nereu José. Prisão, liberdade e as cautelares..., p. 71.70 DEMERCIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal. 5. ed. Rio de Janeiro: Gen,

2009. p. 200.71 DELMANTO JUNIOR, Roberto. Op. cit., p. 150.

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quando se tratar de um dos crimes referidos no art. 1º, inciso III, e desde que concorra pelo menos uma das hipóteses citadas nos incisos I e II, não se exigindo, outrossim, a coexistência dos requisitos da preventiva. Sustenta-se essa posição na circunstância de que a prisão temporária é espécie de prisão cautelar e, como tal, exige para a sua configuração e existência dos requi-sitos de toda custódia cautelar (fumus boni iuris e o periculum in mora). Trata-se este do entendimento majoritário na doutrina e jurisprudência72.

É importante registrar que de todas as modalidades de prisão cautelar a temporária é a única que possui um prazo determinado de duração. Em geral, este prazo é de 5 dias, podendo ser de 30 dias quando se tratar dos crimes hediondos (Lei nº 8.072/1990). Em ambas as situações, poderá haver prorrogação do prazo, por igual período, se houver extrema e comprovada necessidade (atentado contra o periculum libertatis).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo até aqui apresentado, em torno da estruturação normativa e principiológica das prisões cautelares, buscou enfatizar a necessidade de preservar o caráter instrumental em torno das diferentes modalidades de medidas cautelares pessoais, de forma a se perceber que o (ab)uso ou des-virtuamento da sua função enfraquece qualquer tentativa de se edificar o processo penal como um limitador do poder e garantidor do indivíduo que a ele resta submetido73.

O processo penal precisa ser um campo de reconhecimento de di-reitos e garantias individuais, pois este é o espírito da Constituição Federal, que reafirma o compromisso de romper com as fórmulas deterioradas do pe-ríodo autoritário vivenciado no Brasil74. Por consequência, o processo penal deve observar certos cuidados que dizem com a dignidade do ser humano, ou seja, cuidados na direção dos direitos fundamentais. Isso, segundo ob-serva Adauto Suannes, se traduz no seu fundamento ético75 e traz benefícios para a cidadania, e não apenas para os processados.

Todavia, o caminho para esse reconhecimento é sinuoso (o processo não é apenas um instrumento técnico)76, ainda mais se estivermos tratan-

72 AVENA, Norberto. Op. cit., p. 815.73 LOPES JR., Aury. Direito processual penal..., p. 9.74 CARVALHO, L. G. Grandinetti Castanho de. Processo penal e constituição – princípios constitucionais do

processo penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 158. 75 SUANNES, Adauto. Os fundamentos éticos do devido processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1999. p. 133.76 Nesse sentido, FERNANDES, Antonio Scarance. Op. cit., p. 26.

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do da prisão cautelar, que, embora ganhe com alguns avanços no campo normativo nos últimos anos (por exemplo, Lei nº 12.403/2011), ainda é marcada como sendo um mal necessário, ou, o que é pior, um mal que não se quer efetivamente abrir mão ou combater, mas sim se utilizar dele, como meio de administração da justiça criminal.

Assim, o reconhecimento dos múltiplos efeitos deletérios ou nocivos em torno da prisão cautelar, como demonstração de violação dos direitos fundamentais, serve de substrato na busca pela rápida transição entre esses dois modelos, em que se deixa para trás o espetáculo deprimente da prisão preventiva e se busca, com mecanismos alternativos, estabelecer o seu ver-dadeiro sentido77.

Por certo, a presença e aplicação desses novos mecanismos, consubs-tanciados nas medidas dos arts. 319 e 320 do CPP, dependem da superação de uma interpretação reducionista das normas do Código de Processo Pe-nal, o que importa na consideração inafastável dos princípios e regras cons-titucionais, por meio de um verdadeiro processo hermenêutico de filtragem constitucional78.

Segundo Alexandre Moraes da Rosa, para quem a prisão cautelar se apresenta como uma verdadeira “tática de guerra” contra o indiciado/acu-sado, a presunção de inocência precisa ser levada a sério, sendo que as “prisões obrigatórias”, nos termos da lei ordinária, violam expressamente essa garantia, não devendo ser confundidas a figura do acusado com a do condenado. Preconiza, por conseguinte, que a pertinência de cada prisão deve ser demonstrada argumentativamente na hipótese singular, sendo a restrição genérica da liberdade provisória uma representação da face inqui-sitória do processo, da qual se deve passar longe79.

Deste modo, considerando toda a linha argumentativa e demais pre-missas que traçamos até aqui, acreditamos que o novo modelo de medidas cautelares, com o acréscimo de medidas alternativas à prisão preventiva, somente quando encontrar certo grau de efetividade, poderá ser capaz de ajudar no combate da lógica inquisitorial que permeia as regras processuais e a práxis forense80, impedindo que a prisão cautelar se transforme, verda-deiramente, em um instrumento de garantia da eficácia da persecução pe-

77 Nesse sentido, LOPES JUNIOR, Aury; BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao processo penal no prazo razoável. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 55.

78 STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica – uma nova crítica do direito. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 18.

79 MORAIS DA ROSA, Alexandre. Guia compacto do processo penal conforme a teoria dos jogos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. p. 130-137.

80 GIACOMOLLI, Nereu José. Op. cit., p. 13.

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80 ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDP Nº 87 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA

nal, diante de situações reais de risco ou de perigo, devidamente previstas em lei.

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Parte Geral – Doutrina

A Duração Razoável do Processo nos Crimes Hediondos

YURI FELIXMestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Pós-Graduado em Direito Penal Econômico pela Uni-versidade de Coimbra/IBCCrim, Pós-Graduado em Ciências Penais, Presidente da Comissão de Direito Penal e Direito Processual Penal da 40ª Subseção da OAB/SP, Ex-Coordenador do Pronasci/MJ, Professor e palestrante com artigos publicados em revistas especializadas, Ad-vogado criminal em São Paulo.

RESUMO: O presente escrito procura exercitar breves reflexões no que consiste à duração razoá-vel do processo envolvendo acusados por crimes hediondos e equiparados. Com isso, parte-se do entendimento de que na contemporaneidade nada está imune à velocidade, à aceleração. O tempo – principalmente a sua ausência – é a marca caracterizadora da atualidade. Neste sentido, o Direito não ficaria imune às transformações sociais da última quadra. Assim, busca-se promover o debate de um imperioso resgate dos princípios constitucionais hoje no processo penal, que precisa ser democrático.

PALAVRAS-CHAVE: Crimes hediondos; processo penal; duração razoável do processo; tempo; velo-cidade; sociedade contemporânea.

ABSTRACT: This work seeks written brief reflections on what constitutes a reasonable length of pro-ceedings involving accused of heinous crimes and similar. With this, we start from the understanding that in contemporary times is nothing immune to speed, acceleration. The time – mainly its absence – is the characterizing mark today. In this sense, the law would not be immune to social change of the last block. Thus, we seek to promote discussion of an overriding redemption of constitutional principles today in the criminal process that needs to be democratic.

KEYWORDS: Heinous crime, criminal procedure; time; average process time; speed; contemporary society.

SUMÁRIO: 1 É sobre o tempo...; 2 Os crimes hediondos na Constituição Federal de 1988; 3 A du-ração razoável do processo nos crimes hediondos; 4 Breves considerações finais: lutando contra o tempo...; Referências.

1 É SOBRE O TEMPO...

No vertiginoso desenvolvimento tecnológico, da bomba atômica aos microprocessadores, os indivíduos depararam-se com uma inusitada confi-guração de contemporaneidade, em que

o homem redescobre hoje que o futuro não é previsível, nem está escrito, mas é profundamente incerto. A incerteza não se refere apenas ao que se passa depois da morte, mas sobre o período da própria vida. Atinge tanto os indivíduos como as cidades e as organizações. Para termos consciência dela

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basta recordar o aparecimento do vírus da sida, o colapso do império sovié-tico, as catástrofes nucleares de Three Miles Island e de Chernobyl, o tremor de terra de Kobe ou as numerosas desaparições de empresas importantes.1

A modernidade deixou os homens sem pontos de referência e os lan-çou à deriva em um mar infinito de “Devir”2. Na precisa compreensão do filósofo espanhol Ortega y Gasset, viver no mundo tornou-se “escandalosa-mente temporário”3. O espaço fora devorado pelo tempo, o território desa-pareceu e, com ele, o espaço para o debate, para a ponderação4. A veloci-dade é o imperativo da destruição unilateral, é o não espaço, a intromissão instantânea sem tempo-espaço para a resposta5.

O que se pode espantosamente constatar é que tudo que se encontra sob o Sol está em constante movimento, superando a ideia de universo rígi-do, de fixidez e, sobretudo, de tempo linear. O tempo/velocidade consome o espaço, o diálogo, as relações e os sentimentos, e também o processo e suas garantias. O tempo – e principalmente a sua falta – está no trono das necessidades e das angustias da sociedade complexa. Hoje, busca-se deses-peradamente alargar esse fragmento de tempo – presente – tímido e aper-tado por um passado que já não mais existe e um futuro que ainda está por vir; “o presente é o nada, pois entre dois nadas: o tempo seria a nadificação perpétua de tudo”6.

E neste cenário encontra-se o processo penal, que deve coadunar dois valores que, a priori, são ontologicamente antagônicos, quais sejam a acele-ração do mundo do Devir e a preservação e garantia dos direitos fundamen-tais do acusado sujeito de direitos do processo. Além disso, uma particular questão que relaciona tempo/velocidade/processo é o prazo razoável no que tange aos acusados por crimes hediondos ou equiparados, ponto este extremamente tormentoso, ainda mais no cotidiano da prática forense, que denuncia a superlotação carcerária, o descaso, a tristeza e a ineficiência de um sistema prisional pernicioso, cruel, irracional e falido.

1 MORIN, Edgard. A sociedade em busca de valores. Org. MORIN, Edgard; PRIGOGINE, Ilya. Lisboa: Instituto Piaget, 2000. p. 11.

2 BAUMER, Franklin L. O pensamento europeu moderno. Rio de Janeiro: Edições 70, v. II, 1977. p. 167.3 Idem, p. 168.4 VIRILIO, Paul; LOTRINGER, Sylvere. Guerra pura: militarização do cotidiano. Trad. por Elza Miné e Laymert

Garcia. São Paulo: Brasiliense, 1984. p. 52-53.5 Idem, p. 52.6 COMTE-SPONVILLE, André. O ser-tempo. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 18.

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2 OS CRIMES HEDIONDOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Em um breve estudo, é possível asseverar que os escritos pátrios nun-ca aprofundaram de forma vigorosa o entendimento da obrigatoriedade de criminalização trazida na Constituição Federal de 1988. Isso denota uma certa desatenção no exercício de conjugar o Direito Penal e a dogmática constitucional, sobretudo no momento de leitura da norma penal incrimi-nadora no sentido dos direitos e garantias fundamentais.

O legislador constituinte, na feitura da Carta Republicana, apontou determinados bens jurídicos comunicando ao legislador infra sua obriga-toriedade de proteção penal com o devido tratamento diferenciado. Por evidente, com essa medida, avançou no âmbito de atuação do legislador penal, o que retira do último qualquer possibilidade de valoração ou juízo a respeito da dignidade do bem jurídico a ser protegido por intermédio da tutela penal.

Esses mandados de criminalização, além de indicar bens jurídicos, trazem em si algumas limitações de ordem penal e processual, que se tor-nam verdadeira barreira à atuação do legislador ordinário, pois,

onde o legislador constitucional aponte expressamente a necessidade de intervenção penal para tutela de bens jurídicos determinados, tem o legis-lador ordinário de seguir esta injunção e criminalizar os comportamentos respectivos, sob pena de inconstitucionalidade por omissão (embora, ainda aqui, fique uma larga e incontornável margem de liberdade à legislação or-dinária no que toca ao exato âmbito e à concreta forma de criminalização, bem como, em princípio, às sanções com que os comportamentos devem ser ameaçados e à sua medida.7

E neste caminho, o que interessa em particular é o art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, com a seguinte redação:

A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terroris-mo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os man-dantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem. (grifo nosso)

Com a redação anterior criou-se um microssistema, de índole consti-tucional, fechado e autônomo do macrossistema penal geral e aberto, oriun-do este da produção legislativa ordinária. Não contente, o texto maior equi-parou figuras desconhecidas – com a pecha de hediondas – a figuras como o tráfico ilícito de entorpecentes, a tortura e o terrorismo, e, ainda, importou

7 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal – Parte geral. Coimbra: Coimbra, t. 1, 2004. p. 122-123.

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regras penais e processuais penais dos diplomas já existentes, impondo gra-vames e regras proibitivas tais como o não cabimento de causas excludentes de punibilidade como a anistia e a graça e muito menos a fiança.

E, com isso, o legislador de outubro emprestou a mais alta gravidade aos delitos tidos como hediondos e equiparados, colocando-os no topo de todo o sistema penal. Desta forma, é permitido ao legislador ordinário esta-belecer gradações de gravidade com as respectivas punições, porém todos os delitos que estejam contemplados no rol constitucional integram um par-ticular microssistema, com o entendimento de igual gravidade em abstrato8.

Ocorre que tanto o legislador, seja ele originário ou derivado, como o aplicador legal devem observar todo o arcabouço trazido no bojo da nova ordem constitucional e dos tratados internacionais de Direitos Humanos, pois se deve atribuir aos direitos individuais eficácia superior à das nor-mas meramente programáticas, então, devem-se identificar precisamente os contornos e limites de cada direito, isto é, a exata definição do seu âmbito de proteção. “Tal colocação já é suficiente para realçar o papel especial conferido ao legislador, tanto na concretização de determinados direitos quanto no estabelecimento de eventuais limitações ou restrições. [...]” O constituinte reconheceu ainda que os direitos fundamentais são elementos integrantes da identidade e da continuidade da Constituição, considerando, por isso, ilegítima qualquer reforma constitucional tendente a suprimi-los9.

Ainda, no que tange aos crimes rotulados como hediondos, o consti-tuinte adotou um conceito jurídico indeterminado, conferindo ao legislador ordinário ampla liberdade, o que dá azo à quase conversão da reserva le-gal em um caso de interpretação da Constituição segundo a lei. Os delitos apontados como hediondos passam a ter tratamento penal agravado pela mera decisão legislativa.

Cabe salientar que o Supremo Tribunal Federal, durante quase de-zesseis anos, pela maioria de seus membros, decidira que à lei ordinária compete fixar os parâmetros dentro dos quais o julgador poderá efetivar ou a concreção ou a individualização da pena, e se o legislador ordinário, no uso da prerrogativa constitucional que lhe foi deferida pelo art. 5º, XLVI, dispõe que nos crimes hediondos o cumprimento da pena será no regime

8 Determinada postura do legislador constituinte não observa, conforme o magistério de Giuseppe Bettiol, que “todo direito penal moderno é orientado no sentido da individualização das medidas penais, porquanto se pretende que o tratamento penal seja totalmente voltado para características pessoais do agente a fim de que se possa corresponder aos fins que se pretende alcançar com a pena ou com as medidas de segurança” (Direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. I, 1976. p. 336).

9 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de Direito Constitucional. 3. ed. rev. e ampl., São Paulo: Saraiva, 2004. p. 1.

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fechado, significa que não quis ele deixar, em relação aos crimes dessa na-tureza, qualquer discricionariedade ao juiz na fixação do regime prisional.

Esta questão tornou-se ainda mais polêmica quando o legislador or-dinário, munido do mandato que lhe foi conferido constitucionalmente, en-tendeu por bem impor que a execução da pena privativa de liberdade, im-posta ao condenado, tivesse início obrigatório no regime fechado, conforme disposto no § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/1990 (com redação dada pela Lei nº 11.464/2007) e, portanto, em verdadeira colisão ao que preceitua o inci-so XLVI do art. 5º da Carta Magna, deixando o julgador do caso decidendo tolhido da análise material quanto à necessidade do regime mais adequado para início do cumprimento da pena corporal pelo condenado.

Importante registrar que, muito embora a questão do regime prisional integralmente fechado, previsto pela Lei nº 8.072/1990, tenha sido posta de lado em face do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, do Habeas Corpus nº 82.959/7, alguns julgados entendiam, antes mesmo da decisão da Corte Suprema, que o art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/1990 (anteriormente à redação dada pela Lei nº 11.464/2007) tinha sido revogado pelo art. 7º do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, ratificado pelo Brasil em 24.01.1992, e pelo art. 5º, §§ 2º e 6º, do Pacto de San José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil em 25.09.1992.

O art. 7º do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos estatuía que “ninguém poderá ser submetido à tortura, nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes”, enquanto o § 2º do art. 5º do Pacto de San José da Costa Rica explicitava que “ninguém deve ser submetido a tortu-ras, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano”. Já o § 6º do art. 5º do Pacto de San José da Costa Rica estabelecia que “as penas privativas de liberdade devem ter por finali-dade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados”.

Não se desconhece que a Constituição Federal deixou ao legislador infraconstitucional a prerrogativa de formular critérios para o processo de in-dividualização da pena. Formular critérios não significa, no entanto, obstar a própria individualização. Uma coisa é admitir que o legislador ordinário apresente parâmetros diversificados de individualização; coisa inteiramen-te diversa é reconhecer que esse legislador possa lesar o núcleo essencial de um direito fundamental reconhecido na Constituição, por meio de um procedimento em que a própria individualização inocorra. Isso constitui, sem dúvida, uma forma oblíqua de subverter a relação que deve, necessa-riamente, mediar entre a Constituição e a legislação infraconstitucional. O

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legislador ordinário está vinculado aos direitos, liberdades e garantias esta-belecidos na Constituição.

A cláusula de vinculação tem uma dimensão proibitiva: veda às en-tidades legiferantes a possibilidade de criarem actos legislativos contrários às normas e princípios constitucionais, isto é, proíbe a emanação de leis inconstitucionais lesivas de direitos, liberdades e garantias. As normas con-sagradoras de direitos, liberdades e garantias constituem, nesta perspectiva, normas de competência negativas, porque estabelecem limites ao exercício de competências das entidades públicas legiferantes10. O legislador infra-constitucional tem, portanto, o dever de “realizar” os princípios de caráter constitucional, não, evidentemente, o de eliminá-los ou esvaziá-los de con-teúdo.

A questão fulcral é: Como estabelecer – e se é possível estabelecer – os limites entre as atividades dos Poderes Legislativo e Judiciário? Ainda, quais os limites, o âmbito de proteção do Direito Fundamental envolvido e o alcance da atuação do legislador ordinário na configuração legislativa, tendo em conta o dispositivo constitucional outorgado pelo Constituinte de 1988? Pontos assaz tormentosos como estes são enfrentados, por conta do julgamento do HC 82.959-7/SP, na medida em que o Relator, Ministro Marco Aurélio, trouxe à colação o referido questionamento da inconstitu-cionalidade da imposição do regime integralmente fechado.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, em 23 de fevereiro de 2006, por maioria de votos, declarou a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/1990, por entender que conflita com a garantia da individuali-zação da pena – art. 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal – a imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fecha-do (Acórdão do HC 82.959-7, publicado no DJU de 01.09.2006).

Como já sabido, o art. 5º da Constituição Federal enumera os direi-tos e as garantias fundamentais, entre os quais se inclui a individualização da pena. O núcleo essencial da individualização da pena está centrado na perspectiva da pena particularizada em três momentos distintos: no momen-to legislativo, no qual são determinados os marcos penais e os parâmetros norteadores do processo individualizador; no momento judicial, no qual o juiz, dentro das pautas legais, explicita motivadamente a espécie, a quanti-dade de pena e o regime prisional inicial a serem aplicados; e no momento da execução penal, quando a pena concretizada na pessoa do acusado pas-sa a ser cumprida dentro de um sistema de progressividade.

10 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1991. p. 592.

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Por evidente, ao legislador ordinário, o Texto Constitucional permitiu regular em cada etapa a individualização da pena: porém não deu poder para excluí-la de qualquer um dos momentos já mencionados, tornando o cânon constitucional uma regra inócua. Nessa direção caminhou a Lei nº 8.072/1990, ao proibir o regime progressivo de cumprimento da pena aos condenados por crimes hediondos e assemelhados. O poder outorgado ao legislador infraconstitucional não vai a ponto de dotá-lo de uma “delega-ção em branco”, que tudo poderá fazer.

3 A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO11 NOS CRIMES HEDIONDOS

O processo traduz-se em um conjunto de atos que consomem tem-po. Nas várias fases sucessivas em que se desenvolve o processo, desde a sua proposição até seu desfecho, há, sem dúvida, um tempo transcorrido. Processo e tempo, ainda mais na sociedade da aceleração, do movimento, apresentam-se, como termos que se interpenetram, intimamente ligados, que se correlacionam entre si12.

A interação entre processo e tempo assume ainda mais relevo e complexidade quando se tem como objeto o processo penal. Cuida-se de pôr em destaque o direito – de que toda pessoa desfruta – de liberar-se da imputação de ter praticado fato delituoso, mediante uma decisão judicial, prolatada dentro de uma determinada equação temporal. Tal direito, de en-quadramento constitucional, vincula-se direta e imediatamente ao princípio da dignidade da pessoa humana, enquanto princípio basilar do Estado De-mocrático de Direito (art. 1º, III, da CF) e ao princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF). Todo acusado tem o direito de obter – em tempo delimitado – manifestação judicial que defina sua posição. Fala-se no di-reito constitucional norte-americano que “todo cidadão tem the right to a speed trial, pondo-se termo, de forma mais rápida possível, à situação de incerteza em que se encontra”13.

11 Para consulta em Cortes internacionais recomendamos os seguintes julgados: Caso Ximenes Lopes vs. Brasil, Caso Gomes Lund e outros vs. Brasil, Caso Garibaldi vs. Brasil, Caso Tibi vs. Equador, todos da Corte Interamericana de Direitos Humanos, e, no Tribunal Europeu de Direitos do Homem, o caso Foti e outros vs. Itália.

12 Aury Lopes Jr. observa que “o processo não escapa do tempo, pois ele está arraigado na sua própria concepção, enquanto concatenação de atos que se desenvolvem, duram e são realizados numa determinada temporalidade. O tempo é elemento constitutivo inafastável do nascimento, do desenvolvimento e conclusão do processo, mas também na gravidade com que serão aplicadas as penas processuais, potencializadas pela (de)mora jurisdicional injustificada” (Direito processual penal. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 198).

13 FRANCO, Alberto Silva; MORAES, Maurício Zanoide de. Código de processo penal e sua interpretação jurisprudencial. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 1, 2004. p. 279.

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A correlação processo-tempo mostra-se mais relevante ainda quando, no bojo do processo penal, se adiciona um plus, ou seja, quando se faz uso do poder cautelar estatal, em detrimento do direito – regra – de liberdade do cidadão. No caso da prisão cautelar, processo e tempo necessitam de imperiosa compatibilização. “Nada justifica o prolongamento do processo, com a submissão do acusado a uma medida de coerção pessoal que o des-poja, por tempo indefinido, de sua liberdade. A duração temporal do pro-cesso tem de ser devidamente demarcada, não só em respeito aos princípios constitucionais já enunciados, mas também em consideração ao princípio da presunção de inocência, que não suporta que um acusado fique preso a título provisório, no aguardo, sem limitação temporal, do encerramento do processo penal”14.

A questão se torna ainda mais espinhosa quando se trata de crimes hediondos e equiparados. Com uma gama de argumentos (gravidade do delito, periculosidade do agente, requintes de crueldade, clamor público), a maioria deles carente de conteúdo e respaldo jurídico-dogmático, prolonga--se indevidamente a prisão cautelar no decorrer da instrução criminal; o Tri-bunal do Júri é um exemplo cabal do cotidiano forense, na medida em que versa sobre os chamados “crimes de sangue”, os quais permitem – muitas e muitas vezes de forma totalmente incabível – o prolongamento exacerbado da prisão processo. Frise-se, de acordo com a nossa posição, prisão cautelar diz respeito à cautela, como garantia para o desenvolvimento do processo, exigindo os requisitos, in concreto, presentes no art. 312 do Código de Pro-cesso Penal – fumus commissi delicti e periculum libertatis – não se con-fundindo com prisão-pena, oriunda de uma sentença passada em julgado.

Ademais, a redação do art. 8º, I, da Convenção Americana de Direitos Humanos, Pacto de São José da Costa Rica – Decreto nº 678, de 6 de no-vembro de 1992 – introduziu no cenário jurídico pátrio a determinação do prazo razoável com a seguinte redação:

Toda pessoa tem direito de ser ouvida com as devidas garantias dentro de um prazo razoável15, por um juiz ou tribunal competente, independente e impar-

14 Idem, ibidem.15 Aury Lopes Jr. enfatiza, com total propriedade, que “a questão da dilação indevida do processo penal também

deve ser reconhecida quando o imputado está solto, pois ele pode estar livre do cárcere, mas não do estigma e da angústia. É inegável que a submissão ao processo penal autoriza a ingerência estatal sobre toda uma série de direitos funda- mentais, para além da liberdade de locomoção, pois autoriza restrições sobre a livre disponibilidade de bens, a privacidade das comunicações, a inviolabilidade do domicílio e a própria dignidade do réu. O caráter punitivo está calcado no tempo de submissão ao constrangimento estatal e não apenas na questão espacial de estar intramuros. Com razão Messuti quando afirma que não é apenas a separação física que define a prisão, pois os muros não marcam apenas a ruptura no espaço, senão também uma ruptura do tempo. A marca essencial da pena (sem sentido amplo) é ‘por quanto tempo’? Isso porque o tempo, mais do que o espaço, é o verdadeiro significante da pena. O processo penal encerra em si uma pena [...] ou conjunto

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cial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação formal formulada contra ele, ou para que determinem seus direitos ou obri-gações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

A despeito de divergência da natureza do Pacto de São José da Costa Rica (de ser ele norma constitucional, infraconstitucional ou supralegal), no ordenamento brasileiro, após a edição da Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, acrescentou o inciso LXXVIII ao art. 5º da Cons-tituição Federal de 1988, com a redação que segue: “A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

A reflexão torna-se conflituosa quando se procura responder a seguin-te indagação: O que é um prazo razoável? Tem-se uma zona gris que pre-cisa se melhor equacionada, haja vista que no direito processual brasileiro ainda não se construiu a definição do conteúdo e do alcance do conceito de prazo razoável. Referida formulação tornou-se imprescindível, sobretudo após a edição da Emenda à Carta Política referida, em que se consagrou, no inciso LXXVIII do art. 5º, a duração razoável do processo; esta questão – de dar conteúdo ao que vem a ser “prazo razoável” – tornou-se inafastável na ordem do dia, pois retira da discricionariedade (e algumas vezes arbitrarie-dade) do julgador, protegendo o acusado de manipulações, decisionismos ou mero casuísmo na atividade judicial ao caso concreto decidendo.

Cabível sublinhar, a respeito do tema, a construção pretoriana visan-do dar conteúdo à pergunta colocada, tendo em conta que

o excesso de prazo, mesmo tratando-se de delito hediondo (ou a este equi-parado), não pode ser tolerado, impondo-se, ao Poder Judiciário, em obsé-quio aos princípios consagrados na Constituição da República, a imediata revogação da prisão cautelar do indiciado ou do réu. A duração prolongada, abusiva e irrazoável da prisão cautelar de alguém ofende, de modo frontal, o postulado da dignidade da pessoa humana, que representa – considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) – significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordena-mento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo expressi-vo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. (Constituição Federal, art. 5º, incisos LIV e LXXVIII; EC 45/2004; Convenção

de penas se preferirem, que, mesmo possuindo natureza diversa da prisão cautelar, inegavelmente cobra(m) seu preço sofre(m) um sobre-custo inflacionário proporcional à duração do processo. Em ambas as situações (com prisão cautelar ou sem ela) a dilação indevida deve ser reconhecida, ainda que os critérios utilizados para aferi-la sejam diferentes, na medida em que, havendo prisão cautelar, a urgência se impõe a partir da noção de tempo subjetivo” (op. cit., p. 200).

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Americana sobre Direitos Humanos, Art. 7º, ns. 5 e 6). (STF, HC 101.357-MC/SP, Rel. Celso de Mello, J. 16.03.2010, DJe 22.03.2010, Inf. 579)

Por derradeiro, como já em outras ocasiões tivemos a oportunidade de externar a nossa posição16, a singela repetição da letra da lei não torna apta e idônea a manutenção do indivíduo por tempo indeterminado sim-plesmente por atribuir à este a pecha de criminoso hediondo e cruel, sendo assim, é de meridiana precisão o entendimento de que

a classificação do crime como hediondo não justifica, por si só, a necessida-de de prisão de natureza provisória. Estando preso o réu, impõe-se que seja rápido o seu julgamento, isto é, que seja julgado dentro de prazo razoável. Foi escrito o seguinte: toda pessoa detida tem direito de ser julgada dentro de prazo razoável (Convenção Americana sobre Direitos Humanos, art. 7º); a todos é assegurada a razoável duração do processo (Constituição, art. 5º, LXXVIII). Quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei, o caso é de coação ilegal. Havendo prisão provisória por mais de três anos, o caso enquadra-se no art. 648, II, do Código de Processo Penal. (STJ, HC 49.846, 6ª T., Rel. Nilson Naves, J. 24.11.2006)

4 BREVES CONSIDERAÇÕES FINAIS: LUTANDO CONTRA O TEMPO...

Nas linhas apresentadas buscou-se trazer a lume a delicada e difícil coexistência entre o prazo razoável no processo penal e o processamen-to de casos envolvendo os denominados crimes hediondos e equiparados. Ainda, é sabido que, em matéria de criminalidade hedionda, têm vigência os prazos determinados no Código de Processo Penal brasileiro.

No entanto, deve ficar claro que pouco importa se o delito está eti-quetado como hediondo quando se está diante de um excesso de prazo caracterizador de uma prisão ilegal. Neste sentir, o art. 5º, em seu inciso LXVIII, não trouxe nenhuma exceção a este ou aquele delito, devendo a garantia constitucional do prazo razoável valer para todo tipo de processo, principalmente os de origem penal, constando ele ou não no (malsinado) rol de delitos hediondos.

REFERÊNCIASBAUMER, Franklin L. O pensamento europeu moderno. Rio de Janeiro: Edições 70, v. II, 1977.

BETTIOL, Giuseppe. Direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. I, 1976.

16 FRANCO, Alberto Silva; LIRA, Rafael; FELIX, Yuri. Crimes hediondos. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

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CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 5. ed., Coimbra: Almedina, 1991.

COMTE-SPONVILLE, André. O ser-tempo. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal – Parte geral. Coimbra: Coimbra, t. 1, 2004.

FRANCO, Alberto Silva; LIRA, Rafael; FELIX, Yuri. Crimes hediondos. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

FRANCO, Alberto Silva; MORAES, Maurício Zanoide de. Código de processo penal e sua interpretação jurisprudencial. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 1, 2004.

LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012.

______; BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Direito ao processo penal no prazo razoável. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de Direito Constitucional. 3. ed. rev. e ampl., São Paulo: Saraiva, 2004.

MORIN, Edgard. A sociedade em busca de valores. Org. MORIN, Edgard; PRIGOGINE, Ilya. Lisboa: Instituto Piaget, 2000.

VIRILIO, Paul; LOTRINGER, Sylvere. Guerra pura: militarização do cotidiano. Trad. por Elza Miné e Laymert Garcia. São Paulo: Brasiliense, 1984.

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Parte Geral – Jurisprudência

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Superior Tribunal de JustiçaRecurso em Habeas Corpus nº 46.316 – MS (2014/0060268‑4)Relator: Ministro Rogerio Schietti CruzRecorrente: Sirlei Sanches de Lima JúniorAdvogados: Fabio da Silva Nakaya e outro(s)

Izi Amanda Messias NevesRecorrido: Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul

ementA

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – PRISÃO PREVENTIVA – ART. 312, CPP – PERICULUM LIBERTATIS – INDICAÇÃO NECESSÁRIA – FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE – RECURSO NÃO PROVIDO

1. A jurisprudência desta Corte Superior é remansosa no sentido de que a determinação de segregação do réu antes de transitada em jul-gado a condenação deve efetivar-se apenas se indicada, em dados concretos dos autos, a necessidade da cautela (periculum libertatis), à luz do disposto no art. 312 do Código de Processo Penal.

2. O juiz singular apontou concretamente a presença dos vetores contidos no art. 312 do Código de Processo Penal, indicando moti-vação suficiente para justificar a necessidade de colocar o recorrente cautelarmente privado de sua liberdade, em razão da sua reiteração delitiva, bem como pela necessidade de proteger a vítima, ex-compa-nheira, ante “práticas delitivas em situação de violência doméstica e familiar cometidas pelo acusado, em desrespeito reiterado às medidas [protetivas de urgência]”.

3. Recurso não provido.

AcóRdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Nefi Cordeiro, Marilza Maynard (Desembargadora Convocada do TJ/SE) e Sebastião Reis Júnior (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

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Brasília, 18 de junho de 2014.

Ministro Rogerio Schietti Cruz Relator

RelAtóRio

O Senhor Ministro Rogerio Schietti Cruz:

Sirlei Sanches de Lima Júnior estaria sofrendo constrangimento ilegal decorrente de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul.

Consta dos autos que o Juiz de Direito da 1ª Vara da Violência Do-méstica da Comarca de Campo Grande decretou a prisão preventiva do paciente em 08.11.2013.

Irresignada, a defesa impetrou o writ originário, que restou denegado pela Corte local.

Nesta impetração, sustenta-se a ausência de fundamentação da cons-trição cautelar.

Requer a defesa seja revogada a prisão preventiva do paciente.

Indeferida a liminar, foram os autos enviados ao MPF, que opinou pela denegação da ordem às fls. 149/151.

ementA

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – PRISÃO PREVENTIVA – ART. 312, CPP – PERICULUM LIBERTATIS – INDICAÇÃO NECESSÁRIA – FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE – RECURSO NÃO PROVIDO

1. A jurisprudência desta Corte Superior é remansosa no sentido de que a determinação de segregação do réu antes de transitada em jul-gado a condenação deve efetivar-se apenas se indicada, em dados concretos dos autos, a necessidade da cautela (periculum libertatis), à luz do disposto no art. 312 do Código de Processo Penal.

2. O juiz singular apontou concretamente a presença dos vetores contidos no art. 312 do Código de Processo Penal, indicando moti-vação suficiente para justificar a necessidade de colocar o recorrente cautelarmente privado de sua liberdade, em razão da sua reiteração delitiva, bem como pela necessidade de proteger a vítima, ex-compa-

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nheira, ante “práticas delitivas em situação de violência doméstica e familiar cometidas pelo acusado, em desrespeito reiterado às medidas [protetivas de urgência]”.

3. Recurso não provido.

Voto

O Senhor Ministro Rogerio Schietti Cruz (Relator):

A prisão preventiva foi fundamentada pelo juiz de primeira instância nos seguintes termos:

Vistos etc.

Trata-se de autos de pedido de decretação de prisão preventiva pleiteado pelo representante do Ministério Público para garantia da ordem pública e conveniência da instrução criminal.

É o relatório. Decido.

Na hipótese em tela, considerando que a custódia preventiva é excepcional, há que se analisar, nesta fase, se estão presentes os requisitos que justificam a segregação cautelar do acusado.

Nos termos do art. 311 do Código de Processo Penal “Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decre-tada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial”.

O art. 313, III, por sua vez, prevê que poderá ser decretada a prisão preven-tiva, dentre outros motivos, “se o crime envolver violência doméstica e fa-miliar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência”.

No mesmo sentido, o art. 20 da Lei nº 11.340/2006 dispõe que: “Em qual-quer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão pre-ventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Minis-tério Público ou mediante representação da autoridade policial”.

No caso, verifica-se dos autos e do conjunto probatório, especialmente pelo termo de declaração da vítima e dos depoimentos das testemunhas, que es-tão presentes indícios suficientes de autoria, bem como evidenciado que as infrações foram praticadas em infringência às disposições da Lei Maria da Penha.

Desta feita, a vítima Franciele Romaike compareceu na Promotoria de Jus-tiça, e relatou, em síntese, que “Que a declarante conviveu com o acusado Sirlei Sanches de Lima Júnior, por dois anos, está separada há dois anos; Que

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no dia 05.10.2013 a declarante registrou BO 1073/2013 contra o acusado Sirlei Sanches de Lima Júnior pelo crime de estupro de vulnerável, praticado contra afilhada do casal, Maria Luiza Romaike de Lima, de 02 anos; que no dia 27.10.2013 o autor, por volta das 11h00min, foi até a casa declarante e abriu o portão da vila de casas na qual a autoria mora, invadindo o local contra a vontade da declarante, e tentou pegar a força sua filha; A declarante irá comparecer a delegacia para registrar Boletim de Ocorrência pelo crime de invasão de domicílio; que solicita as Medidas Protetivas de Urgência, pois a declarante se sente ameaça pelo acusado, visto que a persegue e já a amea-çou em datas pretéritas (Processo nº 0016983-13.2013.8.12.0001):

Que a declarante teme por sua integridade física e psíquica...” (fl. 5).

Ressalte-se, ainda, que o autor possui outras autuações criminais, confor-me antecedentes e em consulta aos Sistema SAT, foi possível constatar que a vítima registrou dois boletins de ocorrência em desfavor do acusado, nº 3148/2011 em 28.12.2011 (Ação Penal nº 0016983-13.2013.8.12.0001); nº 2729/2013 em 07.11.2013 (Perturbação da tranqüilidade e violação de domicílio’).

Portanto, os pressupostos para a decretação da prisão preventiva estão pre-sentes.

Quanto ao fundamento para a mesma, vê-se que segue presente o periculum in mora, configurado na proteção da vítima e para assegurar a execução das medidas protetivas de urgência, aliado à garantia da ordem pública, uma vez que a ofendida vem sendo vítima de práticas delitivas em situação de violên-cia doméstica e familiar cometidas pelo acusado, em desrespeito reiterado às medidas retromencionadas.

O TJMS já se manifestou no sentido que: [...]

Ademais, convém observar que um dos principais objetivos da Lei nº 11.340/2006 é tutelar a dignidade humana da mulher vítima de violên-cia doméstica e familiar, protegida internamente e internacionalmente pelos Tratados Internacionais “Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher” e “Convenção Interamericana para Pre-venir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher”.

Por fim, a decretação da prisão também se exterioriza em um instrumento efi-caz para tornar efetivas as medidas de proteção preconizadas pela legislação e garantir, desta forma, à ordem pública.

Assim, vê-se que os requisitos da prisão preventiva seguem preenchidos, bem como os fundamentos que a autorizam, no caso notadamente a garantia da ordem pública para que as medidas protetivas de urgência sejam obede-cidas, em proteção da mulher em situação de violência doméstica.

Por tais razões, estando presentes os fundamentos da prisão preventiva, com fulcro no art. 20 da Lei nº 11.343/2006 c/c os arts. 311 c/c 312 c/c 313, III, do CPP, decreto a prisão preventiva de Sirlei Sanches de Lima Júnior.

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Expeça-se mandado de prisão com validade de 03 anos. As providências necessárias. Ciência ao Ministério Público.

Intimem-se.

Campo Grande/MS, 08 de novembro de 2013.

Simone Nakamatsu Juíza de Direito (fls. 13/16)

A Corte local ratificou a custódia da seguinte forma:

[...] Do Sistema de Automação Judicial – SAJ se extrai o seguinte:

1. Sirlei foi denunciado por ameaçar agredir a vítima Franciele, em 27.12.2011 e não foi localizado, sendo citado por edital (0016983-13.2013.8.12.0001 – Ação Penal);

2. Sirlei foi denunciado pela prática de vias de fato contra a vítima Raquel Bernardo dos Santos, sua sogra (genitora de Franciele), empurrando-a e segurando-a violentamente pelos braços, em 26.05.2012, sendo réu revel (0008522-52.2013.8.12.0001 – Ação Penal);

3. Pelo Ministério Público Estadual solicitada a imposição de medidas cau-telares de urgência nos seguintes termos: “A ofendida Franciele Romaike é ex-convivente do agressor Sirlei Sanches de Lima Júnior. Segundo cons-ta do Boletim de Ocorrência nº 1073/2013/DEPC A, no dia 05 de outubro de 2013, entre as 06h00m e 22h00m, o requerido Sirlei Sanches de Lima Júnior teria praticado o suposto crime de estupro de vulnerável contra a vítima Maria Luiza Romaike de Lima, de 02 anos, filha do casal. No dia 06 de no-vembro de 2013 a ofendida Franciele Romaike compareceu no gabinete da 47” Promotoria de Justiça de Campo Grande-MS, afim de relatar que na data de 27.10.2013, por volta das 1lh00m, o requerido Sirlei Sanches de Lima Júnior, contra a sua vontade, teria invadido a residência da mesma, tentando levar a força sua filha Maria Luiza. A ofendida informou, ainda, que desde que o acusado tomou ciência do registro do BO nº 1073/2013, passou a persegui-la, e que, em datas pretéritas, foi ameaçada pelo requerido, temen-do, por tal motivo, por sua integridade física.

Desse modo, a ofendida encontra-se temerosa que a aproximação e contato com o agressor, em quaisquer circunstâncias, possam desencadear novos atentados à sua integridade mental ou física e a de sua filha, e pretende obter ordem judicial para proibir qualquer meio de comunicação ou convívio en-tre ambos, especialmente porque mesmo após o registro da ocorrência o re-querido Sirlei permanece perseguindo a ofendida tentando pegar a força sua filha”. Ao ser intimado da concessão de medidas protetivas, Sirlei se recusou

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a assinar o mandado (0839181-11.2013.8.12.0001 – Medidas Protetivas de urgência).

Do Sistema Integrado de Gestão Operacional – Sigo extrai-se os seguintes registros:

1. 1073/2013: “Histórico do BO: Noticia a Comunicante, genitora da vítima, que desde sua separação do autor, sua filha ficara morando consigo, mas que o genitor desta, sempre a pega aos sábados, conforme determinação judicial; Que, a última vez que o autor, genitor da vítima, pegara sua filha fora no sá-bado, 05.10.2013, sendo que a referida menor permanecera na companhia deste das 06h00min às 22h00min; Que, na sexta-feira, 11.10.2013, a vítima relatara para a comunicante, que o autor, havia mexido em sua genitália, por baixo da roupa;

Que, já nesta DEPCA, a referida infante, confirmara que seu.genitor teria passado a mão em sua vagina por baixo da roupa.

Nada mais”.

2. 2729/2013: “Comparece a esta Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher a comunicante/vítima relatando que conviveu com o autor por dois anos e meio, possuindo uma filha em comum, estando separados há dois anos. Na data dos fatos o autor começou a perseguir a vítima, indo atrás dela a quase todos os lugares que ela vai, inclusive no consultório do médico da filha e do psicólogo dela, tendo inclusive entrado na residência da vítima sem ter sido convidado com a desculpa de pegar a filha do casal, mas a víti-ma o tinha proibido de pegá-la haja vista que havia indícios de que o autor havia molestado a filha (BO 1073/13/DEPCA). A vítima já solicitou as Medi-das Protetivas de Urgência contra o autor no Fórum, sendo encaminhada ao Centro de Atendimento a Mulher e arrolando como testemunha a Sra. Raquel dos Santos Romaike. Nada mais”.

Portanto, demonstrada a periculosidade concreta do paciente e a necessida-de de sua prisão preventiva para garantia da ordem pública, a fim de evitar a reiteração delitiva.

Ante o exposto, denego a ordem. (fls. 95/102)

A jurisprudência desta Corte Superior é remansosa no sentido de que “a custódia imposta antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória exige concreta fundamentação, nos termos do disposto no art. 312 do Código de Processo Penal.” (HC 268.711/SP, 6ª T., Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 29.05.2013).

Sob essas premissas, verifico que se mostram suficientes as razões invocadas na instância de origem, para embasar a ordem de prisão do ora

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recorrente, porquanto contextualizaram, em dados concretos dos autos, a necessidade cautelar de segregação do réu.

Com efeito, o juiz singular apontou concretamente a presença dos vetores contidos no art. 312 do Código de Processo Penal, indicando moti-vação suficiente para justificar a necessidade de colocar o recorrente caute-larmente privado de sua liberdade, ante a sua reiteração delitiva, bem como a necessidade de proteger a vítima, ex-companheira, de sofrer “práticas de-litivas em situação de violência doméstica e familiar cometidas pelo acusa-do, em desrespeito reiterado às medidas [protetivas de urgência]”.

À vista de todo o exposto, nego provimento ao recurso.

É o voto.

ceRtidão de JulgAmento SeXtA tuRmA

Número Registro: 2014/0060268-4

Processo Eletrônico RHC 46.316/MS

Matéria Criminal

Números Origem: 00169831320138120001 08391811120138120001 08391846320138120001 1400770-13.2014.8.12.0000/50000 14007701320148120000 1400770132014812000050000 169831320138120001 8391846320138120001

Em Mesa Julgado: 18.06.2014

Relator: Exmo. Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Moacir Mendes Sousa

Secretário: Bel. Eliseu Augusto Nunes de Santana

AutuAção

Recorrente: Sirlei Sanches de Lima Júnior

Advogados: Fabio da Silva Nakaya e outro(s) Izi Amanda Messias Neves

Recorrido: Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul

Assunto: Direito penal – Violência doméstica contra a mulher

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ceRtidão

Certifico que a egrégia Sexta Turma, ao apreciar o processo em epí-grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Sexta Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Nefi Cordeiro, Marilza Maynard (Desembargadora Convocada do TJ/SE) e Sebastião Reis Júnior (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

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Parte Geral – Jurisprudência

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Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 1.302.566 – RS (2012/0019480‑4)Relatora: Ministra Maria Thereza de Assis MouraRecorrente: Vitor Hugo GuerraAdvogado: Dinor José SimonRecorrido: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul

ementA

RECURSO ESPECIAL – PROCESSO PENAL – INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS – INVERSÃO – NULIDADE RELATIVA – SUPERVENIÊNCIA DA LEI Nº 11.719/2008 – NOVA CITAÇÃO – DESCABIMENTO – INTERROGATÓRIO POR CARTA PRECATÓRIA – INDEFERIMENTO – CONCENTRAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS – ARREPENDIMENTO POSTERIOR – REPARAÇÃO INTEGRAL DO DANO

1. A nova redação do art. 212 do Código de Processo Penal dada pela Lei nº 11.690/2008 eliminou o sistema presidencialista permitindo a inquirição das testemunhas diretamente pelas partes, mas não extin-guiu a possibilidade de que o Juiz também formule perguntas, não havendo nulidade qualquer se é oportunizado à defesa perguntar di-retamente às testemunhas, mormente porque eventual inobservância à ordem de inquirição caracteriza vício relativo, devendo ser arguido no momento processual oportuno, com a demonstração da ocorrên-cia do dano sofrido pela parte, pena de preclusão.

2. Incabível a renovação do ato processual se o réu foi regular e pre-viamente citado para a audiência marcada antes da entrada em vigor da Lei nº 11.719/2008 que, por se tratar de norma de natureza pro-cedimental, submete-se ao princípio tempus regit actum, devendo a lei ser aplicada a partir da sua entrada em vigor, com aproveitamento dos atos pretéritos.

3. É inviável o recurso especial na parte em que não impugna os fun-damentos do acórdão recorrido. Incidência do Enunciado nº 283/STF.

4. Não há nulidade decorrente do indeferimento, na audiência de instrução e julgamento, do pedido de realização do interrogatório por carta precatória se a defesa não justificou a ausência do réu, que ha-veria, de qualquer modo, de comparecer à audiência que era destina-da não somente ao interrogatório dos réus mas também à oitiva das

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testemunhas, não havendo razão legal para cindir o ato procedimen-tal uno, em obséquio à regra da concentração dos atos processuais trazida pela Lei nº 11.719/2008.

5. A causa de diminuição de pena relativa ao art. 16 do Código Penal (arrependimento posterior) somente tem aplicação se houver a inte-gral reparação do dano ou a restituição da coisa antes do recebimento da denúncia, variando o índice de redução da pena em função da maior ou menor celeridade no ressarcimento do prejuízo à vítima.

6. Recurso especial improvido.

AcóRdão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça: A Sexta Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior (Presidente), Nefi Cordeiro e Marilza Maynard (Desembargadora Convocada do TJ/SE) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz.

Brasília, 27 de junho de 2014 (data do Julgamento).

Ministra Maria Thereza de Assis Moura Relatora

RelAtóRio

Ministra Maria Thereza de Assis Moura (Relatora):

Trata-se de recurso especial interposto por Vitor Hugo Guerra com fundamento nas alíneas a e c do inciso III do art. 105 da Constituição Fede-ral contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, assim ementado:

Apelação-crime. Peculato. Agente que se valendo da função que exerce, apropria-se de valores ressarcidos indevidamente, após realizar despesas em restaurantes bares e casas noturnas. Condenação mantida. Pena de multa alterada.

Apelo parcialmente provido. Unânime.

Sustenta o recorrente violação do art. 212 do Código de Processo Penal com redação dada pela Lei nº 11.690/2008 ao argumento de que foi

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realizada a audiência de instrução segundo os moldes do antigo sistema presidencial em prejuízo da defesa porque o juiz supriu a falta do Promotor de Justiça que não compareceu ao ato, perguntando unicamente fatos que interessavam à acusação, proibiu que a defesa perguntasse diretamente às testemunhas e perguntou exaustivamente antes das partes.

Alega, outrossim, violação do art. 396 do Código de Processo Penal aduzindo para tanto que, citado para audiência marcada para 17.09.2008, entrou em vigor a Lei nº 11.719/2008, ocasião em que o magistrado cance-lou a audiência antes designada e, deixando de efetuar nova citação, deter-minou apenas a intimação dos acusados para a audiência de instrução que culminou com a decretação da revelia do recorrente.

Aduz, mais, violação do art. 149 do Código de Processo Penal decor-rente do indeferimento do pedido de instauração de incidente de insanida-de mental sem fundamentação válida porque é cabível o incidente sempre que houver dúvida sobre a integridade mental do acusado.

Afirma, ainda, violação dos arts. 400 e 196 do Código de Processo Penal decorrente do indeferimento do pedido de realização do interrogató-rio através de carta precatória, requerido desde o início do processo, mas que poderia ter sido deferido a qualquer tempo até o final do processo, em colidência com o tratamento dispensado aos demais réus, cujas testemu-nhas foram ouvidas por carta precatória.

Assevera, por fim, violação do art. 16 do Código Penal ao argumento de houve reparação integral do dano antes do oferecimento da denúncia, fazendo jus à redução da pena por força da norma invocada, aplicável ain-da que a reparação fosse parcial, com redução em menor fração.

Apresentadas as contrarrazões, o Ministério Público Federal manifes-tou-se pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

ementA

RECURSO ESPECIAL – PROCESSO PENAL – INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS – INVERSÃO – NULIDADE RELATIVA – SUPERVENIÊNCIA DA LEI Nº 11.719/2008 – NOVA CITAÇÃO – DESCABIMENTO – INTERROGATÓRIO POR CARTA PRECATÓRIA – INDEFERIMENTO – CONCENTRAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS – ARREPENDIMENTO POSTERIOR – REPARAÇÃO INTEGRAL DO DANO

1. A nova redação do art. 212 do Código de Processo Penal dada pela Lei nº 11.690/2008 eliminou o sistema presidencialista permitindo a

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inquirição das testemunhas diretamente pelas partes, mas não extin-guiu a possibilidade de que o Juiz também formule perguntas, não havendo nulidade qualquer se é oportunizado à defesa perguntar di-retamente às testemunhas, mormente porque eventual inobservância à ordem de inquirição caracteriza vício relativo, devendo ser arguido no momento processual oportuno, com a demonstração da ocorrên-cia do dano sofrido pela parte, pena de preclusão.

2. Incabível a renovação do ato processual se o réu foi regular e pre-viamente citado para a audiência marcada antes da entrada em vigor da Lei nº 11.719/2008 que, por se tratar de norma de natureza pro-cedimental, submete-se ao princípio tempus regit actum, devendo a lei ser aplicada a partir da sua entrada em vigor, com aproveitamento dos atos pretéritos.

3. É inviável o recurso especial na parte em que não impugna os fun-damentos do acórdão recorrido. Incidência do Enunciado nº 283/STF.

4. Não há nulidade decorrente do indeferimento, na audiência de instrução e julgamento, do pedido de realização do interrogatório por carta precatória se a defesa não justificou a ausência do réu, que ha-veria, de qualquer modo, de comparecer à audiência que era destina-da não somente ao interrogatório dos réus mas também à oitiva das testemunhas, não havendo razão legal para cindir o ato procedimen-tal uno, em obséquio à regra da concentração dos atos processuais trazida pela Lei nº 11.719/2008.

5. A causa de diminuição de pena relativa ao art. 16 do Código Penal (arrependimento posterior) somente tem aplicação se houver a inte-gral reparação do dano ou a restituição da coisa antes do recebimento da denúncia, variando o índice de redução da pena em função da maior ou menor celeridade no ressarcimento do prejuízo à vítima.

6. Recurso especial improvido.

Voto

Ministra Maria Thereza de Assis Moura (Relatora):

De início, a nova redação do art. 212 do Código de Processo Penal dada pela Lei nº 11.690/2008 eliminou o sistema presidencialista permitin-do a inquirição das testemunhas diretamente pelas partes, mas não extin-guiu a possibilidade de que o Juiz também formule perguntas, não havendo, assim, nulidade qualquer se é oportunizado à defesa perguntar diretamente às testemunhas.

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Ademais, eventual inobservância à ordem de inquirição das testemu-nhas caracteriza vício relativo, devendo ser arguido no momento processual oportuno, com a demonstração da ocorrência do dano sofrido pela parte, sob pena de preclusão.

No presente caso, ao contrário do que alega o recorrente, extrai-se do Termo de Audiência de fls. 1289/1333 que o defensor constituído pelo re-corrente compareceu à audiência, participou ativamente do ato formulando perguntas diretamente às testemunhas e nada alegou quanto à inversão na ordem de inquirição ou à falta do Promotor de Justiça, não havendo falar em prejuízo qualquer à ampla defesa.

E este Superior Tribunal de Justiça tem entendimento firme no sentido de que a inobservância procedimental não gera nulidade no processo se não resta comprovado o efetivo prejuízo, em obséquio ao princípio pas de nullite sans grief positivado no art. 563 do Código de Processo Penal e consolidado no Enunciado nº 523 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, verbis:

No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu.

Nesse sentido, colhem-se os seguintes precedentes de ambas as Tur-mas com competência em matéria penal:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO ESPECIAL – PENAL – VIOLAÇÃO AO ART. 212 DO CPP – INOCORRÊN-CIA – PRECLUSÃO – PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO – NULIDADE RE-LATIVA – INTERROGATÓRIO REALIZADO ANTES DO ADVENTO DA LEI Nº 11.689/2008 – NORMA PROCESSUAL PENAL – INCIDÊNCIA IMEDIATA – PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO – REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO – IM-POSSIBILIDADE – INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7/STJ

I – Esta Corte possui orientação firmada no sentido de que a norma do art. 212 do Código de Processo Penal diz respeito a mero rito procedimental, que gera apenas nulidade relativa e não absoluta, cabendo à parte pronun-ciar-se na primeira oportunidade, sob pena de convalidação do ato, bem como demonstrar a ocorrência de prejuízo.

II – As Turmas que compõem a 3ª Seção desta Corte de Justiça possuem en-tendimento consolidado no sentido de que o art. 400 do Código de Processo Penal, com a alteração implementada pela Lei nº 11.719/2008, consubstan-cia regra de caráter eminente processual, possuindo aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos atos processuais realizados em observância ao rito procedimental anterior.

III – Afastar a conclusão do Tribunal de origem, quanto à comprovação da autoria e materialidade criminosa, implica o reexame do conjunto fático-

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-probatório dos autos, o que é inadmissível na via do Recurso Especial, a teor da Súmula nº 7 do Superior Tribunal de Justiça.

IV – Agravo Regimental improvido.

(AgRg-Ag 1420725/SC, 5ª T., Relª Min. Regina Helena Costa, J. 08.05.2014, DJe 14.05.2014)

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO – DESCA-BIMENTO – TRÁFICO DE DROGAS – ALEGAÇÃO DE NULIDADE – ART. 212 DO CPP – PERGUNTAS FORMULADAS DIRETAMENTE PELO JUIZ – OPORTUNIDADE PARA AS PARTES INQUIRIREM DIRETAMENTE AS TES-TEMUNHAS – NULIDADE RELATIVA – AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE EFETIVO PREJUÍZO – PRECLUSÃO – INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGI-MENTO ILEGAL HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO

Este Superior Tribunal de Justiça, na esteira do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, tem amoldado o cabimento do remédio heróico, adotando orientação no sentido de não mais admitir habeas corpus substi-tutivo de recurso ordinário/especial. Contudo, a luz dos princípios consti-tucionais, sobretudo o do devido processo legal e da ampla defesa, tem-se analisado as questões suscitadas na exordial a fim de se verificar a existência de constrangimento ilegal para, se for o caso, deferir-se a ordem de ofício.

A nova redação do art. 212 do CPP dada pela Lei nº 11.690/2008 permitiu a inquirição das testemunhas diretamente pelas partes, mas não extinguiu a possibilidade de o Juiz também formular diretamente perguntas.

Dessa forma, não há falar em nulidade quando o Magistrado inquire as tes-temunhas, principalmente se, como no caso dos autos, foi dada a palavra à defesa que, quando achou oportuno, formulou perguntas diretamente às testemunhas.

Ademais, a jurisprudência desta Corte Superior posicionou-se no sentido de que eventual inobservância do art. 212 do CPP gera nulidade meramente relativa, sendo necessário, para seu reconhecimento, a manifestação oportu-na, sob pena de preclusão e a comprovação do efetivo prejuízo, conforme o princípio do pas de nullité sans grief, previsto no art. 563 do CPP.

Assim, não havendo, in casu, demonstração de qualquer prejuízo concreto à defesa, que participou ativamente do ato, não há de ser reconhecida a nulidade do processo, até mesmo porque, tendo o patrono, no momento da audiência, consentido com a forma de inquirição das testemunhas, nada questionando sobre a suposta afronta ao art. 212 do CPP, operou-se a pre-clusão da matéria.

Habeas corpus não conhecido.

(HC 251.735/RS, 6ª T., Relª Min. Marilza Maynard (Desembargadora Convo-cada do TJ/SE), J. 01.04.2014, DJe 14.04.2014)

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Também não há falar em violação do art. 396 do Código de Processo Penal com redação dada pela Lei nº 11.719/2008, uma vez que se trata de norma de natureza procedimental que se submete ao princípio tempus regit actum, devendo ser aplicada a partir da sua entrada em vigor, com aprovei-tamento dos atos pretéritos.

Assim, inviável a pretendida renovação do ato processual se o réu foi regular e previamente citado para a audiência marcada antes da entrada em vigor da Lei nº 11.719/2008.

Nesse sentido:

HABEAS CORPUS – LESÃO CORPORAL DE NATUREZA GRAVE – RESPOS-TA ESCRITA À ACUSAÇÃO – DENÚNCIA RECEBIDA ANTES DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI Nº 11.719/2008, QUE ALTEROU O ART. 396 DO CÓDI-GO DE PROCESSO PENAL – PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM – PREJUÍ-ZO NÃO DEMONSTRADO – CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE – ORDEM DENEGADA

1. As normas exclusivamente processuais se submetem ao princípio tempus regit actum, devendo a lei processual penal ser aplicada a partir de sua vigên-cia, conforme preconizado no art. 2º do Código de Processo Penal.

2. Já tendo o réu sido citado, interrogado e oferecido defesa prévia, antes da vigência da Lei nº 11.719/2008, que alterou o procedimento penal ordinário, não se há de falar em nova citação do réu para oferecimento da resposta à acusação prevista no art. 396 do Código de Processo Penal.

3. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.

4. Ordem denegada.

(HC 168.052/RJ, 5ª T., Relª Min. Laurita Vaz, J. 10.04.2012, DJe 16.04.2012)

Quanto à alegada violação do art. 149 do Código de Processo Penal, inexiste nulidade qualquer decorrente do indeferimento do pedido de ins-tauração de incidente de insanidade mental, consoante se extrai da funda-mentação bem lançada – e não impugnada – na sentença de primeiro grau, mantida no acórdão recorrido:

4 Do incidente de insanidade mental

O uso de medicamento controlado, por si só, não é evidência de insanidade mental ou de prejuízo à capacidade do réu de entender o caráter ilícito dos fatos imputados e de se determinar de acordo com esse entendimento, nada sendo demonstrado, nesse sentido, pela defesa.

Se fez o acusado uso de álcool concomitantemente com medicação con-trolada, o fez voluntariamente, o que não exclui a imputabilidade penal

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(art. 28. inc. II, do Código Penal), sabendo que tal não poderia fazer tomando medicamento controlado.

Sequer há demonstração do uso continuo da medicação no período em que os fatos ocorreram.

De ressaltar, não haver qualquer elemento concreto, nos autos, de pertur-bação da saúde mental do acusado Vitor Hugo Guerra na época dos fatos.

Natural, de outro lado, após tomada pública a sua conduta irregular e a fre-quência a casas noturnas onde disponíveis “garotas de programa”, levando, inclusive, à separação de sua esposa, que, ao retomar à sua cidade de ori-gem, aparentasse o acusado Vitor Hugo algum grau de depressão.

A não realização do interrogatório em juízo foi resultado do desinteresse do réu e da defesa constituída em apresentá-lo para tanto.

Além disso, no feito anterior que respondeu o acusado neste juízo, por fatos cometidos neste mesmo período em que participou da direção da Corag, julgado, também, por este magistrado, que se encontra em grau de apelação no Tribunal de Justiça e de onde solicitadas as cópias de depoimentos de fls. 1263/1265, interrogado o réu Vitor Hugo Guerra, não foi verificada pelo juízo, na ocasião do interrogatório, qualquer perturbação de sua saúde mental.

Nesse contexto, ausente fundamento para a instauração de incidente de in-sanidade mental (art. 149, caput, do Código de Processo Penal). (fl. 1415)

E o recorrente, de seu lado, limitou-se a sustentar que é cabível a instauração de incidente de insanidade mental sempre que houver dúvida sobre a integridade mental do acusado, tendo incidência, nesse tanto, o Enunciado nº 283 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, verbis:

É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles.

Relativamente à alegada violação dos arts. 400 e 196 do Código de Processo Penal em virtude do indeferimento do pedido de realização do interrogatório através de carta precatória, constou o seguinte na sentença de primeiro grau, mantida no acórdão recorrido:

3 Da revelia e não deferimento do interrogatório por precatória

Não compareceu o réu Vitor Hugo à audiência de instrução neste juízo, oca-sião em que seria interrogado, embora intimado pessoalmente.

Não comprovou qualquer motivo que justificasse o não comparecimento, sendo que, quanto à alegação de dificuldades econômicas para custear a passagem ate Porto Alegre (distante pouco mais de 100 km da cidade de

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Caxias do Sul onde reside) e o pedido de interrogatório por precatória, foi expressamente, apreciada a matéria na solenidade (fl. 1248):

“[...] há muito designada a data, podendo facilmente ter o réu feito a programação da despesa da passagem de Caxias do Sul a Porto Alegre, não sendo valor exorbitante, que poderia facilmente o acusado obter o recurso para tal, o que não fez, não comparecendo à audiência de instru-ção e julgamento, ocasião em que deveria ser o interrogatório do mesmo realizado, pelo que mantida foi a revelia decretada”.

Portanto, não foi interrogado Vítor Hugo pelo seu próprio desinteresse em comparecer à solenidade, não havendo fundamento, nem base legal, para a realização do interrogatório por precatória.

Não é o acusado obrigado a comparecer a qualquer ato do processo para o qual foi intimado, nem a gastar com seu deslocamento. No entanto, não comparecendo, assume as consequências legais.

Ao contrário do afirmado pela defesa, não é obrigação estatal custear des-pesas de transporte e deslocamento de réus que se encontram em liberdade.

Dessa forma, decorreu a decretação da revelia de estrita aplicação do texto legal (art. 367 do Código de Processo Penal).

Com efeito, não há fundamento nem base legal que justifique a reali-zação do interrogatório por carta precatória, mormente porque a defesa não justificou a ausência do réu, que haveria, de qualquer modo, de comparecer à audiência que era destinada não somente ao interrogatório dos réus mas também à oitiva das testemunhas, inclusive aquelas por ele arroladas, não havendo razão legal para cindir o ato procedimental uno, em obséquio à regra da concentração dos atos processuais trazida pela Lei nº 11.719/2008.

Acrescente-se, a propósito, que poderia o réu comparecer perante a autoridade judiciária a qualquer tempo no curso do processo penal para ser interrogado, nos termos do art. 185 do Código de Processo Penal, não havendo falar em prejuízo para a defesa decorrente do subsequente decreto de revelia.

Vale averbar, nesse passo, que é certo que o interrogatório é a concre-tização do direito de audiência, desdobramento da autodefesa, devendo o juiz assegurar ao acusado a possibilidade de ser ouvido a qualquer tempo. Não é menos certo, por outro lado, que pode o acusado abrir mão do seu direito de tentar formar a convicção do magistrado, valendo-se do silêncio. Isso porque, diversamente da defesa técnica, que é irrenunciável (art. 261 do CPP), a autodefesa é plenamente renunciável.

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Logo, se o acusado houver sido intimado para a audiência, caso não queira acompanhar os atos de instrução abrindo mão também do seu direi-to de trazer ao juiz sua versão a respeito da imputação constante da peça acusatória, basta que não compareça à audiência, deixando a cargo de seu defensor o exercício de sua defesa, como nos presentes autos. Confira-se, a propósito:

HABEAS CORPUS – ROUBO DUPLAMENTE MAJORADO – WRIT SUBSTI-TUTIVO DE REVISÃO CRIMINAL – DESVIRTUAMENTO – PRECEDENTES DO STF – AUSÊNCIA DE INTERROGATÓRIO – DECRETAÇÃO DE REVE-LIA – INTIMAÇÃO PESSOAL PARA TODOS OS ATOS DOS PROCESSOS – NULIDADE – INEXISTÊNCIA – MANIFESTO CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO

[...]

4. Não há falar em nulidade do processo em razão da não realização de interrogatório, uma vez que o paciente foi pessoalmente citado e intimado para a audiência, estando solto e devidamente ciente do teor da acusação, de modo que caberia a ele procurar orientação junto à Defensoria Pública, ou mesmo perante qualquer outro advogado, e comparecer em juízo. Ainda, não se vislumbra nenhum elemento concreto dos autos que justifique que, ciente da data do interrogatório, o paciente simplesmente decidisse não se fazer presente na audiência.

5. Na espécie dos autos, o impetrante não apontou nenhuma razão concreta que efetivamente justificasse a ausência do paciente na audiência de inter-rogatório.

6. No caso, não houve nenhum cerceamento de defesa, uma vez que, dian-te do não comparecimento do paciente na audiência de interrogatório, o Juiz singular, em homenagem ao princípio constitucional da ampla defesa, nomeou a Defensoria Pública para o patrocínio de sua defesa, intimando o defensor para apresentar defesa prévia (art. 395 do CPP, redação anterior à Lei nº 11.719/2008). Ainda, verifica-se que a Defensoria Pública também ofereceu devidamente suas alegações finais e razões de apelação.

7. Habeas corpus não conhecido.

(HC 232.781/SP, 6ª T., Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, J. 11.04.2013, DJe 25.04.2013)

Por fim, no que se refere à alegada violação do art. 16 do Código Penal, é pacífico o entendimento de que o ato de reparação do dano ou restituição da coisa há de ser voluntário, ainda que não necessariamente espontâneo. Por outro lado, embora não se trate de tese unânime, predomi-na na doutrina penal brasileira a tese segundo a qual, além de voluntária, a reparação do dano há de ser integral.

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A esse respeito, confira-se o escólio de Celso Delmanto, Roberto Delmanto, Roberto Delmanto Júnior e Fábio M. de Almeida Delmanto:

Para que haja a redução, exige-se: a. Reparação do dano ou restituição da coisa. Se aquela não for completa ou esta não for total, a redução da pena pode ser negada. Evidentemente, tendo havido prejuízo à vítima, este art. 16 refere-se tão-só à reparação do dano material e não à do dano moral.

[...] (Código penal comentado. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 71)

Do mesmo sentir é a lição de Julio Fabbrini Mirabete, para quem a reparação do dano ou restituição da coisa deve ser total:

A reparação deve também abranger todo o prejuízo causado ao sujeito pas-sivo do crime, e a devolução parcial ou o ressarcimento incompleto poderão constituir apenas circunstância atenuante na fixação da pena (art. 66). (Códi-go penal interpretado. São Paulo: Atlas, 1999. p. 156)

Oportuno ainda trazer à baila o entendimento de Guilherme de Souza Nucci:

Condição da reparação do dano ou da restituição da coisa: deve ser feita de modo integral. Sendo parcial, não se pode aplicar o benefício ao agente. (Código penal comentando. 11. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 201)

Assim, com a devida vênia daqueles que entendem em sentido con-trário, a meu ver somente há falar em aplicação da referida causa de causa de diminuição de pena, relativa ao arrependimento posterior se houver a integral reparação do dano ou restituição da coisa, quando a vítima será totalmente ressarcida do prejuízo sofrido. Na hipótese de ser apenas parcial, poder-se-ia aplicar a atenuante prevista no art. 66 do Código Penal, mas não a minorante aqui tratada.

Saliente-se, em remate, que a previsão legal de índices diversos de re-dução da pena (de um terço a dois terços) há de ser interpretada em função do momento da reparação ou restituição integral do dano ou coisa à vítima, levando-se em conta a maior ou menor celeridade na respectiva devolução.

Sobre o tema, oportuno o escólio de Alberto Silva Franco:

A maior ou menor redução de pena não está vinculada ao quantum do res-sarcimento: se pleno, diminuição máxima; se incompleto, diminuição mí-nima. Em verdade, como já foi posto em relevo no Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul, sendo relator o Juiz Nilo Wolff, o que pode servir de parâmetro, para a aplicação da causa redutora de pena, não é o quantum do ressarcimento, mas, sim, a presteza com que o agente ressarça o dano

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ou restitua a coisa à vítima. Quanto mais próximo do fato criminoso se der o ressarcimento ou a restituição da coisa, maior deverá ser o limite redutivo. Quanto mais próximo do recebimento da denúncia ou da queixa, menor o índice de diminuição. É evidente que há uma lógica neste equacionamento: busca-se, com ele, incentivar o agente a pôr cobro, desde logo, ao prejuízo sofrido pela vítima. Quanto mais tardia for sua atitude, pior para ele, tanto que, se vier a fazê-lo após recebimento da denúncia ou queixa, não terá mais em seu favor uma causa redutora de pena, mas, tão-somente, uma atenuante, que estará sempre balizada pelo mínimo legal cominado ao tipo.

(Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. Parte geral. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 1, 2001. p. 275)

A corroborar a assertiva de que há necessidade de integral reparação do dano ou restituição da coisa para a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 16 do Código Penal, confiram-se alguns dos inúmeros precedentes deste Superior Tribunal de Justiça:

HABEAS CORPUS – PENAL – APROPRIAÇÃO INDÉBITA – PRETENDIDO AFASTAMENTO DA REINCIDÊNCIA – MATÉRIA JÁ APRECIADA POR ESTA CORTE – REITERAÇÃO DE PEDIDO – TESE DE QUE NÃO RESTOU CARAC-TERIZADO O DELITO – REVOLVIMENTO DE PROVAS – IMPOSSIBILIDA-DE – PLEITO DE RECONHECIMENTO DO ARREPENDIMENTO POSTERIOR – IMPROCEDÊNCIA – HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DENEGADO

1. No que diz respeito ao pedido de afastamento da agravante da reincidên-cia, constata-se que a súplica constitui mera reiteração de pedido já aprecia-do por esta Corte.

2. O exame da alegação de que não restou caracterizado o crime de apro-priação indébita demanda, no caso, a reapreciação de matéria fático-proba-tória, incabível na estreita via do habeas corpus.

3. A aplicação do art. 16 do Código Penal exige a comprovação da integral reparação do dano ou a restituição da coisa até o recebimento da denúncia, devendo o ato ser voluntário. Na espécie, os mencionados requisitos não foram preenchidos. Precedentes.

4. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa extensão, denegado.

(HC 151.254/SP, 5ª T., Relª Min. Laurita Vaz, J. 22.11.2011, DJe 02.12.2011 – grifo nosso)

HABEAS CORPUS – PECULATO-DESVIO – ANIMUS REM SIBI HABENDI – RESTITUIÇÃO PARCIAL DO VALOR DESVIADO – ARREPENDIMENTO POSTERIOR – INOCORRÊNCIA – SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITO

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1. No peculato, a restituição do valor desviado não importa, por si só, no afastamento do animus rem sibi habendi, até porque, para a caracterização do tipo penal do art. 312 é irrelevante a efetiva obtenção da vantagem ilícita.

2. Não há falar na incidência do art. 16 do Código Penal, que trata de redu-ção de pena em face de arrependimento posterior, quando a restituição da res apropriada é apenas parcial. (Precedentes)

3. Em sendo cabível a imposição de pena alternativa, é imperativo legal que se determine o exame da substituição da pena privativa de liberdade aplica-da, como impõe o inciso IV do art. 59 do Código Penal.

4. Ordem parcialmente concedida.

(HC 18.032/RO, 6ª T., Rel. Min. Hamilton Carvalhido, J. 03.06.2002, DJ 18.08.2003, p. 230, REPDJ 20.10.2003, p. 299)

Isso estabelecido, no presente caso, consta do acórdão recorrido o seguinte acerca do tema:

Quanto aos valores restituídos, não veio aos autos a comprovação da restitui-ção integral à Corag antes do recebimento da denúncia. Assim, não há falar em incidência da causa de redução da pena (art. 16 do Código Penal). Como bem referido na douta sentença: Embora tenha restituído parte dos valores à companhia (fls. 1032/1033) e se comprometido a devolver o restante de for-ma parcelada (fls. 1034/1038), não há, nos autos, prova de que tenha feito a restituição relativa ao parcelamento. Não obstante, mesmo que tivesse Vitor Hugo Guerra restituído integralmente os valores à Corag antes do recebimen-to da denúncia, não haveria exclusão do crime, mas, somente, a incidência da causa de redução de pena do arrependimento posterior (art. 16 do Código Penal). No entanto, não comprovada a restituição integral antes do recebi-mento da denúncia, sequer incidente é a causa de diminuição. (fl. 1620)

E, afirmado no acórdão recorrido que inexiste comprovação nos autos da restituição integral do dano antes do recebimento da denúncia, maiores considerações acerca do preenchimento dos requisitos legais para o reconhecimento da minorante implicariam no reexame do acervo fático e probatório dos autos, inviável em sede de recurso especial.

De fato, não se mostra plausível nova análise do contexto fático-pro-batório por esta Corte Superior, que não constitui terceira instância recursal, sendo vedado o reexame de provas em sede de recurso especial, a teor do Enunciado nº 7 da súmula desta Corte, verbis:

“A pretensão de simples reexame de prova não enseja Recurso Especial.”

Confira-se, nesse sentido, precedente desta Corte:

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RDP Nº 87 – Ago-Set/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������115

RECURSO ESPECIAL – PENAL – CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEI-RO – VIOLAÇÃO DO ART. 619 DO CPP AFASTADA – OMISSÕES SANA-DAS – ACÓRDÃO NÃO-UNÂNIME – NECESSIDADE DE OPOSIÇÃO DE EMBARGOS INFRINGENTES PARA VIABILIZAR ACESSO ÀS INSTÂNCIAS EXTRAORDINÁRIAS – SÚMULA Nº 207/STJ – ARREPENDIMENTO POSTE-RIOR – PARCIALIDADE DA REPARAÇÃO – INVIABILIDADE – REEXAME DE PROVAS – SÚMULA Nº 7/STJ

[...]

Não ocorrendo a integral reparação do dano, afasta-se a concessão das be-nesses previstas pelo art. 16 da Lei Penal.

Em sede de recurso especial, é vedado o reexame do conjunto fático-proba-tório, a teor do que dispõe a Súmula nº 7/STJ.

Recurso parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido.

(REsp 612.587/PR, 5ª T., Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, J. 28.09.2005, DJ 07.11.2005, p. 340)

Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.

É o voto.

ceRtidão de JulgAmento SeXtA tuRmA

Número Registro: 2012/0019480-4 REsp 1.302.566/RS

Matéria criminal

Números Origem: 001/2.07.0043523-0 001/2.07.0058375-1 20700095543 20700435230 20700583751 20800071190 20800130049 4352322620078213001 70021916077 70040586562 70042950618 70042992784 70044021913

Pauta: 27.06.2014 Julgado: 27.06.2014

Relatora: Exma. Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Franklin Rodrigues da Costa

Secretário: Bel. Eliseu Augusto Nunes de Santana

AutuAção

Recorrente: Vitor Hugo Guerra

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Advogado: Dinor José Simon

Recorrido: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul

Corréu: Mauro Gotler

Corréu: Irton Bertoldo Feller

Assunto: Direito penal – Crimes praticados por funcionários públicos contra a administração em geral – Peculato

ceRtidão

Certifico que a egrégia Sexta Turma, ao apreciar o processo em epí-grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Sexta Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.

Os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior (Presidente), Nefi Cordeiro e Marilza Maynard (Desembargadora Convocada do TJ/SE) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz.

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Parte Geral – Jurisprudência

6984

Superior Tribunal de JustiçaRecurso em Habeas Corpus nº 33.617/PR (2012/0175308‑8)Relatora: Ministra Maria Thereza de Assis MouraRecorrente: Carlos Alberto Rosa da SilvaAdvogado: Henrique Guimarães de Azevedo – Defensor Público da UniãoRecorrido: Ministério Público Federal

ementA

PROCESSUAL PENAL – RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS – ART. 273, § 1º-B, INCISOS I, III E V, DO CP – EXPEDIÇÃO DE CARTA PRECATÓRIA – INTIMAÇÃO DA DEFESA REALIZADA – AUDIÊNCIA NO JUÍZO DEPRECADO – DESNECESSIDADE DE INTIMAÇÃO – SÚMULA Nº 273/STJ – PECHA NO TRÂMITE PROCESSUAL – INEXISTÊNCIA – PREJUÍZO – NÃO DEMONSTRADO – PRINCÍPIO DO PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF – VIOLAÇÃO DA BOA-FÉ OBJETIVA – PROIBIÇÃO DO VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM – RECURSO DESPROVIDO

1. Segundo a Súmula desta Corte: “Intimada a defesa da expedição da carta precatória, torna-se desnecessária intimação da data da audiên-cia no juízo deprecado” (Enunciado nº 273/STJ).

2. Inexiste pecha no trâmite processual, pois atestaram as instâncias ordinárias a devida intimação da Defensoria Pública da União da ex-pedição da carta precatória, sendo nomeado advogado para o acom-panhamento do ato no juízo deprecado.

3. Não foi demonstrado o eventual prejuízo concreto sofrido pela defesa, sendo inviável, pois, o reconhecimento de qualquer nulidade processual, em atenção ao princípio do pas de nullité sans grief.

4. Inaceitável que a defesa avente a tese de nulidade, após quedar-se inerte na audiência deprecada, eis que o defensor público presente em outra audiência anterior foi instigado a acompanhar o ato proces-sual, mas recusou.

5. A relação processual é pautada pelo princípio da boa-fé objetiva, da qual deriva o subprincípio da vedação do venire contra factum proprium (proibição de comportamentos contraditórios). Assim, dian-te de um tal comportamento sinuoso, não dado é reconhecer-se a nulidade.

6. Recurso a que se nega provimento.

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AcóRdão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça: A Sexta Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior (Presidente), Rogerio Schietti Cruz, Nefi Cordeiro e Marilza Maynard (Desembargadora Convocada do TJ/SE) votaram com a Sra. Ministra Rela-tora.

Brasília, 18 de junho de 2014 (data do Julgamento).

Ministra Maria Thereza de Assis Moura Relatora

RelAtóRio

Ministra Maria Thereza de Assis Moura (Relatora):

Cuida-se de recurso em habeas corpus, com pedido liminar, impetra-do por Carlos Alberto Rosa da Silva, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (HC 5009326-27.2012.404.0000/PR).

Consta dos autos que o paciente responde à Ação Penal nº 5003073-03.2011.404.7002, perante a 3ª Vara Federal de Foz do Iguaçu, na qual restou acusado da prática do delito previsto no art. 273, § 1º-B, incisos I, III e V, do Código Penal, tendo sua defesa patrocinada pela Defensoria Pública da União.

Em sede de instrução criminal, nos autos da carta precatória para oitiva de uma testemunha da defesa, o juízo deprecado cientificou o Minis-tério Público Federal da data da realização da audiência, mas não intimou a Defensoria Pública da União.

A defesa requereu a decretação da nulidade da audiência, mas o pe-dido foi indeferido.

Irresignada, ajuizou pedido de habeas corpus perante o tribunal de origem, que denegou a ordem, em acórdão assim sintetizado:

PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS – CARTA PRECATÓRIA – OITIVA TESTEMUNHA – INTIMAÇÃO DA DEFESA – SÚMULA Nº 273 DO STJ – NULIDADE ABSOLUTA – INOCORRÊNCIA – NOMEAÇÃO DE DEFENSOR AD HOC – NULIDADE RELATIVA – PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO – IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA – DENEGAÇÃO DA ORDEM

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1. Intimada a defesa da expedição da carta precatória, torna-se desnecessária intimação da data da audiência no juízo deprecado (Súmula nº 273 do STJ).

2. Eventual nulidade relativa, para seu reconhecimento, demanda demons-tração de prejuízo, o que é incompatível com a via eleita, que não admite dilação probatória. Aplicação da Súmula nº 523 do STF: “No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anu-lará se houver prova de prejuízo para o Réu”.

Neste recurso ordinário, sustenta a defesa do recorrente que houve violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa.

Alega que a nomeação de um defensor ad hoc para acompanhar a audiência causou prejuízo à defesa do paciente.

Aduz que esta Corte tem se manifestado pela nulidade absoluta quan-do não há intimação pessoal da Defensoria Pública.

Invoca o princípio do Defensor Natural.

Requer, liminarmente, a suspensão da Ação Penal nº 5003073-03.2011.404.7002 até o julgamento do presente recurso. No mérito, pre-tende seja declarada a nulidade da audiência realizada no dia 28.05.2012 e todos os atos subsequentes.

Solicita, ao final, que os Defensores Públicos Federais seja intimados pessoalmente e seja observada a prerrogativa do prazo em dobro.

O Ministério Público Federal manifestou-se, às fls. 337/342, em pare-cer da lavra do Subprocurador Henrique Távora Niess, pelo desprovimento do recurso.

O pedido liminar foi indeferido às fls. 344/345.

É o relatório.

ementA

PROCESSUAL PENAL – RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS – ART. 273, § 1º-B, INCISOS I, III E V, DO CP – EXPEDIÇÃO DE CARTA PRECATÓRIA – INTIMAÇÃO DA DEFESA REALIZADA – AUDIÊNCIA NO JUÍZO DEPRECADO – DESNECESSIDADE DE INTIMAÇÃO – SÚMULA 273/STJ – PECHA NO TRÂMITE PROCESSUAL – INEXISTÊNCIA – PREJUÍZO – NÃO DEMONSTRADO – PRINCÍPIO DO PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF – VIOLAÇÃO DA BOA-FÉ OBJETIVA – PROIBIÇÃO DO VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM – RECURSO DESPROVIDO

1. Segundo a Súmula desta Corte: “Intimada a defesa da expedição da carta precatória, torna-se desnecessária intimação da data da audiên-cia no juízo deprecado” (Enunciado nº 273/STJ).

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2. Inexiste pecha no trâmite processual, pois atestaram as instâncias ordinárias a devida intimação da Defensoria Pública da União da ex-pedição da carta precatória, sendo nomeado advogado para o acom-panhamento do ato no juízo deprecado.

3. Não foi demonstrado o eventual prejuízo concreto sofrido pela defesa, sendo inviável, pois, o reconhecimento de qualquer nulidade processual, em atenção ao princípio do pas de nullité sans grief.

4. Inaceitável que a defesa avente a tese de nulidade, após quedar-se inerte na audiência deprecada, eis que o defensor público presente em outra audiência anterior foi instigado a acompanhar o ato proces-sual, mas recusou.

5. A relação processual é pautada pelo princípio da boa-fé objetiva, da qual deriva o subprincípio da vedação do venire contra factum proprium (proibição de comportamentos contraditórios). Assim, dian-te de um tal comportamento sinuoso, não dado é reconhecer-se a nulidade.

6. Recurso a que se nega provimento.

Voto

Ministra Maria Thereza de Assis Moura (Relatora):

A controvérsia aqui vertida cinge-se à existência de nulidade decor-rente da não intimação da Defensoria Pública da União a fim de designar defensor para participar da audiência no juízo deprecado.

Nesse diapasão, confira-se o dito pelo magistrado singular (fls. 207/208):

“1. Na petição anexada ao evento 22, a Defensoria Pública da União pug-nou pela decretação da nulidade da audiência realizada às 15h30min do último dia 28 de maio. Alegou que, no processo originário, o acusado Carlos Alberto Rosa da Silva vem sendo assistido por aquele órgão de defesa, mas que, no entanto, nestes autos de carta precatória, a Defensoria Pública da União não foi intimada da audiência designada por este Juízo deprecado.

Decido.

2. Muito embora não tenha havido determinação do MM. Juízo deprecante para intimação da Defensoria Pública da União para o acompanhamento do ato deprecado, verifica-se que houve falha desta Secretaria em não intimar aquele órgão, responsável pelo patrocínio da defesa do réu.

Não obstante, antes do início da audiência designada para a oitiva da tes-temunha arrolada pela defesa, o servidor Maikel Valente, ao se aperce-ber de que o acusado estava sendo assistindo pela Defensoria Pública da

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União, prontamente questionou ao defensor presente na sala de audiências Dr. Gustavo dc Oliveira Quandt sobre a possibilidade de acompanhar o ato deprecado.

Vale destacar que o referido defensor público Dr. Gustavo de Oliveira Quan-dt se fazia presente porquanto havia participado da audiência anterior (das 15 horas), bem como participaria da audiência posterior (das 16 horas), de-signadas para aquele dia 28 de maio de 2012.

Diante da negativa daquele defensor público, este Juízo providenciou a indi-cação de defensor ad hoc para atender aos interesses do denunciado Carlos Alberto Rosa da Silva, tal como se observa do termo de audiência juntado ao evento 14 (TERMOAUD1), ressaltando-se que, apesar de sua recusa, o Dr. Gustavo de Oliveira Quandt permaneceu no interior da sala de audiências durante a realização do ato deprecado.

À vista do exposto, entendo que o fato de o acusado não ter sido assistido pela Defensoria Pública da União durante o ato deprecado não lhe acarretou qualquer prejuízo, em especial porque foi designado defensor ad hoc para patrocinar a sua defesa. Por essa razão, com fundamento no princípio pas de nullilé sans grief, insculpido no art. 563 do Código de Processo Penal, inexis-te nulidade no caso em testilha, permanecendo hígida a audiência realizada neste Juízo deprecado.”

O Tribunal a quo assim se manifestou, verbis (fls. 290/293):“[...]

O pedido de medida liminar foi indeferido sob os seguintes fundamentos (evento 2):

[...] Não vislumbro ilegalidade ou nulidade a ser sanada na estreita via do habeas corpus, inicialmente, à vista do que dispõe a orientação sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que cabe à defesa acompa-nhar a realização de atos perante o Juízo deprecado, independentemente de nova intimação. Confira-se:

‘STJ. Súmula nº 273: Intimada a defesa da expedição da carta precatória, torna-se desnecessária intimação da data da audiência no juízo depre-cado.’

No caso, conforme consta do Evento 29 da Ação Penal nº 5003073 0320114047002, a Defesa foi intimada da expedição da Carta, bem como cientificada de que deveria acompanhar o andamento da Carta Precatória, perante o Juízo deprecado:

‘[...] 2. À Secretaria, para que certifique a lotação das testemunhas André Ferreira dos Santos e Silva Almeida, arroladas pela defesa. De posse dessa informação, paute-se a audiência para oitiva das testemunhas de acusa-ção e do réu. Caso não estejam lotadas em Foz do Iguaçu, depreque-se o ato, com prazo de 60 (sessenta) dias, intimando-se as partes de deverão acompanhar o andamento da(s) precatória(s) no(s) Juízo(s) Deprecado(s) independentemente de futuras intimações.

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3. Intime-se a Defesa para ciência desse despacho, bem como para que compareça à audiência designada.’

Destaco, outrossim, que no horário aprazado para a realização da au-diência – 15h30m, o Defensor Público da União Gustavo de Oliveira Quandt (que estava presente à sala de sessões porque tinha realizado a audiência das 15h e aguardava a audiência das 16h) recusou-se a patroci-nar os interesses do paciente – ao argumento de que não era o ‘Defensor Natural’ do processo e sequer tinha conhecimento de sua existência – o que acarretou a nomeação de defensor ad hoc para acompanhar o ato.

Nesse contexto, ainda que se cogitasse da decretação de nulidade, esta seria relativa, demandando demonstração de prejuízo para seu reconhe-cimento, o que é incompatível com a via eleita, que não admite dilação probatória. Ademais, na espécie, não é possível presumir a ocorrência de tal prejuízo, tendo em vista que – ante a recusa do Defensor Público – o ato foi acompanhado por defesa técnica, nomeada pelo Juízo.

Ante o exposto, indefiro o pedido de provimento liminar. Intime-se.

Solicitem-se informações. Após, ao Ministério Público Federal. Porto Alegre, 14 de junho de 2012.’

As informações da autoridade impetrada foram prestadas nos seguintes ter-mos – evento 7:

‘O MM. Juízo Federal da 3ª Vara Federal Criminal de Foz do Iguaçu, Seção Judiciária do Paraná, nos autos da Ação Penal nº 5003073-03.2011.404.7002, expediu a carta precatória nº 6063006, autuada e distribuída a este Juízo Federal da 1ª Vara Federal Criminal de Curitiba sob o nº 5017796-96.2012.404.7000. A deprecata tinha como finalidade a realização de audiência para inquirição da testemunha Delbert da Silva Almeida, arrolada pela defesa, acerca dos fatos narrados na denúncia.

Este Juízo deprecado designou, assim, audiência para o dia 28.05.2012, às 15h30min, tendo determinado também a comunicação ao MM. Juízo deprecante e a intimação do Ministério Público Federal, a fim de que comparecesse ao ato processual.

No dia e horário assinados, constatada a ausência da defesa do réu, este Juízo designou defensor ad hoc, procedendo, então, a inquirição da tes-temunha.

Por meio da petição apresentada em 31.05.2012, o Defensor Público Federal Dr. César de Oliveira Gomes pleiteou a declaração da nulidade do ato, ao argumento de que, no processo originário, o réu Carlos Alberto Rosa da Silva é assistido por aquele órgão de defesa, mas que, no entanto, nestes autos de carta precatória, a Defensoria Pública da União não havia sido intimada da audiência designada por este Juízo deprecado. O pedi-do foi indeferido por este Juízo, sob os seguintes fundamentos: (omissis)

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Sendo essas as informações que apresento, renovo a Vossa Excelência os meus protestos de consideração e respeito.’

A questão posta foi detidamente analisada quando do enfrentamento do pe-dido de provimento liminar. Das informações da autoridade impetrada não advém qualquer fato novo apto a ensejar alteração do entendimento já de-clinado, pelo que, mantenho-o por seus próprios fundamentos. Trata-se de aplicação da Súmula nº 273 do STJ à Defensoria Pública da União.

Agrego às razões decidir trecho destacado do parecer ministerial, de lavra do Exmo. Procurador Regional da República, Dr. José Ricardo Lira Soares, nos seguintes termos – grifos meus:

‘Observa-se, como bem foi ressaltado, que o paciente não demonstrou o prejuízo sofrido em face da oitiva da referida testemunha, uma vez que foi nomeado defensor ad hoc para o acompanhamento da audiência referida. Uma vez de plano não apontado qualquer constrangimento ile-gal, na via do habeas corpus não há como se analisar se há razão para a declaração de suspeição dessa testemunha.’

Neste sentido, conforme bem destacado pelo Exmo. Procurador Regional da República, sempre preciso em suas manifestações, é também o teor da apli-cável Súmula do STF nº 523: ‘No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o Réu’.

Ante o exposto, voto por denegar a ordem.”

Da atenta leitura dos autos, a Defensoria Pública da União foi devida-mente intimada (fl. 290) da expedição da carta precatória, sendo o increpa-do intimado da designação da audiência (fls. 231/232 e 233), não havendo, no ponto, qualquer nulidade.

O tema está sumulado por este Superior Tribunal de Justiça, no Enun-ciado nº 273, verbis: “Intimada a defesa da expedição da carta precatória, torna-se desnecessária intimação da data da audiência no juízo deprecado”.

Confira-se, a propósito, os seguintes precedentes:

HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO PREVIS-TO NO ORDENAMENTO JURÍDICO – 1. NÃO CABIMENTO – MODIFICA-ÇÃO DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL – RESTRIÇÃO DO REMÉ-DIO CONSTITUCIONAL – EXAME EXCEPCIONAL QUE VISA PRIVILEGIAR A AMPLA DEFESA E O DEVIDO PROCESSO LEGAL – 2. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO (FRAUDE DE FINANCIAMENTO) – AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DO ADVOGADO DE DEFESA PARA A AUDIÊNCIA DE OITIVA DE TESTEMUNHA DA ACUSAÇÃO REALIZADA POR CARTA PRE-CATÓRIA – APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 273/STJ – INTIMAÇÃO DO RÉU – NOMEAÇÃO DE DEFENSOR DATIVO – NULIDADE – NÃO OCORRÊNCIA – 3. DOSIMETRIA DA PENA – CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁ-

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VEIS – CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO – 4. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO

1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, buscando a racionalida-de do ordenamento jurídico e a funcionalidade do sistema recursal, vinha se firmando, mais recentemente, no sentido de ser imperiosa a restrição do cabimento do remédio constitucional às hipóteses previstas na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. Nessa linha de evolução hermenêuti-ca, o Supremo Tribunal Federal passou a não mais admitir habeas corpus que tenha por objetivo substituir o recurso ordinariamente cabível para a espécie.

Precedentes. Contudo, devem ser analisadas as questões suscitadas na inicial no intuito de verificar a existência de constrangimento ilegal evidente a ser sanado mediante a concessão de habeas corpus de ofício, evitando-se prejuí-zos à ampla defesa e ao devido processo legal.

2. Não enseja nulidade processual quando o defensor constituído pelo réu é intimado da expedição de carta precatória para a oitiva de testemunha da acusação, consoante dispõe o Enunciado nº 273 da Súmula do Superior Tri-bunal de Justiça, cabendo à defesa diligenciar as mudanças supervenientes de local e data, caso tenha interesse em comparecer à audiência. No caso, diante da mudança de endereço profissional da testemunha Antônio Carlos Ferreira de Melo – da Comarca de Alagoa Nova para João Pessoa – permane-ceu a determinação da carta para a execução do ato processual.

3. A sentença condenatória, mantida pelo Tribunal impetrado, apontou cir-cunstâncias judiciais desfavoráveis – culpabilidade e consequências do cri-me – que, à luz do art. 59 do Código Penal, autorizam a exasperação acima do mínimo legal. Dessa forma, a fixação da pena-base está suficientemente fundamentada, inexistindo flagrante ilegalidade ou teratologia a ser sanada na via excepcional do habeas corpus (HC 108.268/MS, Rel. o Min. Luiz Fux, DJ de 20.09.2011).

4. Habeas corpus não conhecido.

(HC 257.216/PB, 5ª T., Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, J. 10.09.2013, DJe 16.09.2013)

HABEAS CORPUS – APROPRIAÇÃO INDÉBITA – TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL – IMPOSSIBILIDADE – DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO – NECESSIDADE DE PROFUNDO EXAME DE PROVAS – NULIDADE – IN-TIMAÇÃO DO PACIENTE PARA OITIVA DE TESTEMUNHA – DEFENSOR – NOMEAÇÃO AD HOC – PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO

1. Conforme a jurisprudência desta Corte, o trancamento da ação penal, pela via do habeas corpus, é medida excepcional, só admissível quando despon-tada dos autos, de forma inequívoca, a ausência de indícios de autoria ou materialidade delitiva, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade.

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2. Inviável o trancamento da ação penal quando a exordial descreve, ao me-nos em tese, fato delituoso com todas as suas circunstâncias, possibilitando, dessa forma, o amplo exercício de defesa (ex vi do art. 41 do CPP).

3. Pedido de desclassificação do delito exige o exame detalhado da prova, o que é incabível em sede de habeas corpus, ação de índole constitucional destinada à salvaguarda da liberdade de locomoção quando despontada a existência de ilegalidade ou abuso de poder.

4. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que a inexistência de intima-ção da expedição da carta é nulidade relativa e necessita de demonstração do prejuízo.

5. Se a própria inexistência de intimação – da defesa e do réu – é nulidade relativa e necessita de demonstração de prejuízo, quanto mais quando há, como na hipótese dos autos, a intimação pessoal do paciente, que advoga-va em causa própria e que sequer compareceu ao referido ato, tendo sido nomeado, pelo magistrado, Defensor ad hoc. Incidência da Súmula nº 273 desta Corte.

6. Ordem denegada.

(HC 132.690/PR, 6ª T., Rel. Min. Og Fernandes, J. 01.03.2011, DJe 21.03.2011)

HABEAS CORPUS – CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIO-NAL – EVASÃO DE DIVISAS – ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA – EXAME DA LICITUDE DA PROVA QUE ENSEJOU A AÇÃO PENAL – IMPOS-SIBILIDADE – SUPOSTA AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA EXPEDIÇÃO DE CARTA PRECATÓRIA – COMPROVAÇÃO NOS AUTOS QUE A DEFESA FOI CIENTIFICADA – ENTENDIMENTO SUMULADO – ENUNCIADO Nº 273 DA SÚMULA DO STJ – ORDEM DENEGADA

1. A análise da regularidade da prova produzida nos autos do processo, ao argumento de se verifica a licitude delas e a necessidade de nova produção, sem a cabal demonstração de nulidade, requer um aprofundado exame do conjunto fático-probatório, o que é inviável na presente via.

2. O entendimento do Superior Tribunal de Justiça, bem como do Supremo Tribunal Federal, é uníssono no sentido de que é suficiente a intimação das partes da expedição da carta precatória, permanecendo a cargo dos interes-sados diligenciar no juízo deprecado a data da realização da audiência.

3. Ordem denegada.

(HC 143.726/RJ, 5ª T., Relª Min. Laurita Vaz, J. 22.06.2010, DJe 09.08.2010)

HABEAS CORPUS – HOMICÍDIO QUALIFICADO – ALEGAÇÃO DE OCOR-RÊNCIA DE NULIDADES NO PROCESSO-CRIME – NÃO VERIFICAÇÃO

1. É necessário, em observância aos princípios que regem o processo penal, que após o aditamento da denúncia se dê oportunidade à defesa de oferecer

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nova prova, o que ocorreu no caso, inclusive com a apresentação, na oca-sião, de rol de testemunhas, consoante registrado pelo Tribunal de origem, inexistindo, portanto, o alegado constrangimento ilegal.

2. A teor do enunciado da Súmula nº 273 do Superior Tribunal de Justiça, intimada a defesa da expedição da carta precatória, torna-se desnecessária a intimação da data da audiência no juízo deprecado.

3. Inexiste momento específico da instrução criminal para a juntada da carta precatória, podendo tal ato ocorrer a qualquer tempo, até mesmo após a sentença, sem que isso acarrete a nulidade do feito, em razão do disposto no art. 222 do Código de Processo Penal.

4. Não tendo os autos sido instruídos suficientemente para se perquirir even-tual inobservância pelo parquet quanto ao prazo previsto no art. 588 do Có-digo de Processo Penal para a apresentação das contra-razões ao recurso em sentido estrito, resta impossibilitado o enfrentamento da matéria.

5. Habeas corpus conhecido em parte e denegado.

(HC 25.730/RO, 6ª T., Rel. Min. Paulo Gallotti, J. 25.06.2009, DJe 03.08.2009)

RECURSO EM HABEAS CORPUS – DIREITO PROCESSUAL PENAL – INTI-MAÇÃO DA EXPEDIÇÃO DE CARTA PRECATÓRIA – LEGALIDADE – IN-VERSÃO DA ORDEM DE OITIVA – NULIDADE – INOCORRÊNCIA – RE-CURSO IMPROVIDO

1. A intimação das partes do despacho que ordena a oitiva de testemunha por precatória atende à exigência do art. 222 do Código de Processo Penal, cuja inobservância, de qualquer modo, consubstancia nulidade relativa, a reclamar arguição oportuna e demonstração inequívoca do prejuízo dela re-sultante.

2. “Intimada a defesa da expedição da carta precatória, torna-se desneces-sária intimação da data da audiência no juízo deprecado.” (Súmula do STJ, Enunciado nº 273).

3. “É relativa a nulidade do processo criminal por falta de intimação da expe-dição de precatória para inquirição de testemunha.” (Súmula do STF, Enun-ciado nº 155).

4. À luz do disposto no art. 222, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Penal, e consoante entendimento jurisprudencial, a expedição de precatória para oitiva de testemunha não suspende a instrução criminal, não havendo falar em nulidade em face da inversão da oitiva de testemunhas de acusação e de defesa, mormente em não demonstrado prejuízo qualquer advindo à defesa do réu.

5. Recurso improvido.

(RHC 21.100/MG, 6ª T., Rel. Min. Hamilton Carvalhido, J. 28.08.2007, DJ 22.10.2007, p. 370)

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Ademais, não houve prejuízo ao acusado, na medida em que o juízo deprecado nomeou defensor ad hoc para a audiência. Desse modo, como regra geral adotada pelo sistema brasileiro, a anulação de ato processual depende da demonstração de efetivo prejuízo, nos termos do art. 563 do Estatuto Processual Repressivo, não logrando êxito a defesa constituída na respectiva comprovação, apenas suscitando genericamente a tese – pas de nullité sans grief.

De mais a mais, não há falar em reconhecimento de nulidade, decor-rente da não intimação da Defensoria Pública da União para a audiência do juízo deprecado, visto que, “no horário aprazado para a realização da audiên-cia – 15h30m, o Defensor Público da União Gustavo de Oliveira Quandt (que estava presente à sala de sessões porque tinha realizado a audiên- cia das 15h e aguardava a audiência das 16h) recusou-se a patrocinar os in-teresses do paciente – ao argumento de que não era o ‘Defensor Natural’ do processo e sequer tinha conhecimento de sua existência – o que acarretou a nomeação de defensor ad hoc para acompanhar o ato” (fl. 290). Assim, optou a Defensoria Pública da União por ausentar-se ao ato processual.

Nesse compasso, penso que feriria a boa-fé objetiva, na dimensão da vedação do venire contra factum proprium, promover-se a anulação pre-tendida.

De fato, ao meu sentir, é inaceitável que a Defensoria Pública da União, após quedar-se inerte no evento anterior, avente a nulidade.

A relação processual é pautada pelo princípio da boa-fé objetiva, da qual deriva o subprincípio da vedação do venire contra factum proprium (proibição de comportamentos contraditórios). Assim, diante de um tal com-portamento sinuoso, não dado é reconhecer-se a nulidade.

Acerca do tema, esclareceu o Ministro Luis Felipe Salomão:

O princípio segundo o qual a ninguém é dado contrariar os seus próprios atos, ou seja, agir contraditoriamente, tem matriz principiológica que remon-ta à Europa do início do século XX, a partir da obra Venire contra factum proprium – Studien in Römischen, Englischen und Deutschen Civilrecht, de Erwin Riezler, professor da Universidade de Freiburg, que extrai das fontes romanas, bem como das obras dos glosadores e pós-glosadores a idéia de nemo potest venire contra factum proprium (SCHERIBER, Anderson. A proi-bição de comportamento contraditório – Tutela da confiança e venire contra factum proprium. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 65).

Consiste tal princípio em diretriz pautada sobretudo na boa-fé, segundo a qual “a ninguém é lícito fazer valer um direito em contradição com sua an-terior conduta, quando essa conduta interpretada objetivamente segundo a

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lei, os bons costumes ou a boa-fé, justifica a conclusão de que não se fará valer o direito, ou quando o exercício posterior choque contra a lei, os bons costumes ou a boa-fé” (Apud, NERI JUNIOR, Nelson. Código civil comenta-do [...], 6. ed. p. 507). (Trecho do voto condutor do REsp 1040606/ES, 4ª T., J. 24.04.2012, DJe 16.05.2012)

Tendo em vista o primado em foco, por meio do qual à ordem jurí-dica repugna a ideia de comportamentos contraditórios, seria inadequado, num plano mesmo de eticidade processual, a declaração da nulidade.

O princípio da vedação do venire contra factum proprium já foi apli-cado pelo Supremo Tribunal Federal, na seara processual penal, verbis:

Cumpre destacar que, no sistema das invalidades processuais, deve-se ob-servar a necessária vedação ao comportamento contraditório cuja rejeição jurídica está bem equacionada na teoria do venire contra factum proprium, em abono aos princípios da boa-fé e da lealdade processuais.

Nesse diapasão, entendo que, levando em conta o fato de a defesa do pa-ciente ter convergido para ocorrência da suposta nulidade – inversão da or-dem de apresentação das alegações finais –, não pode, em momento poste-rior, visando a beneficiar-se de seu primeiro ato, vir a requerer a anulação do julgamento. É que tal comportamento, para mim, é inequivocamente contra-ditório, devendo, portanto, ser refutado. Cabe enfatizar, ainda, que essa linha de raciocínio que venho expor está prevista expressamente no art. 565 do CPP, quando dispõe que nenhuma das partes poderá arguir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à parte contrária interesse.

Diante de todas essas considerações, meu voto é no sentido de denegar a ordem de habeas corpus. (fecho do voto condutor do HC 108476, 2ª T., Rel. Min. Gilmar Mendes, J. 27.03.2012, Processo Eletrônico DJe-073 Divulg. 13.04.2012, Public. 16.04.2012)

Idêntica solução foi alcançada no HC 104185, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª T., J. 02.08.2011, DJe-170 Divulg. 02.09.2011, Public. 05.09.2011, Ement. vol. 02580-01, p. 00063.

Nesta Corte, também, o princípio já foi aplicado no âmbito proces-sual penal:

“HABEAS CORPUS – HOMICÍDIO QUALIFICADO – NULIDADE DO ACÓRDÃO – EXCLUSÃO DAS QUALIFICADORAS – PEDIDO DO PRÓ-PRIO RÉU – COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO – VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM

1. Embora o entendimento desta Corte seja no sentido de que as qualifica-doras só podem ser excluídas quando, de forma incontroversa, se mostrarem

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absolutamente improcedentes, sob pena de invadir a competência constitu-cional do Conselho de Sentença, na espécie, não há como anular o acórdão que acatou pedido do próprio réu.

2. Portanto, a ninguém é dado vir contra o próprio ato, sendo vedado o com-portamento contraditório (venire contra factum proprium).

3. Ordem denegada.”

(HC 121.308/MG, 5ª T., Rel. Min. Adilson Vieira Macabu (Des. Convocado do TJ/RJ), J. 06.12.2011, DJe 03.02.2012)

“HABEAS CORPUS – PECULATO E FORMAÇÃO DE QUADRILHA – AR-GUIÇÃO DE SUSPEIÇÃO DE MAGISTRADO – IMPROCEDÊNCIA

1. Improcede a alegação de suspeição do Juiz de primeiro grau pelo fato de haver se reunido com o acusado, atendendo a pedido deste, fora das depen-dências do fórum, em gabinete do Procurador-Geral de Justiça do Estado.

2. A Lei Orgânica da Magistratura Nacional estabelece, como um dos deve-res do juiz, ‘tratar com urbanidade as partes, os membros do Ministério Pú-blico, os advogados, as testemunhas, os funcionários e auxiliares da Justiça, e atender aos que o procurarem, a qualquer momento, quanto se trate de providência que reclame e possibilite solução de urgência.’ (art. 35, IV, da Lei Complementar nº 35/1975).

Mesmo no gozo de suas férias, nada mais fez o Juiz que atender a pedido da parte para que fosse atendida e ouvida.

3. Da dita reunião não se extraiu, pelos elementos de cognição contidos nes-te habeas corpus, aconselhamento jurídico levado a efeito pelo magistrado.

4. O fato de o encontro ter ocorrido fora das dependências do fórum, por si só, não acarreta a suspeição do magistrado, visto que o conteúdo e o alcance da conversação, presenciada, inclusive, pelo Procurador-Geral de Justiça, ficou bem delineada nos autos, e, de seu conteúdo, não se constata a existên-cia de palavra ou atitude comprometedora de isenção do juiz.

5. Em direito processual, é vedado às partes a adoção de comportamentos contraditórios (nemo venire contra factum proprium). Na espécie, foi o réu quem solicitou, com insistência, o encontro com o juiz. Inadmissível que, agora, pretenda acoimar o ato de suspeito.

6. Ordem denegada.”

(HC 206.706/RR, 6ª T., Rel. Min. Og Fernandes, J. 27.09.2011, DJe 21.03.2012)

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

É como voto.

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ceRtidão de JulgAmento SeXtA tuRmA

Número Registro: 2012/0175308-8

Processo Eletrônico RHC 33.617/PR

Matéria Criminal

Números Origem: 50030730320114047002 50093262720124040000 50177969620124047000

PR-00018668820104047002 PR-50030730320114047002

PR-50177969620124047000 PR-50177978120124047000

Em Mesa Julgado: 18.06.2014

Relatora: Exma. Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Moacir Mendes Sousa

Secretário: Bel. Eliseu Augusto Nunes de Santana

AutuAção

Recorrente: Carlos Alberto Rosa da Silva

Advogado: Henrique Guimarães de Azevedo – Defensor Público da União

Recorrido: Ministério Público Federal

Assunto: Direito penal – Crimes contra a Incolumidade Pública – Falsifica-ção/Corrupção/Adulteração/Alteração de produto destinado a fins terapêuti-cos ou medicinais

ceRtidão

Certifico que a egrégia Sexta Turma, ao apreciar o processo em epí-grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Sexta Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.

Os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior (Presidente), Rogerio Schietti Cruz, Nefi Cordeiro e Marilza Maynard (Desembargadora Convocada do TJ/SE) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

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Parte Geral – Jurisprudência

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Tribunal Regional Federal da 1ª RegiãoApelação Criminal nº 0005625‑81.2009.4.01.3800 (2009.38.00.005968‑9)/MGProcesso na Origem: 56258120094013800Relator(a): Desembargadora Federal Monica SifuentesApelante: Justiça PúblicaProcurador: Helder Magno da SilvaApelado: Aldair Jose SouzaDefensor: Defensoria Pública da União – DPU

ementA

PENAL – PROCESSO PENAL – APELAÇÃO – FURTO QUALIFICADO – CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – ABSOLVIÇÃO – IMAGENS DE CIRCUITO DE SEGURANÇA – MATERIALIDADE E AUTORIA CARACTERIZADAS – CONDENAÇÃO – RUPTURA DE OBSTÁCULO – QUALIFICADORA – LAUDO PERICIAL – COMPROVAÇÃO

1. Imagens gravadas pelo circuito interno de segurança da Caixa Eco-nômica Federal, demonstrando a presença do réu e de outro indiví-duo no interior, subtraindo computadores da instituição financeira, são provas suficientes para a condenação.

2. Afigura-se comprovada a ruptura de obstáculo (retirada de vidro da agência), ainda que por meio de laudo pericial indireto (papiloscó-pico), quando os peritos são categóricos ao confirmarem a situação, incidindo por isso a qualificadora correlata prevista para o furto.

3. Apelação provida.

AcóRdão

Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, dar provimento à apelação para condenar Aldair José Souza pelo crime de furto qualificado majorado nos termos do voto da Relatora.

Brasília/DF, 24 de junho de 2014 (data do Julgamento).

Desembargadora Federal Mônica Sifuentes Relatora

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RelAtóRio

A Exma. Sra. Desembargadora Federal Mônica Sifuentes (relatora): Trata-se de apelação criminal interposta pelo Ministério Público Federal de sentença prolatada pelo Juiz Federal José Henrique Guaracy Rebêlo, da 9ª Vara Criminal da Seção Judiciária de Minas Gerais, que com fulcro no art. 386, V, do Código de Processo Penal absolveu Aldair José Souza, acu-sado de praticar o crime tipificado no art. 155, §§ 1º e 4º, I e IV, do Código Penal (furto qualificado com rompimento de obstáculo e concurso de pes-soas).

Consoante denúncia às fls. 02A/04A, oferecida em 11.01.2008 e re-cebida no dia 15.05.2008 (fl. 81), em suma, o réu (vulgo “Paulo”) na data de 18.12.2006, por volta de 00h58, servindo-se de uma pedra, quebrou o vidro lateral da agência Barreiro da Caixa Econômica Federal, no Bairro Barreiro, em Belo Horizonte/MG, adentrou o estabelecimento e subtraiu 02 (duas) CPUs, fato constatado pelas câmeras do sistema de segurança. Além disso, por volta das 04h05 da madrugada de 06.01.2007, acompanhado de Waldirene Rosa dos Santos e com a ajuda de uma chave de fenda preta deixada no local, os dois retiraram uma placa de vidro de uma das janelas da Agência Itacolomi da Caixa Econômica Federal situada no Bairro An-chieta, na capital mineira, adentraram o estabelecimento e de lá subtraíram 03 (três) CPUs e 01 (um) monitor de vídeo LCD.

No feito originário (autos 2008.38.00.019234-2), Waldirene dos Santos foi citado e apresentou defesa preliminar. Haja vista a quantidade de ações penais movidas em seu desfavor, ou contra ele e outros, o Ministério Público Federal manifestou-se pela reunião dos feitos em que não houvesse ocorrido a audiência de instrução e julgamento, bem como pelo desmem-bramento das ações penais nas quais existisse(m) corréu(s) denunciado(s).

Nos presentes autos foram expedidos mandados de citação (fls. 84/87) para apresentação de defesa por parte dos dois acusados, proce-dimento atendido apenas por Waldirene em virtude de Aldair encontrar-se em liberdade, por ordem judicial, inexistindo outro endereço onde pudesse ser localizado (fl. 87-v). Tal motivo levou o parquet federal a requerer o desmembramento da ação penal acima citada (fls. 94/95), sendo atendido à fl. 96, originando-se, daquela decisão, o presente feito.

O Juiz a quo não vislumbrou “a presença nos autos de prova judi-cializada, capaz de demonstrar, de forma segura, a plausibilidade da tese deduzida pelo Ministério Público Federal” (fls. 195/199).

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O parquet federal sustenta preliminar de cerceamento da acusação, sob a justificativa de falta de apreciação pelo sentenciante das provas pro-duzidas, pois devido à falha na Secretaria da Vara do Juízo, “não foram jun-tados aos autos cópia integral do IPL 48/2007 e do CD contendo imagens do Circuito Fechado de TV da CEF, agência Barreiro (fl. 47), ambos indicados na denúncia, e o último expressamente requerido pelo MPF, em fase de diligências complementares (fl. 123)”, resultando em manifesto prejuízo e nulidade insanável por violação ao contraditório e à verdade material. No mérito aduz existência de prova da materialidade, da autoria e da incidên-cia das qualificadoras previstas nos incisos I e IV do § 4º do art. 155 do Código Penal.

Requer a anulação da sentença para fins de correção da defeituo-sa reprodução do feito originário, com a prolação de nova decisão, atenta às provas referidas pela acusação, ou a conversão do feito em diligência, determinando-se a juntada de tais provas, culminando na condenação do réu (fls. 203/208).

Contrarrazões pela manutenção integral da sentença (fls. 210/219).

O Ministério Público Federal, por meio de parecer da lavra do Pro-curador Regional da República Blal Yassine Dalloul, manifesta-se pelo provimento da apelação, com baixa dos autos para que o Juízo de origem verifique se este TRF 1ª Região respondeu ao ofício à fl. 155 e, caso con-trário, reitere o documento solicitando cópia da mídia (CD) mencionada à fl. 20; bem como, subsidiariamente, haja o apensamento destes autos aos de nº 2008.38.00.019234-2, com a reforma da sentença e condenação do recorrido, sem prejuízo da oitiva das partes sobre a consideração das provas emprestadas que derivarão do apensamento (fls. 223/233).

Despacho da Desembargadora Federal Assusete Magalhães determi-nando o apensamento (fl. 235).

É o relatório.

Encaminhe-se ao eminente Revisor.

Voto

A Exma. Sra. Desembargadora Federal Mônica Sifuentes (Relatora): O inconformismo do Ministério Público Federal exsurge dos autos diante da absolvição de Aldair José Souza da acusação de furto qualificado, mediante destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa e concurso de duas ou mais pessoas.

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Na espécie, o Juízo sentenciante asseverou (fls. 197/198):

[...] A materialidade das ações criminosas ficou comprovada nos autos pe-los seguintes elementos probatórios: documento de fls. 03/04, registrando a ocorrência de furtos de equipamentos de microinformática em agências da Caixa Econômica Federal; laudo de perícia papiloscópica de fls. 05/12, rela-tivo ao furto efetivado no dia 18.01.2006; ofício encaminhado pela Caixa à Superintendência Regional da Polícia Federal/MG, noticiando o furto contra a Agência Barreiro; boletim de ocorrência de fls. 45/46-v e laudo de exame em local (arrombamento) de fls. 48/53.

Em relação às qualificadoras cogitadas pela acusação, observo a inexistência nos autos de laudo de exame pericial a atestar de maneira inequívoca o rom-pimento de obstáculo à subtração dos equipamentos da agência Itacolomi, de modo que resulta afastada, no ponto, a incidência da norma inserta no inciso I do § 4º do art. 155.

De igual maneira, a despeito dos indícios, não há prova concreta de que, no segundo furto, ao menos duas pessoas, unidas pelo mesmo propósito, tenham contribuído com relevância causal para a subtração, pelo que fica afastada também a circunstância qualificadora do concurso de agentes.

No que diz respeito à autoria, denoto não existir prova (ato, portanto, sub-metido o crivo do contraditório) de ter o réu concorrido para a prática dos delitos narrados na denúncia. No exercício do direito à autodefesa, o réu negou que tivesse participado de tais crimes.

É certo que a negativa de autoria traduz uma retratação parcial das declara-ções prestadas na fase inquisitiva, através das quais o acusado teria, aparen-temente, admitido a veracidade da imputação concernente ao furto do dia 06.01.2007.

Todavia, a possível assertiva extrajudicial deve ser avaliada com reservas. O ato inquisitorial cingiu-se, basicamente, à apresentação ao réu de diversas imagens captadas pelo sistema de segurança da Caixa Econômica, a mostrar furtos sucedidos em datas bastante próximas.

A última palavra do acusado tanto pode ser crível quanto mera estratégia de defesa. Mas fato é que, apartando-se do mito da “verdade real”, logicamente inalcançável, não vislumbro a presença nos autos de prova judicializada, ca-paz de demonstrar, de forma segura, a plausibilidade da tese deduzida pelo Ministério Público Federal.

A característica precípua do sistema acusatório reside na imposição exclusi-va do ônus da prova ao titular da ação penal, não podendo a deficiência na produção probatória legitimar a inversão desse ônus.

De outra parte, o conteúdo do CD referenciado à fl. 20 é irrelevante para o deslinde da controvérsia penal, haja vista que eventual reconhecimento foto-gráfico não é suficiente, por si só, para subsidiar uma condenação.

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Ao réu foram imputadas duas condutas delitivas de furto de equipa-mentos de informática em agências da Caixa Econômica Federal. Uma teria sido cometida no dia 18.12.2006, sozinho, na agência Barreiro da CEF, e a outra na agência Itacolomi, em 06.01.2007, em companhia de Waldirene Rosa dos Santos.

Nas alegações finais o Ministério Público Federal consignou (fl. 161):

[...] A autoria do delito também é incontroversa, tendo sido constatada por meio das imagens do sistema de segurança da agência bancária da Caixa Econômica Federal do bairro Barreiro, que demonstraram que a responsa-bilidade pela subtração dos equipamentos foi de Aldair José Souza. A cópia da referida mídia já foi solicitada ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, conforme certidão de fl. 154 v.

Com efeito, “o reconhecimento fotográfico não é suficiente, por si só, para subsidiar uma condenação”, como bem asseverou o sentenciante. Entretanto, a meu ver tal prova não se mostra isolada na espécie.

Primeiramente, anoto ter assistido atentamente aos registros captados pelas câmeras do circuito interno de segurança da Caixa Econômica Fede-ral nas diversas ocorrências criminosas filmadas (mídia à fl. 20 dos autos nº 2008.38.00.019234-2), entre outras, nas duas agências mencionadas na denúncia e na agência Calafate. Um fato constata-se em todas: a mesma imagem de um indivíduo magro e moreno, usando vasta cabeleira no estilo “Black Power” e bigode, características muito semelhantes às do réu, repe-te-se nos arquivos. O confronto dessas imagens com as fotografias insertas à fl. 32 dos autos supramencionados, onde o acusado aparece de forma clara, confirmam a assertiva.

Observo, por outro lado, que a identificação papiloscópica de Aldair José de Souza foi positiva na perícia realizada pela Polícia Federal no furto com arrombamento praticado no dia 04.01.2007 na agência Calafate da CEF, conforme o laudo nº 002/2007 (fls. 22/31), também daqueles autos.

Interrogado pela autoridade policial antes do desmembramento do feito originário, o réu declarou:

[...] que foi preso em flagrante em dezembro de 2005 por ter cometido furtos contra agências da Caixa Econômica Federal (CEF) no dia 08 de dezembro de 2005, tendo permanecido custodiado nas carceragens da Superintendência da Polícia Federal em Belo Horizonte/MG durante cinco meses e, depois, foi remanejado para o presídio Nelson Hungria, onde permaneceu por um período de mais seis meses, tendo permanecido preso em um total de onze meses e alguns dias; que foi condenado a dois anos e quatro meses de re-clusão pela Justiça Federal; que no mês de novembro de 2006, foi posto em

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liberdade; que não cometeu nenhum furto de equipamentos de informática contra a CEF e nenhum outro banco no período em que passou a estar em liberdade, nem mesmo tendo estado em nenhuma agência desde então; que foi preso no dia 12 de janeiro de 2007 por ter furtado um tênis e uma calça Rebook.

Adiante, contudo, disse:

[...] que, atualmente, não faz mais furto contra a CEF, por medo de “rodar”, pois “essa vida não vale a pena”; que, ao serem mostradas as imagens dos fur-tos das agências dos dias 11.01.2007, 09.01.2007, 07.01.2007, 06.01.2007, 04.01.2007, 02.01.2007, 28.12.2006, reconhece como sendo suas; [...] que, no dia 06.01.2007, foi o interrogado e o João; [...] que, no dia 28.12.2006, foi somente o depoente quem cometeu o furto.

Em Juízo, indagado a respeito, negou tudo (mídia audiovisual à fl. 124 dos presentes autos). Todavia, este depoimento extrajudicial, contraditório ao meu juízo, contribui para a demonstração de sua responsabilidade deli-tiva, haja vista a consonância com as demais provas obtidas.

No tocante à parte da sentença na qual desponta a conclusão do Juiz de primeiro grau de ausência de “prova concreta de que, no segundo furto, ao menos duas pessoas, unidas pelo mesmo propósito, tenham contribuído com relevância causal para a subtração, pelo que fica afastada também a circunstância qualificadora do concurso de agentes”, o arquivo com o re-gistro do furto praticado à agência Itacolomi da CEF (mídia de CD à fl. 20) demonstra exatamente o contrário. Observa-se dois indivíduos no interior do estabelecimento bancário praticando o crime, um inclusive com as ca-racterísticas de Aldair.

Waldirene Rosa dos Santos, a quem se atribui, junto com o réu, a au-toria do delito supramencionado, declarou durante o interrogatório judicial (fl. 110):

Que são verdadeiros os fatos narrados na denúncia; [...] que não conhecia o co-réu Aldair; que sua ligação com este foi episódica, o que ocorre frequen-temente com dependentes químicos, ou seja, conheceu na rua e foram furtar juntos.

Por outro lado, conquanto inexista laudo pericial específico de des-truição ou rompimento de obstáculo (arrombamento) da agência Itacolomi, também é insubstanciosa, diante da prova existente, a afirmação do senten-ciante de que:

Em relação às qualificadoras cogitadas pela acusação, observo a inexistência nos autos de laudo de exame pericial a atestar de maneira inequívoca o rom-

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pimento de obstáculo à subtração dos equipamentos da agência Itacolomi, de modo que resulta afastada, no ponto, a incidência da norma inserta no inciso I do § 4º do art. 155.

A fls. 11/15 do apenso dos autos originários, como parte integrante do inquérito policial n. 48, constata-se o laudo papiloscópico nº 003/2007 contendo fotografias (fl. 14) e conclusão dos peritos em cada uma acerca da retirada do vidro por onde os réus adentraram a agência.

Nesse contexto, a apontada falha da Secretaria da 9ª Vara Criminal da Seção Judiciária de Minas Gerais, ao deixar de incluir a cópia do IPL 48/2007, é de somenos importância na espécie.

Aldair José Souza incorreu de livre e espontânea vontade no art. 155, §§ 1º e 4º, I e IV, do Código Penal.

DOSIMETRIA

Atenta aos ditames dos arts. 59 e 68 do Código Penal, passo à análise das circunstâncias judiciais.

Conquanto mereça censura a conduta do réu, sua culpabilidade não desborda do esperado para o tipo penal em apreço, de modo a exigir sanção especialmente gravosa por esse motivo; os antecedentes o desabonam, pois é reincidente, como demonstra a FAC às fl. 131/132, dono de uma extensa ficha criminal. A agravante, porém, será aplicada na segunda fase; a per-sonalidade, os autos indicam, é de uma pessoa voltada à prática de crimes contra o patrimônio; a conduta social não é passível de aferição a partir dos dados contidos nos autos; os motivos são desfavoráveis na medida em que a venda do produto serviria para financiar o próprio vício em drogas ilícitas; as circunstâncias do crime têm estreita ligação com as causas de aumento a serem aplicadas na terceira fase; as consequências já são as esperadas para o delito; o comportamento da vítima não teve influência no crime.

Por tais razões, fixo a pena-base em 03 (três) anos de reclusão e 40 (quarenta) dias-multa, no valor unitário mínimo.

Sem atenuantes, agravo a pena em 06 (seis) meses de reclusão e 10 (dez) dias-multa, em virtude da reincidência (art. 61, I, do Código Penal), passando-a para 03 (três) anos e 06(seis) meses de reclusão e 50 (cinquenta) dias-multa.

Não há causas de diminuição de pena. Contudo, devido à incidência da causa de aumento prevista no § 1º do art. 155 do Código Penal (crime praticado durante o repouso noturno), elevo a pena à fração de 1/3 (um

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terço), em definitivo, ao patamar de 04 (quatro) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 66 (sessenta e seis) dias-multa, no valor unitário mínimo.

Estabeleço o regime inicial semiaberto de cumprimento da pena (art. 33, § 2º, b, do Código Penal).

O réu não faz jus à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos (art. 44, I, primeira parte, do Código Penal).

Custas pelo condenado.

Lance-se o nome no rol dos culpados após o trânsito em julgado.

Pelo exposto, dou provimento à apelação do Ministério Público Fede-ral para condenar Aldair José Souza às penas de 04 (quatro) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 66 (sessenta e seis) dias-multa, no valor unitário míni-mo, pelo crime tipificado no art. 155, §§ 1º e 4º, I e IV, do Código Penal.

É o voto.

Voto-ReViSoR

Recorre o Ministério Público Federal da sentença (fls. 195/199) que absolveu o acusado Aldair José Souza da prática do crime previsto do art. 155, §§ 1º e 4º, I e IV, do Código Penal.

Nada a acrescentar ao Relatório de fls. 239/240.

Restou evidenciado nos autos que, quando do desmembramento que originou o presente feito, não foram incluídos nos autos a cópia do IPL 48/2007 e mídia contendo imagens das ações criminosas imputadas ao réu.

Todavia, tendo sido carreado aos autos laudo papiloscópico nº 002/2007 e nº 003/2007 (fls. 22/31 e 11/15, do apenso dos autos origi-nários), contendo fotografias (fl. 14) e conclusão dos peritos em relação à remoção do vidro para permitir a entrada do réu na agência da CEF furtada, verifico presentes elementos que permitem o julgamento do mérito nesta instância.

A materialidade e autoria delitivas restaram satisfatoriamente com-provadas pela identificação papiloscópica do acusado Aldair José de Souza, em vestígios encontrados no arrombamento praticado no dia 04.01.2007 na agência Calafate da CEF, conforme laudo nº 002/2007 (fls. 22/31, do apenso dos autos originários).

Além disso, o conteúdo das mídias audiovisuais captado pelas câ-meras do circuito interno de segurança da Caixa Econômica Federal, nos

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diversos eventos delituosos, nas duas agências mencionadas na denúncia e na agência Calafate, demonstram que o delito foi prático em ambas as oportunidades por indivíduo de características físicas muito semelhantes à do acusado Aldair.

Tais fatos somados às declarações do apelado prestadas perante a au-toridade policial, em que afirmou “que, atualmente, não faz mais furto con-tra a CEF, por medo de ‘rodar’, pois ‘essa vida não vale a pena’”; e que “ao serem mostradas as imagens dos furtos das agências dos dias 11.01.2007, 09.01.2007, 07.01.2007, 06.01.2007, foi o interrogado e o João; [...] que, no dia 28.12.2006, foi somente o depoente quem cometeu o furto”, com-provam suficientemente a responsabilidade pelos delitos lhe imputados.

Embora o acusado Aldair tenha tentado negar a prática delituosa em seu depoimento em juízo, analisando as provas coligidas aos autos, verifico que a negativa de autoria mostra-se como mera tentativa de isentar-se da responsabilidade pelo delito praticado.

Diante disso, verifico que a negativa de autoria não tem o condão de, por si só, infirmar a confissão extrajudicial feita pelo acusado, ainda mais quando a mesma se encontra em harmonia com as demais provas colhidas durante a instrução, todas apontando no sentido da sua culpa.

Nesse sentido destaco o seguinte julgado desta Corte:

PENAL – PROCESSUAL PENAL – APELAÇÃO CRIMINAL – PECULATO--FURTO – ART. 312 § 1º DO CP – INQUÉRITO POLICIAL – EXCESSO DE PRAZO PARA CONCLUSÃO – NULIDADE – INEXISTÊNCIA – CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL – VALORAÇÃO – AUTORIA E MATERIALIDADE – 1. A exasperação do prazo para conclusão do inquérito policial é mera irregulari-dade que não causa qualquer nulidade dele ou dos elementos nele colhidos. E, mesmo que assim não fosse, eventual nulidade do inquérito policial não contamina o processo criminal, mas apenas e eventualmente impediria que fossem utilizados no processo criminal como meio de prova elementos co-lhidos de forma irregular naquele. 2. A materialidade e a autoria do delito de peculato-furto pelo qual restou o apelante condenado em primeiro grau res-taram devidamente demonstradas. 3. A confissão perante autoridade policial tem força probante, quando a mesma encontra-se em perfeita consonância com as demais provas colhidas. 4. Apelação não provida.

(ACr 0026539-61.2002.4.01.3300/BA, 4ª T., Rel. Des. Fed. Mário César Ribeiro, Rel. Conv. Juiz Federal Klaus Kuschel (Conv.), DJ p. 45 de 26.10.2007)

A seu turno, a ausência de laudo pericial específico quanto à des-truição ou rompimento de obstáculo resta suprida, igualmente, pelo laudo

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papiloscópico nº 003/2007 (fls. 22/31 do apenso dos autos originários) con-cluiu acerca da retirada do vidro no local onde os réus invadiram a agência.

Assim, deve ser reformada a sentença de 1º grau para condenar o réu Aldair José Souza às penas do delito previsto no art. 155, §§ 1º e 4º, I e IV, do Código Penal.

Em relação à dosimetria, verifico que as circunstâncias judiciais fo-ram bem examinadas no voto da eminente relatora, motivo pelo qual a acompanho integralmente nessa parte.

O regime inicial de cumprimento de pena será o semi-aberto, bem como incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, frente ao quantum de pena aplicada (superior a 04 anos).

Ante o exposto, dou provimento a apelação, para condenar Aldair José de Souza pela prática do crime previsto do art. 155, §§ 1º e 4º, I e IV, do Código Penal, acompanhando a pena fixada no voto da eminente Relatora.

É como voto.

Klaus Kuschel Juiz Federal Convocado Revisor

tRibunAl RegionAl FedeRAl dA 1ª Região SecRetARiA JudiciÁRiA

31ª Sessão Ordinária do(a) Terceira Turma

Pauta de: 24.06.2014 Julgado em: 24.06.2014

Ap 0005625-81.2009.4.01.3800/MG

Relatora: Exma. Sra. Desembargadora Federal Monica Sifuentes

Juiz(a) Convocado(a) conforme Ato Presi/Asmag nº 1.600/2012

Revisor: Exmo(a). Sr(a). Juiz Federal Klaus Kuschel (Conv.)

Presidente da Sessão: Exmo(a). Sr(a). Desembargadora Federal Monica Sifuentes

Proc. Reg. da República: Exmo(a). Sr(a). Dr(a). Bruno Caiado de Acioli

Secretário(a): Cláudia Mônica Ferreira

Apte.: Justiça Pública

Procur.: Helder Magno da Silva

Apdo: Aldair Jose Souza

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Defen.: Defensoria Pública da União – DPU

Nº de Origem: 56258120094013800 Vara: 9ª

Justiça de Origem: Justiça Federal Estado/Com.: MG

SuStentAção oRAl ceRtidão

Certifico que a(o) egrégia(o) Terceira Turma, ao apreciar o processo em epígrafe, em Sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, à unanimidade, deu provimento à Apelação, nos termos do voto da Relatora.

Participaram do Julgamento os Exmos. Srs. Juiz Federal Klaus Kuschel Juiz Federal Klaus Kuschel (convocado para substituir o Exmo. Sr. Desembargador Federal Mário César Ribeiro, nos termos do Ato/Presi/Asmag nº 898, de 23.05.2014) e Desembargador Federal Ney Bello.

Brasília, 24 de junho de 2014.

Cláudia Mônica Ferreira Secretário(a)

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Parte Geral – Jurisprudência

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Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoXVI – Agravo de Execução Penal 2013.51.01.801704‑0Nº CNJ: 0801704‑89.2013.4.02.5101Relator: André FontesAgravante: Ines Dutra SangyAdvogado: Defensoria Pública da UniãoAgravado: Ministério Público FederalOrigem: Nona Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro (201351018017040)

ementA

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL – EXECUÇÃO PENAL – DESCUMPRIMENTO INJUSTIFICADO DAS DETERMINAÇÕES DO JUÍZO – CONVERSÃO DAS PENAS – ART. 44, § 4º DO CÓDIGO PENAL E ART. 181 DA LEI DE EXECUÇÕES PENAIS

I – Ante o descumprimento injustificado da condenada aos comandos do juízo de execução, fica autorizada a conversão da pena restritiva de direitos na pena privativa de liberdade imposta no decreto con-denatório transitado em julgado, observado o regime inicial para o cumprimento da pena.

II – Agravo desprovido.

AcóRdão

Vistos e relatados os presentes autos em que são partes as acima in-dicadas, acordam os Membros da 2ª Turma Especializada do Tribunal Re-gional Federal da 2ª Região, à unanimidade, desprover o agravo em execu-ção, nos termos do voto do Relator, que fica fazendo parte integrante deste julgado. Votaram ainda o Juiz Convocado Rogério Tobias de Carvalho e o Desembargador Messod Azulay Neto. Os Procuradores Regionais da Repú-blica, Maurício Andreiuolo Rodrigues e Sidney Madruga, respectivamente, no parecer em sessão de julgamento, presentaram o Ministério Público.

Rio de Janeiro, 15 de julho de 2014 (data do Julgamento).

André Fontes Relator Desembargador do TRF – 2ª Região

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RelAtóRio

Cuida-se de agravo em execução penal, interposto por Ines Dutra Sangy, de r. decisão pelo MM. Juiz da 9ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, José Eduardo Nobre Matta, que determinou a conversão das penas restritivas de direitos a que foi condenada a agravante em pena privativa de liberdade, com a consequente decretação da prisão, com base nos seguintes fundamentos (fls. 103-105):

“A pena corporal foi substituída por duas restritivas de direitos, nas modali-dades de Prestação de Serviços à Comunidade e Prestação Pecuniária.

Todavia, até o momento, a apenada não iniciou o cumprimento de suas penas, eis que houve grande dificuldade do Poder Judiciário em localizá-la, tendo em vista que seus endereços estavam desatualizados.

Todos os esforços foram realizados no sentido de localizar a condenada. Após tentativa de intimação frustrada, foram expedidos ofícios aos órgãos de praxe. Não obstante, todas as diligências restaram negativas.

Intimada por edital, a condenada, da mesma forma, não compareceu em Juízo, a fim de dar início ao cumprimento de suas penas.

O MPF, de seu turno, requereu, a conversão das penas restritivas de direito em privativa de liberdade.

Instada a se manifestar, a DPU requereu nova intimação da apenada em en-dereço diverso, o que foi deferido, novamente sem êxito.

Vale destacar que a apenas, mesmo ciente da existência do processo crimi-nal, mudou seu domicílio sem comunicar ao Juízo competente, permanecen-do, atualmente, em local incerto e não sabido, violando o princípio da boa-fé objetiva que deve reger as relações jurídicas.

Aplica-se ao caso, portanto, o disposto no art. 181, § 1º, a da Lei de Execução Penal c/c art. 44, § 4º do Código Penal, [...]

Na minuta do recurso, sustenta a Defensoria Pública da União que: (i) “a decisão que converte a pena restritiva de direitos em pena privativa de liberdade fere os consagrados princípios da ampla defesa e do contraditório. [...] Como resta provado, ainda que já se tenham feitas diversas diligências no sentido do encontrar a ré, se mostra temerário uma decisão que cerceia a liberdade de outrem ser tomada sem que os princípios da ampla defesa e do contraditório, presentes no art. 5º, LV da nossa Constituição da Re-pública, sejam observados. Desta forma, a Defesa acredita que até a ré ser encontrada, as penas restritivas de direito devem ser mantidas de modo a proporcionar a acusada a ampla defesa e o contraditório que tem direito.”; (ii) “a manutenção em cárcere do paciente se mostra totalmente descabida

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e desproporcional, uma vez que não se lhe pode imputar regime de cumpri-mento de pena mais grave do que a que lhe seria eventualmente imputado quando do trânsito em julgado da sentença. A ré foi condenada a pena de 1 (um) ano 6 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, com regime inicial de cumprimento aberto. Não se mostra nada razoável que a ré seja privada de sua liberdade quando condenada a uma pena de pequena monta que dificilmente ensejaria sua condenação ao cárcere. [...] No presente caso, observa-se a patente desproporcionalidade entre situação concreta e o cár-cere, especialmente observando-se que o réu cumprirá a pena definitiva no regime inicialmente aberto”.

Contrarrazões às fls. 143-147.

No parecer de fls. 154-165, o Procurador Regional da República, Maurício Andreiuolo Rodrigues, opinou pelo desprovimento do agravo.

É o relatório.

Dispensada a revisão, na forma regimental.

Em 15.07.2014.

André Fontes Relator Desembargador do TRF – 2ª Região

Voto

Ante o descumprimento injustificado da condenada aos comandos do juízo de execução, fica autorizada a conversão da pena restritiva de direitos na pena privativa de liberdade imposta no decreto condenatório transitado em julgado, observado o regime inicial para o cumprimento da pena.

Conforme se extrai do relato, os argumentos ventilados pela defesa quanto à decisão que determinou, após condenação transitada em julgado contra a agravante, a conversão da pena substituta – restritiva de direitos – em pena privativa de liberdade, centram-se na ofensa ao devido processo legal, fixada a premissa de que somente com a manifestação prévia do con-denado estaria autorizado o magistrado a assim fazê-lo; como também no fato de que o mandado de prisão expedido impõe àquele último punição mais severa, considerado o regime inicial de cumprimento de pena estabe-lecido, a saber, o aberto.

Sobre o tema, cuidou tanto o Código Penal, no art. 44, § 4º, bem como a Lei de Execuções Penais, no art. 181, de trazer regulamentação

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específica, autorizando dita conversão em hipóteses específicas, assim dis-ciplinadas, respectivamente:

Art. 44. (omissis):

§ 4º A pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quan-do ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta. [...]

Art. 181. A pena restritiva de direito será convertida em privativa de liberda-de nas hipóteses e na forma do art. 45 e seus incisos do Código Penal.

§ 1º A pena de prestação de serviços à comunidade será convertida quando o condenado:

a) não for encontrado por estar em lugar incerto e não sabido, ou desatender a intimação por edital;

b) não comparecer, injustificadamente, à entidade ou programa em que deva prestar serviço;

c) recusar-se, injustificadamente, a prestar o serviço que lhe foi imposto;

d) praticar falta grave;

e) sofrer condenação por outro crime à pena privativa de liberdade, cuja execução não tenha sido suspensa.”

Como se vê, a lei não prevê expressamente a manifestação prévia do acusado para fins de conversão de penas, mas tão somente situações de injustificado descumprimento de determinação judicial. De maneira espe-cífica, o não comparecimento à audiência admonitória para adequar a exe-cução da pena; o desatendimento das intimações do juízo de execução, ai incluída também a intimação por edital; o não comparecimento à entidade onde irá cumprir a pena substituta ou, mesmo, o seu descumprimento; a prática de falta grave ou a condenação, em pena privativa de liberdade, por outro crime, cuja execução não tenha sido suspensa.

Entretanto, a fim de atender à adjetivação prevista na norma – o in-justificado descumprimento –, é firme o posicionamento doutrinário e juris-prudencial quanto à necessidade de ser ouvido previamente o condenado, para o fim, em tese, de apresentar os seus justos motivos. E, nesse passo, conforme narrativa dos fatos processuais ocorridos no feito originário, mes-mo após ser intimada a comparecer em juízo a fim de dar início à execução penal propriamente dita, em endereços fornecidos inclusive pela conde-nada, além de inúmeras outras diligências infrutíferas para a obtenção do seu endereço atualizado e intimação por edital, permaneceu aquela com a postura furtiva, em patente desrespeito aos comandos judiciais.

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Como conclusivamente aduzido pelo órgão ministerial que oficiou como custos legis, “é lícito concluir que a agravante, por mais de 03 (três) anos, vem deliberadamente se esquivando do cumprimento das penas res-tritivas de direito que lhe foram impostas, uma vez que alterou seu domicílio sem, contudo, informá-lo à Secretaria do Juízo da Execução ou à Receita Fe-deral. Destarte, a conversão das referidas penas substitutivas em privativa de liberdade, com a consequente decretação da prisão da apenada, mostram--se proporcionais e plenamente aplicáveis ao caso concreto.” (fls. 161-162).

De fato, a narrativa processual faz subsumir o caso concreto às hi-póteses contidas nas alíneas a e b do art. 181 da Lei de Execuções Penais, conforme o comando expresso do § 4º do art. 44 do Código Penal. Ora, e a fim de dar cumprimento à pena corporal imposta, outra alternativa não resta senão a expedição do respectivo mandado de prisão, havendo de ser respeitado, entretanto, o regime inicial de cumprimento de pena, tal como imposto no decreto condenatório final. No particular, observa-se do manda-do de prisão expedido (fl. 108) a expressa menção ao regime inicial fixado para o cumprimento da pena – o aberto, o que faz descabida, pontualmen-te, a argumentação recursal.

De todo o exposto, desprovejo o agravo.

É como voto.

Em 15.07.2014.

André Fontes Relator Desembargador do TRF – 2ª Região

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Parte Geral – Jurisprudência

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Tribunal Regional Federal da 3ª RegiãoPoder JudiciárioHabeas Corpus nº 0009829‑92.2014.4.03.0000/SP2014.03.00.009829‑0/SPRelator: Desembargador Federal Nino ToldoImpetrante: João Daniel Rassi

Gauthama C. C. Fornaciari de PaulaPaciente: João Simões (= ou > de 60 Anos)Advogado: SP156685 João Daniel Rassi e outroImpetrado(a): Juízo Federal da 1ª Vara Criminal São Paulo SPNº Orig.: 00017202520044036181 1ª Vr. São Paulo/SP

ementA

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL – DELITO PREVISTO NO ART. 168-A DO CÓDIGO PENAL – DECISÃO DE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA – DÉBITO INCLUÍDO NO REFIS – SUSPENSÃO DO PROCESSO PENAL E DO CURSO DA PRESCRIÇÃO – EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE – EXIGÊNCIA DE PAGAMENTO INTEGRAL DO DÉBITO – INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE – ORDEM DENEGADA

1. A inclusão de determinado débito no Refis enseja apenas a suspen-são do processo penal e do curso da prescrição quanto ao agente a que foi imputada a prática de crime tributário ou previdenciário, tal qual aquele previsto no art. 168-A do Código Penal. Já a extinção da punibilidade, na vigência da Lei nº 9.964/2000, exige o pagamento integral do débito.

2. Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a lei vigente à época do parcelamento representa o marco delimitador quanto à extinção da punibilidade ou à suspensão do processo e do curso da prescrição. Se a adesão ao parcelamento ocorreu ainda na vigência da Lei nº 9.249/1995, o caso é de extinção da punibilida-de. Porém, se o foi quando a Lei nº 9.964/2000 já se encontrava em vigor, a hipótese é apenas de suspensão do processo e do curso da prescrição.

3. Considerando que a formalização do parcelamento do débito se deu mediante adesão ao Refis, já sob a égide da Lei nº 9.964/2000, o caso é tão somente de suspensão da prescrição e da ação penal rela-

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tiva ao delito previsto no art. 168-A do Código Penal, e não de inci-dência da Lei nº 9.249/1995 e consequente extinção da punibilidade.

4. Não há que se falar em nulidade da decisão de recebimento da de-núncia, proferida após informação do Comitê Gestor do Refis acerca da exclusão do programa.

5. Posterior decisão proferida em agravo de instrumento tirado de ação cível que discutia a ilegalidade dessa exclusão, determinando a reintegração, não é capaz de viciar o recebimento da denúncia, ante sua ausência de eficácia, decorrente da renúncia expressa ao direito em que se funda a ação, em virtude de adesão ao parcelamento insti-tuído pela Lei nº 11.941/2009.

6. O art. 68 da Lei nº 11.941/2009 também trata o parcelamento ape-nas como causa de suspensão da pretensão punitiva estatal, e não de extinção da punibilidade.

7. Inexistência de ilegalidade. Ordem denegada.

AcóRdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, denegar a ordem de habeas corpus, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 29 de julho de 2014.

Nino Toldo Desembargador Federal

Voto

Compulsando os autos, verifico que os documentos trazidos pelos impetrantes revelam que, em tese (e digo em tese para não incidir em in-devido prejulgamento acerca do delito em questão), a sociedade Conjunto Turístico Delfim Verde, administrada pelo paciente, deixou de recolher con-tribuições destinadas à Previdência Social no período compreendido entre janeiro de 1999 e janeiro de 2000, sendo que, em 27.11.2000, teve seu pedido de parcelamento do respectivo débito incluído no Refis – Programa de Recuperação Fiscal (fls. 17/112).

Em razão disso, o juízo impetrado acolheu requerimento do Parquet e suspendeu a pretensão punitiva estatal e o curso da prescrição quanto ao

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crime imputado ao paciente (CP, art. 168-A), com base no art. 15 e § 1º da Lei nº 9.964/2000 (fls. 114/115), que dispõe:

Art. 15. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes pre-vistos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e no art. 95 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluí-da no Refis, desde que a inclusão no referido Programa tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia criminal.

§ 1º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.

Esse dispositivo legal é claro ao estabelecer que a inclusão de deter-minado débito no REFIS enseja apenas a suspensão do processo penal e do curso da prescrição quanto ao agente a que foi imputada a prática de crime tributário ou previdenciário, tal qual aquele previsto no art. 168-A do Códi-go Penal. Já a extinção da punibilidade, na vigência da lei supracitada, exige o pagamento integral de tal débito.

Isso porque, segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justi-ça, a lei vigente à época do parcelamento representa o marco delimitador quanto à extinção da punibilidade ou à suspensão do processo e do curso da prescrição.

Assim, se a adesão ao parcelamento ocorreu ainda na vigência da Lei nº 9.249/1995, o caso é de extinção da punibilidade, pois “[u]ma vez deferido o parcelamento, em momento anterior ao recebimento da de-núncia, verifica-se a extinção da punibilidade prevista no art. 34 da Lei nº 9.249/1995, sendo desnecessário o pagamento integral do débito para tanto” (RHC 11.598/SC, Terceira Seção, maioria, Rel. Min. Gilson Dipp, J. 08.05.2002, DJU 02.09.2002, p. 145). Porém, se o foi quando a Lei nº 9.964/2000 já se encontrava em vigor, a hipótese é apenas de suspensão do processo e do curso da prescrição.

A propósito, trago, a título exemplificativo, mais julgados daquele Tri-bunal:

[...]

EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE – ADESÃO A PROGRAMA DE RECUPERA-ÇÃO FISCAL – REFIS – APÓS A VIGÊNCIA DA LEI Nº 9.249/1995 – AUSÊN-CIA DE QUITAÇÃO INTEGRAL DO DÉBITO – IMPOSSIBILIDADE – CONS-TRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO – DESPROVIMENTO DO RECLAMO

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1. Firmou-se nesta Corte Superior de Justiça o entendimento de que a in-cidência das regras de extinção da punibilidade nas hipóteses de parcela-mento do crédito tributário, disciplinadas de formas distintas pelas nas Leis nºs 9.249/1995 e 9.964/2000, depende da data na qual ocorreu a adesão ao respectivo programa, sendo certo que a partir do último diploma legal tal fato apenas dá ensejo à suspensão da pretensão punitiva até a quitação integral das parcelas.

2. No caso dos autos, verifica-se que os fatos imputados ao recorrente teriam ocorrido entre março de 2003 e outubro de 2005, ou seja, após o advento da Lei nº 9.964/2000, sendo certo que, de acordo com as informações pres-tadas pela Receita Federal, o parcelamento convencional foi consolidado em 31.12.2007, o que impede que se reconheça a extinção de sua punibilidade com base no art. 34 da Lei nº 9.249/1995.

3. Recurso improvido.

(RHC 47.042/MG, 5ª T., Registro nº 2014/0084383-7, v.u., Rel. Min. Jorge Mussi, J. 20.05.2014, DJe 26.05.2014; destaquei)

AGRAVO REGIMENTAL – RECURSO ESPECIAL – DIREITO PENAL – LEGIS-LAÇÃO EXTRAVAGANTE – CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA – LEI Nº 9.249/1995 – EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE – QUITAÇÃO INTEGRAL DO DÉBITO – NÃO OCORRÊNCIA – PEDIDO DE PARCELAMENTO DE DÍVIDA REQUERIDO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 9.964/2000 – INADEQUA-ÇÃO LEGAL – CAUSA DE EXTINÇÃO DE PUNIBILIDADE – INEXISTÊNCIA – MATÉRIA CONSTITUCIONAL – STF

1. A Terceira Seção deste Tribunal, ao interpretar o art. 34 da Lei nº 9.249/1995, firmou o entendimento de que o simples parcelamento do débito tributário leva à extinção da punibilidade, desde que efetuado na vi-gência da mencionada norma.

2. Tratando-se de crime supostamente praticado entre 1999 e 2000 e sendo requerido o parcelamento quando já em vigor o art. 15 da Lei nº 9.964/2000, a extinção da punibilidade fica condicionada ao seu pagamento integral.

3. Ao parcelamento do débito tributário deferido já na vigência da Lei nº 9.964/2000 ou da Lei nº 10.684/2003 aplica-se o disposto no art. 9º desta última, afastando-se a incidência da Lei nº 9.249/1995.

4. A violação de preceitos, de dispositivos ou de princípios constitucionais revela-se quaestio afeta à competência do Supremo Tribunal Federal, provo-cado pela via do extraordinário; motivo pelo qual não se pode conhecer do recurso nesse aspecto, em função do disposto no art. 105, III, da Constituição Federal.

5. O agravo regimental não merece prosperar, porquanto as razões reunidas na insurgência recursal são incapazes de infirmar o entendimento assentado na decisão agravada.

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6. Agravo regimental improvido.

(AgRg-REsp 1.183.076/PR, 6ª T., Registro nº 2010/0029712-5, v.u., Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, J. 13.08.2013, DJe 26.08.2013; des taquei)

E o exame destes autos revela que a formalização do parcelamento do débito da sociedade Conjunto Turístico Delfim Verde se deu mediante ade-são ao Refis, deferido em 27.11.2000, já sob a égide da Lei nº 9.964/2000, que instituiu tal Programa (fls. 104). Portanto, o caso é tão somente de sus-pensão da prescrição e da ação penal relativa ao delito previsto no art. 168-A do Código Penal, e não de incidência da Lei nº 9.249/1995 e consequente extinção da punibilidade, como querem os impetrantes.

Por outro lado, não há que se falar em nulidade da decisão que rece-beu a denúncia.

Com efeito, em maio de 2004 sobreveio aos autos a informação de que a sociedade Conjunto Turístico Delfim Verde havia sido excluída do Refis (fls. 123/126), o que ensejou o oferecimento de denúncia em face do paciente (fls. 129) e seu recebimento pelo juízo de origem, em 02.07.2004 (fls. 130/131), ante a existência de justa causa, pois em tal data não havia óbice a tanto.

Apesar de a sociedade ter sido reintegrada ao Refis por decisão judi-cial datada de 18.08.2005 (fls. 177/179), que tornou sem efeito o ato de ex-clusão do Comitê Gestor do Refis (fls. 126), não se pode inquinar de viciada a decisão de recebimento da denúncia, haja vista que esta decisão, poste-riormente confirmada por acórdão prolatado em 27.09.2005 (fls. 177/186), não possui mais eficácia.

Isso porque a decisão e o acórdão supracitados foram proferidos em agravo de instrumento – a título precário, portanto –, tendo cessado sua efi-cácia no momento da prolação da sentença na ação originária, que julgou improcedente o pedido. Esta sentença foi objeto de recurso de apelação, em que a sociedade Conjunto Turístico Delfim Verde renunciou ao direito em que se fundava a ação (CPC, art. 269, V), pois aderiu ao parcelamento disci-plinado na Lei nº 11.941/2009, tendo o respectivo acórdão homologatório transitado em julgado.

Dessa forma, não há que se falar em nulidade da decisão de recebi-mento da denúncia, pois houve renúncia expressa quanto à ação que dis-cutia a alegada nulidade da exclusão da sociedade em referência do Refis. Outrossim, a renúncia ocorreu em virtude da sua adesão ao parcelamento instituído pela Lei nº 11.941/2009, que em seu art. 68 dispõe:

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Art. 68. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes pre-vistos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, limitada a suspensão aos débitos que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento, enquanto não forem rescindidos os parce-lamentos de que tratam os arts. 1º a 3º desta Lei, observado o disposto no art. 69 desta Lei.

Parágrafo único. A prescrição criminal não corre durante o período de sus-pensão da pretensão punitiva.

Percebe-se, então, que o dispositivo legal supramencionado também trata o parcelamento apenas como causa de suspensão da pretensão puni-tiva estatal, e não de extinção da punibilidade, inexistindo qualquer ilegali-dade a ser corrigida neste writ.

Posto isso, denego a ordem de habeas corpus.

É o voto.

Nino Toldo Desembargador Federal

RelAtóRio

Trata-se de habeas corpus impetrado pelos advogados João Daniel Rassi e Gauthama C. C. Fornaciari de Paula em favor de João Simões contra decisão da 1ª Vara Federal Criminal de São Paulo/SP que recebeu a denún-cia oferecida em desfavor do paciente, pelo suposto cometimento do delito capitulado no art. 168-A do Código Penal.

Os impetrantes alegam, em síntese, que o débito previdenciário ob-jeto da denúncia foi incluído no Refis em 27.11.2000, antes, portanto, do recebimento da denúncia, que se deu em 25.06.2004, e da superveniên-cia da Lei nº 9.964/2000, de modo que se aplica à hipótese o disposto no art. 34 da Lei nº 9.249/1995, que prevê a extinção da punibilidade dos cri-mes tributários e previdenciários quando o agente promove o pagamento do respectivo débito antes do recebimento da denúncia.

Aduzem que, sendo nula a Portaria que excluiu do Refis a empresa administrada pelo paciente, a pretensão punitiva estatal está suspensa desde a adesão ao Programa, o que, consequentemente, torna nula a decisão de recebimento da denúncia.

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Pleiteiam a concessão da ordem com o reconhecimento da extinção da punibilidade do paciente quanto ao crime previdenciário que lhe foi im-putado ou a anulação da decisão de recebimento da denúncia.

O juízo impetrado prestou informações (fls. 497/498).

O Ministério Público Federal opinou pela denegação da ordem (fls. 500/502).

É o relatório.

Nino Toldo Desembargador Federal

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Parte Geral – Jurisprudência

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Tribunal Regional Federal da 4ª RegiãoApelação Criminal nº 0000630‑15.2007.404.7000/PRRelator: Des. Fed. Sebastião Ogê MunizApelante: Mario Paulo AlbergeAdvogado: Eliane BudykApelado: Ministério Público Federal

ementA

PROCESSO PENAL – SURSIS PROCESSUAL – DESCUMPRIMENTO DO ACORDO – BENEFICIÁRIO PROCESSADO NO CURSO DO PERÍODO DE PROVA – REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO – PROCESSAMENTO DO FEITO – CONDENAÇÃO DO RÉU – DOSIMETRIA DA PENA – PRESCRIÇÃO – PENA EM CONCRETO – EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE

1. Considerando que o réu não cumpriu as condições do acordo na sua integralidade e foi processado durante o período de prova do sursis processual, irreparável a decisão que revogou o benefício da suspensão condicional do processo, conforme art. 89, § 3º, da Lei nº 9.099/1999 e determinou a retomada da marcha processual.

2. Conforme firme orientação do Superior Tribunal de Justiça, no cál-culo da pena-base é impossível a consideração de condenação tran-sitada em julgado correspondente a fato posterior ao narrado na de-núncia para valorar negativamente os maus antecedentes no cálculo da pena-base. Readequação da pena privativa imposta ao réu para o mínimo legal do tipo penal (293, V, do CP).

3. Tendo havido condenação do réu pelo delito previsto no art. 293, V, do Código Penal, com trânsito em julgado para acusação, regula--se a prescrição pela pena em concreto, nos termos do § 1º e do § 2º do art. 110 do Código Penal. Transcorrido período superior a quatro anos entre a data dos fatos e a do recebimento da denúncia, conside-rando que a pena aplicada foi inferior a dois anos, conforme inciso V do art. 109 do Código Penal, impõe-se decretar a prescrição da pretensão punitiva, de ofício, com a extinção da punibilidade do réu.

AcóRdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por

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unanimidade, declarar extinta a punibilidade do réu, de ofício, dada a pres-crição da pretensão punitiva, e julgar prejudicada a apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 22 de julho de 2014.

Des. Fed. Sebastião Ogê Muniz Relator

RelAtóRio

O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra Mario Paulo Alberge, brasileiro, divorciado, nascido em 06.02.1962, pela prática do cri-me previsto no art. 293, V, do Código Penal, a partir dos elementos contidos no Inquérito Policial nº 2007.70.00.00630-8 (IPL 1341/06-SR/DPF/PR).

Segundo os termos da denúncia, o acusado falsificou Documento de Arrecadação de Receitas Federais (DARF), emitido em 10 de dezembro de 2004, mediante a inserção de autenticação mecânica destinada à compro-vação/ quitação de recolhimento de tributo inscrito em dívida ativa, no va-lor de R$ 3.279,14 (90.6.99.005641-01), em nome da empresa Madeireira Muller Ltda., apropriando-se do numerário destinado ao pagamento de dí-vida fiscal.

A peça acusatória foi recebida em 25.02.2009 (fl. 10).

Após apresentação da defesa preliminar pelo réu (fls. 37/8), o Juízo a quo, na audiência de instrução e julgamento, desclassificou o delito para estelionato, com o fim exclusivo de propiciar ao acusado o benefício da suspensão condicional do processo, fato que contou com o assentimento do MPF, da Defesa e do próprio acusado (fls. 54/56). De consequência, fo-ram definidas as condições referentes à suspensão condicional do processo (fl. 55).

Acolhendo o pedido da defesa e após manifestação do MPF, a pres-tação mensal inicial definida no acordo foi reduzida de R$ 500,00 para R$ 250,00 (fl.100).

Noticiado nos autos o cumprimento integral da prestação de serviços à comunidade (fls. 102/113). Quanto à reparação do dano, constam dos autos comprovantes de pagamento que totalizaram R$ 3.300,00 (fls. 61, 72, 101, 122, 127-v, 135-v e 162/165). Em relação ao comparecimento bimes-tral, foi cumprido parcialmente (fl. 58).

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O réu, devidamente intimado, por diversas vezes deixou de cumprir as condições acordadas e, após as sucessivas decisões que oportunizaram retomasse o adimplemento da obrigação assumida (fls. 115, 118, 123, 124, 132, 145), sobreveio manifestação do MPF requerendo a revogação do be-nefício, também por força da Ação Penal nº 5023113-46.2010.404.7000 ajuizada contra o réu (fls. 156/159).

Por meio da decisão da fl. 167, restou revogado o benefício concedi-do ao acusado, com base no art. 89, § 3º, da Lei nº 9.099/1995, e determi-nado o regular prosseguimento do feito.

Após apresentação das razões finais, sobreveio sentença pela proce-dência da denúncia pra condenar o réu à pena privativa de liberdade de 2 anos e 6 meses de reclusão, pelo delito do art. 293, V, do Código Penal, a ser cumprida em regime inicial aberto, nos termos do art. 33, § 2º, c, do Código Penal. Foi determinada a substituição da pena privativa por duas restritivas de direito, consistente em (1) prestação de serviço à comunidade, à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, ou de sete horas por semana, de modo a não prejudicar a jornada de trabalho do condenado, pelo tempo da pena privativa de liberdade substituída, e (2) em prestação pecuniária, fixada em dois salários mínimos destinados à entidade pública ou assistencial, como forma de compensar a sociedade pelo crime.

Considerando que o condenado, durante a suspensão condicional, já cumpriu 336h20min de prestação de serviços à comunidade (fl. 102 da ação penal), foi determinada a compensação das horas de prestação de ser-viços ora impostas ao condenado.

Restou fixada multa proporcional à pena privativa de liberdade, em 29 dias-multa, fixando-se o dia multa em metade do salário mínimo vigente ao tempo do fato delitivo (12/2004), a ser corrigido monetariamente até o pagamento.

Nos termos do inciso IV do art. 387 do CPP pela Lei nº 11.719/2008, restou fixado valor mínimo para reparação dos danos causados pela infra-ção, referente ao prejuízo equivalente ao montante do valor recebido em decorrência da falsificação do documento de arrecadação de tributo federal (R$ 3.279,14 – fl. 05 do IPL), corrigido monetariamente desde 12/2004 até a data do pagamento.

O réu apelou, sustentando ter cumprido integralmente as condições impostas na audiência. Sendo outro o entendimento, fosse a pena fixada no mínimo legal, assim como as penas pecuniárias que lhe foram impostas.

Foram oferecidas as contrarrazões às fls. 230/233.

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O MPF ofertou parecer pelo desprovimento da apelação.

É o relatório. À revisão.

Des. Fed. Sebastião Ogê Muniz Relator

Voto

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Trata-se de apelação interposta contra a sentença que impôs ao réu a pena privativa de liberdade de 2 anos e 6 meses de reclusão, além da multa, pela prática do delito do art. 293, V, do Código Penal, ao final substituída por duas restritivas de direitos, consistentes na (a) prestação de serviços à comunidade e (b) prestação pecuniária, esta fixada em dois salários mí-nimos.

A peculiaridade do feito diz respeito ao fato de o Juízo a quo ter desclassificado o delito para estelionato a fim de deferir ao acusado o be-nefício da suspensão condicional do processo, com a anuência do MPF (fls. 52/56). Todavia, durante o período de prova, além de o acusado ter sido intimado inúmeras vezes para dar cumprimento às condições firma-das no acordo – ao final cumprido quase que integralmente –, também foi noticiada nos autos a existência de ação penal contra o réu, autuada sob o nº 5023113.46.2010.404.7000/PR, pela prática do delito previsto no art. 293 do Código Penal, distribuída em 02.12.2010, já com trânsito em jul-gado com baixa definitiva à origem em 08.05.2013 (conforme consulta ao sistema eletrônico).

Por conta disso, o benefício da suspensão do processo restou revoga-do (fl. 167), com fundamento no art. 89, § 3º, da Lei nº 9.099/1995, tendo sido retomada a marcha processual e o réu julgado pela prática do delito contido no art. 293, V, do Código Penal, e não mais pelo estelionato, e con-denado à pena de 2 anos e 6 meses de reclusão.

São esses os contornos da lide.

2 APELAÇÃO DO RÉU

O réu não discute no apelo a materialidade ou autoria delitivas, de modo que em relação ao ponto não há controvérsia. Requereu apenas fos-se reformada a sentença e reconhecido o integral cumprimento do acordo

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firmado em audiência; sucessivamente, sendo outro entendimento, fosse fi-xada no mínimo legal a pena privativa de liberdade, assim como as penas pecuniárias.

Registro que o réu, a despeito de ter cumprido grande parte das con-dições estipuladas, comportou-se de forma pouco diligente nos autos e demonstrou falta de compromisso para com a Justiça, permanecendo in-diferente às intimações para regularizar sua situação de inadimplência do acordo, ao final atendendo às determinações sob pena de ter revogado o benefício, a exemplo das decisões contidas às fls. 115, 124, 132 e 145.

Em relação às condições acordadas, vale anotar que a prestação de serviços à comunidade foi integralmente cumprida (fls. 102/113); quanto à reparação do dano, constam dos autos comprovantes de pagamento que to-talizaram R$ 3.300,00 (fls. 61, 72, 101, 122, 127-v, 135-v e 162, 163/165), sendo que o valor atualizado para fevereiro de 2010 representa o montante de R$ 4.180,18; e o comparecimento bimestral, foi cumprido parcialmen-te (fl. 58). Portanto, não houve o cumprimento integral como entendeu o apelante. Ainda que o réu tenha depositado o valor nominal do prejuízo (R$ 3.279,14 – fl. 05 do IPL), não há falar em cumprimento das condições pela falta de atualização do montante, exigência contida no item 4 (fl. 55).

Por outro lado, a revogação da suspensão condicional do processo se deu não somente pelo cumprimento parcial do acordo, mas pela super-veniência de ação penal contra o réu durante o curso do período de prova.

Como se percebe dos elementos dos autos, o acusado, durante o pe-ríodo de prova – entre setembro/2009 e agosto/2011 –, foi réu na Ação Penal nº 5023113-46.2010.404.7000, autuada em 02.12.2010, pela prática de delito de idêntica natureza (art. 293, § 1º, I, c/c art. 61, II, g, do Códi-go Penal) no bojo da qual foi condenado à pena de 2 anos de reclusão e 10 dias-multa, já com trânsito em julgado e baixa definitiva à origem em 08.05.2013 (conforme consulta ao sistema eletrônico).

Ora, tal circunstância é causa obrigatória de revogação do benefício do sursis processual, conforme art. 89, § 3º, da Lei nº 9099/1999, que segue:

“Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido con-denado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena [...].

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§ 3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano.”

Configurada essa a hipótese dos autos, a revogação da suspensão condicional do processo é medida que se impõe, de modo que irreparável a decisão. Também no mesmo sentido os precedentes do STJ, verbis:

“[...] 1. Este Superior Tribunal de Justiça possui entendimento pacífico de que ‘o benefício da suspensão condicional do processo pode ser revogado mes-mo após o transcurso do período de prova, desde que a causa da revogação tenha ocorrido durante o referido lapso temporal’. Precedentes do STJ e do STF.” (REsp 1.391.677/RJ, 5ª T., Rel. Min. Moura Ribeiro, DJe 18.10.2013) 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg-AREsp 361.602/RJ, 6ª T., Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, J. 01.04.2014, DJe 14.04.2014)

“[...] 1. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é firme no sentido de que, constatado o descumprimento de condição imposta durante o período de prova do sursis processual, ou verificado que o beneficiário da suspensão condicional do processo respondeu a outra ação penal durante esse período, pode haver a revogação do benefício, ainda que a decisão venha a ser pro-ferida após o término da fase probatória. Isso porque a decisão do Juízo é meramente declaratória. Precedentes.2. Ordem de habeas corpus denegada. (HC 251.378/DF, 5ª T., Relª Min. Laurita Vaz, J. 15.08.2013, DJe 26.08.2013)

Mesmo não sendo objeto de controvérsia, tenho que a sentença ana-lisou acertadamente as questões relativas à autoria e materialidade delitivas, uma vez comprovado que o acusado falsificou Documento de Arrecada-ção de Receitas Federais (Darf), emitido em 10 de dezembro de 2004, me-diante a inserção de autenticação mecânica destinada à comprovação de recolhimento de tributo inscrito em dívida ativa no valor de R$ 3.279,14 (90.6.99.005641-01), em nome da empresa Madeireira Muller Ltda., apro-priando-se do numerário destinado ao pagamento de dívida fiscal.

Assim, adoto fundamentação adotada na sentença como razões de decidir, verbis:

“25. Norberto Julio Muller, sócio-gerente da empresa Madeireira Muller Ltda. (fls. 66/76 do IPL), e principal suspeito, uma vez que apresentara a guia falsa ao oficial de justiça (cf. item 18), ao ser ouvido na seara policial (fls. 39/40 do inquérito 2007.70.00.000630-8), declarou que cuidava tão somente da parte comercial da empresa Madeireira Muller, sendo que a parte tributária, inclusive no que se referia a pagamento de tributos, era de responsabilidade de seu contador, Mario Paulo Alberge.

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26. Tanto era assim, asseverou, que outorgara procuração a Mario Paulo Alberge para que ele administrasse o pagamento de impostos e representasse a empresa perante as Fazendas Públicas (cópia da procuração restou anexa-da às fls. 46/47 do inquérito).

27. Aduziu, ainda, que foi lesado financeiramente por Mario, que teria se apropriado de valores destinados ao pagamento de débitos tributários da empresa, bem como nomeado bens à penhora sem o conhecimento do de-poente.

28. Conquanto o depoimento de Norberto Muller tenha que ser analisado com redobrada circunspeção, posto que não repetido na seara judicial, sob o filtro do contraditório, o fato é que a versão apresentada por ele foi ratificada por Mario Paulo Alberge já na seara policial, e posteriormente, perante este Juízo.

29. Ouvido perante a autoridade policial, Mario Paulo Alberge confirmou que era o encarregado pela parte tributária da empresa, sendo o responsável pela confecção de guias e do respectivo pagamento. Reconheceu, ainda, ha-ver falsificado a autenticação de pagamento do Darf no valor de R$ 3.279,14, por meio de computador, sob a alegação de que precisava urgentemente do dinheiro (fls. 83/84 do inquérito 2007.70.00.000630-8).

30. Posteriormente, o teor de seu depoimento policial foi reiterado em seu in-terrogatório, perante este Juízo, tendo havido confissão da prática delituosa, nos seguintes termos (fls. 59/60 dos autos de ação penal):

‘Juiz Federal: – Sejamos diretos aqui, senhor Mario. O senhor está sen-do acusado de ter falsificado uma guia de recolhimento de tributo, uma Darf, no valor de três mil duzentos e setenta e nove, relativamente a essa empresa Madeireira Muller Ltda. O senhor foi até ouvido aqui na Polícia, sobre esses fatos. O senhor pode me explicar o que aconteceu aqui?

Interrogado: – Ah, eu peguei uns valores, fiquei com ele, e alterei a [...] a Darf, ou melhor, coloquei elas no computador, e fiz uma autenticação.

Juiz Federal: – Por que que o senhor fez isso?

Interrogado: – Na época, assim, situação financeira, eu estava precisando muito de dinheiro, e ia repor, só que acabei ficando sem conseguir repor, e ficou dessa forma.

Juiz Federal: – Mas o senhor tinha recebido dinheiro da empresa então?

Interrogado: – Recebi, sim.

Juiz Federal: – E o senhor pagou já, essa dívida aí?

Interrogado: – Não. Ainda eu não paguei.

[...]

Juiz Federal: – E o pessoal da empresa não sabia disso?

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Interrogado: – Ficaram sabendo posteriormente.

Juiz Federal: – Mas na época não?

Interrogado: – Não, na época, não.

[...]

Juiz Federal: – Então basicamente, o senhor confessa que o senhor falsi-ficou?

Interrogado: – Sim. Eu confesso, sim.‘ (grifos nossos)

31. Cumpre ressaltar que a confissão do acusado está em consonância com os demais elementos de prova constantes dos autos, razão pela qual impende seja ela valorada como meio de prova direto por este Juízo, nos termos do art. 197 do CPP.

32. O fato configura o crime previsto no art. 293, V, do Código Penal, uma vez que a prática delituosa consistiu na falsificação de guia relativa à arre-cadação de rendas públicas, tendo sido demonstrados, de forma cabal, a materialidade, a autoria e o dolo na conduta do acusado.

33. A desclassificação do delito para estelionato ocorreu de forma precária, pontual e com o fito exclusivo de propiciar ao acusado o benefício da sus-pensão condicional do processo, fato que contou com o assentimento do MPF, da Defesa e do próprio acusado (fls. 54/56 dos autos de ação penal), tendo em vista as circunstâncias concretas favoráveis ao acusado. [...]”

2.1 No que diz respeito à dosimetria da pena, a sentença assim anali-sou a culpabilidade do agente:

“40. O acusado foi condenado, pela prática do delito previsto no art. 293, § 1º, I, em duas ações penais que tramitaram perante a 3ª Vara Federal Cri-minal de Curitiba/PR, a saber, a de nº 5013455-27.2012.404.7000, na qual não consta o trânsito em julgado, e que portanto não será considerada como mau antecedente (fl. 139); e Ação Penal nº 5023113-46.2010.404.700, no bojo da qual foi ele condenado à pena de 2 anos de reclusão e 10 dias-multa, com trânsito em julgado para a acusação em 30.04.2013 e para a Defesa em 08.05.2013 (fls. 186/189 da ação penal), devendo tal apontamento ser con-siderado como vetor negativo para maus antecedentes, já que não se trata de reincidência. Afirma exercer, atualmente, a atividade de contador. Nada há a registrar em relação à culpabilidade, à conduta social e à personalida-de do agente. Os motivos do crime foram o de ocultar, com a falsificação, a apropriação de valores da empresa destinados ao pagamento de tributo (cf. item 30). Embora reprováveis, não valoro negativamente os motivos, considerando que configuram circunstância agravante (art. 61, II, b, CP). O comportamento da vítima é igualmente irrelevante. Quanto às circunstân-cias e consequências do crime, não devem ser elas valoradas negativamente, considerando a pequena dimensão dos fatos. Considerando, portanto, como

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vetorial negativa somente os maus antecedentes, fixo pena acima do mínimo legal, em dois anos e seis meses de reclusão.

41. Reconheço a presença de duas agravantes. A prevista no art. 61, II, g, do CP, pois o condenado, contador, vulnerou dever inerente ao seu cargo, ao falsificar guia de recolhimento de tributo. Também presente a agravante do art. 61, II, b, do CP, pois a falsificação teve por objetivo ocultar a apropria-ção dos valores da empresa que deveriam ser destinados ao pagamento dos tributos.

42. Entendo que as agravantes restam compensadas pelas atenuantes da con-fissão e pela parcial reparação dos danos (art. 65, III, b e d), tendo em vista a quitação de parcelas referentes à prestação pecuniária, antes da revogação do benefício (item 10). Assim sendo, pelas duas atenuantes, reputo com-pensadas as agravantes e mantenho a pena em dois anos e seis meses de reclusão.

43. Não há causas de aumento ou de diminuição de pena a serem conside-radas. [...]

45. [...] A pena de prestação pecuniária consistirá no pagamento do total de dois salários mínimos à entidade pública ou assistencial, como forma de compensar a sociedade pelo crime. Caberá ao Juízo da execução o detalha-mento das penas, bem como a indicação das entidades assistenciais. Justifico as escolhas, a prestação de serviço pelo seu elevado potencial de ressocia-lização, a prestação pecuniária porque, de certa forma, compensa a vítima direta ou indireta do dano ou da ameaça de dano sofrida. [...]

47. Fixo multa proporcional à pena privativa de liberdade, em 29 dias-multa. Considerando as condições financeiras afirmadas pelo condenado (fl. 54), fixo o dia multa em metade do salário mínimo vigente ao tempo do fato deli-tivo (12/2004), a ser corrigido monetariamente até o pagamento.”

Ao final, a pena privativa de liberdade foi fixada em 2 anos e 6 meses de reclusão pela prática do delito previsto no art. 293, V, do Código Penal, cujo teor transcrevo abaixo:

Art. 293. Falsificar, fabricando-os ou alterando-os [...]

V – talão, recibo, guia, alvará ou qualquer outro documento relativo à arreca-dação de rendas públicas ou a depósito ou caução por que o poder público seja responsável;

Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa.

Merece adequação a pena privativa imposta ao réu. Isso porque en-tendo exasperada a pena-base fixada na primeira fase, em seis meses acima do mínimo legal, considerando que, na análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, a vetorial maus antecedentes foi valorada ne-

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gativamente, pela existência da Ação Penal nº 5023113-46.2010.404.7000 contra o réu, que foi motivo da revogação do sursis processual.

Todavia, o fato de o apelante haver praticado delitos posteriormente ao crime de falsificação de documento público, pelo qual é processado nestes autos, não pode ser considerado para majorar a pena base a título de maus antecedentes, ainda que exista pelos fatos posteriores sentença con-denatória com trânsito em julgado. Nessa perspectiva, considerando que os fatos objeto da Ação Penal nº 5023113-46.2010.404.7000 ocorreram entre 09.03.2009 e 31.03.2009, e o fato ocorrido nesta ação remonta à data de 10.12.2004, não há falar maus antecedentes, como reconhecido na senten-ça. A esse respeito cito os seguintes precedentes do STJ:

[...] 1. Consoante orientação sedimentada nesta Corte Superior, inquéritos policiais ou ações penais em andamento ou sem certificação do trânsito em julgado, ou mesmo condenações transitadas em julgado por fatos posterio-res, não podem ser considerados como maus antecedentes, má conduta so-cial ou personalidade desajustada, sob pena de malferir o princípio consti-tucional da presunção de não culpabilidade. Exegese do Enunciado nº 444 da Súmula deste STJ, verbis: “É vedada a utilização de inquéritos policiais e de ações penais em curso para agravar a pena-base.” 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg-AREsp 220.180/MG, 6ª T., Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, J. 08.10.2013, DJe 17.10.2013)

[...] 3. No cálculo da pena-base, é impossível a consideração de condenação transitada em julgado correspondente a fato posterior ao narrado na denún-cia para valorar negativamente os maus antecedentes, a personalidade ou a conduta social do agente. Já a condenação por fato anterior ao delito que aqui se julga, mas com trânsito em julgado posterior, pode ser utilizada como circunstância judicial negativa, a título de antecedente criminal.

4. A atenuante de menoridade prepondera sobre a agravante prevista no art. 62, I, do Código Penal (liderança do grupo). Precedente. Todavia, sendo a pena-base fixada no mínimo legal, não pode ser aplicada a referida dedu-ção (Súmula nº 231/STJ). [...] (HC 210.787/RJ, 5ª T., Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, J. 10.09.2013, DJe 16.09.2013)

Assim, deve a pena-base ser fixada no mínimo legal, em 2 anos, por-quanto neutras as circunstâncias judiciais.

Na segunda fase, reporto-me aos irreparáveis fundamentos da senten-ça ao considerar integralmente compensadas as agravantes e as atenuantes, como se verifica abaixo:

“41. Reconheço a presença de duas agravantes. A prevista no art. 61, II, g, do CP, pois o condenado, contador, vulnerou dever inerente ao seu cargo, ao falsificar guia de recolhimento de tributo. Também presente a agravante

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do art. 61, II, b, do CP, pois a falsificação teve por objetivo ocultar a apro-priação dos valores da empresa que deveriam ser destinados ao pagamento dos tributos.

42. Entendo que as agravantes restam compensadas pelas atenuantes da con-fissão e pela parcial reparação dos danos (art. 65, III, b e d), tendo em vista a quitação de parcelas referentes à prestação pecuniária, antes da revogação do benefício (item 10). [...]”

Também não havendo causas de aumento ou de diminuição da pena, torno definitiva a pena privativa em 2 anos de reclusão.

2.2 Redução das penas pecuniárias

Com efeito, a multa restou fixada em 29 dias-multas, e cada dia-multa em metade do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos (em dezembro de 2004, correspondente ao valor de R$ 260,00), de modo não parece ser excessiva, considerando a capacidade financeira do acusado.

Nesse sentido peço vênia para transcrever e adotar como razões as razões apresentadas pelo Ministério Público Federal (fls. 231/233):

“O Magistrado sentenciante condenou o recorrente ao pagamento de 29 dias-multa, fixando cada dia-multa em metade do salário mínimo vigente ao tempo do fato delitivo, ocorrido em dezembro de 2004.

Aponte-se que, conforme o art. 1º da Medida Provisória nº 182/2004, o salá-rio mínimo vigente à época dos fatos apurados era de R$ 260,00 (duzentos e sessenta reais).

Ora, conforme declaração do apelante por ocasião do Termo de Suspensão Condicional do Processo (fl. 54), ele percebe cerca de R$ 2.000,00 (dois mil reais) mensalmente, exercendo a profissão de contador.

Dessa maneira, diante do valor de R$ 130,00 (cento e trinta reais) fixado para cada dia-multa e da capacidade econômica do apelante, mostra-se irretocá-vel a decisão do Magistrado de primeiro grau, uma vez que proporcional e razoável.

Ademais, nos termos do art. 50 do Código Penal, o juiz da execução pode-rá, se for o caso, permitir que o apelante realize o pagamento em parcelas mensais.”

Pois bem. Feito isso, impõe-se analisar a prescrição.

Registre-se que, não obstante a defesa do réu tenha deixado de alegar a prescrição, nas razões recursais, o fato é que, analisando os autos, observo que deve ser reconhecida a prescrição da pretensão punitiva, na forma do art. 110, §§ 1º e 2º, do CP.

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No caso em apreço, o réu restou condenado à pena de 2 anos de reclusão pela prática do delito previsto no art. 293, V, do CP. Conside-rando que houve o trânsito em julgado da sentença para a acusação em 04.09.2013 (fl. 216v), a prescrição da pretensão punitiva passa a ser regula-da pela pena em concreto, nos termos do § 1º e do § 2º do art. 110 do Có-digo Penal, vigente na época dos fatos, e será de 4 anos, conforme o inciso V do art. 109 do Código Penal.

Assim, tem-se que se operou a prescrição retroativa, na medida em que decorreram mais de 4 (quatro) anos entre a data dos fatos – a falsifi-cação ocorreu em 10.12.2004) – e a data do recebimento da denúncia, em 25.02.2009 (fl. 10), implementando-se, por conseguinte, a prescrição retroa tiva (art. 117, I e IV, do CP).

Portanto, transcorrido o lapso temporal exigido pela lei, tomando-se por base a pena em concreto de 2 anos, prescrita está a pretensão punitiva do Estado, no que se refere ao delito descrito no art. 293, V, do Código Penal.

Assim, declaro extinta a punibilidade do apelante, em vista a ocorrên-cia da prescrição punitiva após a verificação do trânsito em julgado para a acusação.

Concluindo:

Ante o exposto, voto por, de ofício, declarar extinta a punibilidade do réu, em vista da prescrição retroativa, prejudicada a apelação do réu, nos termos da fundamentação.

Des. Fed. Sebastião Ogê Muniz Relator

eXtRAto de AtA dA SeSSão de 22.07.2014

Apelação Criminal nº 0000630-15.2007.404.7000/PR

Origem: PR 200770000006308

Relator: Des. Fed. Sebastião Ogê Muniz

Presidente: Des. Fed. Sebastião Ogê Muniz

Procurador: Dr. Manoel do Socorro Tavares Pastana

Revisor: Juiz Federal José Paulo Baltazar Junior

Apelante: Mario Paulo Alberge

Advogado: Eliane Budyk

Apelado: Ministério Público Federal

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Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 22.07.2014, na sequência 17, disponibilizada no DE de 07.07.2014, da qual foi intimado(a) o Ministério Público Federal. Certifico, também, que os autos foram enca-minhados ao revisor em 24.06.2014.

Certifico que o(a) 7ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epí-grafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A turma, por unanimidade, decidiu de ofício, declarar extinta a punibilidade do réu, em vista da prescrição retroativa, prejudicada a apelação do réu, nos termos da fundamentação.

Relator Acórdão: Des. Fed. Sebastião Ogê Muniz

Votante(s): Des. Federal Sebastião Ogê Muniz Juiz Federal José Paulo Baltazar Junior Juíza Federal Salise Monteiro Sanchotene

Valéria Menin Berlato Diretora de Secretaria

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Parte Geral – Jurisprudência

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Tribunal Regional Federal da 5ª RegiãoApelação Criminal nº 9876/PE (0000702‑52.2012.4.05.8308)Apte.: Ministério Público FederalApdo.: Antonia Maria dos SantosRepte.: Defensoria Pública da UniãoOrigem: 17ª Vara Federal de Pernambuco (Competente p/Execuções Penais)Relator: Desembargador Federal Fernando Braga – Segunda Turma

ementA

PENAL – ESTELIONATO CONTRA O INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (ART. 171, § 3º, DO CÓDIGO PENAL) – SAQUE DE AMPARO SOCIAL À PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA APÓS ÓBITO DO TITULAR – AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS – ESTADO DE NECESSIDADE NÃO DELINEADO – CONDENAÇÃO QUE SE IMPÕE

1. O Ministério Público Federal interpôs apelação, contra sentença que absolveu a ré, porque considerou que agira sob excludente de an-tijuridicidade do estado de necessidade. A sentença considerou que a acusada sofrera acidente vascular cerebral, cujo tratamento somente poderia ter sido realizado com saque do benefício assistencial da filha falecida, pois a família dela seria presumidamente hipossuficiente.

2. O MPF requereu reforma da sentença e a condenação da ré, por saque indevido do benefício de amparo social a pessoa portadora de deficiência da filha. Consoante o recurso, para manter o benefício ativo, a ré não comunicou o falecimento ao registro civil de pessoas naturais nem ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e, por três vezes, em dez/2007, set/2008 e dez/2009, recadastrou a senha do car-tão magnético, emitido em seu nome, na qualidade de representante legal da filha. O benefício foi sacado indevidamente de mar/2007 a jun/2010, causando prejuízo à Previdência Social de R$ 19.147,07, em valores de julho de 2010. Os saques indevidos somente cessaram logo após o INSS convocar a titular do benefício, em maio/2010, para comparecer a agência da Previdência Social em Petrolina.

3. Tem-se provada a prática consciente do ilícito penal, e, por outro lado, sequer indiciada a excludente do estado de necessidade, por-quanto: (a) o AVC só ocorreu cinco meses após o início da prática delituosa; (b) não há qualquer demonstração do período em que a

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doença gerou a suposta necessidade extraordinária, muito menos a dimensão desta (quais especificamente os gastos decorrentes) e a im-possibilidade da mesma ser suprida por seu marido e seus seis filhos maiores, que moravam consigo, em imóvel próprio.

4. Condena-se a acusada nas penas do art. 171 do CP, a um ano de reclusão e 10 dias-multa. Deixa-se de diminuir a pena pela confissão espontânea (art. 65, III, d, do CP), em obediência à Súmula nº 231 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual a incidência da circuns-tância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal. Em razão de o delito ter sido praticado contra o INSS (art. 171, § 3º, do CP), eleva-se a pena em 1/3, o que a faz alcançar um ano e quatro meses de reclusão e 13 dias-multa. Pela continuidade delitiva (art. 71 do CP), aumenta-se de metade (oito meses), tornando--se definitiva em dois anos de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime aberto (art. 33, § 1º, c, § 2º, c, do CP), e 18 dias-multa, cada um no valor de 1/30 do salário mínimo da época do fato. Ante o art. 44 do CP, substitui-se a pena privativa de liberdade por sanções restritivas de direitos.

5. Apelação provida.

AcóRdão

Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por maioria, dar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas que passam a integrar o presente julgado.

Recife (PE), 15 de julho de 2014 (data do Julgamento).

Desembargador Federal Fernando Braga Relator

RelAtóRio

O Desembargador Federal Fernando Braga (Relator): O Ministério Público Federal interpôs apelação, contra sentença que absolveu Antônia Maria dos Santos, da prática da conduta tipificada no art. 171, § 3º, do Có-digo Penal (fls. 81 e 86/95).

O MPF requereu reforma da sentença e a condenação de Antônia Maria dos Santos, por saque indevido de proventos do benefício de ampa-ro social a pessoa portadora de deficiência de sua filha Nadja Maria dos

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Santos (NB 87/102.500.687-6), após o óbito desta, em 28.01.2007. Conso-ante o recurso, para manter o benefício assistencial ativo, Antônia Maria dos Santos não comunicou o falecimento ao registro civil de pessoas físicas nem ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e, por três vezes, em 07.12.2007, 22.09.2008 e 07.12.2009, recadastrou a senha do cartão mag-nético, que foi emitido em seu nome, na qualidade de representante legal de Nadja Maria dos Santos. O apelante informou que o benefício foi sacado indevidamente de 01.03.2007 a 30.06.2010, causando prejuízo à Previdên-cia Social de R$ 19.147,07, em valores de julho de 2010.

As contrarrazões de Antônia Maria dos Santos pugnam pela manuten-ção do julgado (fls. 97/99v).

Em parecer (fls. 105/115), a Procuradoria Regional da República da 5ª Região opinou pelo provimento do recurso.

É o relatório.

Ao eminente revisor.

Desembargador Federal Fernando Braga Relator

Voto

O Desembargador Federal Fernando Braga (Relator): A sentença ab-solveu Antônia Maria dos Santos, porque considerou que agira sob o pálio da excludente de antijuridicidade do estado de necessidade (fls. 76/79v). A magistrada fundamentou-se em que, após o falecimento da filha da acusa-da, Nadja Maria dos Santos, a ré sofreu acidente vascular cerebral (AVC), cujo tratamento das sequelas era muito caro. Desse modo, concluiu a sen-tença (fls. 78/79):

[...] que a percepção do benefício assistencial foi fundamental para o custeio do tratamento da ré, bem como para a subsistência de sua família, já que nenhum dos membros possuía renda fixa à época do recebimento indevido.

É importante destacar que a hipossuficiência da ré é presumida em face da concessão do LOAS pelo INSS à filha falecida da denunciada, já que um dos requisitos de concessão desse benefício é a miserabilidade comprovada do grupo familiar.

O fato de a ré ter sofrido um AVC demonstra que sua vida estava exposta a perigo atual e inevitável, pois não possuía renda própria e suficiente para arcar com os medicamentos indispensáveis para o tratamento na busca da cura de sua enfermidade.

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Assim, constata-se que a conduta da ré era imprescindível para se evitar dano grave a sua vida, bem jurídico maior, o que revela presentes, pois, os requisi-tos necessários para a caracterização do estado de necessidade.

Veja-se que qualquer pessoa que não possua renda própria, mas administre renda de terceiro inválido, que subitamente veio a falecer, encontrando-se numa situação de enfermidade grave, precisando, consequentemente, de medicamento para salvar sua própria vida, bem como de alimento para a subsistência de sua família que sobrevivia com a renda daquele terceiro, adotará a conduta da ré.

O Código Penal enumera, em rol não exaustivo, as causas de exclu-são de antijuridicidade (ilicitude), entre as quais se encontra o estado de necessidade (CP, art. 23, I). Segundo o Código, considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não pro-vocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se (CP, art. 24, caput).

Para demonstrar que o AVC foi contemporâneo ao óbito de Nadja Maria dos Santos, a ré colacionou cópia de: (a) laudo de angiografia reali-zada em 10.08.2007, que constatou dilatação aneurismática da artéria co-municante posterior direita (fls. 37/38); (b) comentários de tomografia com-putadorizada do crânio, realizada em 08.08.2007, que revelou controle de hemorragia subaracnoidea à direita (fl. 39); (c) laudo de teste ergométrico realizado em 11.06.2012 (fls. 40/50); (d) resultado de exames laboratoriais realizados na rede de saúde pública municipal, em agosto e em setembro de 2007 (fls. 51 e 54); (e) prescrição de medicamentos para controle de crises convulsivas e de pressão arterial (fls. 53/54); e (f) autorização de acompa-nhamento para a paciente no Hospital Dom Malan (HDM), em Petrolina (PE), em 15.08.2007 (fl. 52).

Todavia, o conjunto fático-probatório demonstra que o saque indevi-do do benefício – que perdurou por três ano e três meses (de 01.03.2007 a 30.06.2010) – não foi motivado pelo estado de saúde da acusada. O AVC só ocorreu cinco meses após o início da prática delituosa (isto é, após a morte de Nadja).

Perante a polícia e em juízo (fl. 67 do inquérito apenso e fls. 32/33 e CD de fl. 55), a ré disse saber que era crime sacar benefício de sua filha Nadja. Porém, até seu marido aposentar-se, continuou a sacá-lo, para, se-gundo ela, comprar remédios e alimentar-se. Afirmou que passaram por difi-culdades financeiras, mas informou residir em casa própria, construída com rendimentos do trabalho de seu marido no Colégio Maria Auxiliadora, e que recebia o benefício bolsa-família. Declarou, ainda, que passou quatro meses

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hospitalizada, mas não sabia quem sacou o benefício nesse período, pois o cartão do seguro social estava em seu nome (fl. 35). Ao final, afirmou que, se não tivesse o dinheiro do benefício de Nadja, “alguém trabalhava, né?”

A informante Cleciane dos Santos, filha da ré, declarou que: (a) es-tavam juntando o dinheiro do benefício de Nadja para fazer cirurgia em sua mãe; mas, após dois meses de internamento, o médico conseguiu que a cirurgia fosse realizada gratuitamente; (b) na casa de seus pais, moravam seis filhos maiores; que seu pai e seus irmãos trabalhavam sem carteira de trabalho assinada, mas nunca passaram fome; (c) os vizinhos ajudaram no tratamento da mãe; (d) acompanhou sua mãe no banco para renovar a se-nha necessária para sacar o benefício e ao fórum, para recadastramento do INSS; no fórum avisaram que era ilegal receber o benefício de Nadja; nesse momento, disse para sua mãe deixar de sacar, já que o pai estaria “benefi-ciado” a partir do mês seguinte (fls. 32, 34 e CD de fl. 55).

Aliado a essas declarações, outros elementos probatórios demons-tram que o saque do benefício era realizado com vontade livre e consciente de obter vantagem indevida, não amparável pela justificação do estado de necessidade.

Para obter o benefício assistencial, a ré foi designada representante legal de Nadja Maria dos Santos (fls. 34/39). Nessa condição, deveria ter comunicado o falecimento ao registro de civil de pessoas naturais e ao Insti-tuto Nacional do Seguro Social, mas não o fez (fl. 106/115 do IPL).

Ao contrário, por três vezes, em 07.12.2007, 22.09.2008 e 07.12.2009 (fl. 6), recadastrou a senha do cartão magnético, que foi emitido em seu nome, para continuar a sacar o benefício da filha morta (fls. 125/126).

A recorrida somente parou de sacar o benefício da filha após o INSS convocar Nadja Maria dos Santos, em 06.05.2010, para comparecer a agên-cia da Previdência Social em Petrolina (fls. 43/44 do IPL).

O benefício assistencial era devido a Nadja Santos. Com sua morte, o pagamento dos proventos passou a ser indevido. Por conseguinte, os valores sacados pertenciam ao erário e não à esfera de disponibilidade patrimonial da ré, ainda que fosse para seu tratamento de saúde. O fato de a recorrida ter o cartão do seguro social em seu nome e saber a senha da conta bancária por meio da qual recebia os proventos não a autorizava a realizar os saques.

Dessarte, restou demonstrado que Antônia Maria dos Santos, me-diante a utilização de ardil (utilização de senha e cartão magnético da conta bancária onde eram depositados os proventos de terceiros), com vontade livre e consciente dirigida à obtenção ilegal de benefício assistencial – por-que devido à sua filha que tinha falecido –, induziu em erro os servidores

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do INSS e causou prejuízo à entidade pública, uma vez que o benefício indevido somente foi suspenso em 30.06.2010, três anos e três meses após o óbito de Nadja Maria dos Santos.

Posto isso, condeno Antônia Maria dos Santos nas penas do art. 171 do CP, a um ano de reclusão e 10 dias-multa. Fixo a pena no patamar mínimo, em razão do exame favorável das circunstâncias judiciais do art. 59 do CP.

Deixo de atenuar a pena pela confissão espontânea (art. 65, III, d, do CP), porque, nos termos da Súmula nº 231 do Superior Tribunal de Justiça, a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal.

Em razão de o delito ter sido praticado contra entidade pública (art. 171, § 3º, do CP), elevo a pena em 1/3, o que a faz alcançar um ano e quatro meses de reclusão e 13 dias-multa.

Pela continuidade delitiva (art. 71 do CP), pois os saques indevidos aconteceram de 01.03.2007 a 30.06.2010, elevo a pena em metade (oito me-ses) e a torno definitiva em dois anos de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime aberto (art. 33, § 1º, c, § 2º, c, do CP), e 18 dias-multa, cada um no valor de um trigésimo do salário mínimo vigente na época do fato.

Diante dos requisitos do art. 44 do CP, substituo a pena privativa de liberdade por sanções restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública (art. 43, IV, e art. 46, § 2º, do CP), a ser definida pelo juízo da execução, e em interdição temporária de direitos, proibindo-a de frequentar lugar, a ser definido, também, pelo juízo da execução (art. 43, V, e art. 47, IV, do CP).

Fixo o valor mínimo de R$ 19.147,07, a título de reparação de danos.

Condeno a ré ao pagamento das custas processuais.

Após o trânsito em julgado, lance-se o nome da condenada no rol dos culpados, oficie-se ao Tribunal Regional Eleitoral em Pernambuco (TRE/PE), para os fins do art. 15, III, da Constituição Federal (CF), e art. 71, § 2º, do Código Eleitoral, e à Secretaria de Defesa Social do Estado de Pernambuco (SDS/PE) e ao Instituto Nacional de Identificação (INI), do Departamento de Polícia Federal, para atualização de seus antecedentes.

É como voto.

Desembargador Federal Fernando Braga Relator

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Parte Geral – Ementário de Jurisprudência 6990 – Calúnia e difamação – ofensas a advogado – inocorrência

“Penal. Queixa-crime. Calúnia e difamação. Pretensas ofensas a advogado constantes de decisão judi-cial e manifestação junto ao CNJ. Inocorrência de atribuição de crime. Ausência de dolo específico de difamar. Presença de animus narrandi e defendendi. Rejeição da medida. Queixa-crime oferecida por advogado contra juiz federal em razão de pretensas práticas de calúnia e de difamação decorrentes de supostas ofensas constantes de decisão judicial e de manifestação apresentada em procedimento em curso no CNJ. Não configuração de decadência ao direito de queixa, ante fundada dúvida acerca da data da ciência do apontado vilipêndio. Precedentes do STJ. Patenteada a inépcia da exordial no que diz com o delito de calúnia, à míngua da atribuição de conduta criminosa ao demandante. Limitando-se o suplicado a historiar na decisão judicial ocorrências havidas na ação subjacente, não se divisa dolo específico de difamar, elemento subjetivo do tipo, mas apenas animus narrandi. Apli-cação da excludente de ilicitude contida no art. 142 do CP no que concerne à propalada agressão contida em manifestação do juiz perante o CNJ, tendo o Magistrado atuado, naquele sede, imbuído de animus defendendi. Rejeição da medida, sem condenação em verba honorária, pois, tratando-se de mero juízo de delibação sobre a queixa, inocorrente exame do mérito da demanda, que sequer foi instaurada.” (TRF 3ª R. – PET-Cr 0033769-57.2012.4.03.0000/SP – O.Esp. – Rel. Des. Fed. Márcio Moraes – DJe 24.06.2014)

6991 – Contrabando – cigarros – uso de selo falsificado – obscuridade – inexistência

“Penal. Embargos de declaração. Cigarros contrabandeados. Uso de selos de IPI falsificados. Absor-ção. Consunção. Obscuridade. Inexistência. Provimento negado. 1. O Tribunal pronunciou-se sobre os pontos necessários à prolação da decisão, não restando nenhum ponto omisso, ambíguo, obscuro ou que encerre alguma contradição; 2. Fosse o crime de falso considerado como delito autônomo em relação ao contrabando, chegaríamos à injusta situação de condenar o réu, em concurso formal, pela prática de ambos os crimes, penalizando-o por conta de uma limitação técnica encontrada pelos peritos criminais quanto à identificação da origem dos cigarros que continham os selos falsificados; 3. Razoável é reconhecer como se de procedência estrangeira fossem todos os maços de cigarros apreendidos, de modo que o crime de uso de selo falsificado resta absorvido pelo delito fim, conside-rando-se o contexto fático narrado na denúncia; 4. Embargos a que se nega provimento.” (TRF 2ª R. – ACr 2010.50.02.000041-9 – 2ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Messod Azulay Neto – DJe 24.06.2014)

6992 – Corrupção de menores – crime formal – prova efetiva – independência

“Penal. Processual penal. Corrupção de menores (art. 244-B da Lei nº 8.069/1990). Crime formal. Sú-mula nº 500 do eg. Superior Tribunal de Justiça. Condenação mantida. Sentença confirmada. 1. Nos termos da Súmula nº 500 do eg. Superior Tribunal de Justiça, ‘a configuração do crime previsto no art. 244-B do ECA independe da prova da efetiva corrupção do menor, por se tratar de delito formal’. 2. Tratando-se de crime formal, basta para a consumação do delito tipificado no art. 244-B da Lei nº 8.069/1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, que o maior imputável pratique com o menor a infração penal ou o induza a praticá-la, sendo irrelevantes as consequências externas e futuras do evento, isto é, o grau prévio de corrupção ou a efetiva demonstração do desvirtuamento das vítimas da corrupção de menores. Precedentes do eg. Superior Tribunal de Justiça. 3. Apelação desprovida.” (TRF 1ª R. – ACr 0007818-48.2013.4.01.3600 – 4ª T. – Rel. Des. Fed. I’talo Fioravanti Sabo Mendes – DJe 22.04.2014)

Comentário Editorial SÍNTESEO vertente acórdão trata de apelação interposta em face da v. sentença que julgou procedente a pretensão contida na denúncia, condenando o apelante pela prática dos delitos tipificados nos arts. 157, § 2º, incisos I e II, do Código Penal e 244-B da Lei nº 8.069/1990 c/c o art. 70 do Código Penal.

Consta dos autos que o apelante foi condenado pela prática do crime de corrupção de me-nores.

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Em que pese o entendimento pacificado que o crime de corrupção de menores é concurso formal com o crime de roubo, deve-se levar em consideração, sim, o fato de o menor afirmar que não sofreu qualquer forma de coação do maior envolvido no caso.

O apelante requereu sua absolvição, por alegar falta de prova nos autos de que o acusado corrompeu efetivamente o menor ou facilitou esta corrupção.

Nos termos da Súmula nº 500 do eg. Superior Tribunal de Justiça, “a configuração do crime previsto no art. 244-B do ECA independe da prova da efetiva corrupção do menor, por se tratar de delito formal”.

Com base nesse entendimento, o crime tipificado no art. 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente é um crime formal, não depende de prova da efetiva corrupção do menor de dezoito anos que participe da prática de crime conjuntamente com outro agente maior.

Confira-se, a propósito, o teor das ementas constantes do referido acórdão:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – CORRUPÇÃO DE MENOR – ART. 244-B DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – DOCUMENTO HÁBIL PARA COMPRO-VAR MENORIDADE – EXISTÊNCIA – SÚMULA Nº 74/STJ – CRIME FORMAL – INTELIGÊN-CIA DA SÚMULA Nº 500 DO STJ – MATÉRIA CONSTITUCIONAL – APRECIAÇÃO – INVIABI-LIDADE – AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO

1. A menoridade, a teor da Súmula nº 74 do STJ, deve ser comprovada por documento hábil.

2. Não há óbice ao fato desta situação jurídica ser atestada por meio de outros registros dotados de fé pública que estejam oportunamente colacionados aos autos, conforme ocorre na espécie, em que constam alguns dados pessoais do menor, como: filiação, data e local de nascimento e constituem prova documental idônea para comprovar a menoridade, uma vez que emanados de autoridade pública.

3. A Terceira Seção desta Corte, ao julgar o Recurso Especial Representativo da Controvér-sia – REsp 1.127.954/DF, sedimentou entendimento de que, para a configuração do crime de corrupção de menores, de natureza formal, basta que haja evidências da participação de menor de 18 (dezoito) anos no delito e na companhia de agente imputável, sendo irrelevante o fato de já estar ele corrompido. Inteligência da Súmula nº 500 do STJ.

4. Não cabe ao Superior Tribunal de Justiça apreciar na via especial suposta violação à ma-téria constitucional, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal.

5. Agravo regimental não provido”.

(STJ, AgRg-REsp 1423997/SC, Rel. Min. Moura Ribeiro, 5ª Turma, Julgado por unanimidade em 20.02.2014, publicado no DJe de 25.02.2014)

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – PENAL – CRIME DE CORRUPÇÃO DE MENORES – ART. 244-B DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – NATUREZA FORMAL – SÚMULA Nº 500/STJ

I – A 3ª Seção desta Corte Superior de Justiça, ao apreciar o REsp 1.127.954/DF, representa-tivo de controvérsia, pacificou o entendimento de que o crime de corrupção de menores – an-tes previsto no art. 1º da Lei nº 2.252/1954 e atualmente inscrito no art. 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente – é delito formal.

II – Tratando-se de crime formal, basta à sua consumação que o maior imputável pratique com o menor a infração penal ou o induza a praticá-la, sendo irrelevantes as consequências externas e futuras do evento, isto é, o grau prévio de corrupção ou a efetiva demonstração do desvirtuamento das vítimas da corrupção de menores.

III – Agravo regimental improvido”.” (STJ, AgRg-REsp 1378870/MG, Relª Min. Regina Helena Costa, 5ª Turma, Julgado por unanimidade em 06.02.2014, publicado no DJe de 13.02.2014)

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região negou provimento ao recurso.

6993 – Corrupção de menores – infração penal – induzimento à prática – provas suficientes – de-poimento – relevância

“Apelação criminal. Corrupção de menores. Induzimento à prática de infração penal. Provas suficien-tes. Depoimento do menor. Especial relevância. Especial proteção da criança e do adolescente. Inser-

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ção do menor na seara criminosa. Consumação do delito. Conjunto probatório suficiente. Idade do menor. Documento de identificação. Existência de outros elementos probatórios. Recurso desprovido. 1. A corrupção do menor se consuma quando ocorre a indução à prática de infração penal, ainda que esta não venha a ser efetivada. Com efeito, opera-se a indução no momento em que o agente faz ingressar na mente do menor a intenção delituosa. 2. Ainda que não haja provas suficientes para condenar o acusado pelo crime de roubo, é certo que o crime se consumou, sendo indene de dúvidas o envolvimento do menor, consubstanciada na sua participação no evento criminoso. 3. Em crimes como o ora apurado, perpetrado em diálogo direito entre o corruptor e a vítima, naturalmente na ausência de testemunhas do fato, deve-se conferir especial relevância ao relato do menor, sobretudo quando este apresenta a mesma versão, de forma firme e coerente, tanto na fase inquisitorial quanto na fase judicial. 4. Os elementos probatórios dos autos não deixam dúvidas, diante da análise das pe-culiaridades do caso, de que a vítima, ao tempo do fato delituoso, era menor idade. A falta de juntada de documento de identidade ou certidão de nascimento, no caso concreto, não assume importância para fins de absolvição. 5. Recurso desprovido.” (TJDFT – ACr 20120310123960 – (772163) – Rel. Des. Silvânio Barbosa dos Santos – DJe 26.03.2014)

6994 – Crime ambiental – denúncia contra empresa – rejeição – possibilidade

“Penal. Processual penal. Crime ambiental. Art. 69-A da Lei nº 9.605/1998. Rejeição da denúncia. 1. O tipo penal do art. 69-A da Lei nº 9.605/1998 objetiva garantir a regularidade e a lisura de qualquer procedimento de cunho ambiental (licenciamento, concessão florestal e outros). 2. Não se subsume ao referido tipo penal a conduta de inserir informações enganosas no sistema de controle oficial do cadastro técnico federal do Ibama, a fim de isentar-se do pagamento da taxa de contro-le e fiscalização ambiental. 3. Recurso em sentido estrito desprovido. (TRF 1ª R. – RSE 0002096-68.2011.4.01.3902 – 3ª T. – Relª Desª Fed. Mônica Sifuentes – J. 25.03.2014)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal contra deci-são que rejeitou a denúncia ofertada em desfavor dos recorridos.

O crime ambiental previsto no art. 69-A da Lei nº 9.605/1998 tipifica a conduta de:

[...] Elaborar ou apresentar, no licenciamento, concessão florestal ou qualquer outro proce-dimento administrativo, estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso ou enganoso, inclusive por omissão.

Consta dos autos, que em inspeção realizada pelo Ibama, constatou-se que o recorrido apre-sentou informação enganosa no sistema de controle oficial técnico do cadastro técnico federal da própria autarquia, por ter se declarado como “microempresa”, quando na verdade se tratava de “empresa de pequeno porte”.

A informação falsa fez com que ficasse isenta do pagamento da taxa de controle e fiscalização ambiental. Após a constatação, o Ibama aplicou-lhe multa de R$ 3.000,00 (três mil reais).

Ao analisar o caso, o Juízo da Subseção Judiciária de Santarém não aceitou a denúncia por entender que houve atipicidade da conduta.

Inconformado, o MPF recorreu ao TRF da 1ª Região ao fundamento de que o Juízo a quo equivocou-se ao entender não existir coincidência entre a tutela ambiental e a imputação da conduta dos denunciados ao tipo penal descrito no art. 69-A da Lei nº 9.605/1998, por considerar que o fato narrado na inicial acusatória veicula questão relacionada ao pagamento de um determinado tributo.

Vale trazer trecho do voto do Relator:

“Na hipótese, a suposta inserção de informações enganosas nos sistemas de informações do Ibama, acerca da empresa denunciada Tábata da Amazônia Madeireira Ltda. – ME, de responsabilidade do codenunciado Adelar Fasbinder, não visava nenhum procedimento admi-nistrativo de cunho ambiental, mas a isenção do pagamento de tributo.

A conduta descrita nos autos não se subsume, portanto, ao tipo penal do art. 69-A da Lei nº 9.605/1998.

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Por outro lado, não se poderia concluir que os fatos descritos na inicial acusatória seriam crime de falsidade ideológica, pois conforme concluiu o Magistrado a quo o único documento informando ser a denunciada ‘empresa de pequeno porte’ é a declaração do contador (fl. 19), sem nenhuma confirmação de órgão competente. Ante o exposto, nego provimento ao recurso.”

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região manteve decisão de rejeitar a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal.

6995 – Crime contra a liberdade sexual – menor de 14 – presunção de violência – regime de pena – correção – possibilidade

“Apelação crime. Estupro contra menor de quatorze anos. Art. 213 c/c art. 224, a, e art. 71, todos do Código Penal. Presunção absoluta de violência. Afastamento da aplicação do art. 71 do CP. Inadmis-sibilidade. Delito praticado por diversas vezes. Correção do regime inicial de cumprimento da pena para semiaberto. Apelo parcialmente provido. 1. O apelante alega que ‘a presunção de violência prevista no art. 224 do Código Penal é relativa e pode ser afastada, em caso de estupro, quando a me-nor é habituada à pratica sexual ou aparentar mais de 14 anos’. 2. A presunção de violência, prevista na antiga redação do art. 224, a, do Código Penal, tem caráter absoluto, uma vez que visa proteger a liberdade sexual das vítimas menores de 14 anos, em razão da sua incompleta formação físico e psíquica. 3. Da mesma forma, não merece prosperar o pedido de redução da pena em 1/6. É que, ao contrário do que alega o recorrente, o acréscimo se refere a aplicação da continuidade delitiva, descrita no art. 71 do Código Penal. Cabe ressaltar que as declarações seguras e convincentes da ví-tima, tanto na fase inquisitorial quanto na fase judicial, relatam a prática do delito por diversas vezes. 4. Por fim, quanto ao pedido para iniciar o cumprimento da pena no regime semiaberto, razão assiste ao recorrente. É que o acusado, que é primário, restou condenado à pena definitiva de 07 (sete) anos de reclusão, aplicando-se, ao caso, o art. 33, § 2º, alínea b, do Código Penal. 5. Recurso conheci-do e parcialmente provido. Acórdão.” (TJCE – ACr 0003195-05.2010.8.06.0000 – Rel. Luiz Evaldo Gonçalves Leite – DJe 27.03.2014)

6996 – Crime contra a liberdade sexual – vítima menor – enteada do acusado – depoimentos da vítima – contrariedade – condenação mantida

“Penal. Processo penal. Revisão criminal. Atentado violento ao pudor. Antiga redação do art. 214. Ví-tima menor de 14 anos e enteada do acusado à época. Contrariedade à evidência dos autos. Improce-dência. Depoimentos da vítima e de sua genitora firmes e verossímeis. Condenação mantida. Pedido revisional improcedente. I – A revisão criminal não visa ao reexame de todo o contexto probatório a fim de garantir ao réu mais uma oportunidade de possível absolvição como um segundo recurso de apelação. Especificamente, quando o art. 621, inciso I, do CPP, se refere à decisão contrária à evi-dência dos autos, exige a demonstração de que a condenação não tenha se fundado em uma prova sequer. II – Ao contrário do que alega a defesa, observa-se que o depoimento da vítima, elemento probatório de especial relevância na apuração de crimes sexuais, denota firmeza e verossimilhança, mormente se interpretado conjuntamente com o de sua genitora, pretendendo o requerente atribuir ao presente instituto o caráter imprimido aos recursos ordinários. Impossibilidade. III – Revisão julgada improcedente.” (TJAL – RvCr 0802411-17.2013.8.02.0900 – Rel. Des. Sebastião Costa Filho – DJe 25.03.2014)

6997 – Crime contra a saúde pública – tráfico ilícito de drogas – autoria e materialidade – com-provação

“Apelação criminal. Recurso da acusação. Crimes contra a saúde pública e incolumidade pública. Tráfico ilícito de drogas (art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006). Autoria e materialidade comprovadas somente em relação a um dos apelados. Expressiva quantidade de crack, cocaína e maconha apre-endida juntamente com aparatos que evidenciam o narcotráfico. Depoimento policiais corroborados com as demais provas dos autos. Acusada surpreendida acondicionando drogas para à venda. Con-denação que se impõe. Reforma da sentença. Absolvição mantida em relação aos demais apelados.

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Depoimentos dos policiais militares que, de per si, não autorizam o decreto condenatório. Indícios não confirmados no contexto probatório. Circunstâncias da prisão em flagrante e ausência de infor-mações exatas da quantidade de droga apreendida que deixam dúvidas acerca da prática da mercan-cia. Aplicação do princípio do in dubio pro reo. É indiscutível a validade das declarações dos poli-ciais, devendo ser recebidas como importante fonte de prova do ocorrido, porém, é imprescindível a presença de outros elementos que deem suporte às suas alegações. Assim, não podem dar suporte à condenação pelo delito de tráfico de drogas as simples declarações genéricas de policiais de que ‘havia informações do cometimento do crime de tráfico por parte do acusado’. Crime de associação para o tráfico. Ausência de comprovação do vínculo associativo de forma estável e permanente. Requisitos imprescindíveis para a caracterização do delito não demonstrados. Absolvição mantida. ‘Para que se vislumbre a configuração da conduta delitiva prevista no art. 35, caput, da nova Lei de Drogas (associação para o tráfico), imprescindível a verificação do elemento subjetivo do tipo, qual seja o animus associativo, consubstanciado na convergência de vontade dos agentes em se unirem de modo estável e permanente, com a finalidade específica voltada para a prática do tráfico ilícito de entorpecentes. Destarte, ausente qualquer elemento de prova apto a demonstrar a intenção dos acusados de unirem-se para a comercialização da droga, a absolvição, no ponto, é medida que se impõe’ (AC 2008.044174-3, da Capital, Relª Desª Salete Silva Sommariva, J. 09.10.2008). Posse ilegal de arma de fogo e munições (art. 16, parágrafo único, IV, da Lei nº 10.826/2003). Agente que possuía no interior de sua residência arma de fogo com numeração raspada e munições sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Autoria e materialidade comprovadas. Al-teração do art. 32 do Estatuto do Desarmamento pela Lei nº 11.706/2008 que não afasta a tipicidade da conduta, mas apenas prevê hipótese de extinção da punibilidade no caso de entrega espontânea de arma, acessórios ou munição à Polícia Federal. Ausência de livre vontade do agente na entrega. Arma e munições tiradas de circulação pela polícia. Tipicidade da conduta configurada. Precedentes jurisprudenciais. Condenação que se impõe. Sentença reformada. Magistrado que deixa de reconhe-cer a agravante da reincidência ao argumento de ser inconstitucional por afronta ao princípio non bis in idem. Tese afastada. Instituto que apenas visa reconhecer maior reprovabilidade na conduta daquele que é contumaz violador da lei penal. Recurso provido para aplicar a agravante prevista no art. 61, I, do Código Penal. Adequação da reprimenda. Fixação de 7,5 URHS para a defensora dativa pela apresentação das contrarrazões de recurso. Recurso conhecido e parcialmente provido.” (TJSC – ACr 2009.071461-8 – 1ª C.Crim. – Rel. Des. Hilton Cunha Júnior – DJe 03.06.2014)

6998 – Crime contra o sistema de telecomunicações – atividade clandestina – princípio da insig-nificância – inaplicabilidade

“Habeas corpus originário. Atividade clandestina de telecomunicações. Habitualidade. Frequência capaz de interferir nos serviços de comunicação. Inaplicabilidade do princípio da insignificância penal. Ordem denegada. 1. A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal já consolidou o entendimento de que a ‘operação de rádio clandestina em frequência capaz de interferir no regular funcionamento dos serviços de comunicação devidamente autorizados impede a aplicação do princípio da insig-nificância’ (HC 119.979, Relª Min. Rosa Weber). Nessa linha: HC 115.137, Rel. Min. Luiz Fux, e HC 119.850, Rel. Min. Dias Toffoli. 2. Ordem denegada.” (STF – HC 111.516 – Rio Grande do Sul – 1ª T. – Rel. Min. Roberto Barroso – J. 06.05.2014)

6999 – Crime de apropriação indébita – Justiça Militar – absolvição – princípio da insignificância – inaplicabilidade

“Habeas corpus. Penal militar. Paciente condenado pelo crime de apropriação indébita majorada. Alegação de incompetência da Justiça Militar. Violação ao pressuposto processual da jurisdição váli-da. Matérias não examinadas no acórdão impugnado. Supressão de instância. Absolvição. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade. Razoável grau de reprovabilidade da conduta. Writ conhecido em parte e, nessa extensão, ordem denegada. I – O Superior Tribunal Militar não fez nenhuma refe-rência quanto à alegação de incompetência da Justiça Militar para processar e julgar a ação penal movida contra o paciente e nem quanto à alegação de ausência de independência e imparcialidade

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do juízo processante, circunstância que impede o exame da matéria por esta Corte, sob pena de indevida supressão de instância e extravasamento das regras de competência previstas no art. 102 da Constituição Federal. II – A aplicação do princípio da insignificância, de modo a tornar a conduta atípica, exige, além da pequena expressão econômica dos bens que foram objeto de subtração, um reduzido grau de reprovabilidade da conduta do agente. III – É relevante e reprovável a conduta de um militar que se apropria de importância significativa pertencente ao erário, que recebeu em razão da função exercida, deixando de tomar as providências necessárias para seu recolhimento ao tesouro, o que demonstra desrespeito às leis e às instituições castrenses de seu País. IV – Conforme ressaltou a Ministra Cármen Lúcia, por ocasião do julgamento do HC 107.638/PE, ‘o Supremo Tribunal admite a aplicação do princípio da insignificância na instância castrense, desde que, reunidos os pressupostos comuns a todos os delitos, não sejam comprometidas a hierarquia e a disciplina exigidas dos inte-grantes das forças públicas e exista uma solução administrativo-disciplinar adequada para o ilícito’. V – Writ conhecido em parte e, na parte conhecida, denegada a ordem.” (STF – HC 118.430 – Rio de Janeiro – 2ª T. – Rel. Min. Ricardo Lewandowski – J. 13.05.2014)

7000 – Crime de concussão – agentes da Polícia Federal – embargos de declaração – apontamen-tos de vício – inexistência

“Embargos de declaração em apelação criminal. Inexistência de apontamento de vícios na decisão recorrida. Pretensão exclusiva de prequestionamento. Impossibilidade. Embargos rejeitados. 1. Os embargos de declaração, a teor do art. 619 do Código de Processo Penal, presta-se a sanar vícios de ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão da decisão recorrida. 2. No caso em tela, o em-bargante veicula pretensão exclusiva de efetuar o prequestionamento ou a rediscussão de matéria que foi exaustivamente enfrentada no voto deste Relator, sem apontar efetivamente contradição interna do acórdão. 3. Embargos rejeitados.” (TRF 3ª R. – EDcl-RSE 0003229-44.2011.4.03.6181 – 2ª T. – Rel. Des. Fed. Cotrim Guimarães – DJe 21.05.2014)

Comentário Editorial SÍNTESEPassamos a comentar o acórdão que trata da caracterização do crime de concussão art. 316 do Código Penal, in verbis:

“Art. 316. Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.”

Consta dos autos, que os agentes da Polícia Federal foram denunciados por exigirem, em razão de suas funções, vantagem indevida de uma vítima.

O Juízo a quo havia decidido pela rejeição da denúncia por entender que não estaria demons-trado o nexo de causalidade entre a exigência praticada e a função pública exercida pelos denunciados, e que a vantagem exigida pelos agentes da Polícia Federal não seria indevida.

O nobre Relator mencionou que a denúncia não deixou dúvida de que as condutas atribuídas aos denunciados estão tipificadas no art. 316 do Código Penal.

Assim mencionou o Relator:

“Eles teriam se utilizado de seus cargos de agentes da Polícia Federal para constranger as vítimas a devolver ao irmão de um deles a quantia paga em virtude da celebração de contrato de compra e venda.”

Ao determinar o recebimento da denúncia, a 2ª Turma do TRF3 considerou que, a depender das provas a serem produzidas no curso da instrução penal e da interpretação jurídica perti-nente ao julgamento do mérito da ação penal, os fatos descritos na denúncia podem configu-rar os delitos de extorsão e o exercício arbitrário das próprias razões.

Vale trazer trecho do voto do Relator:

Não assiste razão aos embargantes.

Os embargos de declaração somente são cabíveis quando “houver na sentença, ambigüidade, obscuridade, contradição ou omissão”, consoante dispõe o art. 619 do CPP.

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No caso em tela, o embargante veicula pretensão exclusiva de efetuar o prequestionamento ou a rediscussão de matéria que foi exaustivamente enfrentada no voto deste Relator, sem apontar efetivamente contradição interna do acórdão.

Em que pese o teor da Súmula nº 98 do Superior Tribunal de Justiça, os embargos de decla-ração não se prestam à reapreciação do julgado ou exclusivamente à finalidade de preques-tionamento, quando ausentes as hipóteses de cabimento da espécie recursal, como se extrai dos julgados da 5ª e da 6ª Turmas do col. Superior Tribunal de Justiça:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO – OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE – INEXISTÊNCIA – MATÉRIA CONSTITU-CIONAL – PREQUESTIONAMENTO – IMPOSSIBILIDADE – 1. Os embargos de declaração somente são cabíveis quando presente, ao menos, uma das hipóteses previstas no art. 619 do Código de Processo Penal. 2. O órgão julgador não está obrigado a se pronunciar acerca de todo e qualquer ponto suscitado pelas partes, mas apenas sobre os considerados suficientes para fundamentar sua decisão. 3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está conso-lidada no sentido de que os embargos declaratórios, mesmo quando opostos com o intuito de prequestionamento visando à interposição do apelo extraordinário, não podem ser acolhidos quando inexistirem os vícios previstos no art. 619 do Código de Processo Penal.

CRIMINAL – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – ART. 619 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – OMISSÃO – INEXISTÊNCIA – PARECER MINISTERIAL – DESNECESSIDADE DE MANI-FESTAÇÃO – PREQUESTIONAMENTO – INVIABILIDADE – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS – I – Os embargos de declaração devem atender aos seus requisitos, quais sejam, suprir ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão. Inexistindo qualquer um desses elementos essenciais, rejeitam-se os aclaratórios. II – O julgador não está obrigado a se manifestar sobre todas as questões suscitadas no writ, muito menos sobre matéria versada em parecer do Ministério Público. Precedentes. III – Esta Corte Superior de Justiça possui entendimento de que os embargos de declaração, ainda que opostos com fins de pre-questionamento, não podem ser acolhidos quando não estão presentes os pressupostos do art. 619 do Código de Processo Penal. IV – embargos de declaração rejeitados.” (STJ, 5ª Turma, EDcl-HC 214701/MG, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 19.12.2011)

A 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), por unanimidade, deu provi-mento ao recurso do Ministério Público Federal (MPF), determinando o recebimento de de-núncia e prosseguimento de ação em primeira instância contra três policiais federais suspeitos pelo crime de concussão ao constranger pessoas a devolver a irmão de um deles quantia de R$ 400 mil paga em virtude da celebração de contrato de compra e venda de posto de gasolina.

7001 – Crime de contrabando – importação clandestina de veículo – prescrição retroativa – reco-nhecimento

“Direito penal e processual penal. Contrabando (art. 334 do Código Penal). Importação clandestina de veículo. Prescrição retroativa da pretensão punitiva. I – Transcorrido lapso temporal superior a quatro anos entre a introdução clandestina do veículo, em território nacional, ocorrida no ano de 2006, e o recebimento da denúncia – 15.02.2012 – (fls. 75-76), afigura-se impositivo o reconheci-mento da prescrição retroativa da pretensão punitiva estatal, nos termos dos arts. 107, IV, e 109, V, todos do Código Penal, já que os fatos objeto da presente ação foram praticados antes da edição da Lei nº 12.234, em 5 de maio de 2010; de modo que não se aplicam ao caso em tela as novas regras sobre prescrição introduzidas pela lei, mas sim o disposto no hoje revogado § 2º do art. 110 do Có-digo Penal. II – Por se tratar de matéria de ordem pública, é prescindível a provocação da parte para o reconhecimento da prescrição, devendo ser declarada de ofício, em qualquer fase do processo. III – Declarada extinta a punibilidade do réu, ficando prejudicadas as razões recursais.” (TRF 2ª R. – ACr 2012.51.08.000349-7 – 2ª T.Esp. – Rel. André Fontes – DJe 24.06.2014)

7002 – Crime de descaminho – princípio da insignificância – inaplicabilidade

“Penal e processual penal. Habeas corpus. Descaminho (art. 334, caput, do CP). Princípio da insig-nificância. Inaplicabilidade. Paciente contumaz na prática delitiva. Ordem denegada. 1. O princí-

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pio da insignificância incide quando presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento, e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. 2. A aplicação do princípio da insignificância deve, contudo, ser precedida de criteriosa análise de cada caso, a fim de evitar que sua adoção indiscriminada constitua verdadeiro incentivo à prática de pequenos delitos patrimoniais. 3. O princípio da bagatela é afastado quando comprovada a contumá-cia na prática delitiva. Precedentes: HC 120.438, Primeira Turma, Relatora a Ministra Rosa Weber, DJe de 12.03.2014; HC 118.686, Primeira Turma, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe de 04.12.2013; HC 112.597, Segunda Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 10.12.2012. 4. In casu, a) o paciente foi denunciado como incurso nas sanções do art. 334, caput, do Código Penal (desca-minho), por ter, em tese, ingressado no território nacional com mercadorias de origem estrangeira – notebooks, projetores de imagem LDC, óculos de sol, isqueiros, brinquedos, etc. – desacompanhadas de regular documentação. O valor do tributo ilidido é, em tese, de R$ 11.887,62 (onze mil, oitocentos e oitenta e sete reais e sessenta e dois centavos); b) o princípio da insignificância, contudo, é inapli-cável no caso sub examine, porquanto trata-se de paciente contumaz na prática delitiva. 5. Ordem denegada.” (STF – HC 120.454 – São Paulo – 1ª T. – Rel. Min. Luiz Fux – J. 27.05.2014)

7003 – Crime de estelionato – contra a Previdência Social – recebimento – INSS – comprovação – pena – substituição – possibilidade

“Penal. Processual penal. Apelações. Estelionato. Art. 171, § 3º, do Código Penal. Prescrição. Termo a quo. Materialidade e autoria comprovadas. Substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito. 1. No que se refere ao beneficiário de benefício da Previdência Social supostamente fraudulento, cuja conduta consiste em auferir, mês a mês, a prestação previdenciária a que sabe não possuir direito, o momento consumativo do delito prolonga-se no tempo, vindo a perdurar enquanto subsistir o recebimento ilícito do benefício. Trata-se, portanto, de crime perma-nente, no qual todo mês o beneficiário, tendo a possibilidade de sustar o dano, opta por manter a Previdência Social em erro e receber ilicitamente o benefício. Aplicação de precedente jurispruden-cial do egrégio Supremo Tribunal Federal. 2. In casu, tendo em vista que a acusada, ora apelada/ape-lante, foi denunciada por ter supostamente percebido fraudulentamente benefício previdenciário (fls. 000003/000006), conclui-se que o termo a quo do prazo prescricional é a data da cessação do rece-bimento fraudulento do benefício, por aplicação do art. 111, III, do Código Penal, que na hipótese dos autos perdurou até agosto/2005 (fl. 000004). Verifica-se, assim, que o termo a quo do prazo prescri-cional ocorreu em agosto/2005, quando cessou a percepção fraudulenta do benefício previdenciário (fl. 000004). 3. Da análise dos autos, verifica-se que a materialidade e a autoria do delito pelo qual a acusada, ora apelante, foi condenada em primeiro grau de jurisdição restaram comprovadas nos autos, na forma do que vislumbrou a v. sentença apelada (fls. 185/192), particularmente às fls. 187 e 189/191. Presentes, assim, no caso em comento, a materialidade e a autoria do tipo penal pelo qual foi condenada a acusada em primeiro grau de jurisdição, não há que se cogitar na ausência ou insu-ficiência de provas a embasar a prolação de uma sentença penal condenatória, nem, tampouco, na ausência de dolo. 4. Deve, ainda, ser aduzido que, por aplicação in casu do art. 44, do Código Penal, a acusada faz jus à substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito, a serem definidas pelo MM. Juízo da Execução. 5. Apelação do Ministério Público Federal provida. Apelação da acusada desprovida.” (TRF 1ª R. – ACr 0003480-80.2008.4.01.3802 – 4ª T. - Rel. Des. I’talo Fioravanti Sabo Mendes – J. 20.05.2014)

Comentário Editorial SÍNTESEO art. 171, § 3º, do Código Penal, assim nos ensina:

“Art. 171. Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.

§ 3º A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência.”

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Por cometer o crime de estelionato, a 4ª Turma do TRF da 1ª Região deu provimento à apelação do Ministério Público Federal contra a sentença que condenou uma mãe ao rece-ber durante 22 meses, após a morte da filha, o benefício de amparo assistencial da garota deficiente.

Consta dos autos que a apelante recebia o benefício do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A apelante teria recebido duas visitas da assistente social e, nessas duas situações, mentiu, dizendo que a filha não estava em casa, conforme ficou registrado pelos depoimentos da assistente.

Foram apresentadas provas testemunhais e documentais. Então, a apelante foi condenada de acordo com o art. 171, § 3º, do Código Penal. Inconformada, a ré apelou ao TRF1, ar-gumentando a “ausência de dolo, consubstanciado na vontade da recorrente, tudo isso para absolver a recorrente”.

Em sede de recurso, o Ministério Público Federal requereu nova data de prescrição do crime.

O Relator do caso confirmou a materialidade da sentença.

Vale trazer trecho do seu voto:

“Não há que se cogitar na ausência ou insuficiência de provas a embasar a prolação de uma sentença penal condenatória, nem, tampouco, na ausência de dolo”, asseverou o Magistrado. I’talo Fioravanti Sabo Mendes ainda citou jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), segundo a qual: “Enquanto a fraude perpetrada por terceiro consubstancia crime instantâneo de efeito permanente, a prática delituosa por parte do beneficiário da previdência, consi-derada relação jurídica continuada, é enquadrável como permanente, renovando-se ante a periodicidade do benefício” (STF, HC 99112/AM, 1ª T., Rel. Min. Marco Aurélio, julgado por unanimidade em 20.04.2010, publicado no DJe-120 de 01.07.2010, p. 01244).

Quanto à apelação do Ministério Público, o desembargador a esta deu provimento, fazendo a alteração da data prescricional de acordo com art. 111, III, do Código Penal.

O parágrafo III do artigo dispõe que “nos crimes permanentes, do dia em que cessou a perma-nência”. O Relator, ainda, substituiu a pena privativa de liberdade para duas penas restritivas de direito. A decisão foi unânime.

7004 – Crime de estupro – favorecimento da prostituição – alvará de soltura – expedição

“Recurso especial. Processual penal. Crimes de estupro de vulnerável, satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente, favorecimento da prostituição de vulnerável, ameaça, coação no curso do processo e contravenção penal de fornecer bebidas alcoólicas a menor de idade. Oposição de embargos de declaração para fins de prequestionamento. Suposta violação ao art. 619 do CPP. Ine-xistência. Provas obtidas na fase inquisitorial, lacradas e excluídas em decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento da RCL 12.484/DF. Insubsistência de justa causa para a denúncia e subsequen-te condenação dela decorrente. Dissídio jurisprudencial reconhecido. Recurso parcialmente conheci-do e, nessa extensão, provido, prejudicadas as demais questões. 1. Entende-se como prequestionada a matéria que foi objeto de análise e decisão do acórdão recorrido, sendo despicienda a referência expressa a dispositivo de lei federal (prequestionamento explícito), bastando que a questão jurídica tenha sido efetivamente decidida na Instância a quo (prequestionamento implícito). 2. A usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal na investigação instaurada pela Polícia Civil catarinense, durante o período que o réu exerceu o mandato de Deputado Federal, foi reconhecida pela Suprema Corte nos autos da Reclamação nº 12.484/DF, ao decidir ‘confirmar a liminar e determinar que sejam inutilizadas todas as oitivas e diligências produzidas no curso dos Inquéritos nºs 129/2010 e 280/2010, bem como aquelas provas deles decorrentes (CPP, art. 157, caput)’ (fl. 4125). 3. Nesse cenário, a este Superior Tribunal de Justiça não resta outra alternativa a não ser reconhecer que, a partir dessa de-cisão da Corte Suprema, a denúncia fica sem nenhuma outra base empírica que lhe dê respaldo, ou seja, não há justa causa para se sustentar a ação penal e nem a subsequente condenação. 4. Deve prevalecer o entendimento consignado no aresto paradigma, no sentido de que, ‘tendo o STF declara-do a ilicitude de diligência de busca e apreensão que deu origem a diversas ações penais, impõe-se a extensão desta decisão a todas as ações dela derivadas, em atendimento aos princípios da isonomia e da segurança jurídica’. E, ‘se todas as provas que embasaram a denúncia derivaram da documentação

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apreendida em diligência considerada ilegal, é de se reconhecer a imprestabilidade também destas, de acordo com a teoria dos frutos da árvore envenenada, trancando-se a ação penal assim instaura-da’ (HC 100879/RJ, Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, Julgado em 19.08.2008, DJe 08.09.2008). 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido para, res-peitada a decisão do Supremo Tribunal Federal proferida nos autos da Reclamação nº 12.484/SC, declarar a nulidade ab initio da ação penal em tela, restando prejudicadas as demais questões. Por conseguinte, determinada a expedição de alvará de soltura em favor do Recorrente Nelson Goetten de Lima, se por outro motivo não estiver custodiado.” (STJ – REsp 1.390.617 – (2013/0207303-8) – 5ª T. – Relª Min. Laurita Vaz – DJe 01.07.2014)

7005 – Crime de falsificação de documento – falsificação grosseira – crime impossível – possibili-dade

“Penal. Processual penal. Recurso em sentido estrito. Falsificação de documento público. Art. 297. Falsificação grosseira. Crime impossível. 1. Falsidade grosseira, inapta a causar qualquer prejuízo, configura crime impossível, por absoluta ineficácia do meio. 2. In casu, verificou-se de imediato que o documento falsificado (TRCT) apresentado à Delegacia Regional do Trabalho, continha, no espaço destinado à homologação, assinatura que não pertencia à servidora da própria DRT, ou seja, o meio utilizado pelo agente não se investiu de eficácia à perpetração do crime em comento, ficando configurada a hipótese prevista no art. 17 do Código Penal. 3. Recurso improvido.” (TRF 1ª R. – RSE 0004375-19.2013.4.01.3300/BA – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Hilton Queiroz – J. 11.02.2014)

Comentário Editorial SÍNTESEO vertente acórdão trata da prática do delito previsto no art. 171, § 3º, c/c art. 14, inciso II, ambos do Código Penal.

Consta dos autos que o juiz, ao analisar o caso, rejeitou a denúncia sob o fundamento de que o funcionário da Delegacia Regional do Trabalho percebeu a fraude tão logo o documento fora apresentado, o que caracteriza a figura do crime impossível, em face da ineficácia absoluta do meio empregado.

O Ministério Público Federal, inconformado, interpôs recurso ao TRF1, sustentando que fosse aplicado o princípio da fungibilidade previsto no art. 579 do CPP.

O Relator do caso manteve a decisão a quo. Verificou-se que o documento falsificado, apre-sentado à Delegacia Regional do Trabalho, continha, no espaço destinado à homologação, assinatura que não pertencia à servidora da própria DRT, ou seja, o meio utilizado pelo agente não se investiu de eficácia à perpetração do crime em comento, não ficando configurada a hipótese prevista no art. 17 do Código Penal.

Vale trazer trecho do voto do Relator:

“A propósito do tema, veja-se acórdão do eg. Tribunal Regional Federal da 1ª Região:

‘TENTADA – ART. 171, CAPUT, § 3º, C/C O ART. 14, II, DO CÓDIGO PENAL – CTPS – FAL-SIFICAÇÃO GROSSEIRA – ELEMENTOS QUE DEMONSTRAM A INEFICÁCIA ABSOLUTA DO MEIO – CRIME IMPOSSÍVEL – ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA – LEI Nº 11.719/2008, ALTERAÇÃO NO ART. 397 DO CPP – SENTENÇA ABSOLUTÓRIA MANTIDA – 1. A recente alteração do art. 397 do CPP, que se deu com a entrada em vigor da Lei nº 11.719/2008, permite ao Magistrado, a pós a resposta do acusado, a absolvição sumária do réu, quando se veri-ficar que o fato narrado evidentemente não constitui crime (art. 397, inciso III, do CPP), caso dos autos. 2. Existem nos autos elementos que demonstram a falsificação grosseira do documento utilizado pelos acusados para prática do ilícito. 3. A falsificação grosseira do documento apresentado ao funcionário da Caixa Econômica Federal, com o objetivo de sacar seguro-desemprego, propicia a aplicação do instituto previsto no art. 17 do Código Penal – crime impossível, em face da ineficácia absoluta do meio empregado pelos acusados, com vistas a produzir o evento almejado. 4. Absolvição sumária mantida. 5. Apelação improvida.’ (ACr 0019775-31.2008.4.01.3500/GO, 4ª T., Rel. Des. Federal Hilton Queiroz, e-DJF1 de 23.11.2009, p. 89)”

A 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região negou provimento ao recurso do Mi-nistério Público Federal.

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7006 – Crime de lavagem de dinheiro – quadrilha – denúncia – trancamento

“Habeas corpus. Lavagem de dinheiro e quadrilha. Pedido de trancamento da denúncia. Exordial acusatória que atende aos requisitos legais. Alegada nulidade da decisão que decretou a quebra do sigilo bancário e fiscal. Decisão suficientemente fundamentada. Prova emprestada na denúncia. Possibilidade. Posterior submissão da prova ao contraditório. Habeas corpus não conhecido. 1. O Superior Tribunal de Justiça, alinhando-se à nova jurisprudência da Corte Suprema (HC 109.956/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, 1ª T., DJe 11.09.2012; HC 108.901/SP, Relª Min. Cármen Lúcia, 2ª T., DJe 10.05.2013), também passou a restringir as hipóteses de cabimento do habeas corpus, não admitindo que o remédio constitucional seja utilizado em substituição ao recurso próprio (apelação, agravo em execução, recurso especial), tampouco à revisão criminal, ressalvadas as hipóteses de flagrante ilega-lidade, abuso de poder ou teratologia jurídica. 2. A denúncia, ao descrever a atividade de organização criminosa especializada na exploração de casa de bingo – a qual era gerenciada pelo ora paciente –, cujo lucro advinha sobretudo de bingo eletrônico, por meio de máquinas eletrônicas programa-das (caça-níqueis), aponta a ocultação dos recursos em espécie arrecadados; pagamentos ‘por fora’ dos empregados, sendo que alguns sequer tinham carteira assinada; prêmios pagos em dinheiro sem recibo; grande movimentação em espécie feita pelos denunciados; recibos fraudulentos assinados pela entidade esportiva, consignando que recebera valor superior ao efetivamente recebido, todos esses atos que não poderiam ser praticados sem o conhecimento da gerência. 3. O Superior Tribu-nal de Justiça entende que é possível afastar a proteção ao sigilo bancário e fiscal quando presentes circunstâncias que denotem a existência de interesse público relevante, invariavelmente por meio de decisão proferida por autoridade judicial competente, suficientemente fundamentada, na qual se justifique a necessidade da medida para fins de investigação criminal ou de instrução processual criminal, sempre lastreada em indícios que devem ser, em tese, suficientes à configuração de suposta ocorrência de crime sujeito à ação penal pública. 4. A decisão de primeira instância, ratificada pelo acórdão impugnado, afastou o sigilo bancário e fiscal dos denunciados, lastreada na demonstração de provável existência dos crimes de sonegação fiscal, quadrilha, lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e apropriação indébita, a partir dos Processos Administrativos nº 18471.001152/2002-19, nº 18471001154/2002-16 e nº 18471001155/2002-52, oriundos da Receita Federal, bem como em indícios concretos de que o paciente deles participou ante a sua destacada posição na organização criminosa. 5. A Corte de origem, acertadamente, consignou que ‘a utilização de provas produzidas em outros inquéritos ou ações penais para formar o conjunto probatório que confere sustentação à denúncia não enseja o trancamento da ação penal, já que, em sede de instrução, devem ser subme-tidas a um novo contraditório, ainda que diferido, vigorando, nessa fase da persecução, o princípio in dubio pro societate, por isso mesmo não sendo cabível, de outra parte, em sede de habeas corpus, a análise pormenorizada de cada elemento indicado na denúncia já que apenas a exclusiva utili-zação de provas ilícitas poderia autorizar o encerramento embrionário da ação penal’. 6. Habeas corpus não conhecido.” (STJ – HC 155.366 – (2009/0234783-4) – Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz – DJe 01.07.2014)

7007 – Crime de lavagem de dinheiro – rejeição – pena – majoração – impossibilidade

“Processual e penal. Inépcia da denúncia. Rejeição. Lavagem de dinheiro. Art. 1º da Lei nº 9.613/1998. Constitucionalidade. Materialidade e autoria. Comprovação. Inquéritos ou ações penais em curso. Majoração da pena-base. Impossibilidade. Causa de aumento (§ 4º). Incidência. Dosimetria. Ajuste. 1. Afasta-se a preliminar de inépcia da denúncia, uma vez que o fato delitivo foi descrito de forma satisfatória, com todas as suas circunstâncias, identificando-o, inclusive, ao tipo penal violado, não se podendo falar em afronta ao art. 41 do CPP. 2. Constitucionalidade do art. 1º da Lei nº 9.613/1998, eis que a figura típica em tela não oferece qualquer obstáculo à ‘compreensão da conduta que ali se quer reprimir, não se vislumbrando qualquer ofensa ao princípio constitucional da legalidade, tampouco agressão à segurança jurídica e liberdade de locomoção’. 3. Incorre nas penas do art. 1º, § 1º, inciso II, da Lei nº 9.613/1998, quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de qualquer dos crimes antecedentes referidos neste artigo, os adquire, re-

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cebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere. 4. Hipótese em que as provas coligidas aos autos são suficientes para demonstrar que o réu, na ten-tativa de desvincular a origem ilícita de quantia advinda da sua participação no tráfico internacional de entorpecentes, utilizou-se de sua ex-esposa para efetuar o transporte de 59.800 (cinquenta e nove mil e oitocentos euros), da Cidade de Fortaleza para São Paulo, acondicionando as cédulas não só na mala de viagem da antiga companheira, como também em suas vestes. 5. Inquéritos policiais ou ações penais em curso ou, ainda, condenações não transitadas em julgado não podem ser conside-rados como maus antecedentes, má conduta social ou personalidade voltada ao crime, sob pena de lesão ao princípio constitucional da presunção de não culpabilidade (v. Súmula nº 444 do STJ). 6. Incidência da causa de aumento de pena prevista no § 4º do art. 1º da Lei nº 9.613/1998 justificada, tendo em vista que o esquema da lavagem de dinheiro contou com a participação da antiga esposa do réu (já condenada em outro processo) e, também, com outros membros da organização criminosa voltada para o tráfico internacional de entorpecentes. 7. Afastadas as circunstâncias desfavoráveis do apelante (maus antecedentes criminais e personalidade voltada para a prática de delitos), impõe-se a redução da pena-base, de 06 anos e 03 meses para 05 anos de reclusão, sobre a qual há de incidir a majorante mencionada no tópico anterior, obtendo-se, portanto, a pena definitiva de 06 anos e 08 meses de reclusão. 8. Modificada a pena privativa de liberdade, há de ser alterada, igualmente, a pena de multa infligida ao recorrente, já que esta deve guardar proporcionalidade com aquela. 9. Apelação parcialmente provida.” (TRF 5ª R. – ACR 0002381-32.2012.4.05.8100 – (10765/CE) – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Luiz Alberto Gurgel – DJe 26.03.2014)

7008 – Crime de lesão corporal culposa – direção de veículo automotor – omissão de socorro – desclassificação

“Apelação criminal. Lesão corporal culposa na direção de veículo automotor na forma do concurso formal. Desclassificação para o delito de omissão de socorro. Redução da pena. Exclusão da suspen-são da carteira de habilitação para dirigir veículo automotor. 1. Restando demonstrado, pelos elemen-tos de evicção apurados nos autos, a conduta ilícita pertinente ao crime de lesão corporal culposa na direção de veículo automotor, tipificado no art. 303, parágrafo único, da Lei nº 9.503/1997, não sobra espaço para a configuração do crime previsto no art. 135 do Código Penal. 2. Ao registro de que procedeu em desacerto o julgador monocrático na avaliação da culpabilidade e consequências do crime, previstos no art. 59, do Código Penal, comporta abrandamento a reprimenda aplicada. 3. Constatada que a suspensão da carteira de habilitação para dirigir veículo automotor foi fixada de forma exacerbada, imperiosa readequação, impondo-se também a redução, pois deve existir uma correlação entre esta e a pena privativa de liberdade. 4. Recurso conhecido e parcialmente provido.” (TJGO – ACr 201293534021 – 1ª C.Crim. – Rel. Des. J. Paganucci Jr. – DJe 10.06.2014)

7009 – Crime de lesão corporal e desacato – praticado por civil – contra militar – Justiça Militar – competência

“Penal e processo penal militar. Habeas corpus. Lesão corporal e desacato. Arts. 209 e 299 do Código Penal Militar. Crimes praticados por civil em lugar sujeito à Administração Militar contra militar em situação de atividade. Competência da Justiça Militar. Conflito de competência dirimido por decisão monocrática no Tribunal a quo. Ausência de agravo regimental e, por conseguinte, de exaurimento da jurisdição. Writ extinto. 1. O art. 9º, inciso III, alínea b, do Código Penal Militar dispõe sobre a competência da Justiça Militar para processar e julgar os crimes praticados por civil, em tempo de paz, em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado. 2. In casu, os crimes de lesão corporal e de desacato, tipificados nos arts. 209 e 299 do Código Penal Militar, foram praticados em local sujeito à Administração Militar e contra militar em situação de atividade, porquanto a vítima fiscalizava concurso para ingresso na escola militar que se realizava no interior do Centro de Instrução Almirante Alexandrino quando foi agredida e desacatada pela mãe de um concursando que fora impedido de fazer a prova de matemática por ter chegado atrasado, o que atrai a competência da justiça castrense para o processo e julgamento do feito, consoante pacífica jurisprudência de ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal (HC 96.949/RS, Rel. Min. Ayres

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Britto, DJ de 30.9.2011; HC 113.430/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, DJ de 29.04.2013 e HC 113.128/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, DJ de 19.02.2014). 3. A decisão monocrática que dirimiu o conflito de competência não foi impugnada em sede de agravo regimental, o que inviabiliza o conhecimento do writ. 4. Habeas corpus extinto, por inadequação da via.” (STF – HC 121.083 – Rio de Janeiro – 1ª T. – Rel. Min. Luiz Fux – J. 27.05.2014)

7010 – Crime de roubo – intimação por edital – sentença transitada em julgado – constrangimen-to ilegal – caracterização

“Habeas corpus. Roubo. Sentença condenatória. Réu intimado por edital. Endereço certo consigna-do nos autos. Intimações anteriores e prisão no mesmo endereço. Trânsito em julgado da decisão. Cer ceamento de defesa. Nulidade dos atos processuais. Necessidade da constrição cautelar não evi-denciada. Constrangimento ilegal caracterizado. Concessão da ordem. I – Havendo cerceamento de defesa deve-se anular a ação penal partir da intimação da sentença condenatória, renovando-se os atos processuais e afastando o trânsito em julgado da decisão. II – Se o réu permaneceu solto du-rante toda a instrução processual e foi oportunizado ao mesmo do direito de recorrer em liberdade, faz-se mister a revogação do decreto prisional. III – Concessão da ordem.” (TJAC – HC 1000403-60.2014.8.01.0000 – (15.892) – C.Crim. – Rel. Des. Francisco Djalma – DJe 25.06.2014)

7011 – Crime de trânsito – suspensão da habilitação – pena – exclusão – impossibilidade

“Apelação criminal. Trânsito. Infração do art. 302 da Lei nº 9.503/1997. Absolvição. Impossibilidade. Conduta do réu que contribuiu para a ocorrência do sinistro. Inobservância do dever de cuidado. Culpa configurada. Afastamento da causa especial de aumento de pena prevista no art. 302 da Lei nº 9.503/1997. Viabilidade. Exclusão da agravante constante do art. 298, inciso V, da Lei nº 9.503/1997. Não acolhimento. Exclusão da pena de suspensão da habilitação para conduzir veí-culos. Motorista profissional. Irrelevância. Pleito não acolhido. Recurso conhecido e parcialmente provido. 1. O acervo probatório carreado aos autos não deixa dúvidas quanto à ação culposa do réu, uma vez que frente às circunstâncias do acidente, o mesmo poderia tê-lo evitado caso tivesse obser-vado o dever de cuidado demandado para a ocasião. 2. Embora a vítima tenha colaborado para a ocorrência do sinistro, em matéria penal não há compensação de culpas, de modo que a condenação do acusado nas iras do art. 302, caput, da Lei nº 9.503/1997, é medida que se impõe. 3. Não consta dos autos qualquer evidência no sentido de que o réu estivesse transportando veículo de passageiros, mas sim um caminhão destinado ao transporte de cargas, pertencente à empresa onde trabalhava, de modo que deve ser afastada a causa especial de aumento de pena prevista no art. 302 da Lei nº 9.503/1997. 4. No caso dos autos, resta devidamente caracterizado que o réu se trata de motorista profissional, bem como que o mesmo estava na condução de veículo de carga, de modo que deve ser mantida a agravante prevista no art. 298, inciso V, da Lei nº 9.503/1997. 5. Não há qualquer restri-ção legal de que o motorista profissional não possa ser punido com suspensão ou proibição de obter habilitação para dirigir, razão pela qual não há que se falar em exclusão da referida pena. 6. Recurso conhecido e parcialmente provido.” (TJES – Ap 0001087-38.2006.8.08.0048 – Rel. Subst. Fernando Estevam Bravin Ruy – DJe 24.04.2014)

7012 – Crime de violação de direitos autorais – venda de CDs e DVDs “piratas” – absolvição

“Penal e processual penal. Habeas corpus. Crime de violação de direitos autorais (art. 184, § 2º, do CP). Venda de CDs e DVDs ‘piratas’. Paciente absolvido pelo TJMG. Decisão do Superior Tribunal de Justiça que deu provimento ao recurso especial da acusação para determinar o prosseguimento da ação penal. Revolvimento de fatos e provas. Inocorrência. Ordem denegada. I – Ao contrário do quanto alegado na inicial, a decisão da Ministra Relatora do STJ, que deu provimento monocrati-camente ao recurso especial, para reconhecer a materialidade do delito e determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que examine as demais questões, apenas revalorou os fatos. Não há falar, assim, em indevido revolvimento do contexto fático-probatório, mas em mera ‘releitura da qualificação jurídica atribuída aos fatos’. Precedente: HC 118.322/MS, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma.

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II – Não é possível, na estreita via do habeas corpus, desconstituir-se o laudo pericial que atestou a falsidade dos CDs e DVDs apreendidos, sob pena de, nessas circunstâncias, incorrer-se em indevida reapreciação do conjunto probatório. A conduta do paciente amolda-se, em tese, ao tipo previsto no art. 184, § 2º, do Código Penal, uma vez que foi identificado comercializando mercadoria piratea-da. Precedente: HC 118.265/MG, Rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma. III – Ordem denegada.” (STF – HC 121.355 – Minas Gerais – 2ª T. – Rel. Min. Ricardo Lewandowski – J. 06.05.2014)

7013 – Crime licitatório – mediante fraude – dispensa de licitação embasada em processo fantas-ma – efeitos

“Recurso ordinário em habeas corpus. Processual penal. Trancamento da ação penal. Art. 90 da Lei nº 8.666/1993. Ausência de justa causa. Não ocorrência. Inviabilidade de análise de fatos e provas na via do habeas corpus. Procedimento licitatório julgado regular pelo Tribunal de Contas Estadual. Inde-pendência entre as instâncias administrativa, civil e penal. Ausência da notificação prévia prevista no art. 514 do CPP. Procedimento reservado aos delitos funcionais típicos. Recurso ordinário improvido. 1. A jurisprudência desta Corte firmou entendimento no sentido de que a extinção da ação penal, de forma prematura, pela via do habeas corpus, somente se dá em hipóteses excepcionais, nas quais seja patente (a) a atipicidade da conduta; (b) a ausência de indícios mínimos de autoria e materialidade delitivas; ou (c) a presença de alguma causa extintiva da punibilidade. 2. A inicial acusatória narrou de forma individualizada e objetiva as condutas atribuídas ao recorrente, adequando-as, em tese, aos tipos descritos na peça acusatória. 3. Não há como avançar nas alegações postas na impetração, que, a rigor, pretende o julgamento antecipado da ação penal, o que configuraria distorção do modelo constitucional de competência, cabendo ao juízo natural da instrução criminal, com observância ao princípio do contraditório, proceder ao exame das provas. Além disso, para o deslinde da controvérsia relativa à ausência de superfaturamento nas obras, seria necessário o revolvimento de fatos e provas, o que é inviável em sede de habeas corpus. 4. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a instância criminal não se vincula às conclusões obtidas no procedimento de tomada de contas, cujo escopo é substancialmente distinto dos processos de persecução criminal. Precedentes. 5. Não há falar em nulidade do processo em face da não observância do disposto no art. 514 do CPP, pois é da jurisprudência desta Corte que o referido dispositivo processual se reserva às hipóteses em que se imputa a prática de crimes funcionais típicos, o que não é o caso do art. 90 da Lei de Licitações. Precedentes. 6. Recurso ordinário improvido.” (STF – RO-HC 117.209 – Rio de Janeiro – 2ª T. – Rel. Min. Teori Zavascki – J. 25.02.2014)

Comentário Editorial SÍNTESEO acórdão ora comentado advém de recurso ordinário em habeas corpus interposto contra acórdão proferido pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que por conta de denúncia pela suposta prática do crime de fraude em licitações públicas, com base no art. 90 da Lei nº 8.666/1993, julgou criminosa a contratação de obras para Câmara dos Vereadores de determinado Município, por ter havido dispensa de licitação encaixada nas hipóteses de licitação deserta/fracassada, porém por ter sido detectado que foram praticadas ilegalidades pela comissão de licitação para que a licitação não ocorresse, com a criação de um “processo fantasma” [...], montou um processo fantasma, com empresas de fachada em uma concor-rência que, de antemão, já se sabia o resultado.

O acórdão recorrido não acolhera argumento do paciente/recorrente de atipicidade da conduta por ausência de dolo em razão do argumento que as obras licitadas não sofreram superfatura-mento e que não há prova de recebimento de vantagem indevida pelo acusado, por entender que o acolhimento dessas alegações dependeria de análise de provas, e de que o fato de o Tribunal de Contas aprovar as contas relacionadas à contratação considerada ilegal, apesar de ser favorável ao paciente, não impede a persecução penal, já que não há certeza plena da inocência do acusado, e tendo em conta o princípio da independência entre as instâncias administrativa e penal.

Alegou o acusado recorrente, em suma, ausência de justa causa para a instauração da ação penal, em razão da inexistência da individualização da conduta, aduzindo apenas que o pa-ciente exerceria cargos incompatíveis; que não se comprovou que as obras licitadas sofreram

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alguma espécie de superfaturamento; que foi dada publicidade à licitação, que o Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro manifestou-se pela higidez das obras e do processo licitatório; e que não houve notificação prévia, afrontando o disposto no art. 514 do Código de Processo Penal, in verbis:

“Art. 514. Nos crimes afiançáveis, estando a denúncia ou queixa em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a notificação do acusado, para responder por escrito, dentro do prazo de 15 (quinze) dias.

E com base nessas alegações, requereu a extinção da ação penal originária e, alternativamen-te, a declaração de nulidade do processo para que se proceda à notificação prévia prevista no art. 514 do CPP.

Após o indeferimento da liminar, em sede de julgamento, manifestou-se o Ministro Relator nos seguintes termos:

‘[...] Relativamente à ausência de justa causa para instauração da ação penal, a jurisprudên-cia desta Corte firmou-se no sentido de que a extinção da ação penal de forma prematura, via habeas corpus, somente se dá em hipóteses excepcionais, quando patentemente demonstra-da (a) a atipicidade da conduta; (b) a ausência de indícios mínimos de autoria e materialidade delitivas; ou (c) a presença de causa extintiva da punibilidade. [...]

No caso, não se constata nenhuma daquelas hipóteses que justificariam a extinção da ação penal de forma prematura. Por oportuno, eis o trecho da inicial acusatória, que descreve fato criminoso e o vincula à conduta do paciente (v. 1, fls. 20/24):

‘Entre 12 de maio de 2009 e 19 de agosto de 2009, na sede da Câmara de Vereadores de São Pedro de Aldeia, [...], os denunciados, conscientes e voluntariamente e em perfeita união de ações e desígnios, frustraram, mediante ajuste e combinação, o caráter competitivo do procedimento licitatório referente à execução de obras nas dependências daquela Casa Legislativa, com intuito de obterem, para si, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação.

O objeto da licitação e do contrato administrativo ao final celebrado entre a Câmara Municipal e a empresa Coelho Alves Construções Ltda. consistiu na execução de obras de construção e modificação dos 10 (dez) gabinetes já existente de vereadores, incluindo a construção de ba-nheiros privativos, além da construção de mais 04 (quatro) gabinetes, sala de recepção e de estar, 02 (duas) salas administrativas e, mais, garagem e outro pequeno prédio denominado ‘anexo administrativo’, obra orçada em R$ 331.120,42 (trezentos e trinta e um mil, cento e vinte reais e quarenta e dois centavos).

A comissão de licitação, presidida por [...] e além dele integrada pelos denunciados [...], montou um processo fantasma, com empresas de fachada em uma concorrência que, de antemão, já se sabia o resultado.

Participaram do certame licitatório cinco empresas [...].

Principal articulador da fraude, acumulou funções incompatíveis, figurando como presidente da comissão permanente de licitação, gestor do referido contrato e, além disso, como advoga-do de duas sociedades empresárias concorrentes, [...].

Nesta condição, ele organizou-se com outros membros da comissão, [...] que concorreram para o crime com o intuito de obterem, para sim, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação vencedora, partilhando, todos, dos lucros decorrentes da execução do contrato pago pela Câmara Municipal.

[...]

A robustecer a ideia de uma concorrência aparente, policiais lotados no Grupo de Apoio aos Promotores – GAP, empreenderam diligências nos endereços declinados pelas próprias empresas participantes, onde constataram que a Amah Incorporação, a Uliana Saneamento e a Transcon Serviço Técnico simplesmente não existiam. É dizer: das cinco participantes, três não existem no mundo real, sendo uma delas formalmente integradas pelos sócios da empresa vencedora.

Outra estranha coincidência é que o contador das sociedades empresárias concorrentes Amah Ltda., Coelho Alves e Cintra e Castro Ltda. é a mesma pessoa, Yves Augusto Bacilon, tendo

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ele elaborado o balanço patrimonial da sociedade Coelho Alves apresentando à comissão na fase de habilitação do certame.

[...]

Além disso, verifica-se que algumas certidões expedidas pela Receita Federal para empresas concorrentes foram emitidas a partir do terminal de computados com datas idênticas. E mais. Apesar da licitação recente, o computador que as emitiu constava uma data atrasada idênti-ca, qual seja, 27.08.2004 (fls. 294 e 299 – 363/364). Noutras palavras, tanto a empresa Transcon quanto a vencedora Coelho Alves obtiveram, contemporaneamente, as certidões negativas através de computados que marcava a mesmíssima data antiga. A conclusão é evidente. Partiram de um mesmo computador.

Destarte, de fato não houve licitação, mas uma articulação de pessoas que montaram um processo, numa espécie de licitação-fantasma, promovendo uma série de atos encadeados, a fim de criminosamente frustrarem a competição e a fiscalização pelos órgãos competentes, com intuito de obterem, para sim, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação, no sentido de que a sociedade Coelho Alves Construções Ltda. saísse vencedora, partilhando, todos, dos lucros decorrentes da execução do contrato pago pela Câmara Municipal.”

Bem se vê, portanto, que a denúncia narrou de forma individualizada e objetiva as condutas atribuídas ao recorrente, adequando-as, em tese, aos tipos descritos na peça acusatória. Ade-mais, há a indicação dos elementos indiciários mínimos aptos a tornar plausível a acusação, o que permite ao paciente o pleno exercício do direito de defesa, nos termos do art. 41 do Código de Processo Penal.

4. Por outro lado, não há como avançar nas alegações postas na impetração, que, a rigor, pretende o julgamento antecipado da ação penal, o que configuraria distorção do modelo constitucional de competências. Como se sabe, caberá ao juízo natural da instrução criminal, com observância ao princípio do contraditório, proceder ao exame das provas colhidas e con-ferir a definição jurídica adequada para os fatos que restarem comprovados ou, se for o caso, absolver o paciente. Além disso, para o deslinde da controvérsia relativa à ausência de super-faturamento, seria necessário o revolvimento de fatos e provas, o que é inviável em sede de habeas corpus [...] A esse propósito, registra o parecer da Procuradoria-Geral da República:

[...] cumpre consignar que ao recorrente recai fundados indícios de que esteve envolvido na operação destinada a lesar o Erário (Poder Legislativo de São Pedro da Aldeia/RJ), tanto é que, como presidente da comissão de licitação, também funcionou com advogado das empresas Amah e da Cintra e Cardoso, consideradas inabilitadas sem qualquer fundamentação pela Comissão de Licitação, consoante fl. 862.

[...]

Ademais, alegações de que não houve superfaturamento nas obras não se mostram sufi-cientes para obstar o prosseguimento da instrução processual, momento processual este, adequado para dirimir e aventar teses defensivas.

Relativamente ao fato do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro ter julgado regular o procedimento licitatório, a jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a instância criminal não se vincula às conclusões obtidas no procedimento de tomada de contas, cujo escopo é substancialmente distinto dos processos de persecução criminal. [...]

Por fim, não há falar em nulidade do processo em face da não observância do disposto no art. 514 do CPP, pois é da jurisprudência desta Corte que o referido dispositivo processual se reserva às hipóteses em que se imputa a prática de crimes funcionais típicos, o que não é o caso do art. 90 da Lei de Licitações (cf.: HC 95667, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, DJe de 01.07.2010; HC 89686, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, DJe de 17.08.2007; HC 97969, Rel. Min. Ayres Britto, 2ª Turma, DJe de 23.05.2011; HC 73099, Rel. Min. Moreira Alves, 1ª Turma, DJ de 17.05.1996).

E, com base nesses argumentos, foi negado provimento ao recurso, com a manutenção da acusação contra o recorrente.

Com relação às hipóteses em que são cabíveis a extinção prematura da ação penal, colacio-namos as seguintes ementas:

“PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS – EXTINÇÃO PREMATURA DE AÇÃO PENAL – NÃO INDIVIDUALIZAÇÃO DA CONDUTA – AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA – NÃO OCORRÊN-

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CIA – QUADRILHA ARMADA E EXTORSÃO – PRISÃO PREVENTIVA – AUSÊNCIA DE FUN-DAMENTAÇÃO IDÔNEA – PEDIDO PREJUDICADO – ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESSA PARTE, DENEGADA – 1. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a extinção de ação penal de forma prematura somente se dá em hipóteses excepcionais, quando patentemente demonstrada (a) a atipicidade da conduta; (b) a ausência de indícios mínimos de autoria e materialidade delitivas; ou (c) a presença de causa extintiva da puni-bilidade. 2. Denúncia que contém a adequada indicação da conduta delituosa imputada ao paciente, apontando os elementos indiciários mínimos aptos a tornar plausível a acusação, o que lhe permite o pleno exercício do direito de defesa. 3. Com relação à prisão preventiva, esta Corte nos autos do HC 113.611/RJ, Relator Ministro Cezar Peluso, concedeu a ordem ao paciente na consideração de que restou configurado excesso de prazo da prisão cautelar (DJe de 01.10.2012). 4. Ordem parcialmente conhecida e, nessa parte, denegada.” (STF, HC 110315, 2ª T., Rel. Min. Teori Zavascki, DJ 04.09.2013)”

“PROCESSUAL PENAL E PENAL – HABEAS CORPUS – CALÚNIA (CP, ART. 138 DO CP) – CRIME PRATICADO POR ADVOGADOS CONTRA JUÍZA FEDERAL – REPRESENTAÇÃO – DESCOMPASSO COM A DENÚNCIA – TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL – MATÉRIA NÃO CONHECIDA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA – IMPOSSIBILIDADE – ATIPICIDADE DA CONDUTA NARRADA NA DENÚNCIA – IMPOSSIBI-LIDADE DE ANÁLISE NA VIA ESTREITA DO WRIT – HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO – 1. O trancamento da ação penal consubstancia medida reservada a casos excepcionais, quan-do indiscutível a ausência de justa causa ou quando flagrante a ilegalidade demonstrada em inequívoca prova pré-constituída. 2. In casu, os impetrantes postulam o trancamento da re-presentação e dos atos dela advindos, incluindo-se a Ação Penal nº 2010.51.04.003208-8, que, por carecer de análise pelo STJ no HC, não pode ser examinada pela Corte, sob pena de indevida supressão de instância. 3. A atipicidade da conduta também se exige demonstráveis de plano para acolhimento do habeas corpus, exceto em casos excepcionais e teratológicos, em que o revolvimento das provas dos autos de origem seja despiciendo. Precedentes: HC 104385, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/o Ac. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, Julgado em 28.06.2011; RHC 103354, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, Julgado em 21.06.2011; HC 90017, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, Julgado em 07.08.2007). 4. A jurispru-dência desta Suprema Corte é firme no sentido de que não se conhece, em habeas corpus, de questões que não foram apreciadas nas instâncias inferiores (HC 93.904/RS, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe 22.05.2009; HC 97.761/RJ, Relª Min. Ellen Gracie, DJe 11.12.2009; HC 79.551/SP, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ 20.10.2000; HC 73.390/RS, Rel. Min. Carlos Velloso; HC 81.115/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 14.12.2001). 5. A estreita via do habeas corpus não comporta o revolvimento do conjunto fático-probatório acostado aos autos, exceto em casos excepcionais e teratológicos. 6. Writ não conhecido.” (STF, HC 114.867, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 14.08.2013, p. 60)”

Já com relação à necessidade da análise detida de provas, inviável em sede de habeas corpus, para acolhimento da alegação da inexistência de superfaturamento na obra, cumpre trazer à baila os seguintes precedentes:

“HABEAS CORPUS – CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL – TRIBUNAL DO JÚRI – DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS (ART. 593, III, D, DO CPP) – NÃO VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SOBERANIA DOS VEREDICTOS – IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE FATOS E PROVAS – ORDEM DENEGADA – 1. A juris-prudência é pacifica no sentido de que não há falar em ofensa ao princípio constitucional da soberania dos veredictos pelo Tribunal de Justiça local que sujeita os réus a novo julgamento (art. 593, III, d, do CPP), quando se tratar de decisão manifestamente contrária à prova dos autos. 2. No caso, o Tribunal de Justiça estadual reconheceu que a tese defensiva não é minimamente consentânea com as evidencias produzidas durante a instrução criminal. Desse modo, qualquer conclusão desta Corte em sentido contrário demandaria, necessariamente, o revolvimento de fatos e provas, o que é inviável na via estreita do habeas corpus. 3. Ordem denegada.” (STF, HC 94.730, Rel. Min. Teori Zavascki, DJe 17.10.2013, p. 66)”

“PENAL MILITAR E PROCESSUAL PENAL MILITAR – RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS – DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA (ART. 343 DO CPM) – TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL – MEDIDA EXCEPCIONAL – ATIPICIDADE DA CONDUTA – REEXAME DE FATOS E PROVAS – VEDAÇÃO NA VIA DO WRIT – RECURSO ORDINÁRIO A QUE SE NEGA PROVI-MENTO – 1. O trancamento da ação penal por meio de habeas corpus é medida excepcional,

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somente admissível quando transparecer dos autos, de forma inequívoca, a inocência do acu-sado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade, circunstâncias não evidenciadas na hipótese em exame. 2. Quando a denúncia descreve fatos subsumíveis, em tese, ao tipo penal, não há falar em ausência de crime ou em indiferente penal. 3. A análise da tipicidade, ou não, da conduta do recorrente demandaria aprofundado revolvimento de fatos e provas, o que é insuscetível na via do habeas corpus. 4. Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento.” (STF, RO-HC 112583, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, DJ 19.02.2013)

7014 – Crime praticado por prefeito – prescrição da pretensão punitiva – prova concreta do des-vio – ausência

“Penal e processual penal. Denúncia. Crime praticado por prefeito em coautoria. Art. 89 da Lei nº 8.666/1993 c/c art. 298 do Código Penal. Prescrição da pretensão punitiva estatal pela pena em abstrato. Crime previsto no art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei nº 201/1967. Não caracterização. Entrega da obra avençada. Ausência de prova concreta do desvio/apropriação (recursos repassados com boa e regular aplicação). Impossibilidade do desvio ou apropriação de recursos públicos ter havido como consequência de outros delitos que foram considerados prescritos (precedente do STJ). Denúncia re-jeitada nessa parte. Fatos. 1. Denúncia ofertada pelo Ministério Público Federal em desfavor do pre-feito do Município de Barcelona/RN, Carlos Zamith de Souza, e do presidente da comissão perma-nente de licitação de Barcelona/RN, Sr. Agaci de Souza filho, imputando-lhes as práticas de crimes, em tese, previstos, no art. 89 da Lei nº 8.666/1993 c/c art. 29 35/145 do Código Penal (para ambos os denunciados) e no art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei nº 201/1967, em concurso material, com o art. 298 do Código Penal. 2. Consoante a denúncia: 2.1. O primeiro denunciado, enquanto prefeito do Muni-cípio de Barcelona/RN, avençou com a União (Ministério da Integração Nacional) o Convênio nº 362/2000, que tinha por objetivo a reconstrução em alvenaria de 18 antigas casas populares de taipa naquela edilidade. 2.2. Os signatários do referido contrato administrativo, considerando a apro-vação prévia pelo Ministério da Integração Nacional, convencionaram o repasse de verbas federais, pela União, no montante de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) ao citado Município, tendo sido recebido tal repasse em 06 de dezembro de 2000, mediante a contrapartida de R$ 2.423,44 (dois mil, quatro-centos e vinte e três reais e quarenta e quatro centavos). 2.3. O prefeito da edilidade de Barcelona/RN, ao invés de licitar o objeto conveniado, a fim de que as 18 casas populares fossem reconstruídas com base em um só contrato, subdividiu em 06 (seis) termos de dispensa de licitação, correspondentes a 6 diferentes contratações, afastando a necessidade de realização de licitação pela via carta-convite, já que se tratava de obra que no seu valor global superava o mínimo estabelecido para a época, dispen-sando licitação fora das hipóteses permitidas em lei. 2.4. Que o denunciado, então prefeito do Muni-cípio de Barcelona/RN, aproveitando-se da ignorância dos trabalhadores autônomos contratados, te-ria induzido-os a assinar recibos ideologicamente falsos, em parte dos valores superiores àqueles efetivamente pagos pelos serviços realizados, o que ensejou a imputação em face da suposta prática de desvio de verba pública federal. Art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei nº 201/67, em concurso material, com o crime de falsidade CP, art. 298. 2.5. Que o acusado Agaci de Souza Filho, à época dos fatos, presidente da comissão permanente de licitação em Barcelona/RN, teria sido, juntamente com o Pre-feito Carlos Zamith, o responsável pela assinatura dos termos de dispensa de licitação, incorrendo nas penas do art. 89 da Lei nº 8.66/1993. Preliminar de prescrição (crimes do art. 89 da Lei nº 8.666/1993 c/c art. 298 do Código Penal). 3. A ambos os acusados (Carlos Zamith de Souza e Agaci de Souza Filho), foram imputados as práticas de crimes, em tese, previstos, no art. 89 da Lei nº 8.666/1993 c/c art. 29 do Código Penal, e para o acusado Carlos Zamith o art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei nº 201/1967, em concurso material, com o art. 298 do Código Penal. 4. Ressalva de que não seria hipótese de aplicação da Lei nº 12.234 de 5 de maio de 2010, que revogou o § 2º do art. 110 do Código Penal dando nova redação ao seu § 1º, no que tange à prescrição, em face de os fatos em exame terem ocorridos antes de sua vigência, e por serem seus efeitos manifestamente prejudiciais ao réu, incidin-do na vedação de retroatividade de lei desfavorável. 5. No que tange ao crime de dispensa de licita-ção, previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/1993, os autos do inquérito apontam que os supostos fracio-namentos das licitações, tiveram os seis (06) termos de dispensas, respectivamente, em 13 de

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fevereiro de 2001, 14 de fevereiro de 2001, 14 de fevereiro de 2001, 13 de março de 2001, 14 de março de 2001 e 14 de março de 2001 (fls. 53 e seguintes do apenso 4, volume 1 de 1). 6. No que se refere aos crimes de falsidade ideológica, atinentes aos recibos falsos, verifica-se que tais recibos possuem datas entre fevereiro a abril de 2001 (fls. 53 e seguintes do apenso 4, volume 1 de 1). 7. Tanto o crime previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/1993 quanto o do art. 298 do Código Penal (dis-pensar licitação e falsificar documento particular) têm pena máxima em abstrato de 5 anos, que prescreve em 12 anos (CP, art. 09, III). 8. Considerado o lapso temporal entre a data dos fatos, mais precisamente os últimos atos de dispensa de licitação (março de 2001) e as últimas datas dos recibos falsificados (abril de 2001), já que até esta data não houve o efetivo recebimento da denúncia ou qualquer causa suspensiva ou interruptiva da prescrição, tem-se como transcorrido mais de 12 anos autorizadores da prescrição pela pena em concreto (CP, art. 109, III), para cada crime, isoladamente considerados, em face da regra do concurso material (CP, art. 69). 9. Acolhe-se o pleito preliminar deduzido pela defesa do acusado Carlos Zamith. Extinção da punibilidade dos acusados Carlos Zami-th de Souza e Agaci de Souza Filho pelos crimes previstos nos arts. 89 da Lei nº 8.666/1993 e 298 do Código Penal, tendo em vista a ocorrência da prescrição pela pena em abstrato, fulminada a própria pretensão punitiva estatal. Do crime tipificado no art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei nº 201/1967 (impu-tado ao prefeito de Barcelona/RN) 10. Delata a inicial que o denunciado, então prefeito do Município de Barcelona/RN, aproveitando-se da ignorância dos trabalhadores autônomos contratados, induziu--os a assinar recibos ideologicamente falsos, em parte dos valores superiores àqueles efetivamente pagos pelos serviços realizados, o que ensejou a imputação em face da suposta prática de desvio de verba pública federal. Art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei nº 201/1967, em concurso material, com o crime de falsidade (CP, art. 298), este último no caso concreto fulminado pela prescrição. 11. Nos termos do Relatório Circunstanciado nº 83/2011, elaborado pela Polícia Federal (fls. 246/247, volume 1 de 1, apenso 4), restou consignado: I – A execução do convênio noticiado na denúncia, no período compreendido entre 6 de outubro de 2000 a 5 de março de 2001, com a entrega, nas condições previstas pelas entidades que o firmaram. União Federal e o Município, das 18 casas populares que tiveram sua reconstrução à vista do avençado originariamente com o Ministério da Integração Nacio-nal; II – Se concluiu a localização e visitação dos imóveis informados na relação das 18 casas (fotos das 18 casas entregues pela prefeitura (fls. 248/250)). 12. O expediente de fls. 78 (volume 1 de 1, apenso 4), emanado do chefe de gabinete do Ministério da Integração Nacional. Secretaria executiva esclareceu ‘que a prestação de contas final do convênio supracitado foi aprovada conforme consta do Parecer Financeiro nº 325/2008/Capc/Cgconv/DGI/Secex’. 13. Ausência de demonstração concreta da ocorrência de desvio de verbas públicas federais, sobretudo quando se tem a prova da entrega da obra avençada, da boa e regular aplicação dos recursos repassados e da prestação de contas. 14. O col. Superior Tribunal de Justiça entende pela impossibilidade de se considerar o delito de apropria-ção/desvio (por prefeito) como subproduto de infração à lei de licitações ou da falta de prestação de contas no tempo devido 36/145 (precedente: REsp 1199887/PI, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, Julgado em 26.06.2012, DJe 06.08.2012). 15. Remanesce a imputação (que está implícita na denúncia) de que, se os recibos assinados pelos empreiteiros eram ideologicamente falsos, o pre-feito teria embolsado ou desviado em favor de terceiro, a diferença entre o valor consignado e o efe-tivamente pago pelos serviços. 16. Nesse aspecto não há como ser recebida a denúncia. O próprio depoimento dos empreiteiros foi vacilante. Um deles, no primeiro depoimento, disse que assinatura não era sua (fls. 67, volume 1 de 1, apenso 4). Em seguida diz que era, mas não revelou os valores consignados no recibo (fls. 68, volume 1 de 1, apenso 4). O segundo empreiteiro (fls. 73/74) diz que não recebeu R$ 7.000,00, mas sim entre R$ 500,00 e R$ 700,00 por cada casa construída. Ora, como diz que trabalhou em aproximadamente 10 casas, não haveria praticamente a diferença alegada. O terceiro empreiteiro não chegou a ser ouvido. 17. Não há qualquer indicação de que teria sido o próprio prefeito a ‘montar’ os supostos recibos falsos. No depoimento do empreiteiro às fls. 73/74 (volume 1 de 1, apenso 4) diz que era o servidor da secretaria de finanças, Senhor Anchieta, que pe-gava as assinaturas. 19. De qualquer modo, para que tivesse havido o desvio, seria necessário que o preço pago pela obra fosse maior do que o necessário para a sua realização. E o que restou constata-do, ao final, foi que o preço pago era o adequado, tendo sido aprovadas as contas. 20. Registre-se que

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o delito em si de falso, se caracterizado, já estaria prescrito. Do mesmo modo, se o recibo tivesse sido falsificado para encobrir irregularidade no processo licitatório (subproduto) do crime previsto na Lei nº 8.666/1993, também estaria fulminado pela prescrição 21. Denúncia rejeitada (CPP, art. 395, III) em face do crime previsto no art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei nº 201/1967.” (TRF 5ª R. – ACr 0005152-29.2007.4.05.8400 – TP – Rel. Des. Fed. Rogério Fialho Moreira – DJe 10.04.2014)

7015 – Estatuto da Criança e do Adolescente – ato infracional equiparado ao crime de estupro – medida socioeducativa – aplicação

“Recurso de apelação. Eca. Ato infracional equiparado ao crime de estupro de vulnerável. Atos libidi-nosos. Art. 217-A do Código Penal. Representação procedente. Aplicação de medida socioeducativa de internação. Alegação de intempestividade do recurso não reconhecida. Razões apresentadas fora de prazo. Irrelevância. Adolescente que manifestou seu desejo de recorrer. Pleito absolutório por insuficiência probatória impossibilidade. Desnecessidade de oitiva das pequenas vítimas de apenas 4 e 7 anos de idade quando é possível comprovar os fatos por meio de outros elementos presentes nos autos como no caso pela confissão do apelante de ter praticado o delito corroborada pelas declara-ções da genitora das vítimas. Provas suficientes da prática do ato infracional alegação de atipicidade da conduta ao argumento de que o ato libidinoso deve ter a mesma gravidade que a conjunção carnal descabimento. Expressão ‘ato libidinoso’ que contém todos os atos de natureza sexual que tenham por finalidade satisfazer a libido do agente, o que restou comprovado. Insurgência contra a medida socioeducativa de internação aplicada. Acolhimento. Decurso de lapso temporal de 2 anos e 8 meses entre o cometimento do ato infracional e a data deste julgamento fato isolado na vida do apelante que encontra-se estudando, já constituiu família e foi selecionado para prestar serviço militar. Aplicação de medida socioeducativa que já perdeu seu caráter pedagógico e reeducativo. Extinção do feito sem a aplicação de qualquer medida socioeducativa.” (TJPR – Ap 1168509-1 – 2ª C.Crim. – Rel. Des. Laertes Ferreira Gomes – DJe 24.06.2014)

7016 – Estatuto da Criança e do Adolescente – corrupção de menores – prática de infração penal – indução

“Apelação criminal. Corrupção de menores. Induzimento à prática de infração penal. Provas suficien-tes. Depoimento do menor. Especial relevância. Especial proteção da criança e do adolescente. Inser-ção do menor na seara criminosa. Consumação do delito. Conjunto probatório suficiente. Idade do menor. Documento de identificação. Existência de outros elementos probatórios. Recurso desprovido. 1. A corrupção do menor se consuma quando ocorre a indução à prática de infração penal, ainda que esta não venha a ser efetivada. Com efeito, opera-se a indução no momento em que o agente faz ingressar na mente do menor a intenção delituosa. 2. Ainda que não haja provas suficientes para condenar o acusado pelo crime de roubo, é certo que o crime se consumou, sendo indene de dúvidas o envolvimento do menor, consubstanciada na sua participação no evento criminoso. 3. Em crimes como o ora apurado, perpetrado em diálogo direito entre o corruptor e a vítima, naturalmente na ausência de testemunhas do fato, deve-se conferir especial relevância ao relato do menor, sobretudo quando este apresenta a mesma versão, de forma firme e coerente, tanto na fase inquisitorial quanto na fase judicial. 4. Os elementos probatórios dos autos não deixam dúvidas, diante da análise das pe-culiaridades do caso, de que a vítima, ao tempo do fato delituoso, era menor idade. A falta de juntada de documento de identidade ou certidão de nascimento, no caso concreto, não assume importância para fins de absolvição. 5. Recurso desprovido.” (TJDFT – ACr 20120310123960 – (772163) – Rel. Des. Silvânio Barbosa dos Santos – DJe 26.03.2014)

7017 – Estatuto da Criança e do Adolescente – exploração sexual – cliente ocasional – descarac-terização

“Recurso especial. Penal. Art. 244-A da Lei nº 8.069/1990. Exploração sexual de adolescentes. Cliente ocasional. Núcleo do tipo não caracterizado. Princípio da legalidade. Recurso improvido. 1. Para a configuração do delito de exploração sexual de criança e de adolescente, previsto no art. 244-A do

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ECA, exige o tipo penal a submissão da vítima à prostituição ou exploração sexual, nesse limite se compreendendo necessária relação de poder sobre a adolescente, na família, empresa ou mediante ameaça por qualquer modo realizada. 2. Esta Corte Superior possui compreensão de que o crime previsto no art. 244-A do ECA não abrange a figura do cliente ocasional, diante da ausência de exploração sexual nos termos da definição legal. Precedentes. 3. Inobstante o relevante critério de proteção ao adolescente, dominante na formação do Estatuto da Criança e do Adolescente, o prin-cípio da legalidade não permite ampliar a compreensão da elementar submissão (com necessário poder sobre outrem) para abranger a conduta ocasional e consentida. 4. Recurso improvido.” (STJ – REsp 1.361.521 – (2013/0011143-7) – 6ª T. – Rel. Min. Nefi Cordeiro – DJe 13.06.2014)

7018 – Estatuto do Desarmamento – disparo de arma de fogo – local habitado – absolvição – im-possibilidade – reincidência

“Apelação criminal. Disparo de arma de fogo em local habitado (art. 15 da Lei nº 10.826/2003). Absolvição. Impossibilidade. Reincidência. Transcurso de mais de cinco anos entre a data do fato e o cumprimento da pena. Exclusão. Restando devidamente comprovado que o apelante efetuou disparos de arma de fogo, em local habitado e/ou suas adjacências, e considerando que não ficou caracteri-zada nenhuma excludente de ilicitude, mantém-se a condenação do recorrente pela prática do crime previsto no art. 15, caput, da Lei nº 10.826/2003. Podendo-se inferir da certidão acostada aos autos que já transcorrido lapso temporal superior a cinco anos entre a data de cumprimento ou da extinção da pena e a data do novo fato, não há que se falar em reincidência,conforme dispõe o inciso I do art. 64 do Código Penal. Recurso conhecido e parcialmente provido.” (TJDFT – ACr 20121110011647 – (797520) – Rel. Des. Cesar Laboissiere Loyola – DJe 25.06.2014)

7019 – Estupro de vulnerável – contravenção penal – desclassificação – possibilidade

“Habeas corpus. Impetração originária. Substituição ao recurso especial cabível. Impossibilidade. Respeito ao sistema recursal previsto na Carta Magna. Não conhecimento. 1. Com o intuito de ho-menagear o sistema criado pelo Poder Constituinte Originário para a impugnação das decisões ju-diciais, necessária a racionalização da utilização do habeas corpus, o qual não deve ser admitido para contestar decisão contra a qual exista previsão de recurso específico no ordenamento jurídico. 2. Tendo em vista que a impetração aponta como ato coator acórdão proferido por ocasião do julga-mento de apelação criminal, contra o qual seria cabível a interposição do recurso especial, depara-se com flagrante utilização inadequada da via eleita, circunstância que impede o seu conhecimento. 3. O constrangimento apontado na inicial será analisado, a fim de que se verifique a existência de flagrante ilegalidade que justifique a atuação de ofício por este Superior Tribunal de Justiça. Estupro de vulnerável (art. 217-A do Código Penal). Desclassificação para a contravenção penal prevista no art. 61 do Decreto-Lei nº 3.688/1941. Reconhecimento da forma tentada do crime. Isenção ou redu-ção da pena em face da embriaguez do réu. Matérias não suscitadas pela defesa em sede recursal. Apelação efeito devolutivo. Supressão de instância. Impossibilidade de conhecimento. 1. O efeito devolutivo do recurso de apelação criminal encontra limites nas razões expostas pelo recorrente, em respeito ao princípio da dialeticidade que rege os recursos no âmbito processual penal pátrio, por meio do qual se permite o exercício do contraditório pela parte que defende os interesses adversos, garantindo-se, assim, o respeito à cláusula constitucional do devido processo legal. 2. Da análise dos autos, verifica-se que o acórdão que julgou o recurso do réu não fez qualquer menção à pretendida desclassificação do crime, ao almejado reconhecimento da forma tentada, tampouco à redução ou isenção de pena do acusado em razão de sua suposta embriaguez. 3. Tais questões deveriam ter sido arguidas no momento oportuno e perante o juízo competente, no seio do indispensável contraditório, circunstância que evidencia a impossibilidade de análise da impetração por este Sodalício, sob pena de se configurar a indevida prestação jurisdicional em supressão de instância. Alegada condenação baseada exclusivamente em elementos informativos colhidos no inquérito policial. Não ocorrência. Édito repressivo que expressamente faz menção a depoimentos colhidos na fase judicial. inexistência de nulidade. 1. Embora esta Corte Superior de Justiça tenha entendimento consolidado no sentido de considerar inadmissível a prolação do édito condenatório exclusivamente com base em elementos

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de informação colhidos durante o inquérito policial, tal situação não se verifica na hipótese, já que as instâncias ordinárias apoiaram-se também em elementos de prova colhidos no âmbito do devido processo legal. Dosimetria da pena. Pretendida redução da sanção. Reprimenda básica fixada no mí-nimo legal. Falta de interesse de agir. 1. Não se vislumbra interesse de agir no que se refere à almejada redução da sanção imposta ao acusado, uma vez que no aresto objurgado sua pena-base foi fixada no mínimo legal. Pena. Regime de execução. Modo fechado determinado com base na gravidade em abstrato do delito. Impossibilidade. Art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal. Súmulas nºs 718 e 719 do Supremo Tribunal Federal. Constrangimento ilegal evidenciado. Alteração para a forma semiaberta. Concessão da ordem de ofício. 1. O art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal estabelece que o condenado à pena superior a 4 (quatro) anos e não excedente a 8 (oito) poderá iniciar o cumprimento da repri-menda no regime semiaberto, observando-se os critérios do art. 59 do aludido diploma legal. 2. Não se admite a fixação do regime inicial de cumprimento de pena mais gravoso quando a pena-base é fixada no mínimo legal, e o acusado é primário e detentor de bons antecedentes. 3. O Supremo Tribunal Federal, nos Verbetes nºs 718 e 719, sumulou o entendimento de que a opinião do julgador acerca da gravidade genérica do delito não constitui motivação idônea a embasar o encarceramento mais severo do sentenciado. 4. Na hipótese dos autos, o regime fechado foi firmado unicamente com base na reprovabilidade abstrata do tipo penal. 5. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício apenas para fixar o regime inicial semiaberto para o cumprimento da pena imposta ao paciente.” (STJ – HC 279.641 – (2013/0345620-5) – 5ª T. – Rel. Min. Jorge Mussi – DJe 18.06.2014)

7020 – Execução penal – livramento condicional – benefício – suspensão

“Agravo em execução. Livramento condicional. Prática de outra infração penal. Suspensão do bene-fício. Art. 145 da LEP. Constatada a prática de outra infração penal, no curso do livramento condicio-nal, o benefício deve ser suspenso. Desnecessária a existência de condenação transitada em julgado. Inteligência do art. 145 da LEP. Agravo em execução, improvido.” (TJRS – Ag-Ex 70058140211 – 4ª C.Crim. – Rel. Des. Gaspar Marques Batista – J. 29.05.2014)

7021 – Furto – ECA – ato infracional – motivo torpe – medida socioeducativa – aplicação

“Apelação. ECA. Ato infracional. Furto. Homicídio. Motivo torpe. Concurso de agentes. Preliminar. Intempestividade. Rejeição. Conhecimento do apelo. Mérito. Autoria e materialidade confirmada. Aplicação de medida socioeducativa de internação, sem possibilidade de atividades externas. Cabi-mento. Proporcionalidade entre o ato infracional e a medida imposta. Fato. Provado que o apelante matou a vitima, mediante concurso de agentes e por motivo torpe, ao desferir-lhe disparos de arma de fogo que atingiram sua cabeça. Sentença confirmada sentença condenatória que aplicou ao repre-sentado medida socioeducativa de internação sem possibilidade de atividades externas. Preliminar. Intempestividade. Ainda que o recurso de apelação da representada tenha sido interposto fora do pra-zo (intempestivo), em face dos adolescentes não possuírem jus postulandi e a sistemática do ECA ter como objetivo proporcionar ‘proteção integral’ à criança e ao adolescente, o recurso deve ser conhe-cido. Mérito. Autoria. A autoria foi comprovada pela prova oral colhida em juízo. Materialidade. Bo-letim de ocorrência, auto de apreensão, auto de necropsia e prova oral colhida em juízo que provam a respeito da materialidade do fato praticado. Medida socioeducativa certa a autoria e a materialidade, inexistindo causa ou fatores para a improcedência da representação, a aplicação da medida socioe-ducativa é de rigor. Caso em que vai confirmada a sentença que julgou procedente a representação e aplicou a medida socioeducativa de internação, sem possibilidade de atividades externas, pelo fato tipificado no art. 121, § 2º, inciso I, do Código Penal. Conheceram o apelo. No mérito, negaram pro-vimento.” (TJRS – AC 70059780817 – 8ª C.Cív. – Rel. Des. Rui Portanova – J. 05.06.2014)

7022 – Fraude à licitação – falsidade ideológica – prisão preventiva – medidas cautelares – con-versão

“Processual penal. Recurso ordinário em habeas corpus. Fraude à licitação, falsidade ideológica e quadrilha. Operação Fratelli. Prisão preventiva convertida em medidas cautelares. Fiança. Suspensão

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de atividade econômica. Possibilidade de reiteração delitiva. Cabimento. Ausência de constrangimen-to ilegal. Recurso desprovido. 1. O Estatuto Processual Penal admite a adoção de medidas cautelares diversas da prisão, observando-se a adequação e necessidade de tais imposições. É de ver que, no processo penal de cariz democrático, a liberdade é a regra, a qual deve ser prestigiada diuturnamente. 2. O instituto da fiança tem por finalidade a garantia do juízo, assegurando a presença do acusado durante a persecução criminal e o bom andamento do feito. Interpretando sistematicamente a lei, identifica-se uma finalidade secundária na medida, que consiste em assegurar o juízo também para o cumprimento de futuras obrigações financeiras. 3. No caso concreto, o Tribunal a quo justificou seu posicionamento considerando ‘a existência de indícios razoáveis da imputação contida na denúncia, que é de conduta criminosa da qual resulta proveito econômico para os denunciados, em detrimento do Erário’ (fl. 290). Tal posicionamento não destoa do que dispõe o Código de Processo Penal. 4. A suspensão do exercício de atividade de natureza econômica ou financeira está intimamente ligada à possibilidade de reiteração delitiva, e mais, a crimes de natureza financeira. 5. Hipótese em que a prática imputada ao recorrente diz respeito a condutas fraudulentas cometidas contra a Administração Pública, com a finalidade de obter vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação, ha-vendo notícias de que mesmo após a decretação da prisão temporária de alguns envolvidos o grupo continuou a delinquir, perpetrando as fraudes já mencionadas (fl. 283). 6. Diante da possibilidade de que o delito volte a ser perpetrado, quando ainda em curso a apuração dos fatos anteriores, plena-mente justificada a suspensão do exercício das atividades do recorrente dentro do grupo empresarial. 7. Recurso a que se nega provimento.” (STJ – Rec-HC 42.049 – (2013/0357400-8) – 6ª T. – Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura – DJe 03.02.2014)

7023 – Furto qualificado – insignificância penal – alegação – impossibilidade

“Habeas corpus. Penal. Furto qualificado. Art. 155, § 4º, inciso I, do Código Penal. Alegada incidência do postulado da insignificância penal. Não incidência, tendo em vista a contumácia e o rompimento de obstáculo perpetrado. Precedentes. Ordem denegada. 1. Embora seja reduzida a expressividade financeira dos bens subtraídos (avaliados em R$ 114,00), não se mostra possível acatar a tese de irrelevância material da conduta, pois, além de o delito ter sido praticado com o rompimento de obs-táculo, noticiam os autos que o paciente responde a outro processo por crime contra o patrimônio, o que demonstra que sua personalidade está voltada para a prática delitiva. 2. Essas circunstâncias ini-bem a aplicabilidade do postulado da insignificância ao caso concreto. 3. Ordem denegada.” (STF – HC 121.134 – Espírito Santo – 1ª T. – Rel. Min. Dias Toffoli – J. 06.05.2014)

7024 – Habeas corpus – casas de jogos ilegais – falta de fundamentação da decisão autorizadora de interceptações telefônicas – inocorrência

“Processo penal. Habeas corpus. Casas de jogos ilegais. Falta de fundamentação da decisão autori-zadora de interceptações telefônicas. Inocorrência. Decisão embasada em elementos concretos. Pre-sença de indícios de autoria e indispensabilidade da medida. Ilegalidade por interceptação decorren-te de denúncia anônima. Improcedência. Notícia-crime propulsora de diversas diligências policiais realizadas antes da representação pelas interceptações. Constrangimento ilegal inexistente. Ordem denegada. Decisão unânime. I – Na decisão atacada, que se apresenta extensa e bastante detalhada, constata-se que a autoridade indigitada coatora apresentou fundamentos concretos para decretar a medida excepcional de interceptação telefônica, sem incidir em qualquer das ressalvas feita pelo art. 2º da Lei nº 9.296/1996. A Magistrada de primeiro grau destacou expressamente a presença de in-dícios de autoria em desfavor do paciente, descrevendo a conduta criminosa investigada, sempre com forte apoio na representação policial, que, por sua vez, aponta concretamente trechos de ligações telefônicas envolvendo a pessoa do paciente. Além disso, mencionou explicitamente que os indícios de autoria diziam respeito a infrações punidas com reclusão e ainda apresentou motivação suficiente no que concerne à indispensabilidade da medida de interceptação telefônica, no sentido de que as in-vestigações não atingiriam resultados com o necessário grau de detalhamento por meio de quaisquer outras diligências. II – A representação pela interceptação telefônica, acatada pela juíza singular, não se motivou em mera denúncia anônima, tendo sido essa notícia apenas a mola propulsora de diversas

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diligências empreendidas pela polícia, que, por seus importantes resultados, deram causa ao prosse-guimento e aprofundamento das investigações, inexistindo, portanto, ilegalidade a ser reconhecida. Precedentes: STJ. III – Ordem denegada. Decisão unânime.” (TJPE – HC 0001660-93.2014.8.17.0000 – 3ª C.Crim. – Rel. Des. Cláudio Jean Nogueira Virgínio – DJe 28.04.2014)

7025 – Habeas corpus – Estatuto do torcedor – cambista – tipicidade da conduta – ausência de ingressos na bilheteria – irrelevância – crime configurado

“Estatuto do Torcedor. Cambista. Tipicidade da conduta. Ausência de ingressos na bilheteria. Irrele-vância. Caracterização do crime. Ementa. Ação constitucional. Habeas corpus. Estatuto do Torcedor. Crime de cambismo (art. 41-F da Lei nº 10.671/2010). Alegação de atipicidade da conduta pela ine-xistência de prova no sentido de que não havia oferta de ingressos na bilheteria do estádio. Pleito de declaração de atipicidade da conduta e absolvição. Preliminar de não conhecimento sustentada pelo Parquet. Rejeição. Alegação de atipicidade da conduta que, se acolhida, importa em ilegalidade na manutenção do decreto condenatório e, por consequência, violação ao direito ambulatorial do paciente. No mérito, impossibilidade de utilização do habeas corpus para revisão do mérito da de-cisão da Turma Recursal e revolvimento de matéria fática. Inexistência de patente constrangimento ilegal. Adoção de entendimento doutrinário e interpretação da lei diversos da tese defensiva. Questões de mérito que não podem ser modificadas via eleita. Denegação da ordem. 1. Reconhece-se, sem dúvida a competência para o julgamento de habeas corpus impetrado contra decisão proferida por Turmas Recursais, pois, há muito, houve mudança de entendimento do Supremo Tribunal Federal so-bre o tema, nos exatos termos postos na inicial da impetração, conforme jurisprudência colacionada, tanto na inicial quanto no parecer ministerial (STF, HC 89378 RJ, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, J. 28.11.2006, 1ª Turma, Publ. DJ 15.12.2006), cuja ementa abstenho-me de transcrever, a fim de evi-tar repetições. 2. No que tange ao manejo da impetração para alcance da mesma matéria rechaçada por ocasião do julgamento do recurso de apelação, de fato, como bem salientado pelo digno procu-rador de justiça, tal procedimento não se compatibiliza com o entendimento dos Tribunais Superiores que tem prezado pela excepcionalidade da ação constitucional de habeas corpus e repudiado sua utilização como substitutivo do recurso cabível. 3. Contudo, a tese de atipicidade, acaso acolhida, importaria na configuração de constrangimento ilegal pela manutenção do Decreto condenatório, com reflexo na liberdade ambulatorial do paciente. Assim, conhece-se da impetração, refutando-se a preli-minar destacada pela doutra procuradora de justiça. 4. No mérito, repisando-se o teor da decisão que indeferiu o pleito de liminar, desde logo se nota que o acórdão impugnado não se afigura teratológico e, por esta razão, não há que se conceder a ordem. O writ busca, na verdade, revisitar as teses defensi-vas articuladas na apelação, já julgada de forma regular pelo órgão de segunda instância competente, qual seja, a Turma Recursal. 5. Admitir-se o seguimento do habeas corpus não significa que se deva acolher a pretensão do impetrante, que pretende a reanálise do próprio recurso já julgado. A concessão da ordem importará, de fato, em instituição de uma terceira instância, o que não pode ser admitido sob pena de violar-se o sistema recursal pátrio. 6. Por outro lado, insta salientar que a interpretação que se deu ao artigo de lei em comento e a adoção de tese doutrinária divergente daquela sustentada pela defesa não constitui patente ilegalidade e, portanto, não está caracterizada a hipótese de incidência da ação constitucional. 7. Com efeito, a decisão impugnada e inquinada de ilegalidade, em razão da alegada atipicidade da conduta encontra-se escorada em entendimento doutrinário e jurisprudencial, não sendo possível afirmar-se a atipicidade da conduta, em razão do dissenso jurisprudencial sobre a matéria. 8. Merece destaque o trecho da sentença proferida em primeiro grau, e confirmada pela Tur-ma Recursal, pela consistência de sua fundamentação. 9. Ademais, o delito pelo qual foi condenado o paciente – art. 41-F da Lei nº 10.671/2003 – foi incluído pela Lei nº 12.299/2010, de 27 de julho de 2010 e a jurisprudência colacionada pela impetração, com todas as vênias, não se presta a funda-mentar a pretensão de reconhecimento da atipicidade da conduta, inclusive porque não atualizada. 10. Analisando-se o inteiro teor do acórdão da lavra do eminente Desembargador Ricardo Bustamante, cuja ementa se transcreve na inicial, verifica-se que, embora datado de 02.02.2011, fundamenta-se no entendimento de três julgados do Conselho Recursal da Capital, todos de 2008, que cuidam do art. 2º, IX, da Lei de Economia Popular. 11. Por outro lado, o acórdão da lavra do eminente Desembargador

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Siro Darlan de Oliveira, cuida, por igual do delito do art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/1951, utilizando-se, como fundamento, de julgados anteriores à edição da Lei nº 12.299/2010. 12. Ademais, a tipicidade da conduta descrita no art. 41-F da Lei nº 10.671/2003 (vender ingressos de evento esportivo, por preço superior ao estampado no bilhete) prescinde, por sua redação, de qualquer circunstância especial para sua configuração. Por fim, de se consignar que não há que se cogitar de tolerância à conduta ou de necessidade de descrição de circunstâncias outras (tais como o esgotamento dos ingressos da bilheteria ou a bilheteria fechada) para a caracterização do tipo penal, diante da manutenção da conduta no An-teprojeto do Código Penal, já aprovado pelo Senado Federal, com a seguinte redação, verbis: Art. 252. Vender ingressos de evento esportivo ou cultural por preço superior ao estampado no bilhete. Pena – Prisão, de seis meses a dois anos. Parágrafo único. Se o agente fornece, desvia ou facilita a distribuição de ingressos para venda por preço superior ao estampado no bilhete. Pena – Prisão de um a três anos. Denegação da ordem.” (TJRJ – HC 0059511-70.2013.8.19.0000 – 2ª C.Crim. – Rel. Des. Jose Muinos Pineiro Filho – DJe 28.05.2014 – p. 29)

7026 – Habeas corpus – exercício da função pública – suspensão – órgão público – dependências – proibição de acesso – liberdade de ir e vir – ofensa – ausência

“Processual penal. Habeas corpus. Suspensão de exercício de cargo público e proibição de acesso ao local de trabalho. Ausência de ofensa à liberdade de ir e vir. 1. A suspensão do exercício da função pública e a proibição de acesso às dependências de órgão público, medidas processuais penais cau-telares, não implicam violação ou ameaça real à liberdade de locomoção do paciente, circunstância que desautoriza o manejo do habeas corpus para a sua remoção (art. 5º, LXVIII, CF). 2. Habeas corpus não conhecido.” (TRF 1ª R. – HC 0071139-90.2013.4.01.0000/RO – Rel. Des. Fed. Olindo Herculano de Menezes – DJe 03.04.2014)

7027 – Habeas corpus – investigação – Polícia Militar – ausência de ilegalidade – não conheci-mento

“Habeas corpus. Atos de investigação praticados pela Polícia Militar. Inexistência de nulidade. Via indevidamente utilizada em substituição a recurso ordinário. Ausência de ilegalidade manifesta. Não conhecimento. 1. É imperiosa a necessidade de racionalização do emprego do habeas corpus, em prestígio ao âmbito de cognição da garantia constitucional, e, em louvor à lógica do sistema recursal. In casu, foi impetrada indevidamente a ordem como substitutiva de recurso ordinário. 2. A Consti-tuição da República diferencia as funções de polícia judiciária e de polícia investigativa, sendo que apenas a primeira foi conferida com exclusividade à Polícia Federal e à Polícia Civil. 3. In casu, a Po-lícia Civil, de posse dos elementos informativos obtidos pela agência de inteligência da polícia militar, nas palavras do aresto atacado, ‘assumiu a investigação’, instaurando o auto de prisão em flagrante e encaminhando relatório ao juízo, não havendo qualquer ilegalidade a reconhecer nesta via. 4. O in-quérito policial não é indispensável à propositura da ação penal, podendo, tanto o Ministério Público, nas ações penais públicas, quanto o particular, nas ações privadas, oferecerem denúncia ou queixa fundamentada em outros elementos de convicção, normalmente denominadas, na lei processual, de peças de informação (CPP, arts. 28, 39, § 5º, e 46, § 1º). Aliás, qualquer do povo pode levar tais elementos a conhecimento das autoridades, seja o delegado de polícia, seja o membro do Ministério Público. 5. ‘A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é firme na compreensão de que even-tuais nulidades ocorridas na fase inquisitorial não têm o condão de tornar nula a ação penal’ (REsp 332.172/ES, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, 6ª Turma, Julgado em 24.05.2007, DJe 04.08.2008). 6. Habeas corpus não conhecido.” (STJ – HC 256.118 – (2012/0210329-2) – 6ª T. – Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura – DJe 09.06.2014)

7028 – Homicídio duplamente qualificado – réu solto durante instrução – constrangimento ilegal – configuração

“Habeas corpus. Homicídio duplamente qualificado. Sentença condenatória. Réu que permaneceu solto durante grande parte da instrução criminal. Decreto de prisão antes do trânsito em julgado da

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decisão. Constrangimento ilegal configurado. Ordem concedida. Nos casos em que o réu permane-ceu livre durante grande parte da instrução criminal, a execução provisória da pena, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, somente se justifica quando presentes os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal.” (TJPR – HC 1212465-7 – 1ª C.Crim. – Rel. Des. Campos Marques – DJe 24.06.2014)

7029 – Homicídio qualificado – constrangimento ilegal – prisão – decretação

“Habeas corpus. Homicídio qualificado consumado. Constrangimento ilegal na decretação da prisão preventiva. Não evidenciado. Presentes os requisitos autorizados da prisão cautelar. Condições pes-soais favoráveis irrelevância. Ordem denegada. A decisão que decretou a prisão preventiva encontra--se devidamente fundamentada nos termos dos arts. 312 e 313, I, do Código de Processo Penal, vez que há provas da materialidade do delito e indícios suficientes de autoria, bem como há necessidade de garantir a ordem pública, assegurar a aplicação da lei penal e por conveniência da instrução cri-minal, em razão da gravidade concreta do delito, porquanto o paciente, em tese, ao chegar em seu quarto se deparou com a vítima tentando furtar suas coisas e após entrar em luta corporal, o asfixiou de forma que impossibilitou sua defesa e o matou. Após o ocorrido, evadiu-se da Comarca, sendo preso quando tentava fugir para outro Estado da Federação. Condições pessoas favoráveis ainda que comprovadas, não garantem por si sós, a liberdade provisória quando presentes os requisitos auto-rizadores da prisão preventiva.” (TJMS – HC 1404564-42.2014.8.12.0000 – 1ª C.Crim. – Rel. Des. Dorival Moreira dos Santos – DJe 23.06.2014)

7030 – Livramento condicional – prática de novo crime durante o período de prova – extinção da punibilidade – ocorrência

“Agravo regimental. Habeas corpus. Execução penal. Livramento condicional. Prática de novo crime durante o período de prova. Término do lapso sem expressa suspensão ou prorrogação. Extinção da punibilidade. Ocorrência. Manutenção da decisão que concedeu a ordem para declarar extinta a reprimenda privativa de liberdade que resultou na concessão do livramento. Necessidade. 1. Deve ser mantida por seus próprios fundamentos a decisão monocrática em que, em consonância com o entendimento deste Tribunal, concede-se ordem de habeas corpus para declarar extinta a pena pri-vativa de liberdade, que resultou na concessão do livramento condicional, em razão de a revogação do benefício pela prática de novo crime ter ocorrido após o período de prova. Precedentes. 2. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-HC 273.375 – (2013/0216979-3) – 6ª T. – Rel. Min. Sebastião Reis Júnior – DJe 01.07.2014)

7031 – Pena – constrangimento ilegal – posse – uso próprio – causa especial de diminuição de pena – impossibilidade

“Penal. Habeas corpus. Tráfico de entorpecentes. Art. 33 da Lei nº 11.343/2006. Condenação pela posse de entorpecente para uso próprio (art. 28 da Lei de Drogas). Apelação provida para desclassificar a posse para o tráfico. Causa especial de diminuição da pena (§ 4º do art. 3º da Lei nº 11.343/2006). Benesse negada sob o fundamento de ser facultativa. Presença dos requisitos legais. Constrangimento ilegal. Habeas corpus impetrado contra decisão monocrática. Extinção da ordem. Ordem concedida, de ofício. 1. O § 4º do art. 33 da Lei de Drogas dispõe que, ‘nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de 1/6 a 2/3, vedada a conversão em penas restritivas de direito, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades crimi-nosas, nem integre organização criminosa’. 2. A ínfima quantidade de droga – 5,9g de cocaína – não autoriza a presunção de habitualidade no tráfico com o fito de negar a aplicação da causa especial de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, que, de resto, ‘[...] não cons-titui mera faculdade conferida ao Magistrado, mas direito subjetivo do réu, desde que presentes os requisitos’ (Tóxicos: Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006: nova lei de drogas/Renato Marcão. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010). 2. In casu, a pena-base do paciente foi fixada no mínimo legal para o tipo, ou seja, em 5 (cinco) anos de reclusão, em face da primariedade e da inexistência de circunstâncias

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judiciais desfavoráveis, sendo vedada a aplicação da causa de diminuição de pena do § 4º do art. 3º da Lei de Drogas, sob o singelo argumento de que a quantidade da droga e o material utilizado na sua embalagem levam a conclusão de que o paciente ‘já vinha desenvolvendo a atividade ilícita há algum tempo’. 3. O paciente preenche, induvidosamente, os requisitos legais necessários à concessão da benesse. 4. O habeas corpus não pode ser utilizado para impugnar decisão de Relator do Tribunal a quo. 5. Habeas corpus extinto, por impropriedade da via processual; ordem concedida, ex officio, com fundamento no art. 654, § 4º, do CPP, para determinar ao Tribunal de Justiça de São Paulo a aplicação da causa especial de redução da pena, prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, no patamar de 2/3 (dois) terços, bem como para que efetive a readequação do regime de cumprimento da pena privativa de liberdade e analise a possibilidade substituí-la por restritiva de direitos.” (STF – HC 121860 – 1ª T. – Rel. Luiz Fux – DJe 10.06.2014)

Comentário Editorial SÍNTESEO vertente acórdão trata de habeas corpus impetrado contra réu preso em flagrante em janeiro de 2010 pela posse de aproximadamente 5,9g de cocaína acondicionadas em um plástico transparente e 38 cápsulas vazias.

Consta dos autos que o paciente foi condenado em primeiro grau apenas à pena de adver-tência por posse de drogas para uso pessoal, com base no art. 28 da Lei nº 11.343/2006.

Em recurso de apelação interposto pelo Ministério Público de São Paulo, o Tribunal de Justiça de São Paulo mudou a condenação para tráfico, fixando a pena em cinco anos.

Na defesa, o paciente alegou que, mesmo sendo réu primário e possuindo bons antecedentes, o Tribunal não aplicou a causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas, sem fundamentação idônea, com o entendimento de que sua aplicação seria facultativa.

A defesa requereu liminarmente a suspensão do acórdão do TJSP e, no mérito, a aplicação da causa de diminuição no patamar de 2/3, além da fixação de regime inicial mais benéfico ao réu.

O Relator mencionou que a jurisprudência do STF é no sentido do não cabimento do habeas corpus impetrado contra decisão monocrática de Relator de Tribunal Superior.

Vale trazer trecho do voto do Relator:

“Importa à elucidação do caso analisar os fundamentos declinados no acórdão da apelação no tocante a dosimetria da pena, in verbis:

‘Apenamento. Base fixada no mínimo legal, em razão da primariedade (apenso de antece-dentes) e das demais circunstâncias judiciais favoráveis ostentadas pelo acusado (art. 59 do Código Penal e art. 42 da Lei nº 11.343/2006). E não há como se aplicar aqui a causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006. Isto porque, nada obstante te-nha a novel legislação antidrogas (Lei nº 11.343, 23 ago. 2006) ter criado aparente situação mais favorável aos traficantes primários (art. 33, 4º), não é o caso de aqui considerá-la mais benéfica e em favor do acusado (lex mitior), porque meramente facultativa a situação (‘[...] as penas poderão ser reduzidas...), o que desabilita sua aplicabilidade para o caso concreto, mais aqui, evidentemente, pelo fato de o acusado ter sido detido em poder de considerável quantidade de droga e material utilizado na sua embalagem, levando a crer que já vinha desenvolvendo a atividade ilícita há algum tempo. O que denota habitualidade constante e reiterada que o réu não pode ser tratado igualmente a outros. Assim, ausentes agravantes e atenuantes, bem como causas de aumento ou diminuição, as penas do acusado se tornam definitivas em 5 anos de reclusão’.”

O Supremo Tribunal Federal concedeu a ordem.

7032 – Pena – dosimetria – fixação do regime semiaberto – circunstâncias desfavoráveis

“Agravo regimental. Direito penal. Dosimetria. Fixação do regime semiaberto devidamente fun-damentada. Circunstâncias judiciais desfavoráveis. Art. 33, § 3º, c/c art. 59, ambos do Código Pe-nal. Agravo desprovido. 1. Hipótese em que a pena-base foi fixada acima do mínimo legal, em 3 anos de reclusão, ante a presença de circunstâncias judiciais desfavoráveis. Assim, considerando o quantum de pena estabelecido, incide na espécie a literalidade das regras previstas no art. 33, § 3º, c/c o

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art. 59, ambos do Código Penal, de modo que é cabível o regime inicial semiaberto. 2. Não havendo no recurso argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, deve a decisão agravada ser mantida pelos seus próprios fundamentos. 3. Agravo regimental a que se nega provimen-to.” (STJ – AgRg-HC 292.429 – (2014/0082521-0) – 5ª T. – Relª Min. Laurita Vaz – DJe 24.06.2014)

7033 – Pena – roubo – dosimetria – ilegalidade

“Penal. Habeas corpus. Art. 157, § 2º, I, II e V, do Código Penal. Via indevidamente utilizada em substituição a recurso especial. Dosimetria. Pena aplicada. Fundamentação concreta. Ilegalidade não evidenciada. Não conhecimento. 1. Mostra-se inadequado e descabido o manejo de habeas corpus em substituição ao recurso especial cabível. É imperiosa a necessidade de racionalização do writ, a bem de se prestigiar a lógica do sistema recursal, devendo ser observada sua função constitucional, de sanar ilegalidade ou abuso de poder que resulte em coação ou ameaça à liberdade de locomoção, o que não se vê na hipótese. 2. Inexiste ilegalidade na dosimetria da pena se instâncias de origem apontam motivos concretos para a fixação da pena no patamar estabelecido. Em sede de habeas corpus não se afere o quantum aplicado, desde que devidamente fundamentado, como ocorre na espécie, sob pena de revolvimento fático-probatório. 3. Writ não conhecido.” (STJ – HC 279.537 – (2013/0344389-5) – 6ª T. – Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura – DJe 24.06.2014)

7034 – Princípio da insignificância – contrabando de cigarros – aplicação

“Processo penal. Penal. Apelação criminal. Absolvição sumária. Internação clandestina de cigarros. Princípio da insignificância inaplicável. Recurso ministerial provido. 1. Está consolidado na jurispru-dência entendimento no sentido de que a falta de interesse da Fazenda Pública Federal na execução dos débitos fiscais de valor inferior a R$ 10.000,00 revela a insignificância do potencial lesivo dos de-litos de caráter eminentemente fiscal que não ultrapassem esse patamar. 2. Por sua vez, a Portaria MF nº 75/2012 não possui o condão de elevar o teto para arquivamento dos executivos fiscais, sem baixa na distribuição, até mesmo porque tal patamar foi legalmente fixado, cabendo, portanto, somente à lei revogar tal condição. 3. No caso dos autos, o valor dos tributos não recolhidos referente a cada um dos réus absolvidos é superior àquele estipulado na Lei nº 10.522/2002, conforme aponta a planilha elaborada pela Receita Federal. 4. Ademais, a natureza do produto introduzido clandestinamente no País – cigarros –, muito embora não exclua a aplicação do princípio da insignificância nos termos de remansosa jurisprudência (v.g., STJ, HC 201002246727, Rel. Adilson Vieira Macabu (Desembargador Convocado do TJRJ), DJe Data: 28.06.2012; REsp 200100265057, Relª Min. Laurita Vaz, Quinta Tur-ma, DJ Data: 12.04.2004, p. 232), impõe maior rigor na sua adoção, dado o seu efeito nocivo à saúde e, consequentemente, o rígido controle em sua comercialização no território nacional, outro motivo pelo qual se impõe o prosseguimento do. 5. Recurso ministerial provido para determinar o regular andamento do feito.” (TRF 3ª R. – ACr 0007522-07.2010.4.03.6112/SP – 5ª T. – Rel. Des. Fed. Paulo Fontes – DJe 27.06.2014)

7035 – Revisão criminal – fraude à licitação – agente – ação dolosa – ausência – possibilidade

“Penal e processual penal. Revisão criminal. Fraude à licitação (art. 96, II, da Lei nº 8.666/1993). Re-forma do acórdão condenatório. Possibilidade. Participação de processo de licitação (pregão eletrôni-co) junto ao TRT-6ª Região para aquisição de 12 cartuchos da marca HP (nota de empenho atinente à proposta vitoriosa no valor de R$ 1.014,00 para os cartuchos HP). Entrega da mercadoria licitada apresentando irregularidades (cartuchos não originais). Reposição do lote irregular por cartuchos ori-ginais. Identificação dos fornecedores. Ausência de demonstração de prejuízo ao órgão contratante. Ação dolosa do agente em obter lucro abusivo com consciência da falsidade dos cartuchos. Não ca-racterização. Presentes nenhuma periculosidade social da ação. Reduzido grau de reprovabilidade e inexpressividade da lesão jurídica. Absolvição. Pertinência (CPP, art. 386, III). Ação revisional julgada procedente. 1. O acórdão revisando confirmou a condenação em face da prática do crime previsto na Lei de Licitações (art. 96, inciso II, da Lei nº 8.66/1993), bem como a pena privativa de liberdade (3 anos de detenção), em regime aberto, e a sua substituição por restritivas de direitos, tendo tão so-

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mente reduzido a pena de multa para 40 salários-mínimos vigente ao tempo do pagamento, por cada um dos agentes. 2. O julgado regional entendeu que a conduta dos requerentes amoldou-se ao tipo penal acima referido, em virtude de, na condição de responsáveis pela empresa comercial Siracuse Ltda., terem fraudado a execução de contrato administrativo, celebrado em virtude de licitação na modalidade pregão, ao fornecerem um lote de 12 (doze) cartuchos 37/145 de tinta preta para impres-sora e copiadora HP falsificados, como sendo originais novos, causando prejuízo ao Erário, no caso ao Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região. 3. Nota de empenho atinente à proposta vitoriosa da comercial Siracuse no valor de R$ 1.014,00 para os 12 cartuchos HP (às fls. 75 (volume 1 de 5)). 4. Após a entrega dos cartuchos, foi constatado pela administração daquele Tribunal Regional do Trabalho que o lote com 12 cartuchos da marca HP não eram originais. 5. Notificada, a empresa co-mercial Siracuse forneceu novo lote de 12 cartuchos com características de produtos originais, tendo a própria secretaria administrativa do TRT-6ª Região declarado não ter havido prejuízo financeiro para aquela corte trabalhista (certidão de fls. 576/577). 6. Os argumentos expendidos pela defesa dos requerentes, com relevo, ainda, no argumento de que a decisão revisanda não considerou as notas fis-cais que comprovariam que os cartuchos foram adquiridos na Cidade de são Paulo, de distribuidor da própria HP, como sendo novos, e pelo valor de mercado, conforme notas fiscais (apenso, notas fiscais) 7. Vê-se da ata da sessão de entrega dos envelopes de proposta e habilitação (fls. 267 e seguintes), e mais precisamente às fls. 269, que o preço lançado/oferecido pela empresa comercial Siracuse Ltda. para aquisição de cartuchos da marca HP foi de R$ 92,50, enquanto que o preço da segunda colocada no certame foi R$ 94,15 (CIL – Comércio de Informática Ltda.) e da terceira colocada foi R$ 94,30, re-velando entre a primeira e segunda colocada uma diferença percentual de 1,75%, não demonstrando tal índice uma diferença significativa a concluir-se que o preço era francamente abaixo do mercado. 8. Os apensos trazidos nesta revisional, com as notas fiscais dos cartuchos da marca HP, adquiridos pela empresa durante o período, indicam que o preço soa em conformidade com os utilizados pelo mercado à época. 9. Os tipos previstos no art. 96 da Lei nº 8.666/1993 exigem a comprovação de pre-juízo à Fazenda Pública para sua consumação. Não se pode descartar, no caso concreto, que os for-necedores foram identificados, os cartuchos substituídos, não se revelando qualquer prejuízo para o TRT-6ª Região, órgão contratante. 10. Em situação análoga, os requerentes foram absolvidos em ação penal que apurou a suposta fraude à licitação, pela empresa comercial Siracuse, na Universidade Federal de Pernambuco. Naquela sentença foi enfatizado o fato de que ‘a empresa não ganhava mais de 1% das licitações de cartucho, quando ganhava, era muito na sorte, na fase do ‘aleatório’, podendo ter muito lucro ou uma margem apertada a depender de o pregão fechar logo ou no fim do prazo aleatório’ (fls. 33/36, v. 1 de 5). 11. Não demonstração de prejuízo ao erário consubstanciado na ação dolosa do agente em obter lucro abusivo com a consciência da falsidade dos cartuchos. 12. Ante a re-posição dos cartuchos adulterados e da não demonstração de prejuízo ao Erário, mormente quando a nota de empenho atinente à proposta vitoriosa da comercial Siracuse no valor de R$ 1.014,00 para os cartuchos HP, ou mesmo de presença de expressiva ofensividade da conduta. 13. Caso concreto onde a conduta foi reparada com a substituição dos cartuchos, a identificação dos fornecedores, não se re-velando qualquer prejuízo para o TRT-6ª Região, órgão contratante. 14. Revisão criminal julgada pro-cedente para desconstituir o acórdão proferido na ACR 5505-PE (Processo nº 2003.83.00.018271-1) e, por conseguinte, dar provimento à apelação dos acusados para absolvê-los com espeque no art. 386, III, do Código de Processo Penal.” (TRF 5ª R. – RVCR 0040491-19.2013.4.05.0000/PE – TP – Rel. Des. Fed. Rogério Fialho Moreira – DEJF 10.04.2014 – p. 37)

7036 – Roubo – prisão preventiva – garantia da ordem pública – possibilidade

“Habeas corpus. Constitucional. Processual penal. Roubo duplamente majorado. Prisão preventiva. Alegação de motivação inidônea. Improcedência. Garantia da ordem pública. Gravidade concreta do crime. 1. Não se comprovam, nos autos constrangimento ilegal a ferir direito dos pacientes nem ilegalidade ou abuso de poder a ensejar a concessão da ordem. 2. A custódia cautelar dos pacientes mostra-se suficientemente fundamentada na garantia da ordem pública, não havendo como se re-conhecer o constrangimento, notadamente porque, ao contrário do que se alega na petição inicial, existem nos autos elementos concretos, não meras conjecturas, que apontam a ameaça à ordem

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pública. Precedentes. 3. Ordem denegada com determinação ao juízo de primeiro grau de execução provisória da pena dos pacientes, observando-se o regime menos gravoso fixado na sentença.” (STF – HC 119.393 – São Paulo – 2ª T. – Relª Min. Cármen Lúcia – J. 25.03.2014)

7037 – Sentença – trânsito em julgado – inexistência – antecedentes criminais – ausência – vigi-lante – curso de reciclagem – matrícula – recusa – ilegitimidade

“Administrativo. Curso de reciclagem de vigilante. Antecedentes criminais. Inexistência de sentença criminal condenatória transitada em julgado. Recusa de matrícula. Ilegitimidade. 1. Orientação juris-prudencial assente nesta Corte Regional a de que a negativa de matrícula em curso de reciclagem de vigilantes é ilegítima quando não houver, contra o interessado, sentença penal condenatória transi-tada em julgado, por não se poder considerar, na linha da jurisprudência assente a respeito, antece-dente criminal a só circunstância de indiciamento em inquérito policial ou a de responder ele a ação penal ainda não concluída. 2. Remessa oficial não provida. 3. Agravo retido não conhecido, diante da ausência de interposição de recurso voluntário e, assim, de pleito para sua apreciação pelo Tribunal.” (TRF 1ª R. – RN 0022849-79.2011.4.01.3600 – Rel. Des. Fed. Carlos Moreira Alves – DJe 03.04.2014)

7038 – Tráfico de drogas – causa de aumento de pena – fixação de regime fechado – viabilidade

“Habeas corpus. Penal. Tráfico de drogas. Causa de aumento de pena prevista no art. 40, III, da Lei de Drogas (transporte público). Não incidência no caso. Pena inferior a quatro anos. Fixação de regime inicial fechado. Viabilidade. Substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Circunstâncias judiciais desfavoráveis. Quantidade da droga apreendida. Não cumprimento do requi-sito subjetivo previsto no art. 44, III, do CP. Ordem parcialmente concedida. 1. O entendimento de ambas as Turmas do STF é no sentido de que a causa de aumento de pena para o delito de tráfico de droga cometido em transporte público (art. 40, III, da Lei nº 11.343/2006) somente incidirá quando demonstrada a intenção de o agente praticar a mercancia do entorpecente em seu interior. Fica afas-tada, portanto, na hipótese em que o veículo público é utilizado unicamente para transportar a droga. Precedentes. 2. O acórdão impugnado restabeleceu o regime inicial fechado imposto pelo Magistrado de primeiro grau em razão da presença de circunstâncias judiciais desfavoráveis do art. 59 do CP (quantidade de droga). Assim, não há razão para reformar a decisão, já que, na linha de precedentes desta Corte, os fundamentos utilizados são idôneos para impedir a fixação de um regime prisional mais brando do que o fixado no acórdão atacado. 3. Não é viável proceder à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, pois, embora preenchido o requisito objetivo previsto no inciso I do art. 44 do Código Penal (= pena não superior a 4 anos), as instâncias ordinárias con-cluíram que a conversão da pena não se revela adequada ao caso, ante a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis (= quantidade da droga apreendida). Precedentes. 4. Ordem concedida, em parte, apenas para afastar a incidência da majorante prevista no art. 40, III, da Lei nº 11.343/2006.” (STF – HC 119.811 – Mato Grosso do Sul – 2ª T. – Rel. Min. Teori Zavascki – J. 10.06.2014)

7039 – Tráfico de drogas – confissão espontânea – afastamento – impossibilidade

“Apelação criminal ministerial. Tráfico de drogas. Afastamento da atenuante da confissão espontânea. Impossibilidade. Prisão em flagrante. Irrelevância reconhecimento das causas de aumento do art. 40, III e V, da Lei nº 11.343/2006. Aplicabilidade. Regime aberto mantido. Recurso parcialmente provido. I – Tendo a apelada admitido a prática do delito e utilizada a sua confissão como fundamento para a condenação, deve ser aplicada a atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal, sendo irrele-vante a sua prisão em flagrante. II – Para a incidência da causa especial de aumento de pena prevista no art. 40, III, da Lei nº 11.343/2006, basta que a substância entorpecente tenha sido encontrada no interior do transporte público. A pena é elevada exclusivamente em função do lugar do cometimento da infração. III – Para a aplicação da causa de aumento de pena prevista no art. 40, inciso V, da Lei nº 11.343/2006, não é necessária a efetiva transposição da fronteira interestadual; basta, para tanto, evidências de que a substância entorpecente tem como destino qualquer ponto além das linhas di-

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visórias estaduais. IV – Mantém-se o regime de cumprimento da pena no aberto fixado na sentença, pois cabível em face da pouca perniciosidade do entorpecente se comparado ao crack ou cocaína, e, também pela quantidade – 17,800 kg, que apesar de expressiva, não é por demais vultosa, bem como em razão da quantidade do apenamento, nos termos do art. 33, § 2º, a, do CP c/c art. 42 da Lei Antidrogas.” (TJMS – Ap 0003404-75.2012.8.12.0019 – 1ª C.Crim. – Rel. Des. Dorival Moreira dos Santos – DJe 23.06.2014)

7040 – Tráfico de drogas – dosimetria da pena – causa de diminuição – bis in idem – ocorrência

“Habeas corpus. Tráfico de drogas. Dosimetria da pena. Quantidade e natureza da droga. Pena-base. Causa de diminuição da pena do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006. Bis in idem. Ocorrência. Regime inicial de cumprimento de pena. Substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. 1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal reputou configurado bis in idem na consideração cumu-lativa da quantidade e da espécie da droga apreendida, como indicativos do maior ou menor envolvi-mento do agente no mundo das drogas, na exasperação da pena-base e no dimensionamento previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006. Nessa linha, a sentença condenatória incide no vício do bis in idem. 2. A fixação do regime inicial de cumprimento de pena e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos devem ser apreciada pelo juiz do processo à luz do preenchimento, ou não, dos requisitos dos arts. 33 e 44 do Código Penal. 3. Ordem de habeas corpus parcialmente concedida, para que o juiz de primeiro grau proceda a nova dosimetria da pena, mediante a aplicação da causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, em seu patamar máximo de 2/3 (dois terços).” (STF – HC 120.595 – Alagoas – 1ª T. – Relª Min. Rosa Weber – J. 06.05.2014)

7041 – Tráfico de entorpecente – flagrante – pena – redimensionamento

“Penal e processual penal. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Tráfico internacional de entorpecentes. Condenação. 3 anos de reclusão. Ré flagrada em aeroporto com mais de 2kg de cocaína com destino a angola. REsp inadmitido. AREsp não conhecido. Ausência de impugnação dos fundamentos do decisum agravado. Súmula nº 182/STJ. 1. ‘A agravante não infirma especificamente todos os fundamentos da decisão agravada, impondo-se a aplicação do Enunciado da Súmula nº 182 deste Superior Tribunal de Justiça’ (AgRg-Ag 1.175.713/RJ, Rel. Min. Og Fernandes, Sexta Turma, DJe 16.11.2010). 2. In casu, não tendo o inconformismo recursal se dirigido contra os fundamentos do decisum vergastado (decisão do Tribunal de Justiça que inadmitiu o REsp), torna-se inviável o AREsp, conforme disposição da Súmula nº 182/STJ. Redimencionamento da pena. Necessidade de revolvi-mento da prova para reforma do acórdão fluminense. Óbice da Súmula nº 7/STJ. Agravo não provido. 3. Ainda que assim não fosse, incidente a Súmula nº 7/STJ à alegada ofensa ao art. 59 do CP, pois estabelecida a dosimetria penal com base nos elementos concretos que circunstanciaram a prática delitiva, de forma que eventual desconstituição, à exceção de flagrante ilegalidade, o que não é o caso, demandaria a incursão no conjunto probante, procedimento vedado na via eleita à Corte Su-perior. 4. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 360.429 – (2013/0220678-0) – 5ª T. – Rel. Min. Jorge Mussi – DJe 01.07.2014)

7042 – Tráfico de entorpecente – pena – redução – grande quantidade – impossibilidade

“Apelação criminal. Tráfico de entorpecentes. Pena base. Redução. Grande quantidade de droga. Impossibilidade. Causa especial de diminuição de pena. Mula do tráfico interestadual. Organização criminosa. Substituição da pena. Regime mais brando. Redução da pena de multa. Em versando a análise das circunstâncias judiciais a aspectos próprios dos tipos penais, devem ser afastadas as circunstanciais indevidamente consideradas como desfavoráveis para fixar a pena base. Entretanto, inexiste ilegalidade no afastamento da pena base do mínimo legal em razão do quantidade da droga apreendida. A expressiva quantidade de drogas transportada pela chamada ‘mula’ do tráfico interes-tadual pressupõe a integração do agente a organização criminosa por constituir tarefa inserida no contexto como essencial ao tráfico de drogas. A quantidade expressiva de entorpecente, aliada ao

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tráfico, e a pena fixada acima de quatro anos não autorizam o estabelecimento do regime mais bran-do ou a substituição da pena por restritiva de direitos.” (TJRO – Ap 0003517-25.2013.8.22.0501 – 2ª C.Crim. – Rel. Des. Valdeci Castellar Citon – DJe 24.06.2014)

7043 – Tráfico ilícito de entorpecente – transporte público – aumento de pena – incidência

“Processual penal. Recurso especial. Tráfico ilícito de entorpecentes. Transporte público. Incidência da causa de aumento de pena prevista no art. 40, III, da Lei nº 11.343/2006. Precedentes do STJ. Agravo regimental desprovido. ‘Pacificou-se nesta Corte Superior de Justiça o entendimento de que o simples fato de transportar a droga em transporte público permite a aplicação da causa de aumento de pena prevista no inciso III do art. 40 da Lei de Drogas, que faz expressa remissão ao art. 33 da mencionada lei’ (AgRg-REsp 1.359.409/MS, Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe de 28.03.2014). Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-REsp 1.378.796 – (2013/0134342-1) – 6ª T. – Relª Min. Marilza Maynard – DJe 25.06.2014)

7044 – Violência contra a mulher – crime de cárcere privado – condenação – possibilidade

“Apelação criminal. Crime de cárcere privado praticado contra mulher. Lei Maria da Penha. Sentença condenatória. Recurso defensivo. Pretendida a absolvição. Impossibilidade. Autoria e materialidade comprovadas pelos documentos juntados ao feito e pelas declarações da vítima. Tipicidade, cul-pabilidade e elemento subjetivo do tipo demonstrado. Recurso conhecido e desprovido.” (TJSC – ACr 2013.059855-0 – 2ª C.Crim. – Rel. Des. Sérgio Rizelo – J. 01.04.2014)

Comentário Editorial SÍNTESEO vertente acórdão trata de oferecimento de denúncia com base nas sanções do art. 148, § 1º, inciso I, c/c o art. 61, inciso II, alínea l, ambos do Código Penal, na forma dos arts. 5º e 7º, incisos I e II, da Lei nº 11.340/2006.

Consta dos autos que o apelante, de forma consciente e voluntária, em estado de embriaguez preordenada, privou a vítima (sua companheira) de viver em liberdade, mantendo-a em cár-cere privado dentro do banheiro de sua residência.

O réu ainda teria retirado o celular da mulher para impossibilitar que ela se defendesse e tivesse a chance de pedir ajuda aos vizinhos.

Inconformado com a acusação e condenação, a defesa, em sede de apelação, requereu ab-solvição por falta de provas, sob a argumentação de que a companheira sofria de problemas psicológicos.

O nobre Relator mencionou que o delito consuma-se com a simples privação da liberdade, independentemente da ocorrência de efetivo prejuízo à vítima.

Vale trazer trecho do voto do Relator:

“Como aclara Cezar Roberto Bitencourt ‘nosso Código Penal não define o que deva ser enten-dido por cárcere privado e, da mesma forma, não define sequestro, limitando-se a puni-los igualmente; utiliza as expressões sequestro ou cárcere privado com sentidos semelhantes, embora, estritamente, se possa dizer que no cárcere privado há confinamento ou clausura [...] Assim, pode-se encarcerar alguém em um quarto, em uma sala, em uma casa, etc. [...]’ (Tratado de direito penal. Parte especial 2. 13. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 429-430). Logo, apesar do esforço argumentativo da defesa, não há que se falar em reforma da sentença por ausência de prova para a condenação, em especial porque o delito albergado pelo art. 148 do Código Penal consuma-se com a simples privação da liberdade, independentemente da ocorrência de efetivo prejuízo à vítima. Não evidenciada qualquer das excludentes de ilicitude previstas no ordenamento legal, e por possuir capacidade de reconhecer o caráter ilícito da sua conduta, Manoel Antônio Lima da Silva merece ser conde-nado, na exata medida de sua responsabilidade. Ante o exposto, vota-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso.”

Por decisão unânime, a 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça condenou-o à pena de três anos de reclusão em regime aberto.

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7045 – Violência contra a mulher – medida protetiva – ausência de elementos – improcedência

“Processual penal. Habeas corpus. Violência contra a mulher. Ausência de elementos a ensejarem as medidas protetivas deferidas. Improcedência. Necessidade de análise do contexto facto-proba-tório. Via eleita inadequada. Denegação da ordem. Medidas protetivas deferidas. A via estreita do habeas corpus não comporta análise do conjunto fático-probatório. Denegação da ordem.” (TJAC – HC 1000089-17.2014.8.01.0000 – (15.527) – C.Crim. – Relª Desª Denise Bonfim – DJe 03.04.2014)

7046 – Violência doméstica contra a mulher – medida protetiva – descumprimento

“Penal e processo penal. Apelação criminal. Lei Maria da Penha. Descumprimento de medida prote-tiva. Crime de desobediência. Inocorrência. Previsão de outras medidas administrativas coercitivas. Absolvição por atipicidade da conduta. Manutenção da sentença. Negado provimento ao recurso ministerial. 1. É atípica a conduta do agente que descumpre medida protetiva de urgência, no contex-to de violência doméstica e familiar contra a mulher, quando aplicada outra medida acautelatória e coercitiva, que se mostre suficiente para tutelar a integridade física e psíquica da vítima, não havendo que se falar em responsabilização penal pelo crime de desobediência tipificado no art. 330 do Código Penal. 2. Negado provimento ao recurso do Ministério Público.” (TJDFT – Proc. 20130910188908 – (796706) – Rel. Des. João Timóteo de Oliveira – DJe 25.06.2014)

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Seção Especial – Em Poucas Palavras

O Responsável Civil no Âmbito Criminal

KLEBER LEYSER DE AQUINOJuiz de Direito, Assessor do Presidente do Tribunal de Justiça/SP para assuntos da Segurança Pública, Professor concursado do Curso Superior de Polícia do Centro de Altos Estudos Su-periores (CAES), da Academia de Polícia Militar do Barro Branco, da Polícia Militar do Estado de São Paulo, Professor concursado da Academia de Polícia Civil do Estado de São Paulo, Especialista em Direito Penal pela Universidade de Firenze, na Itália, Mestrando em Direito Penal pela PUC/SP.

A nossa Constituição Federal de 1988, seguindo uma tendência mo-derna de despenalização, previu, no seu art. 98, inciso I, a criação, pela União, pelo Distrito Federal, pelos Territórios e Estados, dos Juizados Espe-ciais Criminais, para julgamento das infrações penais de menor potencial ofensivo, nos seguintes termos:

Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, com-petentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;

[...]. (grifamos)

Como pode se observar no texto constitucional supra, foi prevista a criação de um juízo criminal especial, voltado exclusivamente às infrações penais de menor potencial ofensivo, contudo, o constituinte não definiu o que vinha a ser tal infração de “menor importância”, deixando esta missão para o legislador ordinário.

Percebe-se claramente, no próprio Texto Constitucional acima, que as inovações, no âmbito criminal, seriam grandes, na medida em que, além de, como dito, ter sido criado um juízo criminal próprio, o Juizado Especial Criminal (JECrim), só para julgar infrações menores, que o constituinte cha-mou de “infração penal de menor potencial ofensivo” (Ipempo), também previu um procedimento “oral” e ainda “sumaríssimo”, deixando evidente que a intenção era a celeridade para o julgamento da Ipempo.

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Inovou também o constituinte na previsão expressa do “acordo” (tran-sação) no âmbito criminal, o que, até então, inexistia, sendo, portanto, uma novidade gritante para um juízo criminal.

Além disso, também criou um “tribunal”, que foi chamado de “Tur-ma”, composta por juízes de primeira instância, para o julgamento dos re-cursos referentes às infrações penais de menor potencial ofensivo.

Vejam que o constituinte, desta forma, acenou com mudanças radi-cais na Justiça Criminal, repito, criando um “Juízo próprio” só para julgar infrações menores (Ipempo), um rito procedimental “oral” e “rápido” (suma-ríssimo), com previsão expressa de “acordo” (transação), e, ainda, uma Tur-ma de julgamento em segunda instância, composta por juízes de primeiro grau, tudo visando a abreviar o julgamento.

Contudo, todas estas previsões modernas e até radicais para o âmbito criminal só puderam ser vistas no nosso ordenamento penal, com a vigência da Lei nº 9.099, de 26.09.1995, ou seja, após aproximadamente sete anos de vigência da nossa Carta Magna, que as previu.

Foi a Lei nº 9.099/1995 que, entre todas as inovações constitucionais trazidas, acima citadas, explorando especificamente a da “transação”, pre-viu, pela primeira vez, o denominado “responsável civil”, em seus arts. 71, 72 e 79, para atuar na fase da “transação civil”, que o legislador denominou de “conciliação civil”.

O nosso ordenamento penal não havia conhecido ainda o denomina-do “responsável civil”.

Até então, todo e qualquer assunto referente à responsabilidade civil era tratado apenas no âmbito cível, com as respectivas ações cíveis.

Contudo, a contar da vigência da nossa citada Lei nº 9.099/1995, vimos, de forma inédita, previsão de “responsabilidade civil” no próprio âmbito criminal, introduzida no JECrim.

O denominado pela Lei do JECrim de “responsável civil”, como dito, figura nova no nosso ordenamento penal, foi criado com o fim de, na fase conciliatória, “facilitar a possibilidade de indenização da vítima de uma Ipempo, no próprio âmbito criminal, no JECrim”, sem a necessidade de ela ter que se socorrer do âmbito cível para tal.

O responsável civil “é aquele que pode responder civilmente, no JECrim, pela conduta do autor do fato”, ou seja, é aquele que seria acionado no âmbito cível para indenizar os prejuízos causados à vítima da Ipempo.

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A título de exemplo, podemos citar: um pedreiro que foi contratado pelo proprietário de uma casa para consertar a calçada. Durante o serviço, o pedreiro, culposamente, atinge a cabeça de um transeunte com a enxada, causando-lhe lesões corporais culposas (crime do art. 129, § 6º, do Código Penal).

Nos termos do art. 61 da Lei nº 9.099/1995, o crime de lesão corpo-ral culposa, pela pena máxima em abstrato que possui, de um ano, é uma Ipempo.

Neste exemplo, o autor do fato é o “pedreiro”, que praticou a Ipempo, e o “responsável civil” é o proprietário do imóvel que o contratou, que é a pessoa que, em tese, no âmbito cível, poderia ser acionada para indenizar a vítima da Ipempo.

Às vezes, a figura do responsável civil não existe separadamente da do autor do fato, porque pode se confundir com este.

Aproveitando parte do mesmo exemplo, imaginem que o proprietário do imóvel, em vez de contratar um pedreiro para consertar a calçada, ele próprio resolvesse fazê-lo, pessoalmente, sendo que, durante a execução do serviço, por culpa, causasse as lesões corporais culposas acima citadas. Neste caso, o proprietário do imóvel seria o autor do fato e o responsável civil, ao mesmo tempo, não havendo, portanto, que se intimar o responsável civil para a audiência conciliatória, vale dizer, é como se não existisse o responsável civil.

O responsável civil que a lei do JECrim pretende que participe da tentativa de transação ou conciliação, na audiência preliminar, é pessoa diversa da do autor do fato e, ainda, em regra, com melhores condições financeiras que este, exatamente para poder ajudá-lo na conciliação, ou mesmo assumir sozinho a responsabilidade de indenizar a vítima na fase conciliatória.

Logo, posso afirmar que a finalidade do chamamento do “responsável civil” à audiência preliminar, como previsto nos arts. 71 e 72, ambos da Lei nº 9.099/1995, e, excepcionalmente, à audiência de instrução e julga-mento, nos termos do art. 79 da mesma lei, é a de sua participação ativa na tentativa de conciliação civil, com o fim de indenizar a vítima, hipótese em que, além de evitar contra si um futuro processo cível de indenização movi-do pela vítima, pelos prejuízos sofridos por esta, também, em regra, livra o seu funcionário de um processo criminal.

Foi dito que “em regra” a indenização da vítima, na fase de conci-liação civil, livra o autor do fato do processo criminal, porque isto só vai

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ocorrer quando a Ipempo praticada for de “ação penal privada” ou de “ação penal pública condicionada à representação”, nos termos do art. 74, pará-grafo único, da Lei nº 9.099/1995, a saber:

Art. 74. A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo Juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executa-do no juízo civil competente.

Parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação. (grifamos).

Nessas hipóteses, havendo a conciliação, vale dizer, a indenização da vítima, haverá a “extinção do processo” por renúncia ao direito de quei-xa e de representação por parte da vítima.

Isto é, o acordo nessas situações impedirá o prosseguimento do pro-cesso, impossibilitando a responsabilização criminal do autor do fato.

Daí podermos afirmar que a participação do “responsável civil”, em figura diversa da do autor do fato, no JECrim, é de fundamental importância, tanto por facilitar a indenização da vítima da Ipempo, ao propiciá-la no próprio Juízo Criminal, como também por evitar, em regra, a aplicação de pena privativa de liberdade ao autor do fato, consequências estas previstas como objetivos da lei, expressamente descritos no art. 62, segunda parte, da Lei nº 9.099/1995, a saber:

Art. 62. O processo perante o Juizado Especial orientar-se-á pelos critérios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplica-ção de pena não privativa de liberdade. (grifamos).

Portanto, a atuação do “responsável civil”, em última instância, como dito anteriormente, acaba por facilitar o atendimento dos “objetivos” da Lei do JECrim (Lei nº 9.099/1995), traçados pelo legislador ordinário, em aten-dimento à previsão constitucional do art. 98, inciso I.

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Seção Especial – Estudos Jurídicos

Da Competência pelo Lugar da Infração – Crimes Plurilocais e Crimes a Distância

GERALDO BATISTA DE SIQUEIRA Procurador de Justiça, Professor de Direito Penal e Processual Penal.

sumário: 1 Introdução crimes plurilocais e crimes a distância; 2 Noção de crime consumado – Exau-rimento; 3 Consumação nos crimes materiais, formais e de mera conduta; 4 A competência na tentativa; 5 Posição da doutrina e da jurisprudência; 6 Aplicação do artigo 6º do Código Penal, artigo 70, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Penal; 7 Crimes qualificados pelo resultado: foro competente; 8 A posição de José Frederico Marques; 9 Atuação do Ministério Público; Conclusão.

1 INTRODUÇÃO CRIMES PLURILOCAIS E CRIMES A DISTÂNCIA

Tema de significativa importância, que aflora no processo penal, é o que se vê relacionado à competência, por seus aspectos práticos e teóricos.

O estudo da competência, em matéria penal, compreende, necessa-riamente, tema de Direito Penal, como a consumação. E o momento con-sumativo, conforme veremos, apresenta variação bem acentuada dentro da múltipla variedade de crimes. A classificação das infrações penais, segundo diversos critérios conhecidos, assume, nesse particular, especial significado.

Sem um conhecimento básico, satisfatório, do que seja consumação nas diversas espécies delitivas, conhecimento alicerçado em ampla e segura visão da teoria do tipo penal, difícil se torna, como é fácil a observação, o trato com questão da competência em matéria penal.

O presente trabalho, cujo título se liga à competência determinada pelo local da infração, não é amplo, abrangente de toda a temática. Preten-de, apenas, enfrentar a matéria sob o ângulo da prática criminal, quando realizada em localidades diversas, pertencentes a comarcas diferentes. É a competência nos chamados crimes plurilocais e nos crimes a distância.

Crimes plurilocais, como os denominava Carnelutti, e crimes a distân-cia, confundidos por alguns, são aqueles em que ação e resultado se separam no espaço físico: a execução ocorrendo em uma comarca e o seu efeito, a consumação, em outra, dentro ou mesmo fora do território nacional.

Nos crimes plurilocais, a diversidade de lugar se verifica, mas execu-ção e evento se realizando nos limites do território nacional, ainda que em mais de uma unidade da Federação. Já os cognominados delitos a distância,

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embora desmembrados no espaço, execução e resultado, têm lugar em ter-ritório nacional e em terras estrangeiras.

Do primeiro, trata o art. 70 do Código de Processo Penal, em combi-nação com o art. 14, I e II, do Código Penal; do segundo, o art. 6º do Código Penal, combinado com o art. 10, §§ 1º e 2º do Código de Processo Penal.

A redação que se empresta ao art. 6º, oriunda da Lei nº 7.209, em nada altera o entendimento concernente à competência nos crimes plurilo-cais, desde que coincidentes, ação e resultado, no território pátrio, pouco importando a diversidade de comarcas, palco da realização da conduta e do resultado.

A competência ratione loci, a competência em razão do lugar da in-fração, de sua consumação, porque, geralmente, em matéria de crime, só se aceitam restrições se previstas em lei. O texto (art. 70 do CPP), de clareza interpretativa rara, mais transparente se torna quando se faz à colocação as normas inseridas no art. 14, I e II, do Código Penal, cujo conteúdo é a defi-nição exaustiva, explícita do que se quis dizer por consumação.

O Capítulo I do Título V do Código de Processo Penal, que traz o títu-lo, que encima o presente trabalho, da competência pelo lugar da infração, no art. 70, especifica bem que “a competência, será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração”. Não se satisfaz, nem se con-funde com ato de execução, o último ato de execução, por exemplo, como ocorre com a orientação do critério de fixação da competência, quando a hipótese se manifesta a título de tentativa.

A lei penal, explicitamente, fala em consumação, cujo significado tra-duziremos, oportunamente, devendo ser registrado, desde já, que se trata de realidade jurídica, nitidamente distinta da fase executória, que a ela antece-de. Ato de execução, ponto referencial na operação de incidência de regra de competência, a lei o contempla (última parte do art. 70, CPP), quando a hipótese concreta referir-se à tentativa.

Lugar da infração, tal qual definido, a lei destaca dois momentos do iter criminis, com relevância penal: atos executórios e consumação. Os primei-ros, influentes como o critério definidor da competência nos crimes inacaba-dos, enquanto o último é que dá suporte à fixação da competência nos crimes consumados, com a realização do resultado, conforme será exposto à frente.

A competência nos crimes plurilocais, em nossa lei processual, é tra-tada em todas as hipóteses possíveis, para incluir os crimes continuados e permanentes segundo emana da norma do art. 71 do Código de Processo Penal.

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2 NOÇÃO DE CRIME CONSUMADO – EXAURIMENTO

Qualquer raciocínio jurídico em torno do crime na forma consumada é facilitado pelo fato de que nossa lei, no passado, como no presente, defi-ne, com a nitidez necessária, o que é consumação. Não parou o legislador na conceituação de tentativa, como o fizeram outras legislações, lembra o sempre saudoso Nelson Hungria, que define a consumação com a felici-dade de sempre: “É consumado o crime desde que o fato reúna todos os elementos do ‘tipo penal’, pouco importando que mais extenso fosse o fim do agente”, completa o mestre do Direito Penal1.

Diz-se o crime consumado “quando nele se reúnem todos os elemen-tos de sua definição legal”, responde o Código Penal (art. 14, I). É o conceito legal, que preencheria os requisitos da mais exigente doutrina penal.

O fim último do agente, inserto em alguns tipos penais, como com-ponente de sua estrutura, não se confunde com a consumação, conforme vimos anteriormente. É o exaurimento, etapa do iter criminis, ausente da maioria dos tipos penais, que pode ser exemplificado com o homicídio (art. 121, CP).

Os crimes se dizem consumados quando chegar a termo a realização de todas as suas elementares, descritas na correspondente norma penal in-criminadora. A consumação, nos crimes materiais, é etapa imprescindível que sucede à execução. Confunde-se, principalmente na área dos julgados, execução com consumação. Esta encerra o crime, desde que advenha re-sultado ou evento. São exemplos da assertiva o homicídio, a lesão corporal seguida de morte, o estelionato, etc.

Trocam, e com certa frequência, consumação por exaurimento, con-forme aparece em acórdão do eg. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul2, assunto sobre o qual voltaremos a falar.

Concluindo, e para afastar equívocos, responsáveis por verdadeiros disparates, que se observam em vários julgados, deve ficar clara a distinção ocorrente entre execução, consumação e exaurimento. São realidades diver-sas, constatáveis no percurso do crime. Consumado o crime, ultrapassa-se a fase de execução. Na tentativa, o ilícito permanece na execução, enquanto o exaurimento, aspecto transcendente à consumação, conforme a constri-ção tipológica, vem presente em algumas figuras penais, como ocorre nos exemplos dos arts. 121, § 2º, V; 158; 159; 219; 317, etc.

1 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. 3. ed. v. 1, t. 2, n. 61. p. 70.2 RT 599/371.

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No homicídio, por exemplo (art. 121, caput), a morte da vítima não constitui exaurimento. Simplesmente, essa etapa é estranha à figura do ho-micídio. A morte, decorrência da ação de matar alguém, é o resultado ou o evento. Se, apesar da ação de matar alguém, executada pelo acusado, não sobrevém, por sorte do ofendido, o resultado morte, em que pese a mul-tiplicidade de lesões, impulsionadas pelo animus necandi do agente, não se pode reconhecer perfeito o crime. Mas, no homicídio simples, como na lesão letal, os tipos penais correspondentes não dão espaço para o exauri-mento, a menos que se promova execução (tiros, pauladas, tamboretadas, etc.) à categoria de resultado.

A valorização normativa da morte, a título de exaurimento do tipo homicídio, como se constata a todo momento no Tribunal do Júri, quando da oportunidade do ato processual da individualização penal (art. 59, CP), é responsável pela inobservância do princípio da proibição do bis in idem. Aceita-se, na votação do questionário, a consumação do crime contra a vida, cuja consequência é a incidência do limite sancionatório entre seis a vinte anos de reclusão, porque a morte da vítima ocorrera, efetivamente, sem prejuízo, porém de nova valoração do evento judicial. “Eis que uma vida humana foi ceifada.” Por conta da confusão entre consumação e exau-rimento, a morte da vítima, nos crimes com resultado morte, funciona duas vezes na operação de dosagem da pena: como consumação e consequência do delito, o que é defeso, em face do princípio anteriormente mencionado.

A execução, se não alcança o curso normal, se interrompe, dando causa ao fenômeno penal da tentativa. A consumação caracterizada, irre-versível.

Execução é processo. É a realidade do crime em marcha, em franca evolução. É consumação, é encerramento, é fecho, é o epílogo do crime.

3 CONSUMAÇÃO NOS CRIMES MATERIAIS, FORMAIS E DE MERA CONDUTA

A maior dificuldade que se defronta no trato com o tema da consuma-ção é a de sua variação, que se observa nas diversas classificações de crime, sem falar, é claro, em outras dificuldades, advindas do tipo penal, colocadas na necessidade de compreensão segura de sua composição. Umas, ricas em variações elementares, outras, mais simples, requerendo menor esforço exegético no juízo de tipicidade.

Tais dificuldades, com assento no direito penal, vão repercutir no pro-cesso penal. A competência, em matéria penal, é um exemplo elucidativo.

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As incertezas, tantas as registradas, em matérias de competência, com reflexo negativo na prestação jurisdicional, que todos esperamos, a melhor possível, decorrem, induvidosamente, de insatisfatório estudo, que se dis-pensa ao tipo penal e sua consumação. A confusão reinante entre execução e consumação tem sua explicação na ausência de uma clara visão do tipo penal. Visão abrangente de sua estrutura. Falta aquele domínio ideal, im-prescindível mesmo, acerca dos componentes do fato típico, como a con-duta, o resultado, além de dados descritivos, normativos e subjetivos, que se distribuem, desigualmente, entre os tipos, cunhados pelo legislador.

A consumação, nos crimes materiais, só se verifica mediante a efetiva realização do resultado, previsto no tipo penal: no homicídio, a morte da vítima; na lesão letal, também a morte do sujeito passivo; e no delito de es-telionato, a obtenção, por parte do agente, de vantagem ilícita, em prejuízo alheio.

Nos crimes materiais (todos os crimes contra a vida), descrevem-se, nos respectivos tipos, a conduta, o resultado, exigindo-se, pela redação do tipo, que o resultado se realize como condição de consumação. Já nos exemplos de crimes formais, compostos também de conduta e resultado, não se reclama, porém, como forma de realização, a ocorrência do último dado, o evento naturalístico. Consumam-se, independentemente de resulta-do, embora ele venha, necessariamente, descrito na figura típica, como se pode demonstrar nos modelos dos arts. 158, 159, 219, 345, etc. São os cri-mes de consumação antecipada de que fala Tornaghi em sua obra esgotada: A Questão do Crime Formal.

Já nos delitos, que a doutrina chama de crime de mera conduta3, o tipo, restringindo-se à descrição da conduta do agente, desprezando-se a inclusão de qualquer efeito desta como resultado, a consumação coinci-de com a realização da conduta, expressa por meio do verbo nuclear do tipo. Nada mais. Consuma-se o adultério, o arremesso de projétil, por exem-plo, com a simples ação, enunciada no tipo: cometer adultério, arremessar projétil...

Os crimes materiais, de que são exemplos ilustrativos o homicídio (art. 121), a lesão corporal (art. 129, § 3º), aborto (art. 127), o esteliona-to (art. 171, caput), podem ter ação e resultado em momentos separados, como ensina Cristiano José de Andrade:

O momento consumativo conforme a natureza do delito. Nos delitos mate-riais em que há ação e resultado, o instante da consumação é o do evento. E

3 PIMENTEL, Manoel Pedro. Crimes de mera conduta.

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a atividade e o evento, muitas vezes, não coincidem, ocorrendo em momen-tos separados. Assim, no crime de homicídio, a conduta de ferir e o evento morte podem ocorrer em fases diferentes. O mesmo se diga do estelionato, em que o emprego de fraude pode-se separar no tempo da obtenção da van-tagem ilícita em prejuízo alheio.4

O problema da competência nos delitos materiais, quando diversos os lugares da ação e do evento, que os compõem, só tem tido oportunidade de manifestar-se, nos tribunais, em crimes de homicídio, lesão corporal le-tal, aborto (art. 127, CP). Expressivo número de julgados saem dos tribunais, orientado no sentido de que a competência recai, em tais casos, não sobre o lugar do resultado (a morte da vítima), mas sobre o local dos atos execu-tórios (tiros, facadas, porretadas), em uma flagrante demonstração de desco-nhecimento do teor dos textos claros da lei (art. 70 do CPP; art. 14 I, do CP). É aí que reside a insuficiência do cabedal doutrinário acerca do momento consumativo do crime, especialmente agravada em decorrência da diversi-ficação classificatória. A ausência de distinção entre as fases consumação e exaurimento dificulta o problema da competência, de sua fixação, em razão do local da consumação. Mesmo nos crimes não adornados com a etapa do exaurimento (são a maioria no Código), o homicídio (art. 121, caput), por exemplo, esses exegetas toma o resultado por exaurimento, passando a vê--los, como simples atos de execução, já a consumação do ilícito penal. É o que se pode observar pela leitura de um acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relator o Desembargador e Professor Gilberto Nidereuer Corrêia. Ali vem dito, com todas as letras necessárias, que o evento morte é mero exaurimento do homicídio5. A morte da vítima, entretanto, só po-derá aparecer no tipo penal como exaurimento da figura penal comentada, quando a hipótese fática referir-se a homicídio qualificado pela conexão teleológica ou consequencial (art. 121, 2º, V): A mata B para assegurar a execução da morte de C, ou para assegurar a ocultação, a impunidade de outro homicídio. Se o agente A consegue, além da morte imediata de B, também a morte de C, diz-se que o agente consumou e exauriu o crime, exaurimento que, em outras figuras penais, concorreria para a valoração das consequências do crime, enquanto aqui a solução é o reconhecimento do concurso material (art. 69 do CP). Só nessa hipótese de homicídio pode-se falar em exaurimento representado pela morte da vítima.

Mais, seria alhear-se à contribuição da doutrina na construção da obra de classificação das infrações penais, útil, sobretudo, no processo penal.

4 ANDRADE, Christiano José de. Da prescrição em matéria penal, p. 56-57.5 RT 599/371.

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Mas, no mesmo decisório temos, com certa ênfase, “que o resultado há de ser identificado no local onde houver sido praticadas as ações tenden-tes a obtê-lo, sendo o evento mero exaurimento do tipo delituoso”.

Levantamos dificuldades que são encontradas na fixação da compe-tência, nos chamados crimes plurilocais, quando eles se representam pelo homicídio, lesão corporal seguida de morte e aborto seguido de morte da gestante. Só em tais figuras. Outras infrações, porém, com a mesma estrutu-ra típica dos exemplos mencionados, nenhum problema interpretativo sus-citam, mesmo realizados na moldura de crimes plurilocais. Exemplo ilus-trativo da contradição podemos tê-lo na figura do estelionato, tipo básico (art. 171, caput). Nessa figura penal, exemplo indiscutível de crime mate-rial, tanto quanto o homicídio, destacam-se a conduta de obter, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento, e resultado, vantagem ilícita em prejuízo alheio. Não ra-ramente deparamo-nos com a conduta típica realizada no interior de uma comarca, enquanto o resultado, traduzido na efetiva obtenção da vantagem ilícita em prejuízo alheio, em local diverso, sem que se questione acerca da competência determinada pelo local no qual se verificou a obtenção da vantagem ilícita em prejuízo alheio, pouco importando que a ação induzi-mento ou manutenção em erro da vítima tenha-se desenrolado, em todos os detalhes, em local diverso.

A competência, tratando-se de estelionato plurilocal, isto é, ação típi-ca, e resultado naturalístico, desenvolvidos em locais divergentes, é, paci-ficamente, aceita na jurisprudência, reconhecendo-se o lugar do resultado (locupletação pelo agente), indiferentemente à ideia de uma conduta pro-longada que o determina (na qual estariam presentes maiores possibilidades de produção de provas). Celso Delmanto menciona exemplos bem a propó-sito, publicados em vários números da Revista dos Tribunais. Competência: é do lugar em que se consuma, do lugar no qual ocorre o dano. É do STF a ementa transcrita, como muitas outras, que são encontradas naquela obra6.

Porque, então, as dificuldades de interpretação no homicídio e outros crimes, que se estruturam, segundo a composição típica, conduta e resul-tado, onde os textos legais, que os apresentam, são tão claros, quase que a justificar o brocado in claris non fit intrepretatio?

Nossos intérpretes chegam à prodigalidade em contradições injustifi-cáveis desnecessárias. Colhe-se, nesse campo, exemplo ilustrativo no con-curso de pessoas, a propósito do delito de infanticídio, classificado como

6 DELMANTO, Celso. Código penal comentado. 2. ed. p. 343.

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crime próprio, enquanto não se contesta sua possibilidade no tipo peculato, sabido que dita infração penal requer a qualidade de funcionário público de seu sujeito ativo, como elementar essencial ao tipo.

4 A COMPETÊNCIA NA TENTATIVA

Verifica-se a tentativa, na hipótese de sua admissibilidade, quando, não obstante ingressar-se já no plano da execução, resulta, porém, frus-trada, a consumação, não ocorrendo a consumação, desiderato do agente pela falta de realização integral dos elementos da definição legal do crime. Tentativa, finalmente, dizem os autores, com muita precisão, é a realização incompleta do tipo penal.

A competência, no caso de tentativa, determina-se em razão do lugar em que for praticado o último ato de execução.

Como se observa, da transcrição procedida (art. 14, II, do CP), a com-petência tem como referência atos executórios, quando a mesma versar so-bre tentativa. Tratando-se, porém, de competência, em crime consumado, o ponto de apoio, o suporte, é a consumação, etapa delitiva posterior e decorrente da execução.

Ou será que o legislador processual empregou, no mesmo artigo (art. 70 do CPC), vocábulos sinônimos? Não seria possível. Há um princípio em hermenêutica, segundo o qual não pode haver palavra ociosa nos textos legais. É defeso o emprego de sinonímia como recurso de redação de lei.

Possivelmente, a segunda parte do art. 70 do Código de Processo Penal não mereceu, ainda, a necessária atenção por parte desses estudiosos da matéria.

A competência, ratione loci, regula-se, nos crimes consumados, pelo lugar da consumação, que é onde se reúnem todos os elementos da defini-ção legal daquela figura, enquanto, na tentativa, operar-se-ia a competência na coincidência do lugar com o último ato de execução.

5 POSIÇÃO DA DOUTRINA E DA JURISPRUDÊNCIA

A problemática da competência, sob o aspecto que está sendo exa-minado, também aflora divergências, em base doutrinária, carentes, porém, tais discrepâncias, de justificações plausíveis. A posição divergente, em re-lação aos textos legais, encaminha-se para a aceitação da fusão entre atos executórios e consumação, além daquelas colocações, confundindo con-sumação e exaurimento, mesmo nos tipos penais vazios de tal dimensão,

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como ocorre nas hipóteses criminais de homicídio simples, lesão corporal seguida de morte, etc.

Há passagem curiosa, para dizer o mínimo, a respeito da competên-cia pelo lugar da infração: “Incidindo-se o crime em lugar e consumando-se em outro, será competente o juiz do lugar onde se praticou o último ato de execução”. É do professor José Lisboa Gama Malcher, depois de ter escrito: “Tratando-se de crime tentado, a competência se firma pelo lugar onde foi praticado o último ato da execução”7.

É verdade que há, necessariamente, ato de execução, tanto na ten-tativa, como na consumação. Mas há diferenciação entre eles. Ninguém o disse, porém, até hoje.

Inaceitável, também, pelo que ficou dito, a colocação de um dos maiores juristas deste País, o Professor Weber Martins Batista, que assim encara a questão:

Por todo o exposto, deve-se concluir que, nas hipóteses de homicídio doloso ou culposo, a competência territorial é do lugar da infração onde o agente praticou a ação e a vítima sofreu os ferimentos deles decorrentes, pouco im-portando que esta transportada para outro lugar, aí venha a falecer.8

Ora, justamente no exemplo do homicídio doloso ou culposo, que se consuma com a morte da vítima, por que, se permanecer na ação de ferir, a figura penal resultante seria a da tentativa de homicídio ou de lesão cor-poral? Homicídio, crime contra a vida, só se aperfeiçoa diante do resultado naturalístico, nunca simples ferimentos ou mesmo graves lesões.

Outro nome da doutrina nacional, o Professor Paulo Lúcio Nogueira acompanha a corrente, segundo a qual a competência se fixa em razão do lugar no qual ocorrer a ação ou omissão causal, sob o enfoque, porém, de que o ponto de referência se define pelo lugar da infração, segundo a deno-minação do capítulo que regula a matéria9. Efetivamente, o Capítulo I tem terminologia. O que importa, porém, é o conteúdo do tipo processual, que é claro na menção à consumação e esta, na versão do Código Penal (art. 14, I), é a realização de todos os elementos da definição legal de um tipo penal. O título de uma figura legal ou de um capítulo não pode prevalecer sobre o conteúdo. Auxiliar, é verdade, nos trabalhos de interpretação é a posição da hermenêutica, na lição de um dos nossos maiores juristas, Carlos

7 MALCHER, José Lisboa Gama. Manual de processo penal brasileiro. v. 1. p. 283.8 BATISTA, Weber Martins. Direito penal e direito processual penal, p. 83.9 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Questões processuais penais controvertidas. 3. ed. p. 57.

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Maximiliano: “Os títulos, as epígrafes e as rubricas da lei, em conjunto ou de capítulo e parágrafo, não fazem parte propriamente da norma escrita, não foram discutidos nem votados, não contêm uma regra explícita”10.

Lugar da infração, rubrica do capítulo que inclui os arts. 70, §§ 1º, 2º, 3º, e 71, é gênero de que o lugar de consumação é espécie, indicada nos artigos transcritos.

O sempre lembrado Damásio E. de Jesus, depois de discordar de al-guns julgados analisados, assim coloca a matéria: “Cremos incorreta essa posição, uma vez que o homicídio se consuma com a morte da vítima. E o local da consumação, nos termos da disposição que estamos anotando, determina a competência.”

O mesmo ocorre no delito de aborto: a competência se rege pelo lugar da morte do feto e não no lugar da conduta, das manobras abortivas, acrescenta o autor11.

Tourinho Filho, com subsídios da doutrina italiana (Carnelutti e Manzini), coloca a questão nos seus devidos termos, a partir da conceitua-ção de crime consumado: “Naqueles crimes cuja ação se pratica num lugar e o evento ocorra em outro, qual o locus delia commissi?”.

É preciso, prossegue o mestre, que se faça uma distinção. Se o evento descrito na norma for indispensável à existência do crime, necessário à per-fectibilidade do tipo, então a consumação se verifica onde ocorre o evento.

Acrescenta o mestre paulista, no seu magnífico magistério, a lúcida lição de Manzini, para quem a competência se estabelece pelo lugar no qual se verifica o evento danoso ou culposo, finalizando com outro autor da península, G. Leone, em uma citação que traduz bem nossa realidade legislativa: “É certo que, pela lógica, deveria ser o lugar da ação ou omissão, pela facilidade de colheita de provas pela exemplaridade e, até mesmo, no que respeita à comodidade do réu para se defender”12.

A competência penal pode operar-se segundo o lugar da ação ou omissão, porém, dependendo da classificação do crime quanto ao evento, conforme lição de Tourinho Filho já citada. Nos delitos formais, por exem-plo, embora o tipo que lhe dá expressão seja compreensivo do resultado, sua efetiva realização não é condição da fase consumativa. Em tais crimes, a consumação se antecipa ao resultado. O evento não carece da realização

10 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 6. ed. p. 330.11 JESUS, Damásio E. de. Código de processo penal anotado. 5. ed. p. 77.12 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 17. ed. v. 2. p. 103/105.

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para concretizar a figura penal referida. A extorsão, extorsão mediante se-questro e o rapto consumam-se com a ação de constranger, simplesmente, com o intuito de obter indevida vantagem econômica; sequestrar pessoa com o fim de obter qualquer vantagem; raptar mulher honesta... para fins libidinosos. Não exigem tais tipos penais o resultado naturalístico coinci-dente com o momento da consumação.

A competência, nesses casos, se estabelece em função da conduta. Mas tal ocorre só nos crimes formais e de mera conduta, pelas razões já expostas. Vem, a propósito, lição do saudoso membro do Ministério Público paulista, Magalhães Noronha:

O art. 70 alude à consumação do crime. Consuma-se com o resultado. Mas há delitos sem resultados, também ditos de mera conduta, simples atividade ou formais, que se consumam com a ação apenas. Será competente o lugar onde esta ocorrer. Para a tentativa – tipo incompleto ou realização parcial dele – a competência será a do lugar onde for praticado o último ato de execução.13

O tema, na esfera da jurisprudência dominante, recebe tratamento inteiramente inadequado, como ficou assinalado, em que pesa a clareza dos textos legais, que cuidam da matéria. Observa-se terrível confusão entre atos de execução e consumação. Vislumbra-se exaurimento no qual o tipo penal, no seu percurso, não prevê mais que o evento como etapa conclu-siva.

Expressivo número de julgados, das mais diversas Cortes de Justiça do País, define como crime de aborto (arts. 124 e 127 do CP) segundo o lugar no qual se verificou a lesão ao feto ou o aborto, ignorando-se, por comple-to, o resultado incito na estruturação do tipo preterdoloso do art. 127 do Código Penal.

A Revista dos Tribunais, em mais de uma oportunidade, publica de-cisões nesse sentido14.

O crime de sedução (art. 217 do CP), no campo dos julgados, oferece um exemplo, em matéria de competência, ratione loci, inusitado, citado por Paulo Lúcio Nogueira, extraído da Revista dos Tribunais: “Se depois da pri-meira conjunção carnal o casal vier a praticar novas relações, o foro com-petente poderá ser o do lugar onde ocorreram as novas relações sexuais” (RT, 394/33; 388/63)15.

13 NORONHA, E. Magalhães. Curso de direito penal. 17. ed. n. 17. p. 46.14 RT 454/376; 524/298; 574/367; 599/371.15 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Op. cit., p. 100.

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Estranha a solução processual encontrada. As novas relações sexuais, subsequentes à primeira, não se inserem na tipicidade do delito de sedução. Esse crime, na sua estrutura típica, pressupõe, necessariamente, ausência de cópula anterior, que é a tradução do conceito de sedução.

Um dos requisitos elementares do tipo sedução é a virgindade da víti-ma, o que significa ausência de prática de conjunção carnal com o homem. O segundo coito vagínico já não se insere no âmbito do tipo. É aconteci-mento carente de revelação penal.

Como, então, aceitar-se a fixação da competência coincidente com o lugar no qual ocorreram as novas relações sexuais?

A dificuldade processual, a toda evidência, decorre, talvez, de apres-sada análise do tipo penal sedução. O momento consumativo da sedução é, sem dúvida, o da cópula, completa ou incompleta, mas com mulher virgem, requisito essencial ao tipo, de conotação cultural, não apenas anatômica.

Pondo ordem nessa balbúrdia jurisprudencial, o Supremo Tribunal Federal afasta qualquer dúvida sobre a interpretação do art. 70, CPP:

Ementa: “Competência territorial. Homicídio culposo em que a con-duta do agente e a morte da vítima ocorreram em comarcas diferentes do País. Competência do juiz em outro território, com o resultado fatal, se con-sumou o delito”

6 APLICAÇÃO DO ARTIGO 6º DO CÓDIGO PENAL, ARTIGO 70, §§ 1º E 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Alguns autores invocam a pertinência do art. 6º do Código Penal como solução para o problema de competência, nos denominados crimes plurilocais. Com o advento da Lei nº 7.209, para esses autores, pacificada resultaria a questão, nas hipóteses de crimes plurilocais. Entendem que a referida norma jurídica teria algo a ver com a competência, tendo por palco o território nacional, quando diversos lugar de execução e lugar de consu-mação.

São eles: Paulo Lúcio Nogueira e Weber Martins Batista, em obra e páginas citadas. Para os mestres do processo, a nova redação, dada à ma-téria, posta no art. 6º, em razão da Lei nº 7.209, viria sensibilizar os discor-dantes.

Data máxima venia, a expectativa não procede por carência do as-pecto conteudístico, que se quer emprestar àquele dispositivo legal. A dis-posição legal referida resolve a questão da competência penal internacional,

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quando a diversidade de locais, na execução e consumação, situarem-se em países vários, preleciona Damásio E. de Jesus16. No mesmo sentido, de que não discreparão inúmeros autores, pontifica, com o brilho de sempre, Celso Delmanto, ao assentar que: “Havendo conflito interno de compe-tência (entre duas comarcas brasileiras) a solução deve ser procurada no Código de Processo Penal, art. 70 e ss.”17. E Hélio Tornaghi completa a inteligência que leva à rejeição do art. 6º do Código Penal, como solução das dificuldades que rodeiam a competência penal interna, nos crimes que Carnelutti batizou de plurilocais:

A mudança de redação do Código Penal, entretanto, não deve iludir quanto ao critério de determinação de competência de foro, que continua sendo o mesmo: no caso de crime consumado é competente o foro do lugar em que se operou o resultado e, na hipótese de ter havido apenas tentativa, compe-tente é o foro do lugar em que foi praticado o último ato de execução.18

O art. 6º da nova parte geral do Código Penal tem a ver com o art. 70, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Penal, pois é nesses dois parágrafos que se traça a competência internacional nos delitos a distância: ação ou omissão em um território e o seu resultado ocorrendo em outra pátria.

Os textos legais referidos vêm expressos em redação muito clara. A competência, repita-se, nos chamados delitos a distância, regula-se pelas normas insculpidas no art. 70, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Penal, enquanto nos crimes plurilocais, de realização interna, a norma vigente aplicável é a que vem estatuída no art. 70, 1ª e 2ª partes (consumação e tentativa).

Álvaro Mayrink, em seu Direito Penal, confirma: a distância, rege-se pelo disposto no art. 70, §§ 1º e 2º: “Nos crimes a distância, a competência da autoridade brasileira é fixada ratione loci por força dos §§ 1º e 2º do art. 70 do Código de Processo Penal”19. É a lição de Hungria, seguida por Mayrink, que a transcreve.

Falando sobre lugar do crime, na perspectiva do art. 6º do Código Penal, Júlio Fabbrini Mirabete, com a clareza costumeira, assim preleciona: “A fixação do critério é necessário nos chamados crimes a distância, em que

16 JESUS, Damásio E. de. Comentário ao código penal. 2. ed. v. 1. p. 145.17 DELMANTO, Celso. Op. cit., p. 13.18 TORNAGHI, Hélio Bastos. Curso de processo penal. 4. ed. v. 1. p. 101.19 MAYRINK, Álvaro. Direito penal. v. l. p. 235.

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a ação é praticada em um país estrangeiro e a consumação ocorre no Brasil e vice-versa”20.

O saudoso mestre Fragoso coloca, com propriedade, esta questão da aplicação do art. 6º na matéria competência, a ser fixada nos crimes a dis-tância, distinguindo-os dos delitos plurilocais, que se submetem a outras regras processuais21.

Romeu de Almeida Salles Júnior, igualmente, recusa aplicabilidade ao art. 6º do Código Penal, como dispositivo próprio a regular a competência nos crimes plurilocais. O art. 6º tem a ver com o art. 70, §§ 1º e 2º, do Có-digo de Processo Penal, matéria pertinente à competência internacional22.

No fecho da discussão, não poderia ficar no esquecimento a preciosa lição do saudoso mestre e membro do Ministério Público paulista, Edgar Magalhães Noronha, que, numa síntese muito feliz, encera o debate sobre competência internacional: “A respeito desses crimes, denominados a dis-tância, em que a execução e o resultado ocorreram em países diferentes, dispõe nosso Código de Processo Penal, no art. 70, §§ 1º e 2º, fixando a competência ration loci da autoridade brasileira”23.

No campo da prática forense, a Revista dos Tribunais publica um exemplo vindo do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, segundo a interpretação de que a Lei nº 7.209, com a redação dada ao art. 6º, modifi-cara o art. 70, o que não procede, em face da redação imprimida ao art. 70, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Penal, que é o que se relaciona com aquele dispositivo penal24.

Na visão interpretativa do Tribunal mencionado, bem como pela óti-ca dos autores citados, os dois parágrafos do art. 70 do Código de Processo Penal seriam prescindíveis. Admitir-se, porém, disposição ociosa na lei foge a qualquer possibilidade hermenêutica. Os parágrafos, no caso, têm inteira e útil aplicação, que se harmonizariam, justamente, com o art. 6º do Código Penal.

O art. 70, caput, relaciona-se, necessariamente, com a previsão do art. 14, I e II, do Código Penal.

20 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. v. 1. p. 81.21 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal. 11. ed. v. l. p. 12.22 SALLES JÚNIOR, Romeu de Almeida. Curso comparado de direito penal, p. 29.23 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. 23. ed. v. 1. p. 84.24 RT 599/731.

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7 CRIMES QUALIFICADOS PELO RESULTADO: FORO COMPETENTE

Nos crimes qualificados pelo resultado, preterintencionais ou não, a competência, ratione loci, é regulada, também, pela consumação, que coincide com o momento de ocorrência do resultado, que, nesses crimes, é a nota característica. A própria terminologia doutrinária é bem explícita a respeito. Tais crimes estão condicionados à verificação do evento para sua perfectibilidade. São exemplos dessas figuras penais os que estão previstos nos arts. 127; 129, § 3º; 133, parágrafo único; 157, § 3º, do Código Penal, etc.

A competência, em tal gênero de infração, que são materiais, deter-mina-se, seguramente, segundo a regra do art. 70 do Código de Processo Penal, isto é, pelo lugar no qual se verifica o resultado qualificador: a morte ou lesão grave na gestante (art. 127), a morte da vítima (art. 129, § 5º), por exemplo.

Nos exemplos citados, o resultado mais grave que ocorre, a título de culpa, mas exasperado sensivelmente a sanção penal, tem, segundo oportu-no magistério de Soler, “la función de un verdadero elemento constitutivo, pues si ella sólo queda subsistente el tipo de delito de que se apartió”25.

Manzini segue a mesma trilha, em lição esclarecedora: “I delitti pre-teintenzionalle si consumario nel momento e nel luogo in cui se verifica il maggiore effette [...] morte seguita allo lesion”26. De Antolisei a mesma orientação27.

Christiano José de Almeida, ilustre membro do Parquet do Estado de São Paulo, mais uma vez aqui lembrado, assim põe a questão da consuma-ção do delito qualificado pelo resultado: “Assim, nos delitos qualificados, integrando a definição legal do crime, enseja a conclusão de que, com a sua produção, o agente atinge o momento consumativo”. Lição que é acolhida pelo saudoso mestre paulista, Basileu Garcia28.

Nilo Batista, em sua obra Decisão Criminal Comentada, confirma a participação do resultado qualificador como componente do tipo penal. Segundo a lição, a qualificativa integra a substância do tipo penal29.

25 SOLER, Sebastian. Direito penal argentino. v. 1. p. 241.26 MANZINI, Vicenzo. Istituzioni di diritto penale. v. 1. p. 135.27 ANTOLIZEI, F. Manual de derecho penal, p. 170.28 ANDRADE, Christiano José de. Da prescrição em matéria penal, p. 63.29 BATISTA, Nilo. Decisões criminais comentadas, p. 45.

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Nos crimes qualificados pelo resultado, consumando-se com o resul-tado (morte da vítima, da gestante), o foro competente é do lugar dos even-tos mencionados. Não há dificuldades na busca da fixação da competência.

8 A POSIÇÃO DE JOSÉ FREDERICO MARQUES

É das mais extravagantes, contraditórias as posições do grande jurista pátrio, Frederico Marques, nesta questão da competência, nos crimes plu-rilocais. Depois de lembrar o conceito legal de consumação (art. 12, I, CP), passa a citar a exposição de motivos (Código de 1940); fiel correspondência entre o fato e o tipo legal de crime (nº 11) para exemplificar a matéria: A é atingida por uma bala, partida da comarca B e vem a morrer mais tarde, na comarca C. Qual o forum delicti commissi?

Contrariando Stopatto, citado por Claria’Olmedo, que entende que o distrito da culpa está na comarca C. No exemplo figurado, o Professor José Frederico Marques advoga a competência para a comarca B. Entende o renomado mestre que a figura delituosa se completa quando a bala atinge o sujeito passivo, embora a morte não se produza nesse momento. A lesão mortal constitui, assim, o evento ou dano. A morte em C é casual, pois não estava compreendida no dolo do autor: este atirara com a intenção de matar e não com o fito de vir a morte a ocorrer na comarca C.

Em página anterior, o mestre paulista assim pontifica:

A solução dos problemas processuais relativos ao foro competente depende-rá da noção de consumação, que é da alçada do direito material, e se resolve na dos elementos construtivos da infração sobre a qual a competência deve ser estabelecida, noção essa que refoge, por sua natureza, de qualquer deter-minação genérica. [...].

Se o evento ocorre em lugar diferente daquele onde a ação se efetivou, pre-valece o lugar do evento, ex vi do art. 70; e, se o crime for apenas tentado, é competente o juiz do lugar onde se realizar o último ato de execução. Prevalece assim o local em que se encerra o iter criminis.30

Parece que a posição do mestre paulista repousaria na teoria da inten-ção, refutada por Hungria por insuportável, quando estuda o lugar do crime. Teoria da intenção: o lugar do crime é aquele em que, segundo a intenção do agente, devia ocorrer o resultado típico do crime, pouco importando que, na realidade, tenha ocorrido alhures.

30 MARQUES, José Frederico. Da competência em matéria penal, p. 169/171.

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É manifesta sua emprestabilidade: basta dizer que não resolveria a questão no tocante aos crimes preterdolosos e culposos, além de introduzir um elemento subjetivo na solução de um problema estritamente objetivo31.

Lugar do crime, inclusive para efeito de competência, não é o que o autor tencionava consumar a infração, mas onde, efetivamente, ocorrera o resultado.

9 ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

O Ministério Público deve, e teria recursos para fazê-lo, atuar na bus-ca da prestação jurisdicional, pugnando, no objetivo de um processo válido, a instauração válida, a instauração de instância no locus delicti commissi, devendo recusar-se ao oferecimento da denúncia, por meio do instrumento da exceptio in competentia. O Órgão Fiscal da Lei e de sua fiel execução (arts. 257, 385, 654 do Código de Processo Penal) não deve contribuir para o exercício da ação, dentro de condições anômalas, marcadas pelo vício, que acabaria por contaminar atos da instância em fases subsequentes, in-viabilizando o ato de prestação jurisdicional esperado. Ao invés do ajui-zamento da pretensão punitiva, com vista ao ofício jurisdicional, mas que terminaria frustrado, a declinatória feori.

Didaticamente explana, e com o habitual senso de oportunidade, o mestre Tourinho Filho:

Ora, a competência é um pressuposto processual, uma vez, para a existência de um processo válido, além de outros requisitos, requer-se, também, haja competência. Por outro lado, o art. 564, I, do Código de Processo Penal, eri-ge à categoria de nulidade a falta de competência. Logo, haverá necessidade de se afastar o juiz incompetente.32

Nos domínios da atual legislação, o Ministério Público tem à fren-te dificuldades, decorrentes da insuficiência de instrumentos legais, que se observam no campo da atividade recursal. O art. 581, XXIV, do Código de Processo Penal não prevê a recorribilidade da decisão que aceita a compe-tência do juiz. A solução, porém, no contexto atual, pode ser encontrada por meio do emprego da analogia (art. 3º do Código de Processo Penal), se-gundo vem admitindo o Supremo Tribunal Federal, em reiteradas decisões.

“Formular em juízo a acusação criminal, segundo uma técnica que, a um tempo, assegure a validade dos processos e a possibilidade de ampla

31 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. v. 1, t. 10. p. 152.32 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Op. cit., p. 95.

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defesa, é a mais importante atividade do Ministério Público”, escreve Guido Roque Jacob, hoje Procurador de Justiça33.

O Ministério Público pode opor a exceção de incompetência, fazen-do-o não como parte instrumental, mas na qualidade de custos legis, ensina Tourinho Filho, trazendo em reforço da tese, o magistério de ilustres nomes da processualística pátria, como Hélio Tornaghi e Ary Azevedo Franco34.

Ao Ministério Público toca a enorme responsabilidade no processo de mudança da jurisprudência, que, além de divergente das normas vigorantes, é conservador, porque afastado da melhor doutrina.

Bem a propósito vai lembrado o pensamento de Eduardo J. Couture, citado por Nelson Lauro Fornari Thomé:

Certo juiz, num assomo de sinceridade, disse que a jurisprudência é feita pelos advogados. E de fato assim é porque na formação da jurisprudência e, através dela, na formação do direito, o pensamento do Juiz é, normalmente, um Posterius: O Prius corresponde ao pensamento do advogado.35

Ao lado da defesa, talvez com melhor desempenho, aparece o Minis-tério Público, participando, ativamente, do aperfeiçoamento da tutela juris-dicional, sendo a instituição responsável, hoje, por significativas alterações, ocorridas na seara dos julgados, no interesse das mais legítimas aspirações sociais.

CONCLUSÃO

Algumas conclusões podem ser extraídas do trabalho, modesto no objetivo, que é o de contribuir para que se chegue a uma interpretação que melhor se ajuste aos textos legais, no interesse da maior segurança e firmeza da tutela jurisdicional, cujas vacilações não concorrem para o necessário prestígio da justiça.

1. A competência em matéria penal vincula-se estritamente à com-posição típica do crime, dela recebendo decisiva importância.

2. Os arts. 70 do Código de Processo Penal, 1ª e 2ª partes, e 14, I e II, do Código Penal são normas jurídicas que dão o suporte necessário à fixação da competência nas infrações penais com previsão nos arts. 121, §§ 3º e 4º; 129, § 3º, a recair sobre o

33 JACOB, Guido Roque. Notas sobre a denúncia do anteprojeto. Justitia, 79/95.34 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Op. cit., p. 482.35 THOMÉ, Nelson Lauro Fornari. Aspectos controversos no processo penal brasileiro. Justitia, 58/25.

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local do resultado da morte da vítima e, nos delitos de aborto (arts. 124 e 127), onde ocorrer os eventos morte do feto e lesão corporal grave ou morte da gestante.

3. Nos crimes a distância, que são os praticados em países di-versos, a competência é encontrada por meio da aplicação do art. 70, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Penal, em consonância com o art. 6º do Código Penal.

4. Ao Ministério Público, na importante posição de custos legis, deve caber a difícil tarefa de encaminhar as lides penais ao juízo competente, visto que a competência é pressuposto de validez da instância e sua inobservância acarreta a sanção de nulidades, invalidando todo o esforço enviado pelas partes e pelo juiz.

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Seção Especial – Prática Processual

Resposta à Acusação

YURI FELIXMestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Pós-Graduado em Direito Penal Econômico pela Uni-versidade de Coimbra/IBCCrim, Pós-Graduado em Ciências Penais, Presidente da Comissão de Direito Penal e Direito Processual Penal da 40ª Subseção da OAB/SP, Ex-Coordenador do Pronasci/MJ, Professor e palestrante com artigos publicados em revistas especializadas, Ad-vogado criminal em São Paulo.

BRUNO BUONICOREMestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Especialista em Ciências Penais pela mesma Institui-ção, Bolsista Capes, Advogado.

EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA XXX VARA CRIMINAL DO FORO XXX DA COMARCA DE XXX/XXX

Processo nº XXX

Objeto: RESPOSTA À ACUSAÇÃO

XXX, já devidamente qualificado nos autos de ação penal em epígra-fe, que lhe move o Ministério Público do Estado XXX, por meio de seu ad-vogado ao final assinado, já devidamente constituído, vem, respeitosamente à presença de Vossa Excelência, com fundamento nos arts. 396 e 396-A do Código de Processo Penal, apresentar: resposta à acusação, nas razões de fato e de direito expostas a seguir:

I – SÍNTESE FÁTICA

a) O réu XXX, ora postulante, foi detido em suposto flagrante deli-to aos dias XXX, às XXX, na Avenida XXX, nº XXX, Bairro XXX, nesta capital. Nesse mesmo momento, ocorreu a prisão de XXX, igualmente réu nesse processo, bem como do menor XXX.

b) O referido local do ato de prisão trata-se da residência de XXX, onde o postulante teria, supostamente, cedido para XXX, volun-tariamente, a também suposta arma do crime para ser oculta-da. De imediato, faz-se imprescindível salientar que a entrada dos policiais militares na residência de XXX foi manifestamente ilegal.

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c) Narra a exordial que XXX teria realizado o roubo a mão armada de um automóvel XXX, placa XXX, na Avenida XXX, XXX, nesta capital, por volta das XXXh, em comunhão de vontades e con-junção de esforços com o menor XXX, e que, posteriormente, ambos teriam levado a arma até a casa de XXX, local da prisão em flagrante. Vale adiantar que essa versão dos fatos é manifes-tamente infundada e não deverá subsistir.

d) Posteriormente, apenas e tão somente com base na palavra dos policiais militares que efetuaram a prisão, que, como é de pra-xe, uniformizam suas versões, e com base em um reconheci-mento realizado sem respeito a nenhuma forma legal, o douto representante do Ministério Público, de maneira desarrazoada e claramente precipitada, como ficará demonstrado, ofereceu a peça acusatória imputando o réu XXX pelos delitos tipifica-dos nos arts. 157, § 2º, I e II, do Código Penal, 244-B da Lei nº 8.069/1990 e 14, caput, da Lei nº 10.826/2003.

II – DO DIREITO

1. pReliminAReS

A) Da ilicitude da prova quanto à arma do crime

a) Os policiais militares narram, em seu depoimento na fase inqui-sitiva, que abordaram XXX e XXX na frente da casa de XXX, que XXX, “espontaneamente”, teria dito que a suposta arma do delito estava na casa de XXX e que este “espontaneamente franqueou” a entrada dos policiais militares em sua casa. Sem adentrar na questão de como XXX foi coagido física e psicologicamente a dizer onde estava essa arma, vamos nos ater à ilegalidade da entrada dos policiais na casa de XXX.

b) A inviolabilidade do domicílio é garantia fundamental expres-sa no art. 5º, inciso XI, da Constituição Federal. Sendo assim, somente em algumas exceções, elencadas pela própria Carta Maior, é que se pode penetrar legalmente nesse espaço protegi-do. Uma dessas exceções é o estado de flagrante delito, o que, em nenhuma hipótese, ocorreu no caso em tela em relação a XXX, proprietário da residência, e muito menos em relação a XXX ou XXX.

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c) O denunciado XXX não estava em flagrante delito no momento em que os policiais militares forçaram brutalmente a entrada em sua casa, tanto é que este não sabia que havia uma arma em sua casa. O próprio menor, XXX, declarou, na fase pré-processual, que XXX não sabia da existência da arma e que XXX, ora pos-tulante, teria escondido a arma em um moletom e solicitado a XXX que guardasse o moletom em sua casa. Nesse sentido, XXX afirma, igualmente, que não sabia da existência da arma em sua casa quando os policiais militares entraram nela forçosamente. Como se não bastasse, o próprio XXX admite que XXX não sabia da existência da arma em sua casa.

d) No momento em que os policiais militares adentraram, tarde da noite, forçosa e brutalmente, na casa de XXX, não havia qualquer estado de flagrância em relação a este, proprietário da residência violada. Tão pouco havia estado de flagrância em relação a XXX e XXX, não há como falar em flagrância de roubo ou porte de arma sem arma, por esta razão, os policiais militares usaram a violência e a arbitrariedade para produzir esta prova viciada.

e) Ora, Excelência, a presunção do ocultamento de uma arma, na residência de uma terceira pessoa que desconhece a existência da arma, não pode, de modo algum, fundamentar a aniquilação completa da garantia constitucional de inviolabilidade do domi-cílio. Se, eventualmente, um policial militar suspeita da existên-cia de uma arma, em uma dada residência, ele deve respeitar as formas legais e apresentar um mandado de busca e apreensão emitido pela autoridade competente. Com fulcro no art. 241 do Código de Processo Penal, mesmo quando houver fundada sus-peita de ato criminoso, a busca e apreensão domiciliar deve ser precedida de um mandado competente.

f) A título demonstrativo, copila-se julgado do Supremo Tribunal Federal:

PROVA PENAL – BANIMENTO CONSTITUCIONAL DAS PROVAS ILÍCITAS (CF, ART. 5º, LVI) – ILICITUDE (ORIGINÁRIA E POR DERI-VAÇÃO) – INADMISSIBILIDADE – BUSCA E APREENSÃO DE MATE-RIAIS E EQUIPAMENTOS REALIZADA, SEM MANDADO JUDICIAL, EM QUARTO DE HOTEL AINDA OCUPADO –IMPOSSIBILIDADE – QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DESSE ESPAÇO PRIVADO (QUARTO DE HOTEL, DESDE QUE OCUPADO) COMO “CASA”, PARA EFEITO DA TUTELA CONSTITUCIONAL DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR – GARANTIA QUE TRADUZ LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL AO PO-

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DER DO ESTADO EM TEMA DE PERSECUÇÃO PENAL, MESMO EM SUA FASE PRÉ-PROCESSUAL – CONCEITO DE “CASA” PARA EFEITO DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 5º, XI, E CP, ART. 150, § 4º, II) – AMPLITUDE DESSA NOÇÃO CONCEITUAL, QUE TAMBÉM COMPREENDE OS APOSENTOS DE HABITAÇÃO COLETIVA (COMO, POR EXEMPLO, OS QUARTOS DE HOTEL, PENSÃO, MOTEL E HOS-PEDARIA, DESDE QUE OCUPADOS): NECESSIDADE, EM TAL HIPÓ-TESE, DE MANDADO JUDICIAL (CF, ART. 5º, XI) – IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO, PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, DE PROVA OBTIDA COM TRANSGRESSÃO À GARANTIA DA INVIOLABILIDADE DOMI-CILIAR – PROVA ILÍCITA – INIDONEIDADE JURÍDICA – RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO – BUSCA E APREENSÃO EM APOSENTOS OCUPADOS DE HABITAÇÃO COLETIVA (COMO QUARTOS DE HO-TEL) – SUBSUNÇÃO DESSE ESPAÇO PRIVADO, DESDE QUE OCU-PADO, AO CONCEITO DE “CASA” – CONSEQUENTE NECESSIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DE MANDADO JUDICIAL. (STF, RHC 90376/RJ, 2ª T., Celso de Mello, 02.04.2007)

g) Assim, a busca da arma, no caso em tela, foi um ato ao arrepio da Constituição Federal, por isso, é ilegal e é ilegítimo. Assim, com fulcro nos arts. 5º, LVI, da Constituição Federal, 157 e 564, IV, do Código de Processo Penal, requer-se seja considerada ile-gal e ilegítima a prova da arma e todas que dela derivem, deven-do ser essa prova desentranhada dos autos e desconsiderada, em respeito às garantias fundamentais expressas na Constituição Fe-deral que balizam os princípios de um processo penal adequado ao Estado Democrático de Direito.

B) Da ilicitude da prova quanto ao reconhecimento

a) Os policiais militares realizaram o ato de reconhecimento do réu, pela vítima, no posto da Brigada Militar. Nesse sentido, as declarações, dos próprios brigadianos e das vítimas, acostadas aos autos.

b) Ocorre que esse reconhecimento foi realizado sem respeito às formalidades dispostas no art. 226 do Código de Processo Penal, incorrendo em manifesto vício. Especificamente no que tange ao inciso IV do referido dispositivo, não foi lavrado auto pormeno-rizado do ato de reconhecimento, o que torna tal ato totalmente ilegal.

c) Como se não bastasse a falta da lavratura desse auto para tor-nar a prova do reconhecimento do réu nitidamente imprestável, segundo a versão do réu, o reconhecimento se deu da seguinte

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forma: os brigadianos colocaram XXX, XXX e XXX em frente às vítimas, em um posto da Brigada, pegaram cada um pela nuca com força e indagaram: “É esse, é esse???”.

d) Ora, Excelência, a fragilidade dessa prova é tamanha que chega a ofender o bom senso da justiça. Tratou-se de nítido induzimen-to, uma vez que, no calor de encontrar, de imediato, os respon-sáveis pelo seu sofrimento, as vítimas tenderiam a reconhecer, necessariamente, dois dos três apresentados. A própria postura da apresentação, ao arrepio da lei, foi de natureza indutiva.

e) Nobre Excelência, não há como admitir essa prova. O desrespei-to às garantias do devido processo legal e às garantias constitu-cionais foi tão grande que nenhum juízo de mérito pode ser feito a partir dessa prova.

f) O entendimento do Supremo Tribunal de Justiça acerca da ma-téria é, de forma pacificada, o seguinte:

A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à garantia constitucional do due process of law, que tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais ex-pressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de di-reito positivo. (STF, 2ª T., Celso de Mello, 11.04.2005)

g) Assim, nos mesmos termos legais da prova ilícita da arma, roga--se para que seja totalmente desconsiderado o reconhecimento pessoal do réu e todas as provas que dele derivem, em face da clara ilegalidade do ato realizado, ao arrepio da Constituição e do Código de Processo Penal.

2. méRito

a) Pelos fundamentos legais e jurisprudenciais já apresentados, sustenta-se que a contaminação do conjunto probatório que fundamenta a peça acusatória, por vícios formais insanáveis, é tão grande que seria uma ofensa às garantias constitucionais dar seguimento a presente persecução penal. Nesse sentido, nos ter-mos do art. 397 do Código de Processo Penal, requer-se a ab-solvição sumária do réu, em relação a todas as imputações que lhe pesam. O fato, Excelência, é que desconsiderando o material probatório ilícito, colhido com crassa arbitrariedade, ao arrepio

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da lei, não restam justa causa, materialidade e autoria, aptas a fundamentar presente ação penal.

b) Não sendo este o entendimento de Vossa Excelência, requer--se a absolvição sumária, nos termos do art. 397 do Código de Processo Penal, em relação ao delito de facilitação de corrupção de menor, art. 244-B da Lei nº 8.069/1990, já que, pelos fatos narrados na denúncia, o comportamento do réu em relação ao menor foi claramente atípico. Ora, Excelência, para que o fato empírico seja considerado típico, faz-se necessário a subsunção lógica a todos os elementos que configuram o tipo penal. No caso em tela, além de o menor não estar presente com o réu no momento do suposto roubo, o que se verifica na declaração do menor junto ao Deca, confirmada em juízo por este, na Vara da Criança e do Adolescente, o ora postulante XXX em nenhum momento sustentou o dolo de facilitar ou corromper o menor. Mesmo diante dos fatos narrados na exordial acusatória, não se vislumbra, de modo algum, dolo por parte do réu suficiente para subsunção de seu comportamento ao tipo penal ora em debate.

c) Em relação à imputação pelo delito tipificado no art. 14, caput, da Lei nº 10.826/2003, tem-se notada incorreção por parte do Douto Promotor de Justiça. O porte de arma já está sendo usa-do para majorar o roubo, nos termos do art. 155, § 2º, inciso I, deste modo, tratar-se-ia de manifesto bis in iden a imputação do delito previsto no estatuto do desarmamento ao réu. Ora, Douta Excelência, o tipo penal do caput do art. 14 do referido estatuto possui diversos núcleos alternativos, ao passo em que o réu não pode ser imputado pelo porte de arma no momento do roubo e pela suposta cessão da arma logo após o roubo. Trata-se de nítida dupla punição pelo porte da arma, não pode ser razoável punir um sujeito por portar uma arma e depois puni-lo, nova-mente, por desfazer-se da mesma arma.

III – DOS PEDIDOS

Por todas as razões de fato e de direito expostas, requer-se:

a) Seja considerada ilegítima a prova da arma do crime, sendo esta desentranhada dos autos e totalmente desconsiderada, assim como as provas que dela derivem.

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b) Seja considerada ilegal a prova do reconhecimento, devendo ser igualmente desconsiderada, para todos efeitos, assim como to-das as provas que dela derivem.

c) Seja o réu absolvido sumariamente de todas as imputações que lhe pesam frente à imprestabilidade do conjunto probatório que sustenta a denúncia.

d) Não sendo este o entendimento, seja o réu absolvido sumaria-mente pelo delito de facilitação de corrupção de menores, por não comprovação da tipicidade de sua conduta. Do mesmo modo, absolvido sumariamente da imputação do art. 14, caput, do Estatuto do Desarmamento, pela manifesta dupla punição que pretende o Ministério Público.

e) Não sendo, ainda, este o entendimento, requer-se a intimação das testemunhas a seguir arroladas e pugna-se pela utilização, durante a instrução, de todas as provas em direito admitidas.

Nestes termos, pede e espera deferimento.

XXX, XXX de XXX de XXX.

Bruno Buonicore Yuri Felix

OAB/XXX XXX OAB/XXX XXX

ROL DE TESTEMUNHAS

XXX

XXX

XXX

XXX

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Clipping Jurídico

Prazo de prescrição cai pela metade nos casos em que o réu tem mais de 70 anos

A 3ª Turma do TRF da 1ª Região declarou extinta pena aplicada a um réu, maior de 70 anos, em razão da prescrição punitiva. A decisão, unânime, seguiu o entendimen-to do voto do Relator, Juiz Federal Convocado Klaus Kuschel. A defesa do acusado recorreu contra sentença da 2ª Vara da Seção Judiciária da Bahia, que o condenou a dois anos e oito meses de reclusão pela prática do crime de apropriação indébita pre-videnciária, previsto no art. 168-A do Código Penal. Sustenta que o réu já era maior de 70 anos quando da prolação da sentença, razão pela qual o prazo de prescrição é reduzido pela metade. “Assim, considerando que a pena aplicada não excedeu a quatro anos, a prescrição seria de oito anos, mas, no caso, é reduzida pela metade e opera-se em quatro anos, prazo já decorrido da data dos fatos, no caso, constitui-ção definitiva do crédito (29.06.2005), até o recebimento da denúncia (25.10.2010), devendo ser extinta a punibilidade”, argumenta. Ao analisar a hipótese dos autos, os membros que compõem a 3ª Turma deram razão à tese apresentada pela defesa. “A prescrição, nas hipóteses de delitos praticados antes da entrada em vigor da Lei nº 12.234/2010, depois de transitar em julgado a sentença condenatória, regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no art. 109 do Código Penal. No caso em questão, constatado que o réu era maior de 70 anos na data da sentença, reduz-se pela metade o prazo de prescrição”, esclareceu o Colegiado. Por essa razão, considerando a data dos fatos, no presente caso, a constituição definitiva do crédi-to, ocorrida em 29.06.2005, e a data do recebimento da denúncia, em 25.10.2010, “impõe-se o reconhecimento da prescrição, com a extinção da punibilidade, con-siderando o transcurso do lapso temporal superior a quatro anos”, diz a decisão. Nº do Processo: 0041208-41.2010.4.01.3300. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 1ª Região)

Projeto autoriza peritos criminais a realizarem análise técnico-científica de assi-naturas

A Câmara analisa proposta que autoriza os peritos criminais a realizarem análise técnico-científica das assinaturas, assinaturas abreviadas ou qualquer manuscrito que represente pessoa física ou jurídica nas ocasiões em que se exigir ou for útil o exa-me pericial. A medida está prevista no Projeto de Lei nº 6.672/2013, do Deputado Valtenir Pereira (Pros-MT). O autor argumenta que a medida pode auxiliar na emissão de laudos periciais criminais quando haja falta de elementos identificadores mínimos nas assinaturas. “Além de atestar a autenticidade das assinaturas, a perícia também pode ser chamada a controlar a eficiência de outros elementos trazidos ao proces-so como meio de prova”, afirma o autor. Atualmente, o Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689/1941) prevê as seguintes situações para o reconhecimento de escritos por comparação de letra: a pessoa a quem se atribua o escrito será intimada para o ato, se for encontrada; para a comparação, poderão servir quaisquer docu-mentos que a dita pessoa reconhecer ou já tiverem sido judicialmente reconhecidos como de seu punho; a autoridade, quando necessário, requisitará, para o exame, os documentos que existirem em arquivos ou estabelecimentos públicos; e, quando não houver escritos para a comparação ou forem insuficientes, a autoridade mandará que

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a pessoa escreva o que lhe for ditado. O projeto tem caráter conclusivo e será anali-sado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. (Conteúdo extraído do site da Câmara dos Deputados Federais)

Comissão aprova presença obrigatória de advogado em depoimento de adolescen-te infrator

A Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei nº 5.876/2013, da Deputada Luiza Erundina (PSB-SP), que torna obri-gatória a presença de um advogado durante o depoimento de adolescente apreendido por ato infracional. Pelo projeto, caso o adolescente não tenha advogado constituído, um defensor público deverá ser nomeado previamente pelo juiz da Infância e da Ju-ventude. O juiz que exercer essa função poderá também acompanhar o adolescente, caso um defensor público não seja nomeado. Atualmente, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei nº 8.069/1990) determina que um representante do Minis-tério Público ouça o adolescente logo após a sua apreensão, sem a necessidade da presença de um advogado. Luiza Erundina disse, entretanto, que o procedimento de apuração de ato infracional atribuído a adolescente é de extrema relevância. “A partir da oitiva do adolescente, o representante do Ministério Público, como titular da ação, irá decidir se oferecerá ou não representação contra aquele adolescente”, afirmou. • Ampla defesa: O Relator do projeto, Deputado Amauri Teixeira (PT-BA), explicou que a Constituição garante o direito ao contraditório e à ampla defesa em todas as partes do processo. “De maneira geral, na fase pré-processual, não há necessidade de contraditório, pois há existência de mero procedimento de caráter informativo, e não processual. Entretanto, considero que, para a prática de certos atos, mesmo antes do início da relação processual, deve ser assegurado o respeito ao contraditório e à ampla defesa”, disse Amauri. • Tramitação: O projeto, que tramita em caráter conclu-sivo, segue agora para análise da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. (Conteúdo extraído do site da Câmara dos Deputados Federais)

Mantida condenação de réu preso por posse de centenas de livros raros

A 3ª Turma do TRF da 1ª Região manteve em um ano e oito meses de reclusão e 10 dias-multa a pena imposta a um réu preso pela Polícia Militar logo após ter subtraído três livros raros, de alto valor histórico e cultural, pertencentes à Biblioteca do Museu de História Natural da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Consta dos autos que o acusado, além dos três livros subtraídos da UFMG, detinha em sua resi-dência 11 livros sem identificação de procedência e mais 108 obras subtraídas das seguintes instituições: Biblioteca da UFMG, Biblioteca Pública Municipal/BH/MG, Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa, Faculdade de Ciências Médicas, Colégio Arnaldo e Instituto Santo Inácio. O Ministério Público Federal (MPF), então, entrou com ação na Justiça Federal contra o agente requerendo sua condenação pela prática dos crimes de furto (art. 155 do Código Penal), por deterioração do patrimônio cul-tural (art. 62, II, da Lei nº 9.605/1998) e por falsidade ideológica (art. 307 do Código Penal). O caso foi analisado pela 4ª Vara da Seção Judiciária de Minas Gerais, que condenou o réu à pena de um ano e oito meses de reclusão e 10 dias-multa pelo

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crime de furto, absolvendo-o dos demais. Inconformados, MPF e réu apelaram ao TRF da 1ª Região. O Ministério Público requer a revisão da sentença para que o réu também seja condenado pela prática do delito de deterioração de bem integrante do patrimônio cultural, com a aplicação da circunstância agravante prevista no art. 61, II, b, do Código Penal (ter o agente cometido o crime para facilitar ou assegurar a exe-cução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime). O réu, por sua vez, sustenta que não houve crime, uma vez que, para se configurar o delito, seria neces-sário, além do dolo – vontade do agente de subtrair coisa alheia móvel –, ser exigida a posse do bem, para si ou para outrem, de forma definitiva. Assim, requer a alteração da classificação do crime para furto de uso. Alega também que todos os bens mate-riais, como os livros, possuem valores quantitativos, “sendo infundada a atribuição de valor inestimável, fazendo-se necessária a aplicação do princípio da insignificância”. Com relação ao pedido feito pelo MPF, a Relatora, Desembargadora Federal Mônica Sifuentes, entendeu que decorreram mais de oito anos entre o recebimento da denún-cia e o presente momento, razão pela qual houve prescrição da pretensão punitiva. Sobre os argumentos apresentados pelo réu, o Colegiado esclareceu que, no caso em questão, “descabe falar em furto de uso em virtude da grande quantidade de livros apreendidos em poder do acusado e da comprovação de diversos danos nos volumes com o intuito de impedir ou dificultar a identificação da origem das obras”. A Turma também descartou a aplicação do princípio da insignificância, conforme requereu o acusado. “O princípio da insignificância não incide quando é furtada uma grande quantidade de livros antigos, raros e de inestimável valor histórico-cultural”, diz o acórdão. Nº do Processo: 6465-67.2004.4.01.3800. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 1ª Região)

Negado habeas corpus a manifestante detido em protesto contra a Copa

A Desembargadora Convocada Marilza Maynard, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), indeferiu liminarmente pedido de habeas corpus impetrado em favor de Rafael Marques Lusvarghi, preso em flagrante no dia 23 de junho, na Avenida Paulista, em São Paulo, durante manifestação contra a Copa do Mundo. Suspeito de participar de depredações, Rafael foi acusado com base nos arts. 286, 288, 329 e 330 do Código Penal, tendo a prisão em flagrante sido convertida em preventiva. A defesa impetrou habeas corpus no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), cujo pedido de liminar foi negado. No STJ, alegou que a conversão do flagrante foi feita fora do prazo legal, que não houve fundamentação adequada no decreto de prisão e que a medida foi des-proporcional. Pediu ainda que os efeitos da decisão também beneficiassem o corréu Fábio Hideki Harano. Marilza Maynard não acolheu os argumentos. Segundo ela, como a decisão do desembargador relator no TJSP está suficientemente motivada, não há como afastar a aplicação da Súmula nº 691 do Supremo Tribunal Federal (STF), que impede o conhecimento de habeas corpus impetrado contra decisão denegatória de liminar. De acordo com a magistrada, sem ter havido o julgamento de mérito do habeas corpus no tribunal estadual, a apreciação do pedido pelo STJ implicaria in-devida supressão de instância. “A decisão da Corte Estadual que indeferiu a liminar não ostenta flagrante ilegalidade apta a justificar o controle antecipado do STJ, tendo

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o desembargador relator entendido que, diante das peculiaridades do caso concreto, mostrava-se necessário um exame mais detalhado dos autos, circunstância que invia-bilizava a concessão da tutela de urgência”, concluiu a relatora. Esta notícia se refere ao HC 297771. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Fechamento da Edição: 05�08�2014

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Índice Alfabético e Remissivo

Índice por Assunto Especial

DOUTRINA

Assunto

EntEndimEnto Sumular

• Os Novos Enunciados da Súmula do Superior Tribunal de Justiça (Rômulo de Andrade Moreira) .............................................................................9

• Súmula nº 511 do STJ: Primeiros Comentáriose Uma Crítica (Eduardo Luiz Santos Cabette) ......15

Autor

Eduardo luiz SantoS cabEttE

• Súmula nº 511 do STJ: Primeiros Comentários e Uma Crítica .......................................................15

rômulo dE andradE morEira

• Os Novos Enunciados da Súmula do Superior Tribunal de Justiça ................................................9

ACONTECE

EntEndimEnto Sumular

• STJ Aprova Três Novas Súmulas para Processos Criminais ............................................................19

RESENHA LEGISLATIVA

EntEndimEnto Sumular

• Súmulas nºs 511, 512 e 513 do STJ ................... 21

Índice Geral

DOUTRINA

Assunto

crimES hEdiondoS

• A Duração Razoável do Processo nos Crimes He-diondos (Yuri Felix) .............................................83

EutanáSia

• Aspectos Jurídico-Penais da Eutanásia e da Or-totanásia no Ordenamento Jurídico Penal Bra-sileiro: o Consentimento Válido do Paciente na Resolução nº 1.805/2006 do Conselho Federalde Medicina (Marcelo Carcante) .........................46

FinalidadE do dirEito pEnal

• Acerca da Possibilidade de Utilização do Critério de Eficiência no Direito Penal (Hugo Leonardo Rodrigues Santos) ...............................................22

priSão cautElar

• Estrutura e Função da Prisão Cautelar no Direito Brasileiro (Róbson de Vargas) .............................62

Autor

hugo lEonardo rodriguES SantoS

• Acerca da Possibilidade de Utilização do Crité-rio de Eficiência no Direito Penal .......................22

marcElo carcantE

• Aspectos Jurídico-Penais da Eutanásia e da Ortotanásia no Ordenamento Jurídico Penal Brasileiro: o Consentimento Válido do Pacien-te na Resolução nº 1.805/2006 do ConselhoFederal de Medicina ...........................................46

róbSon dE vargaS

• Estrutura e Função da Prisão Cautelar no DireitoBrasileiro ............................................................62

Yuri FElix

• A Duração Razoável do Processo nos CrimesHediondos ..........................................................83

EM POUCAS PALAVRAS

Assunto

Juízo criminal

• O Responsável Civil no Âmbito Criminal (KleberLeyser de Aquino) .............................................206

Autor

KlEbEr lEYSEr dE aquino

• O Responsável Civil no Âmbito Criminal......... 206

ESTUDOS JURÍDICOS

Assunto

compEtência

• Da Competência pelo Lugar da Infração – Cri-mes Plurilocais e Crimes a Distância (GeraldoBatista de Siqueira) ...........................................210

Autor

gEraldo batiSta dE SiquEira

• Da Competência pelo Lugar da Infração – Crimes Plurilocais e Crimes a Distância ........................210

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PRÁTICA PROCESSUAL

Assunto

rESpoSta à acuSação

• Resposta à Acusação (Yuri Felix e Bruno Buoni-core) .................................................................229

Autor

Yuri FElix E bruno buonicorE

• Resposta à Acusação ....................................... 229

ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

apropriação indébita prEvidEnciária

• Direito penal e processual penal – Delito pre-visto no art. 168-A do Código Penal – Decisão de recebimento da denúncia – Débito incluído no Refis – Suspensão do processo penal e do curso da prescrição – Extinção da punibilidade – Exigência de pagamento integral do débito – Inexistência de ilegalidade – Ordem denegada(TRF 3ª R.) ............................................. 6987, 147

EStElionato

• Penal – Estelionato contra o Instituto Nacional do Seguro Social (art. 171, § 3º, do Código Pe-nal) – Saque de amparo social à pessoa portado-ra de deficiência após óbito do titular – Autoria e materialidade demonstradas – Estado de ne-cessidade não delineado – Condenação que seimpõe (TRF 5ª R.) ................................... 6989, 167

ExEcução pEnal

• Direito penal e processual penal – Execução penal – Descumprimento injustificado das de-terminações do juízo – Conversão das penas – Art. 44, § 4º do Código Penal e art. 181 da Lei de Execuções Penais (TRF 2ª R.) ................. 6986, 142

Furto qualiFicado

• Penal – Processo penal – Apelação – Furto qua-lificado – Caixa Econômica Federal – Absolvi-ção – Imagens de circuito de segurança – Mate-rialidade e autoria caracterizadas – Condenação – Ruptura de obstáculo – Qualificadora – Laudopericial – Comprovação (TRF 1ª R.) ....... 6985, 131

Habeas corpus

• Processual penal – Recurso ordinário em habeas corpus – Art. 273, § 1º-B, incisos I, III e V, do CP – Expedição de carta precatória – Intimação da defesa realizada – Audiência no juízo depre-cado – Desnecessidade de intimação – Súmula nº 273/STJ – Pecha no trâmite processual – Inexis-tência – Prejuízo – Não demonstrado – Princípio do pas de nullité sans grief – Violação da boa-

-fé objetiva – Proibição do venire contra factum proprium – Recurso desprovido (STJ) ..... 6984, 117

inquirição dE tEStEmunhaS

• Recurso especial – Processo penal – Inquirição de testemunhas – Inversão – Nulidade relativa – Superveniência da Lei nº 11.719/2008 – Nova ci-tação – Descabimento – Interrogatório por carta precatória – Indeferimento – Concentração dos atos processuais – Arrependimento posterior – Reparação integral do dano (STJ) ........... 6983, 102

SurSiS

• Processo penal – Sursis processual – Descumpri-mento do acordo – Beneficiário processado no curso do período de prova – Revogação da sus-pensão condicional do processo – Processamen-to do feito – Condenação do réu – Dosimetria da pena – Prescrição – Pena em concreto – Extin-ção da punibilidade (TRF 4ª R.) ............. 6988, 154

violência doméStica

• Recurso ordinário em habeas corpus – Violên-cia doméstica – Prisão preventiva – Art. 312, CPP – Periculum libertatis – Indicação necessá-ria – Fundamentação suficiente – Recurso nãoprovido (STJ) ............................................ 6982, 94

EMENTÁRIO

Assunto

calúnia E diFamação

• Calúnia e difamação – ofensas a advogado – ino-corrência ............................................... 6990, 173

contrabando

• Contrabando – cigarros – uso de selo falsificado – obscuridade – inexistência .................. 6991, 173

corrupção dE mEnorES

• Corrupção de menores – crime formal – prova efetiva – independência ....................... 6992, 173

• Corrupção de menores – infração penal – indu-zimento à prática – provas suficientes – depoi-mento – relevância ................................ 6993, 174

crimE ambiEntal

• Crime ambiental – denúncia contra empresa – rejeição – possibilidade ......................... 6994, 175

crimE contra a libErdadE SExual

• Crime contra a liberdade sexual – menor de 14 – presunção de violência – regime de pena – correção – possibilidade ........................ 6995, 176

• Crime contra a liberdade sexual – vítima menor – enteada do acusado – depoimentos da vítima– contrariedade – condenação mantida ... 6996, 176

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242 �����������������������������������������������������������������������������������������������������RDP Nº 87 – Ago-Set/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

crimE contra a SaúdE pública

• Crime contra a saúde pública – tráfico ilícito de drogas – autoria e materialidade – com-provação ............................................... 6997, 176

crimE contra o SiStEma dE tElEcomunicaçõES

• Crime contra o sistema de telecomunicações – atividade clandestina – princípio da insignifi-cância – inaplicabilidade ....................... 6998, 177

crimE dE apropriação indébita

• Crime de apropriação indébita – Justiça Militar – absolvição – princípio da insignificância –inaplicabilidade ..................................... 6999, 177

crimE dE concuSSão

• Crime de concussão – agentes da Polícia Fede-ral – embargos de declaração – apontamentos de vício – inexistência ........................... 7000, 178

crimE dE contrabando

• Crime de contrabando – importação clandes-tina de veículo – prescrição retroativa – reco-nhecimento ........................................... 7001, 179

crimE dE dEScaminho

• Crime de descaminho – princípio da insignifi-cância – inaplicabilidade ....................... 7002, 179

crimE dE EStElionato

• Crime de estelionato – contra a Previdência Social – recebimento – INSS – comprovação –pena – substituição – possibilidade ........ 7003, 180

crimE dE EStupro

• Crime de estupro – favorecimento da prostitui-ção – alvará de soltura – expedição ....... 7004, 181

crimE dE FalSiFicação dE documEnto

• Crime de falsificação de documento – falsifi-cação grosseira – crime impossível – possibili-dade ...................................................... 7005, 182

crimE dE lavagEm dE dinhEiro

• Crime de lavagem de dinheiro – quadrilha – de-núncia – trancamento ............................ 7006, 183

• Crime de lavagem de dinheiro – rejeição – pena – majoração – impossibilidade .............. 7007, 183

crimE dE lESão corporal culpoSa

• Crime de lesão corporal culposa – direção de veículo automotor – omissão de socorro – des-classificação .......................................... 7008, 184

crimE dE lESão corporal E dESacato

• Crime de lesão corporal e desacato – pratica-do por civil – contra militar – Justiça Militar – competência .......................................... 7009, 184

crimE dE roubo

• Crime de roubo – intimação por edital – sen-tença transitada em julgado – constrangimento ilegal – caracterização ........................... 7010, 185

crimE dE trânSito

• Crime de trânsito – suspensão da habilitação –pena – exclusão – impossibilidade ......... 7011, 185

crimE dE violação dE dirEitoS autoraiS

• Crime de violação de direitos autorais – vendade CDs e DVDs “piratas” – absolvição .. 7012, 185

crimE licitatório

• Crime licitatório – mediante fraude – dispensa de licitação embasada em processo fantasma– efeitos ................................................. 7013, 186

crimE praticado por prEFEito

• Crime praticado por prefeito – prescrição da pretensão punitiva – prova concreta do desvio – ausência ............................................ 7014, 190

EStatuto da criança E do adolEScEntE

• Estatuto da Criança e do Adolescente – ato in-fracional equiparado ao crime de estupro – me-dida socioeducativa – aplicação ............ 7015, 192

• Estatuto da Criança e do Adolescente – cor-rupção de menores – prática de infração penal – indução .............................................. 7016, 192

• Estatuto da Criança e do Adolescente – explo-ração sexual – cliente ocasional – descaracteri-zação ..................................................... 7017, 192

EStatuto do dESarmamEnto

• Estatuto do Desarmamento – disparo de arma de fogo – local habitado – absolvição – impos-sibilidade – reincidência ........................ 7018, 193

EStupro dE vulnErávEl

• Estupro de vulnerável – contravenção penal – desclassificação – possibilidade ............. 7019, 193

ExEcução pEnal

• Execução penal – livramento condicional – benefício – suspensão ............................ 7020, 194

Furto

• Furto – ECA – ato infracional – motivo torpe –medida socioeducativa – aplicação ....... 7021, 194

FraudE à licitação

• Fraude à licitação – falsidade ideológica – prisão preventiva – medidas cautelares – conversão .............................................................. 7022, 194

Furto qualiFicado

• Furto qualificado – insignificância penal – ale-gação – impossibilidade ........................ 7023, 195

Page 243: ISSN 2179-1627 Revista SÍNTESE

RDP Nº 87 – Ago-Set/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ���������������������������������������������������������������������������������������������������������243

Habeas corpus

• Habeas corpus – casas de jogos ilegais – falta de fundamentação da decisão autorizadora de interceptações telefônicas – inocorrência .............................................................. 7024, 195

• Habeas corpus – Estatuto do torcedor – cambista – tipicidade da conduta – ausência de ingres-sos na bilheteria – irrelevância – crime con-figurado ................................................. 7025, 196

• Habeas corpus – exercício da função pública – suspensão – órgão público – dependências – proibição de acesso – liberdade de ir e vir –ofensa – ausência .................................. 7026, 197

• Habeas corpus – investigação – Polícia Mi-litar – ausência de ilegalidade – não conheci-mento .................................................... 7027, 197

homicídio duplamEntE qualiFicado

• Homicídio duplamente qualificado – réu solto durante instrução – constrangimento ilegal – configuração ......................................... 7028, 197

homicídio qualiFicado

• Homicídio qualificado – constrangimento ilegal – prisão – decretação ............................. 7029, 198

livramEnto condicional

• Livramento condicional – prática de novo cri-me durante o período de prova – extinção dapunibilidade – ocorrência ...................... 7030, 198

pEna

• Pena – constrangimento ilegal – posse – uso próprio – causa especial de diminuição de pena – impossibilidade ................................... 7031, 198

• Pena – dosimetria – fixação do regime semiaber-to – circunstâncias desfavoráveis ........... 7032, 199

• Pena – roubo – dosimetria – ilegalidade ..7033, 200

princípio da inSigniFicância

• Princípio da insignificância – contrabando de cigarros – aplicação ............................... 7034, 200

rEviSão criminal

• Revisão criminal – fraude à licitação – agente –ação dolosa – ausência – possibilidade.. 7035, 200

roubo

• Roubo – prisão preventiva – garantia da ordem pública – possibilidade .......................... 7036, 201

SEntEnça

• Sentença – trânsito em julgado – inexistência – antecedentes criminais – ausência – vigilan-te – curso de reciclagem – matrícula – recusa – ilegitimidade ....................................... 7037, 202

tráFico dE drogaS

• Tráfico de drogas – causa de aumento de pena – fixação de regime fechado – viabilidade .............................................................. 7038, 202

• Tráfico de drogas – confissão espontânea – afas-tamento – impossibilidade ..................... 7039, 202

• Tráfico de drogas – dosimetria da pena – cau-sa de diminuição – bis in idem – ocorrência .............................................................. 7040, 203

tráFico dE EntorpEcEntE

• Tráfico de entorpecente – flagrante – pena – re-dimensionamento .................................. 7041, 203

• Tráfico de entorpecente – pena – redução –grande quantidade – impossibilidade..... 7042, 203

tráFico ilícito dE EntorpEcEntE

• Tráfico ilícito de entorpecente – transporte pú-blico – aumento de pena – incidência ... 7043, 204

violência contra a mulhEr

• Violência contra a mulher – crime de cárcere privado – condenação – possibilidade ... 7044, 204

• Violência contra a mulher – medida proteti-va – ausência de elementos – improcedência .............................................................. 7045, 205

violência doméStica contra a mulhEr

• Violência doméstica contra a mulher – medidaprotetiva – descumprimento .................. 7046, 205

CLIPPING JURÍDICO

• Prazo de prescrição cai pela metade nos casos em que o réu tem mais de 70 anos ...................236

• Projeto autoriza peritos criminais a realizaremanálise técnico-científica de assinaturas ............236

• Comissão aprova presença obrigatória de advo-gado em depoimento de adolescente infrator ...237

• Mantida condenação de réu preso por posse de centenas de livros raros ....................................237

• Negado habeas corpus a manifestante detido em protesto contra a Copa ................................238