Capítulo i - A Escola Da Exegese

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CAPÍTULO I - A ESCOLA DA EXEGESE A escola da exegese tinha como objetivo reduzir o direito à lei. Ela pode ser dividida em três fases: a primeira iniciada após a Promulgação do Código Civil (em 1804), considerada a fase de instauração e que teve seu fim entre1830 e 1840; a segunda é a fase do apogeu, que durou até 1880aproximadamente; e a terceira é a fase do declínio, que acabou em 1899, como aparecimento da obra de Gény. Os professores do Código de Napoleão (na época de vigência da escolada exegese) utilizavam um método que consistia em seguir a lei rigorosamente e dessa forma estudá-la. O período em que a escola da exegese teve mais força e impôs suas técnicas de raciocínio jurídico foi de 1830 a 1880. Essas técnicas eram baseadas no pensamento de que a lei em raras ocasiões se revela insuficiente, de maneira que não há espaço para a livre interpretação Este pensamento remete à doutrina de separação dos poderes, que define o poder legislativo como aquele que firma o Direito que deve guiar uma sociedade e o poder judiciário como aquele que aplica o Direito somente, mas não o cria. A decisão judicial deve ser tomada de modo imparcial, sem influência interpretativa por parte do juiz (dessa forma, a passividade do juiz gera uma sensação de segurança jurídica), de modo que, tendo se estabelecido os fatos, baste formular o silogismo judiciário. O juiz, no momento da decisão, deverá de modo impessoal, se posicionar a favor de uma das partes e o que lhe permitirá que esse ato seja realmente impessoal é pesar as intenções de ambas as partes e a gravidade dos delitos, por exemplo. Para que essa pesagem seja imparcial, sem paixão, temor, ódio ou piedade, faz- se necessário que a justiça tenha os olhos vendados e que não veja as conseqüências do que faz. A premissa maior do silogismo judiciário deveria ser fornecida pela regra de Direito apropriada e a premissa menor, pela constatação de que as condições previstas na regra foram preenchidas. A decisão é a conclusão do silogismo, levando em consideração as suas duas premissas (a maior e a menor). Os juristas da escola da exegese tinham como objetivo fazer com que o papel do juiz se limitasse ao estabelecimento dos fatos e à aplicação do Direito segundo a lei. Para que esse objetivo fosse alcançado, o sistema de Direito teria que ser completo e coerente, de modo que existisse apenas uma regra aplicável para cada situação ± uma regra totalmente livre de ambigüidades.

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A Escola da Exegese

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CAPTULO I - A ESCOLA DA EXEGESEA escola da exegese tinha como objetivo reduzir o direito lei. Ela pode ser dividida em trs fases: a primeira iniciada aps a Promulgao do Cdigo Civil (em 1804), considerada a fase de instaurao e que teve seu fim entre1830 e 1840; a segunda afase do apogeu, que durou at 1880aproximadamente; e a terceira a fase do declnio, que acabou em 1899, como aparecimento da obra de Gny.Os professores do Cdigo de Napoleo (na poca de vigncia da escolada exegese) utilizavam um mtodo que consistia em seguir a lei rigorosamente e dessa forma estud-la.O perodo em que a escola da exegese teve mais fora e imps suas tcnicas de raciocnio jurdico foi de 1830 a 1880. Essas tcnicas eram baseadas no pensamento de quea lei em raras ocasies se revela insuficiente, de maneira que no h espao para a livre interpretaoEste pensamento remete doutrina de separao dos poderes, que define o poder legislativo como aquele que firma o Direito que deve guiar uma sociedade e o poder judicirio comoaquele que aplica o Direito somente, mas no o cria. A deciso judicial deve ser tomada de modo imparcial, sem influncia interpretativa por parte do juiz (dessa forma, a passividade do juiz gera uma sensao de segurana jurdica), de modo que, tendo se estabelecido os fatos, baste formular o silogismo judicirio. O juiz, no momento da deciso, dever de modo impessoal, se posicionar a favor de uma das partes e o que lhe permitir que esse ato seja realmente impessoal pesar as intenes de ambas as partes e a gravidade dos delitos, por exemplo. Para que essa pesagem sejaimparcial, sem paixo, temor, dio ou piedade,faz-se necessrio que a justia tenha os olhos vendados e que no veja as conseqncias doquefaz.A premissamaior dosilogismojudicirio deveria ser fornecida pela regra de Direito apropriada e a premissa menor, pela constatao de que as condies previstas na regra foram preenchidas.A deciso a concluso do silogismo, levando em considerao as suas duas premissas (a maior e a menor).Os juristas da escola da exegese tinham como objetivo fazer com que o papel do juiz se limitasse ao estabelecimento dos fatos e aplicao do Direito segundo a lei. Para que esse objetivo fosse alcanado, o sistema de Direito teria que ser completo e coerente, de modo que existisse apenas uma regra aplicvel para cada situao uma regra totalmente livre de ambigidades.Um sistema de Direito formal (o desejado pela escola da exegese) deveria possuir trs caractersticas: ser unvoco (permitir a eliminao de qualquer desacordo no que se refere sua interpretao), coerente (uma exigncia essencial, pois um sistema incoerente acaba gerando contradies, tornando-se inutilizvel e fazendo necessria a sua correo) e completo (permitir verificar se uma proposio do sistema ou no demonstrvel). Essa completitude s possvel em poucos sistemas formais.O artigo 4 do Cdigo de Napoleo refora essas caractersticas do sistema de Direito formal ao considerar que o juiz no pode deixar de julgaralegando silncio, obscuridade ou insuficincia da lei. O sistema de Direito formal tomado, ento, como um objeto completo e coerente, livre de lacunas, antinomias e ambigidades. Somente dessa forma o magistrado poderia cumprir a tarefa que lhe cabe: determinar os fatos do processo e extrair as conseqncias jurdicas que so colocadas, sem participar da elaborao das leis. E foi neste mbito que os juristas da escola da exegese buscaram restringir o papel do juizao estabelecimento dos fatos e adequar sua conduta aos termos da lei.No incio da histria da prova judiciria, at o Conclio de Latro (1215), a prova dos fatos e a prova da justia de uma causa eram a expresso dojulgamento divino. Jna tradio medieval, asprovas dos fatos em questo eram obtidas pelo juramento deuma das partes acompanhado por um nmero variado de co-jurantes. A partir do sculo XIII, a prova considerada mais vlida e aquela que inspirava mais confiana era aquela confessada (fornecida) pelo prprio acusado- sendo a tortura um dos meios possveis de ser utilizado para obt-la. Atualmente, nos pases civilizados, a confissojudicial a qual se atribui mais valor. Essa confisso, porm, s admitida em questes cveis, em que importamapenas os interesses particulares.No Direito dos povos brbaros, o acusado deveria fornecer as provas de sua inocncia. Hoje, ao contrrio, quem faz uma acusao deve reunir as provas daquilo que alega, ou seja, o indivduo inocente at o momento em que sua culpa venha a ser efetivamente comprovada.O Direito foi, com o tempo, abandonando caractersticas do passado: objetos decisivos passaram a ser complementares, como o depoimento das testemunhas, por exemplo. A prova escrita passou a prevalecer sobre o depoimento oral (ordenao de Moulins de 1667). E essa s tem sua validade anulada quando se constata sua falsidade (do texto ou da assinatura).At o final do Antigo Regime, existia uma hierarquia legal das provas, que determinava diante de quais provas o juiz deveria se submeter. A partir do sculo XVIII, entretanto, com a influncia dos livros de Beccaria (em especial no campo do Direito Penal), a prova dos fatos passou a ter uma dependncia crescente da ntima convico dos juzes: no necessariamente o nmero de testemunhas que participaram do estabelecimento de uma prova que tornar esta mesma prova verdadeira - e sim a impresso que esta prova deixou na razo do juiz. essencial assegurar-se da imparcialidade do juiz. Assim, caso o juiz possua qualquer conceito previamente formado sobre as partes ou alguma espcie de relao (familiar, de amizade ou interesse), que possa exerceralguma influncia no momento do julgamento, o magistrado deve declarar que est, por essas razes, impedidode continuar envolvidonojulgamento em questo.No caso da elaborao de um jri, as partes possuem o direito de recusar um jurado que lhes inspire uma imparcialidade duvidosa. Essa escolha deve ser realizada no momento em que o jri est sendo constitudo.As partes devem se preocupar em provar fatos que possam exerceralguma influncia no desfecho do processo: fatos cuja prova admissvel. Ojuiz pode declarar que a prova de certos fatos no aceitvel por duas razes:julgar que essesfatos so irrelevantes para a conclusodo processo ouento que so fatos cuja prova no permitida (com o intuito de proteger a reputao de alguns indivduos, por exemplo).Em alguns sistemas jurdicos, pode acontecer de o direito de depor serlimitado aos adeptos de uma determinada religio, de ser desprovido de valoro testemunho de um nico indivduo ou de existir uma hierarquia dos depoimentos.J os Cdigos de Processo ocidentais costumam possuir regras de excluso. Parentes ou cnjuges no podem ser considerados como testemunhas. Descendentes s podem ser testemunhas em casos em que eles e seus ascendentesno possuam interesses contrrios. A apresentao de um falso testemunho passvel de punio. Essa punio, contudo, no aplicada a menores de 16 anos ou a pessoas que testemunharam sem terem prestadojuramento.O nus da prova ser designado conforme o papel que o juiz desempenha no decorrer do processo. Ele pode permanecer neutro, apenas avaliando o valor das provas trazidas pelas partes, ou ento pode partir em busca da verdade objetiva. O juiz liberal possui ainda poderes notveis na conduo de um processo. Cabe spartes prestar sua colaborao s instrues dadas pelo juiz, sendo deste o poder de delimitar as conseqncias de uma recusa de colaborao das partes. Cada uma das partes tem a funo de provar os fatos necessrios ao xito de sua pretenso.Quando uma prova testemunhal for admissvel, ela dever fornecer aojuiz todos os elementos que lhe permitam constatar ou presumir a realidade dos fatos contestados. Existem as presunes do homem - que se referem a casos no qualificados juridicamente - e as presunes legais, que deslocam o nus da prova quelesque querem derrub-la e do certa vantagem parte que foi concedida - como no caso da presuno de inocncia, que protege os indivduos contra calnias e abusos de poder. Sua funo principal facilitar a tarefa do juiz. Este, ao julgar um caso, deve acatar as presunes legais at que uma prova contraditria seja produzida. O juiz deve se prender aos fatos dos quais decorrero as conseqnciasjurdicas de acordo com a lei. necessrio preocupar-se em provarao juiz fatos que designam conseqncias jurdicas. S que para isso esses fatos devem estar de acordo com a lei, o que significa dizer, qualificados. O juiz deve se interessar apenas pelos detalhes que possam permitir ou impedir a aplicao de uma regra de Direito, um texto de lei ou a clusula de uma conveno estabelecida entre as partes.Quando ocorre de um texto legal estar formulado na lngua comum e especialmente quando este possui elementos quantitativos determinveis porum procedimento incontestvel, a passagem da descrio qualificao pode ser feita de imediato.Apesar de existir a possibilidade da qualificao do texto legal serefetuada de maneira imediata e simples, ocorre que em muitas ocasies as noes sobre as quais devem ser subsumidos os fatos podem ser imprecisas, levando a qualificao dos fatos a uma dependncia de um conceito derivado de uma apreciao.As noes de igualdade, interesse pblico, urgncia e bons costumes tm relao com critrios queno foram definidospelo legislador. Essas noes surgem em razo da indeterminao da lei e conferem ao juiz um poderde apreciao. Para o legislador diminuir o poder de apreciao do juiz, deve precisaros termos da lei e introduzir elementos quantitativos. Apesar do estabelecimento dos fatos, aparecem problemas de qualificao, devido a dificuldades de interpretao e aplicao da lei. Somente em casos extremos ojuiz ir se limitar a aplicar o silogismo judicirio. Para a tradio da escola da exegese, havia uma oposio entre clareza e interpretao, pois no cabe interpretar algo que seja claro. Contudo, se faz necessrio frisar o que viria a ser um texto claro: aquele redigido em lngua comum e que no constitui discrepncia de interpretao, ou seja, no discutido. Desse modo possvel consider-lo claro. A impresso de clareza pode ser menos a expresso de uma boa compreenso que de uma falta de imaginao.Entretanto, diante de um caso em que a expresso ganha um novo sentido, pelo fato do progressotcnico, possvel assegurar que esta nova definio dever ser a nica adotada? Para os defensores da escola da exegese, no existe essa possibilidade. Pois a idia que os juzes deveriam conformar-se com a vontade presumida, sejam quais foram as conseqncias,recusando assim o papel de um juiz que buscasse uma interpretao mais razovel e justa perante ao caso particular, de acordo com o direito vigente.A partir da criao do tribunal de cassao, tendo como incumbncia, observar a correta aplicao das leis, diante das sentenas dadas pelos juzes que pertenciam a cortes e tribunais, ento, no que compreende seu objetivo, a avaliao partia dosresumos feitos dos casos, averiguando-se se houve alguma sentena em desacordo com a lei, pois temiam queviesse a ocorrerum excesso por parte dos juzes, nesse contexto. Sendo assim, isso ajudaria a harmonizar a jurisprudncia. Porm, os magistrados tinham uma concepo diferente, de que o objetivo era manter a unidade da legislao, no do direito.Para a escola da exegese o papel a ser desenvolvido pelo juiz era apenas de dar uma sentena em conformidade com a lei, sem ter demais preocupaes. Ou seja, servia apenas como um instrumento, ou melhor, um porta-voz da lei. Sendo que, os exegetas exerciam uma funo de buscarelucidar e fornecer as solues para todas e quaisquer eventualidades que possam existir. Entretanto, quando o assunto antinomia e lacuna o discurso muda. Ojuiz tinha que eliminar a primeira e preencher a segunda, podendo exercerdeforma mais ativa nesse processo, mesmo que sua deciso tivesse que ter uma motivao e um embasamento nos textos legais. E foi diante desse cenrio que mais tarde foi possvel, de maneira progressiva, demolir essa teoria.A antinomia se diz respeito, quando perante a um caso especfico, se identifica uma nica norma, ou vrias normas, cuja sua aplicao conduz a uma dadasituao a diretrizes incompatveis. Entretanto, o casotorna-se mais complexo quando se depara com duas normas inconciliveis e que ambas possuem o mesmo valor de validade, e no h regras gerais que permitam, neste caso, atribuir prioridade a uma ou a outra. Ento, nesse sentido que o tribunal pode exercer um papel mais amplo de deciso, mesmo que utilize a lei como apoio. Casos de antinomia como este existem no plano concreto e so vrios os exemplos que poderiam ser citados, apesar de configurarem excees bastante raras. Salvo quando juzes devem aplicar regras diferentes das do direito interno, tratando aqui de regras de direito estrangeiro, religioso, comunitrio ou internacional.Na maioria das vezes os conflitos ocorrem no direito internacional privado, ramo do direito no qual intervm um elemento de estraneidade, e no qual, por esse motivo deve-se aplicar uma lei estrangeira.O cdigo de Napoleo no se preocupou muito com os conflitos de lei no espao, e apenas no artigo3destina-lhe algumas referncias: As leis de polcia e de segurana obrigam a todos quantos habitam o territrio. Os imveis, mesmo os de propriedade de estrangeiros, so regidos pela lei francesa. As leis concernentes ao estado e capacidade daspessoasregemos franceses, mesmo residentes no exterior.A partir destas referncias, o uso, a doutrina e a jurisprudncia agrupam uma matria difcil e delicada, na qual surgem s antinomias.Para elaborarregras gerais, que possibilitem encontrar alei aplicvel, as instituies e as regras de direito foram agrupadas em categorias chamadas de estatutos. Os cinco estatutos so: pessoal, real, local, de autonomia da vontade e das leis de polcia.Aqui podemos mostrar como as questes doestatuto pessoal, relativa so estado e capacidade das pessoas pode levar a antinomias como, porexemplo, em relao ao casamento e ao divrcio.Para chegar soluo de um problema concreto nesta matria preciso:1. Determinar se a relao de direito foge aodireito interno, dada a existncia de um elemento de estraneidade;2. Analisar a instituio para classific-la no estatuto prprio do direito internacional privado;3. Determinar, conforme o fator de vinculao prprio do estatuto escolhido, a lei do direito interno aplicvel;

4. Descobrir, na lei interna aplicvel as disposies que fornecem, questo proposta, a soluo concreta buscada;5. Aplicar tais disposies ao caso especfico.As antinomias so freqentes e podem surgir em qualquer fase, principalmente em institutos como o casamento, a adoo, quando se referem a duas pessoas, marido e mulher, adotante e adotado, de nacionalidades diferentes.O Caso mais clssico entre casais de nacionalidades distintas, pois muitas vezes as condies que autorizam o divrcio variam de um sistema para outro, chegando a uma completa oposio, quando o sistema de um dos envolvidos probe enquanto o sistema do outro autoriza. Este problema era bastante sentido quandodiversas jurisdies encarregadas de um caso de divrcio de dois cnjuges de nacionalidades diferentes adotaram as mais variadas solues: cumulao das duas leis e aplicao da lei mais restritiva, aplicao da lei nacional do demandante, aplicao da lei nacional do marido, aplicao da lei nacional da mulher, aplicao da lei do domiclio, aplicao da lei do lugar do casamento, aplicao da lei do cnjuge inocente ou ainda, a lei do tribunal.A Corte de Cassao da Blgica, que adotava o estado da legislao era considerada atada, pois era uma construo doutrinal, na qual os conflitos de lei eram solucionados de forma mais restritiva. Aps o abandono dos conceitos da escola da exegese, foram admitidas outras fontes de direito, alm da lei positiva, a doutrina e a jurisprudncia puderam utilizar a tcnica da antinomia para estabelecer solues mais equitativas e razoveis.O Cdigo de Napoleo no aceita que um juiz se recuse a julgar um caso sob pretexto do silncio da lei, podendo ser acusado de denegao dejustia. Por esse motivo, se o magistrado identifica uma lacuna na lei obrigado a preench-la, mas sempre dentro dos conceitos do direito.O problema das lacunas surgiu juntamente com a separao dos poderes, que impes ao juiz aplicar um direito j existente e que presume serde seu conhecimento. Antes da Revoluo Francesa, porm, este problema era inexistente, pois na ausncia de uma regra expressa, o magistrado podia buscar outras alm da lei positiva.A obrigao de preencher as lacunas da lei d ao juiz a possibilidade de elaborar normas. Na common Lawos magistrados so criadores das regras de direito, pois no precisam seguir decises precedentes de outros juzes. Para evitar a arbitrariedade na ausncia de uma regra expressa, o juiz dever inspirar-se no esprito do direito, que so tcnicas e valores que outros textos utilizam. de certa forma, abusivo empregar o conceito da interpretao ao preenchimento de lacunas, pois inconcebvel admitir um princpio geral de liberdade assim queh razo para recorrer interpretao. Mas tambm impossvel admitir que esse princpio de liberdade fornea a nica soluo possvel ao problema das lacunas. O problema das antinomias do direito existe apenas nos casos em que h uma lacuna na lei.Portanto, no possvel identificara existncia de lacunas apenas pelo fato de um sistema formal ser incompleto. Um sistema formal incompleto quando suas proposies no so evidentes. Mas as lacunas do direito s sero usadas quando tentativas de interpretar a lei no chegarem a um resultado satisfatrio.

CAPTULO II AS CONCEPES TELEOLGICA, FUNCIONAL E SOCIOLGICA DO DIREITO

Fazia-se necessrio cuidar que o sistema de direito no contivesse antinomias, conflito de leis, e, como num sistema matemtico fechado, para solucionar esse confronto aparente de normas, era preciso formular regras gerais que resolvessem as contradies entre as leis, criando critrios de descartes que possibilitassem ao juiz determinar qual preceito deveria ser aplicado situao concreta e qual deveria ser suspenso.

O perodo representado pela Escola funcional e sociolgica do direito, que ocorrera na segunda metade do sculo XIX, onde a configurao poltico-econmico-social do continente europeu encontrava-se marcada pelos intensos movimentos sociais da classe proletria, embaladas pelas ideologias socialistas, em contraposio mentalidade burguesa, com seu opressor capitalismo industrial, traduziu-se, gradualmente, em no conceber o direito como um sistema fechado, no qual os juzes esto presos a rgidas dedues lgicas das prescries legais, mas, ao contrrio, busca-se interpretar a lei segundo a vontade do legislador, bem assim em conformidade com as aspiraes sociais que o impulsionaram na confeco da lei. Nessa medida, a investigao terico-jurdica dessa corrente de pensadores, qual se filiam Savigny e Ihering, importar-se- no com a letra da lei, mas antes, com o seu esprito, com a sua essncia social, procurando sempre adaptar os textos normativos s mudanas e contingncias da evoluo social e tcnica.Perelman apresenta vrios exemplos ilustrativos de casos em que o juiz no se atm interpretao literal da lei, mas ao seu sentido e contedo. Pondera que num regulamento em que se probe viajar ou subir os degraus da estao na companhia de um cachorro, obviamente, a lei objetivou a estender a proibio a outros animais, sejam domsticos, e, por maior razo, aos selvagens. Tambm cita o caso de vrios cdigos penais agravarem a pena de roubo, quando cometido noite, cujo objetivo de se imputar com maior rigor para dissuadir o pretenso ladro de cometer tal delito nessa circunstncia em que a vtima encontra-se dormindo e na ausncia de luz que facilita sua prtica. Certamente, nessa nova sistemtica de interpretao, que d mais importncia ao alcance da norma e no estreiteza do brocardo dura lex, sede lex, o crime de roubo que fosse cometido meia noite, num cassino, em ambiente bem iluminado e repleto de pessoas, no se subsumiria nessa agravante penal.Os operadores do direito desse perodo usam de argumentos explicativos prprios do raciocnio jurdico que os auxiliam a interpretar textos normativos consoante a inteno conferida ao legislador. Tais argumentos no fazem parte da lgica formal, posto que no dizem respeito forma, mas a prpria substncia do raciocnio jurdico, mesmo porque os partidrios do uso da linguagem cientfica rigorosa, que confere cientificidade ao raciocnio, vem com desdm e desprezo a utilizao pelos juristas desses expedientes para expressar a verdade e a realidade dos fatos submetidos ao julgamento. Argumento como a fortiori (por maior razo), do qual tem duas formas o a minori ad maius, isto , a quem proibido o menos, por maior razo, proibido o mais, ou assim exemplificado, se se incrimina quem fere a integridade fsica de algum, por maior razo, probe-se matar; e o a maiori ad minus, ou seja, quem pode o mais, pode o menos, ou melhor, elucidado, se o promotor de justia, como titular da ao penal incondicionada, quem pode propor a denncia, por maior razo, permite-se-lhe, uma vez configurada a desdia da polcia judiciria, produzir o inqurito policial. O autor de Lgica jurdica elenca outros exemplos como os argumentos a coherentia e apaggico, no qual a primeira parte do pressuposto que o legislador jamais promulgaria duas leis conflitantes para normatizar uma mesma situao, e, por sua vez, o raciocnio apaggico d como certo que inconcebvel pensar que o legislador regulamentasse preceitos que levassem a interpretaes ilgicas ou inquas.Outras tcnicas de raciocnio especficas do discurso jurdico como o argumento a contrario, o a simili ou argumento analgico, o a completudine, o psicolgico, histrico, teleolgico, econmico, sistemtico, naturalista etc. Ultima esclarecer, nesse passo, que nem sempre esses argumentos podem ser usados, indiscriminadamente, sem ressalvas ou mesmo por serem incabveis ou dignos de, ao invs de produzir consenso acerca de sua inferncia, acarretam, com maior intensidade, a dissenso, como no exemplo acima citado do promotor de justia que incumbe denunciar e, conseqentemente, poder confeccionar a pea inquisitorial, que no bem aceito, unanimemente, na comunidade jurdica.Na interpretao dessa corrente, o juiz do continente europeu diferencia de forma clara a legislao em vigor (de lege lata) da almejada (de lege ferenda), no se arvorando em usurpar os poderes do legislador. Contudo, quando a situao jurdica apresenta-se insustentvel, e a harmonia do ordenamento jurdico por meio de reformas legislativas mostra-se invivel, para no dizer impossvel, aludido magistrado, para no incorrer em decises injustas, lana mo de expedientes jurdicos especficos, isto , recorre-se s jurisprudncias irrefutveis e, at mesmo, de fices jurdicas, como ocorre em atribuir personalidade jurdica s associaes, abstraindo-se da realidade psicolgica e moral. Outrossim, prprio do raciocnio jurdico desse perodo servir-se de presunes simples como juris tantum, que admitem prova em contrrio para refut-las, bem como o uso de presunes incontestveis como juris et de jure, que no permitem a produo de prova em contrrio.

CAPTULO III O RACIOCNIO JUDICIRIO DEPOIS DE 1945

O terceiro perodo da linguagem jurdica que ocorrera aps 1945, especialmente aps o processo de Nuremberg, consiste numa viso moderna do direito e de sua linguagem, caracterizando-se pela forte reao devotada ao positivismo jurdico e s suas decorrentes escolas, quais sejam a da exegese, que se expressa, primeiramente, numa concepo de anlise aritmtica e dedutiva do direito, e a corrente funcional ou sociolgica, que interpreta nos textos normativos a vontade ltima do legislador e, assim, estrutura a sua argumentao jurdica.O positivismo jurdico, como reflexo da filosofia positivista no direito, que se antagoniza com as concepes naturalista, metafsica, sociolgica, histrica, antropolgica e com as ideologias externas ao fenmeno jurdico, onde o uso de uma linguagem puramente cientfica para a argumentao jurdica constitui garantia de objetividade e impessoalidade, predominou no ocidente at o fim da Segunda Guerra Mundial. Expurga do direito toda e qualquer associao com a idia de justia, bem assim elimina da filosofia qualquer associao a valores, pois, por serem variveis no tempo e no espao, arrastam e que impregnam o direito com o subjetivismo, que redunda na arbitrariedade e na insegurana jurdica, subtraindo do discurso jurdico o seu carter cientfico.Hans Kelsen, em seu positivismo jurdico, compreende o ordenamento jurdico como um sistema hierarquizado de normas, no qual a norma inferior encontra na norma imediatamente superior o seu fundamento de validade, e esta, por sua vez, na seguinte at chegar grande e primeira norma de um Estado, que valida todas as demais de seu complexo normativo, e esta, a Constituio original, por seu turno, na norma hipottica fundamental que, para esse jusfilsofo, representa o sentimento de obedincia a uma norma constitucional, presente em uma dada sociedade, em um dado tempo e lugar. Cumpre sublinhar que o processo de criao e validao da norma superior inferior no decorre de uma deduo lgica ou matemtica, mas sim por autorizao, que estar sempre condicionada e na dependncia de que a eficcia da nova norma criada esteja em conformidade e em comunho com os princpios que informam a Magna Carta de uma sociedade politicamente organizada. Nessa medida, difere de um sistema formal, que concebe um direito esttico, e constri um sistema dinmico em expanso, harmonizado com a Lex Mater.A concepo moderna do direito do terceiro perodo, em sentido contrrio s escolas que a precedera, entende e concebe o direito como expresso de realidades sociais, econmicas e polticas, no ousando ou se arvorando guiar e determinar essas realidades, posto que a adeso mope de identificar o direito lei, presente nas escolas da exegese e funcional, no rara vezes, deu ocasio s decises injustas, como as observadas na Alemanha desde a ascenso de Hitler ao poder em 1933. Agora, orienta-se em idealizar os direitos vida, liberdade, equidade e todos os valores que orbitam e do densidade axiolgica ao princpio da dignidade da pessoa humana, posto pertencerem ao patrimnio jurdico da humanidade, no consistindo em mera concesso jurdico-estatal, mas antes em direitos e princpios inerentes condio humana, vez que, embora venham consignados em diversas Magnas Cartas, ali se encontram por simples ato declaratrio, pois s se declara aquilo que j existe, impem-se, assim, numa dimenso pr-estatal ou at mesmo supra-estatal. ... Essa reao perante a soberania do legislador, antes incontestada, significa o renascimento do direito natural, volta jurisprudncia universal que dominou os sculos XVII e XVIII? Certamente no, na medida em que o direito natural racionalista acreditava poder formular princpios unvocos de alcance universal. Mas, certamente sim, se se trata de rejeitar a concepo positivista, legalista e estatizante do direito, expresso da vontade arbitrria de um poder soberano, que nenhuma norma limita e no submetido a nenhum valor. ... Tratar-se-ia de uma volta ao direito natural clssico? Eu diria que uma volta concepo de Aristteles que, ao lado das leis especiais, escritas, afirma a existncia de um direito geral, "todos esses princpios no escritos que se supem ser reconhecidos em toda parte". Questo bastante interessante presente nas concepes modernas do direito e da linguagem jurdica, trata-se em assentar que o juiz, nessa sistemtica, no pode conformar-se com sentenas motivadas segundo apenas adequao e sintonia com os preceitos jurdicos, porm, deve ir alm, e aquilatar o valor das decises proferidas, aferindo-as se lhe apresentam justas, ou, ao menos, se lhe afiguram sensatas. Dessa forma conduzindo-se o magistrado, inevitavelmente, produziriam sentenas subjetivas, que resvalariam para o mundo obscuro, imprevisvel, inseguro e arbitrrio do subjetivismo, a guisa das decises prolatadas pelo juiz Magnaud, citadas por Franois Gny em sua obra Mthode d'interprtaton et sources en droit prive positif', e referido por Perelman em seu livro, in verbis:

... Pois o mtodo que preconizava Gny, do modo como era representado pelo presidente Magnaud, "deveria fatalmente redundar na incerteza e na instabilidade das solues positivas, portanto em uma espcie de anarquia jurdica, que aboliria qualquer freio nos julgamentos, arruinaria toda segurana nos negcios. Realmente, no momento em que se deixa o poder de formular regras abstratas descer da esfera intangvel, na qual o abrigava a plenitude soberana da lei, para o domnio verstil do juzo individual, expomo-nos a uma desconcertante flutuao das decises de direito". O presidente Magnaud queria ser "o bom juiz, clemente para com os miserveis, severo para com os privilegiados". No se preocupava com a lei nem com a doutrina, nem sequer com a jurisprudncia, comportava-se como se fosse a encarnao do direito: " a apreciao subjetiva", escreve Gny, "que domina e anima, ao mesmo tempo, todo o processo de julgamento do presidente Magnaud. Ele pretende ver, por si mesmo e primeira vista, o motivo da deciso. E, se recorre lei, para apreciar-lhe o valor segundo seu juzo pessoal. Assim, critica do alto e sem medir palavras a jurisprudncia estabelecida que no correspondesse a suas opinies pessoais. Entretanto, mais grave ainda, essa apreciao subjetiva consiste apenas em consideraes vagas, mais aptas a tocar o sentimento do que a firmar a razo, e que , de qualquer modo, impossvel de condensar, quer em princpios firmes, quer em meios prticos, constitutivos, em seu conjunto, de um sistema bem articulado. Realmente, juzes, que assim manifestassem em suas decises, provocariam um verdadeiro caos social pela desestabilidade jurdica instalada, pois desvinculadas que se apresentam de qualquer referencial axiolgico intersubjetivamente aceito e estabelecido por uma sociedade organizada, prprias de regime de exceo e passveis de existirem mesmo em ambiente onde reina um verdadeiro estado democrtico de direito. Seus julgados no teriam nenhum valor jurdico, suas sentenas sequer poderiam ser consideradas um discurso jurdico. ... O fato de o direito, tal como o concebemos, no poder menosprezar a segurana jurdica e dever, por esta razo, evitar a subjetividade e a arbitrariedade, o fato de constituir um empreendimento pblico - pois o juiz recebe sua autoridade do Estado, que lhe confere competncia e poder - impede identificar, pura e simplesmente, o que justo segundo o direito com o que parece justo a um indivduo. De fato, no podemos perder de vista que todos os litgios, cuja soluo depende de uma questo de direito, pem em oposio adversrios que defendem, nesse ponto, teses diametralmente opostas: a afirmao de que tal tese prefervel em direito supe a existncia de uma ordem jurdica, pois de outro modo seria impossvel motivar, de modo juridicamente vlido, o dispositivo da sentena.Portanto, o discurso jurdico hodierno preconiza, para no sucumbir ao canto atrativo da sereia do positivismo jurdico, tanto de uma exegese fria da lei, ou vontade da norma prevista pelo legislador, ou, ento, de uma deduo lgica, bem assim incorrer em execrveis subjetivismos, que o juiz deve sim ater-se e mirar-se no ordenamento jurdico para prolatar coerentes decises. No entanto, se a soluo encontrada para um litgio jurdico estiver em conformidade com arcabouo normativo, mas em dissintonia com o bom senso, a prudncia, a temperana, a razoabilidade e carente de justia, impelem ao tribunal reformar aludida deciso de primeiro grau e adequ-la aos princpios gerais do direito, chegando soluo justa. Perelman em sua obra a crescente influncia dos princpios gerais do direito na doutrina jurdica e nas decises dos tribunais do continente europeu e na Amrica do Norte, principalmente, aps a Segunda Guerra Mundial e ao julgamento de Nurenberg, citando autores como J. Esser, Martin Kriele e Othmar Ballweg, na Alemanha; Ter Heide, nos Pases Baixos; W. Van Gerven, na Blgica; L. Husson, na Frana; L. Recasns Siches, no Mxico, e K. N. Llewellyn e R. M. Dworkin, nos EUA, todos destacando a importncia dos juzos de valor para guiarem o juiz na busca incessante da deciso judiciria justa, equitativa, sensata, aceitvel e conforme ao direito, postura esta advogada por esses autores que batem de frente com a teoria pura do direito de Hans Kelsen.Perelman consigna que, a bem da verdade, boa parte desses princpios gerais que informam o direito vigente, a despeito de terem maior densidade axiolgica, remontam s obras jurdicas de Aristteles (Especficos) e ao direito romano clssico e que essa nova metodologia do discurso jurdico fez foi resgatar os Tpicos jurdicos, h tempo esquecidos, que hoje, na realidade, importam ser lembrados e utilizados pelo juiz como uma tcnica metodolgica para harmonizar a fidelidade ao sistema normativo com a prudncia, razoabilidade, temperana e aceitabilidade da deciso. Elenca vrios tpicos jurdicos reunidos por Gerhard Struck, como Lex posterior derogat legi priori (lei posterior revoga lei anterior), Lex specialis derogat legi generali (lei especial derroga lei geral), Et audiatur altera pars ( preciso tambm ouvir a parte contrria), In dbio pr reo ou in dbio pr libertate (em caso de dvida, a favor do ru ou a favor da liberdade), dentre vrios outros encontrados na legislao e jurisprudncia alem, visando demonstrar a atualidade deles. A crtica mais pertinente feita aos adeptos do uso dos tpicos jurdicos consiste em afirmar que os mesmos podem ser invocados por ambas as partes em litgio. Todavia, rebatem os partidrios que tais tpicos constituem uma tcnica de interpretao para chegar soluo mais sensata possvel, bem como, quando h conflito de direitos ou princpios, refutam que no h nenhum direito ou princpio absoluto, apenas que, num determinado caso concreto, um direito ou princpio deve ser limitado o seu alcance em favor do outro, observando sempre que a deciso encontrada a mais equitativa, a mais aceitvel e a nica que preserva a integridade do sistema.