Segmentação no mercado de trabalho brasileiro: diferenças entre o ...
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Universidade de So Paulo Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz
Segmentao no mercado de trabalho brasileiro: diferenas entre o setor agropecurio e os setores no agropecurios, perodo de 2004 a 2009
Priscila Casari
Tese apresentada para obteno do ttulo de Doutor em Cincias. rea de concentrao: Economia Aplicada
Piracicaba 2012
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Priscila Casari
Economista
Segmentao no mercado de trabalho brasileiro: diferenas entre o setor agropecurio e os setores no agropecurios, perodo de 2004 a 2009
Orientador: Prof. Dr. CARLOS JOS CAETANO BACHA Tese apresentada para obteno do ttulo de Doutor em Cincias. rea de concentrao: Economia Aplicada
Piracicaba 2012
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Dados Internacionais de Catalogao na Publicao DIVISO DE BIBLIOTECA - ESALQ/USP
Casari, Priscila Segmentao no mercado de trabalho brasileiro: diferenas entre o setor
agropecurio e os setores no agropecurios, perodo de 2004 a 2009 / Priscila Casari. - - Piracicaba, 2012.
139 p. : il.
Tese (Doutorado) - - Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, 2012.
1. Agropecuria 2. Mercado de trabalho - Brasil 3. Modernizaco da agricultura 4. Segmentao de mercado 5. Trabalho - Rendimento I. Ttulo
CDD 331.763 C335s
Permitida a cpia total ou parcial deste documento, desde que citada a fonte O autor
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DEDICATRIA
Para Edna Rosa Gibertoni e Aninha Casari.
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AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, Prof. Dr. Carlos Jos Caetano Bacha, pela ateno, confiana, apoio e
generosidade ao me ensinar, me ouvir e me aconselhar em relao ao curso de doutorado,
alm da orientao cuidadosa e rigorosa que muito contribuiu para o desenvolvimento desta
tese.
Ao Prof. Dr. Rodolfo Hoffmann, Profa. Dra. Ana Lcia Kassouf e Prof. Dr. Humberto
Francisco Silva Spolador, pelas consideraes feitas no exame de qualificao. Especialmente
ao Prof. Dr. Rodolfo Hoffmann, pela disponibilidade em me receber e tirar dvidas e pelas
sugestes que aperfeioaram este trabalho.
Ao Prof. Dr. Luiz Guilherme Dcar da Silva Scorzafave e Profa. Dra. Elaine Toldo Pazello,
por terem compartilhado generosamente seus conhecimentos ao ministrar a disciplina
Economia do Trabalho no segundo semestre de 2008.
Ao Prof. Dr. Sandro Eduardo Monsueto, pela leitura atenta e crtica da verso preliminar desta
tese.
Maria Aparecida Maielli Travalini, pela presteza, eficincia e simpatia no atendimento dos
alunos na secretaria do Programa de Ps-Graduao em Economia Aplicada.
Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de So Paulo (ESALQ
USP), pela oportunidade de realizao do curso de doutorado.
Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES), pelo apoio
financeiro.
Aos colegas e Diretora da Faculdade de Administrao, Cincias Contbeis e Cincias
Econmicas da Universidade Federal de Gois, Profa. Dra. Maria do Amparo Albuquerque
Aguiar, pela confiana em me receber como professora e pela compreenso nos momentos em
que me ausentei de Goinia para a concluso desta tese.
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6 Aos meus colegas de doutorado, pelo companheirismo nos momentos de estudos e diverso.
Especialmente, Maria Andrade Pinheiro, pela grande amizade e pacincia em morar comigo,
e a Jernymo Marcondes Pinto, Juliana Maria de Aquino e Pedro Rodrigues de Oliveira, com
quem dividi minhas alegrias e angstias nesses ltimos quatro anos.
Adriana Ferreira Silva, Flvio da Silva Cardoso, Rochane de Oliveira Caram e Ana
Carolina Nascimento Santos, que receberam eu e a Maria na vila onde moramos e tornaram os
momentos de convivncia em felicidade.
s queridas Juliana Antunes Galvo, que carinhosamente me acolheu neste ltimo ms em
Piracicaba, e Cristiane Feltre, pela amizade sincera.
Maringela Grola, Dbora Bellinghini, Flora Lee Nien Caetano Chang, Maria Fernanda
Gomes Villalba Peaflor, Luiza Meneguelli Fassarella e Maurcio Jorge Pinto de Souza, pelos
grandes momentos de diverso.
A Tiago Barbosa Diniz, Rafael Lopes Jacomini, Javier Bernal, Gabriel Bruno de Lemos,
Andr Luis Ramos Sanches e Michel Augusto Santana da Paixo, por me receberem em sua
casa.
Ao Andr da Cunha Bastos, meu namorado, que adicionou amor ao conhecimento e amizade
obtidos durante o doutorado e tornou minha vida mais doce e mais feliz.
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SUMRIO
RESUMO ................................................................................................................................ .9
ABSTRACT ............................................................................................................................ 11
1 INTRODUO .................................................................................................................... 13
2 TEORIA E EVIDNCIAS SOBRE A SEGMENTAO DO MERCADO DE
TRABALHO ......................................................................................................................... 17
2.1 Teoria da segmentao do mercado de trabalho ................................................................ 17
2.2 Evidncias sobre segmentao do mercado de trabalho no Brasil .................................... 22
2.3 Algumas evidncias internacionais sobre a segmentao do mercado de trabalho
relacionada agropecuria ................................................................................................ 28
3 PROCESSO DE MODERNIZAO DA AGROPECURIA E SEUS IMPACTOS
SOBRE O MERCADO DE TRABALHO ......................................................................... 33
3.1 Processo de modernizao da agropecuria ...................................................................... 33
3.2 Impactos da modernizao sobre o mercado de trabalho agropecurio ............................ 37
4 METODOLOGIA ................................................................................................................. 41
4.1 Mtodos economtricos ..................................................................................................... 41
4.1.1 Logit multinomial ........................................................................................................... 41
4.1.2 Procedimento de Heckman ............................................................................................. 45
4.1.3 Decomposio de Oaxaca ............................................................................................... 48
4.1.4 Modelo de seleo com probit ordenado ........................................................................ 50
4.2 Dados utilizados e variveis analisadas ............................................................................. 53
5 RESULTADOS .................................................................................................................... 67
5.1 Anlise da alocao da mo de obra entre o setor agropecurio e os outros setores ......... 67
5.2 Anlise do diferencial de rendimentos entre o setor agropecurio e os outros setores ..... 86
5.3 Anlise do diferencial de rendimentos entre a primeira e a segunda ocupao
Remunerada ........................................................................................................................... 103
6 CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................. 117
REFERNCIAS .................................................................................................................... 121
APNDICE ........................................................................................................................... 127
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RESUMO
Segmentao no mercado de trabalho brasileiro: diferenas entre o setor agropecurio e
os setores no agropecurios, perodo de 2004 a 2009
O objetivo geral desta tese avaliar a segmentao setorial, entre a agropecuria e os setores no agropecurios, no mercado de trabalho brasileiro de 2004 a 2009. A segmentao do mercado de trabalho reduz a mobilidade de trabalhadores entre os setores, alterando a alocao desses e gerando diferencial de rendimentos entre os trabalhadores. Para a anlise do impacto da segmentao sobre a alocao dos trabalhadores, estimado um modelo de escolha multinomial de forma a determinar qual o efeito de cada caracterstica sobre a probabilidade do indivduo pertencer a um dos estados de emprego, desemprego e inatividade propostos. E, para a avaliao do impacto da segmentao sobre o diferencial de rendimentos, inicialmente, os determinantes do rendimento so estimados por meio do procedimento de Heckman, controlando-se a seleo para os trabalhadores remunerados. O impacto da segmentao sobre o diferencial de rendimentos avaliado por meio de uma varivel binria para o setor agropecurio (regresso de rendimentos inclui a agropecuria e os demais setores) e pela decomposio de Oaxaca (regresses de rendimentos separadas para a agropecuria e para os demais setores). Em seguida, a diferena entre os rendimentos explicada considerando-se a populao com duas ocupaes, utilizando um procedimento em dois estgios com seleo por meio de um modelo de escolha ordenada. Neste modelo, procura-se avaliar o impacto da segmentao sobre a diferena entre o rendimento da primeira e da segunda ocupao de um mesmo indivduo, assim controlando suas caractersticas no observveis. Em todas as estimativas, so utilizados dados da Pesquisa Nacional por Amostra em Domiclios (PNAD). Os resultados mostram que h segmentao setorial entre a agropecuria e os setores no agropecurios (tomados em conjunto), sendo que a mobilidade entre esses dois setores limitada, principalmente, pelas seguintes caractersticas: a escolaridade do indivduo, ser cnjuge, ser indgena e morar na zona rural. Alm disso, h diferencial de rendimentos em favor dos setores no agropecurios, que tambm apresentam mercado de trabalho interno mais desenvolvido que a agropecuria, pois so percebidos maiores incentivos mobilidade na carreira e reduo da rotatividade dos trabalhadores naqueles setores. A tese encerra-se com a proposio de algumas polticas que possam minimizar os efeitos da segmentao e aumentar o bem-estar dos trabalhadores. Palavras-chave: Mercado de trabalho; Rendimento do trabalho; Segmentao; Agropecuria;
Setores no agropecurios
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ABSTRACT
Labor segmentation in Brazil: differences between the agriculture sector and the non-agriculture sectors, period from 2004 to 2009
The objective of this thesis is to evaluate the sectoral segmentation between agriculture and non-agriculture in the Brazilian labor market from 2004 to 2009. The labor market segmentation reduces the mobility of workers among sectors, changing the allocation of workers and generating income differential among them. To analyze the impact of segmentation on the allocation of workers, a multinomial choice model is estimated in order to determine the effect of each characteristic on the probability of an person belonging to one of the proposed situation of employment, unemployment and inactivity. And, to assess the impact of segmentation on the income differential, initially, the determinants of income are estimated by the Heckman procedure, controlling the selection of paid workers. The impact of segmentation on the income differential is evaluated by a binary variable for the agricultural sector (regression of income includes agriculture and other sectors) and the Oaxaca decomposition (separate regressions of income for agriculture and other sectors). Then, the income difference is explained by considering the population with two jobs, using a procedure in two stages with selection through an ordered choice model. In this model, we attempt to assess the impact of segmentation on the difference between the earnings of the first and second occupation of the same person, what permits to control the unobservable characteristics. Data used is from the National Sample Survey of Households (PNAD). The results show that there is segmentation between agriculture and non-agriculture and mobility between the two sectors is primarily limited by the following characteristics: formal education, marital status, being indigenous and living in rural areas. In addition, there is income differential in favor of non-agricultural sector, which also have internal labor market more developed than agriculture, as there are greater incentives to career mobility and reduction of labor turnover in those sectors. The thesis concludes with the proposition of some policies that can minimize the effects of segmentation and increase the welfare of workers. Keywords: Labor market; Labor earnings; Segmentation; Agriculture; Non-agriculture sectors
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1 INTRODUO
A agropecuria sempre foi uma atividade importante para a economia brasileira, mas,
apesar de sua relevncia, os trabalhadores desse setor apresentam rendimentos menores que os
trabalhadores de outros setores. No perodo de 2004 a 2009, segundo dados da Pesquisa
Nacional por Amostra em Domiclios (PNAD), o rendimento mdio por hora do trabalho
principal1 na agropecuria era de R$ 3,87, enquanto nos demais setores (tomados em
conjunto), esse rendimento era de R$ 7,12.
Uma forma de se explicar essa diferena dada pela teoria da segmentao do
mercado de trabalho. Autores como Doeringer e Piore (1971), Vietoriz e Harrison (1973) e
Reich, Gordon e Edwards (1973) argumentam que o diferencial de rendimentos no explicado
por diferenas nas habilidades dos indivduos pode ocorrer por diferenas entre os setores de
atividade, gerando o que se chama de segmentao do mercado de trabalho.
Segundo a teoria da segmentao, o setor que a apresenta maiores rendimentos do
trabalho chamado de setor primrio e alta produtividade, progresso tcnico, grandes
empresas com alta relao capital / produto, existncia de linhas de promoo dentro das
prprias firmas, oferecimento de treinamento no prprio trabalho, promoo por antiguidade,
estabilidade e trabalhadores sindicalizados. Por outro lado, o setor que apresenta menores
rendimentos do trabalho chamado setor secundrio e algumas de suas caractersticas so:
baixa produtividade, estagnao tecnolgica, firmas competitivas com pouco capital e
pequeno lucro, alta rotatividade da mo de obra, empregos que exigem pouco treinamento ou
qualificao, poucas oportunidades de promoo e trabalhadores no sindicalizados.
Na agropecuria, podem ser observadas caractersticas relacionadas ao baixo
rendimento e pouca qualificao do trabalhador, sugerindo esse poder ser um setor
secundrio. No entanto, a agropecuria tem se modernizado e a produtividade dos
trabalhadores tem aumentado, gerando dvida se h ou no diferencial de rendimentos entre a
agropecuria e os demais setores devido segmentao setorial.
Diante da modernizao da agropecuria e do diferencial de rendimentos existente,
questiona-se: h segmentao entre o setor agropecurio e os setores no agropecurios no
mercado de trabalho brasileiro? Se houver essa segmentao, qual a contribuio da
segmentao para o diferencial de rendimentos?
1 Valor atualizado para setembro de 2009 pelo ndice Nacional de Preos ao Consumidor (INPC).
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Um problema que decorre da avaliao da segmentao que muitas habilidades
individuais que aumentam a produtividade e que poderiam gerar diferenciais de rendimento
no so observveis, assim, a contribuio da segmentao para explicar o diferencial de
rendimentos poderia mal dimensionada. Taubman e Watchter (1986) sugerem comparar
indivduos idnticos com a mesma ocupao em diferentes setores, ento tambm se procura
responder: o diferencial de rendimentos persiste quando so controladas as habilidades no
observveis dos indivduos? E, se o diferencial persistir, ele est associado segmentao do
mercado de trabalho?
Encontrar indivduos idnticos, especialmente quando se prope controlar
caractersticas no observveis, pode ser complicado. Ento, uma possibilidade estudar
pessoas que tenham duas ocupaes, pois a habilidade do indivduo, mesmo que no
observvel, se mantm constante em ambos os empregos. No Brasil, segundo dados das
PNADs de 2004 a 2009, 4,38% dos trabalhadores remunerados tm dois empregos.
Alm disso, uma vez que h diferena de rendimento dos trabalho entre setores de
atividade, deve haver tambm diferenas entre os trabalhadores da agropecuria e dos setores
no agropecurios, pois um dos fatores mais importantes para a deciso de o indivduo
trabalhar ou no em um setor o rendimento a ser obtido de seu trabalho.
Para Doeringer e Piore (1971), os indivduos, mesmo que inicialmente iguais, moldam
seu comportamento e pensamento no ambiente de trabalho, sendo que caractersticas do setor
secundrio (que gera menor rendimento), como irregularidade e impontualidade, so
aprendidas e tornam-se habituais, diminuindo a mobilidade entre os setores. Assim, se houver
segmentao entre o setor agropecurio e os demais setores, o trabalhador, uma vez
empregado na agropecuria, teria dificuldade de conseguir um emprego em outro setor de
atividade. Logo, questiona-se: quais so as caractersticas dos trabalhadores ocupados e dos
desempregados da agropecuria e dos setores no agropecurios (tomados em conjunto)?
Como essas caractersticas se relacionam segmentao e alocao da mo de obra?
A partir do contexto supracitado e das dvidas levantadas, o objetivo geral desta tese
avaliar a segmentao setorial, entre agropecuria e os setores no agropecurios (tomados em
conjunto), no mercado de trabalho brasileiro de 2004 a 2009, focando na alocao e no
rendimento dos trabalhadores. Especificamente, procura-se:
1. analisar as caractersticas socioeconmicas dos trabalhadores e os determinantes do
emprego e do desemprego no setor agropecurio e no agropecurio, estabelecendo
uma relao entre as caractersticas dos trabalhadores e a segmentao na alocao de
mo de obra entre os setores;
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2. determinar os rendimentos dos trabalhadores em cada setor (agropecurio versus no
agropecurio), quantificando a contribuio da segmentao para o diferencial de
rendimentos do trabalho principal;
3. estudar a populao que tem duas ocupaes, analisando o impacto da segmentao
sobre a diferena entre os rendimentos do trabalho na primeira e na segunda ocupao,
na agropecuria e nos demais setores (tomados em conjunto).
Para alcanar esses objetivos, os dados da Pesquisa Nacional por Amostra em
Domiclios (PNAD) de 2004 a 2009 so utilizados. Esse perodo foi escolhido, pois, desde
2004, a PNAD vlida tambm a zona rural da regio Norte. Os resultados so divididos em
anlise do diferencial de rendimentos e da alocao dos trabalhadores. Em ambas as anlises,
so apresentadas estatsticas descritivas sobre a populao estudada. Para a anlise da
alocao dos trabalhadores, estimado um modelo de escolha multinomial de forma a
determinar qual o efeito de cada caracterstica sobre a probabilidade do indivduo pertencer
a um dos estados de emprego, desemprego e inatividade propostos. E, para a avaliao do
diferencial de rendimentos, inicialmente, os determinantes do rendimento so estimados por
meio do procedimento de Heckman e o impacto da segmentao sobre o diferencial de
rendimentos avaliado por meio de uma varivel binria para o setor agropecurio e pela
decomposio de Oaxaca. Em seguida, a diferena entre os rendimentos tambm explicada
considerando-se a populao com duas ocupaes, utilizando um procedimento em dois
estgios com seleo por meio de um modelo de escolha ordenada.
A pretenso dessa tese contribuir com a avaliao se h ou no segmentao entre o
setor agropecurio e os demais setores no Brasil e, caso ela exista, avaliar qual o seu
impacto sobre o mercado de trabalho, bem como propor polticas que possam minimizar a
segmentao e aumentar o bem-estar do trabalhador.
Alm desta introduo, esta tese est dividida em mais cinco captulos. O prximo
captulo apresenta a reviso da literatura terica e emprica sobre a segmentao do mercado
de trabalho. O captulo 3 discute a modernizao da agropecuria brasileira e os impactos dela
sobre o mercado de trabalho agropecurio no Brasil. O captulo 4 descreve a metodologia
adotada nesta tese. No captulo 5, esto os resultados sobre a alocao dos trabalhadores e
sobre o diferencial de rendimentos entre o setor agropecurio e os outros setores de atividade.
E o captulo 6 encerra a tese com as consideraes finais.
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2 TEORIA E EVIDNCIAS SOBRE A SEGMENTAO DO MERCADO DE
TRABALHO
Este captulo apresenta uma reviso da literatura sobre a teoria da segmentao
abordagem terica utilizada nesta tese e de estudos empricos sobre a segmentao do
mercado de trabalho brasileiro e sobre a segmentao entre setor agropecurio e no
agropecurio em outros pases.
2.1 Teoria da segmentao do mercado de trabalho
Segundo Taubman e Wachter (1986), a segmentao no mercado de trabalho
observada quando h diferenciais de rendimentos que no so justificados por diferenas nas
habilidades dos trabalhadores. Entre os aspectos que podem causar a segmentao tm-se, por
exemplo: caractersticas dos trabalhadores, sua localizao geogrfica e a organizao do
mercado de trabalho como a existncia de sindicatos, regulamentaes do governo e restrio
imigrao.
Segundo Cacciamali (1978), h trs justificativas de diferentes autores para a
existncia da segmentao do mercado de trabalho: o ajuste alocativo (DOERINGER;
PIORE, 1971); o dualismo tecnolgico (VIETORIZ; HARRISON, 1973); e a estratificao
dos trabalhadores (REICH; GORDON; EDWARDS, 1973).
Para Doeringer e Piore (1971), a principal causa da segmentao o ajuste alocativo,
isto , a adequao da alocao dos trabalhadores para a minimizao dos custos das
empresas. Os autores argumentam que as empresas oferecem empregos que exigem diferentes
nveis de habilidades e que h custos associados ao recrutamento, seleo e treinamento de
novos empregados, sendo que quanto maior o nvel de habilidade exigido no emprego,
maiores sero os custos supracitados. Dessa forma, empresas com demandas estveis que no
desejam mudar o nvel de produo, com o objetivo de minimizar seus custos, criam
incentivos para reduzir a rotatividade de trabalhadores. Entre os incentivos criados, os mais
comuns so: boas condies de trabalho e uma linha de promoes que considera o tempo de
experincia do trabalhador naquele emprego, gerando o chamado mercado de trabalho
interno.
O mercado de trabalho interno pode se referir a uma empresa, parte de uma empresa,
vrias empresas de um mesmo ramo de atividade ou por uma comunidade profissional. Nele,
os custos so menores, pois a linha de promoo faz com que, em cada ocupao, o
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trabalhador desenvolva habilidades que so requisitos para a ocupao imediatamente acima.
Assim, a maior parte do recrutamento de novos trabalhadores feita para cargos em que o
nvel de habilidade exigida baixo e, para cargos que exigem maiores habilidades, so
promovidos funcionrios que foram treinados ou que obtiveram o conhecimento necessrio
atravs de sua experincia anterior dentro do mercado de trabalho interno.
Alm disso, o mercado de trabalho interno e a reduo da rotatividade dos
trabalhadores aumentam a interao entre os trabalhadores, formando grupos que tendem a
criar regras informais sobre as aes de seus membros e com membros de fora do grupo.
Essas regras criam um senso de justia e igualdade entre os trabalhadores, pois
homogenezam as prticas de trabalho e influenciam as normas que determinam o rendimento
e a alocao de trabalhadores na empresa.
Dessa forma, no mercado interno, os rendimentos do trabalho e a alocao dos
trabalhadores so determinados por regras formais e informais, h oportunidades de
treinamento, mobilidade na carreira e segurana no emprego. Fora do mercado interno, a
alocao e o rendimento dos trabalhadores depende apenas da oferta e demanda de trabalho,
no havendo garantia de promoes na carreira ou segurana no emprego. Logo, o ajuste
alocativo das empresas gera segmentao, pois separa o mercado de trabalho interno do
restante dos trabalhadores, reduzindo a mobilidade entre o mercado de trabalho interno e o
externo.
Williamson, Wachter e Harris (1975) argumentam que as regras de determinao dos
rendimentos do trabalho e as garantias oferecidas no mercado interno minimizam tambm o
oportunismo e o custo de transao associados troca de emprego ou de empregado. O
oportunismo e o custo de transao surgem porque se as habilidades forem especficas a um
empregador, o trabalhador dever aceitar o rendimento oferecido ou procurar um emprego
que no exija habilidade. Assim, o trabalhador no tem incentivo para investir em treinamento
e, se a empresa deseja um funcionrio com uma habilidade especfica, dever trein-lo. Por
outro lado, tambm no h garantia de que o trabalhador continue no mesmo emprego at
pagar por seu treinamento. Assim, as regras do mercado de trabalho interno se tornam
incentivos para o investimento em capital humano especfico.
Ao contrrio das empresas que mantm estvel seu nvel de produo, empresas com
demandas instveis ou sazonais tm menores incentivos para oferecer boas condies de
trabalho e estabilidade no emprego. Um exemplo citado dos trabalhadores agrcolas: Colher um trabalho, principalmente, no qualificado e temporrio. Por causa de sua natureza transitria e do pagamento por produo, que padroniza os custos do trabalho por unidade produzida, os empregadores fazem poucas tentativas para
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identificar diferenas na produtividade dos trabalhadores. Alm disso, a fora de trabalho segue padres geogrficos e climticos da maturao das culturas agrcolas, tornando o trabalho sempre temporrio e impedindo a formao de vnculos sociais entre os empregadores e trabalhadores. (DOERINGER; PIORE, 1971, p. 41-42, traduo nossa)
Alm do ajuste alocativo de trabalhadores, outra justificativa para a existncia de
segmentao do mercado de trabalho dada por Vietorisz e Harrison (1973). Para esses
autores, a segmentao surge devido s diferenas tecnolgicas entre as atividades
econmicas, pois o segmento de empresas que investe em inovaes tecnolgicas, tambm
incentiva a qualificao da mo de obra, levando ao aumento da produtividade e dos
rendimentos dos trabalhadores do setor.
No entanto, h tambm um segmento de empresas que persiste na utilizao de
tcnicas intensivas em trabalho, alm de no investir na qualificao dos trabalhadores,
mantendo a produtividade e os rendimentos constantes e defasados em relao ao segmento
de empresas que investem em tecnologia. Esse dualismo tecnolgico, segundo Vietorisz e
Harrison (1973), segmenta o mercado de trabalho entre atividades econmicas que investem
em tecnologia e qualificao da mo de obra e atividades intensivas em mo de obra de baixa
qualificao.
Por ltimo, Reich, Gordon e Edwards (1973) argumentam que a segmentao surge
como uma funcionalidade do sistema capitalista, pois ao dividir os trabalhadores em
segmentos, esse sistema diminui o poder de barganha dos trabalhadores. Os autores explicam
que os trabalhadores que participam do mercado de trabalho interno e aqueles excludos desse
mercado tm interesses opostos, portanto, a segmentao os estratificaria e seria um esforo
consciente dos empresrios no sentido de conquistar os trabalhadores que fazem parte do
mercado de trabalho interno.
Uma forma de aumentar o poder de barganha dos trabalhadores a sindicalizao.
Doeringer e Piore (1971) afirmam que os trabalhadores de mercados internos de trabalho se
organizam em sindicatos buscando reforar a estabilidade no emprego e a evoluo do
trabalhador ao longo da linha de promoo. Entretanto, os sindicatos tambm servem s
empresas na medida em que colaboram para a formao de grupos sociais que levam
padronizao das prticas dos trabalhadores e, por meio da negociao, colaboram ainda para
a flexibilizao de regras institucionais que determinam, principalmente, o rendimento e a
alocao de trabalhadores.
A partir da discusso realizada por Doeringer e Piore (1971), Vietorisz e Harrison
(1973) e Reich, Gordon e Edwards (1973), pode-se diferenciar o setor primrio, formado
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pelas atividades econmicas, empresas ou comunidades profissionais em que h mercado de
trabalho interno; e o setor secundrio, em que est o restante das oportunidades de trabalho.
Lima (1980) caracteriza esses setores da seguinte forma:
setor primrio: aquele que apresenta rendimentos dos trabalhadores relativamente
altos, produtividade alta, progresso tcnico, existncia de firmas grandes e com alta
relao capital / produto, existncia de canais de promoo dentro das prprias firmas,
oferecimento de treinamento no prprio trabalho, promoo por antiguidade,
estabilidade e trabalhadores sindicalizados;
setor secundrio: aquele que apresenta rendimentos dos trabalhadores relativamente
baixos, baixa produtividade, estagnao tecnolgica, firmas competitivas com pouco
capital e pequeno lucro, alta rotatividade da mo de obra, nveis relativamente altos de
desemprego, ms condies de trabalho, empregos que exigem pouco treinamento ou
qualificao, oportunidades de aprendizado quase nulas, poucas oportunidades de
promoo e os trabalhadores, em geral, no so sindicalizados.
Cacciamali (1978) diferencia as ocupaes em cada um desses dois setores. No setor
primrio, h ocupaes que exigem iniciativa prpria e criatividade (classificadas pela autora
como ocupaes do setor primrio independente) e ocupaes que exigem a aceitao de
normas e que tm pequeno poder de deciso (classificadas como ocupaes do setor primrio
rotineiro). J no setor secundrio, alm das caractersticas tambm citadas por Lima (1980), as
ocupaes no esto inseridas em linhas de promoo e os hbitos de trabalho no so
estveis.
Dessa forma, h uma economia dual e a distribuio dos trabalhadores entre os setores
primrio e secundrio deve ser analisada. Cacciamali e Fernandes (1993) mostram o impacto
da segmentao sobre o rendimento e a alocao dos trabalhadores nos setores primrio e
secundrio, como no grfico 1 abaixo. No eixo das abscissas est a quantidade de
trabalhadores (L) e no eixo das ordenadas est o rendimento do trabalho (w). O equilbrio em
cada segmento de trabalho dado por curvas especficas de oferta e demanda de trabalho.
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Grfico 1 Determinao do rendimento e do nmero de trabalhadores nos setores primrio e
secundrio Fonte: elaborado pela autora com base em Cacciamali e Fernandes (1993).
Cacciamali e Fernandes (1993) consideram que, no setor primrio, exigida uma
habilidade x, obtida por meio do investimento em capital humano, a qual, no setor secundrio,
no necessria. Assim, o equilbrio no setor primrio seria (L1, w1) e, no setor secundrio,
(L2, w2). Percebe-se que w1 maior que w2, no entanto, essa diferena deve-se s maiores
habilidades dos trabalhadores no setor primrio.
Alm disso, para reduzir a rotatividade dos trabalhadores e minimizar seus custos, o
setor primrio tem incentivo para oferecer melhores condies de trabalho, como maiores
rendimentos. Isso leva ao rendimento acima do equilbrio, w1, que diminui o nmero de
trabalhadores no setor primrio de L1 para L1.
Ento, os trabalhadores (L1 - L1), embora tenham a habilidade x, dependendo de seu
salrio de reserva, passam a ofertar trabalho no setor secundrio, fazendo a curva de oferta se
deslocar de Ss para Ss e o equilbrio, para (L2, w2). Consequentemente, o diferencial de
rendimentos do trabalhador entre o setor primrio e o secundrio pode ser decomposto entre a
parte que se deve s diferenas nas habilidades, (w1 w2), e outra devido segmentao do
mercado de trabalho [(w1 w2) - (w1 w2)].
Nesta situao, observa-se que uma parcela dos trabalhadores apresenta iguais
habilidades x e rendimentos diferentes, w1 e w2. Resta discutir, ento, como se determina
quais trabalhadores so alocados no setor primrio e quais so alocados no setor secundrio,
dadas as mesmas habilidades.
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Segundo Doeringer e Piore (1971), a alocao dos trabalhadores depende tanto de suas
caractersticas socioeconmicas, como da experincia no emprego e na firma. A experincia
importante, pois os indivduos, mesmo que inicialmente iguais, moldam seu comportamento e
pensamento no ambiente de trabalho, sendo que caractersticas do setor secundrio, como
irregularidade e impontualidade, so aprendidas e tornam-se habituais, assim diminuindo a
mobilidade entre os setores.
Em relao s caractersticas socioeconmicas, Kon (2004) argumenta que
caractersticas do trabalhador como gnero, raa, escolaridade, idade, experincia, entre outras
so utilizadas para determinar o preenchimento de postos de trabalho no mercado primrio ou
secundrio. Assim, caractersticas histricas do trabalhador so um empecilho para a mudana
nas condies de trabalho e rendimento, devido repetio de hbitos ou ao preconceito.
E, para Ehrenberg e Smith (2000), a segmentao do mercado trabalho pode levar
perpetuao da discriminao, pois uma grande proporo de minorias e de mulheres tem sido
empregada no mercado secundrio. Isso faz com que essa populao apresente currculos
mais instveis, que, na verdade, so resultados das poucas oportunidades dadas a essas
pessoas no setor primrio.
Dessa forma, o resultado da segmentao no mercado de trabalho, apontam Taubman
e Wachter (1986), que os rendimentos e as condies de trabalho so diferentes mesmo para
indivduos comparveis, levando ao subemprego de bons trabalhadores.
Na prxima seo, procura-se rever as evidncias empricas sobre o mercado de
trabalho brasileiro que so baseadas na teoria da segmentao.
2.2 Evidncias sobre segmentao do mercado de trabalho no Brasil Nesta seo, so apresentadas diferentes evidncias sobre a segmentao do mercado
de trabalho. Estas evidncias tratam de caractersticas gerais do mercado de trabalho interno, e
tambm de aspectos especficos da segmentao, como: diviso entre mercado formal e
informal, segmentao ocupacional, participao sindical e, por ltimo, a segmentao devido
aos setores de atividade econmica.
No Brasil, a primeira pesquisa sobre segmentao do mercado de trabalho data do
final da dcada de 1970. Cacciamali (1978) analisou os principais aspectos da segmentao
do mercado de trabalho em estabelecimentos industriais na cidade de So Paulo. A autora
criou grupos de ocupaes de acordo com o tipo de trabalho e a qualificao exigida e
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analisou as contrataes, promoes, rotatividade, treinamento e rendimentos, utilizando
dados de uma pesquisa de campo realizada em 1976.
Os resultados mostram que as ocupaes de superviso so aquelas que mais
evidenciam o mercado interno e, ao contrrio, as ocupaes que no exigem qualificao so
menos sujeitas s regras do mercado interno2. Para Cacciamali (1978), a probabilidade
daqueles que tm ocupaes de baixa qualificao serem promovidos a ocupaes superiores
pequena e isso, aliado baixa remunerao e s ms condies de trabalho, leva o
trabalhador mudana de emprego.
Em relao ao treinamento, a autora observou que os trabalhadores treinam-se na
empresa, desempenhando suas funes e observando outros trabalhadores. O treinamento
formal, geralmente, s implementado quando surge um conjunto de novas tarefas.
E, sobre os rendimentos, Cacciamali (1978) concluiu que nas ocupaes que exigem
conhecimentos gerais o rendimento semelhante quele oferecido por outras empresas e se
aproxima da produtividade marginal do trabalhador e que nas ocupaes em que h
conhecimento especfico, mesmo com maiores rendimentos, este menor que a produtividade
marginal do trabalhador.
Aps esta pesquisa, que considera de forma geral as caractersticas do mercado
interno, seguiram vrios estudos sobre a segmentao do mercado de trabalho brasileiro e que
esto focados na questo do trabalho formal versus o informal. Nesses artigos, considera-se
que os empregos pertencentes ao mercado formal ofeream melhores condies de trabalho
devido s vantagens agregadas pela proteo da legislao trabalhista, levando segmentao
entre o mercado formal e informal.
Sedlacek, Barros e Varandas (1990) analisam a segmentao criada pelos mercados de
trabalho formal e informal. Os dados utilizados so da Pesquisa Mensal de Emprego (PME),
da regio metropolitana de So Paulo, de 1984 a 1986, e os resultados obtidos mostram que o
emprego sem carteira assinada de curta durao, diminuindo o impacto do diferencial de
rendimentos entre o emprego formal e informal no longo prazo, alm de indicar que os
trabalhadores oriundos do setor informal no desenvolvem hbitos que diminuam suas
chances de mobilidade para o setor formal.
Fernandes (1996) tambm considera a segmentao entre o mercado formal e informal
e investiga o impacto da qualificao sobre o diferencial de salrios. O autor estima um
modelo logit para a alocao dos trabalhadores no setor regulamentado e no regulamentado
2 No mercado interno, os rendimentos do trabalho e a alocao dos trabalhadores so determinados por regras formais e informais, h oportunidades de treinamento, mobilidade na carreira e segurana no emprego.
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com dados da PNAD de 1989. So encontrados resultados que mostram que a qualificao, a
idade at cerca de 42 anos e o fato de ser homem aumentam a probabilidade do indivduo
trabalhar no setor formal. O autor argumenta que a alocao do trabalhador no setor formal ou
informal depende no apenas de seus atributos, mas tambm de como esses atributos esto
distribudos. E, alm disso, tambm estimou os determinantes do rendimento do trabalho e o
diferencial desse rendimento entre o mercado formal e informal. A regresso para os
rendimentos mostrou que o fato do trabalhador ter carteira assinada aumenta seu rendimento
lquido em cerca de 18,8%, alm de tambm aumentar com a qualificao e ser maior para
homens.
Tannuri Pianto e Pianto (2002) estudam a segmentao por meio de regresses
quantlicas, capazes de analisar os indivduos em vrios pontos da distribuio de
rendimentos3. So utilizados dados da Pesquisa Nacional por Amostra em Domiclios
(PNAD) de 1999. Os autores argumentam que os trabalhadores do setor informal pertencentes
parte inferior da distribuio apresentam rendimentos substancialmente menores que os
trabalhadores do setor formal, mesmo controlando suas habilidades e considerando efeito
positivo sobre o rendimento para as caractersticas no observveis4. J na parte superior da
distribuio, o diferencial de rendimentos entre os trabalhadores do setor formal e informal
completamente explicado pelas diferenas nas caractersticas individuais.
Ao contrrio dos resultados anteriores, Menezes Filho, Mendes e Almeida (2004)
encontram evidncias de que o diferencial de rendimentos5 entre o mercado formal e informal
no causado pela segmentao. A partir de um pseudo-painel formado com as PNADs de
1981 a 2001 com controle para coorte, tempo e educao, os autores concluem que h vis de
auto-seleo, pois, condicional ao nvel de escolaridade, o rendimento no mercado de trabalho
informal maior que no mercado formal, compensando as vantagens legais oferecidas no
ltimo.
Em outro artigo, Curi e Menezes Filho (2006) utilizam dados da Pesquisa Mensal de
Emprego (PME) de 1984 a 2001 e estimam dois modelos. Um modelo logit multinomial para
a transio entre posies na ocupao, que so: continuou no setor formal ou foi para o setor
informal, conta-prpria, desempregado ou saiu da populao economicamente ativa (PEA). E
um modelo em que a varivel dependente a diferena entre os rendimentos devido s
transies. Os resultados mostram que houve reduo da formalidade devido ao aumento de 3 Tannuri Pianto e Pianto (2002) utilizam o rendimento do trabalho principal por hora. 4 Neste caso, as caractersticas no observveis so aquelas que levam o trabalhador ao mercado informal, mesmo quando se estima que esse trabalhador pertena ao setor formal. 5 Menezes Filho, Mendes e Almeida (2004) utilizam rendimento do trabalho principal por hora.
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transies do setor formal para o informal e reduo da transio do desemprego para o setor
formal. Alm disso, o diferencial de rendimentos entre o setor formal e o informal caiu de
10% na dcada de 1980 para 5% na dcada seguinte, mostrando que o impacto da
segmentao entre o setor formal e informal sobre os rendimentos pequeno.
Fontes e Pero (2009) tambm analisam os diferenciais de rendimentos por posio na
ocupao (formal, informal, conta-prpria e empregadores) utilizando dados da PME. As
autoras argumentam que h um novo contexto devido ao crescimento recente da formalizao
e analisam dados de 2002 a 2007. A metodologia empregada semelhante utilizada por Curi
e Menezes Filho (2006), mas os resultados apontam, em anos recentes, efeitos maiores da
segmentao sobre o diferencial de rendimentos: 12% na transio de conta-prpria para
emprego formal, 9% de emprego informal para formal e -6% de formal para informal. As
autoras ainda concluem que a segmentao maior no caso de trabalhadores com baixa
escolaridade e que trabalhadores contas-prprias com baixa escolaridade formariam uma fila
para o emprego formal. Silva e Pero (2008) estimam que a taxa de permanncia no setor
formal, de 2002 a 2007, esteja em torno de 90% e que, no setor informal, esta taxa seja
decrescente com a escolaridade. importante ressaltar que os resultados distintos obtidos por
Fontes e Pero (2009) em relao aos obtidos por Curi e Menezes Filho (2006) se explicam,
em parte, por eles considerarem perodos de tempo distintos em suas anlises.
A partir desses estudos, percebe-se que ao longo das ltimas dcadas foram utilizados
dados e mtodos diversos que apontam diferentes efeitos da segmentao entre o mercado
formal e informal no Brasil. A maioria dos resultados indica que a legislao trabalhista, que
determina as caractersticas que diferenciam o mercado formal do mercado informal, tem
impactos tanto sobre os rendimentos quanto sobre a alocao dos trabalhadores.
Embora a maior parte dos trabalhos sobre segmentao no mercado de trabalho
brasileiro analise a diviso entre o mercado formal e informal, h tambm pesquisas sobre os
impactos dos setores de atividade econmica, das ocupaes e da participao sindical sobre a
segmentao do mercado de trabalho.
Os setores de atividade podem ter demandas mais ou menos estveis e diferentes
nveis tecnolgicos que exigem qualificao e habilidades mais gerais ou mais especficas dos
trabalhadores. Isso faz com que alguns setores possam ter mais incentivos para a criao de
um mercado de trabalho interno que outros. Alm disso, os trabalhadores tambm so
divididos em ocupaes que exigem ou no treinamento e que podem fazer parte de uma linha
de promoo em um mercado interno ou que podem no oferecer oportunidades de
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crescimento. Por ltimo, a participao sindical pode ajudar a formar grupos, hbitos e regras
para a determinao do rendimento e alocao dos trabalhadores dentro do mercado interno.
Kon (1999) analisa as transformaes estruturais como mudanas tecnolgicas e da
estrutura produtiva, que levam segmentao ocupacional e setorial para os dois gneros. A
autora separa os trabalhadores em grupos de assalariados, contas-prprias e do servio
domstico. Os assalariados so classificados em dirigentes, trabalhadores da produo e
trabalhadores da administrao, e, para cada um desses, h uma subclassificao: qualificados
- nvel superior, qualificados nvel tcnico, semi-qualificados com atribuio de chefia,
semi-qualificados sem atribuio de chefia e no qualificados. So utilizados dados da
PNAD de 1983, 1989 e 1995 e os resultados mostram que, no setor agropecurio, a
participao feminina cresceu cerca de 26% no perodo analisado, sendo que esse aumento
ocorreu com mais intensidade nas ocupaes relacionadas produo. No setor industrial, a
participao feminina caiu 12 pontos percentuais, no mesmo perodo. Isso ocorreu devido ao
aumento de trabalhadores homens na indstria de transformao, mas a autora tambm
verificou aumento da participao feminina em outras indstrias extrativa mineral e servios
de utilidade pblica, tais como: fornecimento de gua, gs, esgoto e energia eltrica. Por
ltimo, a autora constatou que no setor de servios havia aproximadamente 40% de
trabalhadores do sexo feminino, no perodo analisado. De forma geral, os resultados
apresentados por Kon (1999) evidenciam a maior participao das mulheres em ocupaes
administrativas semi-qualificadas.
Em outro artigo, Kon (2004) busca analisar o perfil ocupacional do trabalhador
segundo a raa e o gnero. A autora explica que as desvantagens no mercado de trabalho
baseadas na raa e no gnero so histricas e se intensificam em momentos de maior
competio por postos de trabalho e que, devido segmentao, o emprego em determinados
setores e ocupaes so limitados para alguns grupos sociais. Kon (2004) divide as ocupaes
de modo semelhante ao artigo anterior e as classifica em setor primrio independente,
primrio rotineiro e secundrio da seguinte forma:
Primrio independente: dirigentes proprietrios, dirigentes assalariados, produo
nvel superior e administrao nvel superior;
Primrio rotineiro: produo nvel tcnico, produo semi-qualificado e
administrao nvel tcnico;
Secundrio: produo no qualificados, administrao no qualificado e servio
domstico.
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Kon (2004) utiliza dados da PNAD de 1999 para calcular coeficientes de diferenciao
e os resultados mostram que a segmentao entre setores formal e informal est presente para
todas as raas e que, apesar das mulheres terem maior qualificao, seu rendimento menor
em cada categoria ocupacional especfica.
Benito, Bichara e Monsueto (2009) avaliam a mobilidade ocupacional e o diferencial
de rendimento do trabalho por hora para homens e mulheres. Os autores classificam as
ocupaes tpicas em categorias socioeconmicas conforme Januzzi (2000), com o propsito
de criar uma hierarquia de rendimentos e qualificao entre as ocupaes. A partir de dados
da PME, Benito, Bichara e Monsueto (2009) mostram que a mobilidade ocupacional
ascendente leva a maiores rendimentos para homens e mulheres. No caso das mulheres, h
concentrao em segmentos socioeconmicos inferiores e sua mobilidade para outros
segmentos menor que a mobilidade obtida para os homens, porm, quando a mulher deixa
um segmento inferior para um superior, o retorno marginal6 maior para elas que para os
homens.
Ainda sobre a segmentao ocupacional, Xavier, Toms e Candian (2009) tambm
analisam a participao sindical. O objetivo do estudo investigar o impacto da segregao
ocupacional por gnero e da associao a sindicatos no rendimento dos trabalhadores. So
utilizados dados da PNAD de 2003 para estimar regresses quantlicas para o rendimento que
evidenciam diferencial de rendimentos em favor dos homens e tambm efeitos positivos do
sindicato sobre o rendimento de ambos os sexos, mesmo em mercados secundrios.
E, por ltimo, h dois trabalhos que avaliam simultaneamente a segmentao setorial,
espacial e para mercado de trabalho formal e informal: Ulyssea (2007) e Barros, Franco e
Mendona (2007).
Ulyssea (2007) avaliou a segmentao do mercado de trabalho de 1995 a 2005 com
dados das PNADs. Suas concluses mostram que o fator que mais contribui para a
segmentao a separao entre o mercado de trabalho formal e informal, enquanto a
localizao geogrfica tem diminudo sua importncia para a desigualdade dos rendimentos7.
A segmentao setorial tambm tem diminudo e o autor enfatiza que, a partir de 2001, a
aproximao da agropecuria dos demais setores contribuiu para a reduo da desigualdade
dos rendimentos.
6 O retorno marginal se refere ao impacto sobre o rendimento do trabalho por hora de uma mudana de um segmento socioeconmico inferior para um segmento socioeconmico superior. 7 Ulyssea (2007) utiliza o rendimento de todos os trabalhos.
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Barros, Franco e Mendona (2007) analisam as mesmas formas de segmentao que
Ulyssea (2007) e tambm a discriminao por gnero e cor no perodo de 1995 a 2005.
Aqueles autores, tambm utilizando dados das PNADs, chegam a concluses semelhantes s
de Ulyssea (2007). Barros, Franco e Mendona (2007) explicam que a reduo nas
imperfeies e a integrao do mercado de trabalho so fundamentais para explicar a queda
na desigualdade dos rendimentos8.
Verifica-se que as caractersticas do mercado de trabalho interno e a diferenciao
entre o setor primrio e o secundrio descritas pela teoria da segmentao so observadas no
mercado de trabalho brasileiro, na medida em que estudos empricos apontam impactos de
setores de atividade, ocupaes, sindicatos e condies de trabalho sobre os rendimentos e
alocao dos trabalhadores. No entanto, ainda h poucas evidncias sobre a segmentao do
mercado de trabalho causada pelos setores de atividade econmica e no h, na literatura
nacional estudada, pesquisas que tratem especificamente do impacto da agropecuria sobre a
alocao e o rendimento dos trabalhadores no Brasil sob o enfoque da teoria da segmentao,
apesar de haver estudos nessa linha para outros pases em desenvolvimento.
Na seo 2.3, so expostos alguns estudos internacionais sobre a segmentao no
mercado de trabalho agropecurio.
2.3 Algumas evidncias internacionais sobre a segmentao do mercado de trabalho
relacionada agropecuria
Nesta seo, so apresentados artigos que tratam especificamente da segmentao do
mercado de trabalho relacionada ao setor agropecurio. Nesses artigos, so analisados pases e
regies em desenvolvimento, com nfase na Amrica Latina, frica, sia, ndia e Filipinas.
Reardon et al. (2000) renem pesquisas sobre o trabalho agropecurio e o no
agropecurio entre os moradores de reas rurais da frica, sia e Amrica Latina9. A partir
desta reviso, os autores indicam pontos de consenso e divergncia, chegando a algumas
concluses.
Os autores mostram que h barreira para a entrada no mercado de trabalho no
agropecurio nas reas rurais, pois h necessidade de investimentos em mquinas e transporte,
alm do conhecimento desses mercados, que so de difcil acesso populao pobre. No caso
8 Barros, Franco e Mendona (2007) analisam o rendimento do trabalho e a renda familiar per capita. 9 As pesquisas reunidas por Reardon et al. (2000) para a Amrica Latina se referem aos seguintes pases: Argentina, Chile, El Salvador, Equador, Honduras, Mxico e Uruguai.
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do setor de servios nas reas rurais, tambm h necessidade de conhecimento e investimento
para adentrar a seu mercado de trabalho, pois o setor se torna mais sofisticado com a
exposio na mdia e aumento do rendimento nas reas de transio entre o rural e urbano
causado pela integrao com a mo de obra mais qualificada da zona urbana. Dessa forma, h
reduo da mobilidade de trabalhadores entre o setor agropecurio e os setores no
agropecurios, gerando segmentao.
Reardon et al. (2000) tambm concluem que no h um nico tipo de relao entre
rendimento no agropecurio e a desigualdade de rendimento nas reas rurais. Na frica, o
rendimento no agropecurio aumenta a desigualdade; na Amrica Latina, reduz; e, na sia,
no h consenso.
Embora no haja um consenso sobre o efeito do rendimento no agropecurio sobre a
desigualdade de rendimento, os autores recomendam a criao de polticas que promovam o
acesso da populao pobre a ativos que permitam superar as barreiras entrada no mercado
de trabalho no agropecurio, como: informao, educao, capital e infraestrutura.
Pal (2002) estuda a segmentao do mercado de trabalho regular e casual nas reas
rurais do Sul da ndia. O mercado de trabalho regular determinado pela contratao do
trabalhador por um perodo de tempo com rendimento negociado e pagamentos em intervalos
regulares e o mercado de trabalho casual determinado pela contratao temporria com
pagamento dirio. Os resultados da autora sugerem que, em maiores propriedades rurais com
irrigao, h maior contratao regular e que esse trabalho substitui a mo de obra familiar.
Porm, em menores propriedades com menos acesso irrigao, limita-se a contratao
regular de trabalhadores devido aos custos e h contratao casual, desde que no substitua a
mo de obra familiar. Dessa forma, nas reas rurais da ndia, h evidncias de que o tamanho
da propriedade cause segmentao entre o mercado de trabalho regular e o casual.
Oya (2010) analisa a segmentao entre o mercado de trabalho agropecurio e o no
agropecurio e tambm sobre a segmentao dentro da agropecuria em reas rurais da
frica. Em relao segmentao entre o setor agropecurio e o no agropecurio, o autor
argumenta que o trabalho no agropecurio tem crescido, mas isso tem aumentado a
desigualdade de rendimentos na frica, assim como tambm apontam Reardon et al. (2000).
Para Oya (2010), as atividades no agropecurias so bastante heterogneas e oferecem uma
ampla variedade de ocupaes, que necessitam de diferentes nveis de habilidades. Assim, os
trabalhadores mais pobres das reas rurais africanas so alocados em ocupaes no
agropecurias que oferecem menores rendimentos devido s barreiras entrada apontadas por
Reardon et al. (2000).
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Especificamente sobre a segmentao dentro do mercado de trabalho agropecurio,
Oya (2010) afirma que h diferenas no rendimento e nas condies de trabalho por cultura
agropecuria e por ocupao. A segmentao por cultura est relacionada especializao dos
produtores e, portanto, para o autor, a segmentao se deve ao tipo de produtor e no cultura
em si. Assim como encontrado por Pal (2002) para a ndia, Oya (2010) encontra evidncias de
que, na frica, os maiores produtores oferecem melhores condies de trabalho e afirma que
isso ocorre pelo fato de os maiores produtores sofrerem mais fiscalizao de autoridades
locais e sindicatos.
Em relao segmentao ocupacional na agropecuria, Oya (2010) argumenta que as
ocupaes so definidas em termos de habilidades e aptides, mas que, normalmente, a
alocao dos trabalhadores se d social e culturalmente, levando diferenciao por gnero.
Foster e Rosenzweig (1996) estudam especificamente a segmentao ocupacional na
agricultura das Filipinas. Segundo os autores, as caractersticas observadas dos trabalhadores
podem estar correlacionadas com as preferncias dos trabalhadores e com sua produtividade,
alm de prover informaes para os empregadores sobre a produtividade dos trabalhadores
quando no h informao completa. Sendo assim, os autores buscam identificar como o
pagamento por produo ou por jornada de trabalho pode ser usado para distiguir a alocao
dos trabalhadores, por sexo, em ocupaes de plantao, semeadura e colheita, considerando:
vantagens comparativas, preferncias dos trabalhadores, preferncia dos empregadores e
segmentao.
Foster e Rosenzweig (1996) utilizam dados em painel do mercado de trabalho rural
nas Filipinas e encontram resultados que mostram que os trabalhadores mais produtivos em
semear tambm o so em colher, porm os indivduos mais produtivos apresentam vantagem
comparativa em colher. Alm disso, os autores encontram evidncias de que, quando o
pagamento feito por produo, os trabalhadores so alocados de acordo com a
produtividade, ou seja, os indivduos mais produtivos trabalham na colheita.
Por outro lado, quando o pagamento feito por jornada de trabalho, segundo Foster e
Rosenzweig (1996), h problemas de informao que levam segmentao. As mulheres so,
em mdia, menos produtivas na colheita e apresentam vantagem comparativa em semear.
Como os empregadores no observam a produtividade individual, as mulheres so mais
empregadas em ocupaes de semeadura.
Por ltimo, Ito e Kurosaki (2007) analisam a segunda ocupao como uma forma de
hedge. Os autores argumentam que, em pases em desenvolvimento, os mercados
agropecurios so bem desenvolvidos, mas que os mercados de financiamento de seguro
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agropecurio no o so. Dessa forma, h poucas opes de hedge para variaes na produo
agropecuria e nos preos para os menores produtores. Esses pequenos produtores podem,
ento, diversificar a alocao de mo de obra, entre o mercado de trabalho agropecurio e o
no agropecurio, como uma forma de suavizar as variaes em seu rendimento.
A partir dessa hiptese, os autores utilizam dados das reas rurais de Bihar e Uttar
Pradesh na ndia, que evidenciam a relao direta entre o risco da produo agropecuria e a
oferta de trabalho no agropecurio. Os trabalhadores tambm aumentam a oferta de trabalho
em um segundo emprego no mercado de trabalho agropecurio, no caso de pagamento em
produto e quando h risco alimentar.
A partir destes estudos, possvel perceber que, em outros pases h segmentao do
mercado de trabalho relacionada s diferenas entre o setor agropecurio e os setores no
agropecurios, ocupaes em que os trabalhadores so alocados, forma de contratao,
fiscalizao local e sindicatos e ainda que os trabalhadores buscam uma segunda ocupao
como uma forma de suavizar as variaes de rendimento.
Os artigos internacionais tratam da segmentao do mercado de trabalho, entre
agropecuria e no agropecuria, analisam, principalmente, a populao rural e sabe-se que,
alm do crescimento do trabalho no agropecurio nas reas rurais, h um percentual
expressivo de trabalhadores do setor agropecurio que residem na zona urbana ou em regies
metropolitanas. Assim, h espao tanto na literatura nacional quanto internacional para a
anlise da segmentao que considere tambm a populao de reas urbanas. Dessa forma,
esta tese visa contribuir analisando a segmentao setorial, entre a agropecuria e os setores
no agropecurios, no mercado de trabalho brasileiro.
O prximo captulo apresenta uma reviso da literatura sobre a modernizao da
agropecuria no Brasil, procurando discutir caractersticas do desenvolvimento desse setor
que estejam relacionadas segmentao do mercado de trabalho.
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3 PROCESSO DE MODERNIZAO DA AGROPECURIA E SEUS IMPACTOS
SOBRE O MERCADO DE TRABALHO
A modernizao da agropecuria tem impactos no s sobre a produo deste setor em
si, mas tambm sobre os rendimentos e a alocao da mo de obra vinculada a esta atividade.
Esse captulo analisa, com base na literatura existente, esse processo de modernizao e suas
conseqncias sobre o mercado de trabalho, procurando salientar os seguintes aspectos
relacionados segmentao do mercado de trabalho: tipo de tecnologia utilizada,
produtividade, condies de trabalho, rendimentos, qualificao e ajustes alocativos.
3.1 Processo de modernizao da agropecuria
Segundo Kageyama (1987), ocorreram trs grandes transformaes na agropecuria
brasileira na segunda metade do sculo XX. Primeiro, houve alterao nas relaes de
trabalho a partir de 1960, que passou de individual ou familiar para coletivo, aumentando o
nvel de especializao do trabalho. Segundo, houve mudana na mecanizao, que no ps-
guerra substitui animais e, a partir da dcada de 1960, procura substituir, em parte, o prprio
homem por mquinas. E a ltima alterao, a internalizao no pas de setores produtores de
insumos, mquinas e equipamentos, a partir da implantao de indstrias de base nas dcadas
de 1950 e 1960.
Sobre a transformao da agropecuria devido mecanizao, Franco e Pereira (2008)
descrevem o processo de modernizao, que se acentua nas dcadas de 1960 e 1970, a partir
do II Plano Nacional de Desenvolvimento Econmico. Os principais instrumentos utilizados
pelo governo para promover a modernizao da agropecuria foram: poltica de garantia de
preos mnimos, para eliminar o risco da variao dos preos recebidos pelos produtores; e
poltica de crdito rural subsidiado, que visava estimular os investimentos rurais e fomentar o
custeio da produo e da comercializao, bem como da mecanizao.
Bacha (2004) argumenta que a poltica de crdito rural colaborou para o crescimento
heterogneo da produo agropecuria entre os estados brasileiros, na medida em que o
crdito foi direcionado a produtos especficos que apresentavam concentraes distintas entre
as regies do pas. As regies Centro-Oeste, Sudeste e Sul foram as mais favorecidas em
relao s regies Norte e Nordeste em termos de polticas setoriais visando a tecnificao da
agropecuria. Isso levou ao crescimento desigual das taxas de produtividade nessas regies
nas dcadas de 1970 e 1980, segundo Staduto, Shikida e Bacha (2004).
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As desigualdades regionais da modernizao da agropecuria brasileira tambm so
observadas por Souza e Lima (2003). Esses autores analisaram dois fatores, um relacionado
ao nvel de financiamento e investimentos; e outro, relativo ao uso de tratores, fontes de
energia e gastos com a produo, e identificam padres de modernizao diferentes para
quatro grupos de estados:
Grupo I: Acre, Amap, Amazonas, Par, Piau e Rondnia;
Grupo II: Bahia, Cear, Maranho, Paraba, Pernambuco, Rio Grande do Norte,
Roraima e Sergipe;
Grupo III: Alagoas, Esprito Santo, Gois, Mato Grosso, Minas Gerais e Rio de
Janeiro;
Grupo IV: Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, Paran, Rio Grande do Sul, Santa
Catarina e So Paulo.
De 1970 a 1995, no grupo I, a intensidade da modernizao da agropecuria, medida
pelos dois fatores, foi menor. O grupo II, relativamente ao primeiro, apresentou maior
intensidade de modernizao. J o grupo III passou por um processo de modernizao
expressivamente mais intenso que os grupos I e II. Por ltimo, o grupo IV foi aquele que
obteve maior intensidade de modernizao da agropecuria.
Em relao importncia dos fatores analisados (fator 1 = nvel de financiamento e
investimentos; fator 2 = uso de tratores, fontes de energia e gastos com produo) para a
modernizao, Souza e Lima (2003) explicam que, de 1970 a 1980, houve crescimento do
fator 1 (financiamentos e investimentos). E, a partir dos anos 1980, o fator 2 (uso de tratores,
fontes de energia e gastos com a produo) avana, mas h declnio do fator 1, indicando uma
tendncia de descapitalizao dos agricultores.
Esse declnio dos financiamentos e investimentos na dcada de 1980 explicado por
Franco e Pereira (2008). Eles afirmam que houve retrao do crdito rural e dos subsdios,
devido s polticas macroeconmicas restritivas que visavam conter a inflao, alm da
prpria inadimplncia dos agricultores, que levou os bancos comerciais a se tornarem mais
seletivos na concesso de emprstimos. Na dcada seguinte, o Governo Federal deixou de
regular vrias atividades que suportavam ou subsidiavam a agropecuria, desprotegendo o
setor. Porm, segundo Gomes e Dias (2001), em certos anos da dcada de 1990, a
agropecuria aumentou sua participao no PIB do pas.
Alm disso, Ferreira Jnior, Baptista e Lima (2004) explicam que todo o processo de
modernizao da agropecuria est relacionado ao maior nvel tecnolgico utilizado, com o
uso intensivo de mquinas, tratores, fertilizantes, controle qumico de pragas e doenas, o que
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aumenta a produtividade do trabalho e da terra. Assim, o nvel tecnolgico afeta tanto a
organizao da produo, quanto as relaes de trabalho.
Para Freitas e Bacha (2004), os trabalhadores da agropecuria com maior nvel
educacional, provavelmente, tambm tm maiores habilidades e podem se adequar s
mudanas tecnolgicas pelas quais passa a agropecuria. Os autores analisam o perodo de
1970 a 1996 e mostram que trabalhadores e produtores de estados mais distantes da fronteira
tecnolgica, por possurem menor capital humano, resistem adoo de novas tcnicas de
produo e novos equipamentos. Dessa forma, o grau de instruo do produtor rural foi o
fator diferenciador do crescimento da agropecuria nos estados brasileiros.
Em um segundo artigo, Freitas, Bacha e Fossati (2007) concluem que a desigualdade
entre os estados brasileiros no processo de modernizao da agropecuria no tende a
diminuir. O nvel de qualificao dos trabalhadores da agropecuria baixo e a qualificao
ainda menor nos estados da regio Nordeste. Aliado a isso, h intensificao do uso do
capital, mas a taxa de crescimento do uso do capital tambm menor no Nordeste. Dessa
forma, o desequilbrio regional no retroceder a no ser que a qualificao dos trabalhadores
aumente nas regies onde o nvel de escolaridade menor.
Segundo Hoffmann e Ney (2004), se mantido o ritmo de crescimento da escolaridade
dos trabalhadores do setor agropecurio, a educao ser um forte obstculo para o aumento
da produtividade e da renda. A escolaridade mdia na agropecuria passou de 2,3 anos em
1992 para 3,0 anos em 2002, mas em outros setores, a mdia de nmero de anos de
escolaridade maior que o dobro do observado na agropecuria.
Staduto, Shikida e Bacha (2004) relacionam os ciclos de inovao tecnolgica
sazonalidade das relaes de trabalho. De 1970 a 1985, houve crescimento da participao da
mo de obra temporria no total de trabalhadores assalariados na agropecuria. Isso ocorreu
devido adoo de tecnologias importadas, que levaram sazonalidade no uso de mo de
obra, pois no abrangiam todas as fases de cultivo no Brasil. A partir de 1985, observa-se uma
nova fase de inovao, que possibilitou a adaptao e o desenvolvimento de tecnologias para
o pas, que implicaram a reduo da sazonalidade e do uso dos trabalhadores temporrios, em
favor da mo de obra permanente mais qualificada e apta a participar do novo ciclo de
inovao tecnolgica. Houve, assim, crescimento do emprego da mo de obra qualificada na
agropecuria e, conforme os autores citados, pela lei do preo nico, o diferencial de
rendimentos entre os trabalhadores da agropecuria tende a um nvel estvel para categorias
homogneas de trabalhadores e para regies onde haja maior mobilidade e interao entre os
trabalhadores.
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36
Entretanto, Staduto, Bacchi e Bacha (2004) no encontraram relao expressiva de
equilbrio de longo prazo entre os salrios dos trabalhadores agrcolas permanentes entre as
regies Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste, o que mostra certa rigidez remunerao dos
trabalhadores mais qualificados. Por outro lado, dentro de cada regio, verifica-se relao de
equilbrio de longo prazo entre os salrios e isso pode ocorrer devido ao maior nvel de
informao dos trabalhadores. J com relao aos trabalhadores temporrios, a regio
Nordeste arbitradora em relao s demais regies, pois h grande mobilidade sazonal de
mo de obra dessa regio para o resto do pas.
Outro fator que influencia a qualificao e o rendimento do trabalho a lavoura
escolhida para o plantio. Segundo Basaldi (2007), em 2005, os trs piores rendimentos
monetrios obtidos pelos trabalhadores foram registrados nas culturas do milho, arroz e
mandioca, que so tradicionais e de consumo interno, enquanto os maiores rendimentos
estavam nas culturas da soja e cana-de-acar10, que so ou geram commodities
internacionais. O fato das melhores remuneraes serem registradas nessas duas culturas pode
ser explicado pela crescente especializao, modernizao e mecanizao dessas culturas, que
ocorrem para obter grandes escalas de produo, alm da reao legislao trabalhista,
melhoria da fiscalizao das empresas agrcolas de grande porte, obteno de certificao de
sustentabilidade e o aparecimento de novas profisses que exigem maior qualificao.
Mais recentemente, Basaldi e Graziano da Silva (2008) criaram um ndice de
qualidade do emprego que considera a formalizao do trabalho, o rendimento, outros
benefcios e a qualificao do trabalhador. O ndice mostra a polarizao dentro do mercado
de trabalho assalariado na agricultura brasileira de 1994 a 2000, pois os trabalhadores
permanentes, em comparao aos temporrios, nas culturas agrcolas mais dinmicas e
orientadas ao comrcio internacional tm acesso aos melhores empregos.
Embora haja empregos de qualidade na agropecuria, quando comparado esse setor s
outras atividades econmicas, percebe-se que os rendimentos dos trabalhadores da
agropecuria ainda so substancialmente menores. Hoffmann (2010) analisa os determinantes
dos rendimentos dos trabalhadores de 1992 a 2008 e identifica diferenciais de rendimentos
entre o setor agropecurio e os outros setores que se variam de -24,60%, em 1992, para -
31,80%, em 1997, e para -21,30%, em 200811.
10 Embora cana-de-acar no seja negociada no mercado externo, acar e etanol so. 11 Diferenciais calculados em relao base, ou seja, o empregado que no militar ou funcionrio pblico ou trabalhador domstico, ocupado em setores no agropecurios,de cor branca, morador da zona urbana e regio Nordeste.
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Cunha (2008) tambm analisou os determinantes dos rendimentos dos trabalhadores
na agricultura brasileira de 1981 a 2005. Os resultados obtidos pela autora mostram que a
desigualdade de rendimentos tem diminudo no setor agrcola a partir da dcada de 1990 e que
h reduo da diferena entre a remunerao de trabalhadores qualificados e no qualificados.
Cunha (2008) ainda afirma que o salrio mnimo apresentou impacto positivo sobre os
rendimentos da agropecuria, mas que os aumentos da produtividade no esto sendo
traduzidos plenamente em maior remunerao dos trabalhadores da agropecuria.
Por fim, possvel afirmar que as polticas de modernizao e as alteraes nas
relaes de trabalho levaram maior produtividade da agropecuria. Segundo Gasques et al
(2010), de 1970 a 2006, h expanso do nmero de estabelecimentos, reduo da rea mdia e
do nmero de pessoas empregadas por estabelecimento (de 3,57 para 3,20, respectivamente),
enquanto h aumento da produtividade. O crescimento da produtividade respondeu por 65%
do aumento do produto agropecurio, no perodo de 1970 a 2006, sendo que a produtividade
total dos fatores (PTF) cresceu 243%, de 1970 a 2006, e, para tanto, houve aumento tanto da
produtividade da terra quanto do trabalho.
Assim, pode-se perceber, a partir da literatura, que a modernizao da agropecuria, a
partir de 1970, teve como consequncias a intensificao do uso de tecnologias e o aumento
da produtividade, embora no de forma homognea entre as regies do pas. A qualificao
do trabalhador aumentou, mas ainda baixa e impede a reduo das desigualdades regionais.
O crescimento da produtividade levou diminuio da sazonalidade e do emprego do trabalho
temporrio, aumentando a demanda por trabalho permanente, mais qualificado, sendo que os
salrios dos trabalhadores qualificados so maiores, mas apresentam mais rigidez na sua
determinao. Em relao s condies de trabalho, fica claro que as culturas agropecurias
mais voltadas ao mercado oferecem empregos de maior qualidade, embora os rendimentos na
agropecuria sejam menores que em outras atividades econmicas.
Na prxima seo, procura-se analisar as consequncias da modernizao da
agropecuria para o mercado de trabalho, a partir da abordagem terica da segmentao.
3.2 Impactos da modernizao sobre o mercado de trabalho agropecurio
Segundo a teoria da segmentao, as atividades econmicas, empresas ou
comunidades profissionais em que h mercado de trabalho interno formam o setor primrio e
os mercados de trabalho em que no h mercado interno formam o setor secundrio. O setor
primrio apresenta, entre outras caractersticas, progresso tcnico, grandes empresas, elevada
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produtividade, maior qualificao, maiores rendimentos e estabilidade; j o setor secundrio,
o oposto.
Doeringer e Piore (1971) citam a atividade agropecuria, tal como existente na dcada
de 1960, como caracterstica do mercado secundrio, pois seria uma atividade sazonal em que
os trabalhadores eram temporrios, logo tambm no formariam grupos sociais bem
organizados, alm de no necessitarem de alta qualificao e do fato de o pagamento ser feito
com base na produo. No entanto, a partir da modernizao da agropecuria, no mais
possvel classificar o setor agropecurio dessa forma.
A figura 1, abaixo, sintetiza diversas caractersticas do processo de modernizao
abordadas pelos autores citados na seo anterior:
Figura 1 Processo de modernizao da agropecuria no Brasil Fonte: elaborado pela autora.
Nota-se que, por meio de polticas econmicas (seta 1 na figura 1), especialmente de
crdito rural, foi estimulada a mecanizao, a adoo de insumos modernos, a tecnificao da
produo e a pesquisa agropecuria. Dessa forma, a atividade agropecuria intensificou o uso
do capital e de novas tecnologias (seta 2).
A tecnologia, por sua vez, tem uma relao endgena com a qualificao (seta 3),
pois, ao mesmo tempo em que a qualificao do produtor rural determina o uso da tecnologia,
tambm aumenta a demanda por trabalhadores qualificados e permanentes, gerando duas
importantes consequncias sobre o mercado de trabalho. Primeira, a rotatividade reduzida,
pois trabalhadores temporrios so substitudos por trabalhadores permanentes (seta 4).
Assim, a estabilidade no emprego aumenta e, conforme Doringer e Piore (1971), essa pode ser
uma estratgia para a reduo de custos, pois diminuiria os gastos associados ao recrutamento,
seleo e treinamento de novos empregados para o caso de ocupaes em que o nvel de
habilidade exigido maior. Ainda, com a estabilidade, os trabalhadores podem interagir e
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formar grupos que, segundo Doeringer e Piore (1971), tendem a criar hbitos e regras
informais que homogenezam as prticas de trabalho e influenciam as normas que determinam
o rendimento e a alocao de trabalhadores no mercado de trabalho interno.
Segunda, a tecnologia, alm de aumentar a produtividade por si (seta 5), leva a maior
demanda por trabalhadores qualificados, que tm maiores habilidades e tambm colaboram
para o crescimento da produtividade (seta 6). Assim, possvel estabelecer mais uma relao
entre a modernizao da agropecuria e a teoria da segmentao. Para Vietorisz e Harrison
(1973), o segmento de empresas que investe em inovaes tecnolgicas, tambm incentiva a
qualificao da mo de obra, levando ao aumento da produtividade e dos rendimentos dos
trabalhadores do setor.
No entanto, essa relao entre a produtividade e o rendimento (seta 7), em mercados
de trabalho segmentados, no to direta como nos mercados no segmentados. Cacciamali
(1978) explica que nas ocupaes que exigem conhecimentos gerais o rendimento
semelhante quele oferecido fora do mercado interno e se aproxima da produtividade
marginal do trabalhador; e nas ocupaes em que h conhecimento especfico, mesmo com
maiores rendimentos, este menor que a produtividade marginal do trabalhador. Na
agropecuria, h evidncias de que a produtividade no totalmente repassada aos
rendimentos, indicando a existncia de mercado de trabalho interno no setor.
Por ltimo, h evidncias de que o rendimento maior em culturas agropecurias que
so ou geram commodities internacionais. Isso ocorre devido ao impacto de prticas
trabalhistas (seta 8), como o salrio mnimo, a fiscalizao e a certificao das empresas, alm
da produo em grandes escalas (seta 9) e qualificao do trabalhador. Logo, pode-se
argumentar que as commodities atendem tambm a outras caractersticas do mercado interno,
como grandes empresas e boas condies de trabalho.
Assim, a anlise da modernizao baseada na teoria da segmentao identifica vrios
aspectos relacionados reduo da rotatividade e aumento do rendimento que aproximam a
agropecuria da primeira dcada do sculo XXI de outros setores em que h mercado de
trabalho interno.
Por outro lado, em comparao aos outros setores de atividade, percebe-se que a
qualificao dos trabalhadores da agropecuria e seu rendimento so bastante inferiores.
Assim, de acordo com a anlise proposta por Cacciamali e Fernandes (1993), o diferencial de
rendimentos entre a agropecuria e os outros setores pode ser somente devido s diferenas
nas habilidades dos trabalhadores ou ainda tambm ser causado pela segmentao do mercado
de trabalho.
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Percebe-se que a modernizao da agropecuria diminuiu as diferenas entre as
caractersticas desse setor e os outros setores da economia brasileira, sendo que este captulo
procura contribuir para literatura avaliando a relao entre a modernizao da agropecuria e
segmentao setorial do mercado de trabalho.
No prximo captulo, apresenta-se a metodologia utilizada nesta tese para avaliao do
impacto da segmentao sobre a alocao dos trabalhadores e o diferencial de rendimentos.
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4 METODOLOGIA
Neste captulo, so apresentadas as metodologias utilizadas para avaliar a segmentao
setorial, entre agropecuria e no agropecuria, no mercado de trabalho brasileiro. A
avaliao da segmentao compreende a anlise da alocao da mo de obra entre os setores e
do diferencial de rendimentos entre o setor agropecurio e o no agropecurio.
Na seo 4.1, so discutidos os mtodos economtricos utilizados para atingir cada
objetivo especfico proposto na Introduo desta tese. Procurar-se- justificar a utilizao dos
mtodos propostos, porm no so definidas as variveis utilizadas. Esta opo foi feita, pois
diversas variveis so utilizadas em mais de uma equao e, portanto, a definio dos dados
utilizados e de cada varivel apresentada na seo 4.2.
4.1 Mtodos economtricos
Os mtodos economtricos apresentados nesta seo so: logit multinomial (item
4.1.1) para estimar dos determinantes da alocao da mo de obra entre o setor agropecurio e
os outros setores; procedimento de Heckman (item 4.1.2) em conjunto com decomposio de
Oaxaca (item 4.1.3) e um procedimento em dois estgios com seleo via logit ordenado
(item 4.1.4) para estimar e analisar o diferencial de rendimentos.
4.1.1 Logit multinomial
O primeiro objetivo especfico desta tese analisar as caractersticas socioeconmicas
dos trabalhadores e os determinantes do emprego e do desemprego no setor agropecurio e
no agropecurio, estabelecendo uma relao entre as caractersticas dos trabalhadores e a
segmentao na alocao de mo de obra entre os setores.
Este objetivo especfico proposto, pois, segundo Doeringer e Piore (1971), as
empresas tm incentivo para reduzir a rotatividade dos trabalhadores e, portanto, criam um
mercado de trabalho interno. Os autores explicam ainda que a alocao dos trabalhadores no
mercado interno depende tanto de suas caractersticas socioeconmicas, como da experincia
no emprego e na firma.
A experincia leva adaptao do comportamento e do pensamento dos trabalhadores
no ambiente de trabalho, sendo que caractersticas do setor secundrio, como irregularidade e
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impontualidade, so aprendidas e tornam-se habituais, assim diminuindo a mobilidade entre
os setores.
E as caractersticas socioeconmicas do trabalhador como gnero, raa, escolaridade,
idade, experincia, entre outras so utilizadas para determinar o preenchimento de postos de
trabalho no mercado primrio ou secundrio. Para Kon (2004), as caractersticas dos
trabalhadores so um empecilho para a mudana nas condies de trabalho e, segundo
Ehrenberg e Smith (2000), a segmentao do mercado trabalho pode levar perpetuao da
discriminao.
Como consequncia da segmentao, Taubman e Wachter (1986) afirmam que as
condies de trabalho so diferentes mesmo para indivduos comparveis, levando ao
subemprego de bons trabalhadores.
Dessa forma, para avaliar os efeitos da segmentao sobre a alocao dos indivduos,
estes so separados nos seguintes grupos de acordo com sua experincia no setor agropecurio
ou em outros setores:
Ocupados agropecuria: indivduos ocupados em atividades agropecurias;
Ocupados no agropecuria: indivduos ocupados em outros setores;
Desempregados agropecuria: indivduos desempregados e que tiveram sua ltima
ocupao h menos de um ano em atividades agropecurias;
Desempregados no agropecuria: indivduos desempregados e que tiveram sua
ltima ocupao h menos de um ano em outros setores;
Desempregados primeiro emprego: indivduos desempregados e que nunca foram
ocupados;
Desempregados no ocupados h mais de um ano: indivduos desempregados e
que tiveram sua ltima ocupao h mais de um ano;
Inativos: indivduos no ocupados ou desempregados.
Considera-se que, alm das caractersticas socioeconmicas, a experincia tambm
determinante para a alocao dos trabalhadores. Assim, os grupos ocupados agropecuria e
desempregados agropecuria e os grupos ocupados no agropecuria e desempregados
no agropecuria devero apresentar semelhanas entre si.
Os desempregados que buscam o primeiro emprego no tm experincia e, portanto,
no podem ser divididos em agropecuria e no agropecuria. E o grupo de no ocupados h
mais de um ano poderia ser dividido entre desempregados da agropecuria e no
agropecuria, entretanto, em um ano, o nvel de qualificao pode se alterar e, ainda, quanto
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maior o tempo passado, maior a probabilidade de mudana das preferncias dos indivduos
em relao ao setor de atividade em que se deseja inserir.
Como, entre esses grupos, no h qualquer ordenamento, o logit multinomial o
mtodo adequado para estimar os determinantes da alocao dos indivduos nos vrios grupos
propostos.
No Brasil, no foram encontrados outros estudos que utilizem o logit multinomial para
a alocao de trabalhadores na agropecuria ou de trabalhadores rurais, mas podem-se citar o
artigo de Fernandes e Pichetti (1999), que aplica esta metodologia para estimar os
determinantes do emprego, desemprego e inatividade; e o artigo de Oliveira, Scorzafave e
Pazello (2009), que utiliza a mesma metodologia para estimar os determinantes de se estar
empregado, desempregado ou na inatividade para homens e mulheres.
O modelo logit multinomial utilizado para escolha no ordenada. Greene (1997)
explica que o indivduo escolhe uma alternativa se sua utilidade mxima e que a
probabilidade do indivduo i escolher a alternativa j dada por:
)Pr( ikij UU > para todo kj (01)
sendo a utilidade para a escolha da alternativa j:
ijijij vxU += ' (02)
em que U a utilidade, x o vetor de variveis, o vetor de parmetros e v o termo
aleatrio.
No entanto, ijU no observado e apenas se sabe qual a alternativa em que o indivduo
se encontra. Ento a probabilidade do indivduo i escolher a alternativa j pode ser expressa
como:
=
+== J
kik
ijii
x
xxjA
1)'exp(1
)'exp()|Pr(
(03)
em que A a alternativa escolhida pelos indivduos entre as J possveis alternativas.
As alternativas consideradas so: ocupados agropecuria, ocupados no
agropecuria; desempregados agropecuria; desempregados no agropecuria;
desempregados primeiro emprego; desempregados no ocupados h mais de um ano; e
inativos, em que a base a categoria ocupados no agropecuria.
No vetor x so includas variveis que procuram controlar os efeitos do local de
moradia, de caractersticas socioeconmicas do indivduo ou relacionadas ao domiclio e do
perodo estudado. Essas variveis so: morar na regio Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sul,
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comparativamente a morar na regio Sudeste; morar em regio metropolitana ou em zona
urbana, em relao a morar na zona rural; ser do sexo masculino; a idade; anos de
escolaridade; ser da cor amarela, preta, parda ou indgena, comparada ser da cor branca; ser
cnjuge, filho ou outros no domiclio, em relao ao chefe; nmero de crianas no
domiclio; rendimento que no so do prprio indivduo no domiclio; anos de 2005, 2006,
2007, 2008 ou 2009, em relao a 2004. O detalhamento dessas variveis e a justificativa de
sua utilizao so apresentados no quadro 1.
Assumindo que as observaes so independentes, a estimao feita por mxima
verossimilhana. Mas, os resultados no so diretamente interpretveis a partir dos parmetros
e os efeitos marginais so:
=
===
= J
kkj
i
kAjAx
jA0
])Pr()[Pr()Pr( (04)
E tambm se pode apresentar uma r