OS SENTIDOS DE INCLUSÃO/EXCLUSÃO NA EDUCAÇÃO...

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ISSN 2176-1396 OS SENTIDOS DE INCLUSÃO/EXCLUSÃO NA EDUCAÇÃO BÁSICA E NO ENSINO SUPERIOR LaisDonida 1 - UFSC Sandra Pottmeier 2 - UFSC Grupo de Trabalho Diversidade e Inclusão Agência Financiadora: Projeto OBEDUC/CAPES Resumo O presente artigo busca compreender os discursos que circulam na escola e na universidade acerca da inclusão/exclusão de sujeitos com e sem deficiência. Esta pesquisa de cunho qualitativo observa que há dizeres que circulam socialmente na instituição escolar e estes discursos podem levar os sujeitos a pensarem desta forma e não de outra sobre os sentidos de inclusão/exclusão no espaço escolar e universitário. Isto, porque o ensino aqui se torna umaforma de política cultural e uma possibilidade de inclusão a partir do desenvolvimento de uma linguagem em que se possa compreender a relação entre ensino escolar/universitário, as relações sociais e os saberes historicamente construídos que esses sujeitos trazem para a escola/universidade, como se relacionam com os professores, com seus colegas (amizades). A metodologia apresenta como corpus, quatro sujeitos que frequentam o 4º ano do ensino fundamental de duas escolas da rede estadual de ensino, bem como um sujeito surdocego que se insere na educação superior do Estado de Santa Catarina. Os instrumentos de coleta de dados pautam-se em entrevista individual e desenhos, ambos pilotos. O aporte teórico- metodológico da pesquisa se inscreve na Análise do Discurso e é cotejado com pesquisas sobre inclusão, acessibilidade e permanência na Educação Básica e Superior. Os resultados apontam para inclusão como aquela que acolhe a todos os alunos, pois entende que eles têm a possibilidade de aprender a partir de suas capacidades, seja qual for o nível ou etapa de ensino e, assim devem ser respeitadas suas singularidades, suas diferenças nesses espaços de aprendizagem, de trocas de conhecimento - Lei 13.146 (BRASIL, 2015). Logo, a escola e a universidade precisam mediar os conflitos. Essas formas de violência são muitas vezes silenciosas e outras vezes silenciadas e podem ocorrer tanto no ambiente escolar/universitário quanto em família, o que acaba por excluir o sujeito ao invés de incluí-lo socialmente. Palavras-chave: Inclusão. Educação. Diversidade. 1 Acadêmica do curso de Fonoaudiologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Integra o grupo de pesquisa Projeto OBEDUC/CAPES Universidade Federal Santa Catarina (UFSC). E-mail: [email protected] 2Graduada em Letras e mestre em Educação pela Universidade Regional de Blumenau (FURB). Integra o grupo de pesquisa Projeto OBEDUC, financiado pela CAPES Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Atua como professora na rede estadual de ensino no município de Blumenau/SC. E-mail: [email protected]

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ISSN 2176-1396

OS SENTIDOS DE INCLUSÃO/EXCLUSÃO NA EDUCAÇÃO BÁSICA E

NO ENSINO SUPERIOR

LaisDonida1 - UFSC

Sandra Pottmeier2 - UFSC

Grupo de Trabalho – Diversidade e Inclusão

Agência Financiadora: Projeto OBEDUC/CAPES

Resumo

O presente artigo busca compreender os discursos que circulam na escola e na universidade

acerca da inclusão/exclusão de sujeitos com e sem deficiência. Esta pesquisa de cunho

qualitativo observa que há dizeres que circulam socialmente na instituição escolar e estes

discursos podem levar os sujeitos a pensarem desta forma e não de outra sobre os sentidos de

inclusão/exclusão no espaço escolar e universitário. Isto, porque o ensino aqui se torna

umaforma de política cultural e uma possibilidade de inclusão a partir do desenvolvimento de

uma linguagem em que se possa compreender a relação entre ensino escolar/universitário, as

relações sociais e os saberes historicamente construídos que esses sujeitos trazem para a

escola/universidade, como se relacionam com os professores, com seus colegas (amizades). A

metodologia apresenta como corpus, quatro sujeitos que frequentam o 4º ano do ensino

fundamental de duas escolas da rede estadual de ensino, bem como um sujeito surdocego que

se insere na educação superior do Estado de Santa Catarina. Os instrumentos de coleta de

dados pautam-se em entrevista individual e desenhos, ambos pilotos. O aporte teórico-

metodológico da pesquisa se inscreve na Análise do Discurso e é cotejado com pesquisas

sobre inclusão, acessibilidade e permanência na Educação Básica e Superior. Os resultados

apontam para inclusão como aquela que acolhe a todos os alunos, pois entende que eles têm a

possibilidade de aprender a partir de suas capacidades, seja qual for o nível ou etapa de ensino

e, assim devem ser respeitadas suas singularidades, suas diferenças nesses espaços de

aprendizagem, de trocas de conhecimento - Lei 13.146 (BRASIL, 2015). Logo, a escola e a

universidade precisam mediar os conflitos. Essas formas de violência são muitas vezes

silenciosas e outras vezes silenciadas e podem ocorrer tanto no ambiente escolar/universitário

quanto em família, o que acaba por excluir o sujeito ao invés de incluí-lo socialmente.

Palavras-chave: Inclusão. Educação. Diversidade.

1Acadêmica do curso de Fonoaudiologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Integra o grupo de

pesquisa Projeto OBEDUC/CAPES – Universidade Federal Santa Catarina (UFSC). E-mail:

[email protected]

2Graduada em Letras e mestre em Educação pela Universidade Regional de Blumenau (FURB). Integra o grupo

de pesquisa Projeto OBEDUC, financiado pela CAPES – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Atua

como professora na rede estadual de ensino no município de Blumenau/SC. E-mail: [email protected]

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Introdução

A diversidade é inerente à constituição dos sujeitos, contudo os pressupostos da

modernidade, com os quais as representações existentes na sociedade a escola ainda

opera,adota a ideia de um sujeito padronizado, estereotipado. Assim as posturas,

reações e ações de crianças, adolescentes e jovens causam perplexidade, geram

conflitos, os quais, quando não compreendidos, poderão ser agravados na aplicação

de medidas que pretendem superá-los (EYNG, 2009, p. 2).

Iniciamos o presente texto, discorrendo sobre a diversidade que existe na sociedade e,

principalmente na escola e na universidade a partir do que enuncia Eyng (2009). A escola e a

universidade são instituições que promovem o ensino, a aprendizagem e também são

responsáveis por incentivar o respeito à diversidade visando assim, a inclusão de todos os

sujeitos que se inserem nesses espaços. Isto porque são nessas instituições que as vemos e as

compreendemos como lugares de saber e este é legitimado pedagogicamente (ORLANDI,

2006).

Para além disso, é preciso observar a partir das Políticas de Inclusão uma lista de

critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou

com mobilidade reduzida, ou todas aquelas que se sentirem excluídas do processo de ensino e

aprendizagem. A Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988), a Lei de

Diretrizes e Bases da Educação - Lei nº 9.394 (BRASIL, 1996), a Lei no

10.098 (BRASIL,

2000); a Lei nº 13.146 (BRASIL, 2015) asseguram os direitos as pessoas com deficiência e a

todas aquelas que sentirem-se excluídas ao acesso à educação gratuita e de qualidade.

Ou seja, escola/universidade para todos, conforme prevê a Política Nacional de

Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), ressalta que todos

os alunos têm a possibilidade de aprender, a partir de suas capacidades, seja qual for o nível

ou etapa de ensino, desde a educação infantil até o ensino superior. Entretanto, quando não

são levadas em consideração as questões sociais, culturais e econômicas em muitos casos, as

dificuldades apresentadas no ambiente escolar passam a ser vistas e entendidas como

excludentes, pois se tem por entendimento medicalizar através de diagnósticos (Dislexia,

TDAH, dentre outros); ou ainda, as dificuldades dos alunos são todas relacionadas

diretamente às deficiências orgânicas.

Logo, tanto a escola quanto a universidade não cumprem seu papel quando não

possibilitam a socialização do saber e produzem patologias para serem tratadas nos serviços

de saúde. Isso decorre devido ao impedimento do acesso das crianças/jovens pobres aos bens

culturais e é consequência de um processo de ocultação da produção e reprodução das

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desigualdades sociais. Assim, enfrentar essa nova barreira educacional na escola e na

universidade é um objetivo em longo prazo, mas que incide em uma (des)construção no

contexto educacional brasileiro para a nova geração que continua a heterogeneizar o ensino

(DONIDA; POTTMEIER; SANTANA; SOUZA, 2014).

Com base nisso, nos dedicamos aqui a compreender os discursos que circulam na

escola e na universidade acerca da inclusão/exclusão de sujeitos com e sem deficiência. O

aporte teórico-metodológico da pesquisa se inscreve na Análise do Discurso e é cotejado com

pesquisas sobre inclusão, acessibilidade e permanência na Educação Básica num viés

sociológico: Bourdieu (1998), quanto aos bens culturais, e Foucault (1998), no que se refere

ao poder sobre o corpo, aquele que é moldado, fabricado.

O texto está organizado em três seções: o desenvolvimento, que apresenta o

referencial teórico que marca o que é educação inclusiva; a metodologia da pesquisa, com a

abordagem, recorte, análise e discussão dos dados e; por fim, seguem considerações e

referências.

Referencial Teórico

Ao tecermos o presente texto, compreendemos que o sujeito é na Análise do Discurso,

e conforme aponta a Proposta Curricular de Santa Catarina (SANTA CATARINA, 2014), um

ser social, histórico, ideológico. Os sujeitos são constituídos pela linguagem que se dá

socialmente, no contato com o outro, para além do contato face a face. Os sujeitos são

interpelados também pela ideologia que determina os seus enunciados (o que pode e o que

deve ser dito) por meio da história. Isto também ocorre por estarem ideologicamente em

contato com outras instituições (família, trabalho, religião) além da instituição escolar,

constituídos assim, por uma heterogeneidade (ORLANDI, 2006).

Na história, o foco das dificuldades estava voltado para sujeito. As práticas

pedagógicas e os sistemas de ensino no século XIX, eram responsáveis pelo fracasso escolar.

Já no século XX se passa a ter uma visão psicologizante das dificuldades, ou seja, é aquela

que atribui a culpa do rendimento ao aprendiz, portanto, no aluno (BOURDIEU, 1998).

Assim, as causas desse fracasso escolar ora passam a estar voltadas para o aluno, em seu

capital cultural ‘deficiente’ ou ‘diferente’ e, outras vezes, a culpa passa a ser da família e

outrora a instituição e os profissionais são os responsáveis pela evasão e pelo contingente de

alunos que não conseguem atingir os objetivos propostos em relação aos alunos com maior

“capital cultural” (PATTO, 2010).

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Para Foucault (1998), a disciplina deixa de ser uma arte e passa ser força para obter

um aparelho eficiente. O treinamento dos alunos deve ser feito com poucas palavras,

nenhuma explicação, “somente sinais sendo utilizados – palmas, gestos, simples olhares do

mestre, ou ainda um aparelho de madeira que os Irmãos das Escolas Cristãs usavam. O aluno

deverá aprender o código dos sinais” (FOUCAULT, 1998, p. 140). A ideia central foi a de ter

um exército perfeito, uma massa disciplinada e uma tropa dócil e útil. Logo, a escola se

apresenta como um mecanismo de controle e reprodução social. Ou seja, aquela que produz a

exclusão de acordo com a posição do sujeito na estrutura social.

Ainda hoje (2015), notamos que escola faz com que o próprio aluno se culpe pelo

fracasso escolar, atribuindo o fracasso a deficiências pessoais. Isto acaba por perpetuar a

diferença entre classes no que diz respeito ao acesso às oportunidades, que deveria ser

igualitário, principalmente em se tratando do âmbito educacional. Onde se via igualdade de

oportunidades, meritocracia, justiça social, Bourdieu (1998) passa a ver reprodução e

legitimação das desigualdades sociais.

Compreendemos que o objetivo das escolas em pleno século XXI e das Políticas de

Inclusão vigentes e já citadas no presente trabalho, é formar sujeitos para o exercício da

cidadania na sociedade. A escola precisa assumir a valorização de sua cultura e, ao mesmo

tempo, buscar ultrapassar seus limites, rompendo barreiras e possibilitar aos alunos

pertencentes aos diferentes grupos sociais, culturais, étnicos entre outros o acesso ao saber, ao

conhecimento. Ressaltamos que a prática escolar é diferente de outras práticas educativas,

com as quais acontecem na família, no meio social, pois ela (prática escolar) constitui-se de

forma sistemática, planejada e contínua e, acima de tudo libertadora (FREIRE, 2011).

Segundo o Guia Prático para Professores: “Diálogos e Mediação de Conflitos na

Escola”, disponibilizado pelo Conselho Nacional do Ministério Público (BRASIL, 2014, p.

16), a escola é:

palco de uma diversidade de conflitos, sobretudo os de relacionamento, pois nela

convivem pessoas de variadas idades, origens, sexos, etnias e condições

socioeconômicas e culturais. Todos na escola devem estar preparados para o

enfrentamento da heterogeneidade, das diferenças e das tensões próprias da

convivência escolar, que muitas vezes podem gerar dissenso, desarmonia e até

desordem.

Assim, entendemos que o aluno já nas séries iniciais do ensino fundamental precisa ser

levado a aprender a ler, a escrever a compreender o que está lendo, escrevendo para saber

interpretar não apenas um texto, mas compreendê-lo e articulá-lo a sua vida diária. Ou seja,

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como ele faz uso da leitura e da escrita na escola e fora deste espaço? Isto implica na

sobrevivência (inclusão) do sujeito na sociedade em que vive, a saber: pegar um ônibus,

escrever uma carta/e-mail, ler a bula de um remédio, dar e receber informações, até o

manuseio do celular entre outros. Mas também, para além das questões de leitura e escrita, é

necessário que haja inclusão escolar do aluno portador de alguma necessidade educacional

especial, nesse contexto escolar, indaga-se: Como é a sua inclusão e o seu acolhimento pelos

colegas?

Consideramos que o ensino, seja ele em nível de educação básica ou superior,

apresenta-se como ação cultural e social, o que permite pensar em um ponto importante no

combate à exclusão na escola e na universidade. Do mesmo modo que é preciso que se leve

em conta o desenvolvimento de uma linguagem que permita compreender a relação entre

ensino escolar/universitário, as relações sociais e o conhecimento historicamente construído

que as crianças/jovens trazem para a escola/universidade, e de que maneira esses se

relacionam com os professores e os demais sujeitos que se inserem naqueles espaços - escola

e universidade (GIROUX, 1997; FREIRE, 2011).

Metodologia

A metodologia em que esta pesquisa se insere é de cunho qualitativo exploratório, pois

instiga os sujeitos pesquisados a pensarem livremente sobre o tema, objeto ou conceito.

Permite ainda, que os pesquisadores tenham familiaridade com o problema a ser investigado,

com vista a torná-lo mais explícito ou construir hipóteses (GIL, 2008).

O corpus desta investigação envolve quatro sujeitos (com 9 anos de idade) que

frequentam o 4º ano do ensino fundamental de duas escolas da rede estadual de ensino, uma

localizada em Florianópolis/SC e, a outra, localizada em Blumenau/SC, bem como um sujeito

(com 50 anos de idade) que frequenta um curso do Programa de Pós-Graduação de uma

universidade pública de Santa Catarina.

A escolha desses sujeitos se justifica por atuarmos na educação básica como docente, e

educação superior como pesquisadoras. Temos observado que no ambiente

escolar/universitário com a vinda de muitos alunos com deficiências ou de classe mais pobre

tem gerado estranhamentos, uma vez que o dito normal pode não estar/ser adequado para o

novo perfil de aluno que se insere nessas instituições. Logo, como vem ocorrendo essa

inclusão/exclusão nesses espaços?

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Na busca por algumas respostas para nossas questões, no ano de 2015, realizamos uma

entrevista individual com um aluno da escola pública com fissura labiopalatina transforame

total à esquerda (Florianópolis/SC) e com um sujeito (surdocego) da universidade e, desenhos

de três sujeitos (Blumenau/SC). A entrevista qualitativa,

fornece os dados básicos para o desenvolvimento e a compreensão das relações entre

os atores sociais e sua situação. O objetivo é uma compreensão detalhada das

crenças, atitudes, valores e motivações, em relação aos comportamentos das pessoas

em contextos sociais específicos (GALKELL, 2003, p. 65).

Assim, ao buscarmos compreender na voz destes alunos o que é inclusão/exclusão na

escola e na universidade, inscrevemo-nos na Análise do Discurso de linha francesa que

considera o sujeito como um ser social e constitutivamente heterogêneo, uma vez que este

ingressa em outros discursos de outras instituições (outras ideologias). Pêcheux (1988)

conceitua os dizeres (formações discursivas) como variáveis do processo sócio-histórico em

que as palavras circulam, mudando de sentido, conforme a posição de quem, o que e como diz

(o dito e o silenciado).

Resultados e Discussões

Nesta seção de análise e discussão dos dados, depreendemos que as reflexões de

Foucault (1998) e de Bourdieu (1998) nos parecem muito pertinentes, contudo estes autores

analisam o contexto escolar francês. Muito embora existam semelhanças com a realidade

brasileira, há fatores que são pontuais em nosso contexto escolar/universitário.

A partir da leitura da obra “Vigiar e Punir” de Michael Foucault (1998), podemos

considerar uma sociedade constituída por instituições que buscam formar um único corpo.

Este corpo social pode ser representado por poderes hierárquicos e que juntamente se utilizam

de métodos parecidos para o exercício do mesmo. Constatamos que a escola, o exército, os

hospitais, as fábricas, apesar de terem uma lógica própria, exercem o mesmo sistema

disciplinar e que uma coexiste juntamente a outra.

Portanto, isto nos leva a refletir de que forma podemos mudar essa realidade escolar.

Por que nos permitimos esse disciplinamento? Como seria a sociedade sem esse modelo

disciplinar, classificatório e excludente? Para Pryjma e Guebert (2004, p. 7),

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A criança e o jovem que foram excluídos da escola são vistos como um entrave aos reais interesses dominantes na ideologia educacional vigentes no país, e a superação

desse quadro demanda enormes esforços coletivos que talvez, nem mesmo a própria

classe educativa esteja disposta a despender,seja por não entender tais educandos

como excluídos, seja por não compreender nem valorizar as capacidades intelectuais

desses alunos.

Por outro lado,

[...]aidéia de inclusão social surge de um movimento de educação para todos(índios, negros, deficientes, marginalizados, outros), com o direito universal.Através do

processo educacional é que se promove o crescimento humano,desenvolvendo as

capacidades, habilidades e recursos das pessoas,possibilitando aos indivíduos a

conquista de independência e de autorealização.Para isto se faz necessário

desenvolver um trabalho de prevenção às diferenças, atendimento educacional para

todas as pessoas que necessitam, favorecendo sua inclusão em todos os âmbitos

sociais,constituem desafios para serem enfrentados e vencidos exigem a definição, o estabelecimento e a prática de uma política que deve ser encaradas com serenidade,

responsabilidade e competências a fim de mobilizar recursos científicos, humanos e

materiais para atendimento às necessidades específicas da população (PRYJMA;

GUEBERT, 2004, p. 7).

Podemos compreender isto a partir dos desenhos dos alunos de uma escola localizada

em Blumenau/SC que são apresentados na sequência (Desenhos 1, 2, 3) em que se incluem os

sujeitos no espaço escolar, independente de cor, sexo, religião entre outros. No Desenho 1,

observamos meninas interagindo com um menino no pátio da escola. Isto implica em não

levar em conta as diferenças de gênero: masculino e feminino, mas o importar-se com o outro,

respeitando, dialogando e criando-se aí, vínculos de amizade já na infância, já nos tempos de

escola.

Desenho1 – Diversidade de gênero – amizades – S1.

Fonte: As autoras.

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O Desenho 1 vai ao encontro do dizer do aluno que frequenta uma escola em

Florianópolis/SC. Esse sujeito tem fissura labiopalatina transforame total à esquerda3.

Conforme sinalizado no diálogo abaixo, nominado aqui como S4 (2015), quanto a não ter/ter

amigos na escola, ele responde que:

[...]

T: e você me disse que não tem amigos, é verdade?

K: é sim.

T: Mas nenhum, nenhum?

K: ah... tem sim... uma menina... T: e ela é tua amiga? Vocês brincam juntos?

K: é.

[...]

Compreendemos que a menina o aceita melhor como ele é, mesmo apresentando uma

característica particular que o faz ser ‘diferente’ dos demais meninos. Isto, porque ele relata

que sofre de alguma forma discriminação dos demais colegas de escola. Ou seja,

consideramos aqui que pode ser levada em conta a perfeição do corpo. Logo, S4 passa a ser

classificado e excluído de outros grupos de meninos como “aleijado”, pois não apresenta um

corpo único, perfeito, aquele legitimado pela sociedade (FOUCAULT, 1998).

T: E aí K., como que foi teu dia? Tua semana? Foi boa?

K: Não muito (com cara de triste). T: Por quê? Que que aconteceu?

K: Tem uns meninos que ficam me incomodando, dai eu não gosto.

T: O que que eles te incomodam?

K Eles me chamam de aleijado.

T: Nossa, mas e você não conta pra professora?

K: Eu não, eles são maiores.

T: Então não são da tua sala?

K: Não, são do 9º ano.

T: E da tua sala, ninguém te incomoda?

K: Da minha não. Eles incomodam eu e outro menino da minha sala.

T: E o que que eles fazem?

K: (Ficou em silêncio e cabisbaixo) T: Mas e quando que eles te incomodam?

K: No recreio.

T: Só no recreio?

K: (sinal afirmativo com a cabeça) (S4, 2015).

Nos Desenhos 2 e 3, notamos diferenças da ocupação do espaço, pois o Desenho 2,

conforme segue, compreendemos que os sujeitos que se inserem na escola acabam escolhendo

suas amizades pelas afinidades, pela proximidades que tem entre seus pares. Vemos no

3 É uma abertura na região do lábio ou palato, ocasionada pelo não fechamento dessas estruturas, que ocorre

entre a quarta e a oitava semana de gestação. Disponível em: http://ctmc.lusiada.br/malformacoes-craniofaciais.

Acesso em: 31 jul. 2015.

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Desenho 2 que no centro (pátio) não é ocupado, mas sim suas extremidades. Isto, porque os

sujeitos sintam-se mais seguros, respeitados quando estiverem com seus amigos/suas amigas

de escola/da vida.

Desenho 2 – Amizades na escola – S2.

Fonte: As autoras.

Em contrapartida, no Desenho 3, notamos que o espaço escola (o pátio) é ocupado em

seu todo, ou seja, os sujeitos circulam por ali, sejam em pares, sozinhos. Contudo, isto

permite uma discussão em que a inclusão pode existir pelo respeito mútuo independente

daquele que está acompanhado ou sozinho.

Desenho 3 – Interação na escolaS3

Fonte: As autoras.

Assim, se por um lado temos a escola como aquela que promove a interação com o

outro, se apresenta como uma possibilidade de aprender, se ter consciência nas escolhas que

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faz (FREIRE, 2011). Por outro lado, ainda é aquela que classifica e exclui os sujeitos que não

se enquadram em um determinado padrão, forma a partir dos grupos sociais portadores de

características inerentes ao grupo modelo. Isso resulta na intenção de criar um discurso

homogêneo, que gera o assujeitamento, ou seja, o apagamento das marcas ideológicas do

sujeito, o que consideramos como uma exclusão na escola (PÊCHEUX, 1988; FOUCAULT,

1998).

Do mesmo que podemos compreender na fala do S5 (2015), aluno do ensino superior,

surdocego, quando este se reporta aos tempos de escola e como era incluído/excluído naquele

espaço diariamente, principalmente por profissionais da educação.

O que tava na teoria não acontecia na prática, na verdade. Era um, era uma, uma simulação do que realmente era, do que era a exclusão. [...] Não tínhamos recursos

didáticos pra isso na minha época e foi muito difícil. Ahn, os professores não tinham

preparo para lidar comigo, não tinham treinamento. Não tinha... Na verdade não

tinha! Nada, nada, nada nada que, que, na minha inclusão. Eu fui na verdade

incluído mas tratado como todos e como todo mundo, na o tinha nada que se

adaptasse pra mim.

Reforça o S5 que a falta de preparo dos profissionais era uma das características para

não estar incluído completamente no processo de ensino e aprendizagem. A falta de estrutura

e de materiais didáticos para sua adaptação também é sinalizada pelo sujeito, pois

representava uma “simulação do que realmente era, do que era a exclusão” e ao mesmo

tempo “Não tínhamos recursos didáticos pra isso na minha época e foi muito difícil”. Ou

seja, ele sente que foi “incluído mas tratado como todos e como todo mundo, não tinha nada

que se adaptasse pra mim”.

Isto, pois no período em que frequentou a escola e sua formação no ano de 1985 no

antigo segundo grau (atual ensino médio), ainda não haviam sido promulgadas as leis e

Políticas da Educação Especial, a saber: Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB nº

9.394 (BRASIL, 1996), Lei 13.146 (BRASIL, 2015) e (BRASIL, 2008), que garantiam o

direito à educação para Todos. Por outro lado, temos notado que essas leis e políticas são um

passo inicial de acesso à educação, porém não têm assegurado as condições necessárias à

inclusão de alunos com necessidades especiais, dentre elas a formação docente. A capacitação

dos professores envolve uma atuação multidisciplinar entre as áreas da educação e saúde

(Fonoaudiologia, Psicologia entre outras), como promotoras de conhecimentos,

conscientização e estratégias que podem colaborar na atuação docente o que se estende ao

ensino superior também.

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Quando questionado ao S5 (2015) sobre dificuldades no que se refere a sua inclusão

no ensino superior, evoca que

Na faculdade eu tive muito menos dificuldade com em relação a isso. O que ta me trazendo mais dificuldade é o mestrado. Eu creio que mesmo tendo questões

teóricas, como [?] de artigo, [?] filosófico. De leituras que são exigias/dirigidas pra

questões de mestrado mesmo. Principalmente leitura de textos de teoria que eu

tenho que ler e reler pra tentar entender.

Como descrito por Santana et.al. (2015, p. 676):

Logo, é preciso que se discuta seriamente essa questão para que se possa falar efetivamente em “inclusão”, não apenas dos “deficientes”, mas de todos os alunos

que necessitam de apoio quando ingressam na universidade. Assim, precisa-se de

uma educação que supra a necessidade de cada aluno sem homogeneizar o ensino.

A partir do que afirma S5, compreendemos que as políticas da Educação Especial

configuram um cenário democrático à educação brasileira. Na análise do dizer deste sujeito,

depreendemos que há uma demanda de trabalhos, de leituras que precisam ser feitas, o que

incide no conhecimento científico de S5 relativo ao seu processo de ensino e aprendizagem

em um curso de Pós-Graduação. Logo, as necessidades especiais - as particularidades tanto

em relação às deficiências (auditiva e visual) precisam ser exploradas positivamente para que

ele se sinta parte do processo de aprender a ler, a escrever academicamente, ou seja, incluído.

Para Saravali ([2005] apud SANTANA, et.al., 2015), a inclusão no Ensino Superior

perpassa a aporte ao sujeito, enfatizando sua permanência na instituição e sua conclusão no

curso. Assim, não bastaria apenas a democratização do ensino, pois a inclusão estaria evidente

desde a inscrição no vestibular, o acesso às páginas institucionais, todo o percurso do aluno na

instituição - sua permanência com qualidade - até o final do curso.

Considerações Finais

Os sentidos que circulam na escola e na universidade acerca da inclusão/exclusão de

sujeitos com e sem deficiência foi a provocação no título do presente artigo. Compreendemos

aqui que a educação é uma possibilidade para a formação do cidadão. Aquele que respeita a

diferença tem autonomia na sociedade em que se insere e das escolhas que faz, conforme

destacam os desenhos e dizeres dos sujeitos aqui pesquisados. Cabe aqui mencionar que a

democracia é palavra-chave na interação entre as pessoas, neste caso, sujeitos que frequentam

a educação básica e superior, o que permite construir conhecimento, romper com paradigmas

tradicionais de educação.

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Incluir, no sentido amplo da palavra, é mais que acolher. É evitar que possíveis formas

de exclusão, discriminação possam afetar o desempenho do aluno/acadêmico em nível de

educação básica e superior. Depreendemos, desta maneira, que tanto nas falas/desenhos dos

alunos do ensino fundamental, quanto na fala do aluno do ensino superior vemos defasagens

em relação à inclusão. Isto, ocorre porque eles não se sentem ainda completamente inseridos

naqueles ambientes de ensino e, que ainda há falhas nos sistemas e órgãos públicos quanto à

efetivação na prática das leis da inclusão em vigor (BRASIL, 2015). Tanto na escola, quanto

na universidade há sinalizações para que haja assistência e permanência de qualidade a esses

alunos, uma vez que a Educação é para Todos (UNESCO, 1998).

Logo, é necessário que todos os profissionais que atendam as crianças e adultos em

fases escolares e na universidade, estejam atentos aos possíveis sinais e também estejam

abertos para diálogos interdisciplinares. Equipes multidisciplinares com Fonoaudiólogo,

Psicólogo, Psicopedagogo, a fim de auxiliar o professor (da educação básica e superior) com

orientações, recursos e estratégias específicas podem tornar acessíveis as atividades em sala

de aula e a inclusão de alunos com alguma necessidade especial. Isto, pois essas instituições

ensino devem garantir a inclusão de todos os alunos.

Portanto, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação

Inclusiva (BRASIL, 2008) e a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência - Lei nº

13.146 (BRASIL, 2015) asseveram que todos os alunos têm a possibilidade de aprender, a

partir de suas capacidades, seja qual for o nível ou etapa de ensino e, assim devem ser

respeitadas suas singularidades, suas diferenças nesses espaços de aprendizagem, de trocas de

conhecimento.

REFERÊNCIAS

BOURDIEU, Pierre. Escritos de Educação. Editora: Vozes, Petrópolis. 1998.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Imprensa Oficial,

1988. Disponível em:

<http://www.senado.gov.br/legislacao/const/con1988/CON1988_05.10.1988/CON1988.pdf.>

Acesso em: 24 jul. 2015.

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educação nacional. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, 23 dez.

1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em: 23 jul. 2015.

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