Pericia Direito Familia

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JORNADA A PERÍCIA PSICOLÓGICA NO DIREITO DE FAMÍLIA 21 DE MAIO DE 2007 PROMOÇÃO JUSMULHER-RS APOIO: EMA/AJURIS SPRGS CRP-07 ABMCJ SIPERGS

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JORNADA

A PERÍCIAPSICOLÓGICA NO

DIREITO DE FAMÍLIA

21 DE MAIO DE 2007

PROMOÇÃO

JUSMULHER-RS

APOIO: EMA/AJURISSPRGS CRP-07 ABMCJ

SIPERGS

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A JORNADA “A PERÍCIA PSICOLÓGICA NO

DIREITO DE FAMÍLIA” FOI UM EVENTO PROMOVIDO

PELO IBDFAM-RS E PELO JUSMULHER-

RGS, QUE OCORREU NO DIA 21 DE MAIO DE

2007 NO AUDITÓRIO DA AJURIS, RUA CELESTE

GOBATO, 229 EM PORTO ALEGRE, COM

INSCRIÇÕES GRATUITAS AOS PARTICIPANTES, E QUE

SE DESENVOLVEU EM TRÊS BLOCOS, CADA UM DELES

REPRESENTADO POR UMA MESA ONDE TRÊS

DIFERENTES GRUPOS DE CINCO CONVIDADOS

DESENVOLVERAM OS TEMAS “DO JUDICIÁRIO”,

“DO PERITO” E “DO PERICIADO”.

ESTA PUBLICAÇÃO TENTA RETRATAR OS

CONCEITOS ALI EXPOSTOS DE FORMA A TORNAR

PASSÍVEL SUA DIVULGAÇÃO E CONSULTA.

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Palestrantes: Ana Luiza CastroDelma IbiasLucio GarciaMaria Aracy CostaMaria da Graça Corrêa JacquesMaria Inês LinckMaria Regina Fay de AzambujaMárcia SteffenMônica GuazzelliPlínio Caminha de AzevedoRenato CaminhaRosa MagrinelliSilvia TejadasSonia Liane Reichert RovinskiVerônica Chaves

Coordenação: Ivone Coelho de Souza

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1 BLOCO - DO JUDICIÁRIO

COMPOSIÇÃO DA MESA

Ana Luiza Castro psicóloga coordenadora

Maria Inês Linck juíza de direito relatora

Márcia Steffen psicóloga

Mônica Guazzelli advogada

Plínio Caminha de Azevedo juiz de direito

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Mônica Guazzelli

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A PERÍCIA EM DIREITO DE

FAMÍLIA

MÔNICA GUAZZELLI

Advogada Especialista em Direito de Família

Mestre em Direito pela PUC/RS

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Mônica Guazzelli

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I – NOÇÕES SOBRE PROVA PERICIAL

Antes de qualquer observação é preciso definir o que é

e para o quê serve a produção de prova no processo.

Assim, provar é investigar e demonstrar como ocorreu

determinado FATO, confirmando sua exatidão. Ou seja, mesmo em um

processo as questões de direito não são alvo de prova, pois esta se limita

ao mundo fático.

Vários são os meios de prova e a perícia ou a prova

pericial, pode ser entendida como sendo qualquer trabalho de natureza

específica. Pode haver em qualquer área, sempre onde existir a controvér-

sia ou a pendência. Sua origem é no interesse de pessoas litigantes, no

interesse da justiça e no interesse público, podendo ser: arbitral, judicial,

extrajudicial, administrativa ou operacional. As mais conhecidas são clas-

sificadas como sendo de natureza criminal, contábil, trabalhista e outras

que, quando se necessite de constatação, prova ou demonstração, cientí-

fica ou técnica, da veracidade de situações, coisas e fatos.

Como sabido nos processos litigiosos diferentes são as

provas que se podem valer as partes para formar o convencimento judici-

al. Basicamente se usa das provas documentais – trazidas aos autos- oitiva

de testemunhas e das partes – o que se dá em audiência – e, em certos

casos pode-se postular a realização de diferentes provas periciais, com

exames e laudos mais específicos sobre determinado assunto.

Assim a perícia – antes de tudo – é um dos meios de

prova admitidos no processo judicial.

No direito processual vigora o princípio da inércia da

jurisdição, isto é, o juiz é inerte e só atua mediante a “provocação das

partes”. Em geral o juiz não devassa, mas apenas verifica e analisa as pro-

vas trazidas pelos litigantes. Contudo, importa referir que também o pró-

prio juiz poderá requisitar e determinar a realização de provas, mesmo

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Mônica Guazzelli

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que sem a provocação das partes, para que se sinta absolutamente seguro

quanto a decisão que deverá dar ao caso.

Veja-se que, por exemplo, mesmo que as partes não te-

nham requerido o juiz poderá fazer uma inspeção judicial ou determinar

uma perícia.

A orientação doutrinária mais recente é que o juiz, es-

pecialmente quando tratar de direitos indisponíveis - o que ocorre no di-

reito de família em geral – tenha uma maior intervenção.

O juiz pode não ser suficientemente apto a proceder -

pessoal e diretamente - a verificação e apreciação de certos fatos e – suas

causas e conseqüências, precisando da atuação de entendidos na matéria.

Este trabalho se apresentará ao juízo na forma de PROVA PERICIAL.

Este requisito de especificidade é que determinará a

necessidade – ou não – e, ou a conveniência - ou não- da realização deste

tipo de prova.

II – OBJETO DA PERÍCIA

A perícia terá por fundamento a PERCEPÇÃO e

CONSTATAÇÃO DE FATOS – os quais – na linguagem de Carnelutti – são

fatos que devem ser percebidos e constatados por técnicos, pois necessi-

tam de PERCEPÇÃO TÉCNICA, eis que exigem qualidades sensoriais

especializadas e conhecimentos científicos e técnicos capazes de

compreendê-los e distingui-los.

Em Direito de Família um exemplo já clássico é o exa-

me de DNA para determinar a existência ou não do vínculo biológico de

paternidade. O qual precisa ser realizado através de perícia por especialis-

tas em genética.

Em casos como o exame de DNA, a perícia se limita em

constatar o fato em si, mas há várias outras perícias – psiquiátricas e psico-

lógicas, por exemplo – onde se conjuga não só a verificação do fato, mas a

sua compreensão e apreciação, cumprindo ao perito, nesta hipótese, de-

pois de informar quanto a existência do fato, emitir um parecer ou juízo

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no tocante a sua natureza, valor e importância ou, ainda, sobre suas cau-

sas e efeitos (presentes e futuros).

Nestes casos é preciso tal valoração do experto, pois é

ela que tornará o fato inteligível ao magistrado, o qual em tese é leigo no

assunto específico.

Percepção; Observação; Apreciação são momentos da

Verificação. E a própria Interpretação dos fatos como apreciação que é –

reclama prévia verificação.

A perícia muitas vezes se resume na declaração de ciên-

cia de um fato, noutras é a declaração + a afirmação de um juízo, o que

resume a interpretação técnica, que nos casos de perícia psicológica tor-

na-se imprescindível.

O que caracteriza a perícia é justamente a

QUALIDADADE da declaração, posto que se trata de declaração de caráter

técnico, isto é uma declaração técnica sobre um elemento de prova.

III – O PERITO / EXPERTO

Os peritos – que são as pessoas entendidas tecnicamen-

te no assunto – vão fornecer a sua VERIFICAÇÃO + INTERPRETAÇÃO dos

fatos através de um laudo ou parecer.

O profissional no desempenho da função pericial deve

considerar os efeitos em benefício da sociedade, propiciando bem-estar a

todos que têm interesse no deslinde da controvérsia. As características de

excelência moral, intelectual e técnica são condições essenciais para o

encargo a ser confiado pelo Juízo. Dentre as principais qualidades que

formarão o conjunto de capacitação do perito, temos como exemplo, a

ética que conduz a um trabalho honesto e eficaz em decorrência de uma

formação sadia do profissional.

É acrescida também ao perito a capacidade de estar

sempre atualizado, pesquisando novas técnicas e estar sempre preparado

para a execução de trabalhos de boa qualidade.

O principal lastro de sustentação da realização profissi-

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onal constitui-se basicamente pelo compromisso moral e ético do perito

com a sua classe profissional e, consequentemente, com a sociedade.

IV – PERÍCIA JUDICIAL / EXTRAJUDICIAL

As perícias em relação ao processo podem ser JUDICI-

AIS ou EXTAJUDICIAIS – se for executada por ordem do juiz, de ofício ou

a requerimento da parte dentro do feito, ou se realizada fora do processo

por uma ou por ambas as partes e trazida para os autos.

Os pareceres escritos trazidos pelas partes para corro-

borar alegações; ocorre com relativa freqüência na seara familiar e nestes

casos o técnico funciona como um consultor da parte, e nessa condição

seu parecer equivale a uma perícia extrajudicial – assemelha-se a um pare-

cer emitido por um jurisconsulto.

A perícia também pode ser realizada para ser aproveita-

da em processo futuro – quando se fala em perícia antecipada – ad perpe-

tuam rei memoriam.

V – BREVES NOTAS CONCLUSIVAS

Nas disputas familiares é de grande importância a perí-

cia psicológica até porque se está lidando com um ponto muito delicado

do ser humano, representado pelo seu universo de relações mais íntimas.

No processo, como se disse, o princípio é que o juiz é

livre para ordenar a prova pericial, mas respeitando a necessidade e utili-

dade que a prova poderá trazer ao feito.

Assim, as causas que envolvem direito familiar, justa-

mente pela natureza dos direitos postos em julgamento, quase sempre

indisponíveis, são justamente aqueles feitos em que o juiz pode e muitas

vezes até deve, ante a omissão das partes, determinar a realização de pro-

va pericial psicológica, pois a riqueza e abordagem que serão trazidas pelo

experto darão ao caso outra visão, muitas vezes mais ampla e rica, o que

com certeza dará ao magistrado mais subsídios para decidir o processo.

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A família é um sistema único, onde entre os membros

coexistem vários laços e uma enorme gama de afetos. Nem sempre estes

afetos redundam em harmonia e quando ocorrem as crises, os profissio-

nais da área psi são imprescindíveis para ajudar a compreender os dilemas

que precisarão ser analisados e considerados pelo magistrado, para que a

decisão judicial possa ser a mais justa possível, como se deseja.

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Plínio Caminha de Azevedo

PERÍCIA É PROVA JUDICIAL?

PLÍNIO CAMINHA DE AZEVEDO

Juiz de Direito -

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Plínio Caminha de Azevedo

PERÍCIA É PROVA JUDICIAL?Diz o Código Civil de 2002:

DA PROVA

Art. 212. Salvo o negócio a que se impõe forma especial, o fato jurídi-

co pode ser provado mediante:

Vide art. 5º, XII e LVI, CF.

Vide art. 136, CC/1916.

Vide art. 332, CPC.

I - CONFISSÃO;

Vide arts. 213 e 214, CC.

Vide art. 136, I, CC/1916.

Vide arts. 348 a 354, CPC.

II - DOCUMENTO;

Vide arts. 107 a 109 e 215 a 226, CC.

Vide art. 136, III, CC/1916.

Vide arts. 364 a 399, CPC.

Vide Lei 7.115/1983 (Prova documental).

Vide Lei 7.116/1983 (Validade nacional das carteiras de

identidade).

Vide arts. 23 e 24, Lei 8.159/1991 (Política Nacional de

Arquivos Públicos e Privados).

III - TESTEMUNHA;

Vide arts. 227 a 229, CC.

Vide art. 136, IV, CC/1916.

Vide arts. 400 a 419, CPC.

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Plínio Caminha de Azevedo

IV - PRESUNÇÃO;

Vide art. 136, V, CC/1916.

Vide art. 335, CPC.

V - PERÍCIA.

Vide arts. 231 e 232, CC.

Vide art. 136, VI e VII, CC/1916.

Vide arts. 18, § 2º, 420 a 439, 606, 607, 627, §§ 1º e 2º e

1.206, CPC.

(...)

Art. 231. Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessá-

rio não poderá aproveitar-se de sua recusa.

Art. 232. A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a

prova que se pretendia obter com o exame.

SEÇÃO VII

- DA PROVA PERICIAL (ARTIGOS 420 A 439)

Art. 420. A prova pericial consiste em exame, vistoria ou avaliação.

Vide arts. 846, parte final, e 850, Código de Processo Civil.

Parágrafo único. O juiz indeferirá a perícia quando:

I - a prova do fato não depender do conhecimento es-

pecial de técnico;

II - for desnecessária em vista de outras provas produzi-

das;

III - a verificação for impraticável.

Art. 421. O juiz nomeará o perito, fixando de imediato o prazo para a

entrega do laudo.

Caput com redação dada pela Lei nº 8.455, de 24.08.1992,

DOU de 25.08.1992, em vigor quinze dias após sua publica-

ção.

Vide arts. 145, 331, § 2º, e 850, Código de Processo Civil.

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Plínio Caminha de Azevedo

Vide art. 35, Lei nº 9.099/95 (Juizados Especiais).

§ 1º Incumbe às partes, dentro em 5 (cinco) dias, contados da

intimação do despacho de nomeação do perito:

I - indicar o assistente técnico;

II - apresentar quesitos.

Vide arts. 276 e 426, II, Código de Processo Civil.

§ 2º Quando a natureza do fato o permitir, a perícia poderá con-

sistir apenas na inquirição pelo juiz do perito e dos assisten-

tes, por ocasião da audiência de instrução e julgamento a

respeito das coisas que houverem informalmente examina-

do ou avaliado.

§ 2º com redação dada pela Lei nº 8.455, de 24.08.1992, DOU de

25.08.1992, em vigor quinze dias após sua publicação.

Art. 422. O perito cumprirá escrupulosamente o encargo que lhe foi

cometido, independentemente de termo de compromisso.

Os assistentes técnicos são de confiança da parte, não sujei-

tos a impedimento ou suspeição.

Artigo com redação dada pela Lei nº 8.455, de 24.08.1992,

DOU de 25.08.1992, em vigor quinze dias após sua publica-

ção.

Vide art. 850, Código de Processo Civil.

Art. 423. O perito pode escusar-se (art. 146), ou ser recusado por im-

pedimento ou suspeição (art. 138, III); ao aceitar a escusa

ou ao julgar procedente a impugnação, o juiz nomeará novo

perito.

Artigo com redação dada pela Lei nº 8.455, de 24.08.1992,

DOU de 25.08.1992, em vigor quinze dias após sua publica-

ção.

Vide art. 850, Código de Processo Civil.

Art. 424. O perito pode ser substituído quando:

Caput com redação dada pela Lei nº 8.455, de 24.08.1992,

DOU de 25.08.1992, em vigor quinze dias após sua publica-

ção.

Vide art. 850, Código de Processo Civil.

I - carecer de conhecimento técnico ou científico;

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Plínio Caminha de Azevedo

II - sem motivo legítimo, deixar de cumprir o encargo no prazo

que lhe foi assinado.

Inciso II com redação dada pela Lei nº 8.455, de 24.08.1992,

DOU de 25.08.1992, em vigor quinze dias após sua publica-

ção.

Parágrafo único. No caso previsto no inciso II, o juiz comu-

nicará a ocorrência à corporação profissional respectiva,

podendo, ainda, impor multa ao perito, fixada tendo em vis-

ta o valor da causa e o possível prejuízo decorrente do atra-

so no processo.

Parágrafo único com redação dada pela Lei nº 8.455, de

24.08.1992, DOU de 25.08.1992, em vigor quinze dias após

sua publicação.

Art. 425. Poderão as partes apresentar, durante a diligência, quesitos

suplementares. Da juntada dos quesitos aos autos dará o

escrivão ciência à parte contrária.

Vide art. 850, Código de Processo Civil.

Art. 426. Compete ao juiz:

Vide art. 130, 421, § 1º, II, e 850, Código de Processo

Civil.

I - indeferir quesitos impertinentes;

II - formular os que entender necessários ao esclarecimento da

causa.

Art. 427. O juiz poderá dispensar prova pericial quando as partes, na

inicial e na contestação, apresentarem sobre as questões de

fato pareceres técnicos ou documentos elucidativos que

considerar suficientes.

Artigo com redação dada pela Lei nº 8.455, de 24.08.1992,

DOU de 25.08.1992, em vigor quinze dias após sua publica-

ção.

Vide art. 850, Código de Processo Civil.

Art. 428. Quando a prova tiver de realizar-se por carta, poderá proce-

der-se à nomeação de perito e indicação de assistentes téc-

nicos no juízo, ao qual se requisitar a perícia.

Vide arts. 202, § 2º, e 850, Código de Processo Civil.

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Plínio Caminha de Azevedo

Art. 429. Para o desempenho de sua função, podem o perito e os as-

sistentes técnicos utilizar-se de todos os meios necessários,

ouvindo testemunhas, obtendo informações, solicitando do-

cumentos que estejam em poder de parte ou em repartições

públicas, bem como instruir o laudo com plantas, desenhos,

fotografias e outras quaisquer peças.

(...)

Art. 431-B. Tratando-se de perícia complexa, que abranja mais de uma

área de conhecimento especializado, o juiz poderá nomear

mais de um perito e a parte indicar mais de um assistente

técnico.

Artigo acrescido pela Lei nº 10.358, de 27.12.2001, DOU de

28.12.2001, em vigor três meses após sua publicação.

Art. 432. Se o perito, por motivo justificado, não puder apresentar o

laudo dentro do prazo, o juiz conceder-lhe-á, por uma vez,

prorrogação, segundo o seu prudente arbítrio.

(...)

Art. 433. O perito apresentará o laudo em cartório, no prazo fixado

pelo juiz, pelo menos 20 (vinte) dias antes da audiência da

instrução e julgamento.

Caput com redação dada pela Lei nº 8.455, de 24.08.1992,

DOU de 25.08.1992, em vigor quinze dias após sua publica-

ção.

Parágrafo único. Os assistentes técnicos oferecerão seus

pareceres no prazo comum de 10 (dez) dias, após intimadas

as partes da apresentação do laudo.

Parágrafo único com redação dada pela Lei nº 10.358, de

27.12.2001, DOU de 28.12.2001, em vigor três meses após

sua publicação.

O parágrafo alterado dispunha o seguinte:

“Parágrafo único. Os assistentes técnicos oferecerão seus

pareceres no prazo comum de 10 (dez) dias após a apresen-

tação do laudo, independentemente de intimação.”

* Parágrafo único com redação dada pela Lei nº 8.455, de

24.08.1992, DOU de 25.08.1992, em vigor quinze dias após

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Plínio Caminha de Azevedo

sua publicação.

Vide art. 850 , Código de Processo Civil.

(...)

Art. 435. A parte, que desejar esclarecimento do perito e do assisten-

te técnico, requererá ao juiz que mande intimá-lo a compa-

recer à audiência, formulando desde logo as perguntas, sob

forma de quesitos.

Vide arts. 452, I, e 850, Código de Processo Civil.

Parágrafo único. O perito e o assistente técnico só estarão

obrigados a prestar os esclarecimentos a que se refere este

artigo, quando intimados 5 (cinco) dias antes da audiência.

Art. 436. O juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a

sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos

autos.

Vide arts. 131 e 850, Código de Processo Civil.

Art. 437. O juiz poderá determinar, de ofício ou a requerimento da

parte, a realização de nova perícia, quando a matéria não

lhe parecer suficientemente esclarecida.

Vide arts. 130 e 850, Código de Processo Civil.

Art. 438. A segunda perícia tem por objeto os mesmos fatos sobre

que recaiu a primeira e destina-se a corrigir eventual omis-

são ou inexatidão dos resultados a que esta conduziu.

Vide art. 850, Código de Processo Civil.

Art. 439. A segunda perícia rege-se pelas disposições estabelecidas

para a primeira.

Vide art. 850, Código de Processo Civil.

Parágrafo único. A segunda perícia não substitui a primeira,

cabendo ao juiz apreciar livremente o valor de uma e outra.

STJ-201139) RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATI-

VO. SERVIDOR PÚBLICO. CONCURSO. EXAME

PSICOTÉCNICO. CARÁTER SUBJETIVO.

IRRECORRIBILIDADE DOS TESTES. ILEGALIDADE

RECONHECIDA.

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Plínio Caminha de Azevedo

1. Impossível a apreciação de violação de dispositi-

vos constitucionais em sede de recurso especial.

2. No exame de recurso especial, não se conhece

de matéria que não foi objeto de apreciação pelo

Tribunal de origem, ausente assim o necessário

prequestionamento.

3. Prequestionamento é o exame pelo Tribunal de

origem, e não apenas nas manifestações das par-

tes, dos dispositivos que se têm como afrontados

pela decisão recorrida.

4. Embora reconhecida a legalidade do exame

psicotécnico para a carreira de policial federal, é

vedada sua realização de modo sigiloso e

irrecorrível.

5. No que diz com a inexigibilidade da avaliação

psicológica em razão de anterior aprovação em

outro certame, a compreensão atual do Superior

Tribunal de Justiça é no sentido da

imprescindibilidade do aludido exame.

6. Recurso provido.

(Recurso Especial nº 396002/RS (2001/0193442-

0), 6ª Turma do STJ, Rel. Paulo Gallotti. j.

18.11.2003, unânime, DJ 30.10.2006).

TJSC-090569) DIREITO DE FAMÍLIA. PROCESSUAL

CIVIL. AÇÃO DE GUARDA E REGULAMENTAÇÃO

DE VISITAS. INSURGÊNCIA CONTRA A REALIZA-

ÇÃO DE EXAMES TÉCNICOS DE CUNHO PERICI-

AL. INVIABILIDADE. PODER DISCRICIONÁRIO

DO MAGISTRADO PARA AFERIR O MELHOR AMBI-

ENTE CAPAZ DE PROPORCIONAR AO INFANTE

PLENO DESENVOLVIMENTO. EXEGESE DO ART.

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19

Plínio Caminha de Azevedo

130 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. PRETEN-

SÃO DAS PARTES EM NOMEAREM ASSISTENTES

TÉCNICOS. POSSIBILIDADE. INCLUSÃO DO ATU-

AL COMPANHEIRO DA GENITORA NOS ESTUDOS

PERICIAIS RECOMENDÁVEL. RECURSO PROVIDO.

1. “Em procedimentos que têm por objetivo pri-

mordial a salvaguarda física, moral e psicológica da

criança, conta o julgador com amplitude discricio-

nária mais significativa para sublevar aspectos jurí-

dico-formalísticos a fim de conferir maior seguran-

ça e eqüidade às decisões que proferir” (AI nº

2004.033800-4, de Ibirama).

2. Determinada a realização de estudo social, to-

mado este o caráter de perícia judicial ante a no-

meação pelo juízo de especialistas que não fazem

parte da equipe interprofissional, conveniente se

faz, em respeito aos princípios do contraditório e

ampla defesa, a intimação das partes para indica-

ção de assistentes técnicos e apresentação de que-

sitos (arts. 420 e seguintes do Código de Processo

Civil).

(Agravo de Instrumento nº 2005.001485-3, 3ª Câ-

mara de Direito Civil do TJSC, Itajaí, Rel. Des.

Marcus Túlio Sartorato. unânime, DJ 15.12.2005).

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Plínio Caminha de Azevedo

A PROVA PERICIAL E A NOVA

REDAÇÃO DO CÓDIGO DE

PROCESSO CIVIL

IVAN LIRA DE CARVALHO

Juiz Federal

Professor da UFRN

Doutorando em Direito pela UFPE

I. INTRODUÇÃO

(...)

II. A MODIFICAÇÃO DO PAPEL DO ASSISTENTE TÉCNICO.

O primeiro dos preceptivos a sofrer alteração com a lei

nova foi o inciso III do artigo 138 do Código de Ritos. Dispunha a redação

originária do prefalado inciso que os mesmos motivos ensanchadores do

impedimento e da suspeição do Juiz (singular ou membro de Colegiado),

do representante do Ministério Público não-parte na demanda, do

serventuário da Justiça e do intérprete seriam também aplicáveis ao perito

e aos assistentes técnicos.

A nova dicção do Código de Processo Civil excluiu do

rol dos passíveis de suspeição e impedimento o assistente técnico, redu-

zindo-o, ao que se depreende, a um mero colaborador da parte que o

indicou, sem prejuízo de ser também visto como um eficaz colaborador

do juízo (ainda que de forma transversa), no afã de atingir a verdade pro-

cessual. A deliberada omissão do assistente técnico do elenco do artigo

138 do Código de Processo Civil está roborada, de forma explícita, na

redação inovadora do artigo 422 do mesmo codex, que na parte final afir-

ma que ditos auxiliares ‘são de confiança da parte, não sujeitos a impedi-

mento ou suspeição’.

Laborou acertadamente o legislador, ao impor esta revi-

são redacional do Código de Processo Civil. Com efeito, por ser pessoa

geralmente da estreita confiança de um dos litigantes, não se lhe deve ser

outorgado o mesmo status do perito judicial, este sim, um auxiliar precio-

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Plínio Caminha de Azevedo

so do magistrado, que como tal deverá sempre exercer o encargo escru-

pulosamente e vinculado ao Judiciário por força de nomeação, sendo, por

isso mesmo, afastado da missão opinativa quando sobre si pesarem moti-

vos de impedimento ou de suspeição.

III. O PERITO E O PROCESSO.

Havido para alguns doutrinadores como ‘sujeito secun-

dário’ do processo, em face da sua configuração como auxiliar da Justiça

(conforme MAURO CUNHA e ROBERTO G. COELHO SILVA, Guia para o

Estudo da Teoria Geral do Processo, 1984, 122), o perito, ao dizer do

artigo 146 do Código de Processo Civil, ‘tem o dever de cumprir o ofício,

no prazo que lhe assina a lei, empregando toda a sua diligência’. Pode,

inobstante, escusar-se do encargo, desde que por motivo legítimo.

A escusa do experto tem prazo para ser apresentada:

cinco dias, a contar da intimação de que foi escolhido para o encargo ou

do aparecimento do motivo ensejador do impedimento ou da suspeição,

sob pena de ser reputado como renunciado o direito de alegá-los.

A vigente redação do parágrafo único do artigo 146 do

Código de Processo Civil fixou, para a escusa do perito, um novo dies a

quo: a intimação ou o impedimento ou a suspeição supervenientes ‘à re-

ferida comunicação processual’. Anteriormente, a suspeição e o impedi-

mento ulteriores à intimação somente poderiam ser apresentados como

base para a declinação do mister pelo perito, após a tomada do compro-

misso deste.

Registre-se que o legislador perdeu, com a reforma em

análise, excelente oportunidade para corrigir a omissão constatada no

corpo do parágrafo único do artigo 146 do Código de Processo Civil, que

apenas faz referência ‘ao impedimento’ como lastro para a escusa do peri-

to, esquecendo elemento de igual importância interferidora na

credibilidade do experto, que é a ‘suspeição’. Inobstante, como foi con-

servada, ao fim do texto, a expressa remissão ao artigo 423, e neste dispo-

sitivo está dito que o perito pode-se escusar ou ser recusado por impedi-

mento ‘ou suspeição’, não resta dúvida que os dois motivos podem dar

base à iniciativa do auxiliar pericial.

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Plínio Caminha de Azevedo

IV. FACILITANDO A PRODUÇÃO DA PROVA PERICIAL.

Inovação de grande relevo foi introduzida na produção

da prova pericial com a substituição do absurdo texto do § 2º do artigo

421, que previa, em caso de pluralidade de autores ou de réus, a escolha

do assistente técnico pelo voto da maioria, e em caso de empate, pela

decisão da sorte. Agride ao bom senso a aparição da álea como instrumen-

to processual, mormente em um sistema jurídico que consagra o mono-

pólio do Estado na prestação jurisdicional, sendo tímidas as ‘delegações’

em sentido inverso (verbi gratia, O Juízo Arbitral - Código de Processo

Civil, artigo 1.072, e Lei nº 7.244, artigo 25). THEOTÔNIO NEGRÃO já

havia criticado com acidez: ‘Esta disposição não tem sentido, em face do

sistema adotado pelo Código de Processo Civil. De acordo com o antepro-

jeto, os peritos eram indicados pelas partes. Justificava-se, portanto, o sor-

teio, quando houvesse pluralidade de autores ou de réus. O assistente

técnico não passa, porém, de mero assessor dos litigantes: não é perito do

juízo; e, assim sendo, inexiste razão para que cada litisconsorte não fique

livre de indicar seu assistente técnico, especialmente no caso de interes-

ses distintos ou opostos (argumento do artigo 509, caput)’ (Código de

Processo Civil e Legislação Processual em Vigor, 1992, 274).

Consoante o novo § 2º do artigo 421 do Código de Pro-

cesso Civil, sempre que “a natureza do fato o permitir, a perícia poderá

consistir apenas na inquirição pelo Juiz do perito e dos assistentes, por

ocasião da audiência de instrução e julgamento a respeito das coisas que

houverem ‘informalmente examinado’ ou ‘avaliado’” (grifei).

Desnecessária, assim, a interferência presencial do Juiz

na produção da prova técnica. Sequer a marcação de dia, hora e lugar para

a realização da diligência é mais tarefa do magistrado, a teor da nova reda-

ção do artigo 427 do Código de Processo Civil.

Suprimindo tais atributos, passou o artigo 427 a cuidar

de tema mais importante, qual seja o de facultar ao Juiz a dispensa da

prova pericial, desde que as partes, na inicial ou na contestação, apresen-

tarem pareceres técnicos ou documentos suficientes ao esclarecimento

das questões fáticas. Consagrada está assim a atividade saneadora do Juiz,

Page 23: Pericia Direito Familia

23

Plínio Caminha de Azevedo

independentemente da topografia processual, posto que, com esteio no

mencionado artigo 427, exercerá mais confortavelmente a deliberação das

provas que interessem ao desate da questão sub judice.

Volvendo ao § 2º do artigo 421 do Código de Processo

Civil, cumpre anotar que quando ali está permitida a inquirição do perito

que houver examinado ou avaliado coisas, deve ser entendida a permis-

são, também, para que o experto seja perguntado sobre idêntica análise

que porventura tenha desenvolvido em pessoas. Creio eu que houve im-

perfeição técnica na redação da norma, já que a produção da prova perici-

al é perfeitamente incidível nas pessoas, servindo como exemplo as que

são apuradas em questões de Direito de Família.

V. A DESNESCESSIDADE DO COMPROMISSO E ARESPONSABILIDADE PELA ATUAÇÃO DO PERITO.

Na redação antiga, dispunha o artigo 422 do Código de

Processo Civil que os peritos e os assistentes técnicos seriam intimados a

prestar, em dia, hora e local marcados pelo Juiz, o compromisso de bem

cumprir o encargo que havia a eles sido cometido. A redação atual simpli-

ficou mais uma vez o processo, prescindindo o perito da assinatura do

anacrônico termo de compromisso. Idem o assistente da parte.

Já não era sem tempo a tomada de tão significativa pro-

vidência legislativa, escoimadora de uma das célebres sandices que

atravancam a marcha processual. O perito é havido como auxiliar da justi-

ça, e ainda que seja serventuário excepcional e temporário (conforme

CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, Teoria Geral do Processo, 1991, 184),

máxime por exercer o encargo mediante remuneração (para uns, uma

taxa; para outros, um preço público), não foge ao enquadramento de ‘par-

ticular em colaboração com o poder público’ (conforme MARIA SYLVIA

ZANELLA DI PIETRO, Direito Administrativo, 1991, 308) ou mais precisa-

mente de funcionário público, na amplitude conceptual do artigo 327 do

Código Penal.

Outro não era o desígnio do malfadado ‘termo de com-

promisso’ do perito e dos assistentes técnicos, senão o de vincular-lhes à

atividade estatal judicante, sujeitando-se aos rigores disciplinares e penais

Page 24: Pericia Direito Familia

24

Plínio Caminha de Azevedo

em caso de tergiversação ou perjúrio. Mas, qual a necessidade do ‘termo’,

se a própria lei prevê o sancionamento do experto que agir de maneira

criminosa, levando inexatas informações ao processo?

É indiscutível que ao exercer uma função pública (‘atri-

buição ou conjunto de atribuições que a administração confere a cada

categoria profissional, ou comete individualmente a determinados servi-

dores para a execução de serviços eventuais’ - HELY LOPES MEIRELLES,

Direito Administrativo Brasileiro, 1990, 356), o perito configure-se como

funcionário público e portanto está exposto às punições antevistas no ar-

tigo 147 do Código de Processo Civil, quais sejam a reparação civil dos

prejuízos e a inabilitação, por dois anos, para funcionar em outras períci-

as.

No que concerne ao encaixe do perito como funcioná-

rio público para efeitos penais (Código Penal, artigo 327), a matéria é

pacífica, tanto em sede doutrinária como a nível pretoriano (conforme

NELSON HUNGRIA, citado por JULIO FABBRINI MIRABETE, Manual de

Direito Penal, 1991, 289, e Revista dos Tribunais, 640/349, 556/397, 569/

376, 598/327; Revista Trimestral de Jurisprudência, 100/135; JUTACRIM,

69/552).

Assim, se o perito, no exercício do seu mister, fizer afir-

mação falsa, ou negar ou calar a verdade, incorrerá no crime de falsa perí-

cia (Código Penal, artigo 342) e sofrerá reclusão, de um a três anos, além

de multa, desde que não se retrate oportunamente e as informações te-

nham potencialidade lesiva para desnaturar a distribuição de Justiça (Re-

vista Trimestral de Jurisprudência, 107/134; e Revista dos Tribunais, 639/

295).

Além das sanções de natureza penal acima comentadas,

é recomendável que o mau perito receba, também, o exemplamento do

órgão administrativo incumbido de fiscalizar o seu exercício profissional

(CREA, CRM, etc.).

Se o perito, nessa condição, causar prejuízo a quaisquer

das partes, responderá civilmente pelo seu agir, consoante dispõe o já

citado artigo 147 do Código de Processo Civil. Mais fácil ainda será a repa-

Page 25: Pericia Direito Familia

25

Plínio Caminha de Azevedo

ração devida pelo perito, se tiver este sido condenado por falsa perícia

(Código Penal, artigo 342), já que aí a indenização advirá em simples exe-

cução, precedida de liquidação. Em outro escrito, emiti opinião sobre o

tema: ‘A liquidação da sentença condenatória criminal é feita por artigos

(Código de Processo Civil, artigos 609 e seguintes), com a citação do exe-

cutado para oferecer defesa (procedimento ordinário). Será aí apurado o

montante da indenização e quem deverá recebê-la’ (Os Efeitos Civis da

Sentença Penal Condenatória, Informativo ADV/COAD, 1992, 374).

Por último, sendo o perito judicial um agente público,

e tendo o seu agir dado azo ao prejuízo da parte, há base para que esta

procure do Estado uma indenização, na conformação do artigo 37, § 6º,

da Constituição Federal, bem assim do artigo 15 do Código Civil. Não é

demais lembrar que, em casos tais, a responsabilidade do Estado é objeti-

va, já que ‘pouco importa para o prejudicado e para o bom Direito que o

prejuízo tenha decorrido da culpa do funcionário ou da proclamada defi-

ciência e insegurança do serviço público. O contribuinte, o usuário, paga

para ter um serviço satisfatório e, se o serviço, por ser notoriamente falho

e mal aparelhado, ocasiona um prejuízo inescusável, deve a administração

pagar pelo dano, notadamente quando se tem em conta que a responsabi-

lidade do Estado é objetiva, isto é, independe de culpa’ (MÁRIO MOACYR

PORTO, Temas de Responsabilidade Civil, 1989, 148). A responsabilidade

sem culpa do Estado tem inspiração ‘no risco e na solidariedade social’

(conforme JOSÉ AUGUSTO DELGADO, Responsabilidade Civil do Estado

pela Demora da Prestação Jurisdicional, RF, 297/406; Associação dos Juízes

do Rio Grande do Sul, 29/17, e RP, 40/147).

VI. A SUBSTITUIÇÃO DO PERITO.

Dispunha o artigo 424 do Código de Processo Civil, em

sua redação original, que poderia haver a substituição do perito ou do

assistente, desde que estes carecessem de conhecimento técnico ou cien-

tífico sobre a matéria em exame ou se, sem motivo legítimo, deixassem de

prestar o compromisso. Atualmente, nada está regulado no que tange ao

assistente e não mais será exigido o compromisso do perito, devendo este

Page 26: Pericia Direito Familia

26

Plínio Caminha de Azevedo

ser substituído se não reunir bagagem técnica ou científica sobre o tema

examinado, bem assim se ‘deixar de cumprir o encargo no prazo que lhe

foi assinado’ (inciso II). Nesta última hipótese, ‘o Juiz comunicará a ocor-

rência à corporação profissional respectiva, podendo, ainda, impor multa

ao perito, fixada tendo em vista o valor da causa e o possível prejuízo

decorrente do atraso no processo’.

VII. O LAUDO E OS PARECERES. PRAZOS.

Sobre o ‘atraso no processo’, é bem de ver que foi mo-

dificada a redação do artigo 433 do Código de Processo Civil, restando

facultada ao Juiz a marcação do prazo para a entrega do laudo pericial em

Cartório, pelo menos 20 dias antes da audiência de instrução e julgamen-

to. Duas destacadas modificações foram introduzidas na produção da pro-

va pericial pelo parágrafo único do prefalado artigo 433. A primeira diz

respeito ao vocábulo usado para definir a peça informativa confeccionada

pelo assistente técnico: ao invés de laudo, como dizia o dispositivo

derrogado, chama-se agora de parecer, patenteando assim a intenção do

legislador de excluir o assistente técnico da relação dos auxiliares da Justi-

ça, para enquadrá-lo como ajudante da própria parte, às expensas desta,

que tal qual um jurisconsulto emite uma opinião a pedido do litigante que

com ele tenha contactado. Aliás, já era como mera ‘alegação da parte’ que

a jurisprudência encarava o laudo extemporâneo apresentado pelo assis-

tente técnico (1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, Jurisprudência

ADV/COAD, 1991, verbete nº 55.257). Era o gérmen do parecer agora con-

sagrado na lei.

A segunda inovação trazida pelo novo texto do parágrafo único do artigo 433 do Código de

Processo Civil é sobre o prazo para que os assistentes entreguem em juízo os seus pareceres.

É este de 20 dias; é comum; e correrá independente-

mente de intimação. O dies a quo deste prazo é a apresentação do laudo

em Cartório, o que exigirá redobrada diligência das partes e dos seus res-

pectivos advogados para evitar a preclusão, máxime em razão do prazo

conferido ao perito ser de natureza judicial (marcado pelo Juiz, artigo

433, caput).

Page 27: Pericia Direito Familia

27

Plínio Caminha de Azevedo

VIII. CONCLUSÕES.

1ª) Com as modificações introduzidas no Código de Processo Civil, pela

Lei nº 8.455, o assistente técnico é considerado um auxiliar da parte

que o contactou para dele receber um opinamento acerca das ques-

tões técnicas ou científicas afloradas na sede da prova pericial.

2ª) O assistente técnico está expressamente excluído do rol das pessoas

passíveis de suspeição ou impedimento no processo (Código de Pro-

cesso Civil, artigo 422), não mais estando elencado no artigo 138 do

Código de Processo Civil.

3ª) Para apresentar a sua escusa em não funcionar no processo, o perito

tem o prazo de cinco dias, a contar da intimação de que foi nomeado

ou do surgimento do fato novo ensejador do impedimento ou da

suspeição. Não o fazendo nesse lapso, reputar-se-á renunciado o di-

reito de argüir tais óbices.

4ª) Deveria o legislador de 1992 ter incluído na redação do artigo 146 a

suspeição como causa autorizadora da escusa do perito em funcionar

no processo.

5ª) Desde que compatível com a natureza do fato, é judicialmente válida

a informação prestada em audiência, tanto pelo perito como pelo

assistente técnico, acerca de fatos ou de pessoas que tenham sido

examinadas por estes.

6ª) Se as partes oferecerem, no ajuizamento e/ou na defesa, pareceres

técnicos ou documentos que bastem ao aclaramento da lide, o Juiz

poderá dispensar a produção da prova pericial (Código de Processo

Civil, artigo 427).

7ª) O perito e o assistente técnico não mais prestarão compromisso (Có-

digo de Processo Civil, artigo 422).

8ª) É permitida a substituição do perito se este carecer de base técnica ou

científica, bem assim se deixar de cumprir o seu mister no prazo assi-

nado.

9ª) O laudo do perito deve estar em Cartório no prazo fixado pelo Juiz

até 20 dias antes da audiência de instrução e julgamento.

10ª) É chamada de parecer a peça de opinamento dos assistentes técnicos,

e deverá chegar a juízo no prazo comum de 10 dias, a contar da entre-

ga do laudo oficial.

Page 28: Pericia Direito Familia

28

Plínio Caminha de Azevedo

BIBLIOGRAFIA

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2. CARVALHO, Ivan Lira de. ‘Os Efeitos Civis da Sentença PenalCondenatória’, Informativo ADV/COAD, nº 34,Rio de Janeiro, 1992.

3. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; eGRINOVER, Ada Pellegrini. ‘Teoria Geral do Processo’, 8ª edição, São Pau-lo, Editora Revista dos Tribunais, 1991.

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5. DELGADO, José Augusto. ‘Responsabilidade Civil do Estado pela Demo-ra da Prestação Jurisdicional’, in Associaçãodos Juízes do Rio Grande do Sul, volume 29,Porto Alegre, 1983.

6. GRECCO FILHO, Vicente. ‘Direito Processual Civil Brasileiro’, 5ª edi-ção, volume 2, São Paulo, Saraiva, 1992.

7. MEIRELLES, Hely Lopes. ‘Direito Administrativo Brasileiro’, 15ª edição,São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1990.

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10. PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. ‘Direito Administrativo’, 2ª edição,São Paulo, Editora Atlas, 1991.

11. PORTO, Mário Moacyr. ‘Temas de Responsabilidade Civil’, São Paulo,Editora Revista dos Tribunais, 1989.

Page 29: Pericia Direito Familia

29

Plínio Caminha de Azevedo

A PROVA PERICIAL NO PROCESSO CIVIL

FRANCISCO MAIA NETO

Engenheiro

Advogado

Ex-presidente do Instituto Brasileiro

de Avaliações e Perícias de

Engenharia

Ao proferir a palestra de abertura do Congresso Extra-

ordinário da Union Panamericana de Associaciones de Valuacion (UPAV),

ocorrido em São Paulo, no ano de 1997, concomitantemente ao IX Con-

gresso Brasileiro de Engenharia de Avaliações e Perícias (COBREAP), o

ministro Carlos Mário da Silva Velloso, do Supremo Tribunal Federal, clas-

sificou a perícia como a “rainha das provas”, o que demonstra sua impor-

tância como instrumento probatório.

Nossa análise da situação da perícia no processo civil

inicia-se no Código de 1939, que previa a nomeação de um perito da livre

escolha do juiz, permitindo a indicação pelas partes de assistentes técni-

cos, que poderiam acompanhar os trabalhos do perito e impugnar as con-

clusões trazidas em seu laudo, e segue a alteração, três anos depois, pelo

Decreto-Lei nº 4.565, determinando que o juiz nomeasse o perito somen-

te na hipótese de as partes não chegarem a um consenso sobre a escolha

de um nome comum.

Em 1946, surge outra alteração no texto legal, dessa vez

consagrando a figura que vigorou até a publicação do Código de Processo

Page 30: Pericia Direito Familia

30

Plínio Caminha de Azevedo

Civil de 1973, do perito desempatador, que só era nomeado caso as partes

não indicassem um perito comum, ou, na hipótese de cada parte indicar o

seu perito, se as conclusões não satisfizessem o juiz, o que invariavelmen-

te ocorria, pois eles transformavam-se em “advogados de defesa” das par-

tes que os haviam indicado.

A mudança introduzida pelo Código de 1973 retroage

ao dispositivo previsto no Código de 1939, inovando apenas no que se

referia a determinados requisitos exigidos dos assistentes técnicos, no to-

cante à sua imparcialidade, pois, ao contrário da concepção anterior, estes

não eram mais os auxiliares da parte que os indicava, mas, antes de tudo,

auxiliares do juiz.

Essa foi a sistemática adotada até a edição da Lei nº

8.455, ocorrida em 1992, que retirou essas características, uma vez que o

assistente técnico, na prática, nunca pautou pela imparcialidade, pois nin-

guém contratava um profissional senão com o intuito de demonstrar o

acerto de suas posições, baseado nos elementos técnicos obtidos.

O assistente técnico é o auxiliar da parte, aquele que

tem por obrigação concordar, criticar ou complementar o laudo do peri-

to, por meio de seu parecer, cabendo ao juiz, pelo princípio do livre con-

vencimento, analisar seus argumentos, podendo fundamentar sua deci-

são em seu trabalho técnico.

Seguindo o processo evolutivo do instituto da perícia,

no final do ano de 2001, com a edição da Lei nº 10.358, surgiram algumas

novidades, ainda muito recentes, pouco assimiladas e sem um acervo

jurisprudencial, o que nos leva a interpretações doutrinárias sobre o tema.

A primeira alteração refere-se à nomeação do perito e

indicação dos assistentes técnicos, com a possibilidade de o juiz nomear

mais de um perito e as partes indicarem mais de um assistente técnico,

sendo a interpretação corrente que esta nova prerrogativa refere-se a uma

mesma categoria profissional.

Em nosso entendimento, a previsão legal se mostrou

incompleta, uma vez não existir determinação quanto à forma de realiza-

ção da perícia, que se recomenda seja feita em conjunto pelos profissio-

Page 31: Pericia Direito Familia

31

Plínio Caminha de Azevedo

nais envolvidos, caso contrário poderão surgir antagonismos entre os pró-

prios peritos e até mesmo entre os assistentes, o que dificultará a aprecia-

ção da prova, existindo algumas opiniões no sentido de que o juiz deveria

desde logo nomear um deles coordenador da perícia.

No que tange à possibilidade de indicação de mais de

um assistente, ainda que o juiz tenha nomeado um só perito, o entendi-

mento é de sua admissibilidade, cabendo unicamente à parte o ônus des-

sa escolha, cuja rejeição se enquadraria em cerceamento de defesa, assim

como, inversamente, se o juiz nomear mais de um perito, a parte pode

indicar somente um assistente técnico.

Essa questão inclusive se torna mais evidente após a

reforma constitucional que extinguiu as férias forenses nos meses de ja-

neiro e julho, uma vez não existir mais suspensão de prazos, o que pode

resultar em perda de prazo do assistente técnico na entrega de seu pare-

cer, caso se encontre em férias quando da entrega do laudo pelo perito.

A outra novidade refere-se ao termo inicial da perícia,

ao determinar que as partes tenham ciência da data e do local designados

pelo juiz ou indicados pelo perito para início dos trabalhos periciais.

Com essa previsão, alguns profissionais incorreram em

grave equívoco, ao entenderem que o perito seria obrigado a comunicar

aos assistentes técnicos, quando na verdade a previsão legal obriga a co-

municação aos advogados, pois são eles que representam as partes.

Uma corrente entende que o perito deve apresentar

petição ao juiz solicitando essa marcação ou até mesmo sugerindo a data

e o local, o que não nos parece recomendável, pela notória demora que

resulta no processo judicial.

O procedimento que muitos estão adotando compre-

ende o envio de carta via AR (aviso de recebimento) aos advogados das

partes, comunicando, com antecedência, a data, que engloba dia e hora, e

o local, não esquecendo de, por questões éticas, comunicar por fax ou

telefone aos assistentes técnicos.

A terceira e última alteração faz referência ao prazo de

entrega do parecer pelo assistente técnico, fixado em até dez dias depois

Page 32: Pericia Direito Familia

32

Plínio Caminha de Azevedo

de intimadas as partes da entrega do laudo, e não mais independente de

intimação, que levou alguns a confundirem o termo inicial com o proto-

colo, em clara ofensa ao princípio do devido processo legal.

Uma dúvida que ainda persiste se refere à coincidência

de prazos entre a vista ao advogado, cinco dias, e a entrega do parecer do

assistente técnico, dez dias, podendo este último acontecer após o térmi-

no do prazo para manifestação pelos advogados.

Dessa forma, o que tem acontecido são os advogados

peticionarem sobre o laudo pericial, reservando-se o direito de comenta-

rem os pareceres dos assistentes técnicos após os respectivos protocolos.

Page 33: Pericia Direito Familia

33

Plínio Caminha de Azevedo

PERÍCIA ÉPROVA

JUDICIAL?

DIZ O CÓDIGO CIVIL DE 2002:TÍTULO V

- DA PROVA

ART. 212. SALVO O NEGÓCIO A QUE SE

IMPÕE FORMA ESPECIAL, O FATO

JURÍDICO PODE SER PROVADO

MEDIANTE:

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34

Plínio Caminha de Azevedo

I - confissão;

II - documento;

III - testemunha;

IV - presunção;

V - perícia.

E DIZ AINDA:

ART. 231. AQUELE QUE SE NEGA A

SUBMETER-SE A EXAME MÉDICO NECESSÁRIO

NÃO PODERÁ APROVEITAR-SE DE SUA RECUSA.

ART. 232. A RECUSA À PERÍCIA MÉDICA

ORDENADA PELO JUIZ PODERÁ SUPRIR A PROVA

QUE SE PRETENDIA OBTER COM O EXAME

Page 35: Pericia Direito Familia

35

Plínio Caminha de Azevedo

E O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

COMPLETA:SEÇÃO VII

DA PROVA PERICIAL (ARTIGOS 420 A 439)

ART. 420. A PROVA PERICIAL CONSIS-TE EM EXAME, VISTORIA OU AVALIA-ÇÃO.

O MINISTRO CARLOS MÁRIO DA SILVA

VELLOSO, DO SUPREMO TRIBUNAL

FEDERAL, CLASSIFICOU A PERÍCIA

COMO A “RAINHA DAS PROVAS”, O

QUE DEMONSTRA SUA IMPORTÂNCIA

COMO INSTRUMENTO PROBATÓRIO.

Page 36: Pericia Direito Familia

36

Plínio Caminha de Azevedo

O PAPEL DO ASSISTENTE

O ASSISTENTE TÉCNICO NÃO PASSA,

PORÉM, DE MERO ASSESSOR DOS LI-TIGANTES: NÃO É PERITO DO JUÍZO!

O LAUDO E OS PARECERES

Uma das modificações introduzidas naprodução da prova pericial pelo parágrafo únicodo art. 433, diz respeito ao vocábulo usado paradefinir a peça informativa confeccionada peloassistente técnico:

ao invés de laudo, como dizia o dispositivoderrogado, chama-se agora de parecer,patenteando assim a intenção do legislador deexcluir o assistente técnico da relação dosauxiliares da Justiça, para enquadrá-lo comoajudante da própria parte, às expensas desta

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37

Plínio Caminha de Azevedo

No § 2º do artigo 421 do CPC, houve imperfeiçãotécnica na redação da norma, pois quando ali estápermitida a inquirição do perito que houverexaminado ou avaliado coisas, deve a permissãoser entendida, também, para que o experto sejaperguntado sobre idêntica análise queporventura tenha desenvolvido em pessoas, jáque a produção da prova pericial é perfeitamentecabível nas pessoas, servindo como exemplo asque são apuradas em questões de Direito deFamília.

OS RECURSOS A SEREM UTILI-ZADOS NA PERÍCIA

Art. 429. Para o desempenho de sua função,podem o perito e os assistentes técnicos utilizar-se de todos os meios necessários, ouvindotestemunhas, obtendo informações, solicitandodocumentos que estejam em poder de parte ouem repartições públicas, bem como instruir olaudo com plantas, desenhos, fotografias eoutras quaisquer peças.

Page 38: Pericia Direito Familia

38

Plínio Caminha de Azevedo

A QUESTÃO DA AMPLA DEFESA E

DO CONTRADITÓRIO:

NÃO HÁ DÚVIDA SOBRE A

NECESSIDADE DA PERÍCIA RESGUARDAR

OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

CITADOS, CONFORME EXEMPLIFI-CAM

INÚMEROS JULGADOS.

STJ- RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO.

CONCURSO. EXAME PSICOTÉCNICO. CARÁTER SUBJETIVO.

IRRECORRIBILIDADE DOS TESTES. ILEGALIDADE RECONHE-

CIDA.

1. (...)

2. (...)

3. (...)

4. Embora reconhecida a legalidade do exame psicotécnico para a

carreira de policial federal, é vedada sua realização de modosigiloso e irrecorrível.

5. No que diz com a inexigibilidade da avaliação psicológica em

razão de anterior aprovação em outro certame, a compreensão

atual do Superior Tribunal de Justiça é no sentido da

imprescindibilidade do aludido exame.

6. (...)

(Recurso Especial nº 396002/RS (2001/0193442-0), 6ª Turma do

STJ, Rel. Paulo Gallotti. j. 18.11.2003, unânime, DJ 30.10.2006).

Page 39: Pericia Direito Familia

39

Plínio Caminha de Azevedo

TJSC DIREITO DE FAMÍLIA. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE

GUARDA E REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. INSURGÊNCIACONTRA A REALIZAÇÃO DE EXAMES TÉCNICOS DE CUNHOPERICIAL. INVIABILIDADE. PODER DISCRICIONÁRIO DO MA-

GISTRADO PARA AFERIR O MELHOR AMBIENTE CAPAZ DE

PROPORCIONAR AO INFANTE PLENO DESENVOLVIMENTO.

EXEGESE DO ART. 130 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. PRE-

TENSÃO DAS PARTES EM NOMEAREM ASSISTENTES TÉCNI-

COS. POSSIBILIDADE. INCLUSÃO DO ATUAL COMPANHEIRO

DA GENITORA NOS ESTUDOS PERICIAIS RECOMENDÁVEL.

RECURSO PROVIDO.

1. “Em procedimentos que têm por objetivo primordial a salvaguar-

da física, moral e psicológica da criança, conta o julgador com

amplitude discricionária mais significativa para sublevar aspec-

tos jurídico-formalísticos a fim de conferir maior segurança e

eqüidade às decisões que proferir” (AI nº 2004.033800-4, de

Ibirama).

2. Determinada a realização de estudo social, tomado este ocaráter de perícia judicial ante a nomeação pelo juízo de espe-

cialistas que não fazem parte da equipe interprofissional, conve-niente se faz, em respeito aos princípios do contraditório eampla defesa, a intimação das partes para indicação de assisten-

tes técnicos e apresentação de quesitos (arts. 420 e seguintes do

Código de Processo Civil).

(Agravo de Instrumento nº 2005.001485-3, 3ª Câmara de Direito

Civil do TJSC, Itajaí, Rel. Des. Marcus Túlio Sartorato. unânime,

DJ 15.12.2005).

Page 40: Pericia Direito Familia

Maria Inês Linck

40

CONSIDERAÇÕES DA

RELATORA

MARIA INÊS LINCK

Juíza de Direito - Titular da 1ª Vara de Família

e Sucessões

Foro Central - Porto Alegre

Page 41: Pericia Direito Familia

Maria Inês Linck

41

Ao participar deste bloco como revisora, coube a mim

realizar um “fechamento” sobre as participações anteriores, passando a

tecer as seguintes considerações:

Certamente a perícia é um elemento assessor ao jurídi-

co pois pode e deve ser utilizada sempre que a capacitação requerida pela

situação não estiver inserida nos parâmetros daquilo que se pode esperar

de um juiz médio, ainda que seja um juiz “moderno” (que investiga) como

diz Dra. Mônica Guazzeli, que mitiga o princípio da inércia da jurisdição

não esperando a provocação, podendo também determinar a realização

da prova. Justifica-se a assertiva porque o magistrado não pode valer-se de

conhecimentos pessoais, mesmo que de natureza técnica, para dispensar

a prova pericial, uma vez que não pode ser dispensado o contraditório (há

diversas decisões jurisprudenciais neste sentido).

Os critérios utilizados para solicitar a avaliação confun-

dem-se com os que foram identificados em relação à função assessora.

O perito não dever trazer fatos para os autos, e sim opi-

niões técnico-científicas a respeito dos fatos, apresenta juízos

especializados, é alguém da confiança do juízo e pode ser levantado con-

tra ele as mesmas exceções de suspeição, impedimentos... que ao juiz. É

por isso que os peritos atuam diretamente com as partes e a eles cabe

entrevistar as pessoas. Quanto aos assistentes técnicos cabe mais a obser-

vação para posterior conferência.

Sem dúvida, a perícia é prova judicial. Para o Dr. Plínio

Caminha de Azevedo é a “Rainha das Provas”, porque trás segurança ao

julgador e por isso é necessário que todos os “operadores do direito” atu-

em de modo efetivo, sanando dúvidas, quesitando para que os laudos

contenham as impressões técnicas com os embasamentos necessários,

tendo em vista a possibilidade de influenciar diretamente na vida dos en-

Page 42: Pericia Direito Familia

Maria Inês Linck

42

volvidos. É necessário também que os laudos periciais contenham pro-

postas de encaminhamentos baseados nos fundamentos de seus juízos

especializados e que atinjam efetivamente o seu objetivo, conclusivo con-

forme o instrumental utilizado, cabendo ao juiz a valoração da prova, a

livre valoração da prova desde que fundamentado.

Em um segundo momento, trago à discussão a questão

do exame psico-pericial como ato de profissional que atua na área médi-

ca, especialmente área psicológica e ressalto aqui a possibilidade do peri-

to agir com plena autonomia, pois enfrentei, ao jurisdicionar,

questionamento sobre a possibilidade do assistente técnico participar (en-

trar na sala) da entrevista do perito do juízo com o laudeando e a negativa

do perito oficial fundamentada na autonomia do profissional, neste caso

um médico psiquiatra, por acarretar inibição ou constrangimento ao

periciado.

Conforme parecer do Conselho Federal de Medicina,

(que é mencionado pois no caso em relato o perito era médico psiquiatra)

é dever inalienável do perito para com o paciente exigir a privacidade do

ato. Pondero que neste aspecto a filmagem prevista no “Depoimento sem

Dano”” poderá resolver o problema.

Sobre o assistente técnico, o Código de Processo Civil,

após a reforma não atribui a ele a função de auxiliar do juízo e sim da

parte, portanto, sequer participa da confecção do laudo e deve emitir pa-

recer após examinar o trabalho do perito do juízo (artigo 433 § único). Há

possibilidade de conferência com o perito oficial visando transparência

dos trabalhos.

EM CONCLUSÃO:

Se não houver objeção do perito é possível o juiz admi-

tir a entrada do assistente técnico na sala de entrevista Caso houver obje-

ção, deve prevalecer a autonomia do perito do juízo. Já existe acórdão

recente referente a este tema e transcrevo a ementa do julgamento do

Agravo de Instrumento nº 700.158.70397 - 5º Câmara Cível TJRS - Relator:

Page 43: Pericia Direito Familia

Maria Inês Linck

43

Desembargador Umberto Guaspari Sudbrack, 16 de agosto de 2006, por

bem apreciar e resumir a matéria:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. PERÍCIA

MÉDICA. AVALIAÇÃO PSIQUIÁTRICA. PRESENÇA DOS ASSIS-

TENTES TÉCNICOS NA ENTREVISTA DE AVALIAÇÃO.

DESNECESSIDADE. OFENSA AO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFE-

SA. INOCORRÊNCIA.

Caso em que o fato de os assistentes técnicos não

poderem participar de entrevista que avaliará o es-

tado psiquiátrico do autor não consiste em ofensa

aos princípios da ampla defesa e do contraditório.

Presença de outras pessoas, além do examinador e

do examinado, no “setting” da entrevista, é rica

fonte de inibições à espontaneidade das respostas

do periciado. Possibilidade de apresentação de pa-

recer autônomo de avaliação pelos assistentes téc-

nicos, bem como de realização de conferência com

o perito judicial, que confere total transparência

aos trabalhos. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.

(Agravo de Instrumento Nº 70015870397, Quinta

Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:

Umberto Guaspari Sudbrack, Julgado em 16/08/

2006).

Page 44: Pericia Direito Familia

44

2º BLOCO - DO PERITO

COMPOSIÇÃO DA MESA

Lucio Garcia psicólogo

Maria da Graça Corrêa Jacques psicóloga relatora

Rosa Magrinelli psicóloga coordenadora

Sílvia Tejadas assistente social

Sonia Liane R. Rovinski psicóloga

Page 45: Pericia Direito Familia

Maria da Graça Corrêa Jacques

45

ALGUMAS REFLEXÕES ACERCA

DA PERÍCIA PSICOLÓGICA

(E SOCIAL)

MARIA DA GRAÇA CORRÊA JACQUES

Psicóloga, Mestre em Psicologia

Organizacional, Doutora em

Educação, Pós-Doutora em

Psicologia Social, professora da

Universidade Federal do Rio Grande

do Sul e conselheira do Conselho

Regional de Psicologia do Rio

Grande do Sul.

Page 46: Pericia Direito Familia

Maria da Graça Corrêa Jacques

46

Inicio minha exposição como debatedora deste painel

registrando a minha satisfação em estar aqui compartilhando com vocês

da discussão de um tema que vem sendo objeto de preocupação entre os

diversos segmentos sociais envolvidos: a questão da perícia no âmbito das

relações entre Psicologia e Direito. Entre a categoria dos psicólogos e no

Sistema Conselhos de Psicologia o tema da perícia psicológica é uma dis-

cussão recorrente. No último Congresso Nacional de Psicologia onde se

elegem as prioridades de atuação do Sistema Conselhos no próximo

triênio, a Psicologia Jurídica recebeu, em um primeiro momento, 11 teses

entre as 156 apresentadas, quais sejam: diálogo com a sociedade acerca

da Psicologia Jurídica e fortalecimento das entidades representativas,

ações para inclusão do psicólogo no Sistema Judiciário e na Segurança

Pública, formação em Psicologia Jurídica, parâmetros para orientação e

fiscalização do trabalho do psicólogo, avaliação psicológica na perícia e

mediação.

As teses sobre a avaliação psicológica na perícia se con-

centraram em três grandes eixos: a definição de parâmetros mínimos para

a realização da avaliação psicológica, a aquisição pelo Sistema Judiciário

do instrumental para aplicação de testes psicológicos e a conscientização

dos psicólogos para respeitarem os diferentes códigos jurídicos, especial-

mente o Código Civil. No Rio Grande do Sul, a discussão no VI Congresso

Regional de Psicologia levou a rejeição de 7 dessas 11 teses e a aprovação

de 4 delas com alterações por julgá-las ou repetitivas, ou não condizentes

com as atribuições do Sistema Conselhos ou por demandarem uma regu-

lamentação sem uma maior discussão com os vários segmentos envolvi-

dos. O Rio Grande do Sul encaminhou como proposta, entre outras, a

abertura de espaços para debate a partir dos quais se possa propor

parâmetros para a avaliação psicológica na perícia para posterior regula-

mentação.

Page 47: Pericia Direito Familia

Maria da Graça Corrêa Jacques

47

Na plenária final do VI Congresso Nacional ocorrida em

Brasília com a presença de delegados das diferentes regiões do país e com

o objetivo de definir as prioridades de atuação do Sistema Conselhos, 4

teses foram aprovadas referentes à Psicologia Jurídica, no eixo ‘Interven-

ção dos psicólogos nos sistemas institucionais’, quais sejam: Tese nº 115,

Tese nº 117, Tese nº 121 e Tese nº 125. A Tese nº 115 propõe ações para

inclusão do psicólogo nos Sistemas de Justiça e de Segurança Pública; a

Tese nº 117 versa sobre a avaliação psicológica no âmbito da Justiça, espe-

cificamente, a proposição de ações que fomentem essa discussão e que

sugerem condições a serem oferecidas pelo Sistema Judiciário para a atu-

ação do psicólogo; a Tese nº 121, uma tese especialmente voltada para a

Mediação; e, a Tese 125 que se refere a alguns encaminhamentos para a

construção de referências quanto à prática do psicólogo nos Sistemas de

Justiça e Segurança.

O tema dessas teses nos informa qual vem sendo a pre-

ocupação dos psicólogos e quais as suas expectativas em relação ao Siste-

ma Conselhos. Chama a atenção a ausência de referências explícitas a

questões sobre a perícia psicológica, embora as proposições referentes à

avaliação psicológica as englobem. Neste caso, as proposições encami-

nham tanto para ampliação da discussão no âmbito da categoria dos psi-

cólogos como uma interlocução com os representantes do Sistema Judici-

ário, esclarecendo e reivindicando condições básicas para a atuação dos

psicólogos neste campo.

Portanto, esse espaço vem atender a essa expectativa

como um espaço em que se possa debater o tema e se ampliar o diálogo

para além das fronteiras da Psicologia. Celso Pedro Luft1, em seu Dicioná-

rio da Língua Portuguesa, define o verbo debater como “discutir, desper-

tar, contender; agitar-se, estrebuchar-se.” Tal definição aponta, especial-

mente, para o sentido negativo do debate que eu espero não seja a ten-

dência de leitura da minha intervenção. Ao contrário. Espero que minha

apresentação seja compreendida enquanto exposição de um ponto de vis-

ta e que se transforme em um estímulo para o nosso diálogo.

1 LUFT, C.P. Pequeno Dicionário da Língua Portuguesa. S.P: Scipione, 1987, p. 159.

Page 48: Pericia Direito Familia

Maria da Graça Corrêa Jacques

48

Tomo como ponto de partida a referência de Silvia

Tejadas, expositora que me precedeu, sobre a necessidade de

contextualização histórica e política da perícia social. Compartilho com

sua argumentação e entendo que a construção de objetos de estudo e

espaços de intervenção em Psicologia, assim como no Serviço Social, não

são algo acima ou à margem da sociedade, mas componentes da própria

sociedade em que se produzem, sujeitos aos limites do tempo e do espa-

ço.

O meu olhar retrocede ao Renascimento e a criação no

mundo ocidental de novos conceitos sobre a natureza e a sociedade pau-

tados nos grandes progressos das chamadas Ciências Físicas e Naturais de

onde decorre a conclusão epistemológica de que métodos e procedimen-

tos devem se estender a todo o domínio do conhecimento científico. A

partir do século XVIII o grande debate que se instala é sobre a objetivida-

de do conhecimento, sobre a problemática da Verdade e sobre a aproxi-

mação maior ou menor com o real. Edgar Morin2 se refere criticamente a

esse pensamento hegemônico qualificando-o de “Ciência-Verdade-Absolu-

ta”, “Ciência-Solução”, “Ciência-Farol”, “Ciência-Guia”. Michel Foucault3,

também um dos seus grandes críticos, escreve:

“No fundo da prática científica existe um discurso

que diz: nem tudo é verdadeiro, mas em todo o

lugar e a todo o momento existe uma verdade a ser

dita e a ser vista, uma verdade talvez adormecida

que, no entanto, está somente a espera da nossa

mão para ser desvelada”.

É nesse contexto histórico que a Psicologia nasce como

uma ciência autônoma da Filosofia. Ancora-se, na constituição do seu ob-

jeto, na noção de indivíduo e no antropocentrismo que se instaura a par-

tir das descobertas científicas e se apropria dos pressupostos das Ciências

Físicas e Naturais no afã por reconhecimento. Inscreve-se como importan-

te braço científico de consolidação da ordem social, como um dispositivo

2 MORIN, E. O despertar da razão. S.P.: Melhoramentos, 1986, p. 79.3 FOUCAULT, M. Microfísica do poder. R.J.: Graal, 1982, p. 113.4 PATTO, M.H. Psicologia e ideologia. S.P.: Queiroz, 1987.

Page 49: Pericia Direito Familia

Maria da Graça Corrêa Jacques

49

cujas práticas se circunscrevem a prever e controlar, selecionar e orientar,

nas palavras de Maria Helena Patto4. Constitui-se como ciência normativa,

definidora dos padrões de normalidade e construtora de instrumentos de

medida e quantificação do psiquismo. É nesse contexto histórico-social

que a Psicologia fornece as ferramentas para a individualização dos pro-

blemas sociais referidos por Silvia Tejadas quando se refere à construção

do Serviço Social como profissão em que ao atribuir-se ao indivíduo a

responsabilidade pela situação vivenciada, deixa-se de vislumbrar as de-

terminações que emanam da estrutura econômica, social, política e cultu-

ral.

Tais fundamentos que se expressam na constituição da

Psicologia como ciência e profissão, encontram na avaliação psicológica

um terreno fértil enquanto um modo de legitimação fundamentada em

princípios científicos a partir de uma concepção de ciência. A descoberta

da “Verdade”, a aproximação com o “real”, a objetividade, balizam sua

atuação. Da mensuração da sensação através de recursos fornecidos pela

psicofísica, passando pela mensuração da inteligência e das aptidões, a

Psicologia passa a avaliar características de personalidade ou, aspectos do

psiquismo com nomes variáveis.

E, ainda, sob uma perspectiva crítica, a avaliação psico-

lógica, especificamente a perícia psicológica (assim como a social) pode

se apresentar como um substituto científico à moral clássica, com reco-

nhecimento social, pautada pelos valores hegemônicos de um determina-

do contexto sócio-histórico. Hilton Japiassú5 alerta para o risco da prática

psicológica se submeter aos ditames de uma ideologia dominante de cará-

ter regulador sempre que desvinculada de uma reflexão ética constante

sobre o seu fazer e sobre o que está sendo feito com o produto do seu

trabalho.

O mesmo autor assinala que assim como o indivíduo da

Idade Média tinha certa compreensão de si mesmo graças ao modelo

explicativo e moral proposto pela Igreja, constata-se, hoje, o que se pode-

ria chamar de “psicologização” em que a sociedade delega com freqüência

5 JAPIASSÚ, H. Introdução à epistemologia da Psicologia. R.J.: Imago, 1982.

Page 50: Pericia Direito Familia

Maria da Graça Corrêa Jacques

50

à Psicologia poderes de determinar os lugares na sociedade e de resolver

problemas sociais. Tal “psicologização” pode ser uma das explicações para

a crescente demanda pela avaliação psicológica em determinados espaços

como, por exemplo, o espaço jurídico em que a decisão de julgar e suas

conseqüências objetivas e subjetivas são delegadas a um saber técnico ex-

terno ao saber jurídico.

Daí a importância do apontamento de Sonia Liane

Rovinski, também uma das expositoras que me precedeu, sobre o lugar

do psicólogo e o lugar do juiz, que não se confundem. A função da perí-

cia, em tese, é de ampliar as possibilidades de decisão do juiz, fornecendo

elementos para seu convencimento. Porém, o que se percebe com mais

freqüência é que o laudo pericial acaba por receber um valor maior a

partir de uma concepção de “Ciência-Verdade-Absoluta”, “Ciência-Solu-

ção”, ciência que desvela a Verdade oculta e que determina as conseqüên-

cias daí derivadas.

Tal tendência é interpretada por Silvana de Oliveira6

como uma das expressões da maior “judicialização” da vida cotidiana que

no Conselho Regional de Psicologia se reflete como uma grande demanda

por orientação e fiscalização. Tal demanda se reflete no significativo nú-

mero de Resoluções do Conselho Federal de Psicologia pertinentes ao

trabalho da perícia psicológica como bem apontou o primeiro expositor

dessa mesa-redonda Lúcio Garcia. Também com uma posição crítica a esta

tendência, Neuza Maria Guareschi7 pontua o quanto a Psicologia naturali-

zou como um dever seu responder a determinadas demandas oriundas de

outros campos disciplinares, os quais, também arbitrariamente, julgam

que a Psicologia é capaz de atendê-las.

Há alguns registros históricos da intervenção do Estado

para manter a ordem social vigente através do aparato jurídico e da apro-

ximação com os métodos de avaliação do psiquismo. É o caso, por exem-

plo, do uso de provas psicométricas de inteligência como critério de emi-

6 OLIVEIRA, S. Psicologia e Justiça. Jornal Entrelinhas, CRPRS, ano VIII, n. 39, maio/junho de2007, p. 8.

7 GUARESCHI, N. Editorial. Jornal Entrelinhas, CRPRS, ano VIII, n. 39, maio/junho de 2007, p.2.

8 MASIERO, A. “Psicologia das raças” e religiosidade no Brasil: uma intersecção histórica. Psico-logia, ciência e profissão, ano 22, n. 1, p. 66-79, 2002.

Page 51: Pericia Direito Familia

Maria da Graça Corrêa Jacques

51

gração nos Estados Unidos no início do século XX. Deve-se lembrar, tam-

bém, a posição de Galton como um dos principais defensores da proibi-

ção de casamentos entre loucos, débeis mentais e alcoólatras para retar-

dar o nascimento dos chamados degenerados8.

O que se constata, hoje, é um aumento da demanda

pelo poder judiciário dos conhecimentos e intervenções da Psicologia.

Incorporar os questionamentos quanto a essa demanda não significa, ne-

cessariamente, concordar plenamente com a qualificação de Louis

Althusser9 à Psicologia de modo geral (e a perícia psicológica em particu-

lar) como “técnicas humanas de adaptação” ou com Michel Foucault10

como “uma prática generalizada de perícia”. Implica em examinar critica-

mente a filiação a práticas de dominação, segregação, exclusão. Implica

em avaliar como insuficientes as pesquisas e regulamentações sobre a di-

mensão técnica da perícia para dar conta da dimensão ética envolvida.

Implica em reforçar a necessidade da reflexão crítica como uma constân-

cia no exercício profissional. É esse o papel do Código de Ética dos Psicó-

logos como foi apontado inicialmente por Lucio Garcia.

Importante considerar que nenhuma profissão existe

no vácuo, mas que se constrói a partir da atividade de diferentes pessoas

que se apropriam dos conhecimentos produzidos. Estimular a reflexão

contemplando as dimensões técnicas, sociais, políticas e éticas envolvidas

é o papel dos órgãos de orientação e fiscalização do exercício profissional.

Daí a importância de espaços como este em que se exercite a reflexão e o

diálogo interdisciplinar sobre os limites, possibilidades e responsabilida-

des de cada exercício profissional, os lugares que ocupam, as éticas que

promovem e os efeitos das práticas que efetivam. Este é também o papel

do debatedor em cada mesa-redonda: incitar o diálogo e a reflexão a par-

tir das exposições que a precederam, compreendendo o verbo debater

no sentido de discutir e, principalmente, despertar.

9 ALTHUSSER, L. Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado. Lisboa: Presença, 1974.

10 FOUCAULT, M. As palavras e as coisas. S.P.: Martins Fontes, 1981.

Page 52: Pericia Direito Familia

Sonia Liane Reichert Rovinski

52

A PERÍCIA PSICOLÓGICA NO

DIREITO DE FAMÍLIA

SONIA LIANE REICHERT ROVINSKI

Psicóloga do Tribunal de Justiça do RS,

Especialista em Psicologia Jurídica

(CFP),

Mestre em Psicologia Social e da

Personalidade (PUC-RS) e Doutora em

Psicologia Clínica e da Saúde

(Universidade de Santiago de

Compostela).

Page 53: Pericia Direito Familia

Sonia Liane Reichert Rovinski

53

Perícia, em uma concepção genérica, é o “exame de si-

tuações ou fatos relacionados a coisas e pessoas, praticado por especialis-

ta na matéria que lhe é submetida, com o objetivo de elucidar determina-

dos aspectos técnicos” (Brandimiller, 1996, p.25). No caso dela ser solici-

tada na área do Direito de Família, terá como especificidade questões téc-

nicas decorrentes das demandas típicas desta área que chegam aos agen-

tes jurídicos para julgamento, ou seja, questões ligadas à adoção, guarda

de filhos, separação, divórcio, entre outras.

Os casos mais freqüentes encaminhados aos psicólogos

que assessoram juízes das Varas de Família dizem respeito a avaliações

relacionadas à disputa do poder familiar, no sentido de que este profissio-

nal possa auxiliar na definição da guarda e da regulamentação de visitas.

Muitas vezes, estes casos chegam acompanhados de denúncias de maus-

tratos e abuso sexual, podendo a demanda jurídica incluir, nestas avalia-

ções, questões ligadas à possibilidade da destituição do poder familiar.

Apesar desta temática, do poder familiar, ser a mais freqüente nos encami-

nhamentos das avaliações psicológicas, não chegam a esgotar o tipo de

trabalho realizado pelos psicólogos na área do Direito da Família. Outras

solicitações podem ser requisitadas como, por exemplo, a avaliação da

capacidade laborativa em situações de separação, em que uma pensão ao

cônjuge pode estar em jogo, ou a verificação das condições pessoais para

responder por atos da vida civil (interdição). Esta última bastante freqüen-

te para os técnicos da área da saúde mental, mas preferencialmente enca-

minhada aos psiquiatras por ser, quase sempre, subsidiada por diagnósti-

co de doença mental; ainda que os casos de deficiência mental deveriam

ser rotineiramente avaliados por psicólogos, que possuem o instrumental

necessário para a definição exata de tal transtorno.

Considerando que os tipos de avaliações citadas podem

Page 54: Pericia Direito Familia

Sonia Liane Reichert Rovinski

54

envolver temáticas psíquicas muito diferenciadas, privilegiar-se-á como

foco de discussão na apresentação desta mesa sobre perícias apenas aque-

la relacionada à questão do poder familiar, seja pela freqüência com que

as solicitações chegam aos psicólogos ou, mesmo, pelos desafios éticos e

metodológicos que suscita.

Discutir o trabalho do psicólogo em perícias que envol-

vam decisões quanto ao poder familiar exige de início uma reflexão sobre

as questões éticas envolvidas. Primeiro, é muito importante que o psicólo-

go tenha em mente os limites de seu trabalho técnico quanto à definição

das capacidades parentais. Ainda que possa como técnico identificar pato-

logias de vínculos entre pais e filhos, até identificar situações de risco à

criança, não é compatível ao seu trabalho assumir um papel de julgamen-

to, definindo em que momento um genitor deve ser dado como impedido

para o desempenho de sua função parental. Esta decisão deve ser conside-

rada como um “ato de julgamento”, pois envolve expectativas sobre os

papéis sociais e a tolerância do grupo quanto aos limites da normalidade,

sempre circunstanciado pela norma jurídica - aspectos todos pertinentes

exclusivamente ao agente judiciário. Em outras palavras, é ao juiz que

cabe o ato de julgar, sendo o psicólogo apenas um auxiliar da Justiça no

sentido de fornecer informações pertinentes e suficientemente fundamen-

tadas pela ciência.

Este posicionamento traz repercussões diretas na ma-

neira do psicólogo trabalhar e na forma de escrever seu informe ao judici-

ário. O técnico deve estar atento, a todo o momento, sobre o que seria

resultante de seus achados técnico-científicos e o que seria decorrente de

suas crenças sociais, envolvendo os valores de sua própria formação pes-

soal. Não cabe aqui discutir o quão intrincado pode ser a dinâmica destas

forças na fundamentação do raciocínio clínico que deve ser descrito no

laudo, na medida em que ciência e crenças sociais se constituem em uma

verdadeira inter-relação na formação da sociedade e do próprio sujeito.

Uma outra questão ética que diz respeito ao

posicionamento do psicólogo frente aos genitores que está avaliando, no

sentido de se colocar como aquele sujeito capacitado para decidir quem

Page 55: Pericia Direito Familia

Sonia Liane Reichert Rovinski

55

seria o “melhor” dos pais para ter o cuidado da criança. Neste sentido,

Emery, Otto e O’Donohue (2005), em uma revisão crítica sobre avaliações

psicológicas para custódia nos EUA, chamaram a atenção para cuidado

que os psicólogos devem ter ao dirigir seu trabalho pela premissa existen-

te nestas avaliações “do melhor interesse da criança”. Salientam que além

desta máxima ser um conceito vago, predispõe a que se construa estereó-

tipos de genitores “mais ou menos saudáveis” pela indicação na avaliação

daquele com quem a criança estaria sendo melhor cuidada. Estes autores

sugerem que o foco da avaliação deveria ser deslocado para uma nova

proposta, a da “regra da aproximação”, onde se buscaria manter de forma

mais aproximada possível a organização da rotina de vida da criança com

a que ela tinha antes da separação dos pais. Deste modo, não se buscaria

um arranjo familiar “ideal” para esta criança, com o genitor mais “saudá-

vel”, mas aquele que lhe trouxesse menores mudanças. É claro que esta

regra só pode ser seguida se o arranjo familiar prévio à separação vinha

atendendo as necessidades da criança.

Ainda, segundo Emery e colaboradores (2005), as pes-

soas mais capacitadas para definirem esta “melhor” reorganização familiar

seriam os próprios pais. Toda a organização judiciária deveria estar prepa-

rada para facilitar, desde o início do processo, que os pais mantivessem o

poder de decisão quanto a como definir a guarda, através de atividades

técnicas como a mediação. Antes que os genitores entrassem em litígio

judicial deveriam ser alertados quanto aos prejuízos que um processo ju-

dicial litigioso poderia gerar aos filhos. Estudos têm provado de que mais

do que o tipo de arranjo familiar posterior a separação (guarda comparti-

lhada ou individual), é o processo de dissolução e a natureza das relações

familiares que se constroem que influenciarão no sofrimento psíquico dos

filhos. Um processo de mediação judicial, ou preferencialmente

extrajudicial, através do estímulo dos próprios advogados para que os

genitores cheguem a um consenso, evitando o ingresso de um processo

de separação litigiosa, é ainda a melhor e mais durável solução para todos

os membros da família.

Page 56: Pericia Direito Familia

Sonia Liane Reichert Rovinski

56

No Brasil, já temos alguns exemplos de atividades que

são desenvolvidas pelos psicólogos com o objetivo de valorizar o poder

familiar, são: atividades de orientação a advogados, antes do início do pro-

cesso judicial, para que não se acirrem situações de litígio entre seus cli-

entes, favorecendo a comunicação e o entendimento entre os mesmos

(Polanczyk, 2002); atividades de mediação para a busca de soluções con-

juntas entre os ex-cônjuges (Silva, 2003; Rivera et al., 2002); grupos focais

de atendimento a famílias, com o objetivo de resolução dos impasses sur-

gidos com o processo judicial (Silva e Polanczyk, 1998). De modo mais

recente, a preocupação do próprio Conselho Federal de Psicologia em

regulamentar a atividade de mediação como uma das atividades do Psicó-

logo.

No entanto, a realidade também mostra que nem sem-

pre os genitores estão disponíveis, ou possuem capacidade para chegar a

um acordo sobre a definição da guarda e do estabelecimento das visitas.

Os diversos motivos e sentimentos associados à ruptura da relação, as

questões financeiras, e as próprias limitações na capacidade emocional de

lidar com fatores de estresse, podem criar situações de impasse e até de

risco à integridade da criança, sendo necessária a intervenção do judiciá-

rio. Para Emery e colaboradores (2005) as perícias ficariam indicadas sem-

pre que houvesse indícios de violência familiar ou negligência, antes ou

durante o processo de separação, e suspeita de doença mental em algum

dos genitores, que poderia, da mesma forma, levar a condutas de maus-

tratos aos filhos.

O CONCEITO DE COMPETÊNCIA PARENTAL

A perícia psicológica forense tem sempre por fim subsi-

diar decisões judiciais, por isso é fundamental, para que possa atender

sua demanda, que o foco do trabalho seja bem estabelecido desde o iní-

cio, através das questões formuladas pela justiça (quesitos). Estas ques-

tões, via de regra, versam sobre as capacidades parentais para gerir o bem-

estar dos filhos. Para Grisso (1986) o técnico deveria trabalhar sempre

Page 57: Pericia Direito Familia

Sonia Liane Reichert Rovinski

57

com a noção de “competências legais”, que extrapola conceitos

desenvolvimentistas ou psiquiátricos específicos, para incluir descritores

legais sobre os comportamentos esperados. Porém, o próprio autor reco-

nhece sobre a dificuldade em se definir uma competência factual que

pudesse descrever, em comportamentos objetivos, a capacidade espera-

da. A noção de competência pode variar não só de uma tarefa para outra,

como do contexto onde os sujeitos se encontram inseridos. Da mesma

forma, apresenta-se em um continuum ou em níveis, onde, por exemplo,

determinada pessoa pode ser competente para cuidar de seu filho desde

que receba o apoio de um programa social.

Há autores que concordam que diagnósticos de pacien-

tes com doença mental não devem dirigir a avaliação da competência

(Melton et al., 1997; Grisso, 1986) . Reconhecem que os tribunais ainda

tendem a julgar na base do “tudo ou nada”, por meio de diagnósticos

médicos que não apresentam evidências comportamentais e psiquiátricas

suficientes para fundamentar tal decisão. Em muitas circunstâncias, não

apenas na discussão sobre a manutenção do poder familiar, doença men-

tal, retardo mental, idade (muito jovem ou muito velho) e até mesmo

deficientes físicos são utilizados como indicadores de incompetência ge-

ral, sem uma avaliação adequada da competência individual e

contextualizada, extrapolando os limites das funções que devem ser avali-

adas.

Para Grisso (1986), um modelo conceitual para a avali-

ação pericial relacionada à noção de competência precisa iniciar o traba-

lho por uma análise da visão da lei sobre a competência em questão. No

caso de destituição do poder familiar, no Brasil, deve-se citar não só o

Estatuto da Criança e do Adolescente (que fala, ainda, em pátrio poder)

para a construção de padrões de avaliação, como o próprio Código Civil

(2002) no artigo 1.638, quando refere descrições do tipo “castigar

imoderadamente o filho”, “deixar o filho em abandono” ou “praticar atos

contrários à moral e aos bons costumes”.

Se, por um lado, essa doutrina nos oferece uma orien-

tação quanto ao que deve ser avaliado, continua a não explicitar o que

Page 58: Pericia Direito Familia

Sonia Liane Reichert Rovinski

58

significa em termos comportamentais o castigo, o abandono ou, de forma

ainda mais significativa, os “atos contrários à moral e aos bons costumes”.

Melton e colaboradores (1997) já haviam salientado, a partir de uma revi-

são da literatura, que, mesmo quando são descritos em estatutos, os pa-

drões de abuso e negligência se apresentam vagos e imprecisos, sofrendo

grande influência das crenças e valores morais dos técnicos avaliadores

quando os colocam em prática.

Uma forma de dirigir o trabalho, então, é buscar medi-

ante análise de padrões relacionais, a compatibilidade entre as necessida-

des da criança e as potencialidades para o atendimento destas por parte

dos pais. O conceito de competência legal exige que ela seja avaliada em

seus aspectos funcionais e contextuais, que sejam feitas inferências cau-

sais sobre um possível déficit relacional e este analisado quanto a deman-

da existente. Assim, na realização da perícia, o conceito de competência

requer que seja descrito o que um pai (ou mãe) pensa, faz, conhece e

acredita, e do que ele é capaz de vir a fazer como agente cuidador. A pre-

sença de um diagnóstico mental só terá sentido nesse contexto se estiver

diretamente relacionado à produção dessas condutas relacionais conside-

radas incapacitantes.

COMO AVALIAR A COMPETÊNCIA PARENTAL

A metodologia na avaliação de casos de guarda e regu-

lamentação de visitas pode variar conforme as características de cada caso.

No entanto, uma revisão sobre o assunto (Rivera et al., 2002) mostra que

as propostas de intervenção apresentadas por diversos autores se mos-

tram muito semelhantes. De maneira geral, espera-se que o psicólogo pe-

rito realize entrevistas individuais com cada progenitor para colher dados

de história pessoal, da relação matrimonial e de sua relação com o filho.

Ackerman (1999) sugere que a entrevista inicial deva começar com um

convite para que a pessoa fale sobre os motivos que provocaram aquela

avaliação. Sugere que o psicólogo fique atento a esta resposta inicial, pois,

geralmente, terá grande importância clínica para o entendimento do caso.

Page 59: Pericia Direito Familia

Sonia Liane Reichert Rovinski

59

No decorrer das entrevistas de coleta de dados deverão ainda ser investi-

gados aspectos referentes a: informações de sua família de origem (rela-

ções familiares, história de vínculos afetivos, etc.), história educacional,

história de trabalho e adaptação atual ao trabalho, tratamento psiquiátrico

ou psicológico prévio, outros problemas médicos, história de problemas

com a lei (na infância, adolescência ou na vida adulta), problemas com o

uso de drogas lícitas ou ilícitas, história de abuso sexual, história prévia da

relação conjugal (a atual que se rompeu e anteriores se houver), situações

especiais de estresse relacionado a si e a seus parentes mais próximos.

Rivera e colaboradores (2002) acrescentam a necessi-

dade de se colherem dados da relação com a criança. Esses dados envol-

vem a rotina de vida com o filho (quem cuida quando fica doente, quem

leva à escola, etc.), dados da vida escolar, como manejam situações-pro-

blema, sistema punitivo e de obediência, hábitos de higiene, história mé-

dica, padrões de desenvolvimento desde o nascimento, sexualidade e há-

bitos de higiene, impacto da separação, sistema de visitas e problemas

decorrentes.

Após as entrevistas iniciais de coleta de dados deve-se

partir para uma avaliação de personalidade de cada progenitor. Essa avali-

ação envolve a aplicação de instrumentos psicológicos para uma compre-

ensão mais aprofundada do tipo de personalidade de um deles, com suas

características relacionais. Rivera e colaboradores (2002) indicam a aplica-

ção de testes de nível intelectual (WAIS) e de personalidade (MMPI).

Ackerman (1999) também sugere o uso do MMPI, principalmente por suas

escalas de controle, que demonstrariam a predisposição dos sujeitos em

relação à avaliação e à testagem.

Na realidade brasileira observa-se não se ter por rotina

a avaliação intelectual dos pais em uma perícia de guarda, desde que não

haja indicação específica para tal uso – como no caso de uma suspeita de

deficiência mental. Shine (2003) corrobora com essa visão, dizendo que,

em São Paulo, esses testes quase nunca são utilizados. Cita, como prefe-

rência dos psicólogos, o uso de projetivos gráficos, o TAT e o CAT (em

crianças). Na experiência pessoal que se tem, observa-se que o MMPI (no

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Sonia Liane Reichert Rovinski

60

momento inabilitado ao uso em nosso país) sempre contribuiu muito para

a compreensão da personalidade dos pais, principalmente associado ao

Método de Rorschach. Outro instrumento que tem se mostrado muito útil

para este tipo de perícia é o Inventário Fatorial de Personalidade (IFP –

Casa do Psicólogo, 1997), pois, além das escalas de controle (validade e

desejabilidade social), oferece a possibilidade de construção de um perfil,

com fatores que podem ser relacionados ao cuidado do filho (por exem-

plo, assistência, afiliação, agressão, ordem, entre outros). Por fim, pode-se

ainda citar o Inventário de Estilos Parentais (Editora Vozes) que permite

levantar as práticas educativas dos pais através de questionários aplicados

aos genitores e à própria criança.

Após a avaliação dos pais, deve-se proceder a avaliação

da criança. Nesse caso, é importante considerar alguns aspectos. Da mes-

ma forma como foi realizado com os pais, deve-se colher dados com a

criança sobre sua rotina com cada um dos genitores, bem como de carac-

terísticas do relacionamento. Ackerman (1999) sugere que se façam per-

guntas do tipo: como você se sentiria se o juiz determinasse que você

fosse morar com sua mãe ... e se ele determinasse que você fosse morar

com seu pai? Em hipótese alguma a pergunta deveria ser feita no sentido

de “Com quem você quer morar?” Questões sobre rotina, métodos de

punição ou recompensa podem ser feitas através de exemplos concretos

do dia a dia. Outras questões também são importantes: que tipo de ativi-

dades seu pai e sua mãe fazem com você? Quem cozinha para você ou

quem serve o café? Quem o leva para a escola? Quem vai à escola quando

tem uma reunião de pais? Que atividades você faz com seus avós, tios,

primos? Quem ajuda com os temas? Quem leva ao médico? Quais são as

regras da casa e quem as cobra de você?

Em uma análise sobre os testes mais utilizados na avali-

ação de crianças em casos de disputas de guarda no Brasil, Shine (2003)

verificou o uso freqüente dos testes gráficos (HTP e Desenho da família) e

CAT. Silva (2003) reforça a utilização dos testes gráficos, afirmando sua

importância para aliviar as tensões em crianças que apresentam excesso

de defesas internas em função do elevado nível de conflito em que se

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Sonia Liane Reichert Rovinski

61

encontram inseridas. Acrescenta o uso do ludodiagnóstico, principalmen-

te entre crianças muito pequenas ou que se encontram muito comprome-

tidas emocionalmente. Em avaliações feitas por esta apresentadora, con-

firma-se a utilidade destes instrumentos, acrescentando-se, ainda, o Teste

de Fábulas (CETEPP, 1993). É importante citar que todos os testes referi-

dos por psicólogos brasileiros são para utilização em contextos clínicos e

por isso devem ser utilizados com cuidado no momento de servirem para

inferências na área forense.

Considerando-se que a perícia sobre a definição de

guarda e visitas valoriza fundamentalmente as condutas relacionais entre

pais e filhos, é indicado pelos autores que, além das entrevistas individu-

ais e aplicação de testes, se realizem entrevistas conjuntas entre pais e

filhos (Melton et al., 1997; Rivera et al., 2002, Ackerman, 1999). Estas fi-

cam apenas contra-indicadas quando há suspeita de abuso sexual ou

quando existir nível muito elevado de ansiedade por parte da criança de

defrontar-se com a figura paterna/materna. Rivera e colaboradores (2002)

sugerem que, para favorecer maior espontaneidade, as entrevistas tam-

bém possam ocorrer na casa dos periciados e envolvam situações que re-

únam todos os filhos com determinado genitor.

Por último, devem ser citadas as entrevistas com tercei-

ros ou também chamadas de “contatos colaterais”, procurando caracteri-

zar as entrevistas com outros que não fossem aqueles diretamente referi-

dos como parte no processo judicial. Shine (2003), ao revisar este tema,

discute a quem estar-se-ia se referindo como “terceiros”. Salienta que es-

sas pessoas são, muitas vezes, da família e sempre próximas à criança –

porque senão não teria sentido entrevistá-las. Muitas vezes, pode-se obter

dados importantes ao entrevistar uma avó, tia, madrinha ou babá. O im-

portante é que essas pessoas, chamadas para complementar a avaliação,

estejam diretamente relacionadas ao problema e tenham informações per-

tinentes para prestar.

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Sonia Liane Reichert Rovinski

62

A REALIZAÇÃO DO LAUDO PSICOLÓGICO PERICIAL

O laudo final apresentado pelo psicólogo deve descre-

ver todos os dados levantados e relacioná-los com a questão da competên-

cia parental, finalizando com sugestões quanto à matéria legal que deu

origem ao pedido de avaliação. No caso específico da avaliação de guarda

de filhos, o processo de síntese dos achados exige que o perito psicólogo

realize um “julgamento” quanto ao grau de incongruência entre as habili-

dades parentais e as necessidades da criança, pois, é a partir da identifica-

ção de compatibilidades e de incompatibilidades, que se realizarão as su-

gestões quanto às condições de exercer o poder familiar. Em alguns casos,

pode-se chegar à conclusão de que a criança não estará segura com ne-

nhum de seus progenitores, sendo necessário colocar junto às sugestões a

falta de condições dos pais para o cuidado com a criança.

Voltando a discussão inicial desta apresentação, cabe

lembrar que a tomada de decisão quanto a retirada do poder familiar dos

pais (ou de um deles), envolve um julgamento a partir de inúmeros fato-

res. O fator de maior importância é o grau de risco à criança que a socieda-

de tem interesse em considerar na relação com a interpretação dos direi-

tos parentais e os limites da intervenção que esta sociedade pode tomar

frente aos mesmos. A decisão da retirada do poder familiar é uma decisão

em que o prejuízo que a criança possa sofrer justifica a intervenção estatal

– frente a uma relação considerada única, quanto à intimidade e privacida-

de. Assim, decidir sobre a retirada do poder familiar excede a tarefa técni-

ca do psicólogo, pois, envolve julgamento social e moral da maior gravida-

de. Cabe ao perito psicólogo apresentar evidências empíricas do bem-es-

tar da criança, deixando a avaliação final para o juiz – quem em última

instância responde por uma decisão que seja moralmente justificável.

Avaliar o “melhor interesse da criança” não é só consi-

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63

derar o momento atual do nível de cuidados parentais frente a ela; é, tam-

bém, fazer previsões sobre o efeito da retirada do poder familiar de seus

pais em sua vida futura, quando, então, a relação já estará irremediavel-

mente danificada. Nesse sentido, no campo empírico e da moral, o psicó-

logo forense não deve ir além da descrição da relação entre estes pais e

filhos, além de descrever ou oferecer opiniões sobre a situação imediata,

as conseqüências previsíveis da retirada ou manutenção do poder famili-

ar, evitando-se as especulações que os próprios dados não permitem.

Conforme Portillo (1995), na discussão da ética do psi-

cólogo na administração da justiça é importante que ele aprenda a dizer

“não sei”, aprenda a reconhecer os limites de sua competência e de suas

técnicas, procedendo com cautela no momento de suas predições.

A avaliação da destituição do poder familiar é matéria

complexa e exige uma abordagem interdisciplinar. A psicologia como ci-

ência do comportamento pode e deve interagir nesse campo de forma a

contribuir para a construção desse objeto de estudo que é o da competên-

cia parental; porém, deve respeitar as limitações de sua atuação no campo

do empírico, conscientizando-se das implicações morais envolvidas nessa

tomada de decisão.

Mediante maior integração entre os agentes jurídicos,

os psicólogos peritos e os demais técnicos avaliadores é que se poderão

esclarecer os próprios parâmetros sociais e morais envolvidos nesse pro-

cesso, não com o objetivo de eliminá-los, pois, são da própria essência do

problema, mas de verificar sua coerência quanto ao grupo avaliador e à

legitimidade social.

Page 64: Pericia Direito Familia

Sonia Liane Reichert Rovinski

64

BIBLIOGRAFIA

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BRANDIMILLER, P. A. Perícia judicial em acidentes e doenças dotrabalho. São Paulo: SENAC, 1996.

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MELTON, G., PETRILA, J., POYTHRESS, N., SLOBOGIN, C.Psychological evaluations for the court. 2ª ed.New York: Guilford, 1997.

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PORTILLO, J. U. La ética del psicólogo em la administración dela justicia de menores. Anais... Primer Con-gresso Iberoamericano de Psicologia Jurídica,Santiago de Chile, 1995.

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SHINE, S. A espada de Salomão: a psicologia e a disputade guarda. São Paulo: Casa do Psicólogo,2003.

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65

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SILVA, M. C. S. e POLANCZYK, T. M. V.Implantação de um núcleo de atendimento àfamília no judiciário – uma proposta inovado-ra. Aletheia, n.1, Canoas, 1995.

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Silvia Tejadas

66

NOTAS SOBRE A PERÍCIA

SOCIAL

SILVIA TEJADAS

Assistente Social do Ministério Público do Rio

Grande do Sul e docente do Curso de

Serviço Social da ULBRA.

Mestre em Serviço Social pela PUCRS e

doutoranda do curso de Serviço Social

da PUCRS.

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Silvia Tejadas

67

INTRODUÇÃO

O presente texto visa apresentar sintéticas considera-

ções acerca da perícia social, que compreende o processo de trabalho do

assistente social requisitado a oferecer assessoria à autoridade judiciária,

em matéria do Serviço Social. Esta produção é decorrente de participação

da autora em Seminário promovido pelo Instituto Brasileiro de Direito de

Família, seção Rio Grande do Sul, o qual abordou a temática da perícia

psicológica, sem deixar de dar visibilidade às produções e contribuição de

outras área do conhecimento.

Para tanto, situa-se a profissão desde elementos de sua

trajetória histórica até sua conformação e perspectivas contemporâneas.

Em seguida situa-se a perícia e o laudo social, sua estrutura e as implica-

ções ético-políticas presentes. Ao final do texto, são tecidas ponderações

em torno do direcionamento da prática profissional, sua intencionalidade

e contribuição na garantia de direitos.

1 O SERVIÇO SOCIAL COMO PROFISSÃO

O Serviço Social, originalmente, é uma profissão cons-

tituída em um contexto sócio-político onde a reprodução das relações

sociais capitalistas permeava a intervenção profissional, resultando em um

tratamento moral da questão social e na legitimação das desigualdades

como naturais.

Nesse processo histórico da profissão, evidenciou-se a

alienação moral: reprodução acrítica de valores, assimilação rígida de pre-

conceitos e comportamentos, o pensamento ultrageneralizador, a não

aceitação do que não se adequa aos padrões de comportamento estereoti-

pados como “corretos” (BARROCO, 2001).

Na prática, o efeito da moralização da questão social

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Silvia Tejadas

68

está em individualizar os problemas sociais, obscurecendo seu viés econô-

mico e político. Assim, atribui-se ao indivíduo isoladamente a responsabi-

lidade pela situação vivenciada, deixando de vislumbrar as determinações

que emanam da estrutura econômica, social, política e cultural.

A partir das décadas de 1970 e 1980 tem-se o fortaleci-

mento de uma vertente crítica na profissão. Tendo por base o conheci-

mento da realidade, amparado em uma visão do homem como ser históri-

co e social, sujeito capaz de alterar as bases da sociedade capitalista que

gera a exploração da maioria da população, os assistentes sociais atuam

com base na competência técnico-operativa e teórico-metodológica, onde

o instrumental profissional não é vazio, mas dotado de sentido e

intencionalidade. O fazer do assistente social adquire forma a partir de

um projeto ético-político-profissional que busca a garantia de direitos

sociais, pautado por uma sociedade democrática, que tem na liberdade

um valor fundamental.

Parte-se do pressuposto de que o trabalho do Serviço

Social se constrói pela sua dimensão política, o que segundo Martinelli

(1994), compõe-se de: direção ética que compreende um caminho a ser

seguido, mas não pode ser considerada pronta e acabada; trata-se de

uma construção coletiva, ou seja, não pode preceder os sujeitos, mas

é construída com eles; competência técnica que se configura na capaci-

dade e condições de transformar a realidade no exercício cotidiano e

político.

O Serviço Social tem nas expressões da questão social

o seu objeto de trabalho no sentido mais genérico. Esse objeto remete

a que se identifique como a desigualdade econômica afeta a vida social

dos sujeitos e quais as formas de resistência acionadas.

A partir desse entendimento, tem-se o Serviço Social

como uma disciplina do conhecimento, que atua no campo das desigual-

dades sociais, com uma natureza interventiva. Assim, trata-se de uma pro-

fissão que se propõe, além da análise da realidade, a intervir, tendo como

direcionamento a materialização dos direitos civis, políticos e sociais. A

operacionalização do objeto da ação parte da questão social generica-

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Silvia Tejadas

69

mente tomada, buscando identificar suas expressões, ou seja, como se

apresenta no cotidiano, no campo da mediação de relações do sujeito

com o seu contexto social.

A intervenção profissional deve articular dialeticamente

o referencial teórico, o método e a metodologia que a norteia. Essas três

dimensões devem oferecer uma visão de totalidade dos fenômenos soci-

ais, entendendo-os como permeados por contradições e produzidos his-

toricamente. Assim, as estratégias, instrumentos, técnicas, documentos e

o produto da ação profissional, que compõem a metodologia do trabalho

profissional, não devem ser percebidos como um fim em si mesmos. De-

vem estar balizados por um referencial teórico e por um método que ofe-

reça o caminho da análise.

É neste fazer profissional que se efetiva o trabalho

profissional e, no campo judiciário, a demanda pela perícia social. Deve-

se indagar: qual a base teórica que o profissional possui para efetivar

este trabalho, qual o direcionamento que ele imprimirá ao fazer profissi-

onal?

2. A PERÍCIA E O LAUDO SOCIAL

A Lei n º 8.662/1993 regulamenta a profissão e prevê no

seu artigo quarto as competências do assistente social, dentre elas a reali-

zação de “estudos sócio-econômicos com os usuários para fins de benefí-

cios e serviços sociais junto a órgãos da administração pública direta e

indireta, empresas privadas e outras entidades”. Já no artigo quinto da

mesma Lei estão previstas as atribuições privativas do assistente social,

dentre as quais “realizar vistorias, perícias técnicas, laudos periciais,

informações e pareceres sobre a matéria de Serviço Social”.

Isto posto, deve-se ressaltar que a perícia em matéria de

Serviço Social somente pode ser efetivada por profissional da referida

área. Não é demais pontuar o óbvio, uma vez que ocorrem situações onde,

especialmente nas cidades desprovidas ou com pequeno número de assis-

tentes sociais, é solicitado a pessoas leigas, como conselheiros tutelares, a

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Silvia Tejadas

70

efetivação de perícias sociais.

O laudo social, por sua vez, constitui-se em um docu-

mento elaborado pelo Perito Assistente Social, o qual é o resultado docu-

mental de sua intervenção profissional. O laudo deve conter: identifica-

ção das principais pessoas ou partes envolvidas no processo judicial; os

dados mais importantes coletados junto a estas partes; as impressões do

profissional; a análise do profissional e suas indicações para resolução

do conflito judicial (ARAUJO, 2000).

A parte inicial do laudo deve caraterizar as situações,

dando relevo às relações e pessoas envolvidas no processo. Nesse mo-

mento, devem ser explicitadas as expressões históricas, sociais, culturais e

econômicas da vida cotidiana das pessoas. Adquirem relevância e devem

ser apontas as diferentes narrativas e argumentos das partes e de outros

significativos que guardam relação com a situação sub-judice (AGUINSKY,

2003).

A análise implica na contextualização da situação avalia-

da, é o momento no qual o profissional atribui-lhe significados e implica-

ções. São explicitados os argumentos técnicos acerca de aspectos relevan-

tes, os quais darão sustentação ao parecer do assistente social (AGUINSKY,

2003).

Por último, tem-se o parecer, no qual é visibilizada a

opinião profissional. O assistente social expressa as conclusões técnicas

acerca da situação avaliada, assim como sugestões de alternativas aos con-

flitos em questão, bem como de possíveis decisões judicial(is) para a situ-

ação sub-judice (AGUINSKY, 2003).

Os instrumentos que poderão ser utilizados são varia-

dos e dependem das situações em avaliação e dos aspectos teóricos e

metodológicos implicados, podendo constituir-se de observação, entre-

vistas individuais e/ou grupais, pesquisa documental, estudos de caso,

história de vida, contatos institucionais, visitas a instituições, visitas do-

miciliares.

O Laudo Social carrega emblematicamente a expressão

da particularidade do poder do discurso profissional do Serviço Social no

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Silvia Tejadas

71

campo jurídico. Este poder se inscreve nas armadilhas da razão jurídica: a

armadilha de quem detém “a” razão e a armadilha da razão tipificadora e

simplificadora que nega e abstrai o mundo da vida, o cotidiano. Tais arma-

dilhas implicam, por vezes, na negação da complexidade das situações

analisadas, buscando encontrar esquemas explicativos que as classifiquem

e que respondam a questão: com quem ou onde está a “verdade”? Ou,

ainda, como “resolver” a questão sub-judice? Esses laudos são frutos de

gestos de interpretação de sujeitos profissionais que, uma vez materializa-

dos em texto, participam de condições em que direitos são afirmados,

mas também violados (AGUINSKY, 2003).

As preocupações apresentadas por Aguinsky (2003) são

compartilhadas por inúmeros profissionais da área, uma vez que, o

posicionamento do profissional em um laudo poderá ser determinante

nas condições e no modo de vida das pessoas envolvidas com a situação

em análise. Desta forma, impõe-se uma preocupação ética sobre o

direcionamento dos posicionamentos profissionais, visto que o risco de

negar direitos é grande no cotidiano profissional.

Por outro lado, a perícia social e o seu resultado docu-

mental, o laudo, pode se constituir em um meio de afirmação e garantia

de direitos. Para tanto requer conhecimento, habilidades e atitudes do

profissional que permitam realizar uma leitura da realidade que seja

contextualizada, histórica e busque uma visão da totalidade social. Tal

perspectiva fundamenta-se na compreensão de que os fenômenos sociais

presentes nas situações objeto da perícia são passíveis de mudança, po-

dendo o profissional atuar no fomento à resiliência. Ainda nesse contexto,

o assistente social tem condições de promover a identificação, a constru-

ção e a consolidação de redes sociais de apoio, envolvendo a família, a

rede de parentesco, de vizinhança, de instituições, favorecendo o

pertencimento.

O Poder Judiciário e os órgãos que compõem o Sistema

de Justiça, assim como as demais instituições pertencentes à rede de pro-

teção social estão a requerer intervenções que venham a favorecer a cons-

Page 72: Pericia Direito Familia

Silvia Tejadas

72

trução de redes internas às instituições. Tais redes devem fomentar a rup-

tura com os preconceitos, a construção de estratégias conjuntas de ação,

o trabalho interdisciplinar, a partir de uma percepção contextualizada da

realidade. Posturas diferenciadas podem favorecer a que as situações

judicializadas não sejam identificadas apenas como um processo a mais,

mas oferecer visibilidade aos sujeitos humanos, cujas vidas podem ser for-

temente afetadas por decisões judiciais.

Por fim, o trabalho do assistente social não deve perder

de vista a necessidade de atuar na perspectiva de políticas articuladas,

fundamentadas na transversalidade, na superação da fragmentação, favo-

recendo abordagens integrais e a garantia de direitos que atendam às ne-

cessidades dos sujeitos, através do acesso às políticas públicas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A perícia social insere-se em um campo contraditório,

de poderes e saberes diversos, no qual o assistente social dispõe de um

arsenal ético-político, teórico-metodológico e técnico-operativo que pode

contribuir para que as necessidades dos sujeitos históricos adquiram visi-

bilidade e reconhecimento. Contudo, trata-se de um campo onde a busca

“da verdade” impõe-se nos discursos e decisões, correndo-se o risco de

posicionamentos técnicos que recorram ao julgamento moral, perdendo

a densidade crítica e sócio-histórica.

Por fim, destaca-se que as contribuições do Serviço So-

cial se inserem em uma perspectiva interdisciplinar, que parte da percep-

ção de que nenhuma área do conhecimento, isoladamente, é suficiente

para intervir nos fenômenos que aportam ao Sistema de Justiça, caracteri-

zados por grande complexidade.

Page 73: Pericia Direito Familia

Silvia Tejadas

73

REFERÊNCIAS:

AGUINSKY, Beatriz Eticidades discursivas do serviço social nocampo jurídico: gestos de leitura do cotidia-no no claro-escuro da legalidade da moral.Tese de Doutorado em Serviço Social. Facul-dade de Serviço Social. PUCRS, 2003.

ARAUJO, Rosângela. Perícia social judiciária: o modelo de PortoAlegre. Faculdade de Serviço Social. PUC Cam-pinas, 2000.

BARROCO, Maria Lúcia Silva.Ética e serviço social: fundamentosontológicos. São Paulo: Cortez, 2003.

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KERN, Francisco. Os produtos do trabalho profissional: a ela-boração de estudos, laudos e pareceres soci-ais. Apresentação, 2006.

MARTINELLI, Maria Lúcia. Serviço Social: identidade e alienação. SãoPaulo: Cortez, 1994.

Page 74: Pericia Direito Familia

74

3º BLOCO - DO PERICIADO

COMPOSIÇÃO DA MESA

Delma Ibias advogada coordenadora

Maria Aracy Costa magistrada

Maria Regina Fay de Azambuja procuradora de justiça relatora

Renato Caminha psicólogo

Verônica Petersen Chaves psicóloga

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Maria Regina Fay de Azambuja

75

A INQUIRIÇÃO DA CRIANÇA

VÍTIMA DE VIOLÊNCIA SEXUAL

INTRAFAMILIAR

MARIA REGINA FAY DE AZAMBUJA

Procuradora de Justiça, Especialista em

Violência Doméstica pela USP, Mestre

em Direito pela UNISINOS,

Professora de Direito Civil na PUCRS,

Palestrante na Fundação Escola

Superior do Ministério Público do

RGS, Voluntária no Programa de

Proteção à Criança e CAPS do

Hospital de Clínicas de Porto Alegre,

Voluntária no Comitê de Proteção à

Criança do Hospital São Lucas da

PUCRS, Membro do Comitê de Ética

da Faculdade de Psicologia da

UFRGS, Sócia do IBDFAM, IARGS,

SORBI, ABMCJ e ABENEPI.

Page 76: Pericia Direito Familia

Maria Regina Fay de Azambuja

76

INTRODUÇÃO

A violência, na atualidade, através de suas inúmeras for-

mas, expõe a população à situação de risco, sendo considerada um dos

graves problemas de saúde pública. Nesse contexto, as crianças, as mulhe-

res e os idosos são as principais vítimas.

A mudança de paradigmas no que tange aos direitos da

criança, operada com a Constituição Federal de 1988, reflete-se em todas

as áreas do conhecimento, de forma especial, nos Sistemas de Proteção e

Justiça. O reconhecimento da criança como pessoa em desenvolvimento,

sujeito de direitos e prioridade absoluta tem exigido das instituições revi-

são e reestruturação de práticas utilizadas na vigência do anterior coman-

do constitucional.

O texto aborda aspectos da inquirição da criança nos

crimes em que é vítima de violência sexual intrafamiliar, apontando para a

necessidade de revisão de procedimentos adotados ao longo do tempo.

I. A CHEGADA DA CRIANÇA AO SISTEMA DE JUSTIÇA

Os casos de violência sexual intrafamiliar praticados

contra a criança chegam ao Sistema de Justiça através do Conselho Tute-

lar, da Delegacia de Polícia (quando remete o inquérito policial) ou das

disputas familiares envolvendo guarda, visitas, suspensão ou destituição

do poder familiar. Dependendo da situação, será acionado o Sistema de

Justiça Infanto-Juvenil, Criminal ou de Família.

Cabe ao Conselho Tutelar receber, entre outras situa-

ções de ameaça ou violação dos direitos daqueles que ainda não atingiram

os dezoito anos, os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos,

mostrando-se de extrema urgência a sua criação e instalação, em todos os

municípios, “para a efetivação da política de atendimento à criança e ao

Page 77: Pericia Direito Familia

Maria Regina Fay de Azambuja

77

adolescente, tendo em vista assegurar-lhes os direitos básicos, em prol da

formação de sua cidadania”2.

Embora sejam inúmeras as formas de violência e maus-

tratos praticados contra a criança, o trabalho aborda o abuso sexual, espe-

cificamente o intrafamiliar, pois, “ainda que a violência com visibilidade

seja a que ocorre fora de casa, o lar continua sendo a maior fonte de

violência”3. Pesquisa realizada em 1997, pelo Governo do Estado do Rio

Grande do Sul, apontou que, em uma amostra de 1.579 crianças e adoles-

centes em situação de rua, 23,4% não retornavam para casa para fugir dos

maus-tratos. Flores e cols., em 1998, “estimaram que 18% das mulheres

de Porto Alegre, com menos de 18 anos, sofreram algum tipo de assédio

sexual cometido por pessoas de sua família”4.

A violência sexual ou exploração sexual é “todo ato ou

jogo sexual, relação hetero ou homossexual entre um ou mais adultos e

uma criança ou adolescente, tendo por finalidade estimular sexualmente

esta criança ou adolescente ou utilizá-la para obter uma estimulação sexu-

al sobre sua pessoa ou de outra pessoa”5. É também definida como o

envolvimento de crianças e adolescentes dependentes e imaturos quanto

ao seu desenvolvimento em atividades sexuais que não têm condições de

compreender plenamente e para as quais são incapazes de dar o consenti-

mento informado ou que violam as regras sociais e os papéis familiares.

Incluem a pedofilia, os abusos sexuais violentos e o incesto, sendo que os

estudos sobre a freqüência da violência sexual são mais raros dos que os

que envolvem a violência física6. O abuso sexual pode ser dividido em

intrafamiliar e extrafamiliar. Autores apontam que “aproximadamente 80%

são praticados por membros da família ou por pessoa conhecida

2 CARVALHO, Rose Mary de. Comentários ao art. 136 do ECA. In: CURY, Munir (coord.); AMARAL ESILVA, Antônio Fernando (coord.); GARCÍA MENDEZ, Emílio (coord.). Estatuto da Criança e doAdolescente Comentado. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 419/420.

3 KRISTENSEN, Chistian Haag; OLIVEIRA, Margrit Sauer; FLORES, Renato Zamora. Violência contracrianças e adolescentes na Grande Porto Alegre. In: ______ et al. Violência Doméstica. Porto Ale-gre: Fundação Maurício Sirotsky - AMENCAR, 1998, p. 115.

4 Idem, p. 73.

5 Idem, p. 33.

6 KEMPE, Ruth S.; KEMPE, C. Henry. Niños maltratados. 4.ed. Madrid: Ediciones Morata, S. L.,1996, p. 84.

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confiável”, sendo que cinco tipos de relações incestuosas são conhecidas:

pai-filha, irmão-irmã, mãe–filho, pai-filho e mãe-filha, sendo possível que

o mais comum seja irmão-irmã; o mais relatado é entre pai-filha (75% dos

casos), sendo que o tipo mãe-filho é considerado o mais patológico,

freqüentemente relacionado com psicose7. A violência sexual intrafamiliar

praticada contra a criança “retém os aspectos do abuso relativos ao apelo

sexual feito à criança, bem como destaca tal ocorrência no interior da

família”8. Insere-se o abuso sexual da criança em uma gama extensa de

situações de violação dos direitos da infância.

A demanda do Conselho Tutelar, no que se refere à vio-

lência intrafamiliar, abarca situações difíceis de serem enfrentadas. Ao

mesmo grupo familiar pertencem os dois pólos da ação, agressor e vítima,

sendo que “as crianças - vítimas inocentes e silenciosas do sistema e da

prática de velhos hábitos e costumes arraigados na cultura do nosso povo

- são as maiores prejudicadas neste contexto calamitoso”9.

No Conselho Tutelar aporta uma demanda que não

pode ser devidamente dimensionada, não só pelo fato de ser recente o

reconhecimento da violência doméstica, como também em decorrência

da “utilização de diferentes definições do fenômeno pelas instituições e

pesquisadores responsáveis pelas estatísticas disponíveis, a diversidade

das fontes de informações existentes e a inexistência de inquéritos

populacionais nacionais”10, dificultando sobremaneira a oferta de estima-

tivas seguras.

No contexto atual, o Estatuto da Criança e do Adoles-

cente passa a significar um “movimento mais amplo de melhoria e refor-

ma da vida social no que diz respeito à promoção, defesa e atendimento

7 ZAVASCHI, Maria Lucrecia Scherer et al. Abuso sexual em crianças: uma revisão. Jornal de Pedia-tria, v. 67 (3/4), 1991, p. 131.

8 MEES, Lúcia Alves. Abuso sexual, trauma infantil e fantasias femininas. Porto Alegre: Artes e Ofí-cio, 2001, p. 18.

9 ALBERTON, Mariza Silveira. ALBERTON, Marisa Silveira. O papel dos Conselhos Tutelares. In:______; KRISTENSEN, Chistian Haag; OLIVEIRA, Margrit Sauer; FLORES, Renato Zamora et al. Op.cit., p. 26.

10 REICHENHEIM, Michael E.; HASSELMANN, Maria Helena; MORAIS, Claudia Leite. Conseqüênciasda violência familiar na saúde da criança e do adolescente: contribuições para a elaboração deproposta de ação. Ciência e Saúde Coletiva, 4 (1), 1999, p. 110.

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79

dos direitos da infância e da juventude”11. A Convenção das Nações Uni-

das sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil, em seu art. 3.1,

prevê que “todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por institui-

ções públicas ou privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades ad-

ministrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente,

o interesse maior da criança”. Não há como admitir, neste nascer de sécu-

lo, por parte do Poder Público, uma atuação descomprometida com a “de-

fesa dos interesses da criança que sofre maus-tratos praticados, muitas

vezes, por aqueles que teriam legitimidade e possibilidade de defendê-

las”12.

Estarão os integrantes do Sistema de Justiça capacita-

dos para enfrentar a demanda envolvendo violência sexual intrafamiliar

praticada contra a criança?

O tema exige constante reflexão e avaliação sob pena

de a criança vítima de violência sexual ser exposta a mais uma violência

praticada pelo Poder Público, por órgão ou instituição que têm o dever de

zelar pelo cumprimento das disposições legais previstas na Constituição

Federal e na Lei nº 8.069/90.

Em decorrência do contexto em que a violência sexual

intrafamiliar ocorre, os Tribunais, antes mesmo da Carta de 1988, passa-

ram a valorizar a palavra da criança como elemento de prova da autoria e

materialidade do crime. Com os novos princípios constitucionais, faz-se

necessário reexaminar a inquirição da vítima criança.

II. A INQUIRIÇÃO DA CRIANÇA

É comum a violência sexual intrafamiliar praticada con-

tra a criança vir desacompanhada de vestígios físicos, acarretando para o

Sistema de Justiça inúmeras dificuldades para desvendar os comunicados

11 COSTA, Antônio Carlos Gomes da. Comentários ao artigo 6º do Estatuto da Criança e do Adolescen-te. In: CURY, Munir (coord.); AMARAL E SILVA, Antônio Fernando (coord.); GARCÍA MENDEZ, Emílio(coord.). Op. cit., p. 38.

12 SCHREIBER, Elisabeth. Os Direitos Fundamentais da Criança na Violência Intrafamiliar. PortoAlegre: Ricardo Lenz, 2001, p. 80.

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80

e ocorrências que chegam ao Conselho Tutelar e à Delegacia de Polícia,

assim como as denúncias que aportam nas Varas Criminais e nos litígios

que se deflagram nas Varas de Família, através de disputas de guarda e

regulamentação de visitas. Dados colhidos na investigação de 464 casos

de abuso sexual, no período de um ano, em Hospital Infantil (Child Abuse

Program Annual Report, 1987), apontam que apenas 24% das crianças

estudadas tinham achados físicos positivos13.

A inexistência de vestígios físicos, aliada à falta de teste-

munhas presenciais, uma vez que a violência sexual intrafamiliar pratica-

da contra a criança geralmente se dá na clandestinidade, levaram os Tribu-

nais a valorizar a palavra da vítima, favorecendo a sua exposição a inúme-

ros depoimentos no afã de produzir a prova e possibilitar a condenação

do réu. Neste sentido, vale ilustrar:

PROVA. CRIME CONTRA OS COSTUMES. PALA-

VRA DA VÍTIMA. CRIANÇA. VALOR. Como se tem

decidido, nos crimes contra os costumes, cometi-

dos às escondidas, a palavra da vítima assume es-

pecial relevo, pois, via de regra, é a única. O fato

dela (vítima) ser uma criança não impede o reco-

nhecimento do valor de seu depoimento. Se suas

palavras se mostram consistentes, despidas de

senões, servem elas como prova bastante para a

condenação do agente. É o que ocorre no caso em

tela, onde o seguro depoimento da ofendida em

juízo informa sobre o ato sexual sofrido, afirman-

do que o apelante foi o seu autor. Condenação

mantida pela prática de crime contra os costumes.

(...)14

13 JOHNSON, Charles F. Abuso na Infância e o Psiquiatra Infantil. In: GARFINKEL, Barry D.; CARLSON,Grabrielle A.; WELLER, Elizabeth B. Infância e Adolescência. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992, p.300.

14 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Apelação Crime nº 70003007424,Sétima Câmara Criminal, Relator Des. Sylvio Baptista Neto, 4 de agosto de 2005, Nova Petrópolis.

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ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. PALAVRA

DA VÍTIMA, DE 09 ANOS, COERENTE E MINU-

CIOSA NAS DUAS FASES DA PERSECUTIO

CRIMINIS, CORROBORADA PELO RESTANTE

DA PROVA TESTEMUNHAL CONSTANTE DOS

AUTOS. CONDENAÇÃO MANTIDA. Em crimes

contra a liberdade sexual geralmente cometidos na

clandestinidade, a palavra da vítima assume vital

importância na elucidação da autoria delitiva, ain-

da mais quando corroborada pelo restante do con-

junto probatório constante dos autos. Outrossim,

importante salientar que dificilmente a vítima men-

tiria em juízo, fantasiando ou inventando a estória

narrada, com o fito de prejudicar o apelante; pelo

contrário, em que pese ser uma criança de 09 anos,

de maneira minuciosa e harmoniosa relatou, em

ambas as fases da perquirição da culpa, os abusos

sexuais praticados pelo padrasto. (...)15

A posição adotada pelos Tribunais16 data de várias déca-

das que antecederam a Constituição Federal de 1988. Neste tempo, não se

questionava, nos feitos judiciais e extrajudiciais, o melhor interesse da

criança (best interest of the child). Desconhecia-se a amplitude dos preju-

ízos que o depoimento da criança, colhido com o fim de produzir a prova

da materialidade de um crime, em regra, praticado por um familiar (pai,

padrasto, avô, tio, irmão)17 ou pessoa de suas relações, pudesse causar à

15 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Apelação Crime nº 70008980013,Oitava Câmara Criminal, Relator Des. Marco Antônio Ribeiro de Oliveira, 1º de setembro de 2004,Uruguaiana.

16 “(...) alguns autores afirmam que a mais importante evidência nos casos de suspeita de abuso sexu-al, em crianças, é o testemunho prestado pela própria vítima (Lauritsen et al., 2000)”. (BENFICA,Francisco Silveira; SOUZA, Jeiselaure Rocha de. A importância da perícia na determinação damaterialidade dos crimes sexuais. Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Porto Ale-gre, n. 46, jan./mar. 2002, p. 183).

17 Dos casos atendidos pelo Serviço de Psicologia (Serviço de Atendimento Básico) da Vara Central daInfância e Juventude do Tribunal de Justiça de SP, entre 1990 e 1998, em 90% dos casos o agressorexercia a função paterna (65% de pais biológicos). (DUQUE, Cláudio. Parafilias e crimes sexuais. In:TABORDA, José G. V. (org.); CHALUB, Miguel (org.); ABDALLA-FILHO, Elias (org.). Psiquiatria Fo-rense. Porto Alegre: Artmed, 2004, p. 303).

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vítima, bem como os danos que a violência sexual pudesse acarretar ao

seu desenvolvimento social e, de forma especial, ao seu aparelho psíqui-

co. A partir da década de setenta, estudos e pesquisas na área da saúde

mental têm contribuído para um maior entendimento do fenômeno, em

especial, quando a violência é praticada por aqueles que tem o dever de

cuidá-la e protegê-la.

Negar tais achados significaria caminhar na contramão

dos princípios que alicerçam a Convenção das Nações Unidas sobre os

Direitos da Criança, a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do

Adolescente. Os conhecimentos na área da saúde mental e o fortalecimen-

to dos direitos humanos estão a exigir novas formas de proceder visando

assegurar à criança o desenvolvimento em condições de dignidade, como

reza o artigo 3º da Lei nº. 8.069/90, passando a ser responsabilidade de

todos evitar qualquer forma de negligência, discriminação, exploração,

violência, crueldade e opressão (art. 5º do ECA). Na mesma esteira, reza a

Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança:

Art. 19 – 1. Os Estados Partes adotarão todas as

medidas legislativas, administrativas, sociais e edu-

cacionais apropriadas para proteger a criança con-

tra todas as formas de violência física ou mental,

abuso ou tratamento negligente, maus-tratos ou

exploração, inclusive abuso sexual, enquanto a cri-

ança estiver sob a custódia dos pais, do represen-

tante legal ou de qualquer outra pessoa responsá-

vel por ela (sem grifo no original).

Sob o prisma da nova ordem constitucional, inúmeras

ações praticadas pelo Sistema de Justiça passam a merecer urgente revi-

são, como se vê de parte do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do

Rio Grande do Sul, reformado, em 9/8/05, pelo Colendo Superior Tribu-

nal de Justiça:

(...) a ação, cometida pelo réu contra a vítima, não

teve uma repercussão tão danosa que exigisse uma

punição exemplar. Ainda que se afirme certo des-

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gaste psicológico (as informações dos pais dão

conta disso), penso que ele se deve muito mais as

atitudes dos adultos, tratando o assunto com gran-

de alarde, que propriamente à ação do agente. Esta

se deu através de toques em partes do corpo da

ofendida e talvez o ato do cunilíngua. Tenho a im-

pressão que o dano psicológico não foi tão inten-

so, tão marcante que determinasse, repito, uma

reprimenda rigorosa18.

Para o Superior Tribunal de Justiça,

(...) plenamente justificado o grande alarde dos

responsáveis pela menina que, como qualquer

membro médio da sociedade, encara essa forma de

criminalidade como das mais graves. Os crimes se-

xuais praticados contra menores têm conseqüênci-

as gravíssimas para as vítimas e suas famílias, com-

prometendo o normal desenvolvimento das crian-

ças que tiveram o infortúnio de sofrer tão hedion-

da agressão, somente, por serem inocentes19.

Exigir da criança a responsabilidade pela produção da

prova da violência sexual, através do depoimento judicial, como

costumeiramente se faz, não seria uma nova violência contra a criança?

Estaria a criança obrigada a depor? Estes e outros questionamentos preci-

sam ser enfrentados sob a ótica da Doutrina da Proteção Integral.

No âmbito da regulação do exercício do poder familiar,

a oitiva pode se dar de três formas: “(i) ex lege, ou seja, determinada pela

lei em casos específicos que trazem, normalmente, regras de dispensa

motivada do comparecimento da criança pelo juiz; (ii) por convoca-

18 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Apelação Crime nº 70007781917,Oitava Câmara Criminal, Relator Des. Sylvio Baptista Neto, 7 de abril de 2004, Porto Alegre.

19 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 714.919, Quinta Turma, Relatora MinistraLaurita Vaz, 9 de agosto de 2005, Rio Grande do Sul.

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ção do juiz, nas hipóteses possíveis, ou (iii) por solicitação da criança”

(sem grifo no original)20. Não se deve permitir “a indicação de criança

como testemunha por uma das partes, ou seja, por um dos seus pais ou de

seus parentes, sob pena de a criança se sentir envolvida de forma que

se mostra pouco conveniente” (sem grifo no original)21.

Quando se aborda a oitiva da criança, importante lem-

brar que, com a vigência da Lei nº 8.069/90 e, posteriormente, com o

Código Civil de 2002, o legislador passa a valorizar a opinião da criança,

em especial, nos feitos que envolvem colocação em família substituta,

como se vê do artigo 28, § 1º, do ECA, exigindo, no caso de tutela, a sua

opinião, se já contar 12 anos (art. 1.740, III, do CC/02), e o seu consenti-

mento, no caso de adoção, quando o adotando contar 12 anos (art. 45, §

2º, ECA). A inovação atende os princípios da Convenção das Nações Uni-

das sobre os Direitos da Criança, consolidados na legislação pátria, permi-

tindo que a criança e o adolescente expressem sua opinião sobre fatos

que digam diretamente com sua rotina, oferecendo-lhes a oportunidade

de participar ativamente do processo judicial e das decisões que interfi-

ram na sua vida familiar.

A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da

Criança, ratificada pelo Brasil, responsável pelo estabelecimento de um

“catálogo completo dos direitos substanciais, civis e políticos, econômi-

cos, sociais e culturais, próprios à criança”, detentora da força jurídica

cogente de tratado22, em seu artigo 12, dispõe:

Os Estados partes assegurarão à criança que estiver

capacitada a formular seus próprios juízos o direi-

to de expressar suas opiniões livremente sobre to-

dos os assuntos relacionados com a criança, levan-

do-se devidamente em consideração essas opini-

20 MÔNACO, Gustavo Ferraz de Campos; CAMPOS, Maria Luiza Ferraz de. O Direito de Audição deCrianças e Jovens em Processo de Regulação do Exercício do Poder Familiar. Revista Brasileira deDireito de Família, IBDFAM, Síntese, n. 32, out./nov. 2005, p. 12.

21 Idem. Ibidem.

22 Artigo 5º, § 3º, da Constituição Federal – “Os tratados e convenções internacionais sobre direitoshumanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por trêsquintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.

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ões, em função da idade e da maturidade da

criança.

Com tal propósito, se proporcionará à criança, em

particular, a oportunidade de ser ouvida em todo

processo judicial ou administrativo que afete a

mesma, quer diretamente quer por intermédio de

um representante ou órgão apropriado, em

conformidade com as regras processuais da legisla-

ção nacional (sem grifo no original).

Expressar as próprias opiniões, como menciona o do-

cumento internacional, tem sentido diverso de exigir da criança, em face

de sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento, em Juízo ou

fora dele, o relato de situação extremamente traumática e devassadora ao

seu aparelho psíquico, vivenciada no ambiente familiar, e mais, praticada,

em regra, por pessoa muito próxima, como o pai, o padrasto, o avô, o tio

ou mesmo o irmão23. Nesse sentido, observa-se a palavra da vítima, regis-

trada em processo de destituição do poder familiar motivado por violên-

cia sexual:

Na primeira vez em que foi dormir na casa dele,

‘quando a tia V. não estava’, ele já a convidou para

dormir na mesma cama que ele. Certa noite acor-

dou com a cabeça dele no peito dela. T. evidencia

séria preocupação com tais fatos, pára de falar

mais de uma vez no meio da entrevista, abaixa

a cabeça e a esconde entre seus braços. Muda

de assunto, falando que já fez ‘um desenho de

uma árvore, com uma corda e ela pendurada’,

lembrando de momentos em que já quis abre-

viar sua vida (sem grifo no original)24.

23 Levantamento realizado em Hospital Infantil (Child Abuse Program Annual Report, 1987), analisan-do 464 casos de abuso sexual, no período de um ano, indicou que o perpetrador mais comum foi apai (15%), seguido pelo padrasto (8%) e tio (7%). (JOHNSON, Charles F. Op. cit., p. 300).

24 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Apelação Cível nº 70012117024, Séti-ma Câmara Cível, Relatora Desª. Maria Berenice Dias, 9 de novembro de 2005, Lajeado.

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Quando a Lei nº 8.069/90 reconhece a peculiar condi-

ção de pessoa em desenvolvimento da criança e do adolescente está a

falar de sua imaturidade ou, em outras palavras, de seu estágio incomple-

to de desenvolvimento. Entende-se por maturidade “a fase da vida em que

a pessoa atinge um completo desenvolvimento ou maturação físico-men-

tal”25. As etapas do desenvolvimento humano se desdobram em várias fa-

ses: a) pré-natal; b) primeira infância; c) segunda infância; d) terceira in-

fância; e) adolescência; f) o jovem adulto; g) meia-idade e h) terceira ida-

de26, abrangendo mudanças que ocorrem ao longo da vida, envolvendo

aspectos físicos, cognitivos e psicossociais. Integram o desenvolvimento

físico, as mudanças no corpo, no cérebro, na capacidade sensorial e nas

habilidades motoras capazes de influenciar outros aspectos do desenvol-

vimento. As mudanças ocorridas na capacidade mental, como aprendiza-

gem, memória, raciocínio, pensamento e linguagem, situam-se no desen-

volvimento cognitivo, ao passo que as mudanças nos relacionamentos

com os outros se referem ao desenvolvimento psicossocial27.

Não há que confundir a hipótese inovadora do artigo

28, § 1º, do ECA, com a inquirição cogente da criança nos processos crimi-

nais em que se apura a existência de violência sexual. Nestes casos, a in-

quirição da criança visa essencialmente produção da prova da autoria e

materialidade em face dos escassos elementos que costumam instruir o

processo com o fim de obter a condenação ou absolvição do abusador,

recaindo na criança uma responsabilidade para a qual não se encontra

preparada, em face de sua peculiar condição de pessoa em desenvolvi-

mento ou, ainda, nos termos da Convenção, em razão de sua imaturidade

física, cognitiva e psicossocial. No primeiro caso, - feitos que discutem a

colocação em família substituta -, a oitiva da criança tem por objetivo co-

nhecer seus sentimentos e desejos, permitindo ao Julgador considerá-los

por ocasião da decisão; no segundo, diferentemente, o objetivo da inqui-

rição da criança é a produção da prova, hipótese que não encontra respal-

25 ENCICLOPÉDIA SARAIVA DO DIREITO. São Paulo: Saraiva, 1977, v. 52, p. 81.

26 PAPALIA, Diane E.; OLDS, Sally Wendkos. Desenvolvimento Humano. 7.ed. Porto Alegre: Artes Mé-dicas Sul, 2000, p. 26.

27 Idem. Ibidem.

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87

do na aludida Convenção Internacional e tampouco no ordenamento jurí-

dico pátrio.

É do texto internacional que emerge a expressa previ-

são de a opinião da criança ser colhida, de forma direta ou através de

representante ou órgão apropriado, sinalizando a clara intenção de evitar

exposições inapropriadas da criança, com riscos de danos à sua saúde

psíquica. Por ser uma pessoa em desenvolvimento, a criança carece biolo-

gicamente de “maturação nos níveis emocional, social e cognitivo”, levan-

do-a a comportar-se, relacionar-se e a pensar de forma diferente dos adul-

tos28. As condições de maturidade da criança e do adulto se refletem na

forma como a primeira enfrenta e reage a uma situação de abuso sexual e

pela maneira como se manifesta quando é chamada a falar sobre o fato

ocorrido29.

Estudiosos da saúde mental afirmam que “a criança

mais velha pode ter a capacidade verbal de relatar o abuso, mas pode estar

relutante devido ao medo de represálias, culpa associada com o ato ou

aceitação da sedução, ou medo de dissolução da família”30. Nos casos de

violência sexual intrafamiliar, recomendam os estudiosos envolver a mãe

no processo de revelação, sem desconhecer que, até as mães apoiadoras,

muitas vezes, “ficam tão perturbadas durante a entrevista, que transmitem

à criança a mensagem direta ou indireta de não revelar; ou as crianças

ficam tão ansiosas que se fecham para protegerem as mães”31.

A violência sexual traz no seu âmago a negação ou

síndrome do segredo que envolve todo o desenrolar do processo de abu-

so sexual intrafamiliar, tanto nas etapas em que o fato ainda não foi iden-

tificado, e que pode durar vários anos32, acompanhado de freqüentes ame-

28 FURNISS, Tilman. Op. cit., p. 14.

29 Estima-se que 49% dos casos de abuso sexual acontecem com crianças com idade inferior a cincoanos (Marie-Pierre, Representante do UNICEF no Brasil, Revista Isto é, nº 1881, de 2/11/05, p. 49).

30 JOHNSON, Charles F. Op. cit., p. 300.

31 FURNISS, Tilman. Op. cit., p. 198.

32 Estudo realizado pelos autores aponta que “nos casos de violência sexual contra crianças e adoles-centes, no âmbito doméstico, praticados pelos pais ou padrastos, há uma certa continuidade nodelito que, não fosse por fatores externos, jamais chegaria ao conhecimento das autoridades”(BENFICA, Francisco Silveira; SOUZA, Jeiselaure Rocha de. Op. cit., p. 181).

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aças33; como nas etapas que se desenvolvem junto aos Sistemas de Saúde

ou Justiça, cabendo referir que “sobreviver ao abuso sexual da criança

como pessoa intacta pode ser tão difícil para o profissional como é para a

criança e para os membros da família”34.

No Brasil, são escassas as iniciativas voltadas a trabalhar

com os agressores. No Canadá, a maioria dos grupos para homens

agressores busca uma intervenção integrada e coordenada em relação ao

problema da violência doméstica, possibilitando serviço às mulheres e cri-

anças (assistência psicológica, jurídica, grupos de auto-ajuda, encaminha-

mento a abrigos, se necessário), treinamento profissional no manejo de

questões envolvendo violência doméstica (como identificar a vítima de

abuso, como abordar o problema, como fazer o encaminhamento e acom-

panhamento do caso), paralelamente ao trabalho realizado com os ho-

mens agressores.35

A falta de compreensão da dinâmica do abuso sexual

intrafamiliar, verificado tanto nas agências de saúde como no Sistema de

Justiça acaba por gerar intervenções inadequadas com sensíveis prejuízos

ao desenvolvimento da criança. A nomeação do abuso sexual da criança

“cria o abuso como um fato para a família”, podendo “refletir-se na rede

profissional e no nosso próprio pânico e crise profissionais, quando inter-

vimos cegamente em um processo que muitas vezes não compreende-

mos”36.

Maria Helena Mariante Ferreira chama a atenção para

os cuidados a serem dispensados aos profissionais que trabalham com o

abuso sexual:

É necessário salientar a necessidade de apoio e cui-

dado constante do profissional e equipe que aten-

33 “Nossa pesquisa observou que geralmente o réu exercia alguma autoridade sobre a vítima, gerandonesta o chamado temor referencial (Sznick, 1992), decorrente do dever de obediência para com oréu” (BENFICA, Francisco Silveira; SOUZA, Jeiselaure Rocha de. Op. cit., p. 181).

34 FURNISS, Tilman. Op. cit., p. 1.

35 GROSSI, Patrícia Krieger. Nem como uma flor: reflexões sobre abordagens com grupos de homensagressores. In: GROSSI, Patrícia Krieger; WERBA, Graziela C. Violência e Gênero: coisas que a gentenão gostaria de saber. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p.97.

36 Idem. Ibidem.

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de a criança abusada em função do aumento im-

portante de stress que este tipo de trabalho traz. É

bem superior ao encontrado no trabalho com os

demais pacientes. É semelhantes stress que conta-

mina as equipes que trabalham com pacientes em

centros de tratamento intensivo, ultrapassando os

limites do ambiente profissional e contaminando a

vida familiar e pessoal dos cuidadores37.

Inquirir a vítima, com o intuito de produzir prova e ele-

var os índices de condenação, não assegura a credibilidade pretendida,

além de expô-la a nova forma de violência, ao permitir reviver situação

traumática, reforçando o dano psíquico. Enquanto a primeira violência foi

de origem sexual, a segunda passa a ser psíquica, na medida que se espera

que a materialidade, que deveria ser produzida por peritos capacitados,

venha ao bojo dos autos através do seu depoimento, sem qualquer respei-

to às suas condições de imaturidade. Considerar a “fala da criança”, como

prevê a Convenção, necessariamente não exige o uso da palavra falada,

porquanto o sentido da norma é muito mais amplo, estando a significar a

necessidade de respeito incondicional à criança, como pessoa em fase

peculiar de desenvolvimento.

No campo psíquico, a violência sexual impingida à cri-

ança é considerada um trauma, sendo que a extensão dos danos está liga-

da a maior ou menor vulnerabilidade da vítima. Vários transtornos psiqui-

átricos em adultos têm sido relacionados a algum trauma vivenciado na

infância, sendo que o abuso sexual está mais relacionado a transtornos

dissociativos, o estresse pós-traumático a acidentes38. Estudos recentes

apontam para a “influência do trauma na ‘configuração do aparato

neuroendócrino, da arquitetura cerebral, da estruturação permanente da

personalidade e dos padrões de relacionamento posteriores’, sabendo-se

37 FERREIRA, Maria Helena Mariante. Algumas reflexões sobre a perplexidade compartilhada diantedo abuso sexual. Revista de Psicoterapia da Infância e Adolescência, Porto Alegre: CEAPIA, n. 12,nov. 1999, p. 42.

38 ZAVASCHI, Maria Lucrecia Scherer et al. Associação entre trauma por perda na infância e depressãona vida adulta. Revista Brasileira de Psiquiatria, v. 24, n. 4, out. 2002, p. 190.

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90

que ‘as experiências ficam marcadas na herança genética e nos padrões de

vínculo, sendo, portanto, repassadas de uma forma ou outra para a des-

cendência’”39. Grande número de casos de violência sexual sofrido na in-

fância “permanece em segredo entre vítima intimidada e agressor ameaça-

dor, só sendo detectados quando aquela, já adulta, procura ajuda profissi-

onal e relata o fato como significativo no seu passado”40.

Trauma, de origem grega, significa ferida, furar, “sendo

utilizado na medicina para identificar as conseqüências de uma violência

externa”. Freud “transpôs o conceito de trauma para o plano psíquico,

conferindo-lhe o significado de um choque violento capaz de romper a

barreira protetora do ego, podendo acarretar perturbações duradouras

sobre a organização psíquica do indivíduo”41. Em outras palavras, trauma

ou dano psíquico existe quando há “deterioração, disfunção, distúrbio ou

transtorno, ou desenvolvimento psico-gênico ou psico-orgânico que,

afetando as esferas afetivas e/ou intelectual e/ou volitiva, limita a capacida-

de de gozo individual, familiar, atividade laborativa, social e/ou recreati-

va”42. Autores apontam que a oitiva da criança vítima de violência sexual

intrafamiliar, devido ao “medo de represálias, culpa associada com o ato

de aceitação da sedução ou medo de dissolução da família”, pode fazer

com que a criança retire a acusação43, como confirma a prática forense. E,

ainda, “a criança pode não desejar discutir o(s) incidente(s) novamente

porque a recordação é dolorosa e os pais podem pertinentemente apoiar

a criança nesta resistência”44.

É comum a criança avistar o abusador no ambiente fo-

rense por ocasião de sua oitiva, ainda que o depoimento não seja presta-

do na sua presença, fato que contribui para reacender o conflito e a

ambivalência de seus sentimentos, porquanto, em muitos casos, “nutre

39 AZAMBUJA, Maria Regina Fay de. Violência sexual intrafamiliar: é possível proteger a criança?Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 125.

40 DUQUE, Cláudio. Op. cit., p. 303.

41 ZAVASCHI, Maria Lucrecia Sherer et al. Op. cit., p. 190.

42 PEREIRA GOMES, Celeste Leite dos Santos; LEITE SANTOS, Maria Celeste Cordeiro; SANTOS, JoséAmérico dos. Dano Psíquico. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998, p. 7.

43 JOHNSON, Charles F. Op. cit., p. 300.

44 Idem, p. 301.

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91

forte apego pelo abusador, com quem, no mais das vezes, mantém víncu-

los parentais significativos”. O abusador costuma “transferir para a criança

a responsabilidade pelo ocorrido ou pelas conseqüências da revelação,

convencendo a vítima de que será sua culpa se o pai for para a cadeia ou

se a mãe ficar magoada com ela”45. Delegacias de Polícia, Fóruns e Tribu-

nais não são locais apropriados para crianças; são, essencialmente, espa-

ços de resolução de litígios da vida adulta.

Eduardo de Oliveira Leite elenca três ordens de dificul-

dades decorrentes da inquirição da criança: a) as relativas à decisão de

ouvir a criança; b) as que se referem às modalidades de oitiva; c) as que

são criadas pela seqüência da oitiva46. Não há como confundir o respeito à

criança, preconizado pela Convenção das Nações Unidas sobre os Direi-

tos da Criança, ao prever a sua oitiva (de forma direta ou indireta), como

ressalta o artigo 12, com a violência decorrente da exigência de produzir

judicialmente a prova da materialidade da violência sexual sofrida, através

de sua inquirição, desconsiderando o estágio de maturidade e desenvolvi-

mento em que se encontra. No que tange à modalidade de inquirição, em

que pese algumas iniciativas que visam minorar as dificuldades impostas à

criança47, em essência, continua a buscar a produção da prova, em especi-

al, da materialidade, sem considerar os danos que o depoimento pode

causar ao aparelho psíquico da vítima. No momento que a criança relata o

fato, objetivo principal de sua inquirção, ao Juiz ou técnico do Juizado,

não se observa a adoção de qualquer medida para auxiliar a criança a

minimizar o sofrimento psíquico decorrente do trauma experimentado.

O aumento das notificações de violência sexual aliado à

necessidade de assegurar a proteção integral à criança tem despertado o

45 BORBA, Maria Rosi de Meira. O duplo processo de vitimização da criança abusada sexualmente:pelo abusador e pelo agente estatal, na apuração do evento delituoso, p. 3. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3246> Acesso em: 1º dez. 2005.

46 OLIVEIRA LEITE, Eduardo de. A oitiva de crianças nos processos de família. Revista Jurídica, n. 278,dez. 2000, p. 27.

47 No Rio Grande do Sul, foi instituído o Projeto Depoimento sem Dano. A oitiva da criança passa a serem sala especial, através de assistentes sociais ou psicólogos, acompanhado pelo magistrado, pro-motor e advogado, com comunicação através de intercomunicadores, com filmagem, permitindoque o Juiz formule perguntas à técnica, a serem formuladas à criança.

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92

interesse dos profissionais em encontrar alternativas menos danosas à cri-

ança. Anualmente, “são comunicados 5.000 casos de incesto”; “o abusador

é conhecido da criança e usa sedução ou suborno para que ela ceda”,

sendo que “esta forma de tirar vantagem da imaturidade e vulnerabilidade

infantil tem uma importante conseqüência para a criança que, mais tarde,

poderá sentir-se culpada e responsável”48.

Inúmeras tentativas têm sido testadas com o fim de

minimizar os efeitos que a oitiva judicial acarreta à criança. Barry D.

Garfinkel et al., ao tratar da violência na infância, assinalam:

Embora não haja abordagens padronizadas para

entrevistar crianças sobre qualquer assunto, tem

havido uma tentativa de organizar a entrevista por

abuso sexual para assegurar ao tribunal que a cri-

ança não foi instigada nem lhe foram feitas pergun-

tas diretivas (Sgroi, 1985; Burgess, 1987; Johnson

e Showers, 1985). Muitas das técnicas usadas em

crianças pequenas, incluindo o uso de bonecas e

desenhos para ajudar a criança a explicar possíveis

eventos de abuso sexual, não foram estudadas com

grupos-controle e são controvertidas (Cohn, 1988;

Sivan, 1988)49.

Países europeus investigam e estudam “a organização e

a operacionalização de uma entrevista entre a criança e o juiz em condi-

ções mais ou menos formalistas”, sendo que a Bélgica, Holanda, França e

Alemanha já publicaram textos legislativos neste sentido50.

Para a doutrina tradicional, em face do princípio da ver-

dade real, instala-se a obrigatoriedade da inquirição da vítima, porquanto

“deve o juiz buscar todos os meios lícitos e plausíveis para atingir o estado

de certeza que lhe permitirá formar o seu veredito”51. Paradoxalmente, é

48 LEWIS, Melvin; VOLKMAR, Fred R. Aspectos Clínicos do Desenvolvimento na Infância e Adolescên-cia. 3.ed. Traduzido por Gabriela Giacomet. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993, p. 101.

49 GARFINKEL, Barry D.; CARLSON, Grabielle A.; WELLER, Elizabeth B. Op. cit., p. 301.

50 OLIVEIRA LEITE, Eduardo de. Op. cit., p. 27.

51 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 4.ed. São Paulo: Revista dosTribunais, 2005, p. 200.

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93

na mesma doutrina que encontramos subsídios para afastar a inquirição

da vítima, quando criança:

(...) as declarações do ofendido constituem meio

de prova, tanto quanto o interrogatório do réu,

quando este resolve falar ao juiz; (...) não se pode

dar o mesmo valor à palavra da vítima que se costu-

ma conferir ao depoimento de uma testemunha,

esta, presumidamente, imparcial; (...) a vítima é

pessoa diretamente envolvida pela prática do

crime, pois algum bem ou interesse seu foi vio-

lado, razão pela qual pode estar coberta por

emoções perturbadoras do seu processo psí-

quico, levando-a à ira, ao medo, à mentira, ao

erro, às ilusões de percepção, ao desejo de vin-

gança, à esperança de obter vantagens econômicas

e à vontade expressa de se desculpar - neste últi-

mo caso, quando termina contribuindo para a prá-

tica do crime (Psicologia Jurídica, V. II, p. 155-157).

Por outro lado, há aspectos ligados ao sofri-

mento pelo qual passou a vítima, quando da

prática do delito, podendo, então, haver

distorções naturais em suas declarações; (...) a

ânsia de permanecer com os seres amados,

mormente porque dá como certo e acabado o

crime ocorrido, faz com que se voltem ao futu-

ro, querendo, de todo o modo, absolver o cul-

pado. É a situação muitas vezes enfrentada por

mulheres agredidas por seus maridos, por filhos

violentados por seus pais e, mesmo por

genitores idosos atacados ou enganados por seus

descendentes (sem grifo no original)52.

52 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 4.ed. São Paulo: Revista dosTribunais, 2005,, p. 415/416.

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94

O depoimento da vítima, considerada por alguns auto-

res como testemunha, não se reveste de credibilidade absoluta, porquan-

to suas declarações vêm impregnadas de impressões pessoais, havendo

“um certo coeficiente pessoal na percepção e na evocação da memória,

que torna, necessariamente incompleta a recordação, de forma que não

há maior erro que considerar a testemunha como uma chapa fotográfica”.

Diversos são os fatores a interferir na prova testemunhal, como o interes-

se, a emoção e, assim, sucessivamente53.

Não se pode esquecer que a criança, “mesmo dizendo a

verdade, é tão facilmente sugestionável que pode, com facilidade, ser

induzida a retratar-se numa acareação, especialmente sendo-lhe oposta

uma pessoa a quem tema e respeite”54. Há que se buscar, em juízo ou fora

dele,

(...) evitar a ocorrência do segundo processo de

vitimização, que se dá nas Delegacias, Conselhos

Tutelares e na presença do juiz, quando da apura-

ção de evento delituoso, causando na vítima os

chamados danos secundários advindos de uma

equivocada abordagem realizada quando da com-

provação do fato criminoso e que, segundo a me-

lhor psicologia, poderiam ser tão ou mais graves

que o próprio abuso sexual sofrido55.

Substituir a inquirição da criança vítima de violência

sexual pela perícia médica psiquiátrica, através de profissionais

especializados na área da infância, mostra-se o caminho mais recomenda-

do para assegurar à criança a proteção integral que a Constituição Federal

preconiza, em sintonia com a Convenção das Nações Unidas sobre os Di-

reitos da Criança e a Lei nº 8.069/90, reservando-se a medida apenas aos

casos em que a criança manifesta o desejo de ser ouvida pela autoridade

judicial.

53 ALTAVILLA, Enrico. Psicologia Judiciária. 3.ed. Coimbra: Armênio Amado, 1982, p. 252.

54 Idem, p. 332.

55 BORBA, Maria Rosi de Meira. Op. cit., p. 1.

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95

É momento de pensar em mecanismos de averiguar o

dano psíquico56, situado no campo da proteção à saúde, em substituição à

exigência da inquirição da vítima, quando criança, como meio de provar a

materialidade, evitando a reedição do trauma já experimentado. Raramen-

te é possível apurar os danos físicos, sem afastar, contudo, a ocorrência do

crime. As marcas mais importantes, como sinalizam os conhecimentos ci-

entíficos disponíveis na contemporaneidade, se situam na esfera psíquica

das pequenas vítimas cujas seqüelas podem se estender por toda a vida ao

passo que as lesões físicas tendem a cicatrizar e desaparecer.

III. CONSIDERAÇÔES FINAIS

A condição de sujeito de direitos é uma conquista re-

cente da criança. Historicamente vista como objeto a serviço dos interes-

ses dos adultos, especialmente a partir do século XX, a infância passa a ser

compreendida como uma etapa do desenvolvimento humano. Vários do-

cumentos internacionais alertam para a sua relevância, desencadeando a

revisão das legislações, condutas e dos procedimentos adotados com o

intuito de garantir direitos àqueles que ainda não atingiram dezoito anos.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 é considerada o divisor de águas,

seguida do Estatuto da Criança e do Adolescente.

O desconhecimento por parte de muitos profissionais

integrantes do Sistema de Justiça do funcionamento das famílias em que

está presente o abuso sexual da criança, da extensão dos danos psíquicos

causados, bem como a não utilização dos instrumentos jurídicos por um

ângulo clínico (especialmente o conteúdo das perícias psiquiátricas dos

pais e das vítimas; relevância do tratamento das vítimas; falta de explora-

ção do trabalho terapêutico voltado para os pais que se encontram no

sistema carcerário) faz com que a intervenção destes profissionais não

contribua, como era de se esperar, para minimizar o sofrimento da criança

56 Dano psíquico, ligado à noção de sofrimento psíquico e de dano moral, enseja responsabilidadecivil. Ver Apelações Cíveis nos 70011567195 (Quinta Câmara Cível, Relator Dr. Antonio ViniciusAmaro da Silveira, 23 de junho de 2005, Porto Alegre) e 70010597631 (Nona Câmara Cível, RelatorDes. Odone Sanguiné, 15 de junho de 2005, Porto Alegre) do Tribunal de Justiça do Rio Grande doSul.

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96

vítima da violência sexual intrafamiliar.

É tempo de valorizar, além das marcas físicas, os danos

produzidos no aparelho psíquico, investindo na criação de cargos de peri-

tos psicólogos e psiquiatras, especialistas em crianças e adolescentes e,

quiçá, criando quesitos, a exemplo do que ocorre com as lesões corpo-

rais, o estupro, o atentado violento ao pudor, liberando a criança da

reedição do trauma sempre que é chamada a prestar depoimento.

O Sistema de Justiça começa a perceber a relevância do

seu papel, repensando procedimentos e investindo em ações abraçadas

pelo manto da interdisciplinaridade. Revisar condutas está na pauta das

discussões internacionais, não podendo o Brasil aguardar o alerta vindo

de outros cantos do mundo para sentir-se autorizado a dar efetividade aos

paradigmas impostos pela Carta Maior.

Page 97: Pericia Direito Familia

Maria Regina Fay de Azambuja

97

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Verônica Petersen Chaves

102

PERÍCIA PSICOLÓGICA

VERÔNICA PETERSEN CHAVES

Psicóloga do Juizado da Infância e da

Juventude

Especialista em psicoterapia da

infância e da adolescência

Mestre em psicologia - UFRGS

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Verônica Petersen Chaves

103

O que é a perícia psicológica senão a nossa avaliação

psicológica de nosso cotidiano enquanto psicólogos, estejamos onde es-

tejamos.

Nossa formação teórica e técnica de base irão nortear

nossa metodologia adequando essa atividade básica ao contexto jurídico,

mais especificamente forense.

O que seria exatamente esta adequação. Seria a

contextualização dos aspectos essenciais da avaliação ao âmbito jurídico:

DemandaSujeitoContratoDevolução

Diferente do contexto da avaliação clínica, em uma pe-

rícia dificilmente teremos uma demanda espontânea das partes. O pedido

de virá da autoridade judiciária – magistrado ou o promotor de justiça; ou

do instrumentador do processo – defensor. O sujeito da perícia então,

não necessariamente é aquele a quem se dirige o processo.

A avaliação clínica de crianças é uma prática que exige

do psicólogo conhecimentos específicos. É um sujeito em desenvolvimen-

to e que precisa ser visto e compreendido como tal. A perícia então dobra

a necessidade de cuidados e preparação, pois a esta questão se sobrepõe

o contexto judicial – seja ele litigioso ou não.

Nossas crianças são cada vez mais seres sociais, inseri-

dos em diferentes contextos. Sabedoras de suas necessidades e direitos,

dificilmente o objetivo de uma perícia psicológica lhe passará desaperce-

bida. Este, dependendo de seu interlocutor direto, poderá ter sido

distorcido voluntária ou involuntariamente, consciente ou inconsciente-

mente. Examinar junto à criança qual a sua crença a respeito do trabalho a

ser realizado e a importância disto, além de precioso dado avaliativo, é

uma de nossas primeiras tarefas. Desta forma saberemos quais os desejos,

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Verônica Petersen Chaves

104

necessidades e expectativas da criança e, principalmente, como podere-

mos estar a serviço dela enquanto profissionais de saúde mental.

Ao definirmos junto à criança o objetivo de nosso traba-

lho, estaremos cumprindo a primeira etapa de nosso contrato com ela,

definindo nosso papel e forma como iremos proceder juntos. A interfe-

rência do setting e de terceiros precisa ser abordada de forma a estabele-

cer uma comunicação fluida. Precisamos dizer claramente a criança o que

precisamos saber, quem saberá o que estamos conversando e porquê

(confidencialidade), que outras pessoas farão parte do processo de avalia-

ção.

Não raro, estaremos em contato com crianças em sofri-

mento, vítimas diretas ou indiretas das questões judiciais implicadas. A

possibilidade de reinserí-las agora como agentes ativos no processo pode-

rá ser salutar, desde que sejam respeitados os seus limites.

Assim como na avaliação clínica, nossa linguagem e ins-

trumentos deverão estar de acordo com a faixa etária e interesses da crian-

ça. A adequação do setting e dos instrumentos é essencial para que possa-

mos efetivamente nos aproximar da criança. Colocaremos a disposição

dela objetos que estejam ligados ao seu cotidiano e realidade, facilitando

sua expressão. O uso do material lúdico se faz essencial. O material gráfi-

co também será de grande valia, pois a produção gráfica da criança, além

de possibilitar a manifestação subjetiva espontânea, nos trará dados possí-

veis de serem objetivados – HTP, desenho da família. Não existem instru-

mentos específicos para a perícia de crianças em nosso país. Precisaremos

selecionar dentro dos instrumentos da psicologia aqueles que mais aten-

dem a criança a qual estamos diante naquele momento.

Nossa última e solitária e trabalhosa tarefa será traduzir

a experiência de avaliação de crianças em um contexto lógico, objetivo e

conciso como deve ser um laudo pericial. Garimpar aquilo que é essencial

dentro de uma teia de dados é árduo e muitas vezes difícil. A linguagem

lúdica da criança passará pelo crivo da interpretação do psicólogo. Este

deverá redobrar o cuidado para que seja um tradutor fidedigno do con-

texto avaliativo, sem que a contaminação de seus próprios valores e prin-

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Verônica Petersen Chaves

105

cípio tomem parte no trabalho. Também as informações fornecidas por

outras pessoas que participam do processo devem ser filtradas e aproxi-

madas da realidade que a própria criança traz.

Por fim, podemos considerar que a perícia psicológica

de crianças é um desafio aos psicólogos jurídicos em diversos níveis. Ela

nos exige circular e aproximar diversos mundos que não necessariamente

nos são tão naturais como o universo infantil e o universo jurídico.