Psicologia Da Aprendizagem I

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Psicologia Da Aprendizagem I

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  • PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM I

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  • Universidade Federal de Minas Gerais

    Reitor: Cllio Campolina Diniz

    Vice-Reitora: Rocksane de Carvalho Norton

    Pr-reitoria de Graduao

    Pr-Reitora: Antnia Vitria Soares Aranha

    Pr-Reitor Adjunto: Andr Luiz dos Santos Cabral

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    editora UFMG

    Diretor: Wander Melo Miranda

    Vice-Diretor: Roberto Alexandre do Carmo Said

    Conselho editorial

    Wander Melo Miranda (presidente)

    Flavio de Lemos Carsalade

    Heloisa Maria Murgel Starling

    Mrcio Gomes Soares

    Maria das Graas Santa Brbara

    Maria Helena Damasceno e Silva Megale

    Paulo Srgio Lacerda Beiro

    Roberto Alexandre do Carmo Said

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  • Maria ins Mafra Goulart

    PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM I

    Belo Horizonte Editora UFMG

    2010

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  • ASSISTNCIA EDITORIAL Eliane Sousa e Eucldia Macedo

    EDITORAO DE TEXTOS Maria do Carmo Leite Ribeiro

    REVISO E NORMALIZAO Aline Sobreira

    PRODUO GRFICA Warren Marilac

    PROJETO GRFICO E CAPA Eduardo Ferreira

    FORMATAO Srgio Luz

    IMPRESSO Imprensa Universitria da UFMG

    editora UFMGAv. Antnio Carlos, 6.627 - Ala direita da Biblioteca Central - Trreo

    Campus Pampulha - CEP 31270-901 - Belo Horizonte - MGTel.: + 55 31 3409-4650 - Fax: + 55 31 3409-4768

    www.editora.ufmg.br - [email protected]

    2010, Maria Ins Mafra Goulart 2010, Editora UFMG 2012, REIMPRESSO

    Este livro ou parte dele no pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorizao escrita do Editor.

    Goulart, Maria Ins Mafra Psicologia da aprendizagem I / Maria Ins Mafra Goulart. Belo

    Horizonte : Editora UFMG, 2010. 97 p. : il. (Educao a Distncia) Inclui Bibliografia

    ISBN: 978-85-7041-857-9 1. Psicologia da aprendizagem. 2. Educao I. Ttulo. II. Srie.

    CDD: 153.15CDU: 159.953

    G694p

    Elaborada pela DITTI Setor de Tratamento da Informao Biblioteca Universitria da UFMG

    Pr-reitoria de GradUaoAv. Antnio Carlos, 6.627 - Reitoria - 6 andarCampus Pampulha - CEP 31270-901 - Belo Horizonte - MGTel.: + 55 31 3409-4054 - Fax: + 55 31 3409-4060 www.ufmg.br - [email protected] - [email protected]

    Este livro recebeu apoio financeiro da Secretaria de Educao a Distncia do MEC.

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  • A Educao a Distncia (EAD) uma modalidade de ensino que busca promover insero social pela disseminao de meios e processos de democratizao do conhecimento. A meta elevar os ndices de escolaridade e oferecer uma educao de qualidade, disponibilizando uma formao inicial e/ou continuada, em parti-cular, a professores que no tiveram acesso a esse ensino.

    No se pode ignorar que fundamental haver, sempre, plena conexo entre educao e aprendizagem. A modalidade a distncia um tipo de aprendizagem que, em especial na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), j est concretizada como um ensino de qualidade. Hoje, a aprendizagem tornou-se, para todos os profissionais dessa universidade envolvidos no programa de Educao a Distncia, sinnimo de esforo e dedicao de cada um.

    Este livro visa desenvolver no curso a distncia os mesmos conheci-mentos proporcionados num curso presencial. Os alunos estudaro o material nele contido e muitos outros que lhes sero sugeridos em bibliografia complementar. importante terem em vista que essas leituras so de extrema importncia para, com muita dedi-cao, avanarem em seus estudos.

    Cada volume da coletnea est dividido em aulas e cada uma delas trata de determinado tema, que explorado de diferentes formas textos, apresentaes, reflexes e indagaes tericas, experimentaes ou orientaes para atividades a serem reali-zadas pelos alunos. Os objetivos propostos nas aulas indicam as competncias e habilidades que os alunos, ao final da disciplina, devem ter adquirido.

    Os exerccios indicados ao final das aulas possibilitam aos alunos avaliarem sua aprendizagem e seu progresso em cada passo do curso. Espera-se que, assim, eles se tornem autnomos, respon-sveis, crticos e decisivos, capazes, sobretudo, de desenvolver a prpria capacidade intelectual. Os alunos no podem se esquecer de que toda a equipe de professores e tutores responsveis pelo curso estar, a distncia ou presente nos polos, pronta a ajud-los. Alm disso, o estudo em grupo, a discusso e a troca de conheci-mentos com os colegas sero, nessa modalidade de ensino, de grande importncia ao longo do curso.

    Agradeo aos autores e equipe de produo pela competncia e pelo empenho e tempo dedicados preparao deste e dos demais livros dos cursos de EAD. Espero que cada um deles possa ser valioso para os alunos, pois tenho certeza de que vo contribuir muito para o sucesso profissional de todos eles, em seus respec-tivos cursos, na educao em geral do pas.

    Ione Maria Ferreira de OliveiraCoordenadora do Sistema Universidade Aberta do Brasil

    (UAB/UFMG) de setembro de 2009 a abril de 2010.

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  • Sumrio

    Apresentao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .9

    AUlA 1 Breve histrico da Psicologia Cientfica e suas reas de investigao . .13

    Introduo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13O surgimento da Filosofia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15O surgimento da Psicolosogia Cientfica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16Contribuies da Psicologia da Educao ao ensino e aprendizagem . . 18

    AUlA 2 Concepes da Psicologia sobre os processos de desenvolvimento e aprendizagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .21

    Introduo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21Fatores intervenientes no desenvolvimento humano . . . . . . . . . . . . . . . . 22O ponto de vista da Teoria Inatista-maturacionista . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23O ponto de vista da Teoria Comportamentalista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26As Teorias Psicogenticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28

    AUlA 3 A Epistemologia Gentica e os processos de construo do conhecimento parte I . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .31

    Introduo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31Contexto de produo da Epistemologia Gentica . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32Conceitos bsicos da Epistemologia Gentica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33

    AUlA 4 A Epistemologia Gentica e os processos de construo do conhecimento parte II . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .39

    Introduo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39O desenvolvimento das estruturas cognitivas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40Construtivismo e sala de aula . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44

    AUlA 5 A abordagem histrico-cultural e os processos de construo do conhecimento parte I . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .49

    Introduo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49Contexto de produo da abordagem histrico-cultural . . . . . . . . . . . . . . 52Conceitos bsicos da abordagem histrico-cultural . . . . . . . . . . . . . . . . . 52

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  • AUlA 6 A abordagem histrico-cultural e os processos de construo do conhecimento parte II . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .61

    Introduo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61Processos psicolgicos constitutivos do conhecimento humano . . . . . . . 62A relao pensamento e linguagem e a construo de conceitos . . . . . . . 65Conhecimento cotidiano e conhecimento escolar . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70

    AUlA 7 A aprendizagem no Ensino Fundamental e Mdio parte I . . . . . . . . .75

    Introduo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75Sala de aula como ambiente de aprendizagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76O que mais a Psicologia tem a nos dizer? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81

    AUlA 8 A aprendizagem no Ensino Fundamental e Mdio parte II . . . . . . . . .85

    Introduo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85Aprendizagem e participao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86Educao como geradora de processos de desenvolvimento e aprendizagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88

    Consideraes finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .93

    Referncias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .95

    Sobre a autora . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .97

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  • Apresentao

    Caro/a aluno/a,

    Apresentamos a disciplina Psicologia da Aprendizagem I, do curso de Licenciatura em Matemtica, modalidade a distncia, de 30 horas, cuja ementa contempla: a Psicologia como cincia e sua contribuio para a rea educacional; estudo das principais teorias de desenvolvimento e aprendizagem; problematizao dos processos de ensino e aprendizagem.

    Com essa disciplina, iniciamos uma conversa sobre como a Psico-logia pode estar a servio da Educao. O objetivo desse estudo aprimorar nossa forma de compreender as relaes entre o ensinar e o aprender. O contedo aqui apresentado foi distribudo em oito aulas equivalentes a oito semanas de estudo.

    Para apresentar o contedo dessa disciplina, iniciaremos pelo acompanhamento sucinto do debate que vem sendo travado, desde o sculo XX, sobre as grandes questes que envolvem o desenvol-vimento e a aprendizagem humana, ou seja, a forma pela qual a Psicologia da Educao vem se organizando como cincia e, assim, contribuindo para a compreenso do fenmeno educativo.

    Em seguida, examinaremos as diversas teorias sobre o desenvol-vimento e a aprendizagem que buscaram respostas para questes como: viemos ao mundo como uma folha em branco? J nascemos com a estrutura cognitiva pronta, sendo necessrio apenas esperar que ela amadurea? Como se d o desenvolvimento do pensamento e da linguagem?

    Finalmente, buscaremos articular o campo da Psicologia da Apren-dizagem com o campo da Educao, refletindo sobre algumas ques-tes, como, por exemplo: at que ponto nossa experincia prtica nos auxilia a educar e a ensinar? O que os profissionais de ensino neces-sitam saber sobre os processos de desenvolvimento e aprendizagem? Essas, dentre outras questes, sero debatidas ao longo da disciplina.

    O percurso que iremos desenvolver envolve oito aulas (conside-rando uma aula para cada semana), assim distribudas:

    Aula 1: Breve histrico da Psicologia Cientfica e suas reas de investigao. O objetivo dessa primeira aula identificar os processos histricos e os sistemas tericos que deram origem cincia psicolgica. Para isso, faremos uma incurso na Filosofia para compreendermos as razes do surgimento da Psicologia

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  • enquanto cincia. Em seguida, refletiremos sobre as contri-buies da Psicologia da Educao ao ensino e aprendi-zagem.

    Aula 2: Concepes da Psicologia sobre os processos de desenvolvimento e aprendizagem. Nessa aula faremos uma reflexo acerca dos diferentes fatores que intervm no desenvolvimento humano e apresentaremos as bases conceituais de duas teorias: a Teoria Inatista-maturacio-nista e a Teoria Comportamentalista.

    Aula 3: A Epistemologia Gentica e os processos de construo do conhecimento parte I. Nessa aula vamos conhecer um pouco do contexto histrico de produo dessa corrente terica, bem como seus conceitos bsicos.

    Aula 4: A Epistemologia Gentica e os processos de construo do conhecimento parte II. Na Aula 4, continuaremos a estudar a Epistemologia Gentica, agora discutindo como essa corrente compreende o desenvolvimento das estruturas cognitivas, ou seja, de que maneira esse referencial terico explica a aprendi-zagem humana desde o nascimento at a fase adulta. Depois disso, refletiremos sobre suas contribuies para a prtica pedaggica.

    Aula 5: A abordagem histrico-cultural e os processos de construo do conhecimento parte I. Outra abor-dagem terica importante para a compreenso da cons-truo do conhecimento a histrico-cultural. Nessa aula, conheceremos o contexto de produo dessa teoria e seus conceitos bsicos.

    Aula 6: A abordagem histrico-cultural e os processos de construo do conhecimento parte II. Dando continuidade aula anterior, o objetivo dessa aula discutir os processos de formao dos conceitos e a relao entre linguagem e pensamento. Feito isto, faremos uma reflexo sobre os processos psicolgicos constitutivos do conheci-mento humano, dando nfase relao entre os conheci-mentos construdos no cotidiano e aqueles construdos de forma sistemtica pela escola.

    Aula 7: A aprendizagem no Ensino Fundamental e Mdio parte I. Essa aula apresenta uma reflexo sobre o que se aprende no Ensino Fundamental e Mdio. Teremos como foco os ambientes de aprendizagem e as contribuies da Psicologia para que o professor possa compreender os processos de ensino e aprendizagem que esto em curso em sua sala de aula. Para isso, traremos algumas contribuies

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  • da Teoria da Atividade, que pertence a essa abordagem mais ampla que denominamos histrico-cultural.

    Aula 8: A aprendizagem no Ensino Fundamental e Mdio parte II. Finalizando nosso curso, daremos continuidade ao debate empreendido na aula anterior, em que a aprendizagem vista como mudanas nas formas de participao em contextos sociais concretos. Dessa forma, podemos ampliar nossa viso sobre a importncia dos processos educativos para o desenvolvimento e a aprendizagem humanos.

    Esperamos que este livro possa trazer contribuies para voc, professor/a, no sentido de fornecer algumas ferramentas de anlise do fenmeno da aprendizagem de seus alunos.

    Um abrao e bom trabalho!

    A autora

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  • AUlA 1

    Breve histrico da Psicologia Cientfica e suas reas de investigao

    Nesta primeira aula, faremos uma volta ao tempo, desde antes mesmo do surgimento da Filosofia. Nossa inteno identificar os processos histricos que deram origem Psicologia Cientfica e as contribuies da Psicologia da Educao para a prtica educativa. Veremos que, muito antes de a Psicologia ganhar o status de cincia, o ser humano j se interrogava sobre si mesmo, sua potencialidade. Quando ser que essa histria comeou? No h como apontar uma data exata. Desde que o ser humano se reconhece como tal, ele investiga suas origens, e essa reflexo faz com que avance em seu prprio desenvolvimento.

    Os objetivos especficos desta primeira aula so:

    Identificar os processos histricos e os sistemas tericos que deram origem cincia psicolgica;

    Identificar a Psicologia da Educao como campo de conhecimentos rele-vantes para a compreenso do aprender e do ensinar .

    INtRODuO

    Desde os tempos mais antigos, algumas questes intrigam os seres humanos de maneira peculiar: quem somos ns? De onde viemos? Para onde vamos? So questes que vm sendo respondidas de diversas maneiras, mas que permanecem como um grande mistrio at os dias de hoje. Filsofos, antroplogos, arquelogos, fsicos, psiclogos, telogos e tantos outros tentaram construir explicaes sobre elas, sem conseguir solucionar o mistrio. Por outro lado, em nosso cotidiano, estamos, a todo momento, formulando respostas para essas perguntas, baseadas em outros princpios, crenas, valores, maneiras de ver a vida. Cada povo, dentro de uma determinada pers-

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    PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM I

    pectiva cultural, busca encontrar o sentido da vida nas pequenas ou grandes evidncias que a prpria vida nos traz. Isso acontece porque o ser humano tem essa caracterstica: um sujeito perguntador.

    Na Antiguidade, antes mesmo do surgimento da Filosofia, os povos buscavam compreender suas origens por meio dos mitos. Mari-lena Chaui, em seu livro Convite filosofia (1995), nos brinda com uma reflexo sobre as relaes entre o mito e a Filosofia. Segundo a autora, um mito uma narrativa sobre a origem de algo ligado existncia humana. Na Grcia antiga, pensava-se que algumas pessoas, geralmente os poetas, eram designadas pelos deuses para narrar histrias sobre a origem da humanidade. Assim, os mitos tinham um carter sagrado porque vinham de uma reve-lao divina. Quando as pessoas queriam respostas para questes misteriosas, encarregavam seus poetas de busc-las no orculo, ou mesmo junto a pessoas ou divindades, cujas sentenas revelavam o sentido oculto de uma tragdia ou de fenmenos inerentes aven-tura humana. Chaui nos d um exemplo de uma narrativa mtica que explica o surgimento do amor. Diz ela:

    Houve uma grande festa entre os deuses. Todos foram convi-dados, menos a deusa Penria, sempre miservel e faminta. Quando a festa acabou, Penria veio, comeu os restos e dormiu com o deus Poros (o astuto, engenhoso). Dessa relao sexual nasceu Eros (ou Cupido) que, como sua me, est sempre faminto, sedento e miservel, mas como seu pai, tem mil ast-cias para se satisfazer e se fazer amado. Por isso, quando Eros fere algum com sua flecha, esse algum se apaixona e logo se sente faminto e sedento de amor, inventa mil astcias para ser amado e satisfeito, ficando ora maltrapilho e semimorto, ora rico e cheio de vida (CHAUI, 1995, p. 29).

    Por volta de 600 a.C., os gregos descobriram que podiam pensar por si mesmos e procurar, eles prprios, respostas para seus questiona-mentos. Foi assim que surgiu a Filosofia, que buscava um conhe-cimento racional da realidade natural e cultural, das coisas e dos seres humanos. A Filosofia, ento, supe confiana na razo. Mas, o que vem a ser razo?

    AtIvIDADE 1

    Observe, nas frases abaixo, que a palavra razo usada em diversas situaes, com diferentes sentidos. Escreva que sentido tem a palavra razo nos itens 1 e 2. Em seguida, responda questo colo-cada no item 3:

    1. Qual a razo de sua alegria?

    2. O corao tem razes que a prpria razo desconhece.

    3. Para voc, a razo inata ou adquirida? Justifique sua resposta.

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    AULA 1

    O SuRGIMENtO DA FILOSOFIA

    A discusso sobre a origem da razo1 remonta ao incio da Filosofia e permanece at os dias de hoje. De onde veio a capacidade de intuir ou raciocinar? Nascemos com ela ou ela nos dada pela educao e pelo costume? Esse grande debate veio sendo travado entre fil-sofos como, por exemplo, Plato (400 a.C.), Ren Descartes (sculo XVII), John Locke (sculo XVII), David Hume (sculo XVIII) e Immanuel Kant (sculo XVIII).

    Plato e Descartes, embora to distantes no tempo, defenderam a posio de que a razo inata. Essa primeira posio conhecida como inatismo. Segundo o inatismo, nascemos trazendo em nossa inteligncia no s os princpios racionais, mas tambm algumas ideias fundamentais. Descartes chega a dizer que essas ideias so a assinatura do Criador na criatura (CHAUI, 1995, p. 71). O inatismo, iniciado a 400 a.C., foi reestruturado por Descartes, muitos sculos depois, e passou a ser conhecido como raciona-lismo. Para ele, a nica via de reconhecimento da verdade, ou seja, da busca das ideias inatas, era a razo.

    Locke e Hume defenderam posio contrria, que ficou conhe-cida como empirismo. Para os empiristas, nascemos como uma tbula rasa, um papel em branco, ou seja, a razo, com suas ideias e procedimentos, adquirida mediante a experincia. Essa posio entende que a experincia que nos molda, d forma e imprime os conhecimentos em nossa razo. Estaramos, assim, totalmente merc do ambiente em que vivemos.

    Outra soluo para essa questo foi dada por Kant, no sculo XVIII. Para ele, o conhecimento racional no nem inato nem adquirido, mas uma sntese que a razo realiza entre uma forma universal inata e um contedo particular fornecido pela experincia. Vamos nos deter nesse ponto, para compreendermos melhor a posio desse pensador.

    Kant opera uma verdadeira revoluo na Filosofia quando nos diz que a razo uma forma vazia, uma estrutura universal idntica para todos os seres humanos, uma estrutura inata. A estrutura da razo , portanto, anterior experincia. Entretanto, os conte-dos que a razo conhece so fruto da experincia. Sem eles, ela seria sempre uma estrutura vazia. Assim, a experincia oferece a matria, ou seja, os contedos. A razo, por sua vez, oferece a forma do conhecimento. E essa forma no adquirida, mas, sendo preexistente, revelada pela matria.

    Assim, Kant aponta a parcialidade da viso, tanto dos inatistas quanto dos empiristas. Os inatistas se enganaram por achar que os contedos do conhecimento so inatos. Por sua vez, os empiristas se enganaram quando pensaram que a estrutura da razo adquirida

    1 A palavra razo origina-se da palavra latina ratio e da palavra grega lgos. Significa pensar e falar ordenadamente, de modo compreensvel para os outros.

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    PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM I

    pela experincia. Resumindo: para Kant, a estrutura da razo inata, enquanto os contedos so empricos e podem variar no tempo e no espao.

    Esses pressupostos sobre a Teoria do Conhecimento o inatismo ou racionalismo, o empirismo e o construtivismo kantiano serviram de base para a Psicologia, especialmente para o campo da Educao. So ideias nas quais os psiclogos se apoiam para construir uma explicao sobre os processos de desenvolvimento e aprendizagem humanos. Assim, se pensarmos que o ser humano vem ao mundo desprovido do que quer que seja, o meio ambiente ser o nico responsvel por aquilo que a criana ir se tornar. Se, ao contrrio, acharmos que a criana j vem ao mundo com deter-minadas ideias, ento a maturao biolgica se responsabilizar pelo desenvolvimento psicolgico. Mas, se concordarmos com a viso de Kant e entendermos que o sujeito vem ao mundo com possibilidades, mas tem um longo trabalho psicolgico a ser feito, ento a viso do desenvolvimento humano ser a de uma intensa troca com o mundo.

    Assim, no basta dizer, como Descartes, penso, logo existo. O pensamento s se faz como ato de pensar diante da coisa pensada.2

    AtIvIDADE 2

    Retome a ltima questo respondida na Atividade 1. Compare o que voc escreveu com as ideias do tpico O surgimento da Filo-sofia e faa uma sntese das trs posies a respeito da Teoria do Conhecimento.

    O SuRGIMENtO DA PSICOLOGIA CIENtFICA

    Quais so as consequncias do conhecimento filosfico para o surgi-mento da Psicologia? Como sabemos, a Filosofia considerada uma cincia-me que gerou as demais cincias. Com a Psicologia no foi diferente: ela tambm surgiu de um ramo da Filosofia.

    Podemos considerar dois grandes momentos da Psicologia. O primeiro momento o das ideias psicolgicas, que teve origem nos tempos mais remotos, quando o ser humano primitivo comeou a se indagar sobre si mesmo, sobre sua origem e seu destino, por meio das narrativas mticas. Posteriormente, esse exerccio foi feito por meio da razo, tendo como suporte a Filosofia. Portanto, toda reflexo cujo objeto era o prprio indivduo pode ser considerada como parte desse grande momento, em que se vo consolidando ideias psicolgicas, ou seja, ideias que os seres humanos produ-ziram acerca de si mesmos.

    O segundo momento o da chamada Psicologia Cientfica, que surgiu em 1879, com a fundao, por Wilhelm Wundt, do primeiro

    2 Em outras palavras, no existe razo sem a percepo ou a experincia das coisas, ou melhor, no existe sujeito sem mundo, sem histria, sem cultura.

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  • 17

    AULA 1

    Laboratrio de Psicologia Experimental, em Leipzig, na Alemanha. Esse acontecimento considerado o marco formal da emancipao da Psicologia como cincia autnoma.

    Esse fato ocorreu no momento em que a sociedade ocidental, no grande despertar do desenvolvimento tecnolgico e da consoli-dao do capitalismo, procurava se expressar por meio das diversas cincias. O modelo cientfico daquela poca baseava-se nos pres-supostos empiristas. As cincias naturais, e no mais a Filosofia, ditavam a forma de se compreender o mundo. Imbuda desses princpios e buscando se afirmar, a Psicologia iniciou sua trajetria como cincia, tendo como modelo as cincias naturais. Assim, ao criar o primeiro Laboratrio de Psicologia Experimental, Wundt se baseou nos pressupostos empiristas e procurou tomar como objeto de investigao alguns fenmenos que ele chamava de comporta-mentos humanos, cuja caracterstica essencial o fato de poderem ser medidos, modelados, controlados.

    Pouco tempo depois, no incio da dcada de 1920, um novo debate se instaurou no mbito da Psicologia. Pesquisadores da Sua e da antiga Unio Sovitica procuraram elaborar um corpo terico baseado em outras matrizes epistemolgicas. Esses grupos, lide-rados por Jean Piaget (1896-1980) e Lev Vygotsky (1896-1934), ancoraram-se nas posies kantianas e passaram a construir uma viso do desenvolvimento humano baseada na ideia de que o conhe-cimento fruto de sucessivas interaes com o meio social.

    Como podemos perceber, portanto, a Psicologia nasceu e se desen-volveu rapidamente em meio a um grande debate nos campos filosfico e das diversas cincias. Compreender o que vem a ser a cincia do homem tem demandado um grande esforo por parte de todos que investem nessa rea.

    Os pressupostos epistemolgicos, construdos pela Filosofia, tornaram-se fontes que alimentaram as diversas correntes da Psico-logia. Encontramos seus correspondentes tambm na Pedagogia. O Quadro 1 a seguir ilustra bem essas correspondncias.

    QuADRO 1 Correspondncias entre pressupostos epistemolgicos da Psicologia e da Pedagogia

    EPISTEMOLOGIA PSICOLOGIA PEDAGOGIAInatismo o conhecimento anterior

    experincia

    Teorias Inatistas-Maturacionistas,

    GestaltPedagogia No-Diretiva

    Empirismo o conhecimento provm

    da experincia

    Teorias Associacionistas,

    BehaviorismoPedagogia Diretiva

    Construtivismo o conhecimento

    fruto da interao do sujeito com o

    meio.

    Psicologias Genticas: Epistemologia

    Gentica, Abordagem Histrico-

    cultural

    Pedagogia Relacional

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    PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM I

    Como podemos ver no quadro apresentado, as Teorias Inatistas-maturacionistas, bem como a Gestalt, partem do pressuposto de que os fatores hereditrios e a maturao so fundamentais para o desenvolvimento humano. J as Teorias Associacionistas, bem como o Behaviorismo, concebem a aprendizagem como fruto dos estmulos ambientais. Para a Epistemologia Gentica e a abor-dagem histrico-cultural, o desenvolvimento e a aprendizagem do ser humano se processam mediante uma interao complexa dos sujeitos com o meio sociocultural.

    Mesmo sabendo da influncia dos pressupostos epistemol-gicos que fundamentam algumas das correntes da Psicologia, no podemos fazer uma correspondncia mecnica entre uns e outros. A abordagem histrico-cultural, por exemplo, se vale de muitos conhecimentos produzidos pela Gestalt, assim como as Teorias Inatistas-maturacionistas dialogam com posies colocadas pela Epistemologia Gentica. Na verdade, trata-se de debates cujo obje-tivo principal a compreenso do ser humano em suas diversas potencialidades. Tambm no podemos pensar na histria da Psicologia como algo linear e evolucionista. Essa histria cheia de idas e vindas, de caminhos ora retos, ora tortuosos.

    AtIvIDADE 3

    Com base no texto que voc acabou de ler, comente a afirmativa abaixo, relacionando-a com um dos pressupostos colocados no texto:

    Se meu aluno no est pronto ainda para aprender algumas noes de lgebra, espero um pouco mais at que ele fique mais maduro.

    CONtRIBuIES DA PSICOLOGIA DA EDuCAO AO ENSINO E APRENDIZAGEM

    A Psicologia da Educao surgiu como campo do saber encarregado de auxiliar profissionais da rea educacional no aprimoramento de suas competncias relacionadas ao processo de ensinar e aprender. uma rea especfica tanto na produo quanto na disponibilizao do conhecimento para a prtica educativa.

    Como vimos na histria, o pensamento psicolgico vive, at os dias atuais, um embate que se expressa em posies teoricamente conflitantes, que concebem o desenvolvimento e a aprendizagem humana ora como frutos do ambiente, ora como processos biol-gicos. Porm, a tendncia, hoje, de se adotar uma postura mais integrada, uma viso mais interativa entre essas duas posturas, tal qual apontada na Filosofia por Kant e apropriada pelas Psicologias Genticas.

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    AULA 1

    Essa , portanto, uma rea do saber particularmente importante para a prtica docente. Conhecer o sujeito em situao de aprendi-zagem, em contexto escolar, em seus sistemas interativos, com as peculiaridades prprias dessas tarefas, ferramenta bsica para o seu trabalho.

    A Psicologia da Educao responsabiliza-se especificamente pelo estudo das mudanas de comportamento incluindo os processos psicolgicos subjacentes que as pessoas experi-mentam como uma consequncia da sua participao em ativi-dades educativas, da sua natureza e caractersticas, dos fatores que lhes facilitam, dos que lhes dificultam ou obstaculizam, e das consequncias que trazem ao desenvolvimento e sociali-zao dos seres humanos (SALVADOR et al., 1999, p. 51).

    Essa viso da Psicologia da Educao permite captar o fenmeno educativo em sua gnese e desenvolvimento, identificando suas dinmicas e estruturas to relevantes como pistas para a escolha dos melhores percursos a serem trilhados na rotina educacional. O sujeito humano, em processo de aprender e ensinar, passa a ser o grande foco.

    Em especial, dois temas se destacam como interesse terico da Psicologia da Educao. So eles:

    os processos de transformao vivenciados pelas pessoas em situao de ensino e aprendizagem;

    as interaes que se constituem como o locus social e cultural dos processos de aprendizagem.

    Cultura, desenvolvimento, aprendizagem, socializao e construo da subjetividade so temas de interesse central para a Psicologia da Educao, que, alm de investig-los, se prope o desafio terico de organiz-los em um corpo de conhecimentos coeso, significativo e til ao professor.

    Para terminar nossa discusso, importante destacar o papel da escola na construo de rotas de desenvolvimento para seus alunos. a partir dos eventos gerados no processo educacional que a Psico-logia da Educao vai se desenvolver e, ao mesmo tempo, prestar as contribuies que lhe so solicitadas.

    So muitas as vises que se tem da escola. A Sociologia da Educao salienta o papel da escola como formadora de cidados, por meio da apropriao dos conhecimentos produzidos socialmente. J a Antropologia outorga escola a funo de transmissora de cultura, valores, crenas, atitudes e padres ticos adotados por uma sociedade.

    De nossa parte, pensamos a escola como um lugar que possibilita o contato sistemtico e intenso dos sujeitos com sistemas organi-zados de conhecimento. Apropriando-se dos instrumentos cultu-

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    PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM I

    rais, os sujeitos ampliam sua capacidade de pensar sobre si mesmos e sobre o mundo que os rodeia.

    Sabemos que as crianas no chegam escola como uma folha em branco. Possuem inmeros conhecimentos que foram gestados na prtica social do grupo a que pertencem. Sabemos tambm que os adolescentes no so frutos apenas do processo vivido no interior da escola, mas intercambiam esses conhecimentos nos espaos culturais dos quais fazem parte.

    Entretanto, na escola, as condies so especiais. As relaes com o conhecimento so intencionais e planejadas. As interaes com outras crianas e com os professores constituem o centro do trabalho que se realiza naquela instituio. Portanto, as pessoas que passam pelo processo de escolarizao se apropriam de um determinado tipo de conhecimento e de um determinado modo de pensar e de explicar o mundo que so organizados a partir de uma lgica prpria. Da dizermos que os processos de escolarizao modificam a forma de ser e estar dos sujeitos em seu universo cultural. Podemos dizer, ento, que a escola medeia o processo de desenvolvimento humano.

    Alm disso, cabe-nos ainda considerar que existiro tantas escolas quantas forem as distintas culturas que desejarem letramento, matematizao e informao acadmica para seus membros. Os tipos de educao que sero ministrados dependero, em grande escala, dos elementos que as sociedades especficas elegerem para transmisso. Essa riqueza de contextos escolares complexifica a tarefa da Psicologia da Educao, que ter de dar conta de um mesmo fenmeno que ocorre em situaes culturais diferenciadas e, portanto, com perfis prprios e distintos uns dos outros.

    Ao professor caber a tarefa de orquestrar essa pluralidade de fen-menos, buscando otimizar e qualificar o processo de aprender e ensinar.

    AtIvIDADE 4

    Leia o trecho seguinte.

    Considerando que o papel social da escola essencialmente definido pelo processo de transmisso/assimilao do conhe-cimento, entendemos que as contribuies fundamentais da Psicologia prtica pedaggica so aquelas que podem lanar luz sobre alguns aspectos do ensinar e aprender (FONTANA; CRUZ, 1997, p. 5).

    Com base na leitura feita, descreva dificuldades ou facilidades que voc j encontrou em seu percurso como aluno e que poderiam ser melhor compreendidas luz dos conhecimentos advindos da Psico-logia da Educao.

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    Concepes da Psicologia sobre os processos de

    desenvolvimento e aprendizagem

    Nesta segunda aula, vamos iniciar nossa discusso sobre os processos de desenvolvimento e aprendizagem humanos. Para isso, comearemos apresentando os fatores que intervm no desenvol-vimento, de forma a compreender como chegamos fase adulta adquirindo tantos conhecimentos. Alm disso, vamos conhecer os conceitos bsicos de duas teorias que procuram, a seu modo, dar respostas nossa questo bsica: como o ser humano aprende?

    Os objetivos especficos desta aula so:

    Analisar os fatores intervenientes no desenvolvimento humano;

    Tomar conhecimento dos conceitos bsicos da Teoria Inatista-maturacio-nista e Comportamentalista .

    INtRODuO

    Em nosso cotidiano, estamos habituados a pensar que o ser humano se desenvolve por dois motivos: ou j nascem com um destino traado e no temos muita influncia sobre seu desenvolvimento; ou os sujeitos vm ao mundo como uma folha em branco e, ento, podemos ensinar-lhes nossos valores e tudo aquilo que aprendemos em nossa vida.

    Aqueles que pensam que j trazemos algo ao nascer acabam achando que podemos fazer muito pouco pelo desenvolvimento das crianas. Expresses como filho de peixe, peixinho ou pau que nasce torto, no tem jeito, morre torto nos mostram uma atitude de passividade diante do sucesso ou fracasso das pessoas. Na escola, essas concepes podem ter consequncias danosas. Ou bem se aplaude o sucesso de alunos peixinhos, ou bem se cruzam os braos para aqueles que fracassam.

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    PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM I

    Por outro lado, aqueles que acham que a criana nasce como uma folha em branco muitas vezes usam abusivamente do poder para inculcar nela o conhecimento. Assim, relaes como as que ocorrem entre pais e filhos, professores e alunos, podem se revestir de um poder muitas vezes desmesurado. Dentro dessa perspectiva, as crianas tm poucas oportunidades de se expressarem e pensarem livremente.

    Essas ideias misturam-se a outras que seriam mais ou menos tradu-zidas em questes como: que capacidade de aprender contedos especficos da matemtica teria uma criana ou um adolescente? Por que, para certas pessoas, torna-se to difcil aprender um deter-minado conhecimento?

    Nossa experincia prtica nos permite educar e ensinar at certo ponto. Entretanto, quando se trata de uma ao intencional exer-cida por profissionais dentro da escola, h necessidade de uma maior clareza sobre os processos que envolvem o ato de ensinar e aprender. E disso que estamos tratando nesta disciplina.

    Nesta aula, portanto, faremos uma reflexo acerca dos diferentes fatores que envolvem as relaes entre o desenvolvimento pessoal e a participao em prticas e atividades educativas. Situaremos as principais alternativas conceituais em relao temtica, bem como apresentaremos conceitos bsicos de duas abordagens tericas: a Teoria Inatista-maturacionista e o Comportamentalismo.

    FAtORES INtERvENIENtES NO DESENvOLvIMENtO huMANO

    O contato direto com nossos amigos, filhos, pais e pessoas em geral nos faz constatar um fato corriqueiro: as pessoas mudam durante seu ciclo vital. Nos primeiros anos de vida, essa mudana ainda mais visvel.

    Rapidamente, as crianas comeam a andar, a falar, a se organizar no mundo e at mesmo a discutir ideias, a propor solues para os problemas prticos. Com o passar do tempo, essas crianas se tornam adolescentes e transformam seus corpos e suas formas de pensar. Essas observaes podem nos parecer banais at certo ponto. No entanto, quando nos perguntamos o por qu e o como essas mudanas ocorrem, as explicaes para essas perguntas no nos parecem to simples assim.

    Comecemos fazendo uma observao rpida em nossa prpria vida. Que mudanas fsicas e psquicas podemos constatar? Quais fatores contriburam para que essas mudanas ocorressem? A educao que tivemos na escola e na famlia contribuiu para que chegssemos ao que somos hoje? Em que medida?

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    AULA 2

    AtIvIDADE 1

    Faa uma lista de algumas mudanas significativas que ocorreram com voc, na sua infncia, na adolescncia e na vida adulta. Ao lado, escreva os fatores que, a seu ver, explicam essas mudanas. Tente organizar e classificar os diferentes fatores, comeando por aqueles que lhe parecem mais convincentes.

    A discusso sobre a evoluo psquica do ser humano alvo de um debate que teve incio no final do sculo XIX e continua at os dias de hoje. Diferentes autores, teorias e modelos explicativos colocaram posies de todo o tipo, na tentativa de formular uma explicao convincente, especialmente para a relao entre o desenvolvimento e as diversas aprendizagens humanas.

    Dentre elas, trs posies tornaram-se clssicas:

    O desenvolvimento um processo relativamente indepen-dente e dissociado das diversas aprendizagens e, portanto, das prticas educativas. Como consequncia do desenvolvimento biolgico, segue um percurso de mudanas mais ou menos estvel e, at certo ponto, pr-programado;

    O desenvolvimento e a aprendizagem so processos coincidentes. A nfase dada aprendizagem. O ambiente e a experincia so determinantes do comportamento. O desenvolvimento nada mais do que o resultado das aprendizagens acumuladas durante a vida. Dessa forma, os dois processos no se distinguem;

    O desenvolvimento e a aprendizagem so dois processos que se inter-relacionam. O desenvolvimento visto como um processo mediado, ou seja, as mudanas que ocorrem ao longo da vida esto marcadas pela interao que as pessoas estabe-lecem com seu meio social e cultural.

    Vejamos, de forma mais aprofundada, de que maneira cada uma dessas posies se organiza e quais fatores so considerados essen-ciais para o desenvolvimento humano.

    O PONtO DE vIStA DA tEORIA INAtIStA-MAtuRACIONIStA

    Essa perspectiva parte do princpio de que os fatores hereditrios ou de maturao so preponderantes para o desenvolvimento da criana. Isso significa deixar em segundo plano os fatores relacio-nados aprendizagem e experincia.

    Quando falamos em fatores hereditrios, estamos nos referindo quelas caractersticas j fixadas na criana desde o nascimento e que foram herdadas de seus pais. Assim, em se tratando do desen-volvimento biolgico, algumas particularidades, como a cor dos

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    PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM I

    olhos, dos cabelos, o tipo sanguneo, dentre outras, fazem parte da herana gentica individual que cada um de ns recebe desde o nascimento.

    Dentro dessa perspectiva, a maturao significa um padro comum de mudanas que ocorrem em todos os membros de uma mesma espcie, como, por exemplo, as transformaes do corpo na adoles-cncia. Seguem uma sequncia predeterminada que, de forma geral, independe de fatores externos.

    Para aqueles que defendem a perspectiva Inatista-maturacionista, o desenvolvimento psicolgico teria o mesmo destino do desenvol-vimento biolgico. A inteligncia, bem como aptides individuais, seria herdada dos pais e j estaria predeterminada no momento do nascimento da criana. Dessa forma, o comportamento e as habili-dades das crianas seguiriam padres mais ou menos fixos, gover-nados pelos processos de maturao, que seriam independentes da aprendizagem ou da experincia.

    Para chegar a essa concluso, desde o incio do sculo pesquisadores que defendem essa posio se dedicaram a observar crianas e cons-tataram que, na maioria das vezes, pessoas com aptides especiais normalmente tinham familiares que apresentavam os mesmos traos. Diante dessas evidncias, concluram que caractersticas psicolgicas como o nvel de inteligncia e habilidades de escrita, leitura, clculo, entre outras, seriam transmitidas de pai para filho atravs da herana biolgica. O meio social e a educao, portanto, cumpririam apenas o papel de impedir ou de deixar aflorar essas caractersticas.

    Foi dentro dessa perspectiva que Alfred Binet (1857-1911) e Thodore Simon (1872-1961) construram o primeiro teste para medir a inteligncia ou o quociente intelectual (o famoso QI). Tambm dentro dessa perspectiva, o pesquisador norte-ameri-cano Arnold Gesell (1880-1961) elaborou uma escala do desen-volvimento desde o nascimento at a adolescncia, estabelecendo comportamentos e habilidades tpicos de cada faixa etria. Eles acreditavam que os fatores hereditrios e a maturao biolgica seriam determinantes na evoluo psicolgica da criana. Os testes de inteligncia e as escalas de desenvolvimento permitiriam cons-truir padres de normalidade. Isso significa que os psiclogos teriam, em mos, alguns parmetros para saber se as crianas e os adolescentes estariam se desenvolvendo normalmente.

    Essa forma de pensar, levada ao limite, pode ter consequncias nefastas. Se pensarmos que uma criana, filha de pintores famosos, j nasce com uma herana gentica que a levar a ser tambm uma pintora, estaremos reforando uma ideia que muitos crticos dessa posio denominaram como ideologia do dom. Trata-se de pensar que as diferenas no desempenho de determinada tarefa ocorrem em razo de uma herana gentica ou mesmo de raas e no por causa de

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    AULA 2

    diferenas culturais ou de oportunidades. Assim, uma criana brasi-leira, pobre e negra teria dificuldades de aprendizagem na escola, no por lhe faltarem oportunidades, mas por j nascer com deficincias intelectuais, provenientes de sua famlia ou mesmo de sua raa.

    A escola, ento, pouco poderia fazer. A aprendizagem, dentro dessa perspectiva, fica relegada a um segundo plano. Nasceramos com dom para a msica, para um bom desempenho na rea de mate-mtica, com uma veia artstica etc. Deixaramos de considerar o ambiente em que a pessoa foi educada e que, provavelmente, valorizou e mesmo ensinou essas habilidades. De outra feita, em ambientes onde as crianas tm poucas oportunidades de desen-volver a curiosidade, de aprender a investigar, a se expressar, ter-amos o oposto: as dificuldades seriam vistas como uma herana negativa, contra a qual nada poderia ser feito.

    Assim, segundo essa perspectiva, o papel do/a professor/a fica mini-mizado, uma vez que no h muito o que fazer pelos alunos. Se a herana gentica vista como o fator preponderante para o desen-volvimento humano, cabe ao/ professor/a apenas deixar aflorar o que os alunos j trazem. Qualquer esforo para ensinar seria em vo.

    Infelizmente, muitas dessas ferramentas foram usadas para discri-minar e excluir socialmente crianas e adolescentes pertencentes s camadas mais pobres da populao, especialmente em pases como o Brasil, que, em meados do sculo XX, abria as portas das escolas para esse pblico. escola cabia o papel de promover um desen-volvimento harmonioso das capacidades infantis, desde que no houvesse imaturidade. Da a ideia de que as crianas no esto prontas para a alfabetizao ou mesmo que no tm condies intelectuais para acompanharem classes de alunos ditos normais.

    Alguns psiclogos, como, por exemplo, Maria Helena Souza Patto, denunciaram esse mau uso dos instrumentos criados pela Psico-logia. Em seu livro Psicologia e ideologia, escrito na dcada de 1980, essa pesquisadora nos mostra como a Psicologia ajudou a discri-minar profissionais e alunos provenientes das classes trabalha-doras, provendo conceitos e instrumentos cientficos de medida para garantir a ordem social vigente. Diz ela:

    a quantificao quase mgica, realizava o sonho da sociedade industrial capitalista de poder basear-se num critrio num-rico, objetivo, para classificar seus membros [...] este foi o domnio em que a psicologia americana mais se distinguiu [...] explicar o insucesso escolar e garantir, assim, a crena no mito da igualdade de oportunidades (PATTO, 1984, p. 98).

    Essa autora nos ajuda a ver que os conhecimentos produzidos em qualquer campo das cincias sociais e humanas no so neutros, mas confirmam modelos ideolgicos produzidos socialmente, ao mesmo tempo em que podem provocar transformaes sociais.

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    PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM I

    AtIvIDADE 2

    Responda s questes abaixo, de acordo com o texto que voc acabou de ler:

    1. Qual o princpio que explica o desenvolvimento humano segundo a Teoria Inatista-maturacionista?

    2. Qual o papel da aprendizagem nessa teoria?

    3. Que consequncias essa forma de pensar o desenvolvimento e a aprendizagem pode ter para a prtica educativa?

    O PONtO DE vIStA DA tEORIA COMPORtAMENtALIStA

    Essa perspectiva parte do princpio de que o ambiente e as expe-rincias so fatores determinantes do comportamento humano. O desenvolvimento seria o resultado das mltiplas aprendizagens acumuladas durante a vida. John Broadus Watson (1878-1958) foi o fundador do movimento comportamentalista e definiu a Psico-logia como um ramo objetivo e experimental das cincias naturais. Para ele, embora o comportamento humano seja mais refinado, ele pode ser explicado pelos mesmos princpios que o comportamento de qualquer animal.

    Para os estudiosos que se afiliaram Teoria Comportamentalista, a ideia de aptides, disposies intelectuais ou temperamentos inatos totalmente falsa. O tema central dessa corrente de pensamento a aprendizagem como resultado das influncias dos fatores externos. O beb humano, para eles, vem ao mundo desprovido do que quer que seja. Como uma folha em branco. As experincias obtidas em sua trajetria de vida so o que marca essa folha, escrevendo sobre ela uma histria de vida. O que importa explicar como os compor-tamentos so aprendidos atravs dos diversos tipos de condiciona-mento.

    Vejamos, agora, um exemplo de condicionamento clssico, provo-cado por um estmulo do cotidiano. Voc conhece a Turma da Mnica?

    Mnica apaixonada pelo Renatinho. Nessa histria ele a convidou para tomar sorvete na sorveteria do Bairro do Limoeiro. Mnica, toda feliz, vai ao encontro de seu pretendente e o espera ansiosa. Mas ele no pode ir e lhe manda um recado pela Carminha Frufru, sua concorrente. Esta, para criar um clima de cimes, diz que o Renatinho no pode vir ao seu encontro e que o viu de mos dadas com uma menina. Mnica comea a chorar copiosamente. Na sorve-teria tocava a msica: Diga que no sou o seu amor. Cebolinha, percebendo a situao, rapidamente elabora um plano pra derrotar a Mnica. Quando esta se refaz e sai caminhando em direo sua casa, encontra-se com Cebolinha, que liga um gravador onde toca a

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    AULA 2

    mesma msica da sorveteria. Ao ouvir o estmulo musical, Mnica se derrete em lgrimas. Quanto mais a msica toca, mais Mnica chora. Cebolinha aproveita-se da situao e a obriga a dizer que no mais a dona da rua. Quando est prestes a ceder a liderana para o Cebolinha, chega Renatinho se desculpando por no ter ido ao seu encontro. Mnica percebe que ele est de mos dadas com uma menininha: sua irmzinha caula. Ela, ento, compreende a provo-cao de Carminha e o final todos j sabem... sobra pancadaria pro Cebolinha.

    Nessa histria, a personagem foi condicionada por um estmulo auditivo: a msica que tocava enquanto ela sentia tristeza por ter sido, em sua fantasia, rejeitada por seu pretendente. A presena do estmulo fazia retornar a situao vivenciada anteriormente. Podemos dizer, ento, que houve uma aprendizagem por condicio-namento, ou seja, um estmulo externo (a msica) provocava um determinado tipo de comportamento (o choro). Esse tipo de apren-dizagem denominado condicionamento clssico.

    Burrhus Frederic Skinner (1931-1980) foi o psiclogo norte-americano que desenvolveu e aperfeioou essa teoria, descobrindo e sistemati-zando novas maneiras de condicionar comportamentos. Criou um mtodo que, segundo sua concepo, permitia prever e controlar cientificamente o comportamento humano. Esse mtodo foi deno-minado Anlise Experimental do Comportamento.

    Segundo esse pesquisador, aprendemos quando ganhamos uma compensao por ter realizado uma determinada ao. Assim, por exemplo, se uma criana pequena, ao ceder um brinquedo para a outra, elogiada e beijada pela me ou pela professora, sua tendncia ser repetir esse comportamento, demonstrando ter aprendido uma conduta socialmente aceita. Da mesma forma, se uma outra criana faz uma birra chorando e esperneando e o adulto cede dando-lhe o que quer, aprender esse tipo de comportamento e tender a fazer novas birras todas as vezes que desejar algo proibido.

    Essa compensao chamada por ele de reforo e esse tipo de aprendizagem, condicionamento operante.

    Como vimos, os princpios descobertos e sistematizados por essa corrente de pensamento explicam os comportamentos aprendidos em situaes cotidianas. Qual seria, ento, a consequncia dessa teoria para a educao?

    A organizao de atividades atravs de pequenos passos, a ideia de pr-requisitos, o reforo dado pelas notas, pontos positivos, a distribuio de prmios para os alunos considerados exemplares, so princpios decorrentes dessa abordagem.

    Essa teoria entende que o professor detm o conhecimento absoluto do contedo a ser repassado e pode program-lo, passo a passo, de

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    PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM I

    forma que o aluno, por repetio e acumulao, venha a assimil-lo. Ocupando uma outra posio, o aluno coloca-se em uma situao passiva, merc do que ir ocorrer durante o processo de ensino---aprendizagem. O ensino deve seguir uma progresso gradual, partindo do que o adulto julga que mais fcil e caminhando em direo ao que mais difcil.

    Ao contrrio da corrente anterior, essa teoria confunde aprendi-zagem com o desenvolvimento e elege como fator determinante do desenvolvimento humano as experincias acumuladas durante a vida.

    AtIvIDADE 3

    Leia a seguinte frase extrada do texto:

    A organizao de atividades atravs de pequenos passos, a ideia de pr-requisitos, o reforo dado pelas notas, pontos posi-tivos, a distribuio de prmios para os alunos considerados exemplares, so princpios decorrentes dessa abordagem.

    Reflita sobre a prtica pedaggica a que voc foi submetido como aluno, ou que voc est conhecendo agora, ao fazer este curso de Licenciatura em Matemtica. Em que medida se assemelha a esses princpios? Em que medida difere?

    AS tEORIAS PSICOGENtICAS

    As Teorias Psicogenticas adotam outra forma de pensar o desen-volvimento e a aprendizagem humana. Voc deve estar se pergun-tando: o que vem a ser essa teoria? uma corrente de pensamento, dentro da Psicologia, que estuda o desenvolvimento a partir de sua gnese, ou seja, de sua origem. Ao contrrio das correntes estudadas anteriormente, essas teorias procuram fazer uma sntese crtica das posies firmadas pelas correntes anteriores. Para elas, tanto os fatores internos, ligados maturao dos indivduos, quanto os fatores externos, provenientes do ambiente, seriam responsveis pelo desenvolvimento e pela aprendizagem dos seres humanos.

    Essa forma de pensar coloca a relao entre o sujeito aprendiz e o meio em que vive como elemento central. O desenvolvimento e a aprendizagem so processos de construo permanentes. Ocorrem atravs das interaes que as pessoas estabelecem com seu meio fsico e cultural.

    Para os pesquisadores que adotam essa perspectiva, o desen-volvimento no a aprendizagem. Esses dois processos no se confundem, como na viso dos comportamentalistas, tampouco h um predomnio absoluto do desenvolvimento sobre a aprendi-zagem, como na perspectiva inatista-maturacionista. Entre eles,

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    AULA 2

    o desenvolvimento e a aprendizagem, h uma relao dinmica, e admite-se a preponderncia de um dos processos sobre o outro.

    Pesquisadores que assumem essa posio consideram que, desde o nascimento, o beb humano se encontra em processo de desenvol-vimento e aprendizagem, agindo ativamente diante dos problemas colocados tanto pelo ambiente fsico como social e cultural. O desenvolvimento visto, portanto, como um processo mediado, ou seja, marcado pelas interaes que as pessoas estabelecem em seu meio de cultura.

    A escola, dentro dessa perspectiva, tem seu valor. Considera-se que as crianas e os adolescentes j tm um conhecimento prvio, ou seja, um conhecimento construdo em seu cotidiano, e que esse conhecimento precisa ter lugar na sala de aula. Torna-se, portanto, importante que o professor escute o aluno, deixe que ele coloque sua forma de ver e pensar a vida, e estimule sua criatividade, sua ao e suas formas de expresso.

    Dois marcos tericos clssicos adotam essa postura: o ponto de vista da Epistemologia Gentica de Jean Piaget e o ponto de vista da abordagem histrico-cultural de Lev Vygotsky. Diante da riqueza de tais abordagens, daremos especial ateno a elas nas prximas aulas.

    AtIvIDADE 4

    Complete o quadro abaixo, de acordo com o texto desta aula:

    Na perspectiva...Os fatores do

    desenvolvimento so...O aluno visto como...

    O professor visto como...

    Inatista-maturacionista

    Comportamentalista

    Teorias Psicogenticas

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  • AUlA 3

    A Epistemologia Gentica e os processos de construo

    do conhecimento parte I

    A terceira aula apresenta o contexto de produo da Epistemologia Gentica e discute seus conceitos bsicos. Veremos que a preocu-pao maior de Jean Piaget foi a de investigar as leis universais que fazem do sujeito um ser que produz conhecimento e se apropria da cultura na qual est inserido.

    Os objetivos especficos desta aula so:

    Conhecer o contexto de produo da Epistemologia Gentica;

    Tomar conhecimento dos conceitos bsicos da Epistemologia Gentica .

    INtRODuO

    Compreender uma teoria, ou seja, uma forma de explicar um fen-meno que observamos na vida, implica conhecermos um pouco do contexto em que essa teoria foi construda. Isso porque a forma como a sociedade da poca estava organizada, suas questes, as preocupaes das pessoas em seu cotidiano, tudo isso cria um campo propcio para o exerccio da reflexo dos cientistas.

    Hoje, por exemplo, temos uma preocupao enorme com o meio ambiente, que j est se mostrando saturado de tanto mau trato. Assim, as teorias que buscam responder a essas questes refletem as posies polticas tomadas pelos diversos governos, as posturas das pessoas na sociedade, os currculos das escolas, nossas atitudes dentro de nossas prprias casas.

    Dessa forma, para compreendermos as teorias psicolgicas que iremos estudar, importante que voltemos no tempo para dialo-garmos com a poca em que foram produzidas. Por que era importante

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    PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM I

    a discusso da aprendizagem naquela poca? Quais eram as questes principais que cada um dos pesquisadores procurava responder? De que maneira essa questo dialogava com o contexto social e poltico de seus principais representantes? Que parte da teoria datada, ou seja, responde somente a uma preocupao da poca, mas j foi supe-rada, e que parte permanece em debate at os dias de hoje?

    Essas e outras questes sero refletidas nas prximas aulas. E qual a importncia para voc, futuro professor de Matemtica, do estudo dessas teorias? Pensamos que a Psicologia poder auxiliar na compreenso do outro lado da moeda, ou seja, a maneira pela qual seus alunos do Ensino Fundamental e Mdio iro se apropriar dos conhecimentos da Matemtica.

    CONtExtO DE PRODuO DA EPIStEMOLOGIA GENtICA

    Jean Piaget foi um incessante estudioso do desenvolvimento humano que realizou uma carreira cientfica extraordinariamente fecunda. Nasceu em Neuchtel, Sua, em 1896 e morreu em 1980, aos 84 anos de idade. Desde criana, interessou-se por questes cientficas. Seus primeiros estudos foram no campo da Biologia. Concluiu seus estudos em Cincias Naturais, doutorando-se em 1918.

    Filho de famlia abastada, cujo pai lecionava Histria Medieval na Universidade de Neuchtel, Piaget foi uma criana precoce, publi-cando seu primeiro artigo sobre um pombo albino aos 11 anos de idade.

    Em seu incio de carreira, interessou-se pela Psicanlise e mudou-se para Paris, onde foi convidado por Simon a fazer a padronizao do teste de inteligncia de Binet e Simon (o famoso QI). Foi durante seu trabalho com os resultados desse teste que Piaget percebeu regularidades nos erros das crianas de uma mesma faixa etria, o que o levou a formular a hiptese de que o pensamento infantil seguia lgica diferenciada do adulto. Em 1921, Piaget retornou Sua a convite do diretor do Instituto Rousseau em Genebra, onde, mais tarde, fundou o Centro Internacional de Epistemologia Gen-tica, que reuniu pesquisadores de diversas reas do conhecimento e de vrias partes do mundo.

    Piaget viveu durante quase todo o sculo XX, passou por duas guerras e por transformaes profundas na organizao poltica e social da Europa do perodo ps-guerra. Entretanto, a Sua, pas onde morou praticamente toda sua vida, teve uma posio diferenciada dos demais, e esse contexto refletiu em sua obra. A busca por leis mais abstratas que regulam o desenvolvimento e a aprendizagem humana resultam de um ambiente social em que as condies para uma sobrevivncia confortvel estavam garantidas.

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    AULA 3

    Dessa forma, sem que houvesse uma demanda mais urgente, como no restante da Europa, que vivia a fome, a guerra e a ruptura com valores essenciais da vida, Piaget ficou liberado para exercer o livre pensar, dedicando-se exaustivamente formulao de uma teoria explicativa do desenvolvimento cognitivo humano.

    Sua vasta produo constitui-se como um marco para a Psicologia e para os estudos do ser humano no sculo XX.

    CONCEItOS BSICOS DA EPIStEMOLOGIA GENtICA

    Interessado pela Filosofia, Piaget buscou nela uma fonte inspira-dora que o ajudou a formular a questo que trabalharia por toda sua vida, ou seja, explicar a razo pela qual o ser humano atinge o conhecimento lgico-abstrato que o distingue das outras espcies animais.

    O problema do conhecimento formulado, inicialmente, por Piaget, com o objetivo de explicar sua origem, suas possibilidades e seus limites, bem como sua validade. Esse um problema tpico do campo da Filosofia, mais especificamente da Epistemologia, o estudo do conhecimento. Piaget, ento, inicia sua investigao a partir de um problema epistemolgico que poderia ser formulado da seguinte maneira:

    Como conhecemos o que conhecemos?

    No entanto, ao iniciar sua investigao, Piaget o faz buscando as origens da construo desse conhecimento. Para ele, entender como o ser humano comea essa aventura do aprender, como se d o processo de formao do pensamento, que se inicia na infncia e s se completa na fase adulta, passou a ser a grande questo a ser investigada. Dessa forma, derivada de sua pergunta inicial, uma outra questo se coloca:

    Como se passa de um menor conhecimento para um maior conhecimento?

    Com essa nova pergunta, Piaget desloca sua investigao do campo epistemolgico para o campo da Psicologia e parte para o estudo do desenvolvimento humano.

    AtIvIDADE 1

    Tomando como referncia sua vivncia enquanto estudante, como voc percebe que voc passa de um menor conhecimento para um maior conhecimento? Ou seja: do seu ponto de vista, como se aprende?

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    Piaget apoia sua teoria em trs grandes eixos:

    A inteligncia humana representa uma forma de adaptao biolgica da mesma forma como o organismo e o meio se adaptam um ao outro no terreno biolgico, tambm no terreno psicolgico o processo de conhecimento e os objetos a serem conhecidos adaptam-se uns aos outros;

    O conhecimento fruto de um processo de construo dessa forma Piaget nega a proposio de que nascemos com ideias prontas, bem como no admite o princpio de que, ao nascer, o beb seja comparado a uma folha em branco. Para ele, o desen-volvimento e a aprendizagem esto em contnuo processo de construo;

    O conhecimento nasce e elaborado atravs dos intercm-bios que o sujeito estabelece com o meio conhecer implica atuar sobre a realidade, fsica ou mentalmente. A atividade do sujeito a principal fonte do conhecimento.

    Esses eixos nos mostram que o ato de conhecer construdo e estruturado a partir daquilo que se vivencia com os objetos de conhecimento. Mas de que maneira os objetos presentes no mundo podem ser conhecidos? Para Piaget, isto ocorre atravs da ao do sujeito. Essa ao procura fazer com que o sujeito se adapte ao meio atravs de dois processos, chamados por ele de assimilao e acomodao.

    Vejamos como podemos compreender esses processos:

    ADAPTAO

    Processo, atravs do qual, o indivduo interage com o meio, mantendo um equilbrio entre suas necessidades de sobrevivncia e as restries impostas pelo ambiente.

    ASSIMILAO

    Processo de incorporao. Atravs dele os objetos e os fatos do meio so inse-ridos em um sistema de relaes que passam a ter significado para o sujeito.

    ACOMODAO

    Processo que modifica as estruturas de pensamento do sujeito para poder assi-milar os novos objetos e fatos do meio.

    Vamos compreender melhor esses conceitos atravs de exemplos:

    Imagine um beb que, ao engatinhar pela casa, descobre um telefone celular que, inadvertidamente, foi esquecido em um canto da sala. Inicialmente, comea a fazer uma explorao do

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    objeto, da mesma forma como faz com seus brinquedos. Pega-o, solta-o no cho, esfrega-o, leva-o boca, morde a capa de couro. Nessa explorao, o beb vai assimilando as propriedades do objeto, usando os conhecimentos que j possui. Mas, de repente, sem que esteja esperando, o beb aperta um boto que produz um barulho. Ao ouvir o barulho, algo novo acontece. O beb passa, ento, a fazer um novo tipo de explorao, tentando acomodar-se novidade. Pega novamente o telefone, morde-o na esperana de reproduzir o barulho, experimenta com os dedos e finalmente sai vitorioso. Essa tentativa vai se repetindo e, a cada vez, o beb adquire maior destreza para lidar com o instrumento.

    Se pensarmos em um outro exemplo, no mais com objetos fsicos, mas com objetos simblicos, como o texto, por exemplo, podemos dizer que, no processo de assimilao, vamos tentando relacionar as ideias do autor quilo que j sabemos. Mas, em contrapartida, ideias e conceitos que j temos so modificados pelo que lemos. Esse processo de mudana chamado por Piaget de acomodao.

    A assimilao e a acomodao so, para Piaget, como ferramentas do pensamento. Por isso so chamadas de invariantes funcionais. Esse nome foi dado por um motivo bem bvio: segundo esse pesqui-sador, essas ferramentas no variam durante a vida do ser humano, e funcionam. Isto significa que, tanto a criana quanto o adulto, ao interagirem com objetos de conhecimento, quer sejam objetos fsicos (aprender a jogar bola, a explorar uma nova ferramenta etc.) ou objetos simblicos (aprender a ler e a escrever, aprender a fazer clculos etc.), se utilizam dessas ferramentas de pensamento.

    AtIvIDADE 2

    Faa uma sntese do que voc entendeu dos conceitos de adap-tao, assimilao e acomodao.

    Com o exemplo colocado acima, vimos um beb em plena atividade intelectual. Mas como ser que essa atividade se inicia? Qual a gnese, segundo Piaget, do desenvolvimento intelectual humano?

    Observando minuciosamente os recm-nascidos, Piaget elaborou um modelo explicativo para o surgimento do pensamento no incio da vida do ser humano. Sua observao partiu dos comportamentos reflexos.1 Os reflexos possibilitam uma primeira adaptao do beb ao ambiente em que vive. atravs deles que as crianas assimilam objetos do cotidiano, como a mamadeira, o seio materno, os bichi-nhos de pelcia etc. Esse contato com o meio vai transformando os reflexos, dando origem aos esquemas de ao puxar, pegar, sugar, empurrar etc.

    1 Voc sabe o que so compor-tamentos reflexos? So reaes automticas desen-cadeadas por estmulos. Um exemplo de comportamento reflexo seria: ao encostar o dedo na mo de um recm-nascido, ele imediatamente segura seu dedo com fora, ou ainda, ao roar sua face prxima ao lbio, ele comea imediatamente a sugar. Alguns comportamentos reflexos permanecem at a fase adulta. o exemplo do reflexo patelar, quando o mdico bate em nosso joelho e nossa perna se levanta automaticamente.

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    Para melhor compreendermos o que vem a ser um esquema de ao, vamos trazer de novo para a cena nosso protagonista e o esquema de sugar.

    O beb pode sugar o seio da me, a chupeta, a mamadeira, a chuquinha. Sabemos que diferente sugar o seio ou a mamadeira. A forma de colocar a boca e a fora que exigem so diferentes. No entanto, em todas essas situaes, a ao da criana apresenta certas caractersticas comuns que diferem de outras, como morder, lamber, cuspir. O que generalizvel em uma ao, que permite caracteriz-la e diferenci-la de outras, chamamos de esquema de ao. atravs desses esquemas que a criana comea a conhecer o mundo. Aos poucos os esquemas vo se coordenando. Olhar, pegar e sugar a mamadeira se coordenam em uma ao plena de signifi-cados para a criana.

    Vimos, assim, que por meio da explorao ativa da criana em seu meio que o desenvolvimento cognitivo tem incio. Ento, quais seriam os fatores que impulsionam o desenvolvimento segundo a teoria piagetiana? Para ele, so quatros os fatores do desenvolvi-mento, a saber:

    Maturao orgnica condio imprescindvel porque permite o aparecimento de novas condutas durante o desen-volvimento. Por exemplo, para comear a balbuciar e ter possibilidades posteriores de falar, o beb precisa desenvolver adequadamente o seu aparelho fonador. Entretanto, a maturi-dade, por si s, no garante o desenvolvimento das estruturas cognitivas.

    A experincia outra condio imprescindvel para explicar o desenvolvimento intelectual. A experincia fsica com os objetos nos permite obter informaes de suas propriedades. Por exemplo, ao brincar com a bola, a criana observa suas propriedades: rolar, pular, ser lanada. A experincia lgico---matemtica nos permite extrair conhecimento da ao que fazemos com os objetos. Por exemplo, ao compararmos duas bolas, podemos concluir que a bola vermelha maior que a azul. Embora fundamental, a experincia por si s no responsvel pelo desenvolvimento.

    Transmisso social as informaes que nos so passadas por diversos meios contribuem para modificar nossos esquemas, permitindo que avancemos em nosso desenvolvimento inte-lectual. No entanto, necessrio, segundo Piaget, que a pessoa disponha de um determinado nvel de desenvolvimento para poder se beneficiar desse conhecimento. Assim, segundo esse ponto de vista, seria irrelevante discutirmos com crianas de seis anos teorias atmicas ou a legislao brasileira.

    Processo de equilibrao o fator determinante que permite explicar o desenvolvimento intelectual. Segundo

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    Piaget, todos ns temos uma tendncia a buscar o equilbrio nas trocas que fazemos com o meio. Isso quer dizer que, toda vez que enfrentamos uma dificuldade, nossa capacidade de buscar novamente um equilbrio acionada. Por exemplo, quando o beb passa engatinhando pela sala e observa que seu bichinho de borracha encontra-se em cima da mesa, sua tendncia inicial levar o brao para peg-lo. Ao verificar que essa ao insuficiente, planeja uma outra ao para solu-cionar o problema: puxa a toalha da mesa at que seu brin-quedo caia no cho. Dessa forma, o desequilbrio provocado pela impossibilidade de pegar o objeto simplesmente esten-dendo a mo compensado por uma ao mais eficaz: puxar a toalha. importante salientar que o reequilbrio conseguido no final sempre supe um estado superior, ou seja, a criana abre novas possibilidades de ao.

    AtIvIDADE 3

    Escolha um ou mais fatores do desenvolvimento listados abaixo e complete o texto que se segue.

    Para Piaget, _____________ uma condio imprescindvel para explicar o desenvolvimento intelectual. A partir de nossa ao com os objetos, obtemos informaes sobre suas propriedades e conhe-cimentos lgico-matemticos. Entretanto, ________________ o fator preponderante do desenvolvimento humano porque nos coloca em um patamar superior, nas trocas que fazemos com o meio.

    Maturao orgnica Experincia Transmisso social Processo de equilibrao

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  • AUlA 4

    A Epistemologia Gentica e os processos de construo

    do conhecimento parte II

    Nesta quarta aula, vamos continuar o estudo sobre a Epistemologia Gentica, uma corrente terica formulada por Piaget e seus cola-boradores no incio do sculo XX. Na aula anterior, investigamos o contexto de produo dessa teoria, bem como trabalhamos com seus conceitos bsicos. Vimos que a inteligncia, para Piaget, a capacidade que o ser humano tem de se adaptar ao meio, atravs de processos por ele designados como assimilao e acomodao. Vimos ainda que, para esse pesquisador, no bastam a maturao e a experincia para que o sujeito se desenvolva. preciso tambm haver a transmisso cultural e o processo de equilibrao.

    Nesta aula, vamos continuar a discusso desses conceitos e ampli---la, conhecendo a explicao piagetiana para o desenvolvimento das estruturas cognitivas. Finalizando, vamos refletir sobre as contri-buies dessa teoria para a prtica pedaggica.

    Os objetivos especficos desta aula so:

    Conhecer como a Epistemologia Gentica explica o desenvolvimento das estruturas cognitivas;

    Articular os conhecimentos dessa teoria com a prtica pedaggica .

    INtRODuO

    Nesta aula, vamos nos aprofundar um pouco mais nos conceitos que Piaget formulou sobre o desenvolvimento humano. Voc pode estar se perguntando sobre a importncia de conhecer os processos de construo do conhecimento desde a tenra infncia, uma vez que est se formando para ser um professor de Matemtica que

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    PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM I

    tem como pblico-alvo alunos das sries finais do Ensino Funda-mental e do Ensino Mdio. Isso ocorre porque essa forma de pensar o desenvolvimento o considera a partir de sua gnese, ou seja, no se pode compreender um determinado comportamento humano se no examinarmos o processo de sua construo. Assim, para enten-dermos o que levou um adolescente a ter dificuldades no aprendi-zado de determinado contedo da Matemtica, faz-se necessrio examinarmos sua trajetria escolar, bem como suas experincias de vida. Somente resgatando o processo que poderemos ter uma ideia das lacunas que culminaram na forma como esse adolescente lida com o conhecimento (da Matemtica, por exemplo).

    por essa razo que iremos trabalhar com o percurso empreen-dido pelos seres humanos, desde sua gnese, no nascimento, para desenvolver as estruturas cognitivas, sob a tica de Piaget e seus colaboradores.

    Depois disso, abriremos o debate sobre alguns pontos que julgamos essenciais para que voc conhea os princpios de uma Pedagogia baseada nos conceitos produzidos por esse pesquisador.

    O DESENvOLvIMENtO DAS EStRutuRAS COGNItIvAS

    Para Piaget, o desenvolvimento humano se caracteriza por uma srie de equilibraes sucessivas que nos levam a maneiras de pensar e agir cada vez mais complexas. Esse processo apresenta estgios ou perodos que se definem pela organizao de uma estrutura e que se sucedem em uma ordem fixa, de maneira que um estgio sempre integrado ao seguinte.

    AtIvIDADE 1

    Retome, da aula anterior, o conceito de processo de equilibrao e responda:

    1. O que voc entendeu sobre esse conceito?

    2. Por que podemos dizer que o desenvolvimento humano se caracteriza por uma srie de equilibraes sucessivas?

    Piaget destaca quatro perodos principais no desenvolvimento cognitivo:

    1. Perodo sensrio-motor (do nascimento at aproximadamente dois anos)

    Este perodo se caracteriza pela ao da criana no mundo. Inicial-mente, essa ao est voltada para o prprio corpo, para depois, gradativamente, deslocar-se para os objetos. preciso que a criana

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    AULA 4

    explore os objetos sua volta, agrupando-os, combinando-os, separando-os, juntando-os. Durante esse estgio, atravs da expe-rincia corporal, a criana elabora noes de tempo, espao e causa-lidade, bem como adquire o que Piaget chama de permanncia dos objetos. Isso significa que o mundo se torna estvel, ou seja, as pessoas e os objetos continuam existindo, mesmo que no estejam em seu campo de viso.

    O final do perodo sensrio-motor marcado pela aquisio da funo simblica, ou seja, a criana comea a ter a capacidade de atuar sobre os objetos no s fisicamente, mas tambm mental-mente. Passa a representar os objetos, transformando os esquemas de ao em esquemas representativos. Voc sabe o que repre-sentao? a capacidade de reproduzir, mentalmente, aquilo que est fora do alcance da nossa vista. Assim, se falamos a palavra cachorro, mesmo no tendo esse animal presente, somos capazes de represent-lo mentalmente. A aquisio da linguagem o marco da mudana do estgio sensrio-motor para o prximo estgio.

    2. Perodo pr-operatrio (entre dois e sete anos, aproximadamente)

    O desenvolvimento da capacidade de representao cria condies para o desenvolvimento das diversas linguagens. Agora, o mundo se re-apresenta criana com seus significados culturais e ela passa a fazer um novo trabalho: explor-lo de forma simblica (a criana capaz de falar sobre os objetos, desenh-los, escrever sobre eles etc.). Representando o mundo mentalmente, a criana o interio-riza.

    Embora organize um grande acervo de conhecimento, a criana ainda tem comprometimentos no campo da diferenciao entre o eu e o mundo. Assim, a percepo passa a ser o guia para a organi-zao do seu ponto de vista. Dessa forma, ela comete erros, porque no capaz de considerar mais de uma dimenso do problema. Quem nunca teve a experincia de observar uma criana de quatro anos chorar porque quer o refrigerante na garrafa, mesmo vendo sua me derramar todo seu contedo em um copo grande? Para ela, o que interessa a altura do lquido. Nesse caso, no capaz, ainda, de considerar duas dimenses do objeto ao mesmo tempo: altura e largura. A criana confia em sua percepo da realidade, ou seja, naquilo que v e no questiona.

    Centrada em seu mundo e no mundo humano, a criana costuma explicar os fenmenos fsicos atravs de aes humanas e mesmo considerar os objetos da natureza como dotados de caractersticas humanas. Assim, o sol trabalha durante o dia e vai dormir no Japo, os bichos falam e resolvem problemas maneira humana, fenmenos da natureza acontecem pela ao humana. Esses racioc-nios pr-lgicos necessitam tambm de um longo perodo de desen-

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    PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM I

    volvimento para se transformarem em operaes lgicas. O final do perodo pr-operatrio marcado pelo pensamento reversvel.

    3. Perodo de operaes concretas (entre sete e onze anos, aproximadamente)

    Operaes so aes mentais que possibilitam criana fazer cons-tataes e construir explicaes. Essas aes so regidas por regras, como o caso da reversibilidade.

    Vamos explorar um pouquinho esse conceito, voltando ao exemplo anterior, em que a criana no aceita tomar o refrigerante no copo. Quando a regra da reversibilidade passa a fazer parte de sua estru-tura cognitiva, ou seja, quando a criana entra no perodo de opera-es concretas, ela capaz de, mentalmente, fazer a ao contrria, ou seja, voltar o lquido do copo para a garrafa e se certificar de que a quantidade permanece a mesma. Ou, ainda, ela capaz de pensar: se ningum tirou nem colocou refrigerante, a quantidade s pode ser a mesma. A reversibilidade , portanto, a capacidade de fazer o movimento inverso, voltando ao ponto de partida.

    Essa capacidade marca a entrada da criana no perodo de operaes concretas. A percepo, dessa forma, passa a ser regida pela lgica. Embora eu veja que a altura do lquido ficou maior ou menor, conforme mudo o lquido de um recipiente para o outro, sei que a quantidade no muda, porque posso retornar ao primeiro reci-piente e verificar que a quantidade permanece. Assim, a criana passa a lidar com uma srie de dimenses dos problemas ao mesmo tempo (nesse caso, altura e largura).

    Entretanto, o pensamento infantil ainda tem limitaes. Nesse estgio, as operaes s so aplicveis a objetos concretos e presentes no ambiente. A passagem do perodo de operaes concretas para o prximo perodo marcado pelo pensamento lgico, prprio do ltimo perodo do desenvolvimento cognitivo sistematizado por Piaget.

    4. Perodo de operaes formais (a partir dos onze, doze anos, aproximadamente)

    somente na adolescncia que o ser humano adquire a capacidade de pensar a partir de conceitos abstratos. As operaes lgicas, que no perodo anterior s podiam ser aplicadas a objetos concretos, agora podem tambm ser aplicadas a hipteses formuladas em pala-vras. Vejamos alguns exemplos que podem nos ajudar a compre-ender esse estgio.

    Em nosso cotidiano, atravs da experincia prtica, qualquer criana pode saber quando uma gua ferve, observando o fen-meno perceptivamente e relacionando-o com um conceito cons-trudo no cotidiano. gua fervendo = gua quente e borbulhante. Dessa forma, a criana relaciona uma operao mental a um objeto.

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    Mas somente na adolescncia, com a capacidade de abstrair, que o adolescente capaz de entender esse fenmeno fsico, ou seja: gua fervendo = mudana de estado fsico, de lquido para vapor, em que as molculas adquirem maior velocidade e as ligaes entre elas se desfazem. O conceito de molculas, por exemplo, s pode ser entendido quando a pessoa capaz de operar apenas utilizando palavras e modelos tericos. Na verdade, no podemos ver molculas, toc-las, mas inferimos sua existncia de observa-es feitas por cientistas que reuniram evidncias (provas) de sua existncia.

    Assim, o adolescente no tem necessidade de estar diante de objetos concretos para pensar sobre a realidade. Discutir sobre o universo, buracos negros, micro-organismos, ideologia, construir sistemas e teorias das mais originais passa a ser o brinquedo favorito dos adolescentes, ainda mais quando essas teorias contradizem o modo de pensar estabelecido pelo adulto.

    Outra caracterstica prpria do adolescente, que inicia essa nova forma de pensar a realidade, a capacidade metacognitiva, ou seja, aquela de fazer uma reflexo sobre a capacidade de refletir. Assim, a tomada de conscincia do propsito de seu prprio pensa-mento libera o adolescente do tempo presente e da concretude da vida cotidiana. Pensar teoricamente e hipoteticamente passa a ser considerado. A realidade concreta se amplia para uma outra, plena de possibilidades.

    AtIvIDADE 2

    Considerando o que voc aprendeu sobre os estgios de desenvolvi-mento cognitivo, INCORRETO afirmar que

    a) a reversibilidade a capacidade que as crianas adquirem no perodo de operaes concretas e d ao pensamento a possi-bilidade de fazer operaes inversas.

    b) a aquisio da funo simblica abre para a criana a possibi-lidade de desenvolver uma diversidade de linguagens que ela passar a usar na explorao do seu universo cultural.

    c) estudar sobre tomos e molculas mais apropriado na adolescncia porque o perodo em que a pessoa inicia o pensamento abstrato.

    d) permanncia do objeto um conceito que Piaget cons-truiu para explicar o momento em que os bebs acreditam na existncia de um objeto desde que esteja em seu campo de viso.

    e) no perodo pr-operatrio, a criana tem dificuldade em lidar com mais de uma dimenso do problema ao mesmo tempo.

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    PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM I

    CONStRutIvISMO E SALA DE AuLA

    A teoria piagetiana causou o maior rebolio quando chegou prtica educativa, pois revolucionou a noo de sujeito aprendiz. Mostrou, tambm, a importncia da atividade da criana e do adolescente para que haja construo de conhecimento. O Cons-trutivismo, como ficou conhecido junto comunidade escolar, no s mexeu com a ideia que tnhamos sobre o desenvolvimento e a aprendizagem, como mudou toda a forma de ver e de pensar a escola. Problematizou a noo de erro e acerto e mostrou que a escola no o lugar de acertar perguntas que o professor faz, mas o lugar de aprender a perguntar sobre os mistrios do mundo. Mudou tambm a relao entre professor e aluno, trazendo consequncias profundas para a organizao e o planejamento das atividades esco-lares.

    Vejamos algumas dessas consequncias que mudaram o cenrio da sala de aula refletindo sobre alguns princpios.

    O conhecimento tem gnese e se desenvolve

    Como j dissemos anteriormente, Piaget construiu um modelo explicativo do desenvolvimento cognitivo tomando como referen-cial a ideia de que o conhecimento tem gnese, ou seja, ele se origina no momento em que as crianas transformam os comportamentos reflexos em comportamentos aprendidos, e, consequentemente, se desenvolve por meio da interao que os sujeitos estabelecem com o meio fsico e social. Alm de descrever esse processo, Piaget criou um modelo para explicar tais transformaes (BECKER, 2001).

    Podemos compreender melhor essa ideia com um exemplo. Voc, como professor de Matemtica, ao introduzir um novo conceito referente ao campo da geometria, ter que contar com o fato de que os alunos iniciam um processo de apropriao desse conceito. Por exemplo, alunos da 6 srie, ao tomarem contato com o conceito de tangente, na geometria, colocaram vrias questes que surpre-enderam o professor. Diante do conceito apresentado, a tangente uma reta que corta a circunferncia em apenas um ponto, os alunos colocaram diversos questionamentos: como sabemos que a reta corta em apenas um ponto? O que o ponto? possvel dimen-sion-lo?

    Embora j fosse uma prtica corrente o debate em sala de aula, o professor no contava com tanto questionamento e se viu em apuros para discutir essas dimenses do conhecimento matemtico. Ao final da aula, uma das alunas concluiu: fcil repetir o que o professor ensina, o difcil entend-lo" (SOARES; GOULART, 2008).

    Esse exemplo ilustra bem o princpio de que os conceitos tm gnese, ou seja, apropri-los requer um longo processo que envolve

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    AULA 4

    a ao dos sujeitos e o tempo de elaborao. Portanto, importante que o professor crie estratgias desafiadoras para que o aluno possa interagir com esse novo conhecimento utilizando diversas lingua-gens, refletindo sobre o problema apresentado, usando suas habili-dades j adquiridas e dialogando com seus colegas. Como podemos ver, dentro da perspectiva piagetiana, a aprendizagem um longo processo em que o sujeito precisa agir sobre o ambiente para que possa se apropriar de seu significado.

    vetor do desenvolvimento

    Para Piaget, o desenvolvimento se faz em um movimento que vai do individual para o social. Para ele, a criana no nasce com as estruturas cognitivas, mas sim com a capacidade de constru-las. Ento, de onde vem o conhecimento? No herdado aprioristi-camente, como queria acreditar a Teoria Inatista-maturacionista, nem adquirido diretamente do meio fsico e social. Para Piaget, o conhecimento construdo. Essa construo se d no encontro (interao) da herana gentica com o meio. Nesse encontro a criana age sobre o meio e modifica tanto suas estruturas internas quanto o prprio meio. Dessa forma, na perspectiva piagetiana, o desenvolvimento o motor que permite ao sujeito aprender o que quer que esteja em seu ambiente.

    Aquilo que a criana pode ou no aprender determinado pelo nvel de desenvolvimento de suas estruturas cognitivas.

    Conflito cognitivo e erro construtivo

    Piaget problematizou a questo do erro. Ele nos ajudou a compre-ender que nem todo erro igual. Existem, pelo menos, duas catego-rias de erros. Podemos denominar a primeira categoria como erros comuns ou er